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INTRODUÇÃO
Todas as épocas sempre se interessaram pela beleza e nossa época não foge deste
interesse.
De fato, o mundo moderno é obcecado pela beleza. Todos nós somos quotidianamente
atacados por uma avalanche de apelos que buscam nos convencer de que a maior
preocupação dos homens deve ser a saúde e a estética.
A questão do belo, assim como da verdade e do bem, encontra nos princípios de São
Tomás uma resposta muito sólida e de grande rigor científico.
A finalidade deste nosso trabalho – que de modo algum se pretende exaustivo e será
publicado pouco a pouco, por partes – é de estudar aqueles princípios ensinados pela
Igreja e pela filosofia tomista, que permitem compreender melhor o que é a beleza e de
vê-la melhor, não somente no conjunto dos seres irracionais, mas também no homem,
na sua vida moral e na sua alma e, finalmente, em Deus.
“É preciso que confessemos que Deus é a própria vida em plenitude, que tudo percebe
e entende; que não pode morrer, corromper-se ou mudar-se; que não é dotado de
corpo, mas é espírito, sumamente poderoso, justo, belo, ótimo e o mais feliz entre
todos os espíritos” (Santo Agostinho, De Trinitate, X, 4, 6).
“Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei!” (Santo Agostinho,
Confissões, X, 7, 38).
Expondo os princípios que se relacionam com a beleza e com a arte, bem como as
relações que existem entre a arte e a moral e de que modo nós podemos atribuir beleza
aos atos humanos, esperamos tornar mais clara para os leitores a sabedoria com que
Deus criou todas as coisas.
“A ciência deve ser empregada como se fosse certo andaime pelo qual se vai subindo a
estrutura da caridade, que permanece para sempre, mesmo depois da destruição da
ciência. Se ela é usada com um fim de caridade, é altamente útil; utilizada por si
mesma sem esta finalidade, não somente é supérflua, mas também certamente
perniciosa” (Santo Agostinho, Epist. LV, c. 21, 39).
Existem duas perfeições que, nos seres, provêm das relações que existem entre
eles: são aordem e a beleza.
1. A ordem
3º. Um fim comum, que é o porquê das coisas serem dispostas de certo modo, e
a normasegundo a qual a ordem existente é julgada e avaliada.
No corpo humano, os órgãos e membros têm uma disposição particular com a
finalidade de preservar a vida do indivíduo. A ordem de um escritório visa à boa
execução dos trabalhos da empresa, a sua eficiência nos negócios. No exército,
os soldados são organizados de um modo próprio para vencer a guerra. Se essa
finalidade é alcançada, então é porque a ordem foi bem determinada. O fim é,
então, usado também como norma, como regra para avaliar se as partes de um
todo foram bem ordenadas.
A ordem exige, então, uma boa disposição das partes para alcançar um fim
comum a elas. Por isso somos obrigados a concluir que somente um ser
inteligente pode
ordenar algo. Quem não atribuísse uma causa inteligente a uma obra ordenada
seria considerado um insano. Ninguém pode dizer que uma casa fora construída
pelo acaso e não por um arquiteto. Um ser que coloca ordem nas coisas
obrigatoriamente deve conhecer as relações que existem entre elas e dispô-las
umas em relação às outras de um modo adequado para conseguir o fim
desejado. Conhecer as relações entre as partes exige compreender a natureza
delas, ver as influências que umas podem ter sobre as outras, saber distinguir
nelas o que é causa e o que é ocasião, etc. O conhecimento da natureza das
partes de um todo, o que elas são em si, das influências que podem existir de
umas sobre as outras e da conveniência delas para alcançar um fim, só pode ser
feito por um ser inteligente.
Mas esta ordem que brilha nas obras realizadas pelos seres sem inteligência
deve ser referida àquele que criou todos eles, Deus, e que lhes deu um ser capaz
de agir com ordem. Os seres inteligentes, Deus inclusive e com mais forte razão,
podem realizar obras ordenadas não somente por si mesmos, mas também por
meio de outros seres, na medida em que os dirige e os dispõe à realização de tais
obras. Sem qualquer estudo prévio, os animais fazem coisas
extraordinariamente inteligentes, mas sem o saber.
As abelhas, por exemplo, fazem suas colmeias com alvéolos hexagonais onde a
parede de um alvéolo serve para outro alvéolo. Não há entre os alvéolos espaço
perdido e a forma hexagonal é mais econômica do que se elas usassem alvéolos
em forma de prisma triangular ou quadrangular. Para fechar os alvéolos elas
fazem fechamentos em forma de losango. Quando o físico René-Antoine
Feichant de Reaumur (1683-1757) notou que a angulação de fechamento dos
alvéolos era constante, não variava, ficou intrigado. Mandou buscar alvéolos na
Alemanha, na Suíça, na Inglaterra, no Canadá, e até na Guiana. Todos
apresentavam o losango de fechamento dos alvéolos com o mesmo ângulo. O
astrônomo francês Jean-Dominique Maraldi (1709-1788) mediu com maior
precisão os ângulos de fechamento dos alvéolos e viu que o ângulo menor tinha
70º 32’ e o maior tinha 109º 28’, o que tornava o alvéolo mais econômico:
máximo de volume para um mínimo de material usado na sua construção.
É óbvio que não foram as abelhas que descobriram, por conta própria, esta alta
geometria. Elas não conhecem até hoje, que se saiba, como usar os recursos do
Cálculo Diferencial…
Isso nos leva a fazer uma segunda observação. A ordem, enquanto tal, só pode
ser conhecida pela inteligência. Somente a inteligência percebe as relações que
existem entre as partes ordenadas de um todo e o fim ao qual elas estão
dirigidas. Assim, para reconhecer se algo é ordenado, devemos identificar o fim
desejado pelo autor e a relação que determina a disposição das partes. O físico
René-Antoine Feichant de Reaumur notou as relações matemáticas,
geométricas, que existiam entre os alvéolos das colmeias com um fim preciso:
obter o máximo de volume para um mínimo de material usado na sua
construção. E ele reconheceu esta ordenação porque tinha inteligência. As
abelhas constroem seus alvéolos com esta ordem admirável, mas são incapazes
de saber que o fazem, porque não têm inteligência. Mas mesmo sem
inteligência, constroem suas colmeias com precisão matemática, seja na Suíça,
seja na Guiana. Bem intrigantes estas geômetras irracionais!
2. A beleza
Mas é justamente pelo fato da beleza ser objetiva, de ter uma definição imutável,
que nós podemos estudá-la usando os instrumentos que a Filosofia tomista nos
dá.
Não se venha dizer que a Idade Média permaneceu fria a tudo aquilo que diz
respeito à beleza, e que a lógica austera da filosofia tomista conseguiu fechar
todos os horizontes ao belo.
A época em que São Tomás de Aquino viveu foi aquela que nos deu as mais
magníficas catedrais, com vitrais que enchiam as igrejas de luz. Os novos modos
de construção permitiam abrir imensas janelas decoradas, que tornavam as
grandes naves das igrejas mais luminosas, brilhando com belos raios coloridos
quando o sol incidia nelas. E não somente as catedrais chamam nossa atenção
até hoje, e movem milhões de turistas todos os anos a visitá-las, como também
os castelos, palácios, os edifícios civis, as pinturas, iluminuras, esculturas e
objetos de uso quotidiano, todos datando da “Idade das Trevas”…
É verdade que São Tomás de Aquino não tratou da beleza com a mesma
profundidade e com o mesmo desenvolvimento que ele deu à Metafísica, à
Lógica, à Teologia. Mas não deixamos de encontrar em seus escritos várias
observações sobre a beleza e os elementos que a constituem.
Existem noções metafísicas tão simples e universais que elas não podem ser
definidas. Podemos descrevê-las, mas como são coisas que ultrapassam
qualquer categoria, não podem ser colocadas em uma definição. Tais são as
definições, por exemplo, de ser, ato,potência, verdadeiro, uno, bem, etc.
Mas a beleza é algo à parte. Ela se compõe de vários elementos que podem ser
analisados.
Esta definição exprime tão bem o que é a beleza, que ela merece ser explicada
em detalhes.
a) Matéria e forma
Utilizemos uma estátua como comparação para compreender melhor estes dois
princípios constitutivos dos seres materiais. Este exemplo da estátua é o mais
conhecido quando se trata de explicá-los, porque é um dos mais simples.
Uma estátua depende, para existir, da matéria com que é feita e da forma (a
qual, neste exemplo, é mera figura exterior) que faz com que seja o que é. Sem
mármore não existe estátua, muito menos sem figura, sem seu desenho exterior.
Mas temos que refinar o conceito de forma usado nesta comparação da estátua.
Como diz um ditado latino, toda comparação é imperfeita.
Mas suponhamos que a estátua em questão fosse de ouro. Ela valeria muito
dinheiro, mesmo sendo mal esculpida. O mesmo vale para o caso em que
tivéssemos uma estátua em gesso bem esculpida e outra em mármore esculpida
com um pouco menos de técnica: ainda assim a estátua em mármore valeria
mais em relação à estátua de gesso. Por que, se a matéria é menos importante
que a forma? Isso parece ir contra o que acabamos de dizer.
Porque o mármore ou o ouro têm seu próprio ser físico antes de se ser estátua,
mas a figura, a aparência de Apolo ou Júpiter, não. O mármore é substância e
sua figura é um acidente, e “a substância prima sobre o acidente”.
Mas o mármore, para ser substância “mármore” precisa de algo que o faça
mármore e não outra coisa. Este algo chama-se “forma substancial”. Mármore
não é madeira ou ar, e para explicar essa diferença é necessário recorrer não a
uma matéria determinada (mármore) e a uma forma acidental, uma figura
exterior (de Apolo, Júpiter ou Diana), mas ao que se denomina matéria-prima
(ou matéria absolutamente indeterminada) e forma substancial(princípio
primeiro pelo qual a matéria se torna tal matéria). “Esses princípios intrínsecos
são, na plena acepção da palavra, princípios, isto é, aquilo de que procede o
corpo, real e primeiramente, e que não supõe nada anterior a ele. São,
portanto, realidades metafísicas” (Régis Jolivet, Tratado de Filosofia, tomo I,
Livraria Agir, Rio de Janeiro, 1969, p. 335).
