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Luísa Pereira 2018/2019

DIREITO PROCESSUAL PENAL


PRÁTICAS – ANA ISABEL PAIS
Aula 06.03.2019

1. Introdução

Desde o terceiro ano que estudamos o direito penal substantivo. Fica-nos apenas a faltar,
naquilo que se chama o âmbito da ciência penal, o direito penal executivo – a concreta
execução das penas e das medidas de segurança. Não há uma disciplina autónoma de direito
executivo. No entanto, já nos deparamos com alguns institutos da execução das penas e das
medidas de segurança (liberdade condicional, liberdade para a prova, regime para a
permanência na habitação).

Agora, vamos debruçar-nos no direito penal processual, direito penal adjetivo. Isso significa
que vamos estudar concretamente o quê? Simplificando, o que é um processo? É um caminho.
Claro que como é juridico transforma-se numa tramitação de atos específicos que tem uma
finalidade. Trata-se de um desencadear de atos, com regras jurídicas especificas, que têm um
ponto de partida e um ponto de chegada. O ponto de partida é a aquisição da notícia do crime e
não com o crime em si. Esta aquisição pode ser dada em várias formas, por exemplo, a queixa.
Art 241.º CPP – aquisição da notícia do crime. Há três formas de aquisição da notícia do crime:
conhecimento próprio do ministério público, crime, denuncia e conhecimento dos órgãos
criminais. O objetivo, o ponto de chegada, do processo penal é uma sentença condenatória. Mas
nós não chegamos ao fim com a sentença porque pode haver recurso. Por isso, só atingimos o
objetivo com o trânsito em julgado da sentença. Em processo penal, a sentença transitada em
julgada torna-se tendencialmente imutável no ordenamento juridico. Contudo, em processo
penal há recurso de natureza extraordinário, em que pode haver revisão da sentença mesmo
depois do trânsito em julgado.

Matéria importante dada na última aula do semestre: matéria dos recursos.

Há direito civil sem processo? Sim. E direito penal sem processo? Não há, porque estamos a
falar de um direito de última ratio. É um direito que aplicado em concreto com essa natureza
subsidiária porque tem uma influencia muito particular sobre os direitos dos cidadãos,
nomeadamente, a restrição do direito fundamental da liberdade dos cidadãos. E processo penal
adjetivo sem direito penal sem substantivo? também não, porque temos sempre que recorrer
ao direito penal. Assim, a relação que se estabelece entre o direito penal substantivo e o direito
penal processual é uma relação mútua de complementaridade funcional. Eles são
complementares quanto à função, quanto à tarefa que desempenham. Não há processo penal
sem direito penal e vice-versa. Esta é uma singularidade.

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2. Cronograma da tramitação do processo

Feita esta introdução, vamos agora passar ao cronograma da tramitação do processo. Este
cronograma diz respeito à tramitação do processo penal comum. Em processo penal, há
também processo especiais. Há 3 processo especiais. Eles vêm regulados na parte final do
código, designadamente no livro VIII (processo sumario – art 381.º e ss; processo abreviado –
art 391.º-A e ss; processo sumaríssimo – art 392.º e ss). Estes processos especiais são
diferentes em relaçao ao processo penal, no que toca à supressão de determinadas fases
processuais. São processos mais céleres e mais simples, aplicando-se sobretudo, a crimes de
menor gravidade.

A tramitação do processo penal comum é uma tramitação tendencionalmente unitária. A


tramitação é a mesma, independentemente da natureza e da gravidade do crime em causa. No
entanto, há algumas situaçoes em que a natureza e a gravidade pode ter alguma influência na
tramitação (ex: o tribunal competente para o julgamento – singular, coletivo ou de júri).

a) Aquisição da notícia do crime (art 241.º CPP)

É o ponto de partida.

b) Fase de inquérito (arts 262.º e ss CPP)

É a primeira fase do processo penal que serve para investigar. A entidade competente para
dirigir esta fase é o Ministério Público. O Ministério Público é o dominus? [é o senhor] do
inquérito (art 263.º CPC).

O Ministério Público pode beneficiar dos órgãos de polícia criminal. Não dirigem esta fase, mas
por delegação do Ministério Público realizam várias tarefas que são relevantes na investigação
(ex: realizar testes de ADN, recolha de vestígios no local). Isto não significa que tenham a
direção do inquérito, porque nunca têm. Por isso é que no art 260.º, n.º 3 se fala de “assistido”.

O que são órgãos de polícia criminal? (art 1.º, al.c). O que é uma autoridade judiciaria? Juiz, juiz
de instrução e Ministério Público (art 1.º, al.b). Temos logo aqui dois conceitos muito
relevantes. O art 263.º CPC deve ser complementado com o art 48.º e ss, que se referem às
competências destes intervenientes.

O inquérito termina com uma decisão do MP, que pode ser uma de duas: decisão de acusação
(293.º) ou decisão de arquivamento (277.º). Acusa-se quando há indícios suficientes e por isso
submete-se a causa a julgamento. Arquiva-se quando não há indícios suficientes e por isso não
se submete a causa a julgamento.

O art 280.º e 281.º são dois institutos que são alternativas à acusação. São duas situações que
estudaremos a fundo e que pode fazer com que o MP, apesar de ter indícios suficientes não
acuse. Diferente é quando há indícios suficientes, mas o MP aquiva, por exemplo, quando há
prescrição do crime. Desta fase podemos saltar logo para o julgamento, mas também pode
acontecer que entre a fase de inquérito e o julgamento pode existir uma fase intermedia: a fase
de instrução.

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c) Fase de instrução (art 286.º CPP)

Esta é uma fase eventual porque é uma fase facultativa, na medida em que só existe quando há
requerimento. Uma das situações em que há requerimento de abertura de instrução é a pedido
do arguido, em caso de acusação. Outra situação em que há requerimento de abertura de
instrução pode ser a pedido do assistente, em caso de arquivamento (art 227.º, n.º1, al.b). No
entanto, ao olhar para o a al. b), o assistente também pode requerer a abertura de instrução
quando haja acusação. O assistente pode querer requerer a abertura de instrução, em caso de
acusação, quando discorde com os termos da acusação.

A finalidade da instrução é a de comprovar judicialmente a decisão tomada no final do


inquérito, seja ela de acusação, seja ela de arquivamento (art 286.º CPC). Assim, o responsável
por esta fase é o juiz de instrução (art 288.º CPC e art 32.º, n.º4 CRP – principio da
judicialização da instrução). Olhando para o art 288.º podemos acrescentar aqui os órgãos de
polícia criminal, que podem auxiliar o juiz de instrução.

Quem é o juiz de instrução criminal? (art 17.º CPC). Pode-se falar no juiz de instrução sem ser
na fase da instrução. O juiz de instrução pode praticar atos contados na fase de inquérito,
nomeadamente aqueles dos atos que decorrem dos arts 268º e 269.º CPP. A instrução termina
com uma de duas decisões possíveis: despacho de pronúncia ou despacho de não pronúncia
(art 307.º e 308.º CPP). Na decisão de pronuncia vamos a julgamento e na decisão de não
pronúncia fica-se por ali. Quanto as estas decisões, como estamos perante uma decisão judicial,
pode haver recurso das decisões instrutórias (art 310.º CPP). Isto não acontece na fase de
inquérito pois a decisão é tomada pelo MP.

d) Julgamento (art 311.ºe ss CPP).

O tribunal que julga pode ser singular (1 juiz – art 16.º), coletivo (3 juízes- art 14.º), ou júri (3
juízes e 4 jurados – art 13.º). No caso do tribunal de júri, os jurados decidem sobre tudo,
incluindo sobre a questão de direito, e no fim são eles que decidem.

O julgamento termina com uma decisão condenatória ou com uma decisão absolutória (art
365.º e ss). Depois de proferida a sentença, seja ela qual for, pode seguir-se a fase de recurso,
na medida em que, em processo penal, há sempre, no minimo, um grau de recurso.

e) Recurso (arts 399.º e ss CPP)

O prazo é de 30 dias. Esta fase pode ocorrer ou não, pois as partes processuais podem
conformar-se ou não com a decisão do tribunal.

Aula 13.03.2019

É uma matéria importante que sai muitas vezes no exame, possivelmente combinada com
outras matérias (medidas de coação, meios de obtenção de prova).

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3. Finalidades do processo penal

As finalidades primarias do processo penal são três (não há ordem de importância):

• Realização da justiça e descoberta da verdade material – juridicamente podemos falar


em várias verdades, sendo que em processo penal damos enfase à verdade material. A
verdade (formal) que é criada em sede de processo pode não ser igual à verdade
material. A verdade material é a verdade real dos factos. Não significa que se consiga
atingir, mas essa é a finalidade. Verdade material não é um conceito doutrinário, mas
sim um conceito do código. A ideia de verdade material é uma ideia fundamental.

• Proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos perante o Estado – no processo penal
esta finalidade tem um alcance e uma finalidade muito importante. O direito penal é um
direito de última ratio. Assim, como direito de última ratio, podemos estar a privar os
cidadãos de certos direitos fundamentais para a realização deste direito. Podemos ver
como exemplos de lesões de direitos fundamentais dos cidadãos praticadas à ordem do
processo as escutas, as buscas, a prisão preventiva … se a finalidade do processo é
proteger os direitos de arguido, como é que é possivel a existência de medidas de
coação, por exemplo, a prisão preventiva? As medidas de coação revelam-se legitimas à
luz da realização da justiça e da descoberta da verdade. A prisão preventiva não é uma
medida cautelar sem limites – há restrições quanto ao prazo máximo e não se aplica a
todos os crimes. Estes limites têm de existir para proteger esta finalidade. Falamos em
proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos porque não falamos apenas da invasão
dos direitos fundamentais do arguido, mas também de terceiros. Claro que os direitos
do arguido são os mais fortemente afetados, mas também são afetados os direitos de
terceiros e que precisam de ser tutelados perante o estado.

• Restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa com a prática do facto e a


consequente reafirmação da validade da norma violada – são expressões da prevenção
geral preventiva, que é finalidade das penas e das medidas de segurança, mas também é
finalidade do processo. Quando se dá o efeito do caso julgado reestabelece a paz jurídica
comunitária, porque aí, tendencionalmente, já não há alterações da decisão. A ideia da
celeridade é importante para esta finalidade. Há um instituto que é revelador do conflito
desta finalidade com a primeira – instituto do recurso de revisão. Vamos estudar
recursos ordinários e extraordinários. Em regra, os recursos são ordinários, em que o
recurso é interposto antes do transito em julgado da decisão. Contudo em processo
penal, há recursos interpostos mesmo depois do transito em julgado da decisao,
nomeadamente, o recurso de revisão. O recurso da revisão é instituto que demonstra
que é possivel por em causa esta finalidade para salvaguardar a descoberta da verdade
material.

As finalidades do processo penal assumem o carater inevitavelmente conflituante, pelo que, na


generalidade dos problemas suscitados no processo penal, não é possivel a harmonização
integral das finalidades proferidas, pelo que devemos procurar resolver esta conflitualidade

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operando uma concordância prática entre as finalidades em conflito, ou seja, tentando


salvaguardar, em cada situação, o máximo de conteúdo possivel de cada finalidade.

Quando há conflito entre estas finalidade, fazemos a concordância prática, tentando-se realizar
o máximo possivel de cada finalidade, harmonizando-as integralmente. Esta tarefa de
concordância prática, contudo tem um limite – quando estiver em causa a dignidade da pessoa
humana, nenhuma transação é possivel, já que estamos perante um valor absoluto, que não
pode ceder perante qualquer outro valor ou interesse. Por isso, nesse caso, deve ser dada
prevalência à finalidade do processo que conferir total cumprimento à garantia constitucional
da garantia da dignidade da pessoa humana (por exemplo, o art 126.º, n.º1 CPC – a tortura é
uma prática que põe em causa a dignidade da pessoa humana, sendo que aqui não há nenhuma
transação. Estamos um limite absoluto que jamais pode ser posto em causa).

4. Estruturas do processo penal

Vamos falar de duas estruturas tradicionais do processo – estrutura inquisitória e estrutura


acusatória. Depois vamos fala de estrutura combinadas ou mista – aquela que é atual do
processo penal português e aquela que era anterior à atual.

Estrutura Inquisitória

As estruturas processuais de tipo inquisitório vêm da Inquisição. A Inquisição era um tribunal


religioso do Santo Ofício. Era um tribunal da Idade Média, que depois foi recuperada, não para
no contexto religioso, mas sim no contexto de estados absolutistas do século XVII.

O processo inquisitório era um processo reduzido a escrito, com natureza secreta, em que se
privilegiava, como meio de prova, a confissão do arguido.

A confissão era a rainha das provas, em que se tentava a todo o custo a confissão do arguido,
em a finalidade do processo será, alegadamente, a descoberta da verdade. estamos a falar de
uma confissão que podia ser obtida até por tortura, pelo que não podemos falar
necessariamente de uma verdade material. Muitas vezes é uma verdade que o arguido é
obrigado a dizer.

O arguido é o mero objeto do processo, na medida em que não são reconhecidas autênticas
garantias de defesa.

No processo inquisitório, o juiz assume-se como uma entidade dependente do poder político
(isto é muito típico do absolutismo). O juiz concentra em si todas as tarefas do pp – investiga,
acusa e julga.

Estrutura Acusatória

As estruturas processuais de tipo acusatório surgem com o iluminismo, ou seja, pós-revolução


francesa (final do seculo XVIII). Este movimento iluminista veio concentrar nos indivíduos.
Cada um de nós é um individuo, que é um centro de imputação de direitos e deveres.

O papel do arguido é assumido como um sujeito no processo, e por isso são-lhe reconhecidas
autónomas garantias de defesa. Este pode participar ativa e constitutivamente no processo.

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O processo acusatório é um processo de igualdade de armas, tendencionalmente paritário. A


acusação e a defesa são partes de uma lide. A finalidade principal é a proteção fundamental dos
direitos dos cidadãos, maxime do arguido.

O papel do juiz evolui. Aqui é importante o princípio da acusação. este princípio obriga à
separação de tarefas entre quem investiga e acusa e quem julga. Portanto, o juiz no processo
acusatório, limita-se à tarefa de julgar. No acusatório tradicional, o juiz assume-se como um
juiz passivo. o juiz limita-se a julgar o que for trazido ao processo pelas partes (acusação e
defesa) – princípio da autorresponsabilidade probatória das partes.

Estrutura do Inquisitório Mitigado

Esta era uma estrutura típica das ideologias totalitário-fascistas. A finalidade principal era a
descoberta da verdade. valia aqui o princípio da acusação. havia uma separação de tarefas
entre quem investiga e acusa e quem julga. Ou seja, parece que o que está em causa é uma
estrutura acusatória. No entanto, este princípio apenas valia formalmente. Daí a aparência de
acusatório, levantando-se o véu, via-se o inquisitório mitigado. Materialmente, o juiz era quem
dirigia a investigação, e era tambem ele que ordenava ao MP que acusasse ou arquivasse.

Estrutura acusatória integrada por um princípio de investigação

Esta é a estrutura atual do processo penal português.

É de base acusatório porque vigora o princípio da acusação – a entidade que investiga e acusa é
diferente daquele que julga. A estrutura acusatória é diferente do princípio da acusação. um
conceito é mais amplo do que outro. O princípio da acusação é apenas uma característica da
estrutura acusatória. A estrutura acusatória é muito mais ampla.

A tarefa acusatória entre nós é mais forte. O nosso sistema revela, além de um princípio de
acusação, uma máxima acusatoriedade possivel. Alem da separação de tarefas, nós tambem
temos uma separação de magistraturas. Nós temos uma magistratura para investigar e acusar
(magistratura do Ministério Público) e outra magistratura para julgar (magistratura judicial).

O arguido é um sujeito processual. Na estrutura acusatória portuguesa, há uma participação


constitutiva dos sujeitos processuais na declaração do direito ao caso concreto.

Temos três finalidades conflituantes, procurando a sua concordância pratica. Estamos a falar
da realização da justiça e busca da verdade material; proteção dos direitos fundamentais dos
cidadãos perante o Estado e restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa com
a prática do facto e a consequente reafirmação da validade da norma violada

Apesar da estrutura ser acusatória há uma diferença importante com a estrutura acusatória
tradicional. No sistema português não há uma paridade entre as partes. Há um princípio do
contraditório, mas isso é diferente de dizer que há igualdade de armas. E não há igualdade
porque não encontramos este processo como um processo de pates (a acusação e a defesa não
são partes). A relação de supra infra ordenação. Temos um arguido e temos o Estado a exercer
o seu poder punitivo. O arguido nunca vai ser igual ao MP, nem outra parte. Desde logo, apenas

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o arguido vai ser submetido a medidas de coação, por exemplo. É melhor assumir isto e depois
dar garantias de defesa ao arguido, do que estar a fingir uma coisa que não existe.

Por outro lado, o MP não é uma parte porque o MP não é advogado do Estado, não é um puro
acusador. Isto é assim porque o legislador o definiu assim no art 53.º, n.º1 CPC. O MP tem de
ser objetivo na análise. Uma parte é tipicamente parcial, e o MP tem de ser imparcial e objetivo
e não parcial e subjetivo. O MP tanto deve pedir a acusação como a absolvição se assim
entender. Basta olhar para o art 53.º, n.º2, al.d) CPC – onde é que o MP que é parte vai interpor
recursos mesmo que no exclusivo interesse do arguido?

O princípio da investigação é aqui relevante, porque o nosso juiz é um juiz passivo. o juiz pode
investigar. Será isto concordante com o princípio da acusação? parece que estamos a
desvirtuar a separação de tarefas. O juiz pode investigar, mas apenas aquilo que couber dentro
de um círculo muito estrito que se chama o objeto do processo (aquilo que está contido na
acusação).

Aula 20.03.2019

Dissemos que o princípio da investigação nada tem a ver com o MP. Se fosse essa a função, qual
era a necessidade de autonomizar este princípio? Só faz sentido autonomizar porque o sentido
do princípio não é isso. A ideia de que o MP investiga já está contido no princípio acusatório. O
sentido deste princípio tem a ver com poder-dever do juiz de investigação.

Por exemplo, o juiz pode chamar testemunhas que não foram arroladas no processo e que este
considera ser importantes para a descoberta da verdade material. O juiz pode também ir ao
local por iniciativa própria. O juiz também pode requerer prova pericial por iniciativa própria.
Se o juiz considerar que é relevante para a descoberta da verdade o juiz pode investigar se for
necessário para a descoberta da verdade. Tudo isto é fundamentado pelo art 340.º, n.º1 CPC.

Aqui há uma palavra decisiva que sem ela poderia não estar em causa o poder-dever de
investigação do juiz – “oficiosamente”. O nosso juiz no processo penal pode, por modo próprio,
por iniciativa dele, ordenar meios de produção de prova que ninguém fez ou arrolou, se isso for
essencial para a descoberta da verdade e da boa decisão da causa. Esta é uma avaliação que o
juiz faz e que lhe é atribuído por esta estrutura dilatória.

Este poder-dever tem duas características importantes – é limitado e subsidiário.

A estrutura acusatória do processo penal português é integrada por um princípio de


investigação, já que o tribunal tem o poder-dever de investigar os factos, independentemente
do contributo dos outros sujeitos processuais, criando ele próprio as bases da sua decisao. Tal
demonstra que o juiz, no processo penal português, não é um juiz passivo. pelo contrário, a sua
atuação, está orientada para a busca da verdade material, não se bastando, pois, com uma
verdade meramente formal, resultante da atividade probatória das partes.

Contudo, este poder-dever de investigação não pode ser ilimitado, sob pena de desvirtuar o
conteúdo do principio da acusação. Diz-se, por isso, que é um poder subsidiário, na medida em

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que o juiz não recorre a este poder sempre e em primeira linha, mas apenas quando se mostrar
necessário à descoberta da verdade e da boa decisao da causa (art 340.º, n.º 1 CPC).

