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INTRODUÇÃO À FILOSOFIA 1

Custódio Matos Costa


Aluno n.º 21
UNIDADE DIÁCICA 1
Exercício 1
Defina, como consta do manual, os seguintes conceitos:
-Lógica
Disciplina filosófica que estuda as condições essenciais para se alcançar o conhecimento e fixa
as regras para o recto uso do seu funcionamento - é uma técnica para ordenar correctamente
o pensamento. Estuda o objecto do pensamento enquanto tal, e não enquanto conhecimento
(representação da realidade), do qual é um instrumento.
- Ciência
Na antiguidade, ciência era o "conhecimento das coisas através dos seus princípios (causas
últimas)", ramificada em três áreas: matemática, física e metafísica.
O racional identifica-se com o real.
Na idade Moderna, o âmbito da ciência restringe-se ao estudo dos fenómenos passíveis de
experimentação física e calculados matematicamente, enquanto o conceito de "causa" se
restringia aos fenómenos, identificando-se com as "leis" que traduzem a sua relação causal e
unem os fenómenos entre si. A ciência não indaga o "porquê" das coisas, mas apenas o "como" e
o seu comportamento. O científico identifica-se com o real. -
Contemporaneamente, a ciência já não é concebida como uma reprodução fiel da realidade,
mas sim como uma simples sistematização dos dados da experiência. L.-
-Conhecimento
Linearmente, é a apreensão de algo (objecto) por parte de alguém (sujeito), ou a
representação que o sujeito cria do objecto. Problema complexo, principalmente no que
respeita à origem e valor, dois dos aspectos mais polémicos que a história da filosofia regista,
desde o seu (da filosofia) nascimento, até ao presente. V
-Memória
Uma das formas do conhecimento humano que nos permite reter na mente acontecimentos do
passado, e experimentá-los de novo como passados que, a par do conhecimento sensitivo e da
fantasia, duas outras formas também do conhecimento humano, a filosofia tem como
evidentes e fora de discussão. 2-

Exercício 2
Quais são as semelhanças e diferenças entre Aristóteles e Kant na explicação que dão
ao problema do conhecimento? Valore cada uma delas e assinale qual responde melhor ao
problema.
Para Aristóteles, o conhecimento sensitivo é devido à acção do objecto. Porém, o
conhecimento intelectual resulta da acção combinada entre o sujeito, que está dotado de
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entendimento, e o objecto, sendo através do entendimento que elabora os dados colhidos da


experiência, abstraindo das coisas (a matéria) as ideias universais, a sua essência (a forma);
captando por abstracção a essência, o intelecto humano alcança a verdade.
Para Kant, o conhecimento, quer sensitivo quer intelectual, é o resultado de uma síntese de
elementos dados em parte pelo sujeito, que dá a forma - elemento a priori - e em parte pelo
objecto, que dá a matéria- elemento a posteriori: nem racionalismo puro, nem empirismo puro,
mas uma síntese dos dois.
Se é certo, porém, que as sensações estão na base do conhecimento, menos certo não é que na
razão há condições que influenciam as experiências, como o tempo e o espaço, que são
anteriores a qualquer experiência, são propriedades da consciência que não do mundo. Assim,
não podemos conhecer as "coisas em si", mas apenas como "são para nós", ou seja, o objecto
do conhecimento não é a realidade objectiva, mas tão só os fenómenos. Deste modo, Kant nega
à razão a possibilidade de alcançar o noúmeno, ou seja, pela razão o homem nunca poderá
atingir um conhecimento seguro das grandes questões filosóficas: origem do homem,
imortalidade da alma, existência de Deus, etc... Essas são questões que estão fora dos limites
da razão, que não lhes pode dar resposta, nem positiva nem negativa.
Resumindo: Kant é um agnóstico metafísico. Se existe o noúmeno (a essência), a razão não a
penetra, pois, ao não ultrapassar o conhecimento dos fenómenos, apenas fica a conhecer como
a realidade é para si.
Como filósofo, Kant não dá resposta às grandes questões do homem' E o homem tem direito a
encontrar a verdade, ou pelo menos a não desistir de a encontrar, mesmo que socorrendo-se
tão-somente dos meios naturais de que dispõe, que é a sua razão, e isso consegue-o
retornando a Aristóteles.

Exercício 3
Poderá explicar o papel que a filosofia desempenhou na passagem do mito antigo até à
ciência moderna? Indique em cada um dos momentos como se entendia o objecto, o
método e o fim do conhecimento humano.
Desde sempre o homem procurou encontrar uma resposta às grandes interrogações que
naturalmente se lhe colocavam: a vida a natureza, origem e destino do homem
O mito é a primeira resposta a tais questões. Mas como desconhece completamente o
funcionamento da natureza, atribui tudo, na sua fantasia e intuição, à manipulação de forças
divinas ou sagradas, nas quais procura encontrar uma interpretação e explicação dos
fenómenos da natureza e da vida. Surge o mito, não como explicação racional, mas como
explicação mais ou menos intuitiva desses fenómenos, que tem, naturalmente, uma forte
componente religiosa: os deuses, na base de tudo.
Quando o homem teve possibilidades de filosofar - o trabalho dos escravos, entre outras
circunstâncias, proporcionou essa disponibilidade - o modo de pensar mítico evoluiu para uma
reflexão baseada na experiência e na razão. Os primeiros filósofos procuraram encontrar
explicações naturais para os fenómenos da natureza, dando-se assim os primeiros passos para
um modo de pensar científico, o que fez com que a filosofia se libertasse da religião.
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Os filósofos da natureza (Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito, Parménides,