Por causa desta analogia com a forma exterior de uma estátua (“forma
acidental”), Aristóteles chamou de forma (“forma substancial”), num sentido
inteiramente especial e técnico, este princípio interior de que tratamos, e que
determina a substância corpórea no seu próprio ser.
Esta doutrina salva a realidade material das coisas, bem como a existência de
uma distinção de natureza ou de essência entre os corpos que consideramos
como de espécies diferentes; mostra que nos corpos sem vida e nos seres vivos
irracionais existe a presença de um princípio substancial imaterial, mas que
difere dos espíritos propriamente ditos, porque é incapaz de existir sem a
matéria; permite compreender a união, no ser humano, da matéria e de uma
alma espiritual, que é a forma do corpo humano, mas que difere das outras
formas substanciais pelo fato de existir sem a matéria.
Se este mundo visível fosse constituído unicamente por matéria, como querem
os materialistas, seria impossível conhecê-lo com nossa inteligência imaterial.
Há algo imaterial nas coisas – a forma substancial delas – que se une à matéria
para constituir cada ser individual e que permite que possam ser conhecidos por
nossa inteligência imaterial.
Na filosofia de Aristóteles e de Santo Tomás, toda substância corpórea é um
composto de duas partes substanciais complementares, uma passiva e, em si
mesma, absolutamente indeterminada (matéria), outra ativa e determinante
(forma) (Cf. Jacques Maritain, Introdução geral à Filosofia, Agir Editora, 15ª.
edição, 1987, p. 110).
A matéria não existe por si mesma, mas por sua forma substancial, e a forma
existe na matéria. De modo que o que existe real e verdadeiramente é o
composto de dois princípios, um ser material individual, seja ele qual for.
b) Resplendor da forma
“A luz embeleza, porque sem luz todas as coisas são feias” (Santo Tomás de
Aquino,Comment. in Psalm., Ps. XXV, 5).
Toda forma é um vestígio, um raio de luz que Deus pôs em cada ser criado, pela
qual nossa inteligência pode ser iluminada.
“Toda forma, pela qual cada coisa tem o ser, é uma certa participação da
claridade divina. (…) Cada realidade é bela e boa de acordo com sua própria
forma” (Santo Tomás de Aquino, Comment. in lib. de Divin. Nomin., c. 4, lect.
V).
Deus projeta um brilho que é a causa da beleza nas coisas. Esta luz e esta
clareza, que provêm de Deus, contêm e se tornam a essência e a beleza das
criaturas. É por isso que as criaturas são belas, pela essência radiante que têm, e
que é uma participação da clareza divina. Elas mostram uma consonância com
seu fim, que é Deus, uma consonância na composição que têm e, em terceiro
lugar, uma consonância nas relações que têm com as outras criaturas.
O ser das coisas é uma certa luz (Cf. Santo Tomás de Aquino, Comment. in Liber
de causis, prop. 6, lect. 6).
Quando conhecemos bem alguma coisa, dizemos que ela está clara para nós.
Todo ser é a realização de uma essência. Aquilo que aprendemos pelos nossos
conceitos sob um estado de universalidade existe realmente, mas nas próprias
coisas, sob um estado de individualidade, não sob um estado de universalidade.
Assim, por exemplo, há na realidade uma natureza humana (animal racional),
que se encontra tanto em Pedro, como em Paulo e João etc., que não existe em
si mesma ou em estado separado, mas somente nestes sujeitos individuais e
identificada com cada um deles.
Quando um ser se mostra tal como ele é, tal como Deus o fez, então a sua forma
própria resplandece nele. Em todo ser que existe é possível ver o resplendor da
forma que dispôs a matéria seguindo as leis da proporção.
Cícero, o orador romano, insiste sobre a beleza que pode e deve existir nas ações
humanas: “Nós dizemos belo aquilo que corresponde à excelência do homem na
medida em que se distingue dos outros animais” (Cícero, De Officiis, I, c. 27),
ou seja, uma conduta em consonância com a inteligência. É por isso que os
pecados contra a castidade, mais que os outros pecados, são ditos serem feios:
porque quando o homem os comete ele se afasta maximamente do que é um
comportamento conduzido pela inteligência e se inclina mais ao que é bruto. “O
que é honesto possui uma beleza espiritual e é desejável”, diz Cícero (De
Officiis, c. 5).
Quando alguém faz uma ação virtuosa, a ordem interna que existe na alma dele
é manifestada exteriormente e é tão mais bem manifestada quanto mais a obra é
bem feita e quanto maior é a retidão interna da alma. E na simplicidade de uma
só ação ou de uma frase proferida podemos conhecer a ordem (ou a desordem)
daquela alma. A boca fala da abundância do coração: “Assim como o cuidado
que se tem da árvore se dá a conhecer no fruto, assim a palavra manifesta o
pensamento do homem” (Eclesiástico 27, 7).
Uma moça que se veste não para ressaltar a sua humanidade, mas sim aquilo
que tem em comum com os animais, apaga a luz que Deus pôs nela e que
deveria brilhar diante dos homens: “O que é o sol para o mundo, quando nasce
nas alturas de Deus, assim é a bondade duma mulher virtuosa para o
ornamento da sua casa” (Eclesiástico 26, 21).
“Nossa época exaltou a juventude e seus valores com tal frenesi que fez deste
culto, se não uma religião, uma superstição; entretanto, nunca se envelheceu
tanto e tão rápido como agora” (Octávio Paz, op. cit., pág. 16).
c) Na proporção da matéria
Para ser belo, um objeto deve possuir partes harmoniosamente unidas. Eis
porque a beleza consiste na proporção das partes de um ser.
Terminou pedindo que um pequeno arco desta espiral fosse gravado em seu
túmulo, com a seguinte inscrição: Eadem numero mutata resurgo – Mudada no
número, ressurjo a mesma.
De que modo as plantas devem dispor de seus ramos a fim de que as folhas
recebam o máximo de exposição à luz solar?
“Os ramos são ordenados de modo que nunca se superponham, isto é, um ramo
não pode impedir que suas folhas façam sombra nas folhas que estão abaixo. Os
ramos brotam do tronco seguindo um certo ângulo chamado ângulo ideal que é
calculado com o auxílio do número Φ. Esse ângulo ideal é 360º dividido pelo
quadrado de Φ. O quociente será: 137º 30’28’’ (valor aproximado). Esse ângulo
é designado pela letra grega alfa: α” (Malba Tahan,op. cit., pág. 247).
O esquema seguinte mostra, por ordem numérica, o surgimento das folhas em
um ramo e o ângulo entre as folhas: entre as folhas 1 e 2 temos α
aproximadamente igual a 137,5º = 85º + 52,5º, e este ângulo permanece
constante entre as folhas 2 e 3, 3 e 4, 4 e 5, etc… A próxima folha a nascer
sempre conserva esta angulação em relação à folha anterior.
Parte 3
Pierre de Craon Lejeune
Nos artigos anteriores nós estudamos duas definições de beleza, uma de Santo Alberto
Magno e outra de Santo Tomás de Aquino. Diferentes nos termos, elas são
perfeitamente complementares entre si.
Vimos que a beleza está fundamentada em critérios objetivos, presentes na realidade das
coisas: matéria e forma, ordem, proporção, perfeição. Uma vez que Deus dispôs “todas
as coisas com medida, número e peso” (Sabedoria 11, 21), só nos resta uma conclusão a
tirar: o mundo visível manifesta com abundância as maravilhas da bondade de Deus.
A beleza da criação está, portanto, por todas as partes. Mas, por vezes escondida aos
nossos sentidos e contida no decurso quotidiano das coisas, ela muitas vezes só se
revela às pessoas que sabem observar com atenção.
Todavia, por causa da união do corpo com a alma, para que o homem conheça a beleza
de algo necessariamente atuam os sentidos (sobretudo a visão e a audição) e a
imaginação. Daí dizermos que os olhos e os ouvidos têm seu agrado nas coisas belas.
Mas isto não significa que somente as pessoas de grande capacidade especulativa,
intelectuais, dedicadas ao estudo e que possuem um diploma universitário são capazes
de distinguir o feio do belo. Atualmente os universitários, em sua grande maioria,
possuem os gostos artísticos mais bizarros... Quem nunca passou perto de um muro
pichado e depois não se deu conta de que passava ao lado (ou dentro) de uma
faculdade?...
Todos os homens têm inteligência. Alguns, ainda que sejam lavradores e pedreiros,
ainda que não sejam grandes especuladores, a cultivam bem. São capazes de produzir
coisas belas, simples ou mesmo grandiosas. Outros, mesmo se estudam numa
universidade (sobretudo se estudam numa universidade...), podem cultivá-la mal.
Acham que grafite, pichação, é arte. Admiram Stravinsky. Vestem-se com bermuda,
chinelo, camiseta regata, falam palavrões, fumam maconha. Constituirão a elite
intelectual do país...
Com isso esperamos poder ajudar na formação das inteligências, para que elas estejam
mais bem preparadas para distinguir o feio do belo, para separar o joio do trigo na esfera
artística, para saber se uma obra de arte é conforme às verdades que a luz natural da
razão, sem a Revelação, nos apresenta. Pois, se é importante que uma obra de arte não
ensine heresias, também é importante que ela não transmita tolices... Assim,
gostaríamos que nossos leitores possam, com maior propriedade, dizer se algo é belo e
por que motivo.
Alguns responderão que Santo Tomás menciona somente três propriedades necessárias
para que algo seja belo: “Para a beleza, três coisas são necessárias: primeiramente,
integridade ou perfeição (...); devida proporção ou consonância; e clareza” (Suma
Teológica I, q. 39, a. 8). Não contestamos esta afirmação de Santo Tomás. O que
faremos é explicitar dois elementos (variedade e unidade), contidos implicitamente
entre os três elementos mencionados pelo Doutor Angélico, com a finalidade de tornar
nossa explicação mais didática.
Estes elementos estéticos não possuem a mesma importância nem o mesmo papel.
Primeiramente, todos são igualmente necessários, mas nem todos têm uma influência
igual sobre a beleza.
Depois, eles não se comportam do mesmo modo nos diferentes gêneros de beleza. Estes
elementos se conformam à natureza dos seres nos quais se encontram. A unidade de
nossa alma é diferente da unidade de uma sonata ou de uma cena pintada num quadro.
O esplendor de um corpo é diferente do esplendor de um anjo.
