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A questão do método da ciência na modernidade.

A experiência, a observação e a defesa do método indutivo.

Francis Bacon (1561-1626)


Principais obras filosóficas de Francis Bacon:

Novum organum (1620). Obra crítica à concepção


dedutiva de ciência que apresenta o projeto de renovação
científica ao fazer a proposta de um novo instrumento do
saber em explícita oposição ao Organon de Aristóteles.

O progresso do saber (The Advancement of Learning,


1605), De augmentis (versão ampliada de O progresso do
saber, 1623). Obra que defende a ideia do progresso da
ciência e da técnica;
Nova Atlântida (1627). Utopia na qual Bacon apresenta a
concepção do Estado ideal (estado imaginário da Nova
Atlântida) regulado por ideias de caráter científico e defende
um modelo de instituição de pesquisa científica que
promove o bem-estar humano baseado no controle
científico sobre a natureza.
Dois aspectos importantes da contribuição de Bacon:

1º) Pensamento crítico –Teoria dos ídolos

2º) Defesa de um método – O método indutivo


Contribuições da filosofia de Bacon:
• Rompimento com a tradição, principalmente com a filosofia
escolástica de inspiração aristotélica;

• Defesa de um método para a ciência moderna; que o


conhecimento é obtido pela via empírica e experimental, com
base nos fatos e na observação; oposição à ciência teórica e
especulativa clássica;

• Desenvolvimento de um pensamento crítico e defesa do


progresso da ciência e da técnica, com a aplicação da ciência à
indústria e a serviço do progresso.
• O progresso se daria a partir do aprimoramento do método
adequado baseado em um modelo de ciência prática e de um
pensamento crítico. O desenvolvimento intelectual propiciaria
uma mudança na vida dos homens.

• Defesa de que o bem-estar humano depende do controle


científico sobre a natureza, o que é alcançado a partir do
conhecimento das leis da natureza.

• Defesa de que a meta da ciência é o melhoramento da vida


humana, alcançada através da coleta de fatos com observação
organizada e derivando teorias a partir daí.
• Defesa da aliança entre explicação e dominação. A explicação
dos fenômenos proporcionaria ao homem conquistar poder sobre
eles. “Ciência e poder no homem coincidem” (NO, 3, p.14).

• Rejeição de qualquer ideia teórica predeterminada sobre a


natureza. Se quisermos compreender a natureza, devemos
consultar a natureza e não os escritos de autoridades, como
Aristóteles.

• Contribuiu para a passagem da sacralização da natureza para


uma atitude visando ter controle instrumental sobre a natureza,
proporcionado pelo saber com vocação prática.
• O conhecimento autêntico seria o que, fundando-se na
observação, propiciaria poder sobre os fenômenos estudados.
Relação de Bacon com o ceticismo
• O ceticismo em Bacon não desempenha o mesmo papel
que tem em Descartes.

• Sobre sua proximidade com o ceticismo filosófico Bacon


afirmou:

“Se pudesse haver uma associação entre nós e os antigos, é


com este gênero filosófico [i.e., o daqueles ‘a quem apraz o
nada se sabe’] que estaríamos mais ligados; pois estamos de
acordo com muitos dizeres prudentes e observações feitas
por eles acerca das variações dos sentidos e da falta de
firmeza do juízo humano, e acerca da contenção e da
suspensão do assentimento. A estes poderíamos ainda
acrescentar diversos outros pontos pertinentes, a tal ponto
que entre nós e eles reste apenas esta diferença: eles
afirmam, sem mais, que nada se sabe, e nós afirmamos que
nada se pode verdadeiramente saber pela via que até aqui
percorreu a raça humana. E, na verdade, a companhia destes
filósofos não nos envergonha...” (A Escada do
entendimento ou o fio do labirinto, p. 199)
• Apesar do otimismo metodológico sobre a obtenção de
um método de interpretação da natureza que permitisse
conhecer verdadeiramente as Formas das coisas, em várias
passagens Bacon reconhece semelhanças entre o diagnóstico
cético do estado dos nossos conhecimentos e sua própria
visão.

“Coincidem, até certo ponto, em seu início, o nosso e método


daqueles que usaram da acatalepsia. Mas nos pontos de chegada,
imensa distância nos separa e opõe. Aqueles, com efeito,
afirmaram cabalmente que nada pode ser conhecido. De nossa
parte, dizemos que não se pode conhecer muito acerca da
natureza, com auxílio dos procedimentos ora em uso. E, indo
mais longe, eles destroem a autoridade dos sentidos e do intelecto,
enquanto que nós, ao contrário, lhes inventamos e
subministramos auxílios” (§ 37).