Demócrito... também designados por pré-socrátios), observando a natureza, procuraram
explicá-la cientificamente (os elementos, os átomos...)
Não apenas para a natureza, mas também para o curso da história se procurou encontrar
causas naturais, fora da intervenção dos deuses - 1-leródoto e Tucídides - como para as
doenças e sua cura - Hipócrates.
Da indagação do mundo físico - era este o objecto dos filósofos da natureza - o interesse dos
filósofos passou a concentrar-se no homem e seu lugar na sociedade: apareceram os sofistas,
cujo cepticismo, e consequente agnosticismo (Protágoras), não respondia às grandes questões
filosóficas que sempre acompanharam o homem.
E então que nasce verdadeiramente a filosofia, com Sócrates, Platão e Aristóteles. Com este,
a filosofia abrange o conhecimento de todas as coisas - a natureza, o homem, a sociedade, o
sentido da vida, a transcendência, - é uma ciência global, dividida em três áreas - matemática
(ciência dos números), física (ciência das coisa materiais) e metafísica (ciência da realidade
independente do tempo e do espaço) - que tem como finalidade o conhecimento de todas as
coisas através das suas causas últimas.
O homem tem como meta e projecto, conhecer a verdade, à qual tem acesso, utilizando os
sentidos e o intelecto (sensações e raciocínio) pela via da dedução e indução. O racional
identifica-se com o real.
Durante muitos séculos (sensivelmente até ao Renascimento), filosofia e ciência
identificaram-se. Mas a nova concepção do homem renascentista e as novas descobertas
científicas fazem incidir o foco do saber humano sobre os fenómenos fisicamente
experimentáveis e calculados matematicamente, e o conhecimento das "causas" de Aristóteles
passa ao conhecimento das causas dos fenómenos - os aspectos quantitativos e as relações
constantes que os unem - ou seja ao conhecimento das suas "leis". Agora o problema do
cientista (filósofo) já não é o porquê e a essência das coisas, mas sim o como e o seu
comportamento. Já não basta a reflexão (da razão) para se encontrar a explicação dos
problemas, é necessário investigar e observar a natureza com os sentidos, sendo então
através das experiências que se obtém o conhecimento das coisas: é o método empirista.
A ciência passou a ser então vista como a fiel reprodução da realidade, até que os posteriores
desenvolvimentos da ciência vieram demonstrar que os conceitos científicos não
correspondem exactamente à realidade, quando teorias tidas como firmes e seguras se
revelaram erróneas ou insuficientes, e inaplicáveis aos novos fenómenos revelados pela
ciência. A ciência passa então a ser vista como uma simples sistematização dos dados da
experiência que permite ao homem orientar-se entre a quantidade de factos que a experiência
lhe proporciona e de prever a sucessão futura.

