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Linguística aplicada ao ensino de

língua materna

Henrique Campos Freitas

Adriana Vaz Efisio Emanuel


© 2018 by Universidade de Uberaba

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Editoração
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Revisão textual
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Ilustrações
Rodrigo de Melo Rodovalho

Projeto da capa
Agência Experimental Portfólio

Edição
Universidade de Uberaba
Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário

Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central Uniube

Freitas, Henrique Campos.


F884l Linguística aplicada ao ensino de língua materna / Henrique
Campos Freitas, Adriana Vaz Efísio Emanuel. – Uberaba:
Universidade de Uberaba, 2018.
188 p. : il.

Programa de Educação a Distância – Universidade de Uberaba.


Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7777-871-3

1. Linguística. 2. Linguística aplicada – Brasil. 3. Língua


materna – Estudo e ensino. I. Emanuel, Adriana Vaz Efísio. II.
Universidade de Uberaba. Programa de Educação a Distância. III. Título.

CDD 410
Sobre os autores
Adriana Vaz Efisio Emanuel

Mestre em Educação pela Universidade de Uberaba (Uniube).


Especialista em Psicopedagogia Institucional pela Faculdade de
Educação de Uberaba (FEU). Graduada em Licenciatura Plena
Pedagogia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). É
Analista Educacional e Pedagoga na Superintendência Regional de
Ensino de Uberaba (SRE-Uberaba) e Coordenadora dos cursos de
especialização em Supervisão Educacional, Gestão Educacional e
Educação Especial na Universidade de Uberaba, modalidade de ensino
educação a distância.

Henrique Campos Freitas

Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia


(UFU). Especialista em Metodologia do Ensino de Língua portuguesa e
Estrangeira pelo Centro Universitário Internacional (Uninter). Graduado
em Licenciatura em Letras – Português e Inglês pela Universidade
Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). É docente da Universidade de
Uberaba (Uniube) nas áreas de Linguística, Língua portuguesa e Leitura
e Produção de Textos Acadêmicos.
Sumário
Apresentação.............................................................................................................. VII

Capítulo 1 Percurso histórico da Linguística aplicada........................... 1


1.1 Breve panorama da Linguística aplicada (LA)......................................................... 4
1.1.1 As duas viradas da Linguística aplicada....................................................... 14
1.2 Linguística teórica x Linguística aplicada............................................................... 18
1.3 A fase atual da Linguística aplicada ...................................................................... 22
1.4 Pesquisas baseadas nos pressupostos da Linguística aplicada........................... 30
1.5 Considerações finais.............................................................................................. 35

Capítulo 2 Linguística aplicada: identidades e diferenças na sala


de aula................................................................................. 41
2.1 Introdução aos conceitos de identidade e de diferença pelo viés da
Linguística aplicada................................................................................................ 43
2.2 A discussão sobre a diferença na sala de aula...................................................... 51
2.3 Processos identitários na formação do professor de Língua portuguesa............. 56
2.4 O professor como mediador................................................................................... 58
2.5 O professor como agente de letramento................................................................ 64
2.6 Considerações finais.............................................................................................. 71

Capítulo 3 Possibilidades de leitura: janelas para o mundo e para


a alma ................................................................................. 75
3.1 O conceito de alfabetização e letramento.............................................................. 78
3.2 A leitura de textos com múltiplas linguagens.......................................................... 91
3.3 A leitura executada em muitos atos........................................................................ 96
3.3.1 Ler espontaneamente................................................................................... 97
3.3.2 Ler na escola................................................................................................. 98
3.3.3 Ler para conscientizar................................................................................. 100
3.3.4 Ler o universo on-line.................................................................................. 101
3.3.5 Ler na televisão........................................................................................... 103
3.3.6 Ler com recursos ilustrativos...................................................................... 103
3.3.7 Ler as imagens............................................................................................ 104
3.3.9 Ler as intenções.......................................................................................... 106
3.3.10 Ler como direito e prazer.......................................................................... 107
3.4 Estratégias para a leitura de textos com múltiplas linguagens............................ 116
3.5 Leitura todos os dias............................................................................................. 118
3.5.1 Aspectos importantes no trabalho com leitura............................................ 123
3.6 Mobilizando habilidades para entender o texto.................................................... 124
3.7 As possibilidades e necessidades de aprendizagem dos alunos........................ 125
3.7.1 Estratégias de leitura para compreensão das artes visuais....................... 127
3.7.2 A leitura de quadrinhos................................................................................ 129
3.7.3 A leitura do jornal......................................................................................... 131
3.8 Dinamizando o processo de leitura: ideias para colocar a mão na massa......... 132
3.9 Considerações finais............................................................................................ 133