“A verdadeira causa e raiz de todos os males que afetam as ciências


é uma única: enquanto admiramos e exaltamos de modo falso os
poderes da mente humana, não lhe buscamos auxílios
adequados. / A natureza supera em muito, em complexidade, os
sentidos e o intelecto. Todas aquelas belas meditações e
especulações humanas, todas as controvérsias são coisas malsãs. E
ninguém disso se apercebe”. (§§ 9 e 10)
• Tal como ocorre em Descartes, a preocupação
fundamental de Bacon é com a formulação de um método
para evitar o erro e colocar o homem no caminho do
conhecimento correto.

“Nosso método, contudo, é tão fácil de ser apresentado


quanto difícil de se aplicar. Consiste no estabelecer os
graus de certeza, determinar o alcance exato dos sentidos
e rejeitar, na maior parte dos casos, o labor da mente,
calcado muito de perto sobre aqueles, abrindo e
promovendo, assim, a nova e certa via da mente, que, de
resto, provém das próprias percepções sensíveis.”
Prefácio).
• Este é um dos sentidos do pensamento crítico, que marca
fortemente a filosofia moderna, e que considera que a tarefa
da filosofia consiste em libertar o homem dos preconceitos,
das ilusões e das superstições.

• É neste contexto que encontramos sua teoria dos ídolos


(Novum organum, §§ 38-44).
Teoria dos Ídolos
• Os ídolos falsas noções, preconceitos aos quais os humanos estão
sujeitos e que dificultam o progresso do saber autêntico. São erros,
ilusões ou distorções que bloqueiam a mente humana, impedindo
o verdadeiro conhecimento. A menos que tomemos precauções
contra eles, podem constituir sérios obstáculos à ciência.

“Os ídolos e noções falsas que ora ocupam o intelecto humano e nele
se acham implantados não somente o obstruem a ponto de ser difícil
o acesso da verdade, como, mesmo depois de seu pórtico logrado e
descerrado, poderão ressurgir como obstáculo à própria instauração
das ciências, a não ser que os homens, já precavidos contra eles, se
cuidem o mais que possam” (NO, § 38)
• Somente com o afastamento inicial dos preconceitos é
possível realizar a observação pura e neutra, a única capaz de
propiciar a efetiva explicação dos fenômenos.
Os ídolos podem ser de quatro tipos:

“São de quatro gêneros os ídolos que bloqueiam a mente humana.


Para melhor apresentá-los, lhes assinamos nomes, a saber: Ídolos
da Tribo,·Ídolos da Caverna; Ídolos do Foro,· e Ídolos do Teatro”
(NO, § 34)

1) ídolos da tribo (Idola Tribus);


2) ídolos da caverna (Idola Specus);
3) ídolos do mercado (Idola Fori);
4) ídolos do teatro (Idola Theatri) (NO, §§38-44).
Ídolos da tribo

• São os erros aos quais os humanos estão sujeitos em


virtude da própria natureza humana, resultantes, por
exemplo, da confiança excessiva nos sentidos, sentimentos
ou crenças recebidas. As percepções são parciais, portanto
não se pode confiar nas informações fornecidas pelos
sentidos, senão quando corrigidas pela experimentação. (§§
41, 50)
“Os ídolos da tribo estão fundados na própria natureza
humana, na própria tribo ou espécie humana. É falsa
asserção de que os sentidos do homem são a medida das
coisas. Muito ao contrário, todas as percepções, tanto dos
sentidos como da mente, guardam analogia com a natureza
humana e não com o universo. O intelecto humano é
semelhante a um espelho que reflete desigualmente os raios
das coisas e, dessa forma, as distorce e corrompe” ( NO, §
41).
“Na verdade, os sentidos, por si mesmos, são algo débil e
enganador, nem mesmo os instrumentos destinados a
ampliá-los e aguçá-los são de grande valia. E toda verdadeira
interpretação da natureza se cumpre com instâncias e
experimentos oportunos e adequados, onde os sentidos
julgam somente o experimento e o experimento julga a
natureza e a própria coisa” (NO, § 50).
Ídolos da caverna