Comentário de texto
Leia o seguinte fragmento do Cap. IV do "Principezinho"... No fim responda às
perguntas:
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"Se vos contei todos estes detalhes sobre o asteróide B 612 e se vos confiei o número
dele, foi por causa das pessoas crescidas...."
1. Sublinhe a frase que condensa o sentido do fragmento.
"As pessoas crescidas (gostam de números. Quando lhes falam de um amigo novo), nunca
perguntam nada de essencial. São mesmo assim.
2. Qual é a diferença entre conhecimento e compreensão segundo o autor?
As pessoas crescidas "conhecem" mas não "compreendem". Ficam a saber umas quantas coisas
"exteriores" - diríamos, conhecimentos ao nível das puras sensações - mas não entram na
essência das coisas, pelo conhecimento intelectual. Ficaram a "conhecer" o Principezinho só
por fora - ficaram a saber que ele vinha do asteróide B 612, e nada mais - mas nada ficaram a
saber quem ele era no seu íntimo: que era encantador, que se ria e queria um cordeiro, vivia
num planeta pouco maior que ele e precisava de um amigo, ou seja, nada ficaram a perceber
(compreender) quem era o Principezinho (cujo sentido e significado da vida, as "pessoas
crescidas" não alcançam), não captaram a essência, tendo-se ficado no acidental ou
circunstancial.
3. Relacione o texto com o visto no livro acerca do valor do conhecimento. Assinale as
coincidências e divergências com os diversos autores.
As "pessoas crescidas" nunca perguntam nada de essencial. Não as preocupa saber quem é, no
mais profundo do seu ser, o novo amigo. Basta-lhes saber umas quartas exterioridades (quanto
pesa, quanto ganha o pai), e julgam ficar a saber tudo. Não alcançam a essência das coisas, que
é um conhecimento resultante do intelecto que, por abstracção, e partindo dos dados
sensíveis (como a voz, que gostos tem), capta a essência, o que o amigo é "por dentro"
(conhecimento intelectivo de Aristóteles).
Porque não captam o conhecimento intelectivo que está para além dos sentidos - não
abstraem, pelo intelecto, a essência das coisas - nem vêm nele qualquer utilidade, ficam-se
pelo
conhecimento sensitivo (as informações dadas, sem mais elaborações). Situam-se no, grupo
dos filósofos empiristas (Locai, Hume).
As "pessoas crescidas" não conseguem também imaginar uma casa muito bonita, com gerânios
e pombas, ou seja, não conseguem vê-la como ela é em si mesma, a realidade objectiva. Só
conseguem imaginá-la quando lhes dizem que custou cem mil contos, e então imaginam-na
bonita "porque custou cem mil contos", ou seja, só a vêm como ela é para eles, ou por outras
palavras, vêm-na filtrada pelos condicionalismos da sua mente - as cifras. A verdade que eles
captam coincide, não com a coisa em si, mas com os fenómenos que observam. Situam-se na
linha do criticismo (verdade crítica) de Kant.
Mas são também cépticos (perante a evidência, encolhem os ombros...) a ponto de não
aceitarem a existência do Principezinho: se era encantador, ria e queria um cordeiro, é porque
existiu. Só pode querer, quem exista. A evidência do pensamento importa a evidência da
existência (Descartes).
Paradoxalmente, aceitam como absoluta a verdade que lhes é servida: "julgam ficar a saber
quem é o novo amigo", e dizendo-lhes que o Principezinho veio do asteróide B 612, dão-se por
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satisfeitos e não fazem mais perguntas, ou seja, alcançaram a verdade, o que os empiristas
não aceitam como possível.
4. Qual é o método de conhecimento que o autor considera plenamente válido.
Indiscutivelmente o método associativo de Hume: "Por mim, preferiria começar esta história
como um conto de fadas: era uma vez um principezinho..."
No seu empirismo, Hume parte das experiências quotidianas: as impressões (sensação
imediata da realidade exterior) e as ideias (recordação dessa sensação). A impressão é a
causa directa da ideia que é conservada na mente. Porém, fruto da fantasia, podemos juntar
coisas sem que exista um objecto correspondente na realidade, associando os dados iniciais,
assim construindo algo que não existe na realidade. O que existe na realidade são as
impressões simples - um príncipe, uma criança, um planeta... - e a fantasia associando ou
dissociando-as, constrói novas ideias.
5. Há alguma coincidência no modo de conceber a origem do conhecimento entre o que
manifesta este texto e o Autor do manual estudado?
Crio que sim. O "conto de fadas" do texto é fruto da acção da fantasia, a partir das sensações
previamente colhidas: príncipe, criança, asteróide, planeta, cordeiro, flor... Se não houvesse a
prévia experiência destas sensações, elas não poderiam entrar no "conto de fadas" que é
"Principezinho ".
Há muitas propostas para solucionar o problema da origem do conhecimento (resultado da
mente, acção do sujeito, acção do objecto, acção de ambos...) mas nenhuma delas é por si só
suficiente, com exclusão das demais.
O Autor do manual propõe ajusta harmonização de todas (portanto também a criação da
fantasia a partir das sensações) estas componentes entre si e com os dois componentes
absolutamente indispensáveis, o sujeito e o objecto. A coincidência ocorre na parte em que o
Autor do manual acolhe também o modo de conceber a origem do conhecimento manifestado
no texto. 'J
6. a) - Qual é a resposta que o manual oferece para superar a redução do conhecimento
que a filosofia e a ciência moderna fizeram?
E a concepção moderna de ciência: a ciência não é uma reprodução fiel da realidade, mas sim
uma simples sistematização dos dados da experiência, concepção que se apoia em três
argumentos: o conceito de analogia - as nossas ideias só têm uma correspondência parcial com
as coisas; o princípio de indeterminação - o sujeito que conhece está sempre envolvido no
acontecimento que observa; o critério da falsificabilidade - afinal, teorias científicas tidas
como firmes e seguras no passado recente, não o eram assim tanto. Ademais, a noção de
ciência não é uma noção unívoca, mas sim análoga. O rigor e objectividade, que são elementos
específicos do saber científico, não se aplicam do mesmo modo às diferentes ciências.
b) - A quem se refere Saint-Exupéry quando refere "pessoas crescidas"?
As "pessoas crescidas" do Autor do texto são aquelas cuja filosofia de vida ele pretende
criticar: aquelas cujos valores se identificam com os números ou, por outras palavras, que se
preocupam com o ter e não com o ser; aquelas para quem as pessoas valem pelo que têm e não
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pelo que são; pessoas superficiais, fúteis, que não vão ao fundo da questão, à essência, e se
contentam com explicações circunstanciais.
Mas não vale a pena zangarmo-nos com elas. São mesmo assim. Só há que ser indulgentes para
com elas, pois que elas não "entendem a vida".