Além disso, eles exercem entre si uma influência mútua, se completam, fazem um
contrapeso entre si e mantêm o equilíbrio do ser.
Finalmente, é necessário saber que dois dentre eles pertencem propriamente ao princípio
material das coisas: a variedade e a integridade; dois deles pertencem ao princípio
formal: a unidade e o resplendor. A proporção pode ser vista como estando relacionada
à matéria e à forma juntamente.
Ao longo de nosso trabalho ficará mais claro como a filosofia escolástica e os princípios
de Santo Tomás de Aquino sabem colocar cada coisa no seu lugar, unificando a parte
sensível ou material com a parte formal, inteligível, da beleza.
(Parte 4)
A VARIEDADE COMO ELEMENTO DO BELO a) Noção e diferentes tipos de
variedade.
O primeiro que se apresenta aos nossos olhos é a variedade. Saber reconhecer e apreciar
convenientemente a integridade, a proporção, a unidade e, sobretudo, o esplendor da
forma, é coisa difícil em vários casos. Porém, a variedade é muito exterior e sensível.
Mas a variedade vai além: ela sempre implica uma real diferença, seja substancial ou
acidental, profunda ou superficial, naquelas características de um ser.
Ela sempre introduz um elemento novo na multiplicidade, de uma ordem superior e que
se relaciona não mais à simples quantidade, mas à qualidade de um ser. Se ela não exige
necessariamente muitos seres, ela exige num mesmo ser muitas propriedades ou
atributos diferentes, ou pelo menos vários aspectos singulares e distintos.
Um ser que não possuísse em si qualquer variedade apareceria aos olhos e à inteligência
como algo destituído de interesse.
A natureza, à qual todos os homens atribuem beleza de modo unânime, está cheia de
variedade em todos os seres que a compõem. Nela encontramos vegetais, animais e
minerais, todos eles contendo uma diversidade esmagadora de qualidades e
características, seja de modo manifesto aos sentidos, seja de modo mais discreto ou
escondido, visíveis somente aos olhos mais perspicazes e curiosos dos pesquisadores.
Os animais apresentam uma variedade enorme. Quantos animais diversos podem ser
encontrados numa simples pradaria coberta por grama! Quantos animais diversos
podem ser encontrados sobre uma só árvore: lagartas e besouros, formigas e pássaros,
macacos e serpentes! E como os animais têm uma abundância quase incalculável de
qualidades: enormes ou possuindo somente alguns milímetros, locomovendo-se por
saltos, arrastando-se, correndo, voando, nadando, com manchas ou listras sempre
diferentes em cada indivíduo de uma espécie (nas zebras, por exemplo), emitindo sons
diferentes, comportamentos diferentes...
Quando consideramos os minerais, tão mais simples que os seres vivos, encontramos
também uma abundante variedade: variedade de átomos que os compõem, de
organização desses átomos, de cristais que se formam, de cores, de propriedades
químicas e físicas.
Após a morte de Platão, quando Aristóteles deixou Atenas para viver em Mitilena, seus
amigos não compreendiam que ele realizasse pesquisas biológicas com animais de
pouco valor, alguns dos quais com aspecto repugnante. Mas ele respondia que se
descobrem no interior destes pequenos animais verdadeiros tesouros de verdade e de
beleza:
O homem tem necessidade do que é múltiplo e variado, e aquelas coisas que são pobres
em variedade nos causam tédio rapidamente.
Observem que os lados do claustro são feitos de uma fileira dupla de colunas, dispostas
não de par em par, mas intercaladas entre si. As fotos seguintes ilustram mais
claramente este modo de disposição das colunas. Na primeira foto vemos as colunas
duplas do claustro da igreja de São Paulo fora dos Muros, em Roma, dispostas de par
em par. Na segunda foto vemos as colunas do claustro do mosteiro Saint-Michel,
intercaladas, dispostas em duas fileiras onde as colunas se alternam entre si.
Se o leitor fizer um pequeno esforço de observação, perceberá que há arcos que ligam
não somente as colunas de uma mesma fileira, sucessivamente, mas que há arcos que
saem diagonalmente das colunas, conectando cada coluna a duas outras colunas mais
próximas da fileira paralela, assemelhando-se ao que hoje é chamado, em engenharia,
de “treliça”. Consequência: essas colunas bem finas que vemos na foto são capazes de
apresentar uma grande resistência estrutural ao vento e a outras intempéries. Se o vento
empurra um arco em uma direção, ele é prontamente sustentado por pelo menos outros
dois arcos.
Mas, e a beleza dele, que é o que mais nos interessa neste artigo? Sem duvida alguma a
proporção das partes do claustro, as suas cores, sua integridade e sua unidade o fazem
belo. Mas queremos chamar a atenção do leitor para a variedade de elementos que foi
posta neste claustro pelos que o construíram.
Onde haveria variedade nele, se os seus arcos e colunas são todos iguais?
Pedimos que o leitor observe com atenção os detalhes esculpidos entre os arcos do
claustro do mosteiro do monte Saint-Michel. Entre os arcos foram esculpidas folhas e
flores.
Pois bem: entre todos os arcos deste claustro não há uma só escultura de flor ou de
folhas que seja igual à outra. Não há esculturas repetidas. Veja o leitor duas delas, uma
ao lado da outra:
Nosso Senhor ensina que os padres devem ser capazes de dar coisas novas ao povo: “É
assim que todo escriba instruído naquilo que diz respeito ao Reino dos Céus é
semelhante a um pai de família que tira de seu tesouro coisas novas e coisas antigas”
(São Mateus 13, 52).
Aqui Nosso Senhor quer nos ensinar que todo homem sábio, que todo sacerdote que
recebeu uma instrução particular, em vista do ensinamento que eles mesmos darão na
Igreja de Deus, deve ser como um pai de família que distribui aos seus filhos e
hóspedes, a partir de suas provisões, aquilo que lhes é necessário. Ele não deve dar
sempre coisas antigas, do mesmo modo que não deve dar sempre coisas novas, mas o
bom padre é aquele que mistura habilmente umas e outras, organizando-as conforme as
circunstâncias.
O bom mestre, que enriqueceu sua inteligência e sua alma com os tesouros de uma
erudição variada, estará sempre pronto, conforme as exigências de seu ensinamento,
para usar aquilo que lhe será necessário, e poderá recorrer à experiência dos tempos
antigos, bem como a novas ideias. Ele adaptará as máximas, os provérbios e as
sentenças dos sábios, bem como os fatos históricos, à sua doutrina. Ao mesmo tempo,
ele compreenderá bem as atualidades e tirará lições úteis aos seus discípulos e fiéis.
Os homens têm, naturalmente, sede de coisas novas e variadas, e os padres devem ser
capazes de ensinar as verdades eternas aplicando-as às necessidades sempre novas dos
fiéis.
Sem dúvida alguma, um dos motivos do grande número de pessoas que passam para as
seitas protestantes ou que já não vêem a vitalidade que Deus conferiu à sua Igreja é a
desnutrição intelectual quase total de que os fiéis sofrem, porque os padres e bispos
fazem sermões vazios de princípios católicos e sem aplicação alguma à realidade.
Não tendo o que comer no pasto em que estão, as ovelhas procuram outros pastos
aparentemente mais abundantes. Aparentemente...
Ainda esperamos uma nova geração de padres que deixará de fazer sermões constituídos
quase totalmente por frases vagas, lugares comuns e princípios modernistas, e passará a
ensinar com clareza e luminosidade o que Deus mesmo veio nos ensinar, encarnando-se.
Essa sede desregrada por novidades é mais do que evidente na sociedade atual. Ao
iniciarmos este nosso trabalho, citamos uma análise do escritor Octavio Paz a respeito
da modernidade:
De onde vem esta necessidade insaciável de variedade existente no homem? Estaria ela
relacionada com os sentidos e com a imaginação? Seria possível que a inteligência,
sempre desejosa de conhecer a verdade imutável, pudesse ser atraída também pela
variedade?
Alguns notaram que as pessoas menos dadas à reflexão e nas quais a sensibilidade
predomina são as mais ávidas por novidades.
Estas pessoas tendem a considerar algo belo quando ele é novo e surpreendente,
violento, forte e mesmo desordenado. Eles fogem de toda calma e simplicidade. Eles
amam as transições rápidas, os grandes contrastes.
A sociedade moderna é claramente atingida por esses defeitos, bem como os homens
que a compõem. Belo é o que impressiona, o que satura os sentidos agora para deixar de
ser interessante poucos meses depois. Os artistas e a arte que produzem fazem sucesso
agora para depois fazerem parte do domínio do ultrapassado.
Quanto mais uma inteligência se forma, cresce, mais ela se eleva acima da variedade.
Ela amará, antes de tudo, a ordem, a proporção, a unidade, qualidades menos procuradas
pelas almas pequenas.
Porém, a variedade não tem, em si, nada de indigno. Mais ainda: ela se dirige à
inteligência. Não somente a razão aprova a variedade, como também encontra nela
repouso e prazer.
Aristóteles, no livro VII de sua Ética a Nicômaco, faz uma análise interessante do
homem e nos fornece uma explicação do porque a variedade nos agrada:
“Entretanto, não existe nada que nos seja sempre agradável. Isto vem do fato de que
nossa natureza não é simples, mas de que ela possui também um segundo elemento, em
virtude do qual nós somos seres corruptíveis, de modo que se o primeiro elemento faz
alguma coisa, esta coisa é para o outro elemento alguma coisa de contrário à sua
natureza (...)”. (Aristóteles, Ética a Nicômaco, l. VII).
Eis aí a primeira causa de nosso amor pela variedade: a natureza humana não é simples
(como Deus), mas é composta de dois princípios, um corruptível (corpo) e outro
incorruptível (alma). Nós não podemos satisfazê-las ao mesmo tempo. O que agrada um
não é o que agrada o outro. Consequentemente, buscamos sempre coisas variadas para
agradarmos o corpo e a alma, conforme suas necessidades.
Além desta razão fundamental, existem outras razões que explicam nossa preferência
pela variedade.
Primeiramente, a variedade é a lei de todo ser criado e ela se mostra sempre aos nossos
sentidos, sobretudo aos olhos e ouvidos. Nós vivemos num mundo cheio de variedades,
e não há nada de surpreendente no fato dos homens a amarem.