• São distorções que podem surgir no caminho da verdade,


resultantes das características individuais de cada indivíduo
humano, de sua constituição física e mental, das influências
que sofre de seu meio ambiente, de seus hábitos, das leituras
que faz, de sua disposição pessoal ou estado de espírito no
momento em que se põe a buscar um determinado
conhecimento.
“Os ídolos da caverna são os dos homens enquanto indivíduos.
Pois cada um – além das aberrações próprias da natureza em
geral – tem uma caverna ou uma cova que intercepta e
corrompe a luz da natureza; seja devido à natureza própria e
singular de cada um; seja devido à educação ou conversação
com os outros; seja pela leitura dos livros ou pela autoridade
daqueles que se respeitam e admiram; seja pela diferença de
impressões, segundo ocorram em ânimo preocupado e
predisposto ou em ânimo equânime e tranquilo; de tal forma
que o espírito humano – tal como se acha disposto em cada
um – é coisa vária, sujeita a múltiplas perturbações, e até certo
ponto sujeita ao acaso” (Novum Organum, § 42).
“Os ídolos da caverna têm origem na peculiar constituição
da alma e do corpo de cada um; e também na educação, no
hábito ou em eventos fortuitos. (Novum Organum, § 53)

“Os homens se apegam às ciências e a determinados


assuntos, ou por se acreditarem seus autores ou
descobridores, ou por neles muito se terem empenhado e
com eles se terem familiarizado. Mas essa espécie de
homens, quando se dedica à filosofia e a especulações de
caráter geral, distorce e corrompe-as em favor de suas
anteriores fantasias” (Novum Organum, § 54)
Ídolos do mercado (ou do foro)

• São erros ou falhas que resultam das relações ou


intercâmbio entre os humanos, da comunicação e do
discurso. As palavras que usamos limitam nossa concepção
das coisas, porque pensamos sobre as coisas a partir das
palavras que temos para exprimi-las.

• Explora a ideia de que as palavras assumem o significado


que o uso corrente da linguagem acaba por lhes imprimir e
que é, geralmente, muito vago, ambíguo, impreciso ou
parcial. Quando se tenta precisá-las para fazer com que
correspondam mais fielmente ao que se encontra na
natureza, esbarra-se numa grande resistência imposta pelo
uso que vulgarmente se fez delas ao longo do tempo.

• Como as palavras constituem o meio pelo qual se trocam


ideias, o uso de palavras vagas, sem correspondência com
qualquer aspecto do real, acaba por gerar inúmeras
controvérsias em torno de nomes.
• Para garantir uma comunicação eficiente em ciência, seria
necessário dotar as palavras de resultados de experiências,
porque as próprias definições não fornecem uma solução
satisfatória, uma vez que também elas são compostas de
palavras.
“Há também os ídolos provenientes, de certa forma, do
intercurso e da associação recíproca dos indivíduos do gênero
humano entre si, a que chamamos de ídolos do foro devido ao
comércio e consórcio entre os homens. Com efeito, os homens
se associam graças ao discurso, e as palavras são cunhadas pelo
vulgo. E as palavras, impostas de maneira imprópria e inepta,
bloqueiam espantosamente o intelecto. Nem as definições,
nem as explicações com que os homens doutos se munem e se
defendem, em certos domínios, restituem as coisas ao seu
lugar. Ao contrário, as palavras forçam o intelecto e o
perturbam por completo. E os homens são, assim, arrastados a
inúmeras e inúteis controvérsias e” (NO, § 43).
Ídolos do teatro

• São distorções introduzidas no pensamento devido à


aceitação de falsas doutrinas ou teorias, de falsos sistemas
filosóficos ou científicos (antigos ou novos) que, como peças
de teatro, não apresentam uma visão real ou correta do
mundo, mas que ‘figuram mundos fictícios e teatrais’.
“Há, por fim, ídolos que imigraram para o espírito dos
homens por meio das diversas doutrinas filosóficas e
também pelas regras viciosas da demonstração. São os
ídolos do teatro: por parecer que as filosofias adotadas ou
inventadas são outras tantas fábulas, produzidas e
representadas, que figuram mundos fictícios e teatrais. Não
nos referimos apenas às que ora existem ou às filosofias e
seitas dos antigos. Inúmeras fábulas do mesmo teor se
podem reunir e compor, porque as causas dos erros mais
diversos são quase sempre as mesmas. Ademais, não
pensamos apenas nos sistemas filosóficos, na sua
universalidade, mas também nos numerosos princípios e
axiomas das ciências que entraram em vigor, mercê da
tradição, da credulidade e da negligência.” (Novum
Organum, § 44)