UNIDADE DIDÁCTICA 2
Exercício 1
Defina os seguintes termos:
- Metafísica
A parte da filosofia que se ocupa do estudo do ser enquanto ser (o ser considerado na sua
qualidade de ser) e das propriedades que o acompanham necessariamente. As coisas existem
mas, mais que existir, as coisas são. Indagar o ser, a sua essência, natureza, origem e fim,
questões que estão para além dos fenómenos e das leis que os regulam, é o estudo que dá pelo
nome de metafísica. --
- Subsistência
A metafísica estuda o ser dos entes finitos e contingentes. Isso postula, porém, a existência
de um ser infinito e subsistente, que uns identificam com o logos, outros com o Uno, Deus,
Substância, Mónadas. Qual a relação entre estes seres finitos e o Ser infinito subsistente? E
na subsistência deste que se encontra a compreensão da existência e consistência daqueles, o
que na filosofia cristã se explicita na doutrina da criação e presença activa de Deus, que os
mantém na existência. Um ser subsistente não cria outro ser subsistente, mas sim um
contingente e insubsistente '-
- Autotranscendência
Quando toma por referência o exterior, o homem tem consciência da sua transcendência, de
que é superior a todos os outros seres.
Mas também tem consciência de que é capaz de se superar constantemente a si mesmo, num
esforço de alcançar um grau de perfeição que o leve à plena realização de si próprio, na sua
condição de ser pessoal, ser social e ser criatura que, como tal, tende para o Criador, o Alfa e
o Ómega da autotranscendência. '-'
- Sujeito e objecto da religião
Sujeito da religião: o homem, o único ser, em toda a Criação, com dimensão religiosa. A
dimensão religiosa faz parte do ser homem, em todos os tempos e todas as latitudes,
independentemente da problematicidade da existência da própria religião.
Objecto da religião: o Sagrado, o Divino. Perante a realidade, transcendência, imanência,
fascínio do Sagrado, o homem não pode deixar de assumir uma postura de reconhecimento,
dependência, veneração. Religião é o conjunto de acções e estruturas que expressam o
contacto pessoal com o Sagrado.

Exercício 2
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a) - E indiferente o desenvolvimento que se dá entre os distintos modos de interpretar o


homem e o conjunto da realidade que os filósofos tiveram no decurso da história?
Porquê?
b) - Qual é o modo mais adequado de explicar filosoficamente o homem e o conjunto do
real?
a) - De modo nenhum. O filósofo mítico via o homem como uma peça do universo, dominado
pelos deuses, e tudo o que nele (universo) ocorria era obra dos deuses. Nesta visão universal o
homem não tem autonomia face ao universo.
Quando, porém, o homem, insatisfeito com a representação mítica, começou a "filosofar", no
sentido correcto do termo, id est, a procurar uma explicação racional do mundo (com Tales de
Mileto), e procura uma explicação para a multiplicidade dos seres e sua transformação
constante - derivam eles de um único e supremo princípio? - encontra o princípio do qual tem
origem todas as coisas: a água, de que, por condensação deriva a terra e, por rarefacção,
deriva o ar e o fogo.
O problema metafísico do princípio supremo de cada coisa confunde-se, porém com o problema
cosmológico, problema que só três séculos mais tarde é ultrapassado com Platão, ao distinguir
dois planos da realidade: o mundo material, perecível, e o mundo das ideias, incorruptível e
imortal, sendo os seres daquele uma cópia destas. O homem é uma Ideia (alma imortal) que
veio habitar num corpo, do qual se haverá um dia de libertar, para retornar ao mundo das
ideias.
Aristóteles, no entanto, vem dar uma explicação diferente para a multiplicidade e
transformação das coisas, tempo e espaço, e diversificação das espécies: matéria, de
natureza corruptível, e forma, a razão da distinção das espécies, fundamentalmente quatro,
formando os quatro remos mineral, vegetal, animal e humano, cuja causa última ele situa no
Motor imóvel, eterno e totalmente perfeito. O homem, que ele define como animal racional,
passa a gozar de um estatuto especial, face aos demais seres do universo.
Paulatinamente o homem vai ganhando autonomia e afirmando-se como ser diferente dos
demais da natureza, não obstante o movimento em sentido contrário dos filósofos atomistas: a
união e separação dos átomos, de que o mundo é composto, está na origem do nascimento e
destruição dos corpos, explicação a que o homem não escapa.
Com os filósofos cristãos, ai filosofia de Aristóteles é rectificada com os dados Bíblicos da
criação do mundo e do homem por Deus, factor que passa a dominar o entendimento do mundo
e do homem até à idade moderna. Agora, o homem e as novas descobertas científicas
reclamam-se o centro das atenções da ciência, e passam a ocupar um lugar primordial na
filosofia, id est, no modo de compreender o homem e o mundo: o centro do mundo deixou de
ser a Terra para passar a ser o Sol, o que veio pôr em causa as certezas desde sempre
indiscutíveis.
Não faz mais sentido discutir qualidades e formas (a alma como princípio vitalista), pois que
agora o que há para estudar é quantidades e números, elementos capazes de desenvolver
movimento - teorias mecanicista, cinética e molecular.
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O desenvolvimento da ciência no séc. XX permitiu penetrar na matéria até limites antes


