O PROJETO
1. NATUREZA HUMANA
*
N. de T.: No original, deed, que significa a ação intencional. O termo “ato”, em portu-
guês castiço, também pode ser empregado nessa acepção estrita.
16 P. M. S. Hacker
&
'
(
)
* &
&
FIGURA 1.1
Uma possível ordenação das faculdades psicológicas humanas.
*
N. de T.: Deus romano bicéfalo que representava os portais, os inícios, os finais e as
mudanças. Seu nome deu origem ao mês de janeiro no calendário romano.
18 P. M. S. Hacker
Visto que possuímos uma memória articulada, podemos tomar fatos passados
como razões para ações e atitudes presentes – como quando agimos expres-
sando merecimento de gratidão, punição ou recompensa, quando guardamos
indignação ou ressentimento ou, ainda, quando sentimo-nos envergonhados
ou culpados. Já que podemos pensar acerca de verdades ou probabilidades
concernentes ao futuro e vir a conhecê-las, podemos tomar fatos futuros ou
eventualidades futuras plausíveis como razões para agirmos de certa maneira
aqui e agora. E nosso comportamento pode ser avaliado, consequentemente,
como racional ou razoável, assim como irracional ou não razoável. E assim
também podem ser avaliadas nossas emoções e atitudes.
Essas capacidades e o exercício delas dão aos seres humanos o status
de pessoas. Enquanto ser humano é uma categoria biológica, pessoa é uma
categoria moral, legal e social. Ser uma pessoa é, entre outras coisas, ser su-
jeito de direitos e deveres morais. É ser não apenas um agente, como outros
animais, mas ser também um agente moral, estando em relações morais recí-
procas com outros, com capacidade de conhecer e fazer o bem e o mal. Uma
vez que os agentes morais podem agir por razões e justificar suas ações por
referência a elas, também são capazes de responder por seus atos. Ser um ser
humano é ser uma criatura cuja natureza é adquirir tais capacidades no curso
normal de maturação em uma comunidade de seres da mesma natureza.
2. ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
3. INVESTIGAÇÃO GRAMATICAL
*
N. de T.: Expressão filosófica latina tradicional usada para fazer referência às próprias
coisas, independentemente das maneiras como estas são concebidas ou referidas na
linguagem.
22 P. M. S. Hacker
outro qualquer e nem seja uma fase constitutiva de outro evento qualquer; ou
que algo seja simultaneamente em toda a sua superfície vermelho e em toda
a sua superfície verde; e não é matéria contingente que nunca encontraremos
uma vareta sem comprimento.
As aparências são enganosas. Essas sentenças expressam, sob o aspecto
de descrições, regras para o uso de seus termos constituintes. Se caracterizar-
mos algo como objeto material, então se segue, sem maiores dificuldades,
que podemos caracterizá-lo como ocupando espaço e feito de alguma espécie
de matéria. Não temos que conferir para ver se eventualmente esse objeto
material não é feito de alguma matéria ou outra, ou se ele pode não ter uma
localização espacial. Essas propriedades e relações internas (definitórias) são
constitutivas do que é ser uma coisa material; elas são parte do que significa-
mos por “objeto material”. Se for feita referência a algum evento, podemos
inferir imediatamente que é anterior, posterior ou simultâneo a outro ou,
então, é parte constitutiva de qualquer outro evento. Se algo é descrito como
sendo vermelho em toda a sua superfície, segue-se que ele não é verde em
toda a sua superfície – isso é algo que não precisamos confirmar olhando. E
se algo é dito ser uma vareta, segue-se que ela pode ser descrita como tendo
um certo comprimento. O que parecem ser descrições de necessidades meta-
-físicas na natureza são normas (regras) para descrever fenômenos naturais.