“...os ídolos do teatro não são inatos, nem se insinuaram às


ocultas no intelecto, mas foram abertamente incutidos e
recebidos por meio das fábulas dos sistemas e das
pervertidas leis de demonstração. [...] Nada se lhes subtrai,
já que se trata de uma questão de método. Um coxo
(segundo se diz) no caminho certo, chega antes que um
corredor extraviado, e o mais hábil e veloz, correndo fora do
caminho, mais se afasta de sua meta. O nosso método de
descobrir a verdadeira ciência é de tal sorte que muito
pouco deixa à agudeza e robustez dos engenhos; mas, ao
contrário, pode-se dizer que estabelece equivalência entre
engenhos e intelectos. Assim como para traçar uma linha
reta ou um círculo perfeito, perfazendo-os a mão, muito
importam a firmeza e o desempenho, mas pouco ou nada
importam usando a régua e o compasso. O mesmo ocorre
com o nosso método. (Novum Organum, § 61)
“Os ídolos do teatro, ou das teorias, são numerosos, e
podem ser e certamente o serão, ainda em muito maior
número. Com efeito, se já por tantos séculos não tivesse a
mente humana se ocupado de religião e teologia; e se os
governos civis (principalmente as monarquias) não tivessem
sido tão adversos para com as novidades, mesmo nas
especulações filosóficas – a tal ponto que os homens que as
tentam sujeitam-se a riscos, ao desvalimento de sua fortuna,
e, sem nenhum prêmio, expõem-se ao desprezo e ao ódio; e
se assim não fosse, sem dúvida, muitas outras seitas
filosóficas e outras teorias teriam sido introduzidas, tais
como floresceram tão grandemente diversificadas entre os
gregos. Pois, do mesmo modo que se podem formular
muitas teorias do céu, a partir dos fenômenos celestes;
igualmente, com mais razão, sobre os fenômenos de que se
ocupa a filosofia se podem fundar e constituir muitos
dogmas. E acontece com as fábulas deste teatro o mesmo
que no teatro dos poetas. As narrações feitas para a cena são
mais ordenadas e elegantes e aprazem mais que as
verdadeiras narrações tomadas da história.” ( Novum
Organum, § 62)
2. A defesa do método indutivo

• Tentativa de expor um método correto para a aquisição do


conhecimento, um caminho que a ciência devia seguir.

• O método serviria de modelo para a nova ciência chegar a


novas teorias e oferecer um conhecimento correto dos
fenômenos.
• O método indutivo, baseado na observação rigorosa dos
fenômenos naturais, seria constituído de quatro etapas
a) observação da natureza;
b) organização racional dos dados observados;
c) formulação de hipóteses a respeito dos dados;
d) comprovação das hipóteses por meio de experimentações
repetidas.

• Partindo da observação dos fenômenos, de sua regularidade, e


estabelecendo relações entre eles, o método permitiria formular
leis científicas na forma de generalizações indutivas.
• Com a adoção do método indutivo a ciência pode
progredir e o conhecimento crescer de forma controlada e,
portanto, segura.

• O modelo de ciência que Bacon defende é o de uma


ciência aplicada, que interage com a técnica e possibilita o
controle da natureza para o benefício do homem.

• ‘Saber é poder’ pois, ao conhecer as leis que explicam o


funcionamento da natureza podemos fazer previsões e
tentar controlar os fenômenos de modo que nos seja útil.
Os instrumentos técnicos são extensões de nossos membros
e faculdades que permitem o desenvolvimento da ciência e
nos ajudam a superar nossas limitações (NO, § 2).

• O homem deveria despir-se de seus preconceitos,


tornando-se “uma criança diante da natureza”. Só assim
alcançará o verdadeiro saber.

• Como parte da defesa de seu pensamento, Bacon critica


várias escolas filosóficas. Diz que são dogmáticas, infecundas
e estéreis para a produção de resultados práticos, que
beneficiem a vida do homem.
• Critica os filósofos que elaboram teorias sobre a natureza
que saem de suas cabeças, em vez de relacionarem-se com a
natureza por meio da experimentação antes de concluírem
algo sobre ela.

• Para Bacon é um processo de eliminação que permite


separar o fenômeno que buscamos conhecer – e que se
apresenta misturado com outros fenômenos da natureza –
de tudo o que não faz parte dele.

• Esse processo de eliminação baseia-se na observação do


fluxo natural dos fenômenos e na execução de experiências,
i.e. a interferência intencional na natureza e na avaliação
dos resultados dessa interferência.

