Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
I. INTRODUÇÃO
A expressão “metodologia jurídica” tem um sentido completamente diferente se
partirmos do angulo de visão do sistema anglo-saxónico ou do sistema jurídico brasileiro.
Na Europa Continental, a expressão tem um significado único: preocupa-se com certas
práticas jurídicas e com uma possível reflexão sobre o percurso dessas práticas. São as
práticas jurisdicionais, que correspondem à resolução dos casos pelos juízes. A
preocupação é o método que deverá ser seguido pelos julgadores quando mobilizam os
materiais jurídicos para resolver os casos suscitados. É o modus operandi do juiz.
Não se trata propriamente de estar a apresentar um diagnóstico relativamente ao
modo como os juízes decidem. Trata-se fundamentalmente de acentuar uma componente
normativa ou regulativa. Mas esta questão não pode ser construída em abstrato ou de
forma ideal, afastada da realidade. Não pode ignorar as tendências da prática, nem o caso
concreto. Tem de ser contextualizada, certamente; privilegiadamente num contexto
romano-germânico, embora haja semelhanças com o sistema de common law.
Evidentemente que esta pergunta formulada no nosso tempo está longe de ter uma
resposta fácil. Houve períodos históricos em que a resposta era relativamente fácil, em
que se apostava num determinado modelo de juiz. O Iluminismo (Montesquieu, Rousseau
e Kant) trouxe a ideia de que o julgador devia projetar em concreto aquilo que a lei na
sua universalidade racional pré-determinava em abstrato. Logo, o modus operandi do juiz
era um método de aplicação lógico-dedutiva. Era o paradigma da altura. Evidentemente,
esta compreensão do papel da jurisdição, com grande importância na instituição do Estado
de Direito do séc. XIX, não é adequada ao nosso tempo. Alterou-se o papel do juiz e a
própria conceção de Direito. Abriram-se as portas a uma grande pluralidade de conceções
sobre o papel do juiz. Esta pluralidade não pode ser ignorada.
Racionalidade
Racionalidade Racionalidades Racionalidades
instrumental-
lógico-formal teoréticas práticas
estratégica
Racionalidade lógico-formal
A chave deste discurso, de mera discursividade lógico-formal, reside na relação
lógica entre as proposições que estão envolvidas, sem quaisquer referências exteriores.
Assenta numa lógica estritamente formal e autossubsistente, que perspetiva as
premissas estabelecendo entre elas relações necessárias (procurando dar a conhecer regras
gerais para várias relações proposicionais de um mesmo tipo); podemos, pois, falar num
Racionalidade teorética
O esquema dado pelo positivismo formalista, de racionalidade lógico-formal,
aproxima-se de uma atitude teorética. Já a racionalidade objetiva, que parte de um
esquema sujeito-objeto, implica uma atitude contemplativa – estamos no campo da
racionalidade teorética.
Aqui é proposta uma reflexão entre os prolatores do discurso e uma realidade
exterior. O que significa que temos uma correspondência entre o discurso e uma
exterioridade, ou seja, com uma verdade, um objeto.
Racionalidade Cognotivista-especulativa
Este discurso assumiu grande destaque no pensamento jurídico ocidental. É o
discurso especulativo (speculum = espelho), que associamos à virtude intelectual da sofia,
na linha aristotélica.
O grande momento histórico desta racionalidade situa-se no jusnaturalismo pré-
moderno, isto é, clássico. Considerava, numa estrutura sujeito-objeto, o Direito é
transcendente ao Homem, é uma ordem indisponível, universal e imutável.
Aqui, o esquema metódico passa por uma abordagem dos princípios e dos valores
como puras realidades ontológicas ou metafísicas. Baseia-se naquela atitude de
contemplação. Leva as exigências do dever-ser tão a sério que é como se elas fossem
entidades que eu posso efetivamente conhecer, por uma via metafísica. E isto é assim
porque os valores e os princípios fazem parte da própria Natureza das coisas. Não são
produto da cultura e vontade humanas. O sujeito tem a tarefa de os conhecer e de mostrar
quais são. Cumpre-se com uma intenção puramente cognitiva.
Ainda hoje temos perspetivas jusnaturalistas, obviamente com dificuldade de se
imporem no nosso tempo, já que atualmente se entende que os valores e os princípios
estão sujeitos a evoluções históricas significativas.
Racionalidade teorético-explicativa
Este discurso acentuou a virtude intelectual da episteme, que, na linha aristotélica,
era a virtude do conhecimento científico sobre a realidade.
A diferença fundamental relativamente ao anterior é aqui se procura descrever e
relacionar os fenómenos físicos (e já não metafísicos). Estão em causa agora factos
efetivamente suscetíveis de serem contemplados e, sobretudo, experimentados. Estamos,
claramente, na linha do conhecimento científico-natural (autores célebres como BACON
ou GALILEU).
Procura-se conhecer as relações causais entre fenómenos, sendo a descrição deles
uma tentativa de investigação direcionada ao estabelecimento de ligações. Estas ligações,
empiricamente detetadas, seriam formuladas numa tese ou teoria, que explicaria os
fenómenos futuros.