Não chamaríamos algo de objeto material se ele não ocupasse espaço ou não
consistisse de matéria; não consideraríamos algo um evento genuíno se ele
não fosse nem simultâneo, nem anterior, nem posterior a um dado evento
e tampouco pudesse ser uma fase de outro; não descreveríamos algo como
sendo vermelho em toda a sua superfície se quiséssemos descrevê-la como
verde em toda a sua superfície e não sustentaríamos que algo carente ao qual
faltasse comprimento fosse uma vareta. Essas não são descobertas acerca de
coisas, mas compromissos decorrentes do emprego de certas formas de repre-
sentação ou descrição.
Enquanto a verdade de uma proposição empírica exclui uma possibilida-
de, a verdade de proposições necessárias, tais como nada pode ser vermelho
e verde em toda a sua superfície, ou nada pode ser uma vareta sem ter algum
comprimento, ou todo objeto material deve estar localizado em algum lugar
e em algum tempo, não exclui nenhuma possibilidade. Uma impossibilidade
lógica ou conceitual não é uma possibilidade que é impossível. Assim, o que é
excluído não é uma possibilidade que foi descrita por um arranjo de palavras,
mas apenas o arranjo de palavras que parece descrever uma possibilidade. E
o arranjo de palavras é excluído como sem sentido, uma vez que ele não des-
creve uma possibilidade lógica nem uma impossibilidade lógica. Pois não há
tal coisa como descrever uma impossibilidade lógica, visto que não há nada
para descrever. Assim, o que estamos fazendo é, com efeito, excluir um arranjo
de palavras da linguagem porque ele carece de sentido.2 Não tem sentido di-
zer que algo é tanto vermelho quanto verde em toda a sua superfície, ou que
Natureza humana 23
há uma vareta sem nenhum comprimento; ou seja, proferir as palavras “A é
tanto vermelho em toda a superfície quanto verde em toda a superfície” ou “A
é uma vareta, mas não tem comprimento algum” não é dizer algo inteligível,
mas proferir uma espécie de nonsense. Estas aparentes verdades necessárias
acerca do mundo – por exemplo, que nada pode ser simultaneamente verme-
lho e verde em toda a sua superfície, ou que toda vareta deve ter um compri-
mento – são, na verdade, nada mais que proposições gramaticais que versam
implicitamente acerca do uso de palavras. Esses “podes” e “deves” são marcas
de normas de representação.
Usar o termo “gramática” para fazer referência a quaisquer regras de
uso de palavras que determinam o sentido ou o significado é uma extensão
wittgensteiniana inócua do uso da palavra pelos gramáticos. Seguirei o uso
de Wittgenstein e aplicarei o termo “gramática” e seus cognatos a regras que
não são meramente sintáticas.3 Neste uso extensivo, proposições aparente-
mente metafísicas acerca de necessidades de re são meramente proposições
gramaticais – ou seja, proposições acerca do uso de expressões sob a forma de
descrições de propriedades e relações de coisas. Assim como a descrição das
propriedades essenciais e relações de alguma coisa (um F) é a especificação
da gramática de “F”. Tal gramática especificará as propriedades e relações
de um F, cuja perda destas será o mesmo que a destruição de um F ou a sua
degeneração (constituindo um caso fronteiriço ou limite de ser um F). Algo
que carece de tais e tais propriedades ou não está em tais e tais relações não
seria chamado “um F” (a menos que alteremos o significado da palavra “F”).
Uma vez que comumente tais proposições não dizem respeito especificamente
à linguagem em que são expressas, mas se aplicam igualmente a qualquer
linguagem que contém expressões empregadas relevantemente da mesma
maneira, diz-se também, correta e comumente, que elas expressam verda-
des conceituais. Assim, “vermelho é mais escuro que rosa” é uma proposição
gramatical que diz, na realidade, que qualquer coisa da qual se possa dizer
verdadeiramente vermelha pode também ser dita verdadeiramente mais es-
cura que qualquer coisa da qual se possa dizer ser rosa. Ela caracteriza os
conceitos de ser vermelho, rosa e mais escuro que (e não apenas as palavras
do inglês).