Além disso, o ser humano gosta de agir, de fazer sempre alguma coisa. A variedade,
sobretudo quando chega ao contraste, o anima e o move a agir. Ela lhe dá vida. O que é
habitual causa monotonia, mas a mudança que propõe, de tempos em tempos, algo
novo, o motiva. Daí o ditado: “Quem quer fazer sempre uma mesma coisa deve mudar
de vez em quando”.
Nosso Senhor fez uso do contraste nos seus ensinamentos, o que atrai a inteligência e
nos ajuda a compreender o que é explicado. É assim que lemos no Sermão da
Montanha: “Por que tu olhas a palha que está no olho do teu irmão e não percebes a
trave que está no teu olho? Ou como tu podes dizer ao teu irmão: Deixa-me tirar a
palha do teu olho, quando há uma trava no teu olho? Hipócrita, retira primeiro a trave
do teu olho e então tu poderás ver para tirar a palha do olho de teu irmão” (S. Mateus
7, 3-5). E ainda, mais a frente: “Eu vos digo que é mais fácil para um camelo passar
pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino dos Céus” (S. Mateus 19,
24). Nosso Senhor sabe que, ao usar um contraste, nós compreendemos mais facilmente
o princípio que Ele quer nos ensinar.
Mas o novo, em si, não é nem belo, nem feio. Ele pode ser os dois indiferentemente.
Além disso, o amor pela novidade encontra em nós uma inclinação contrária. Nós
amamos também o repouso e não amamos aquilo que muda muito nossos hábitos.
Conclusão
Pelo que expusemos acima podemos concluir que a variedade, considerada sozinha, tem
um valor acessório, extrínseco em estética. Porém, seu valor não é de pouca estima. Ela
não somente nos faz mais atentos a um objeto, nos atraindo a ele para o conhecermos
melhor, mas também permite um maior resplendor da forma na matéria.
Ela não é algo ligada somente aos sentidos, mas tem um fundamento na natureza do
homem e está ligada também à inteligência.
No próximo artigo veremos mais de perto a influência que a variedade exerce sobre a
beleza, bem como as regras e os limites da variedade.
(Parte 5)
A partir do que expusemos no artigo anterior podemos concluir que a variedade não é
idêntica à beleza. Variedade e beleza não se identificam. Isto não significa que a
variedade seja um elemento sem consistência. A variedade atrai a inteligência para a
consideração da beleza do objeto, e de algum modo ajuda nessa beleza.
“A epopeia tem, para desenvolver sua extensão, meios variados que lhe são próprios,
considerando que, na tragédia, não se pode representar muitas ações no mesmo
momento, mas uma só parte por vez é figurada na cena pelos atores; ao passo que na
epopeia, como é um relato, podem-se tratar ao mesmo tempo vários eventos no
momento em que se realizam. Quando estão bem no assunto, eles acrescentam
amplitude ao poema; eles contribuem, assim, para lhe dar magnificência, a transportar
o ouvinte de um lugar a outro e a introduzir variedade nos episódios; pois a
uniformidade, que em breve gerou o tédio, faz com que as tragédias não sejam
agradáveis” (Aristóteles, Poética, 1459b 20-30).
Comumente se diz que a justiça sem misericórdia termina num excessivo rigor, e que a
misericórdia sem justiça é fraqueza. Esta consideração pode ser aplicada a todo o
conjunto de virtudes existentes. Por meio da prudência Deus concede ao homem a
difícil solução de conciliar, na prática, virtudes que aparentemente são opostas, como a
humildade e a magnanimidade, a justiça e a misericórdia, a fortaleza e a suavidade, o
recolhimento e o zelo apostólico, etc, indicando o modo correto de agir para conciliar
ambas as tendências sem destruí-las mutuamente, e esta variedade de virtudes numa
pessoa contribui para a beleza moral dela.
Mas quais são os critérios que permitem ao artista a escolha inteligente de elementos
variados?
Primeiramente é necessário evitar o uso de coisas que não vão e que não podem ir
juntas. Somente os gostos grosseiros, sob o pretexto de causar um grande efeito, são
capazes de fazê-lo.
Horácio (Ars poetica, versos 9-13; 29-30) nos dá, com certa graciosidade, esta regra
primeira do uso inteligente da variedade:
Mas não para que as coisas selvagens sejam unidas às coisas pacíficas,
Não a fim de que as serpentes sejam unidas aos pássaros e os cordeiros aos tigres.
(…)
Mas convém notar que há assuntos e obras de arte que toleram maior variedade de
elementos na sua composição que outros.
Para os filósofos antigos, para a filosofia clássica, a beleza de uma obra depende de sua
simplicidade e de sua unidade. A simplicidade clássica se opõe à complexidade ou à
complicação inúteis.
Serão feias as complicações que fazem desaparecer a aparência da unidade bem como a
representação de uma pluralidade infinita. Também se condenava o que era supérfluo,
aquilo que não possui nenhuma ligação necessária com o sujeito ou com o tema tratado,
o excesso de decoração, de ornamentação ou de enfeites.
Entre os autores da Antiguidade o belo tem ligação estreita com o ser. A Escolástica da
Idade Média, devedora dos bons princípios filosóficos da Antiguidade, assimilará o belo
com o ser, o que deve ser compreendido mais ou menos assim: é belo aquilo que é
plenamente e perfeitamente o que ele deve ser. É feio tudo aquilo que não é
plenamente e perfeitamente o que ele deve ser.
Assim, se os detalhes variados salvam uma obra de ser medíocre, devemos considerar
também que o número de detalhes que podem ser colocados numa obra é praticamente
infinito. Como escolher? Que critério me permitirá separar o necessário e conveniente
do inútil?
Para responder a esta questão devemos recorrer a um princípio fundamental que deve
reger todas as nossas ações, a saber: a noção de causa final.
A causa final, ou finalidade, é o porquê a causa eficiente age. É o que é visado, é
aquilo ao qual se dirigem nossas ações.
Numa questão célebre da Suma Teológica, Santo Tomás expõe vários princípios que
dizem respeito à causa final:
“Tudo o que age deve necessariamente agir por um fim. Com efeito, quando as causas
são ordenadas entre si, se a primeira desaparece, é necessário que as outras também
desapareçam. Ora, a primeira dentre todas as causas é a causa final. Eis a razão: a
matéria não alcança a forma sem a moção de um agente, pois nada pode passar por si
mesmo da potência ao ato. Mas o agente só age em vista do fim. Se um agente não
estivesse determinado a conseguir algo concreto, ele não faria mais isto que aquilo,
porque, para que produza um efeito determinado, tem que estar determinado a algo
certo, que tem a propriedade de fim” (Suma Teológica I-II, q. 1, a. 2).
De modo que os meios empregados pelo agente são escolhidos em função do fim.
Aquilo que conduz ao fim é chamado de meio. O que caracteriza o meio é que ele é
desejado não por si mesmo, mas por causa de outra coisa, o fim. O engenheiro só deseja
empregar tal ou tal instrumento (meio) porque deseja fazer um edifício com tal ou tal
característica (fim). Nenhum engenheiro de bom senso inicia uma obra sem ter um
objetivo claro antes.
Lembremo-nos do que disse Santo Tomás: “se um agente não estivesse determinado a
conseguir algo concreto, ele não faria mais isto que aquilo” (Suma Teológica I-II, q. 1,
a. 2).
Todo artista age em vista de um fim. Sua obra de arte é feita para expressar algo de
particular. Para alcançar este fim, o artista deverá fazer uma separação inteligente entre
o necessário e o inútil.
A variedade maior ou menor de elementos numa obra de arte é um meio que é desejado
não por si mesmo, mas por causa do fim.
Mais variedade que o necessário e sua obra será confusa, pesada, perderá em beleza.
Menos variedade que o conveniente e sua obra será pouco atraente, entediante.
Um pintor tem uma variedade imensa de cores à sua disposição. Ele escolherá aquelas
que são mais aptas a alcançar a finalidade desejada ao seu quadro.
Um pintor que empregasse vários tons de cinza ao representar uma cena de festa alegre
mostraria uma certa inexperiência na arte da pintura…
A partir de toda esta explicação fica evidente também que a variedade de elementos
numa obra não pode colaborar para sua beleza sem estar, ao mesmo tempo, limitada e
sustentada pela ordem, que dá unidade ao todo.
(Parte 6)
A INTEGRIDADE COMO ELEMENTO DO BELO a) Introdução
Iremos tratar, neste artigo, da integridade. Como vimos antes, ela é um dos elementos
que Santo Tomás aponta como necessários à beleza de um ser: “Para a beleza, três
coisas são necessárias: primeiramente, integridade ou perfeição (...); devida
proporção ou consonância; e clareza” (Suma Teológica I, q. 39, a. 8).
Nos dois artigos anteriores concluímos que a variedade, considerada sozinha, tem um
valor acessório, extrínseco em estética. Sem variedade algo pode ser belo, mas não
tardará a causar tédio: “(...) pois a uniformidade, que em breve gerou o tédio, faz com
que as tragédias não sejam agraváveis” (Aristóteles, Poética, 1459b 20-30).
Um belo objeto deve, antes de tudo, ser íntegro, estar inteiro, apresentar todas as partes
que constituem sua multiplicidade e que são agrupadas na sua unidade. Esta integridade
significa que nada do que constitui um ser está faltando:
“A perfeição primeira consiste em que algo seja perfeito na sua substância; e esta
perfeição é a forma do todo, a qual resulta da integridade das partes” (Suma Teológica
I, q. 73, a. 1).
É belo aquilo que corresponde completamente ao que ele deve ser, aquilo ao qual nada
falta.
Consequentemente, algo só poderá ser tido como belo quando é perfeito, no sentido de
acabado, concluído, terminado, quando se apresenta totalmente realizado. O que é
incompleto é feio, e a obra que não chegou ao seu termo ou que possui falhas não
poderá ser dita bela:
“O que é danificado, pelo fato mesmo de ser danificado, é feio” (Suma Teológica I, q.
39, a. 8).
“Nós dizemos que os mutilados são feios, pois lhes falta a devida proporção ao todo”
(Santo Tomás de Aquino, Comentário ao I livro das Sentenças, dist. 44, q. 3, a. 1, c.).
A integridade de um ser pode ser substancial ou acidental. Se, por um motivo qualquer,
um ser fica privado de seus atributos secundários, então neste caso sua integridade será
somente substancial.