inimagináveis: (moléculas, átomos, electrões, protões, neutrões); nos organismos vivos (células,
cromossomas, ADN, código genético, genomas); na astronomia, corpos celestes situados a uma
distância infinita da Terra.
Com tudo isto, qual a explicação do início do universo, da sua duração e do seu fim?
Encontrará, a razão humana, uma resposta conclusiva, ou seja, encontrará a verdade ou, na
linha do pensamento Kantiano, estará condenada ao tão só conhecimento da realidade
fenoménica, sem esperança de alcançar a realidade nouménica, porque impossível?
E que dessa resposta depende a resposta à maior das interrogações do homem, qual seja, o
sentido da sua existência, que é, aliás, a única resposta que lhe interessa. Por isso, e para isso,
é que o homem é filósofo.
b) - A resposta (filosófica, e por isso, racional) está na filosofia do ser. Da imperfeição do
ser, manifestada na sua finitude e contingência, intui-se a perfeição absoluta que só pode
existir num Ser infinito e subsistente, insusceptível, por isso, de mais perfeição, ou seja, de
novas alterações, o qual indica a origem e a manutenção na existência dos seres finitos e
contingentes.
Esse ser é Deus que, por um acto de vontade, criou o universo, a partir do nada. A origem do
universo está, pois, na "criação", na comunicação do ser ao universo. E no entanto uma
comunicação limitada, pois que o Ser subsistente não cria outro ser subsistente, mas sim um
contingente. O universo não iguala, por isso, a perfeição do Criador, mas participa da sua
perfeição, ou seja, possui em modo limitado a perfeição que o Ser subsistente tem de modo
ilimitado.
Por força de uma tensão permanente, o mundo tende a retornar à sua origem, ao Ser
subsistente, e isso explica o dinamismo, transformação e evolução do mundo que, vindo de
Deus (Alfa) caminha para Deus (Ómega), qual boomerang que, arremessado, volta ao ponto de
partida impulsionado pela força inicial que o arremessou.
Durante quanto tempo?
Os cientistas dizem que a distância temporal para o Ómega é finita, mas a razão humana
jamais a conseguirá medir.

Exercício 3
a) - Porquê a explicação evolucionista não explica suficientemente a realidade do ser
humano?
b) - Que vinculação se dá entre a explicação metafísica da realidade e a antropologia
filosófica?
a) - O homem sempre esteve no centro da investigação filosófica. Ele é o sujeito da
investigação - é ele que investiga - e é simultaneamente o objecto dela - investiga sobre si
próprio, com o objectivo de, conhecendo-se mais profundamente, poder encontrar resposta à
mais acutilante das questões que desde sempre atormentaram o homem: o que é o homem,
quais os elementos constitutivos da sua natureza, que relação se encontra entre eles, em
suma, qual a origem e fim último do homem?
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Quando o homem se questiona sobre o seu fim último, questiona-se sobre a imortalidade da
alma. Esta questão, porém, postula a existência da alma. Mas, se a alma existe, de onde veio
ela?
As modernas correntes filosóficas de inspiração materialista defendem que a alma não é uma
substância completa, com origem espiritual e imortal, mas tão só uma transformação (evolução
de alto grau) da matéria, pois a matéria é a única fonte de cada coisa, a partir da qual tudo se
desenvolve, inclusive o homem.
Não obstante, reconhecem no homem a existência de um elemento espiritual, o qual explica o
conjunto dos aspectos superiores do homem, fenómenos como a reflexão, o julgamento, o
raciocínio, a autotranscendência.
Ora, se são elementos espirituais, não podem eles derivar de uma realidade inferior. Como
pode a matéria produzir algo superior a si? O causado não pode ser superior à causa.
A origem de um ser tem de ser conforme ao seu ser. Assim, o "elemento espiritual" só pode
ter origem espiritual, não pode resultar de uma evolução da matéria. A explicação
evolucionista não dá, pois, ao homem uma resposta suficiente para a existência da alma ou, se
se quiser, para a existência do "elemento espiritual" em que assentam os aspectos superiores
do homem.
b) - A antropologia, em geral, visa o estudo da problemática do homem, nas suas variadas
dimensões e manifestações, enquanto homem.
Quando se fala, porém, em antropologia filosófica, ou problema antropológico, aborda-se o
problema da natureza humana enquanto tal: essência do homem, seus elementos constitutivos,
sua origem e fim.
Estas são as questões específicas da metafísica, que se ocupa do estudo do ser, considerado
na sua qualidade de ser. O homem, enquanto ser, é objecto também da metafísica da
realidade; porém, dada a sua especificidade de ser diferente de todos os demais, aufere um
estatuto próprio no âmbito da metafísica. A antropologia filosófica é, pode dizer-se, um
capítulo da metafísica, que estuda o homem não apenas enquanto ser, mas enquanto ser
homem. E que este ser, sendo ser, é diferente dos demais, é o único ser pensante, com auto
consciência do que sabe, capaz de conhecer as coisas (exteriores a si) e de indagar o "porquê",
como ainda de indagar sobre si próprio.