No entanto, seria um erro supor que qualquer esclarecimento da nature-
za de um F, como oposta à essência de um F, deve aduzir marcas característi-
cas do conceito de F – ou seja, condições necessárias e suficientes para ser um
F (para a aplicação da expressão “um F”). Pois o conceito pode não ser assim
moldado e o esclarecimento do que é ser um F pode proceder de maneira di-
ferente, dado que há muitas formas distintas de explicar o que “F” ou “um F”
significam. Algumas expressões são explicadas pela especificação de critérios
para sua aplicação (evidências logicamente boas, ao invés de evidências in-
dutivas). Outras podem ser explicadas por definição ostensiva pela referência
a uma amostra, como quando apontamos para uma certa coisa e dizemos:
24 P. M. S. Hacker
*
N. de T.: Em uma tradução mais estrita, “espírito” e “alma”, respectivamente.
30 P. M. S. Hacker
fica que nossa investigação não seja realmente sobre a natureza humana nem
que confusões conceituais não tenham outras raízes além das características
enganadoras da linguagem.
FIGURA 1.2
Tipos de proposições.
*
N. de T.: No original, keystone of an arch. Trata-se da pedra que é posta no centro do
arco de uma construção e que dá a sustentação a todas as demais.
32 P. M. S. Hacker
*
N. de T.: No original: type-sentence. O autor aqui recorre à noção envolvida na famosa
distinção expressa pelo par de termos ingleses type e token; o primeiro dos quais de fácil
tradução (tipo) e o segundo de tradução sempre problemática, podendo ser, conforme
o contexto, espécime, ocorrência, instância, etc.
34 P. M. S. Hacker
to. Mas ele redefiniu pensamento para incorporar “tudo do qual estamos côns-
cios de que esteja ocorrendo dentro de nós, uma vez que temos consciência
dele”*.13 Ter uma mente, segundo Descartes, é ter a experiência e ser cônscio
de si mesmo como portador da experiência. Assim, a mente é definida em
termos de consciência, concebida estritamente como a consciência de “pensa-
mentos” ou experiências “dentro de nós”. Desta forma, ele nega que animais
não humanos sejam conscientes ou que tenham alguma experiência, toman-
do-os por meros mecanismos biológicos. Ter uma mente, segundo Descartes,
é ter sensações como se fossem no corpo, parecer perceber, sentir emoções,
ter imagens mentais, desejos e assemelhados, bem como exercer os poderes
do pensamento racional e da vontade. Essa concepção da mente e do mental
ainda aflige o pensamento contemporâneo.
Com modificações, Descartes restaura a concepção agostiniana da men-
te e, assim, continua a tradição platônica. Um ser humano, sustenta ele, não
é uma substância unitária – um ens per se, como afirmavam os escolásticos14
–, mas uma entidade composta por mente e corpo. A alma, contrariamente à
concepção aristotélica, não é o princípio da vida em suas várias formas, mas
uma substância separada – um res cogitans. Embora unida ao corpo, ela é
separável dele. A mente e o corpo interagem causalmente. O impacto de cor-
púsculos sobre o corpo gera sensação (sentir sensações como se elas fossem
no corpo) e percepção (parecer perceber) na mente, e a mente causa o movi-
mento do corpo pelo exercício da vontade. Mente e corpo estão intimamente
“mesclados”, pois não se está “em seu corpo” como um marinheiro em um
navio – sente-se o impacto do mundo no seu corpo sob a forma de sensações e
aparentes percepções; não se faz necessário examinar o próprio corpo como o
marinheiro tem que examinar seu navio para descobrir como ele é afetado.15
A pessoa humana, o ego, deve ser identificada por meio da res cogitans. A
mente não tem partes e, uma vez que a destruição de uma entidade é a de-
composição em partes componentes, a mente – a pessoa – é imortal.
O dualismo cartesiano proveu a Modernidade da estrutura de pensa-
mento sobre a natureza do gênero humano, não apenas no sentido de que a
tendência dominante era uma forma ou outra de dualismo (o que é verdade
no que diz respeito ao pensamento popular ou ao pensamento científico, até
meados do século XX), mas em um sentido muito mais profundo, no qual ele
dispôs as categorias em termos das quais a reflexão teve lugar.