Pode-se dar um caso no qual um ser se veja privado de uma parte sua que não seja tão
importante. Apesar desta privação não ser algo dramático para o ser que a sofre, ela não
deixaria de ter consequências estéticas importantes:
A beleza entre os antigos é uma característica do ser. Isto implica imediatamente que a
beleza designa a plenitude do ser. Quanto mais ser algo tem, mais beleza ele tem.
“Esta fórmula significava, antes de tudo, que o belo não tem nenhuma realidade
própria, de qualquer modo que seja, fora da realidade do ser. Ser belo é ser, e ser é ser
belo. Tudo o que é, é belo pelo fato mesmo de que ele é, e o feio nada mais é do que a
falta de ser, a respeito do qual não há nada a pensar nem a dizer, a não ser que seja
para indicar o lugar deixado vazio por uma ausência de realidade” (Étienne Gilson,
Peinture et réalité, Paris, Vrin, 1972, p. 226) [negrito nosso].
Em resumo: a beleza é o resplendor e a perfeição do ser.
Para ilustrar nossa explicação daremos ao leitor alguns exemplos visíveis pois, como
nos ensina Santo Tomás, “nós aprendemos com mais certeza aquilo que nós temos
diante dos olhos” (Suma Teológica, III, q. 30, a. 3).
A basílica de São João de Latrão, em Roma, possui em seu interior, ao longo da nave
central, estátuas representando os doze apóstolos.
Uma delas se caracteriza por uma beleza particular: a estátua do apóstolo São Mateus.
Tudo nela faz resplandecer o que São Mateus é, sua alma, seu ser. Sem dúvida o seu
autor soube manifestar nela, com uma habilidade de mestre, o que São Mateus era, um
homem cuja conduta estava em consonância com a reta inteligência.
Quando um ser se mostra tal como ele é, tal como Deus o fez, então a sua forma própria
resplandece nele. Então temos o resplendor do ser, então temos beleza.
Cícero, o orador romano, insiste sobre a beleza que pode e deve existir nas ações
humanas: “Nós dizemos belo aquilo que corresponde à excelência do homem na medida
em que se distingue dos outros animais” (Cícero, De Officiis, I, c. 27), ou seja, uma
conduta em consonância com a inteligência.
Nela vemos bem realizada este princípio de ouro ensinado pelos clássicos e levado à sua
perfeição pela Escolástica: ser belo é ser, ser aquilo que Deus nos fez, fazer brilhar as
perfeições que Deus pôs em nós.
Ora, esta estátua não manifestaria tudo isso se não fosse íntegra nas suas partes.
Nesta estátua não há parte alguma que falte. Ela é perfeita, acabada, concluída,
terminada, totalmente realizada. Tudo nela colabora para manifestar o cobrador de
impostos que desprezou o dinheiro para seguir Nosso Senhor, e que o fez com toda sua
alma, o evangelista que não se importa mais com o lucro, mas que tem em sua mão e no
seu coração a doutrina do Evangelho que recebeu de Nosso Senhor e que lhe foi
concedido escrever.
Ela é bem constituída no seu ser, pois é íntegra nas suas partes.
Bem diferente é o caso das estátuas feitas pelo artista Bruno Catalano,
chamadas “estátuas incompletas”:
Para alguém tomado pelos princípios modernos estas estátuas são obras de arte.
Mas como justificar uma “obra de arte” como esta, e outras realizadas do mesmo modo
por ele, partindo dos princípios fornecidos pela filosofia aristotélico-tomista?
Se a beleza é o resplendor do ser, como poderemos afirmar que uma estátua incompleta,
sem integridade, propositalmente inacabada, lesada no seu ser, possa ser bela?
Objetivamente esta estátua não pode ser julgada bela. Ao contrário, ela é feia, pois “ser
belo é ser, e ser é ser belo. Tudo o que é, é belo pelo fato mesmo de que ele é, e o feio
nada mais é do que a falta de ser, a respeito do qual não há nada a pensar nem a dizer,
a não ser que seja para indicar o lugar deixado vazio por uma ausência de realidade”
(Étienne Gilson, Peinture et réalité, Paris, Vrin, 1972, p. 226) [negrito e grifado
nossos].
“Vazio” e “ausência de realidade” são termos que exprimem bem o que são estas
estátuas.
Sem dúvida alguma, a arte moderna não pode dar as mãos à filosofia tomista, a esta
filosofia que ensina que a beleza é uma manifestação da plenitude do ser.
A arte moderna, antes, coloca-se como a concretização de uma filosofia que se lhe opõe.
A arte moderna, objetivamente, erige-se contra o ser.
(PARTE 7)
a) Introdução
Os seres materiais criados por Deus e as obras de arte feitas pelo homem têm partes
variadas e íntegras.
Isto não basta para que sejam belas. É necessário que as partes que compõem um ser
estejam no lugar certo, que haja ordem no conjunto delas, uma disposição adequada,
conveniente. Sem isto só haverá caos.
Neste artigo veremos, ainda que brevemente, o que os antigos escreveram sobre este
elemento fundamental da beleza e o uso que fizeram da proporção na arte. Depois
veremos como as teorias da Antiguidade sobre a proporção foram transmitidas até a
Idade Média e – não poderíamos deixar de fazê-lo – o que Santo Tomás de Aquino
ensinou sobre a proporção. Finalmente mostraremos que na Idade Média, assim como
na Antiguidade as teorias filosóficas sobre a proporção não ficaram limitadas à esfera
puramente especulativa, mas tiveram uma aplicação prática cada vez mais desenvolvida,
dando origem, particularmente na música, a obras que causam até hoje admiração em
quem quer que as ouça.
Usamos, neste artigo, uma boa parte do que o Professor Orlando Fedeli escreveu no seu
artigo “Música e beleza”. Muitas partes dele foram francamente copiadas, inseridas ao
longo deste nosso artigo, sendo desenvolvidas em seguida. São verdades e princípios
fundamentais, explicados com a simplicidade e a didática de um Professor experiente e
que nos pareceram utilíssimas aqui.
O leitor terá aqui, deste modo, uma explicação mais aprofundada da questão sem perder
em simplicidade e clareza.
O interesse pela proporção remonta aos pré-socráticos. Num dos fragmentos que
chegaram até nós, e que nos dão muitos elementos do que eles ensinavam, lemos uma
afirmação de Aristoxeno segundo o qual “a ordem e a proporção são belas e úteis”
(Hermann Diels, Die Fragmente der Vorsokratiker, 469, Berlin, Weidmannsche
Verlagsbuchhandlung, 1956).
Eles tentarão definir um sistema de proporções ideais que se aplicam à figura humana.
Assim fez o escultor Policleto (cujo apogeu da carreira foi por volta de 420-417 a. C.),
ao redigir sua obra, chamada de Cânon, isto é, “regra”, um verdadeiro tratado das
proporções da figura humana, sistematizando-as em fórmulas matemáticas que seus
predecessores imediatos já haviam mostrado e que ele exemplificou realizando uma
estátua conforme ao seu sistema. Alguns pensam que esta estátua seria o famoso
“Dorífero”, isto é, “aquele que carrega a lança”, do qual temos cópias.
A perfeição de suas estátuas era admirada por todos, ainda que ele fosse criticado por
não conseguir colocar vida interior nelas. Quintiliano, escritor latino do século I d. C.,
dizia a respeito delas: “Si Policleto soube dar à forma humana uma beleza
sobrenatural, não parece, entretanto, que ele tenha conseguido transmitir
completamente a majestade divina”.
Sem dúvida alguma uma estátua deve ser feita com proporções matemáticas para ser
bela (os elogios que Policleto recebia mostram isso), mas elas não bastam para fazer
uma estátua perfeita.
De fato, a matemática agrupa o estudo de uma parte importante da realidade, mas não a
esgota e muitas coisas do mundo não são capazes de ser estudadas pela matemática. São
realidades que deverão ser estudadas pela Ética, pela Política, pela Biologia, pela
Metafísica, etc.
Ele é a expressão da proporção que há entre as partes de uma reta quando dividida em
um ponto preciso de sua extensão. Se tomarmos uma reta e a dividirmos em duas partes
de tal forma que a reta inteira esteja relacionada com a parte maior, da mesma forma
que esta esteja relacionada com a parte menor, teremos uma proporção de três números
apenas:
_____________________________|____________
Este número é uma constante no universo. Ele pode ser encontrado em variadíssimas
coisas. Assim, ele se encontra no corpo e no rosto humano.
A razão entre a altura de um rosto e a medida do queixo até a base do nariz é igual ao
número de ouro ou próxima dele. E quanto mais próxima for desse número de ouro,
mais o rosto será belo. A mesma medida se acha entre a medida do braço junto com a
mão, para a medida do cotovelo ao punho; do queixo até a boca, para a distância da
boca até a base do nariz; de um dedo inteiro para a medida de duas falanges, etc.
Notem, na figura da direita, onde esta curva é representada, as divisões sucessivas que
sofre o retângulo no qual ela está inscrita. Estas divisões são feitas todas de acordo com
a proporção do número áureo:
AD / AE = AE /ED = 1,618…
E cada retângulo formado pelas subdivisões do retângulo original será uma miniatura
dele. Conseqüentemente, a espiral logarítmica cresce guardando sempre a proporção
original.
Vitrúvio, arquiteto romano que viveu durante o governo de Augusto (fim do primeiro
século antes de Cristo e começo do primeiro século depois de Cristo), trata da proporção
em seus escritos.
É nas obras de Vitrúvio que encontramos termos como proporção e simetria, ou
definições como:
“Harmonia, em qualquer obra que seja, dos componentes de uma parte determinada e
do todo (…) correspondência apropriada dos membros de uma obra, e acordo
estabelecido entre as partes isoladas de uma parte determinada da obra e o aspecto da
obra no seu conjunto” (Vitrúvio, Sobre a arquitetura, III, 1; I, 2) [destaques nosso].
Também Plotino, filósofo neoplatônico nascido em 204 d. C., dizia que a beleza reside
“no acordo e na proporção das partes entre elas e com o todo” (Plotino, Enéadas I, 6,
1).
Para que algo seja uma bela totalidade, para que uma infinidade de seres constitua um
mundo belo, é necessário que as partes observem entre si uma ordem que as determinará
reciprocamente, uma proporção que as encaixe bem.