Capítulo 4 Linguística aplicada ao ensino de língua materna........... 139


4.1 O trabalho com a escrita e a reescrita na aula de Língua portuguesa................ 141
4.1.1 O momento da escrita: proposta de atividade no Ensino Fundamental.... 148
4.1.2 O momento da escrita: proposta de atividade para o Ensino Médio......... 152
4.1.3 O processo de reescrita: momento de aprendizagem............................... 156
4.2 Gêneros textuais e o ensino de Língua portuguesa............................................ 163
4.3 O ensino de gramática pelo viés da Linguística aplicada.................................... 168
4.4 Considerações finais............................................................................................ 175
Apresentação
Prezado(a) aluno(a), é um prazer tê-lo(a) conosco.

É com imenso prazer que apresentamos este livro! Esperamos que seja
uma leitura que o leve a uma formação docente pensando em um ensino
de língua materna plural, isto é, que busque sempre um ensino de língua
sem pedras no caminho, que vai além do ensinar gramática.

Linguística aplicada ao ensino de língua materna se constitui em


um livro que contribui para você compreender os pressupostos teóricos
do ensino operacional e reflexivo da linguagem: a linguagem como
interação, as teorias de leitura, a produção textual, o letramento, além da
compreensão, via linguagem, da constituição identitária dos estudantes
e do futuro professor de língua materna.

Assim, este livro tem como principal objetivo motivar você, leitor, a
aprofundar-se numa formação mais solidificada para enfrentar os
desafios da sala de aula de língua materna, com reflexões e teorias que
nos fazem identificar enquanto professores formadores.

Organizada em quatro capítulos, esta obra discute o percurso histórico


da Linguística aplicada no Brasil, aplicada, ainda, à era da globalização.
Conceitos fundamentais, como Alfabetização e Letramento, são
mobilizados para compreender o desenvolvimento de uma competência
linguística reflexiva e significativa, além, é claro, de pensar em uma
Linguística aplicada ao ensino de língua materna centrada no uso, nos
contextos de situação, nas práticas de linguagem.
VIII UNIUBE

No capítulo 1, “Percurso histórico da Linguística aplicada”, você


compreenderá o percurso histórico da Linguística aplicada a fim de
apreender como aconteceu a teorização e quebra de paradigmas sociais
e culturais, em um momento em que a preocupação era descrever as
regras da língua desconstituída do uso, ou seja, apresentar os elementos
linguísticos, seus tipos (em listas), de forma isolada; o princípio básico
era, até então, focado em uma mecanização da língua, isto é, a língua e
sua estrutura formal: morfológica e sintática.

O capítulo 2, intitulado “Linguística aplicada: identidades e diferenças na


sala de aula”, reflete sobre os discursos e contextos em que os fatores
identitários de reconhecimento e da diferença emergem; tudo isso por
meio da linguagem. A construção da identidade é dependente de uma
realização discursiva particular, já impermeadas de outros discursos.
Afinal, os indivíduos constroem sua identidade discursivamente e estas
identidades são passíveis de transformação, sendo a escola um dos
lugares em que esse processo acontece.

Já no capítulo 3 “Possibilidades de leitura: janelas para o mundo e para


a alma”, o nosso foco principal é a leitura. Para tanto, abordamos o
assunto a partir de três instâncias: revisitar o conceito de alfabetização
e letramento; abordar a leitura de textos com múltiplas linguagens;
apresentar estratégias para este trabalho em sala de aula.