*
N. de T.: No original latino, Cogitationis nomine, intelligo illa omnia, quae nobis cons-
ciis in nobis fiunt, quatenus eorum in nobis conscientia est, que os tradutores brasileiros
traduzem por “Pelo termo ‘pensamento’, entendo todas aquelas coisas que, estando
nós conscientes, ocorrem em nós, na medida em que há em nós uma consciência de-
las” (Princípios de Filosofia, Editora UFRJ, 2002). No corpo do texto, apresentou-se a
tradução do texto em inglês oferecido pelo autor.
Natureza humana 37
Locke, agnóstico sobre o homem ser composto por duas substâncias dis-
tintas, reclamava apenas a dualidade do corpo, por um lado, e um conjunto
de propriedades psicológicas (ideias) anexadas a este, por outro. A identida-
de de uma pessoa, pensava ele, requeria apenas unidade psicológica e con-
tinuidade anexadas a alguma substância ou outra (e não necessariamente à
mesma ao longo de toda a vida da pessoa). Berkeley abandonou a noção de
substância material, mas reteve a ideia de uma substância espiritual. Hume
alijou inteiramente o conceito de substância, negou a inteligibilidade de coi-
sas materiais e sustentou que a pessoa humana nada mais era que um mero
feixe de impressões e ideias unidas por relações causais e mnemônicas. Essa
concepção idealista bizarra era uma reductio ad absurdum da imagem car-
tesiana do mundo, mas ela se mostrou com um poder duradouro inteira-
mente surpreendente, sobrevivendo até a metade do século XX. A tendência
materialista exemplificada por Hobbes, La Mettrie, D’Holbach e Diderot, a
qual envolvia alijar o outro lado da dualidade cartesiana, foi um movimento
extremamente minoritário até o século XX. Seus herdeiros foram o comporta-
mentalismo e as várias formas de fisicalismo.
O comportamentalismo do século XX também foi uma tentativa de aban-
donar a substância imaterial do dualismo cartesiano, retendo a substância
material. O comportamentalismo ontológico, tal como esposado por Watson,
foi uma assimilação dogmática do mental à posição de entidades míticas ou
postuladas de maneira equivocada (tais como bruxas). Sua crueza é notá-
vel e infectou psicólogos empíricos com um deletério comportamentalismo
metodológico até a revolução cognitivista dos anos de 1960. O comporta-
mentalismo lógico foi um programa de redução lógica de todos os atributos
psicológicos a atributos e disposições comportamentais. Adotado por alguns
filósofos (p. ex., Carnap, no início de 193016), salientou corretamente que
certos conceitos psicológicos (p. ex. conhecer, crer, entender) foram frequen-
temente malconstruídos como se significassem estados, atos ou atividades
mentais. Insistiu, com razão, no nexo conceitual entre atributos psicológicos
e comportamento, mas o reducionismo cru era malconcebido e a natureza do
nexo conceitual com o comportamento, malcompreendida.
Uma reação ao fracasso do programa comportamentalista foi a identifi-
cação do mental a estados e atividades do cérebro. Isso assumiu diversas for-
mas fisicalistas. O materialismo de estados centrais sustenta que os padrões
de estados mentais são idênticos a padrões de estados cerebrais. O monis-
mo anômalo sustenta que “ocorrências”* de estados mentais são idênticas a
“ocorrências”** de estados cerebrais. Avanços na neurociência cognitiva con-
duziram os cientistas (como Sherrington e alguns de seus alunos) a abando-
*
N. de T.: No original: tokens.
**
N. de T.: No original: tokens.
38 P. M. S. Hacker
FIGURA 1.3
Um esquema básico das concepções de ser humano e sua constituição.