O primeiro filósofo a tratar das relações entre a beleza e os números foi Pitágoras, e sua
influência se estendeu, através de Platão e dos neoplatônicos, por longos séculos. Santo
Agostinho e Boécio foram os transmissores dessa concepção numérica de beleza, nos
primeiros tempos da Idade Média.
No livro De Institutione Musica (I, 10), Boécio narra uma antiga lenda sobre como
Pitágoras teria descoberto a relação entre os números, a beleza e a música.
Diz ele que Pitágoras, passando um dia perto de uma forja, percebeu que os martelos,
golpeando a bigorna, produziam sons harmoniosos. A princípio, julgou que a causa
estava na força com que os ferreiros batiam os martelos. Para verificar se isto era certo,
fez com que eles trocassem os martelos entre si. Percebeu, então, que os sons
continuavam sendo harmoniosos. Portanto, a causa da beleza não estava na força dos
ferreiros. Pesou, então, os vários martelos e verificou que eles tinham pesos tais, que era
possível formar entre eles uma proporção. Os pesos dos martelos eram 12, 9, 8 e 6, e
assim era possível montar a seguinte proporção:
6 / 8 = 9 / 12
E diz Boécio: “Os martelos que tinham pesos 12 e 6 ressoavam uma harmonia em
“dobro”. O martelo (que pesava) 12 com o (que pesava) 9, assim como o martelo (de
peso) 8 com o (de peso) 6 se uniam com uma harmonia “diatessaron”, segundo
proporção epítrita; o 9, porém, com o 6, e o 12 com o 8 ressoavam o tom em proporção
“sesquioitava” (Boécio, De Institutione Musica, Ed. Teub., 1857, p. 196, 197, 198).
Por exemplo, supondo que o DO fosse produzido por 24 vibrações duplas por segundo,
as demais notas teriam os seguintes números de vibrações:
As leis que regem a beleza musical são, portanto, de ordem matemática. É a proporção
que causa a beleza sonora. Ora, como a vista está submetida a leis semelhantes às do
ouvido, a beleza das formas visíveis também deve derivar dos números e das
proporções.
É a proporção numérica que produz a beleza, quer traduzida em formas sonoras, quer
expressa plasticamente. Por isso, assim como na música, as figuras mais belas são as
mais simples e mais fáceis de serem compreendidas, isto é, aquelas cujas partes formam
proporções facilmente perceptíveis de 1/1, 2/3, 3/4.
1 + 3 = 4 (2 x 2)
1 + 3 + 5 = 9 (3 x 3)
1 + 3 + 5 + 7 = 16 (4 x 4)
1 + 3 + 5 + 7 + 9 = 25 (5 x 5), etc.
Por sua vez, a soma do número 2 com os números pares produz os retângulos:
2 = (1 x 2)
2 + 4 = 6 (2 x 3)
2 + 4 + 6 = 12 (3 x 4)
2 + 4 + 6 + 8 = 20 (4 x 5), etc.
Ele observa ainda, entre muitas outras coisas, que na sequencia de quadrados e de
retângulos pode-se encontrar proporções contínuas:
Quadrados: 1 – 4 – 9 – 16 – 25 – 36 – 49…
Retângulos: 2 – 6 – 12 – 20 – 30 – 42…
Boécio, como os pitagóricos, vai além de uma simples observação aritmética, e parte
para uma simbologia e, mesmo, para uma metafísica dos números – porta ambígua por
onde podem se infiltrar o Panteísmo, a Gnose e a Cabala.
Eis o que ele diz: “Por outro lado, postos os ímpares em ordem a partir da unidade, e
sob estes os pares, a partir da dualidade, a acumulação dos ímpares forma tetrágonos;
a dos pares, por outro lado, transforma os superiores (os pares) em retângulos.
Portanto, esta é a natureza dos tetrágonos gerados pelos ímpares: que são os partícipes
da unidade, isto é, de uma mesma e imutável substância, e iguais a todas as suas
partes, porque os ângulos são iguais aos ângulos, os lados iguais aos lados, e a largura
ao comprimento; por isso, deve-se dizer que tais números são de uma mesma natureza e
partícipes de uma substância imutável; aqueles porém, aos quais a paridade cria
retângulos, diremos que são de outra substância” (Boécio, De Inst. Arithmetica, Ed.
Teub., pp.117-118).
E mais: “Todo número, portanto, consta daquelas coisas inteiramente desunidas e
contrárias, que são os pares e os ímpares. Aqui, pois, a unidade, ali, a variação da
instabilidade; aqui, o vigor imóvel, ali, a mudança do móvel; aqui, a solidez definida,
ali, a geração infinita da multiplicidade… Pelo que, não sem razão, foi dito que todas
as coisas que constassem de contrários seriam unidas e compactas por uma certa
harmonia. A harmonia dos múltiplos é, pois, o consenso e a união dos dissidentes”
(Boécio, De Inst. Arithmetica, p.125-126).
Daí os filósofos medievais afirmarem que algo é belo na medida em que harmoniza a
unidade e a variedade, a estabilidade e o movimento, o par e o ímpar, o grave e o agudo,
o pesado e o leve, o quadrado e o retângulo, etc.
Há vários tipos de proporção. Aquela que Pitágoras encontrou ao pesar os martelos dos
ferreiros era composta de quatro números diferentes:
6 / 8 = 9 / 12
Se tivermos uma proporção entre três números apenas, em vez de quatro, essa
proporção será mais simples, e, por isso será mais facilmente apreendida pela
inteligência. Esta é a proporção chamada de contínua pelos matemáticos e de analogia,
pelos gregos antigos. Por exemplo, a proporção 1 / 2 = 2 / 4.
Nela, o termo médio é repetido, facilitando a apreensão da relação entre as duas razões.
É o caso da proporção áurea.
Se houvesse uma proporção ainda mais simples, ela teria que ser mais agradável ainda,
pois que a simplicidade das coisas as faz mais semelhantes a Deus, que é a simplicidade
absoluta.
Santo Agostinho também será devedor dos antigos. As afirmações dele sobre a
proporção mostram um modo de pensar devedor das afirmações já enunciadas antes
pela Antiguidade:
“Em que consiste a beleza do corpo? Na conveniência das partes entre si,
acompanhada de uma certa doçura de cores” (Santo Agostinho, Epístola 3).
“Quando a razão percorre o céu e a terra, descobre que nada lhe agrada fora da
beleza; e na beleza, as figuras; nas figuras as dimensões; nas dimensões os números”
(cf. Santo Agostinho, De Ordine, II, XV, 42).
Santo Tomás não escreverá nenhum tratado dedicado unicamente à proporção, muito
menos algo com a mesma ótica de Boécio, discorrendo longamente sobre as façanhas
das quais os números são capazes.
O Doutor Comum também não analisou a existência da proporção em tal ou tal domínio
concreto da criação, compondo um estudo dedicado à uma parte especial da criação.
“A proporção pode ser dita em dois sentidos. De um modo, para exprimir uma relação
quantitativa. Assim, o duplo, o triplo, o igual, são espécies de proporções; de outro
modo, qualquer relação de um termo a outro pode ser chamada de proporção, e assim
há proporção da criatura a Deus, pois ela está com Ele na relação de efeito à causa, e
de potência a ato” (Suma Teológica I, q. 12, a. 1, ad 4).
a / b = c / d ou 1 / 2 = 3 / 6
É o que constata Santo Tomás na sua afirmação que acabamos de ler: “A proporção
pode ser dita (…) para exprimir uma relação quantitativa. Assim, o duplo, o triplo, o
igual, são espécies de proporções”.
“(…) a apreensão sensível não vai até poder considerar a proporção [isto é, a relação]
de uma coisa à outra, mas isto é próprio da razão” (Suma teológica II-II, q. 58, a. 4).
Com a proporção, cada parte se relaciona com outra e com o todo de modo inteligente,
como o criador do conjunto via que era conveniente, o que já explicamos longamente
nos artigos passados.
O segundo modo de proporção se dá nos seres materiais, mas está presente também nos
seres puramente espirituais. O pedaço de ferro quente esquentado pelo fogo possui uma
temperatura proporcionada à intensidade de calor que tem o fogo que o aqueceu. Os
anjos possuem perfeições que Deus lhes deu e que têm alguma relação, alguma
proporção, com as perfeições de Deus. Todo efeito possui alguma relação com sua
causa, alguma proporção com ela.
Quando uma pessoa se torna mais e mais virtuosa ela torna-se cada vez mais
proporcionada a Deus, tendendo cada vez mais à unidade com Ele. Porém, não se pode
medir a virtude em números. Com efeito, ela não é uma quantidade, mas uma qualidade.
A estética da proporção, tendo encontrado seu ponto de partida nas teorizações musicais
da Antiguidade tardia e do começo da Idade Média, adquiriu depois formas cada vez
mais complexas.
Pouco a pouco essa teoria será colocada à prova na arte concreta, realizada na matéria.
Se o leitor não está acostumado ao vocabulário técnico que usaremos, com termos
próprios da história da música, ele poderá facilmente encontrar explicações mais
detalhadas na internet, ou em qualquer manual de história da música. Entretanto,
buscamos tornar a explicação seguinte o mais compreensível possível para aqueles que
ignoram totalmente a arte musical.
O máximo que havia de diferença, em estilos diferentes do canto gregoriano, era que
alguns cantores ou instrumentos executavam a melodia numa oitava superior ou inferior
(se um cantor ou instrumento, por exemplo, fizesse a sequência DÓ-RÉ-MI, outros
cantores ou instrumentos faziam a sequência DÓ-RÉ-MI mais aguda ou mais grave).
É aos artistas da Idade Média que cabe a honra de terem inventado a polifonia, canto
com várias vozes, onde cada voz realiza uma melodia diferente e a execução de todas
constitui uma única música.
A invenção da polifonia foi uma revolução considerável que mudará toda a prática da
arte musical.
Ao século XX, século livre e construído pela razão e pelo progresso, cabe a honra de ter
inventado o rock, com seus grunhidos e distorções (musicais e cerebrais…).
No século IX, as duas vozes abandonam o uníssono e começam a seguir, cada uma
individualmente, uma melodia própria, mas sem sacrificar a consonância do conjunto.
As primeiras tentativas, no século IX, de associar duas partes distintas, uma cantada e
outra instrumental, receberam o nome de organum ou diafonia.