Por outro lado, é limitado porque o juiz só pode investigar os factos que compõe o objeto do
processo, que, em regra, e prima facia é definido pela acusação proferida no final do inquérito
(a acusação pode não ser a única peça processual a modelar o objeto do processo, já que
havendo instrução será relevante, também, o requerimento de abertura de instrução e o
despacho de pronúncia; estas peças processuais também podem definir o objeto do processo,
mesmo em casos em que não houve acusação, ou seja, mesmo em casos em que houve
arquivamento).

Esta característica da estrutura acusatória denota aquilo a que se chama, geralmente,


“indisponibilidade do objeto do processo”. O objeto do processo se forma em regra com a
acusação. Mas o processo pode haver arquivamento, sendo que o processo de extingue. Mas
havendo arquivamento, pode haver requerimento de abertura de instrução. Assim, aqui o
objeto forma-se no requerimento de abertura de instrução. Isto tudo para mostra que a regra é
o objeto do processo se formar na acusação, mas nem sempre é assim.

Estas características do processo (poder subsidiário e limitado de investigação do juiz) são


muito importantes para outras situaçoes, pois muitas vezes não andamos à procura, mas
encontramos. Foi descoberto algo que extravasa o objeto do processo. E agora? A esta pergunta
vamos responder ao longo das aulas.

5. Os sujeitos processuais

Uma das características da estrutura acusatória é a participação constitutiva dos sujeitos


processuais.

Sujeitos processuais Participantes (exemplos)


• Juiz • Vítima
• Assistente • Órgãos de polícia criminal
• MP • Testemunhas
• Defensor • Ofendido
• Arguido • Suspeito
• Peritos

Os sujeitos processuais são os intervenientes do processo que exercem “direitos autónomos de


conformação da concreta tramitação do processo como um todo em vista da sua decisão final”.
Pelo contrário, os meros participantes são aqueles que “praticam atos singulares cujo conteúdo
processual se esgota na própria atividade”. Os sujeitos processuais têm poderes de
conformação processual que os participantes não têm. Esses poderes não têm a ver com a
importância, pois muitas vezes os participantes são decisivos no processo Portanto, a palavra
chave é a “conformação” pois aí é que está a diferença.

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O juiz é um sujeito processual porque a decisão tem força de caso julgado e tem sempre uma
força decisiva. Supondo que o juiz profere uma decisão de pronúncia, não ficamos
necessariamente, por aqui, pois o assistente e o MP podem recorrer. O direito ao recurso é
obviamente um exemplo de conformação processual.

A decisão do arquivamento ou de acusação é uma atuação processual do MP que revela


poderes de conformação.

O defensor é um sujeito processual porque a sua presença pode ser obrigatória em certos
casos. Não é o único sujeito processual que tem um advogado, pois o assistente também pode
constituir advogado. No entanto, o arguido tem sempre de constituir advogado pois há
determinados atos que não exigem a presença do arguido, mas que exigem sempre a presença
do defensor. É neste sentido que o advogado do arguido é sujeito processual e o advogado do
assistente não. Contudo, é obrigatório ao assistente constituir advogado porque é necessário
para a prática de certos atos que o assistente não sabe fazer. Mas uma coisa é exigencia técnica
outra coisa é a exigencia de presença.

Relativamente às partes civis, elas são ou não sujeitos processuais? Se estamos a falar de partes
civis no processo penal é porque o mesmo facto que constitui crime pode ser gerador de danos.
Esta questão de dano é um facto civil que vai ser discutido nos tribunais civis quando a parte
civil der entrada com uma ação civil. O legislador perguntou-se se seria necessário dois
tribunais a pronunciarem-se sobre a mesma realidade fáctica? Não faria sentido invocar aqui a
economia processual? O processo penal é o direito de última ratio. O processo civil só existe se
alguém der entrada com a ação, mas isto não acontece no direito penal. Assim, invés de pedir
uma ação autónoma vai pedir a indemnização civil, que vai ser deduzido no processo penal –
princípio da adesão (art 71.º CPC). É por isso que temos partes civis a intervir no processo
penal, mas em que qualidade? Enquanto sujeitos formais no processo penal e não material,
pois apesar de terem poderes de conformação, os seus poderes estão limitados aquele universo
do facto civil. ex: art 401.º - as partes civis podem recorrer da parte das decisões contra cada
uma proferidas (ficam excluídos de recorrer sobre a questao penal). O código não falou apenas
de lesados, usando um conceito mais amplo de partes civis. Assim, quem é que podem ser
partes civis? Além dos lesados, as seguradoras (não é lesante, não é lesado).

5.1. Juiz

Estamos a falar da figura do juiz, de qualquer juiz. A sua posição processual tem uma dupla
vertente.

• Por um lado, o juiz é dominus das fases processuais. Em que fases? A instrução (art
280.º CPC e art 32.º, n.º.4 CRP), julgamento (art 211.º e ss CPC) e recurso. No
julgamento pode intervir um tribunal singular, coletivo ou júri. No recurso há uma
intervenção dos tribunais superiores – Relação e STJ.
• Por outro lado, o juiz é a entidade exclusivamente competente para praticar certos atos
processuais que contendam com a restrição de direitos, liberdades e garantias, mesmo
que tenha de intervir em fases não judiciais, como o inquérito. O juiz de instrução

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pratica atos no inquérito (art 268.º CPC) e ordena ou autoriza a prática de atos (art
269.º CPC).

O juiz de instrução é o guardião dos direitos, liberdades e garantias, mas não no sentido de ser
o dominus da instrução, mas no sentido de acautelar certas garantias, mesmo em fases não
judiciais.

O estatuto de sujeito processual do juiz funda-se em três principios cruciais:

a) Princípio do monopólio da função jurisdicional

É ao juiz que cabe aplicar e declarar o direito ao caso concreto. São as decisões do juiz que tem
força de caso julgado (art 8.º CPC e 202.º CRP). Este princípio é sustentado por uma base
democrática. O facto de o juiz intervir na instrução, julgamento, recurso e fases não judicias
estão aqui garantias do monopólio da função jurisdicional.

b) Princípio da independência judicial

Nenhum juiz tem um superior hierárquico. O juiz é independente dos outros juízes, não
respondem perante ninguém, não acatam ordens no exercício da função jurisdicional, em
relaçao à própria sociedade, à própria justiça, aos demais poderes do estado. A preocupação é
com a garantia da imparcialidade do juiz.

O princípio da independência é assegurado por determinados mecanismos legais,


nomeadamente impedimentos e suspeições (arts 39º e ss CPP).

Os impedimentos são circunstâncias objetivas taxativas previstas na lei, que, se verificadas,


conduzem ao afastamento do juiz. A este propósito temos como fundamento impedimentos de
relações de caráter familiar, impedimentos pessoais, impedimentos por participação em
processo. Vamos supor que há um motim num estádio de futebol, onde o juiz estava e foi
chamado a testemunhar e depois, mais tarde, o processo onde testemunhou veio parar-lhe às
mãos. Aqui o juiz não pode julgar.

Vamos olhar com atenção ao art 40.º porque são situaçoes de participação em processo (art
40.º CPP). O art 40.º, al.a) CPP determina que quando o juiz intervém no processo e aplica uma
destas três medidas de coação, não pode participar no processo. A questão que se coloca é o
porquê destas três medidas de coação (proibição e imposição de condutas, obrigação de
permanência na habitação e prisão preventiva), e não as sete medidas de coação existentes? O
que é que estas têm de diferente? Há um requisito legal que só é exigido para estas três
medidas de coação – “fortes indícios da prática de um crime”. Se o juiz, para aplicar uma
daquelas três, tem de verificar se há ou não fortes indícios da prática de um crime, então ele
tem de já ter um conhecimento profundo do processo. Ao conhecer o processo desta forma, o
legislador considerou que isto condiciona a imparcialidade do juiz.

Isto é discutível. Será que o juiz quando aplica as outras medidas não está condicionado? Bem,
não podemos invocar um impedimento porque são taxativos. Mas nós temos sempre uma
válvula de escape, em que podemos não afastar o juiz com a figura do impedimento, mas antes
com o recurso a outras figuras.

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Discutiu-se a constitucionalidade desta norma (art40.º, al. a) CPP, no sentido de saber se o juiz
que decide manter a prisão de preventiva também fica impedido ou não. Se o juiz decide
manter a prisão preventiva tem de verificar os requisitos legais e não apenas por que o juiz
anterior a aplicou. Por isso, o TC decidiu que o juiz deve ficar impedido nos mesmos moldes.

Temos de ser cuidadosos na utilização dos conceitos porque o código tanto utiliza “fortes
indícios” ou como utiliza “indícios suficientes”. Estes conceitos não são coincidentes (mas isso
vamos ver mais à frente).

Na al. b) do art 40.º diz-se que o juiz que tiver presidido ao debate instrutório também fica
impedido. O debate instrutório é a única diligência da instrução. Havendo instrução o único ato
obrigatório que de certeza vai ter lugar é o debate instrutório. O debate instrutório é uma
espécie de “mini audiência de julgamento”. Um juiz que preside ao debate instrutório é um juiz
que vai decidir pronunciar-se ou não se pronunciar, isto é, vai decidir se aquele processo vai ou
não, deve ou não ir a julgamento, tendo, portanto, uma ideia pré formada sobre o processo.

Relativamente às seguintes alíneas do 40. CPP não tem muito que se diga, pelo menos, nesta
parte da matéria.

Se nada disto se verificar, mas se entender que há uma razão credível que serve para
fundamentar a sua falta de parcialidade, podemos recorrer à suspeição. Nas suspeições há uma
cláusula geral, sendo preciso avaliar em concreto se o juiz tem condições para julgar ou não
(art 43.º, n.º1 CPP). A suspeição subdivide-se em:

o Recusa – vale para os casos em que são os outros sujeitos processuais a


requerer o afastamento (art 43.º, n.º3 CPP);
o Escusa – vale para os casos em que é o juiz pede para ser afastado (art 43.º,
n.º4 CPP).

Assim, enquanto que no impedimento o juiz afasta-se e ponto, na suspeição, é preciso alguém a
avaliar se se verifica ou não o motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a
imparcialidade. Quem? O tribunal imediatamente superior (art 45.º, n.º1 CPP).