Comentário de texto
Leia detidamente o seguinte texto de Olivier Clément:
"Para o cristianismo, o mundo não está órfão; e não é tão pouco uma simples emanação
do absoluto. Surge novo das mãos do Deus vivo..."
Perguntas para o comentário:
1.0 Sublinhe a frase que condense a ideia principal do texto.
- "O mundo não é uma simples emanação do absoluto. Surge novo das mãos de Deus; a criatura,
perpétua passagem do nada ao ser..."
2.a) - Porquê a explicação emanatista ou a atomista não respondem adequadamente à
realidade do universo físico?
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- Para o emanatismo, o universo é uma emanação de Deus, ou seja, Deus fez sair de si próprio
todos os seres do universo.
Se assim fosse, os seres do universo físico haveriam de ter a mesma natureza e qualidades de
Deus: espiritualidade, perfeição, imutabilidade, perenidade, infinitude...
Ora, o que nos é dado observar no universo, são seres corpóreos, imperfeitos, perecíveis,
mutáveis e finitos.
- Para o atomismo, o mundo é constituído por uma infinitude de átomos, ou elementos
fisicamente indivisíveis, pela sua pequenez, eternos e imutáveis, que se movem no vazio,
agregando-se por combinação fortuita, dando com isso origem ao nascimento dos corpos, e à
sua destruição quando se desagregam.
Fica por explicar a origem dos átomos e da sua dinâmica. De onde provêm? De si mesmos?
Nada se gera a si próprio e a razão não aceita que as coisas tenham em si a explicação dos
seus próprios princípios!
b) - Que filosofia permite explicar racionalmente o dado revelado da criação?
E a filosofia do ser. A finitude e imperfeição dos seres, apelam ao infinito e à perfeição, que
só podem existir num Ser infinito e subsistente por si, no qual está a origem e manutenção na
existência dos seres finitos.
Brevitatis causa, remeto-me para a parte final da resposta dada em b) do "Exercício 2" desta
UD.
3 a) - A que tipo de filosofia responde a expressão do texto em que se define a
criatura
como "perpétua passagem do nada ao ser"? Porquê?
Creio que à concepção atomista do mundo.
Para os atomistas, os átomos são eternos, e os novos seres só são novos na medida em que são
diferentes dos anteriores, já que resultam de novas combinações dos mesmos átomos que
compunham os seres que entretanto se decompuseram, ou seja, nada há de novo. E assim como
que uma construção de legos, que tanto dão para construir um barco, como um avião, com uma
casa. O material é sempre o mesmo, só mudam as combinações entre as peças dos legos (os
átomos).
Ora, segundo a Revelação, Deus criou do nada, verdade esta a que a razão adere, como a única
explicação aceitável para o universo, conferindo à matéria criada num "só instante", que ficou
"perpétuo", os gérmens da transformação e evolução dos seres animados.
b) - Que escolas consideram impossível o conhecimento filosófico das estruturas da
matéria partindo da realidade sensível?
- Cepticistas: tendo uma concepção sensível do conhecimento, ao qual não reconhecem valor
absoluto em caso algum, acham que nunca se poderá encontrar explicação verdadeiramente
segura para as questões filosóficas.
- Ernpiristas: deduzem o conhecimento humano ao que os sentidos nos transmitem, à
experiência sensitiva. Como as questões metafísicas não são captáveis pelos sentidos, não há
possibilidade de as conhecer.
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- Materialistas: toda a realidade é de ordem material. A única fonte de cada coisa é a matéria,
e tudo o que se observa no universo é fruto do seu desenvolvimento.
4.- Que expressão 'se utilizou no livro, equivalente à que usa o Autor deste texto para
se referir ao cosmos como "esse mundo é um semi-ser que flui sempre, sempre em
transformação e vibrante"?
- "O universo está em caminho para Deus, Alfa e Ómega do universo'.
E a tensão permanente no mundo de retomar à sua origem, e que explica o profundo dinamismo
que o invade, a constante transformação e evolução dos seres animados. Poderíamos dizer que
o universo é um boomerang que Deus arremessou, mas que regressa ao ponto de partida,
impulsionado pela mesma força do arremesso.
5.- Com que estrutura ontológica do homem vista na UD compara o Autor a liberdade
humana a não redutibilidade do homem a microcosmos?
- À transcendência e autotranscendência do homem.
O homem está no mundo e faz parte dele, está corporalmente unido a ele, mas não é uma
simples peça do mundo, totalmente sujeito às suas inexoráveis leis, como os demais seres. Ele
tem consciência de que está acima dos demais seres, designadamente os animais.
Quando toma por referência o exterior, o homem tem consciência da sua transcendência, de
que é superior a todos os outros seres.
Mas também tem consciência de que é capaz de se superar constantemente a si mesmo, num
esforço de alcançar um grau de perfeição que o leve à plena realização de si próprio, na sua
condição de ser pessoal, ser social e ser criatura que, como tal, tende para o Criador, o Alfa e
o Ómega da autotranscendência: é que o homem, mais que uma peça do cosmos, é uma pessoa à
imagem e semelhança de Deus, e como tal, pleno de liberdade pessoal, não para romper a união
terrestre da condição humana ou para sair dos seus próprios limites para se lançar no nada,
mas para sair de si mesmo ao encontro de Deus que é o único capaz de o levar à perfeita e
perene realização de si mesmo.
6 a) - A definição do homem como animal metafísico de Kant, supõe um reconhecimento
da validade do conhecimento ontológico?
-Não.
Kant define o homem como animal metafísico, ou seja, o homem suscita questões metafísicas e
carece de encontrar resposta para elas. O drama do homem é que não consegue, pela razão,
atingir um conhecimento seguro dessas questões. Não sendo um empirista, pois que admite
também o conhecimento racional - na nossa razão há condições (interiores) para o modo como
compreendemos o mundo - defende, no entanto, que devemos os conhecimentos às sensações.
As sensações são as condições exteriores, das quais nada podemos saber antes de as termos
percepcionado, são como que a matéria do conhecimento.
Porém, o conhecimento ontológico está fora das sensações, pelo que o homem não consegue
penetrar nele. Nessa área, a razão opera fora dos limites daquilo que o homem pode conhecer.
b) - O pensador alemão reconhece a capacidade do homem de "dar sentido" ao universo
a partir de dentro, como refere o texto? Porquê?
Como filósofo (que se movimente tão só no âmbito da razão), não.
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O reconhecimento dessa capacidade importa uma prévia resposta positiva à questão da


existência de Deus, da alma imortal como fazendo parte da natureza do homem e da criação
do mundo - questões a que a razão não consegue responder, conforme acima exposto. Tais
questões não são percepcionáveis pelos sentidos, pelo que o homem não lhes pode dar qualquer
tipo de resposta, nem afirmativa nem negativa. São questões que estão fora da área da razão,
e que ele remete para a área da fé.