Eram sequências de intervalos de quartas e de quintas, cujo resultado nos parece hoje,
depois de toda a complexidade obtida na Renascença e no Barroco, algo rígido e pouco
trabalhado. Com efeito, imbuídos da doutrina musical greco-latina, os teóricos desta
época não admitiam os intervalos de terça e de sexta.
Esta forma inicial será aperfeiçoada no século XII. Uma terceira voz é introduzida
acima da melodia principal, geralmente formado de um fragmento tomada da liturgia, e
recebe o nome de descanto.
Nesta época as notas eram indicadas nas partituras por pontos. Por este motivo essa
música composta de várias partes, de várias vozes, será chamada de contraponto.
No final do século XII e no começo do século XIII, sob o reinado de Felipe Augusto,
Paris se tornará, depois de Limoges, um centro intelectual brilhante, onde se elaboram
as bases da polifonia nascente.
Diante de um organum de Perotinus, quando surge, sobre um fundo sonoro dado por
uma só nota dominante, o movimento complexo de um contraponto caracterizado por
uma ousadia verdadeiramente gótica, e que três ou quatro vozes se mantêm durante
sessenta compassos, em consonância sobre uma mesma nota de pedal, em uma
variedade de ascendências sonoras comparáveis às torres de uma catedral, vemos que os
músicos medievais partem de textos fornecidos pela tradição (Boécio, Santo Agostinho)
onde a proporção é vista sob uma ótica influenciada pela abstração platônica, e lhe
conferem uma realização muito concreta.
Aqueles que pretendem que não houve trocas entre a teoria metafísica do belo e a teoria
metafísica da arte enunciam uma afirmação realmente arriscada.
Nosso próximo artigo será dedicado à consideração da unidade como elemento do belo,
e veremos que seu interesse, assim como no caso da proporção, data já da Antiguidade.
(Parte 8)
A unidade agrada a inteligência pois na variedade das partes de um todo íntegro ela
busca porque tal coisa é do modo como ela é, una.
a) Introdução
Os gregos nos transmitiram grandes conjuntos de esculturas decorativas. Elas são fruto
de obras coletivas, feitas por um exército de executantes. O autor François Chamoux, ao
comentar a construção não somente do Parthenon, mas também de tantas outras grandes
obras gregas, escreve:
E mais à frente o autor nos dá outro exemplo de preocupação pela unidade de uma obra:
O artista grego não buscava ser “original”. Ele compreendia ser parte de uma sociedade,
composta de membros unidos num todo. Ele não via a sociedade como um amontoado
de individualidades.
É uma visão da sociedade que causa escândalo à mentalidade moderna. Tudo o que é
universal e favorecedor de unidade é visto pela modernidade como totalitário. Uma
atenção privilegiada será dada à diferença, ao original, ao outro, ao “periférico”.
Individualismo maquiado de “atenção ao outro”. O bem comum não é mais um bem
comum a todos, indivisível, mas é como um bolo do qual cada indivíduo (ou grupo
social) tira um pedaço. Feliz aquele que tirar o maior.
b) Metafísica da unidade
“O uno é dito de dois modos. Há um uno que se converte com o ente, e há um uno que é
o princípio do número. Se falamos do uno que é conversível com o ente, ele não é
limitado ao gênero da quantidade, mas encontra-se em todos os entes (Santo Tomás de
Aquino, In I Sent., d. 24, q. 1, a. 1, ad 1).
Não tem sentido algum querer medir em metros um anjo, puro espírito:
“O uno, enquanto é princípio do número, não é atribuível a Deus, mas somente àquilo
que tem seu ser na matéria” (Suma Teológica I, q. 11, a. 3, ad 2).
Como podemos dizer, então, que três anjos apareceram para Abraão?
Podemos dizer que três anjos apareceram a Abraão porque consideramos neles não a
unidade matemática, existente somente nos seres materiais, mas a unidade metafísica.
Santo Tomás explica em vários lugares o modo como a inteligência elabora a noção de
unidade.
Quando um objeto é apresentado à inteligência, a primeira coisa que ela conhece é que
há alguma coisa, que diante dela há um ente. Daí a máxima tomista: “A primeira coisa
que entra na inteligência é o ente”. É uma noção imediata que a inteligência adquire ao
conhecer algo, dizendo-se para si mesma: “Isto é, isto existe”. Ela não o faz depois de
uma reflexão, de um raciocínio, mas de modo imediato. Ela concebe assim um conceito
vago do que é o ente.
Em seguida a inteligência se dá conta de que este ser (um livro, por exemplo) não é
aquele outro (um lápis), de que há uma diferença entre o ser que ela considera diante
dela e os outros seres em volta.
Finalmente, a inteligência vê que este ser (livro) pode ser distinto dos outros (lápis,
etc.), mas que é idêntico a si mesmo. Ela vê que este ser é uno, vê que nele não há uma
divisão interna, que ele é indiviso.
O que é composto não tem ser enquanto suas partes estão separadas, mas somente
quando estas partes estão reunidas e formam o próprio composto. É o caso de uma casa
composta de paredes, janelas, portas. Se um ser é um composto de matéria e forma,
então ele terá uma unidade substancial quando matéria e forma se unirem para constituí-
lo. É o caso de um ser humano (composto de matéria e alma).
“Vemos que se a noção de unidade é negativa, enquanto afirma uma indivisão (não
divisão), o ser uno é uma realidade positiva. O ser e o uno são, portanto, conversíveis,
isto é, universalmente todo ser é uno (ou indiviso) e o é na medida em que é ser” (Régis
Jolivet, Tratado de filosofia, tomo III, Livraria Agir, Rio de Janeiro, 1965, p. 247).
Esta unidade metafísica não acrescenta nada ao ser, senão uma negação de divisão, isto
é, a afirmação de identidade do ser com ele mesmo.
Quando as partes de um ser são estreitamente relacionadas, então podemos dizer que
elas formam um todo único, e que este ser é um. Ela é a propriedade pela qual um ser
foge da divisão e, distinto de todos os outros, não se distingue de si mesmo.
Descrição evidente, que parece dizer bem pouca coisa. Porém, a unidade agrada nossa
inteligência e a impressiona muito.
Quanto mais uma inteligência se eleva na consideração do mundo mais ela agrupa, num
pequeno número de princípios gerais, a pluralidade de coisas que existem e que as
inteligências mais simples explicam por meio de uma grande quantidade de princípios.
As inteligências vigorosas podem possuir, é verdade, muita erudição. Porém, o que mais
impressiona nelas é a capacidade de abraçar o mundo inteiro com somente poucos
princípios.
Aliás, é bem isso que caracteriza o sábio. Sábio, em geral, é aquele que conhece as
coisas pelas últimas causas, pelas causas mais altas. Quem contempla uma coisa sem
conhecer suas causas possui dela um conhecimento superficial (por exemplo, um
camponês que vê um eclipse sem saber por que ele acontece); quem o contempla
conhecendo e indicando suas causas próximas possui um conhecimento científico (o
astrônomo diante do eclipse); aquela pessoa porém que é capaz de reduzir seus
conhecimentos aos últimos princípios do ser possui a sabedoria filosófica. Por isso a
Metafísica, que explica o mundo por meio dos princípios mais elevados e gerais, merece
o nome de Sabedoria (Santo Tomás de Aquino, Comentário à Metafísica de Aristóteles,
prólogo).
Sábio é quem conhece as coisas pelas suas explicações mais fundamentais, pelas causas
mais universais que regem todas as coisas. O sábio tende a agrupar muitos princípios
em um só, mais geral, de aplicação mais universal.
A unidade é uma propriedade que se identifica com o ser. Tudo o que é, pelo fato se ser,
é um:
“Cada coisa que existe só possui o ser na medida em que ela é una. E é por isso que
vemos as coisas resistirem, na medida do possível, a ser divididas; e a dissolução delas
provém sempre de um defeito que está presente nelas. Daí vem que a finalidade
buscada por aquele que governa uma multidão seja a unidade e a paz” (Suma
Teológica I, q.103, a. 3).
Um ser se conserva tanto quanto dura sua unidade. “O uno e o ser se identificam”, diz o
princípio tomista que vimos mais acima.
“O uno não acrescenta ao ser coisa alguma, mas somente a negação da divisão, pois
uno não significa nada mais que ser indiviso. De onde vem que uno é o mesmo que ser,
já que todo ser ou é simples ou é composto. Se ele é simples, é indiviso em ato e em
potência [isto é, é indiviso agora e não tem a possibilidade de ser dividido depois;
possui a indivisibilidade perfeitamente, não podendo nunca ser dividido]. Se é
composto, tem ser somente quando suas partes passam da condição de separados à
condição de unidos, formando o composto. De onde resulta claro que o ser de qualquer
coisa consiste na individuação. Por isso, qualquer coisa conserva seu ser na medida
em que conserva sua unidade” (Suma Teológica I, q. 11, a. 1) [negritos nossos].
Pois bem, numa obra de arte nós podemos ver numerosas e variadas partes ordenadas,
mas esta ordem supõe um princípio que coordena o agrupamento das partes. Uma vez
existente, ela precisa durar e agir sobre todas elas. É necessário um princípio estável e
forte de unidade. E como “o uno e o ser se identificam”, mais uma vez se apresenta
diante de nós aquilo que vimos nos artigos anteriores e que vemos ainda mais
claramente agora: a beleza designa a plenitude do ser. Quanto mais ser algo tem e,
consequentemente, quanto mais unidade ele tem, mais beleza ele tem.
É esteticamente belo aquilo que torna evidente a unidade fundamental de sua natureza.
Ao contrário, será feia a complicação que faz desaparecer a aparência de unidade, bem
como a representação de uma pluralidade indefinida, simplesmente porque a falta de
unidade, ou sua diminuição, implica uma corrupção, uma diminuição no ser.
A unidade triunfa quando submete à sua lei os elementos variados que compõem um
ser, e este ser será tão mais belo quando maior for a unidade final, resultado da ordem.
Não repetiremos tudo o que falamos antes. Repetir aquilo que se aprendeu ajuda muito
na compreensão, mas não queremos tornar este trabalho mais pesado do que ele já é.
O leitor poderá revisar o que falamos sobre a ordem e as relações da beleza com a
inteligência lendo os artigos anteriores, nos quais tratamos destas questões. Muitas delas
são supostas aqui.