Se se perguntar qual é o princípio subjacente a estes institutos do impedimento e da suspeição


é o princípio da independência judicial, fundado no princípio da acusação.

c) Princípio do juiz lega/natural

Aula 27.03.2019

5.2. Ministério Público

O art 219.º CRP é a norma chave quando nos referimos ao sujeito processual MP e dela
retiramos algumas ideias-chave.

A primeira é da autonomia do MP. O MP é uma magistratura independente da magistratura


judicial e é autónoma do poder político. Só com o estado de direito democrático é que o MP se
tornou uma magistratura autónoma, que até lá estava sobre a alçada judicial e do poder
executivo.

11
Luísa Pereira 2018/2019

Mas tambem é verdade em que houve tempos em que no próprio estatuto do MP se dizia que o
MP estava sobre a alçada do Ministério da Justiça. Claro que continua a haver uma ligação, mas
sobretudo através de diretrizes do Ministério Justiça. Não é uma ligação direta. Há leis, mas
depois quem vai aplicar essas leis é o MP. A autonomia é uma nota fundamental exigida pela
CRP. Mas isto é ao nivel externo.

O que é que se passa internamente? É tudo ao contrario, pois o MP organiza-se


hierarquicamente (Lei n.º47/86 de 15 de Outubro. A versão mais recente é a Lei n.º
114/2017). Está em discussão um novo estatuto do MP que tem estado muito na ordem do dia
até por questões políticas. O estatuto do MP prevê uma estrutura hierarquia, sendo que está no
topo a Procuradora-Geral da República.

Do ponto de vista do CPP o MP é uma autoridade judiciaria (art 1.º, al.b CPP).

Por fim, há que realçar algo que já exploramos muito, que é o facto de o nosso MP não ser parte
(art 53.º CPP). Tudo o que compete ao MP está no art 53.º complementado com o art 219.º
CRP.

5.3. Arguido

CASO 1

Alberto foi chamado para prestar declarações perante a PSP, em virtude de ter sido visto a
abandonar, pelas 3 horas da manhã, um estabelecimento comercial que havia sido assaltado
nessa mesma noite.
1. Sendo suspeito da prática de um crime de furto qualificado, será que Alberto tem que
ser constituído arguido? Qual o relevo desse ato do ponto de vista processual?
Vamos começar por falar das vias de aquisição processual da posição de arguido.

A situação regra, que em boa verdade funciona como regra supletiva, é a do art 57.º, n.º1 CPP –
assume a qualidade de arguido aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida
instrução num processo penal. O inquérito pode acabar com o arquivamento, mas isso não
significa que morra o arquivamento, pois o assistente pode requerer a abertura de instrução.

Mas esta é uma situação muito pouco improvável, muito por causa do art 272.º CPP, segundo o
qual, correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada
da prática de criem é obrigatória interrogá-la como arguido. Está aqui em causa o princípio do
contraditório, princípio esse que é fundamental na nossa estrutura. É a estrutura acusatória e o
princípio do contraditório que obriga a que não haja inquérito sem que seja dada oportunidade
a essa pessoa se defender. Assim, se eu tenho de ouvir a pessoa antes do inquérito acabar e
constitui-la como arguido, então é pouco provável eu acabar o inquérito sem ter constituído
um arguido.

Existem ainda casos obrigatórios de constituição de arguido, nomeadamente, os casos das


alíneas do art 58.º CPP.

12
Luísa Pereira 2018/2019

Por fim, a última via de aquisição da qualidade de arguido é através da constituição de arguido
voluntária. A pessoa pode ser constituída arguida no processo penal a seu pedido (art 59.º, n.º2
CCP). Mas para quê? Para poder beneficiar do seu direito ao silêncio.

Dito isto, Alberto terá de ser constituído arguido por força do art 58.º, n.º1, al.a) CPP:

• O Alberto foi visto a sair do local do crime (cumpre-se o requisito da suspeita fundada
da prática de um crime);
• O Alberto foi chamado a prestar declarações perante a PSP (cumpre-se o requisito de
prestar declarações perante órgão de polícia criminal)
• O Alberto foi interrogado (cumpre-se o requisito da estarmos na fase de inquérito).

Qual é o relevo do ato de constituição de arguido? Tem a ver com a própria configuração da
figura processual do arguido. Temos de falar do art 60.º e 61.º CPP. O relevo do ato é que coloca
aquela pessoa em posição de sujeito processual de arguido (art 60.º CPP), com os direitos e
deveres do art 61.º CPP. Um dos direitos do arguido é, especialmente, o direito ao silêncio. Este
é um direito com um impacto importante porque é o único que tem este direito.

2. Poderá a PSP fazê-lo? De que forma?


Será a PSP um órgão de polícia criminal? Há uma lei de organização da investigação criminal
define como órgãos de polícia criminal de competência genérica a PSP, GNR e PJ. De
competência especializada CEF, ASAE, inspeção geral de finanças (só investigam aqueles
crimes que estão no seu âmbito de conhecimento).

A resposta a esta pergunta esta no art 58.º n.º 2.º, 4.º e 3.º. primeiro faz-se a notificação oral e
por escrito do arguido e se necessário explica-se os direitos e deveres do art 1.º alem disto é
obrigatória a entrega do documento em que conste a identificação do processo e do defensor
(não pode haver arguido sem defensor), que pode ser feita no mesmo ato da notificação ou
posteriormente. Sendo um órgão de polícia criminal a fazer a constituição do arguido, há uma
exigencia adicional – validação da constituição de arguido por uma autoridade judiciária.
Assim, poderia fazer a constituição, mas apenas nestes termos.

3. Sendo essa constituição de arguido obrigatória, qual a consequência caso não sejam
observadas as formalidades legais?
A consequência para omissão ou violação destas formalidades há uma proibição de valoração
da prova, ou seja, as declarações prestadas não podem ser consideradas (art 58.º, n.º5)

5.4. Defensor

4. Seria obrigatória a presença de defensor?


A pergunta não é se é obrigatória a constituição de defensor porque já sabemos que é, mas sim
se é obrigatória a presença do defensor.

13
Luísa Pereira 2018/2019

O defensor é o advogado do arguido, o mandatário forense do arguido. Pode ser um defensor


constituído ou nomeado? O defensor é constituído quando o próprio arguido assina a
procuração forense a indicar o advogado que pretende que o representa. O defensor nomeado
quando o arguido não indica ninguém (art 62.º, n.º2 e 64.º, n.º2, 3 e 4 e 66.ºCPP). Se for
nomeada um defensor, o Estado não paga sempre – ou o arguido pede apoio judiciário e este é
deferido ou é indeferido e é o arguido que tem de pagar os honorários do advogado.

O defensor do arguido é um sujeito processual porque é obrigatória a sua presença numa série
de atos (art 64.º, n.º1 CCP). Está aqui em causa uma garantia de defesa do arguido (art 32.º
CPP).

Mas a pergunta era saber se seria obrigatória a presença do defensor para a constituição do
arguido. Ora, o art diz que na constituição de arguido não tem de estar presente a não ser que
se verifique alguma das exceções do art 64.º, n.º1, al.d) CPP

Aula 03.04.2019

4.5. Assistente

5. Quem poderia constituir-se assistente no processo? Como e quando poderia fazê-lo?


Temos de ter em conta a situação e o crime em causa para saber quem pode constituir-se
assistente.

A situação regra resulta do art 68.º, n.º1,al. a) CPP. Se o ofendido não se constituir assistente,
então ele é um mero participante. Mas se constituir assistente, então passa a ser um sujeito
processual.

Quem será o ofendido? Temos de remeter do art 68.º, n.º1, al.a) CPP para o art 113.º, n.º1, al.a)
CP. Ambas as normas contêm uma noção de ofendido. O ofendido é o titular dos interesses que
a lei quis proteger da criminação; é o portador do bem juridico protegido pela norma
incriminadora. No nosso caso prático, estando em causa um furto qualificado, o ofendido será o
titular do bem juridico que é a propriedade do estabelecimento comercial.

Assim, nos termos do art 68.º, n.º1, al.a) CPP, o proprietário do estabelecimento comercial
poderia constituir-se assistente.

Como é que o proprietário poderia constituir-se assistente?

Desde logo deve elaborar um requerimento dirigido ao juiz do processo (art 68.º, nº4),
invocando a titularidade do direito à constituição de assistente, previsto no art 68.º nº1 CPP.
Este requerimento deve ser acompanhado de:

• Requerimento de da procuração forense ou da nomeação do advogado no âmbito do


apoio judiciário.
• Comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, correspondente a uma unidade
de conta (102€) ou comprovativo de apoio judiciário

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Luísa Pereira 2018/2019

Em que momento é que alguém se constitui assistente? A situação regra é a do art 68.º, n.º3
CPP. Maria João é critica quanto á alínea c). Antes da alínea c) o último momento possível era 5
dias antes do início do julgamento (a Dra. Maria João considera que esta é a forma mais
correta). Atualmente com a alínea c) - até ao prazo para interpor recurso – 30 dias (art 401º).

Depois temos um regime excecional para os crimes particulares, em que o prazo é muito curto
– 10 dias a contar da advertência (art 68.º, n.º2 CPP). O requerimento tem lugar no prazo de 10
dias e se não for feito nem sequer é aberto o inquérito. Sem constituição de assistente não
avança o processo.

É o juiz que decide a constituição do assistente (a constituição do assistente não é automática,


o juiz tem de avaliar esta possibilidade).

Quais são as vantagem em se constituir assistente?

• Possibilidade de interpor recurso


• Requerer meios de prova
• Requerer abertura de instrução

O art 69.º vem comprovar que o assistente é um sujeito processual, sendo este um colaborador
do MP, no sentido em que assume uma posição contrária à do arguido (são exemplos de
poderes de conformação processual). Se o ofendido se constituir-se assistente ele pode requere
abertura do instrução, pode indicar testemunhas e estas têm de ser ouvidas, pode ser ouvido
em caso de suspensão provisória do processo, etc …

Muitas vezes se costuma perguntar as diferenças entre assistente, ofendido e lesado.