Racionalidade instrumental-estratégica
Racionalidade tópico-retórica
Uma primeira via, a da tópica, situou o percurso no problema concreto, ou seja,
a resposta ao caso concreto vai desenvolver-se sempre na perspetiva do caso (autores
como PERELMAN, VIEHWEG, TOULIM), permitindo uma abordagem antiformalista
e argumentativa. É um caminho que acentua, como prius (ponto de partida), o problema
concreto.
Partia-se de dois pontos essenciais: a consideração do sistema como um catálogo
de materiais jurídicos (os seus estratos) enquanto topoi e ferramentas equivalentes na sua
vinculação; e a articulação dos argumentos da controvérsia concreta. Será a perspetiva de
cada caso que permitirá estabelecer a resposta do sistema jurídico, tentando compreender-
se qual a solução consensual que resultaria daquela argumentação e propondo-a como
decisão.
Há aqui logo um confronto com o discurso científico: quando estamos perante um
problema no contexto da prática científica, é um problema de resistência, que exige
explicação (que pode levar a uma falsificação da hipótese de regularidade, na linha
POPPERIANA). O problema relevante do ponto de vista da ciência é o ponto de partida,
mas ele é assimilado pela produção dos enunciados que constituem o “explanando”. A
diferença em relação à prática é que o problema nunca é assimilado: só o é quando é
solucionado. Durante todo o percurso de tratamento racional, o problema deve manter a
sua prioridade. Para a tópica, o problema é o ponto de partida e a perspetiva. Estamos
sempre a interrogar a realidade e, porventura, os próprios referentes (os tais lugares
comuns) e esta interrogação é feita sempre na perspetiva do problema.
Nesta realização da tópica, há uma dificuldade, reconhecida na segunda metade
do séc. XX: no contexto pré-moderno, embora tivéssemos uma série de critérios
associada, eles tinham sempre uma fundamentação última em valores indisponíveis e
necessárias. Era como uma referência tranquilizadora a uma ordem de validade não
construída pelo Homem. O grande desafio da racionalidade prática é que já não há o
mesmo apoio. Esta reabilitação da filosofia prática vai viver com uma ideia forte de que
os próprios valores, os próprios referentes axiológicos, podem e devem ser tratados como
obras humanas (subjetividade intencional) e, que por isso, como tal vão evoluindo.
Aquela referência tranquilizadora deixa de existir. Por exemplo, se pensarmos num
princípio, ele não tem o seu conteúdo pré-determinado; é evidente que há certas
exigências básicas, mas no fundo essas exigências fazem sentido porque têm uma
Racionalidade Hermenêutica
A segunda via de racionalidade prática é a que se designa de racionalidade
hermenêutica. Esta proposta foi avançada pelo movimento da “nova hermenêutica”,
intensamente ligado a GADAMER.
Acentua-se que a racionalidade prática não deve estar centrada no que fazemos ou
devemos fazer, mas antes naquilo que acontece connosco na relação com os outros e com
as coisas. Tem a ver, então, com a determinação de sentidos objetivados através de textos
(em sentido amplo). Essa assimilação da racionalidade pratica poe-nos perante a nossa
condição de sujeitos que se reconhecem a si próprios como limitados ou finitos (o que
significa que temos consciência do infinito ou do todo).
A preocupação da hermenêutica como filosofia é procurar mostrar que a nossa
atitude mais imediata (perante as coisas e os outros) não é a atitude que a ciência cultiva:
é a compreensão (e não uma descrição ou explicação). O que a hermenêutica pretende é
reconstituir as condições de que depende esta compreensão e esta conversação
responsável, no plano filosófico.
E compreender significa interpretar, partindo de certas pré-compreensões.
Enquanto sujeitos somos socialmente condicionados por uma herança de tradição, mas
também por esquemas passados. É uma lógica circular que acentua as pré-compreensões
na praxis momentânea. Há aspetos da hermenêutica como filosofia que podem facilmente
Racionalidade narrativa
A terceira via trata-se de uma racionalidade narrativa, que parte da condição
humana de se ser um sujeito que comunica narrativamente. Todo o nosso modo de ser é
determinado através de “histórias”. De facto, a racionalidade narrativa, como o próprio
nome indica, tem fundamentalmente a ver com o discurso que construímos quando
contamos uma história, cujo objetivo é dar coerência ao discurso e usar recursos
linguísticos heterogéneos. O universo do Direito não ficou imune a esta racionalidade
prática. Transposta para o plano jurídico, facilmente se compreende das insuficiências
desta proposta de logos.
Poderá até ter importância nalguns momentos do discurso metodológico,
nomeadamente no problema da prova em sentido jurídico (admitir que o que temos são
histórias produzidas pelas partes, com várias dimensões). Mas não pode servir-nos de
forma integral. O juízo decisório proferido pelo juiz não é nem pode ser um juízo
narrativo. Quanto à questão de facto, até se pode admitir que o seja. Mas quando se trata
de atribuir a cada um os seus direitos e deveres, ou seja, chegar a uma solução concreta,
o que se mobiliza são componentes normativas e só com um grande esforço intelectual é
que pode ser reconduzida a uma inteligibilidade narrativa. Seria muito esforçado
pretender que a própria norma obedeça a um esquema estrutural narrativo.