Começamos este longo trabalho porque queríamos conhecer melhor o que é a beleza,
conhecê-la nas suas causas, porque “todo homem deseja naturalmente conhecer”
(Aristóteles, Metafísica, 980a21). Conhecer o porquê das coisas nos dá alegria e é, por
si só, um motivo legítimo de estudo.
Após termos visto tantos princípios luminosos nos artigos precedentes, compreendemos
com mais clareza que “as perfeições invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua
divindade, desde a criação do mundo, são visíveis à inteligência através de suas
obras”, como nos ensina São Paulo (Epístola aos Romanos 1, 20).
Estamos convencidos de que o mundo criado por Deus, as criaturas, manifestam aquele
que os fez. Elas fazem com que Deus seja conhecido por nós claramente, facilmente,
pelo uso de nossa inteligência: “O que se pode conhecer de Deus é manifesto entre os
homens” (Rom. 1, 19).
Assim, continuamos este trabalho para não sermos culpados de uma ignorância
inexcusável e merecedores da punição reservada àqueles que tiveram o livro da criação
diante de seus olhos, livro perfeito e luminoso, mas que não o leram porque não o
quiseram ler:
“São vaidade todos os homens em que não se encontra a ciência de Deus, e que pelos
bens visíveis não chegaram a conhecer aquele que é, nem, considerando as suas obras,
reconheceram quem era o Artífice; mas o fogo, o vento, o ar sutil, ou o giro das
estrelas, ou a imensidade das águas, ou o sol e a lua, (…) [que os homens] reconheçam
quanto é mais formoso do que elas aquele que é seu Senhor; porque foi o autor da
formosura que criou todas estas coisas. Ou, se eles se maravilharam do seu poder e das
suas influências, entendam por elas, que o que as fez é mais forte de que elas; porque
pela grandeza e formosura da criatura se pode visivelmente chegar ao conhecimento do
seu criador. Todavia estes homens são menos repreensíveis, porque, se caem no erro, é
talvez buscando a Deus e desejando encontrá-lo. Porquanto eles buscam-no pelo exame
das suas obras, e são seduzidos pela beleza das coisas que vêem. Mas, por outra parte,
nem estes merecem perdão, porque, se chegaram a ter luz bastante para poderem fazer
uma ideia do universo, como não descobriram mais facilmente o Senhor dele?”
(Sabedoria 13, 1-9).
“De onde o conhecimento de Deus era manifesto aos povos? Porventura Deus falou
com eles, fazendo-os escutar sua voz? De modo algum. Verdadeiramente, Deus fez algo
que poderia atrair os povos mais do que qualquer voz: estabeleceu o mundo criado, de
modo que o sábio e o estúpido, o habitante da Cita e o bárbaro, conduzidos tão
somente pela visão da beleza das coisas visíveis, podem subir até Deus” (Comentário à
Epistola de São Paulo aos Romanos, homilia 3, 2).
É isso que buscamos fazer com este nosso progressivo trabalho, e nossa maior
felicidade seria a de levar aqueles que o lerem a um amor por Deus que, com sua graça,
chegasse à perfeição no Céu, onde contemplaremos a Beleza eterna face à face, sem
risco de perdê-la, para sempre.
(Parte 9)
Não basta que um ser seja íntegro, proporcionado e uno para ser belo, mas é preciso
que ele tenha claridade.
a) Introdução
Como nos daremos por satisfeitos se nossos leitores, depois de lerem esses artigos – às
vezes tão monótonos porque tão repetitivos no modo de apresentar os princípios
filosóficos – terminarem compreendendo e absorvendo esta verdade: a beleza não cai
na esfera da sensibilidade, mas é percebida pela inteligência. Na bela expressão de
Maritain, “o lugar natural da beleza é o mundo inteligível, é de lá que ela desce” (Art et
Scholastique, in Oeuvres completes de Jacques Maritain, Éditions Universitaires,
Fribourg-Suisse et Éditions Saint-Paul, Paris, volume I, p. 640).
Não basta que um ser seja uno, proporcionado, íntegro, que nos atraia pela variedade de
seus elementos. É necessário ainda que ele se mostre de modo manifesto à inteligência.
Por isso Santo Tomás diz que “a beleza requer três condições. Primeiramente
integridade ou perfeição; as coisas mutiladas são feias por este fato mesmo. Depois, a
proporção devida ou consonância. E, finalmente, a claridade; por isso as coisas que
têm cores nítidas são ditas belas” (Suma Teológica I, q. 39, a. 8).
Não é normal que alguém se conforme àquilo que é obscuro e confuso, que alguém
aceite o contraditório, o que é impreciso. A inteligência quer ver e, onde se vê, há luz,
há claridade.
É essa claridade essencial à beleza que veremos hoje, esperando completar assim o
estudo das características necessárias à beleza. Uma vez conquistado este terreno
atacaremos um próximo assunto, esperando obter ainda mais claridade num assunto tão
fascinante como esse.
b) Resplendor da forma
Como dissemos acima, não basta que um ser seja íntegro, proporcionado e uno para ser
belo, mas é preciso que ele tenha claridade.
O motivo disso é evidente: se belo é aquilo que agrada a visão (Suma Teológica I, q. 5,
a.4, ad 1), consequentemente é necessário haver alguma luz, alguma claridade da parte
do objeto. Algo só é visível e capaz de ser conhecido na medida em que é claro.
Inversamente, quanto mais obscuro é o objeto, menos ele será conhecido, visível e
agradável aos olhos.
Logo, para que algo agrade a faculdade de conhecer do homem, ela deve ser dotada de
alguma claridade, deve resplandecer com uma elegância especial.
Por isso as iluminuras medievais eram feitas quase sempre com cores bem vivas:
E é uma das causas que faz com que a roupa da Guarda Suíça seja tão bela.
Mas em que consiste esta claridade?
Este ensinamento aparece sem cessar em todas as obras de Santo Tomás. A VIII tese
tomista resume este ensinamento de maneira magistral: “A criatura corpórea é,
quanto à essência ela mesma, composta de potência e de ato; esta potência e este
ato na ordem da essência são designados pelos nomes de matéria e forma”.
A forma será, daqueles dois princípios (matéria e forma) que constituem os seres
materiais, aquilo que constitui algo em uma espécie determinada. Os escolásticos
souberam exprimir muito bem esta verdade, resumindo-a no seguinte princípio: “Forma
dat esse – A forma dá o ser”.
Algo é definido e conhecido, então, por sua forma.
Mas assim como a luz material manifesta as características visíveis das coisas e permite
aos meus olhos conhecê-las, assim também a forma substancial exprime o que a coisa é
para a inteligência, permite definir cada coisa e que, portanto, a manifesta para a
inteligência.
Por isso posso dizer que tudo o que manifesta algo é luz.
Será legítimo, então, dizer que as formas das coisas são luz, porque manifestam para
minha inteligência o que as coisas são.
Por isso podemos dizer que cada ser é um raio de luz inteligível, que permite à
inteligência subir de ser em ser até Aquele que criou cada um e todos, que os fez cada
qual com suas propriedades, com uma ordem, com qualidades próprias e diversificadas.
A Causa suprema de todas as coisas imprimiu sua marca em cada uma de suas criaturas.
Cada uma encontra em si por onde dar testemunho de Deus. De cada ser partem raios
que convergem até Deus.
Nós conhecemos cada ser por suas propriedades particulares, que podem ser vistas,
tocadas, sentidas. Mas, como todas as características particulares que cada ser possui
provêm de sua forma, uma vez que a forma dá o ser com tudo o que ele tem, então
também podemos dizer que estas características próprias de cada ser são o resplendor da
forma deste ser.
Quanto mais um ser for elevado na hierarquia dos seres, mais ele será belo. Sua forma
lhe dará mais ser, suas características poderão ser mais manifestas e nós poderemos ter
mais conhecimentos dele.
Uma vez constituído perfeitamente pela forma unida à matéria bem proporcionada, cada
ser terá uma perfeição intrínseca e será fundamentalmente belo. Ele se tornará belo, no
sentido próprio e pleno do termo, quando essa perfeição, dada pela forma substancial,
resplandecer e se revelar com clareza.
Como vemos, este resplendor consiste na nítida compreensão, pela inteligência, do ser
conhecido. Ela consiste no conhecimento manifesto da perfeição e da ordem que possui
aquele objeto apresentado à inteligência, e esta perfeição pode ser física, intelectual e
moral.
E quanto mais um ser for facilmente compreensível pela inteligência, quanto mais
facilmente ele permitir essa visão de toda a ordem que foi posta na realidade e a
ascensão da alma até a Causa primeira de tudo, então haverá nela o resplendor de seu
ser.
Quanto mais perfeito for o ser de algo, quanto mais a disposição exterior e a ordem
interior de um objeto facilitar seu conhecimento, tão mais claro ele aparecerá à
inteligência e a iluminará mais facilmente.
Fica mais fácil compreender o que Santo Tomás quer dizer quando afirma que “o belo
pertence propriamente à noção da causa formal” e que “se refere ao entendimento”
(Suma Teológica I, q. 5, a.4, ad 1).
Este conhecimento é agradável e dá prazer ao indivíduo que o tem. Todo homem deseja
naturalmente conhecer e fica feliz, chegando até a sorrir, quando compreende algo com
clareza.
c) Conclusão
Os numerosos artigos que escrevemos nos ajudaram a compreender que a beleza é algo
estreitamente relacionado com a ordem, com a proporção, a integridade e,
consequentemente, com a inteligência.
Quanto mais uma inteligência estiver formada para ver estes elementos num ser
(escultura, pintura, música, poesia, na natureza, etc.), mais claramente ela os conhecerá,
com mais agrado, e poderá se satisfazer com eles de modo muito mais frutuoso. É
possível, e necessário, educar a inteligência para discernir o belo do feio. A inteligência
saberá também passar do inferior ao superior, partir das criaturas para chegar até Deus.
É com esta intenção que passaremos agora a considerar outros tópicos relacionados à
arte e à beleza.
Veremos o que é arte, se a arte deve ser regida pelos princípios da moral ou se o artista
pode e deve estar livre de toda e qualquer restrição neste sentido.
Com a ajuda de Deus esperamos tratar destas questões, sem pretensões de erudição, ao
mesmo tempo em que buscaremos dar fundamentos sólidos para trazer as almas até Ele,
que criou os céus e a terra.