5.5. Vítima

Em 2015, o código veio introduzi a vítima (art 67.º-A), por força de uma diretiva europeia que
obrigou à transposição desta norma.

O n.º4 do art 67.º-A CPP diz que a vítima tem direitos de informação, de assistência, de
proteção e de participação ativa no processo. quer isto dizer que a vitima, não obstante ser um
mero participante processual, sem poderes processuais, ela não é totalmente desconsiderada,
sendo-lhe conferidos alguns direitos.

6. Suponha que o juiz que autorizou, durante o inquérito, a realização de buscas


domiciliárias à casa de Alberto é também juiz de julgamento. Assumirá esta
circunstância algum relevo processual?
Esta questão leva-nos para o princípio da acusação e para as matérias das suspeições e dos
impedimentos.

Aqui não há nenhum impedimento, uma vez que não há nenhuma alínea do art 40.º CPP que
faça aqui sentido. Contudo, há sempre a possibilidade de suscitar que pode afetar a
imparcialidade do juiz o facto de ser o mesmo que autorizou a realização de buscas

15
Luísa Pereira 2018/2019

domiciliarias. Portanto, podia ser feito um pedido de recusa, onde se avaliaria se o juiz deveria
ou não ser afastado. Este pedido seria feito para o tribunal imediatamente superior que para
dar procedência ao pedido teria de encontrar um motivo sério e adequado a criar desconfiança
da falta de imparcialidade do juiz (art 43.º CPP).

Atos que durante o inquérito tem de ser praticados ou autorizados pelo juiz do inscrição – art
268º e 269º .“Autorizar buscas” estão previstas no art 269 nº1 c)

O incidente de pedido de recusa pode ou não ser diferido. A Dra. Ana Pais considera que nesta
situação muito provavelmente será indeferido.

Não temos de justificar se há ou não motivo sério; temos apenas de indicar o processo

6. Princípios relativos à promoção processual

Estão em causa princípios relevantes na fase de inquérito (início e fim do inquérito). Antes de
referir o conteúdo dos princípios temos de ver, em cada um, qual é a questão a que respondem.

6.1. Princípio da oficialidade

Responde a uma questão de competência: quem é que é competente para a promoção do


processo? É competente o MP (titular da ação penal –art 219º CRP), pois é que o titular da ação
penal é uma entidade pública estadual? O direito penal é um direito de proteção dos bens
jurídicos.

Segundo o princípio da oficialidade, a iniciativa de investigar a prática de uma infração e a


decisão de a submeter ou não a julgamento cabe a uma entidade pública estadual ou oficial e
não a quaisquer entidades particulares, designadamente o ofendido. Isto é assim porque o
direito penal é um direito de proteção de bens jurídicos e por isso o processo penal é um
assunto da comunidade jurídica. Cabendo ao Estado a promoção do processo penal
independentemente da vontade e da atuação dos particulares

Este princípio desdobra-se em dois momentos:

• Início do inquérito – é a uma entidade pública que cabe a iniciativa de investigar a


prática de uma infração, ou seja, a decisão sobre a promoção do processo penal – art
48.º; art 241.º; art 53.º nº2 a) CP. Como abre o MP o inquérito? Aquisição da notícia do
crime - art 241.º
• Fim do inquérito – é também a uma entidade pública estadual que cabe a decisão de
submissão ou não da infração a julgamento – art 276.º. CP. Como é que o MP arquiva
(art 277.º)? Deduzindo a acusação (art 283)

Os crimes podem ser classificados como:

• Crimes públicos: são aqueles em que no primeiro momento é o MP que decide a


promoção processual e no segundo momento é também o MP que decide submeter ou

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Luísa Pereira 2018/2019

não a causa a julgamento. Isto significa que em relação a estes crimes vale inteiramente
o princípio da oficialidade (art 48º e 276º).

• Semi-públicos: são aqueles em que o MP só pode abrir o inquérito depois de ser


apresentada queixa pelo titular desse direito (art 113º CP). Estes crimes constituem
uma limitação ao princípio da oficialidade, que é afastada no seu primeiro momento. No
entanto trata-se de uma mera limitação porque depois de haver queixa o MP investiga e
é também o MP que no final do inquérito decide se submete ou não a causa a
julgamento, ou seja, vale inteiramente o 2º momento do princípio da oficialidade. Estão
previstos no art 49º.

• Particulares: são aqueles em que para além da (1) apresentação de queixa é necessário
cumprir outros dois requisitos processuais, todos eles previstos no art 50º: (2)
constituição de assistente e (3) dedução de acusação particular (remissão para o art
285º). Assim o ofendido (ou outros titulares desse direito nos termos do art 113º) tem
de se queixar e tem de se constituir assistente (prazo 10 dias). Depois o MP investiga e
no final do inquérito é também ao particular já constituído assistente que cabe o poder
de decidir se deduz ou não acusação. Estes crimes constituem uma verdadeira exceção
ao princípio da oficialidade porque o afastam nos seus dois momentos.

Onde está a decisão sobre a natureza do crime? Não é necessariamente no tipo legal de crime. É
a lei substantiva que define a natureza do crime. A decisão sobre a natureza pode estar no tipo
legal de crime ou nas normas do capítulo.

• Quando o crime é público o legislador não diz nada (porque é regra que o crime seja
público)
• Quando é crime semi-público o legislador diz ou no tipo ou nas normas seguintes que o
procedimento depende de queixa.
• Quando é crime particular o legislador diz ou no tipo ou nas normas seguintes que o
procedimento depende de acusação particular.

É importante saber qual é o tipo de crime porque se errarmos isto, vamos errar a tramitação.

Aula 10.04.2019

CASO 2

Bernardo foi condenado em pena de prisão efetiva pela prática de vários crimes de tráfico de
estupefacientes. À saída da sala de audiências, após a leitura da referida sentença, insultou
Maria, bem como o seu defensor, Manuel, acabando também por agredir, ainda que sem
gravidade, o agente de autoridade presente no local, Carlos, que tentava dissuadi-lo de tais
comportamentos.
1. Qual a natureza dos crimes agora praticados por Bernardo?

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Luísa Pereira 2018/2019

No exame vai sempre aparecer a norma incriminadora porque não damos o direito penal
especial.

O Bernardo cometeu três crimes:

• um crime contra a honra de Maria


• um crime contra a honra de Manuel
• um crime contra a integridade física de Carlos

O art 180.º CP prevê o crime de difamação e no art 181.º CP está o crime de injúria. Qual é a
diferença? Em ambos os casos a conduta em si não é diferentes porque pode estar em causa a
imputação de um facto desonroso ou pode estar em causa um juizo de valor desonroso. A
diferença está na pessoa a que se dirige. Na difamação imputação de um facto desonroso ou
pode estar em causa um juizo de valor desonroso é feita relativamente a um terceiro, enquanto
que na injúria é feito à própria pessoa. Deste modo, temos aqui dois casos de injúria.

Os crimes contra a honra são aqueles que são sempre dados como exemplo de crimes
particulares. Isto é assim não porque o legislador diz nada, mas antes por causa do art 188.º CP,
onde se diz que o procedimento criminal pelos crimes previstos naquele capítulo (onde se
insere o crime de injúria) depende de acusação particular.

Se só olharmos para a primeira parte dizemos que os crimes de injúria contra a maria e contra
Manuel são crimes particulares (art 181.º e 188.º). Ao lermos os resto da norma vemos que os
crimes do art 186.º e art 187.º são crimes semipúblicos. Precisamos agora de ver o art 184.º CP,
que nos diz que se for vitima de um dos crimes do art 180.º, 181.º e 182.º CP uma das pessoas
do art 132.º, n.º2, al. l), no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for
funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade, então as penas são agravadas
(temos aqui uma circunstância modificativa agravante especial).

Relativamente a Maria sabemos que esta norma não se aplica. Já quanto a Manuel não podemos
dizer o mesmo. Manuel é o defensor de Bernardo, logo, um advogado. Portanto, em relação ao
Manuel nós preenchemos o art 184.º e art 132.º, n.º2, al. l) CP. Deste modo, o crime contra
Maria é um crime particular e o crime contra Manuel é um crime semipúblico.

Quanto ao crime contra o Carlos, parece estar em causa um crime contra a integridade física
simples (art 143.º CP). O art 143.º , n.º2diz que depende de queixa salvo quando a ofensa seja
cometida conta agentes das forças e serviços de segurança, no exercício das suas funções ou
por causa delas. Nós temos aqui um polícia, no tribunal, a exercer a sua função e é no exercício
da sua função que é agredido. Assim, o crime seria semipúblico se fosse praticado contra uma
outra pessoa. Como foi praticado nestes contornos, o crime é público.

É importante lermos as normas todas de cada capítulo para decidirmos se o crime é publico,
semipúblico ou particular.

2. Diga o que tem que fazer Maria para que Bernardo venha a ser julgado pelo crime que
contra si cometeu e indique qual a tramitação do processo penal neste caso.

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Luísa Pereira 2018/2019

Se o crime é particular, há uma norma de que devemos partir que é o art 50.º CPP que
estabelece três requisitos:

• Queixa
• Constituição de assistente
• Dedução de acusação particular.

Além disto, temos de explicar toda a tramitação.

O MP não pode abrir inquérito enquanto não for apresentada queixa. Quem é que apresenta
queixa? Em regra, é o ofendido, neste caso Maria (art 113.º CP).

No momento em que é apresentada a queixa, como o crime é particular, o inquérito só vai ser
aberto quando for constituído assistente (art 68.º, n.º2 CCP). O art 68.º, n.º2 CCP remete-nos
para a advertência contida no art 246.º, n.º4 CCP. Portanto, no momento em que a pessoa se
queixa, o ofendido é advertido que tem 10 dias para que se faça a segunda coisa – constituição
do assistente.

Depois destas duas etapas concluídas abre-se o inquérito. Aqui o MP vai investigar. Essa ideia
de que o assistente faz tudo não é verdade, porque ele apenas faz o que a lei lhe manda. É o MP
vai investigar, como sempre. No entanto, nestes casos, invés de acusar ou arquivar, a acusação
não lhe cabe a ele. Se não cabe ao MP, temos de ir à norma da acusação particular do art 285.º
CCP. O MP limita-se a notificar o assistente e após a notificação, o assistente tem 10 dias para
deduzir a acusação particular. Quem decide se acusa ou não é o assistente, mesmo que o MP
conclua que não há indícios suficientes para acusar.