• O procedimento indutivo deve multiplicar e diversificar as


experiências, alterando as condições de sua realização,
repeti-las, ampliá-las, aplicar os resultados, verificar as
circunstâncias em que o fenômeno está presente (ou
ausente) e suas possíveis variações.
• Bacon defendeu a aplicação da ciência à indústria, a
serviço do progresso. Para ele o conhecimento se desenvolve
na medida em que adotamos o método correto, a
experiência como guia. Esta valorização da experiência
constitui a tendência empírica de Bacon: o homem tem que
entrar em contato com a natureza, se deseja conhecê-la. O
conhecimento da natureza só se dará pela via empírica e
experimental e não pela via especulativa.

• A importância e influência de Bacon são evidentes pela


atualidade de suas ideias.
• Sua defesa de um modelo de ciência ativa, prática e
aplicada e que tenha por finalidade contribuir para a
melhoria das condições de vida do homem; e de um
pensamento crítico, que deve combater superstições e
preconceitos, permitindo assim o progresso de nosso
conhecimento e o aperfeiçoamento da condição humana.

• A razão instrumental defendida por Bacon e sua


glorificação da técnica terão uma importância fundamental
no sentido da ruptura com a tradição.
“Os empíricos, à maneira das formigas, acumulam e usam as
provisões; os racionalistas, à maneira das aranhas, de si mesmos
extraem o que lhes serve para a teia. A abelha representa a
posição intermediária: recolhe a matéria-prima das flores do
jardim e do campo e com seus próprios recursos a transforma e
digere. Não é diferente o labor da verdadeira filosofia, que não
se serve unicamente das forças da mente, nem tampouco se
limita ao material fornecido pela história natural ou pelas artes
mecânicas, conservado intato na memória. Mas ele deve ser
modificado e elaborado pelo intelecto. Por isso muito se deve
esperar da aliança estreita e sólida (ainda não levada a cabo)
entre essas duas faculdades, a experimental e a racional”
(Novum Organum, § 45)
Seleção de aforismos
Novum Organum
I
O homem, ministro e intérprete da natureza, faz e entende tanto
quanto constata, pela observação dos fatos ou pelo trabalho da
mente, sobre a ordem da natureza; não sabe nem pode mais.

II
Nem a mão nua nem o intelecto, deixados a si mesmos, logram
muito. Todos os feitos se cumprem com instrumentos e recursos
auxiliares; de que dependem, em igual medida, tanto o intelecto
quanto as mãos. Assim como os instrumentos mecânicos regulam
e ampliam o movimento das mãos, os da mente aguçam o
intelecto e o precavem.

III
Ciência e poder do homem coincidem, uma vez que, sendo a
causa ignorada, frustra-se o efeito. Pois a natureza não se vence, se
não quando se lhe obedece. E, o que à contemplação apresenta-se
como causa é a regra na prática.

IV
No trabalho da natureza o homem não pode mais que unir e
apartar os corpos. O restante realiza-o a própria natureza, em si
mesma.
XVIII
Os descobrimentos até agora feitos de tal modo são que, quase só
se apoiam nas noções vulgares. Para que se penetre nos estratos
mais profundos e distantes da natureza, é necessário que tanto as
noções quanto os axiomas sejam abstraídos das coisas por um
método mais adequado e seguro, e que o trabalho do intelecto se
tome melhor e mais correto.

XIX
Só há e só pode haver duas vias para a investigação e para a
descoberta da verdade. Uma, ... que consiste no saltar-se das
sensações e das coisas particulares aos axiomas mais gerais e, a
seguir, descobrirem-se os axiomas intermediários a partir desses
princípios e de sua inamovível verdade. Esta é a que ora se segue.
A outra, que recolhe os axiomas dos dados dos sentidos e
particulares, ascendendo contínua e gradualmente até alcançar,
em último lugar, os princípios de máxima generalidade. Este é o
verdadeiro caminho, porém ainda não instaurado.

XXI
O intelecto, deixado a si mesmo, na mente sóbria, paciente e
grave, sobretudo se não está impedida pelas doutrinas recebidas,
tenta algo na outra via, na verdadeira, mas com escasso proveito.
Porque o intelecto não regulado e sem apoio é irregular e de todo
inábil para superar a obscuridade das coisas.
XXII
Tanto uma como a outra via partem dos sentidos e das coisas
particulares e terminam nas formulações da mais elevada
generalidade. Mas é imenso aquilo em que discrepam. Enquanto
que uma perpassa na carreira pela experiência e pelo particular, a
outra aí se detém de forma ordenada, como cumpre. Aquela,
desde o início, estabelece certas generalizações abstratas e inúteis;
esta se eleva gradualmente àquelas coisas que são realmente as
mais comuns na natureza.

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