Já no último capítulo intitulado “Linguística aplicada ao ensino de língua


materna”, abordaremos questões importantes para o futuro professor de
Língua portuguesa: possibilidades do ensino de gramática também pelo
viés da Linguística aplicada, considerando, como mencionado, atividades
discursivas que desenvolvam a competência linguística do falante de
língua portuguesa para os problemas recorrentes quanto à utilização da
linguagem em sociedade.

Desejamos a todos bons estudos!


Capítulo
Percurso histórico da
Linguística aplicada
1

Henrique Campos Freitas

Introdução
Atualmente, o ensino e a aprendizagem de língua materna partem
da concepção da linguagem como processo de interação, ou seja,
a língua como forma de interação social entre o indivíduo e o
contexto comunicativo em que ele está inserido.

Para isso, é necessário mobilizar, principalmente, os


conhecimentos linguísticos e de mundo a fim de estabelecer
uma comunicação eficaz dentro dos ambientes em que nós nos
encontramos.

Porém, ainda, há, mesmo após os Parâmetros Curriculares


Nacionais (PCNs) e livros didáticos com visão da linguagem como
interação, muitas salas de aula com um ensino descontextualizado
e preocupado somente com a aprendizagem da gramática
normativa e das regras do idioma, deixando de lado um ensino
de língua materna que leve o aluno a refletir sobre a gramática e
seus componentes e qual(is) efeito(s) de sentido(s) possível(is)
para aquela leitura restrita. Entretanto, sabe-se que há projetos,
em diferentes cantos do país, que desenvolvem o ensino da língua
na perspectiva discursiva.
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Assim sendo, faz-se necessário conhecer sobre a Linguística


aplicada, principalmente seu percurso teórico, pois essa teoria
apoia o professor de Língua portuguesa a compreender sobre o
ensino dessa língua, de forma permanente, consciente e coerente
aos conteúdos e atitudes que serão relevantes ao aluno, em todo
seu percurso pessoal e profissional.

Neste capítulo, apresentaremos o percurso histórico da Linguística


aplicada a fim de apreender como aconteceu a teorização e
quebra de paradigmas sociais e culturais, em um momento em que
a preocupação era descrever as regras da língua desconstituída
do uso, ou seja, apresentar os elementos linguísticos, seus tipos
(em listas), de forma isolada; o princípio básico era, até então,
focado em uma mecanização da língua, isto é, a língua e sua
estrutura formal: morfológica e sintática.

Ainda, por meio da análise histórica da solidificação da Linguística


aplicada (LA), enquanto teoria linguística, explicaremos suas
três possibilidades de investigação, dependendo do propósito
de análise da língua: LA transdisciplinar, LA interdisciplinar e LA
disciplinar.

Em seguida, discutiremos como a Linguística aplicada estabeleceu-


se enquanto uma teoria linguística e depois apresentaremos a
diferença entre Linguística teórica (LT) e Linguística aplicada (LA),
identificando os possíveis pontos em comum entre elas. Essa
compreensão leva-nos a observar que a LA preocupa-se com a
língua no uso social, enquanto a Linguística Tradicional (LT) não
se preocupa com a parte social, mas, sim, com o descrever e o
teorizar.
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Partindo dessas ideias, neste capítulo ainda será possível


destacar qual é a fase atual da Linguística aplicada e quais suas
características, principalmente nas produções teóricas, refletidas
na prática. Para tanto, uma teoria que se baseia na perspetiva
teórica da LA é a Linguística sistêmico-funcional – LSF (Halliday;
Matthiessen, 2004, 2014).

A Linguística sistêmico-funcional, por sua vez, parte do princípio


da observação dos problemas da língua em uso, analisando-a
nos contextos situacionais para chegar a uma conclusão, uma
teorização a respeito dos elementos gramaticais que constituem
uma produção textual.

Por fim, algumas considerações serão enumeradas como forma de


reestabelecer todo o percurso histórico apresentado no capítulo a
fim de resgatar a compreensão da Linguística aplicada como uma
teoria dentro dos estudos linguísticos.