Suponhamos agora que o MP, nesta notificação, diz que há indícios para acusar, o MP também
pode acusar também. Há autores que dizem que o MP “devia” acusar também, contudo, a lei
apenas diz “pode”.

No final do inquérito, se houver decisão de acusação, o processo segue julgamento. No entanto,


pode haver a instrução entretanto, pois a fase da instrução é uma fase facultativa (art
286.ºCPP).

Neste caso, só há dois sujeitos processuais que podem requer abertura da instrução: o
assistente e o arguido (art 287.º CPP). No caso concreto, como estamos perante um crime
particular, apenas o arguido pode (art 287.º, n.º1, al. b) CCP). Mesmo que a lei não dissesse esta
seria a solução porque não faria sentido o assistente pedir ao juiz para vir controlar a sua
própria decisão. A fase de instrução termina com despacho de pronúncia – submete-se a
julgamento – despacho de não pronúncia – não se submete a julgamento (art 307.º e 308.º).

Esta é a matéria da tramitação dos crimes particulares é sempre perguntada, quer no exame,
quer em orais porque é a exceção.

O que é que aconteceria se o crime fosse público?


Se o crime é publico vale o art 48.º CPP – o MP tem legitimidade para promover o processo
penal.

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Luísa Pereira 2018/2019

O processo começa com a aquisição da notícia do crime (art 241.º CPP) Depois dá-se o
inquérito, sendo que no final do inquérito o MP decide acusar - submete a julgamento - ou
arquiva (art 283.º e art 277.º CCP).

Eventualmente pode haver a abertura de instrução, que pode ser requerida pelo assistente, em
caso de arquivamento (art 287.º, n.º1, al. b) CCP). Em caso de acusação pode requerer a
abertura da instrução (art 287.º, n.º1 CPP). O assistente também pode requerer abertura da
instrução em caso de acusação nos casos em que este considere que não estão todos os factos
importantes deduzidos na acusação art 287.º, n.º1, al. b) CCP). A fase de instrução termina com
despacho de pronúncia – submete-se a julgamento – despacho de não pronúncia – não se
submete a julgamento (art 307.º e 308.º).

O que é que aconteceria se o crime fosse semipúblico?


Se o crime é semipúblico, vale o art 49.º CPP

A única coisa que muda é o princípio de tudo, pois para os crimes semipúblicos o MP apenas
pode investigar se houver queixa do ofendido ou de outras pessoas do art 113.º CCP

O que é que distingue o 284.º do 285.º CPP sendo que na acusação particular também temos
uma acusação do assistente? O art 283.º prevê a acusação pública que é feita pelo MP. Quem é
que acusa nos crimes públicos e semipúblicos é o MP. O assistente, se quiser, pode
acompanhar, se o crime for público ou semipúblico. A diferença entre as normas está no facto
de no art 284.º ser a acusação do MP que é decisiva nos crimes públicos e semipúblicos, sendo
que o art 285.º diz respeito aos crimes particulares em que tem de acusar é o assistente e quem
pode acompanhar é o MP.

Queixa VS Denúncia

“Todas as queixas são denuncias, mas nem todas as denuncias são queixas”.

Isto é assim porque o conceito de denúncia é mais amplo. A queixa é uma forma de denúncia
para os crimes semipúblicos e para os crimes particulares. São formas de aquisição de notícia
as denúncias dos crimes públicos.

Quem é que pode denunciar um crime? Em regra, qualquer pessoa e é facultativa (art 244.º
CCP). Há alguns casos excecionais em que a denúncia é obrigatória, nomeadamente nos casos
do art 242.º CCP (não precisam de estar no exercício das suas funções, no caso dos policias).

Quanto à queixa, já não é qualquer pessoa que se pode queixar. A queixa está regulada no art
113.º CP. Em regra, é o ofendido.

Supondo que o ofendido morre sem se queixar, quem é que pode? As pessoas dos n.º2 e 3 do
art 113.º CP. Quando o arguido seja menor de 16 anos, o direito de queixa é do representante
legal (n.º4) .

Supondo agora que o representante legal e este não o faz. Entretanto, o representante legal não
o faz. Assim, quando o ofendido perfizer 16 anos pode fazer a queixa (n.º6). Contudo, há um
prazo para se fazer a queixa, designadamente, 6 meses após o conhecimento do facto (art 115.º

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Luísa Pereira 2018/2019

CP). Nestes casos, o prazo de 6 meses começa a contar a partir que fizer 18 anos. Porém, ele já
adquiriu o direito aos 16 anos. Assim, ele tem 2 anos e 6 meses a contar a partir do 16 anos
para apresentar queixa (art 113.º, n.º6 e art 115.º, n.º2).

Supondo ainda que o representante legal se queixa, mas o menor não quer. A solução está no
art 116.º, n.º4 CP. Isto não é uma desistência pois não se pode desistir juridicamente de algo
que não se fez, por isso, é que o legislador fala em pôr termo. No n.º5 está prevista a
possibilidade de o MP pode desencadear o processo sempre que o interesse do ofendido o
aconselhar (transcrever a al. a e al. b – quando a mesma pessoa que pratica o crime e é
representante legal do ofendido ou quando a mesma pessoa que pratica o crime é a mesma
pessoa que tem o direito à queixa). O interesse do ofendido é aqui um conceito bastante
importante e que deve guiar sempre a atuação do MP.

Para haver processo, sendo crime semipúblico ou particular, tem de haver queixa. Mas se esta
no ofendido o poder para abrir processo, também tem o poder para extinguir.

A possibilidade de desistir não existe nos crimes públicos porque só nos crimes particulares e
semipúblicos é que há queixa. Nos crimes semipúblicos e particulares pode haver desistência
da queixa e ou da acusação particular até à publicação da sentença de primeira instancia,
conforme resulta dos art 116.º, n.º2 e 117.º. este regime não vale, contundo., para os crimes
públicos, que não estão dependentes da iniciativa do particular e em que vale inteiramente o
princípio da oficialidade. Por isso, nos crimes públicos se diz que vale o princípio da
imutabilidade da acusação pública, no sentido em que, uma vez proferida, a acusação pública
não pode ser retirada. Havendo desistência da queixa, a sua eficácia fica dependente da
posição processual assumida pelo arguido (art 51.º, n.º3 CPP), já que este, tendo em vista a
defesa do seu bom nome e da sua inocência, pode querer demonstrá-la numa audiência
pública. (Fazer remissão do art 116.º para o 51.º do CCP)

Aula 24.04.2019

6.2. Princípio da legalidade (do ponto de vista processual)


6.3. Princípio da acusação

Aula 24.04.2019

Aula15.05.2019 (aula de 4 horas)

Para a semana é preciso ir à aula da Dr. Sónia Fidalgo.

Tínhamos ficado no caso prático n.º3, questão n.º2

3. Suponha agora que no final do inquérito foi deduzida acusação. como poderia a arguida
reagir processualmente?
Quais são as formas de reagir perante uma existência de acusação? Nós vimos isto a propósito
do controlo da legalidade.

21
Luísa Pereira 2018/2019

Ora, a arguida pode requerer a abertura do requerimento de instrução, no prazo de 20 dias, a


contar da notificação da acusação ou do arquivamento. (art 287.º, n.º1 CPP).

O art 287.º, n.º2 CPP diz que o requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas
deve conter as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não
acusação, bem como a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz
leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos
que se espera provar, sendo ainda aplicavel ao requerimento do assistente o disposto nas
alienas b) e c) do n.º3, do art 283.º. Portanto, a regra é a de que o que se faz na instrução não
seja uma repetição do que se faz no inquérito, pelo que pode nada mais acontecer do que o
debate instrutório.

Qual é a razão de ser da remissão feita para as alíneas do art 283.º CPP? Quando se abre a
instrução, o assistente deve formular uma pequena acusação no requerimento, para que depois
funcione. Qual é a importância do assistente, na abertura do requerimento de instrução,
apresentar os factos e as disposições legais? Porque assim formula o objeto do processo, que é
a única coisa que o juiz pode conhecer.

Porquê que este é o único meio de controlo? Porque a intervenção hierarquia (278.º CPP) é
exclusivamente mobilizável nas situações em que não tiver havido acusação, sendo que aqui
houve. Ou seja, vale apenas para as situações de arquivamento.

4. Poderá o MP arquivar o inquérito neste caso? Com que fundamento? Poderá o assistente
reagir? Como?
Este é um crime de natureza particular – furto simples praticado nos hipermercados (art 203.º
CP). Neste sentido, sendo um crime particular, no fim do inquérito, o MP notifica o assistente
para deduzir acusação particular (art 285.º CPP).

O art 277.º, n.º1 diz-nos que são causas de arquivamento:

• Quando tenha sido recolhida prova bastante de se não ter verificado o crime
• Quando tenha sido recolhida prova bastante de o arguido não ter praticado crime a
qualquer título
• Quando o procedimento seja ilegalmente inadmissível

Destas três possibilidades, aquela que podemos discutir a sua aplicação ao caso concreto é a
terceira. Quando é que o procedimento é legalmente inadmissível?

• Quando a queixa não é apesentada dentro do prazo de 6 meses a contar do


conhecimento (art 115.º CP)
• Quando o assistente não cumpre o prazo de 10 dias para deduzir a acusação particular
(art 285.º, n.º 1 CPP)
• Quando a pessoa que apresenta a queixa não é o ofendido nem cumpre os requisitos do
art 113.º; ou quando há prescrição do crime (esta não é exclusiva dos crimes
particulares)

Como é que o assistente pode reagir?

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Como foi uma situação de arquivamento, o assistente pode lançar mão da figura da intervenção
hierárquica (art 278.º CPP).

Por outro lado, podemos ainda olhar para o art 287.º, n.º1, al. b) CPP – a abertura da instrução
pode ser requerida pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular,
relativamente a factos pelos quais o MP não tiver deduzido acusação .