Natureza humana 39
tesiano entre substância mental e corpos materiais, e a tentativa de reduzir
um ou outro tipo de propriedade que Descartes havia atribuído à mente ou
ao corpo. O que é mais importante acerca das perspectivas neocartesianas,
esposadas por muitos neurocientistas cognitivos e autoproclamados cientistas
cognitivos, bem como por muitos filósofos, todos eles concebendo a si pró-
prios como indomitamente anticartesianos, é a extensão em que a concepção
cartesiana da relação entre o interior e o comportamento permanece intacta,
apesar do abandono da concepção cartesiana da mente. Pois o que se fez foi,
marcadamente, conceder atributos cognitivos e perceptuais ao cérebro, no
curso da tentativa de explicar as atividades e realizações cognitivas e percep-
tuais genéricas dos seres humanos.
O desafio mais profundo ao domínio da tradição cartesiana e as suas de-
rivações degeneradas veio da psicologia filosófica de Wittgenstein, em mea-
dos do século XX.17 Pois Wittgenstein não apenas rejeitou um ou outro dos
princípios e das dicotomias cartesianas. Ele apagou completamente as dou-
trinas cartesianas do quadro. Em um sentido importante, ele reviveu não in-
tencionalmente a tradição aristotélica (dando-lhe nova vida). Tal como Aris-
tóteles, ele sustenta que atributos tais como consciência, percepção, cognição
e volição são próprios do animal vivo, não de suas partes materiais, como o
cérebro, muito menos de suas partes alegadamente imateriais, como a mente.
Ele repudiou a res cogitans cartesiana, mas também negou que a mente seja
apenas um aspecto do corpo (“Eu não sou assim, pobre de categorias”, obser-
vou secamente).18
A gigantomaquia sem dúvida continuará, uma vez que cada geração luta
para encontrar seu caminho através da selva da especulação metafísica e da
criação de mitos científicos e religiosos acerca da natureza humana. Os capí-
tulos seguintes não visam a contribuir com uma nova trilha, mas para limpar
velhas trilhas do mato excessivo e arrancar sinalizações desencaminhadoras
postas por viajantes recentes.
NOTAS
1. Uma concepção retomada, no fim do século XIX, por Husserl e o círculo de feno-
menólogos de Munique, que abandonaram o psicologismo em favor da demanda
pela Wesensschau. [Intuição de essência.]
2. Isso não significa que não possa ocorrer no discurso indireto para relatar as palavras
de alguém. Nesse caso, a formação de palavras significa que, se nos for relatado
que alguém falou assim, saberemos que aquilo que esse alguém havia dito era uma
forma de nonsense.
3. O gramático diria que a regra segundo a qual idêntico não forma o comparativo
ou o superlativo é uma regra gramatical, mas que a regra que exclui prefixar a
expressão nordeste, a o Pólo Norte ou a o Pólo Sul não o é. Para nossos propósitos,
essa distinção é desnecessária.
40 P. M. S. Hacker
4. H. von Kleist, Geschichte meiner Seele, Ed. Helmut Semdner (Insel, Frankfurt am
Main, 1977), p. 174 ss. Em uma carta a Wilhelmine von Zenge (22 de março de
1801), Kleist usou tal metáfora para o idealismo transcendental de Kant.
5. W. V. O. Quine, Two dogmas of empiricism (1953), reimpr. em: From a Logical Point
of View, 2. ed. (Harper & Row, New York, 1963) (trad. bras. De um Ponto de Vista
Lógico. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980).
6. R. Carnap, “Quine on Analyticity”, in: R. Creath (Ed.), Dear Carnap, Dear Van
(University of California Press, Berkeley, 1990), p. 427-32.
7. H. P. Grice e P. F. Strawson, “In Defense of a Dogma”, Philosophical Review, 65
(1956), p. 141-58. É digno de nota que Quine, ele próprio, reabilitou ao menos
uma versão da distinção carnapiana em The Roots of Reference (Open Court, La
Salle, Ill., 1973), sec. 21.
8. Wittgenstein caracterizou tais proposições como proposições da “imagem do mundo”
de alguém; veja-se On Certainty (Blackwell, Oxford, 1969). Para uma discussão
esclarecedora, veja-se A.J.P. Kenny, Faith and Reason (Columbia University Press,
Nova York, 1983).