Exercício complexivo
Fides et Ratio, n. °s 55, 56 e 61.
A partir dos parágrafos transcritos, e pondo-os em relação com o manual, responda às
seguintes perguntas:
1. Qual o ponto de coincidência entre o referido na encíclica e o resumido na UD em
relação ao problema epistemológico? Que valor científico reclama o papa para a filosofia?
Entende-se assim melhor o facto de começar o estudo da filosofia pela teoria do
conhecimento?
a) - "Vários sectores vêem falando do «fim da metafísica»: pretende-se que a filosofia se
contente com objectivos mais modestos, como a simples interpretação do facto ou a mera
investigação sobre determinados campos do saber humano ou sobre as suas estruturas ".
A filosofia abarca todo o universo, estuda "as causas últimas de todas as coisas" à luz da
razão. No conceito clássico, filosofia coincide ou identifica-se com ciência, que dividia por
três áreas: matemáticas (ciências dos números); física (ciência das coisa materiais); e
metafísica (ciências das realidades independentes do tempo e espaço, "que estão para além da
física").
A aceitação da metafísica importa o reconhecimento da capacidade de conhecer realidades
que estão para além do conhecimento sensível e experimental, pois que nenhuma das
realidades metafísicas é captável pelos sentidos, nem é objecto de experimentação científica
(empirismo e positivismo).
Acresce que as descobertas científicas, a partir da idade moderna vieram questionar muitas
certezas antigas; O conceito clássico de ciência começou a evoluir, quer quanto ao significado
do termo, quer quanto ao campo de aplicação: face a tais descoberta, já não importa discutir o
porquê e a essência das coisas, mas sim o como e o seu comportamento. As questões
metafísicas acabam por ser escorraçadas do campo da ciência, ao pondo de se admitir o "fim
da metafísica": é o que defendem os cepticistas (que negam a capacidade cognoscitiva do
homem); os empiristas (para quem só existe o conhecimento com base no que os sentidos
captam); os positivistas (que só admitem o que é passível de experiência científica) e os
materialistas em geral (que negam qualquer outra realidade para além da matéria).
b) - A verdade é a adequação do intelecto à realidade objectiva e não o resultado do consenso,
cabendo à filosofia procurar, como tradicionalmente tem feito, o "sentido total e último da
vida", o que por vezes resulta difícil "num mundo dividido em muitos campos de
especialização". Há que, para tanto, confiar na capacidade da razão humana em produzir
"afirmações globais e absolutas", como o belo, o bom e o verdadeiro.
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c) - Sem dúvida. A actividade primordial da filosofia é "conhecer": conhecer as coisas, as