Em princípio, o assistente não pode requerer abertura de instrução quando o crime é


particular e não foi deduzida acusação, porque a causa de não abertura é dele. Contudo, Maria
João (ver lições pág. 100) defende que há situações em que, apesar disto, se deve permitir a
abertura do requerimento de instrução, nomeadamente, por exemplo, quando o MP se engana.
Aqui a culpa de não ter sido aberta a instrução não é do assistente.

Aqui é importante fazer uma interpretação corretiva desta norma, uma vez que a razão de ser
daquela alínea se aplica. Deste modo, o assistente pode reagir caso haja um erro notório que
não é deste que justifica a abertura da instrução.

5. Em sede de instrução, veio a ser proferido despacho de pronúncia. Poderia a arguida


recorrer de tal despacho?
Sempre que estamos a falar de recurso em processo penal, o princípio de que se deve partir é o
do princípio da recorribilidade (art 399.º). Por regra há recurso, exceto quando a lei disser que
não há (art 400.º). Além do art 400.º, o art 310.º é outra norma que comporta uma situação de
irrecorribilidade.

Quando chegamos ao final da instrução, há 4 hipóteses que se podem verificar:

• Acusação + pronúncia
• Acusação + não pronúncia
• Arquivamento+ pronuncia
• Arquivamento + não pronuncia

A irrecorribilidade da instrução acusatória prevista no art 310.º CPP vale apenas para os casos
em que tiver sido proferida acusação pelo MP, seguida pelo despacho de pronúncia. Esta
previsão legal funda-se numa ideia de celeridade e economia processual, já que há duas
decisões concordantes de duas magistraturas distintas e qualquer sujeito processual, que não
concorde com a decisão proferida, pode sempre fazer valer a sua posição numa fase processual
ulterior, seja ela a do julgamento ou a do recurso da decisão final. Por isso, nos casos em que
tenha sido proferido o despacho de arquivamento e despacho de não pronúncia, apesar de
haver concordância das duas magistraturas, o recurso justifica-se sempre já que se assim não
fosse, não haveria qualquer outro mecanismo ou fase processual que permitisse ao sujeito
processual descontente fazer valer a sua pretensão.

Há também quem diga que, neste caso, se a decisão fosse irrecorrível se violaria o principio do
juiz natural, segundo o qual cada causa é decidida por um juiz cuja competência é definida em
lei anterior, sendo ele a julgar definitivamente a mesma Assim, a ideia é a de que se não

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admitíssemos o recurso quando o MP arquiva e o juiz de instrução não pronúncia, estaríamos a


subtrair essa causa ao juiz naturalmente competente para a julgar.

É de realçar que sendo o crime particular, só há irrecorribilidade da decisão de pronúncia


quando o MP tiver acompanhado a acusação particular do assistente, nos termos do disposto
pelo art 285.º, n.º4 CPP, pois só nesse caso é que há concordância de duas magistraturas. Tal
reforça a ideia, defendida por alguns autores, de que o MP, no caso dos crimes particulares,
quando recolhe indícios suficientes da prática do facto, deveria acusar, dando cumprimento ao
princípio da legalidade quanto à promoção processual. Contudo, a previsão legal do art 285.º,
n.º4 CPP refere “pode” e não “deve”. Mas é inegável que há uma consequência processual muito
relevante adveniente do exercício ou não pelo MP daquela faculdade prevista no art 285.º, n.º4
CPP: a consequência da irrecorribilidade prevista no art 310.º CPP.

Deste modo, neste caso, não tínhamos dados suficientes para saber se o MP acompanhou ou
não o assistente, pelo que teríamos de colocar as duas hipóteses. No fundo, teríamos de
explicar a previsão do art 310.º CPP.

“A instrução não é suplemento autónomo de investigação, mas pode ser um suplemento de


investigação autónomo”
Esta questão já saiu em exame escrito anterior.

Não é um suplemento autónomo da investigação por causa da natureza da fase de instrução. A


fase de instrução não serve para refazer a investigação que o MP fez mal. Não é essa a natureza
da instrução porque não é concebível como tal na lei. A instrução é uma fase de natureza
judicial. O art 286.º CPP diz que a instrução visa a comprovação judicial de uma decisao tomada
anteriormente e, portanto, tem uma natureza judicial e não investigatória.

Outro argumento é o do n.º2 do art 286.º, que atribui à instrução um carater facultativo. Se a
finalidade da instrução fosse investigatória tinha de haver instrução em todos os processos.
Seria, então uma fase obrigatória. A instrução apenas é mobilizada por quem não concorda com
a decisão.

Encontramos ainda fundamento no art 309.º, n.º1 CPP. O juiz apenas pode conhecer dos factos
descritos na acusação ou no requerimento de abertura de instrução, onde se forma o objeto do
processo. Se fosse uma fase investigatória, o juiz poderia conhecer de tudo e não ficaria apenas
limitado pelo objeto do processo.

No entanto, é verdade também que. com as alterações ao código, tem se alargado


progressivamente as competência do juiz de instrução. Estas alterações parecem dar uma nova
face um pouco mais investigativa da instrução.

O art 86.º, n.º1 CC refere-se à publicidade do processo, sendo que a regra é a de que todo o
processo é público. Antes de 2010 as fases preliminares do processo eram secretas. A ideia era
a de reservar as fases preliminares (inquérito e instrução), porque que se entendia que a
publicidade poderia ser prejudicial para o arguido e para as outras fases do processo. A partir

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de 2010, o objetivo é a da democraticidade da justiça, isto é, o de todos os cidadãos


conhecerem a justiça.

O art 289.º, n.º2 CPP fala sobre o conteúdo da instrução. A ideia de que a instrução não é uma
comprovação judicial da decisao que o juiz faz sozinho, havendo uma abertura desta fase aos
sujeitos processuais

O art 303.º, n.º3 e 4 CPP que preveem a situação em que há alteração dos factos durante a
instrução. Em princípio, estes factos não podem ser conhecidos. No entanto, há uma solução
para isso que é dada pelos art 303.º, n.º3 e 4 CPP, em que se permite a denúncia e abertura de
um novo inquérito. É uma válvula de escape para a situação de deixar de conhecer os factos. O
n.º5 vem ainda reforçar esta ideia. Nos casos em que há uma alteração, não dos factos, mas sim
da qualificação jurídica, dá-se prazo ao arguido para se defender

Todas estas normas mostram que o legislador tem vindo a tornar a instrução cada vez menos
numa fase de gabinete, mas antes numa fase aberta aos sujeitos processuais, que pode
culminar numa alteração do entendimento da natureza da instrução.

O art 288.º, n.º4 CPP é a norma que justifica a segunda parte da afirmação, onde se prevê que o
juiz tem poderes de investigação. Não podemos dizer que é um suplemento autónomo de
investigação porque o juiz está sempre limitado pelo objeto definido pela acusação e pelo
requerimento de abertura de instrução.
7. Medidas de coação
Tratam-se de medidas processuais de natureza cautelar, uma vez que se aplicam em função de
exigências processuais de natureza cautelar, tais como, perigo de fuga, perigo de continuação
da atividade criminosa ou perigo de destruição de prova (art 204.º CCP)
As medidas de coação não representam sanções processuais, nem antecipam as mesmas. As
medidas de coação podem ter natureza patrimonial e são restritivas da liberdade do arguido.
As medidas de coação são apenas passivas de aplicação a quem for arguido no processo penal
(art 58.º CCP).
Estas medidas processuais têm direta relação com a matéria das finalidades do processo, na
medida em que as medidas de coação podem chocar com as finalidades do processo. É o caso
do regime da prisão preventiva, que é a medida de coação mais gravosa, em que se põe em
crise a proteção dos direitos fundamentais do arguido (privação da liberdade) para prevalecer
a descoberta da justiça. Na maioria das vezes, as medidas de coação são aplicadas no inquérito,
pelo que estamos a aplicar uma medida a uma pessoa que ainda nem acusado foi, alguém que é
presumido inocente.
O jogo de equilibrio que o legislador faz com as finalidades do processo existe, pois, apesar de o
legislador proteger a descoberta da verdade em detrimento dos direitos fundamentais, há
outras situaçoes em que o legislador proteger os direitos fundamentais. Tal é comprovado pela
pelo facto de ser uma medida de ultima ratio, de só puder ser decretada por um juiz, pela
obrigatoriedade do reexame de 3 em 3 meses e pela existência de prazos de duração máxima,
ainda que longos.

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Muitas vezes é perguntada a relação entre as medidas de coação e as finalidades do processo.


7.1. Princípios fundamentais atinentes às medidas de coação
a) Princípio da legalidade ou tipicidade (191.º CPP)
As medidas de coação previstas na lei são 7 (196.º a 202º CPP):
• Termo de identidade e residência
• Caução
• Obrigação de apresentação periódica
• Suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos
• Proibição e imposição de condutas
• Obrigação de permanência na habitação
• Prisão preventiva
Quer isto dizer que o legislador não pode criar, para o caso, uma medida de coação nova que
ache mais adequada ao perigo existente.
b) Princípio da necessidade (art 193.º CPP)
A própria epígrafe fala em princípios e não em princípio porque a necessidade é uma coisa, a
adequação é outra e a proporcionalidade é outra.
As medidas de coação devem ser necessárias às exigências cautelares que o caso requerer. A
ideia da necessidade está relacionada com as exigências cautelares, pelo que para uma medida
de coação é necessária quando há, pelo menos, uma exigência processual de natureza cautelar.
Se há pelo menos um perigo do art 204.º CPP há uma exigência, logo cumpre-se o princípio da
necessidade e vice-versa
Suponha-se que um Se formos juízes e concluirmos que há perigo de fuga e aplicamos a medida
de coação x porque há esse perigo. Este despacho, só assim, tem um problema que é a falta de
fundamentação. Tem de haver fundamentação concreta no despacho judicial das exigências
cautelares que o caso reclame. Não basta apenas invocar uma das alíneas no art 204.º CPP, tem
de haver fundamentação concreta, pois só assim se pode contradizer o que é dito.
c) Princípio da adequação (art 193.º CCP)
As medidas de coação devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer. Está
aqui em causa a ideia de idoneidade da medida de coação. A prisão preventiva nunca é um bom
exemplo de uma medida de adequada porque é sempre adequada porque serve sempre o
propósito. Ela pode é não ser proporcional. Assim, é preciso ver a exigencia cautelar concreta e
ver se a medida de coação é idónea travar aquele perigo.
Princípio da proporcionalidade (art 193.º CPP)
A medida de coação tem de ser proporcional à gravidade do crime e às sanções que
previsivelmente venham a ser aplicadas. Há aqui uma valoração pré feita pelo legislador, uma
vez que o legislador já previu as medidas. Mas isso não significa que o juiz também não tenha
de fazer a valoração em concreta
d) Principio da subsidiariedade (art 193.º, n.º2 e 3)