9. Veja-se D. Isaacson, “Quine and Logical Positivism”, in: R. F. Gibson, Jr. (Ed.), The
Cambridge Companion to Quine (Cambridge University Press, Cambridge, 2004),
p. 254.
10. Certamente, há muitas espécies de proposições aritméticas que não são, ou não
são diretamente, regras para a transformação de proposições empíricas acerca de
quantidades ou magnitudes, por exemplo, a proposição “Há mais primos entre 1 e
20 que entre 20 e 40”. Não se segue disso que tais proposições não sejam normati-
vas. Elas são o resultado da aplicação de técnicas aritméticas à própria aritmética,
e forjam conexões constitutivas dentro do corpo da aritmética.
11. “... ou isso ou algo muito semelhante é o verdadeiro relato de nossas almas e de
suas habitações futuras – uma vez que temos a prova manifesta de que a alma é
imortal – isso, eu creio, é tanto uma alegação razoável quanto uma convicção pela
qual vale a pena arriscar-se, pois o risco é um risco nobre.
Procuraremos dar o melhor de nós para agir como tu dizes, disse Critão. Mas como
devemos enterrá-lo?
Como tu quiseres, respondeu Sócrates, ou seja, se tu conseguires me apanhar, sem
que eu escape por entre teus dedos.
Ele riu gentilmente enquanto falava, e, voltando-se para nós, continuou: Não
posso persuadir Critão de que eu sou esse Sócrates aqui que está lhes falando
agora e ordenando todos os argumentos. Ele pensa que eu sou aquele que daqui
a pouco verá deitado morto, e pergunta como deverá me enterrar!... Vós deveis
lhe assegurar que, quando eu estiver morto, não permanecerei, mas terei partido,
ido... Vós deveis manter vossos ânimos e dizer que é apenas meu corpo que estão
enterrando, e podeis enterrá-lo como bem vos aprouver, da maneira que pensardes
ser apropriada” (Fedão, 114d, 116a).
12. Ernst Mayr. The Growth of Biological Thought (The Belknap Press, Cambridge Mass.,
1982), p. 87. (trad. bras. O Desenvolvimento do Pensamento Biológico. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1998).
13. Descartes, Princípios de Filosofia, I, 9.
14. Tomás de Aquino, em seu Comentário à Primeira Carta aos Coríntios, observa: “Mi-
nha alma – isso não é o que eu sou (anima mea non est ego)”. Portanto, a exigência
católica ortodoxa da ressurreição do corpo.
Natureza humana 41
15. Ironicamente, a comparação é do De Anima, 413ª9 de Aristóteles, no que é apa-
rentemente uma alusão a uma analogia platônica perdida.
16. Mas não Gilbert Ryle, a despeito da mitologia que grassava nos EUA. Ryle escreveu:
“Para dizer coisas acerca da vida mental das pessoas, empregamos muitos verbos
ativos que de fato significam atos da mente... lista[ndo] corretamente calcular, pon-
derar e recordar como atos ou processos mentais”. A que Ryle objetava era adicionar
verbos como crer, conhecer, aspirar e detestar à lista (veja “Phenomenology versus
‘The concept of Mind’”, reimp. em Collected Papers, vol. 1 (Hutchinson, Londres,
1971, p. 189).
S. Soames (Philosophical Quarterly 56 (2006), p. 430) argumenta que “Ryle era
manifestante um comportamentalista lógico. Uma vez que não era nem um dualista,
nem eliminacionista, e rejeitasse a tese que estados mentais são estados cerebrais,
suas posições não deixam nada para [ós estados mentais] salvo serem disposições
comportamentais”. Isso é semelhante a argumentar que se alguém não é republi-
cano, nem democrata, então deve ser comunista.
17. Mas também, ainda que menos perspícua e sistematicamente, de Heidegger em
Being and Time (Ser e Tempo).
18. Wittgenstein, Remarks on the Philosophy of Psychology, v. 2 (Blackwell, Oxford, 1980,
§690. Aqui ele estava especificamente objetando a uma observação de Nietzsche
em Assim falava Zaratustra, 1, cap. 4, com esse teor.