causas e os fins. Mas para alcançar tal desiderato importa, previamente, fixar as regras do
jogo: Tem o homem capacidade de conhecer? De onde lhe vem tal capacidade? E ele capaz de
penetrar até ao âmago das coisas que pretende conhecer, ou o seu conhecimento não
ultrapassa a barreira das aparências? Há ou não segura correspondência entre as suas ideias e
a realidade? Consegue obter um conhecimento seguro, absoluto, válido para todas as
circunstâncias, ou fica-se tão só pela "sua verdade" (relativismo e subjectividade)?
Obtida que seja a resposta afirmativa a estas questões, está concedido o nihil obstat para
filosofar. De outra forma, não faz sentido ser filósofo. Filosofar, só para chegar à conclusão
de que não é possível encontrar a resposta às grandes questões que se colocam ao homem,
além de inútil, é frustrante.
2. Que relação há entre a capacidade e necessidade de fazer afirmações absolutas e o
estudo da metafísica? Porquê a defesa desta capacidade e de um sistema metafísico não
supõe dogmatismo?
a) - A metafísica tem por objecto o ser, na sua qualidade de ser, e as qualidades que o
acompanham necessariamente: o que é o ser, na sua essência, independentemente das
circunstâncias: tempo, lugar, modo, quantidade...
Ora, essa dimensão do ser é um absoluto, ou seja, tem de ser válida em todas as
circunstâncias e para além delas. Se não for possível fazer uma afirmação com esta dimensão,
então não é possível o estudo da metafísica, porque a metafísica é isso mesmo. Mas para fazer
tal afirmação, importa admitir, como questão prévia, a capacidade de o homem a poder fazer,
ou seja, a capacidade de poder adquirir um conhecimento absoluto.
b) - Afirmar a capacidade de alcançar o conhecimento absoluto e um sistema metafísico, não é
o mesmo que afirmar que se alcançou já esse conhecimento. Captar a verdade absoluta é como
que uma meta para que tende a actividade cognoscitiva do homem, numa permanente
caminhada, que se vai fazendo caminhando, ou seja, descobrindo novos horizontes, novas
perspectivas, novas dimensões. Tenha-se em conta a concepção moderna de ciência e a nova
interpretação da relação entre ciência e realidade. Isto é a demonstração que o homem ainda
não chegou à verdade absoluta, mas, por outro lado, não desiste de a perseguir, o que não
faria sentido se não acreditasse na capacidade de a alcançar. Daí que o filósofo seja
incentivado "a não fixar metas demasiado modestas em seu filosofar. A estrada a seguir é
esta: não perder a paixão pela verdade última nem o anseio de pesquisa, unidos à audácia de
descobrir novos rumos ".
3. Compare o papel que o Papa reconhece à filosofia e à razão no estudo da fé, com as
posições adoptadas pelos seguintes filósofos:
- Kant: o homem não consegue, pela razão, alcançar o noúmeno, ficando-se tão somente pelos
fenómenos. As questões transcendentais não estão, pois, ao alcance da capacidade racional do
homem. Tais questões (Deus, alma imortal...) deixa-as ele para a fé. Só pela fé - sola fides - é
que o homem atinge tais realidades. A filosofia não tem pois, qualquer papel no estudo da fé.
- Comte: o pai do positivismo, que (des) promoveu a filosofia a "serva da ciência". O modo de
pensar próprio das ciências dos fenómenos (ciência das coisas por meio das leis naturais, que
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se bastam por si só, sem necessidade de recorrer a Deus ou a princípios metafísicos) anula
qualquer outro conhecimento, mesmo metafísico, como saber independente. Com o
desenvolvimento do método científico a humanidade alcançou a idade adulta, ficando para trás
a religião e a metafísica, que já não têm mais cabimento após a ciência. Não há metafísica, não
há fé (a experiência religiosa tem a ver penas com o estado primitivo da humanidade), e a
filosofia nada tem a ver com as realidades que são objecto da metafísica e a fé. A filosofia só
tem a ver com a ciência (positiva).
- Kirkgaard: a religião não se pode reduzir à filosofia. Se pretendo compreender Deus
racionalmente, deixo de acreditar; mas porque não posso compreender, tenho de acreditar.
Resumindo: "credo quia absurdum. Para este pensador, religião e razão são como fogo e água,
ou seja, onde entra a razão, não cabe a fé. Esta não é uma consequência do raciocínio, mas um
acto de decisão que só na fé se fundamenta. Não faz pois sentido falar de harmonização da
filosofia coma fé.
- William James: defensor do pragmatismo, como princípio fundamental do empirismo radical.
A "experiência religiosa", porém, está baseada em motivações de ordem mística, cujo
fundamento é a fé ou o sentimento, que não a razão. Reconhecendo que a religião deve possuir
conceitos e doutrinas, com os quais defenda e fundamente a fé como elemento necessário da
experiência religiosa, como que uma metafísica teísta, não admite a possibilidade de uma
"teologia racional".
4. Que papel tem o estudo da filosofia na linha do currículo de Ciências Religiosas? Esta
visão coincide com a que tinha antes do estudo desta cadeira? Em que mudou ela?
Porquê?
a) - O saber e o pensar são indispensáveis na procura da compreensão da fé, que é o objectivo
que move o aluno a frequentar este curso. Não sendo a fé a conclusão de uma demonstração
racional, não a podemos desligar da razão, sob pena de não passar de pura superstição.
A fé é uma forma de conhecimento de Deus, que tem de específico a antecedência da
revelação de Deus e o dom concedido de n'Ele crer.
Deus, porém, revelou-se por actos (históricos) e palavras (humanas) que, como tais, são
objecto do conhecimento humano, cujos "instrumentos" são a inteligência, a razão e a intuição,
através dos quais o homem encontra a verdade.
Os actos e palavras pelos quais Deus se revelou são os "sinais" que o homem capta, relaciona e
interpreta - pela inteligência, razão e intuição - e lhe permitem aceder à fé (conhecimento e
adesão a Deus).
Sem que se possa afirmar que a filosofia é ancilla theologiae, como era entendido na Idade
Média pois, como ciência, goza da autonomia que lhe é própria, não é pensável, porém, o estudo
da teologia sem o prévio estudo da filosofia. Ambas as ciências procuram a verdade. Havendo
uma só verdade, não pode haver contradição entre a verdade filosófica, acessível à razão, e a
teológica, só acessível pela fé. O estudo da filosofia vem demonstrar a unicidade da verdade e
que a fé, não sendo racional, (oriunda da razão), não é irracional (contra a razão), pelo
contrário, com ela se harmoniza: há, pois, uma dimensão intelectual da fé, pelo que esta, por
paradoxal que pareça, é acessível a todo o homem.
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Não obstante a fé não ser um produto da razão, mas um dom de Deus, que Ele concede a todo
ser humano, torna-se, no entanto, acessível a todos, precisamente por força dessa sua
dimensão intelectual. Esse é o papel da filosofia: demonstrar a dimensão intelectual da fé ou,
se quisermos, a sua racionalidade, ou seja, a conformidade e harmonia da razão com a fé,
tema, aliás, da Encíclica Fides et Ratio.
b) - De algum modo, coincide, mas sem a necessária fundamentação teórica.
Não posso, no entanto, deixar de reconhecer que senti algum desapontamento quando deparei
com quatro cadeiras de filosofia no currículo do curso de Ciências Religiosas, tantas como, por
exemplo, Sagrada Escritura. Num banquete onde esperava serem-me servidas só iguarias de
teologia, parecia-me filosofia a mais. Agora reconheço que estava menos esclarecido, e que
não é possível construir bem, sem alicerces conformes à construção. Quanto mais "racional"
for a fé, mais subsistente ela será: intelligo ut credam.

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