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Está previsto em dois níveis:


1. Reserva as duas mais gravosas (obrigação de permanência na habitação e prisão
preventiva) para as situaçoes em que as outras medidas menos gravosas não sejam
suficientes
2. Entre as duas mais gravosas também há uma ideia de subsidiariedade em que a prisão
preventiva é subsidiaria da obrigação de permanência na habitação. Só se deve aplicar a
pena de prisão se a obrigação de permanência na habitação não for suficiente para
travar o perigo.
É por isso que Maria João defende que, em relaçao à prisão preventiva, a sua natureza
subsidiaria impõe um dever “acrescido” de fundamentação, no sentido em que da decisão que
aplicar devem constar não só as circunstâncias que fundamentam a concreta exigência cautelar
invocada, mas também as razões da insuficiência de todas as outras medidas de coação.
Até mesmo a CRP, no seu art 28.º, n.º2 diz que a prisão preventiva tem caráter excecional art
28.º, n.º2 CRP
e) Princípio da precariedade
As medidas de coação precárias, ou seja, porque dependem das exigências cautelares. A
exigência cautelar que existe num momento temporal, não quer dizer que mantenham noutro
momento temporal.
Manifestações da precariedade:

• Substituição e revogação da medida de coação (art 212.º CPP) – Se deixar de subsistir a


exigência cautelar a medida de coação é revogada porque deixou de ser necessária (art
212.º, n.º1, al. b) CPP) – principio da precariedade e o princípio da necessidade. Se
houver atenuação da medida de coação, a medida de coação é substituída porque deixou
de ser adequada (art 212.º, n.º3 CPP) – relação entre o principio da precariedade e o
princípio da adequação.
• Reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na
habitação (art 213.º CPP) – significa que depois de aplicada a prisão preventiva, esta
não se mantem eternamente. O juiz, mesmo que ache que se deve manter, o juiz, de 3 em
3 meses, deve reexaminar e fundamentar se se justifica a continuação da medida de
coação, a substituição ou a revogação da medida de coação. Contudo, este prazo de três
meses não é imperativo, porque se houver novos factos que justifiquem a substituição
ou a revogação da medida de coação, pode ser requerido ao juiz a avaliação da medida
de coação no decurso deste prazo (art 212.º, n.º4 CPP). Se hoje eu pedir uma nova
avaliação da medida de coação e o juiz negar e para a semana se cumprir o prazo dos
três 3 meses, o juiz terá de reexaminar na mesma, apesar de já ter avaliado hoje.
• Extinção das medidas de coação e prazos de duração máxima da prisão preventiva (art
214.º e 215.º CPP) – no limite todas as medidas de coação extinguem-se com o transito
em julgado da sentença, uma vez que ai se começa a executar a sentença, salvo se a
medida de coação for o termo de entidade e residência (art 214.º, n.º1, al. e) CPP).

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CASO 4
Armando foi detido por suspeita da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto
e punido pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de janeiro, e apresentado ao juiz competente
para primeiro interrogatório judicial.
O que se diz que o suspeito é detido e apresentado para primeiro interrogatório judicial. o
primeiro interrogatório judicial do arguido detido, sendo uma das finalidades deste
interrogatório a decretação da medida de coação (art 141.º).
A detenção do suspeito é uma medida de coação da polícia, prevista nos arts254.º e ss. Há duas
espécies de detenção:
• Em flagrante delito (art 255.º e 256.º)
• Fora de flagrante delito (art 257)
As finalidades da detenção decorrem do art 254.º, n.º 1, als. a) e b) – esta pensada para
situaçoes em que a pessoa não é arguida, por exemplo, uma pessoa que é testemunha e não
aparece, injustificadamente.
Quem é que pode fazer uma detenção?
• Em flagrante delito– pode ser qualquer pessoa, se o crime for publico (art 255.º, n.º1),
se for um crime semipúblico, se o crime particular já não pode haver essa detenção
(n.º4)
• Fora de flagrante delito (art 257) – uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia
criminal
Detenção e prisão preventiva
Ambas implicam a privação da liberdade, no entanto, podemos distinguir estas duas quanto:
• Natureza jurídica – a prisão preventiva é uma medida de coação, a detenção é uma
medida cautelar ou de polícia
• Finalidade – a prisão preventiva visa fazer face às exigências cautelares (art 254.º);
detenção (art 254.º)
• Prazo – dura, no máximo 48h – detenção e a prisão preventiva pode ir ate anos (215)
• Quem aplica – pode ser feita por uma autoridade judiciaria ou um órgão de polícia
criminal. Prisão preventiva só pode ser feita por despacho judicial
• A quem se aplica – prisão preventiva – só pode ser arguido (192.º, n.º1 CPP); detenção –
pode ou não ser um arguido
1. Poderia o juiz de instrução aplicar uma medida de coação de prestação de trabalho a
favor da comunidade? E termo de identidade e residência?
Não porque não integra o elenco das medidas de coação previstas na lei. Á luz do princípio da
legalidade este despacho seria ilegal. A prestação de trabalho a favor de comunidade existe,
mas antes como pena de substituição e não como medida de coação.
Quanto ao termo de identidade e residência, o juiz não só pode, como deve (art 196.º, n.º1). se
há constituição de arguido, o arguido tem de idêntica à autoridade em causa os seus dados
pessoais e morada, sendo que a partir dai fica vinculado às obrigações do art 196.º, n.º3. estas

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obrigações tem um efeito processual relevante porque para aquela morada vao ser expedidas
todas as notificação por correio postal simples. A partir dai considera-se notificado por via de
notificação por postal simples. Quando alguém for notificado do dia julgamento, se aparecer,
muito bem, caso contrário, o juiz pode julgar, e até mesmo condenar, o arguido na sua ausência
(art 333.º CPP).
Muitas vezes é questionado que há na doutrina quem defenda que o termo de identidade e
residência, na maneira em que está configurado, não é uma verdadeira medida de coação. Ora,
o termo de identidade e residência está previsto no código como medida de coação. Por isso se
diz que o termo de identidade e residência é uma medida de coação sui generis:
• Desde logo, porque se aplica de forma automática. É um dever do arguido
• Não é matéria de reserva do juiz. decorre do 196.º que pode ser aplicado pelo juiz, pelo
MP ou por um órgão de polícia criminal. Pelo contrário, todas as outras medidas de
coação são de aplicaçao reservada ao juiz (194.º).
• Não carece de fundamentação, contrariamente a todas as outras medidas de coação.
• É a única medida de coação que é aplicada mesmo que não se verifique uma exigência
cautelar (art 204.º).
• É a única medida de coação que acompanha o cumprimento da pena até ao fim.

2. Poderá o juiz aplicar alguma medida de coação invocando apenas como fundamento a
gravidade do crime em causa?
A gravidade do crime não é fundamento para aplicar uma medida de coação porque isso seria
uma antecipação do crime. O que é fundamento são as exigências cautelares. Este despacho
viola, neste caso, o princípio da necessidade
3. E se se verificar apenas um efetivo perigo de fuga e o juiz aplicar a medida de coação
prevista no artigo 199.º CPP?
Se houver perigo de fuga e o juiz aplica suspensão do exercício de profissão, em princípio, há
aqui uma violação do princípio da adequação. Se há um efetivo de perigo de fuga, há
necessidade de medida de coação, contudo, suspender alguém da sua profissão não será
suficiente para evitar o perigo de fuga.
4. Suponha que foi requerida pelo Ministério Público, no inquérito, a aplicação de
obrigação de permanência na habitação, mas o juiz de instrução, considerando a
gravidade do crime imputado, impôs ao arguido a prisão preventiva. O procedimento do
juiz de instrução terá sido correto?
Já antes da revisão de 2007 se discutia a questão de saber se o juiz de instrução tem de aplicar
a mesma medida de coação que é requerida pelo MP durante o inquérito. A resposta era dada
por três correntes distintas:
a) o entendimento de parte considerável da jurisprudência ia no sentido de que o juiz não
esta adstrito à promoção do MP, podendo aplicar medida de coação diversa, ainda que
mais grave.
b) No outro extremo, estava o entendimento de que o juiz de instrução devia estar
vinculado à medida de coação requerida pelo MP, não podendo aplicar qualquer outra.

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c) Havia uma posição intermedia, que veio a conhecer letra de lei, segundo a qual o juiz de
instrução podia aplicar medida de coação distinta da requerida, desde que não fosse
mais grave. Esta última corrente tinha em vista acautelar a ideia de que o juiz de
instrução no inquérito se assume como um juiz das liberdades.
Atualmente, e desde 2013, há uma solução distinta de qualquer uma das referidas, patente nos
n.º2 e 3 do art 194.º CCP. O legislador distingue as situações em que as medidas de coação se
fundamentam nas exigências cautelares das als. a) e c) do art 204.º (situação em que o juiz de
instrução pode aplicar medida diferente, mesmo que mais grave), das situaçoes em que a
exigencia cautelar em causa é a da al. b) do art 204.º (situaçoes em que o juiz de instrução pode
aplicar medida diferente, desde que não seja mais grave). Terá estado na mente do legislador a
ideia de que o perigo da al. b) do 204.º se relaciona diretamente como o amago da investigação
e, por isso, com a estratégia investigatória do dominus do inquérito, que é o MP.
5. Admitindo que foi legalmente aplicada a prisão preventiva, poderia o juiz de julgamento, por
iniciativa própria, substitui-la por uma caução no valor de € 1000?

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