Objetivos
Ao final dos estudos deste capítulo, esperamos que você seja
capaz de:

• observar qual foi o percurso histórico da Linguística aplicada;


• mostrar a diferença entre Linguística teórica e Linguística
aplicada;
• explicar as duas viradas da Linguística enquanto aplicação;
• demonstrar a fase atual em que se encontra a Linguística
aplicada;
• conceber possibilidades teóricas tendo como base os
princípios da Linguística aplicada voltada ao ensino de língua
materna.
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Esquema
1.1 Breve panorama histórico da Linguística aplicada (LA).
1.1.1 As duas viradas da Linguística aplicada.
1.2 Linguística teórica x Linguística aplicada.
1.3 A fase atual da Linguística aplicada.
1.4 Pesquisas baseadas nos pressupostos da Linguística aplicada.
1.5 Considerações finais

1.1 Breve panorama da Linguística aplicada (LA)

Iniciamos nossas discussões apresentando como surgiu a ideia de uma


aplicação da Linguística e a noção de uma Linguística aplicada.

As concepções teóricas da Linguística aplicada (LA) surgiram no


contexto da segunda grande guerra, nos anos 40, na América do Norte,
incentivadas por duas grandes razões:

• pela necessidade de se estabelecer uma comunicação eficaz entre


os falantes de diferentes línguas e
• pelas deficiências em métodos de ensino e aprendizagem,
especialmente de língua estrangeira, que objetivavam a leitura em
vez da comunicação.

Nesse contexto, a preocupação estava em (re)aplicar uma metodologia


para a aprendizagem de uma língua. Aliada ao surgimento da
Psicologia Comportamental, acreditava-se que
Reaplicar a aprendizagem ocorria somente por meio do
Neste contexto, condicionamento e do comportamento do sujeito,
significa a aplicação
de um modelo o que resultou na criação do método audiolingual
preestabelecido.
para ensino de línguas estrangeiras.
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AMPLIANDO O CONHECIMENTO

Psicologia Comportamental: interações entre as emoções, pensamentos,


comportamento e estados fisiológicos. Caracteriza-se por postular a não
existência da mente, tendo uma concepção do ser humano.

No método audiolingual, o aluno era incentivado a associar um estímulo


auditivo a imagens sugestivas e tentar reproduzir o que ouvia sem se
preocupar com a estrutura gramatical ou o significado exato das palavras
(UPHOFF, 2008).

Como a língua inglesa era dominante sobre todas outras, ela era o foco
desse tipo de ensino e de aprendizagem, mas que poderia ser aplicável
a qualquer outro idioma.

EXEMPLIFICANDO!

Vejamos o exemplo (LANE, 2018, p.1):

Uma lição típica iniciaria, frequentemente, com


recortes de um diálogo que deveria ser memorizado
e repetido. Isso deveria ser seguido por treinos
desenvolvidos para reforçar a nova estrutura,
com repetição direta, substituição ou imitação, por
exemplo:

Professor: I bought a sandwich. (Eu comprei um


sanduíche.)
Aluno: I bought sandwiches. (Eu comprei
sanduíches.)

Ou:

Professor: My pen is on the table. (Minha caneta


está na mesa.)
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Aluno: My pen is on the table. (Minha caneta está na


mesa.)
Professor: …under the chair. (… sob a cadeira.)
Aluno: My pen is under the chair. (… sob a cadeira.)
Professor: …in my pencilcase. (... dentro do estojo.)
Aluno: My pen is in my pencilcase. (Minha caneta
está dentro do estojo.)

Como podemos observar, a preocupação era, até então, com o ensino-


aprendizagem de línguas estrangeiras, mas que, poucos anos mais tarde,
expandiu-se para a aprendizagem também em língua materna.

Em relação à língua materna, o ensino era (e em muitos casos ainda


é) pautado em um método também de repetição ou, até mesmo, de
identificação gramatical. Os exercícios eram estruturais, após a
apresentação de listas e classificações preconizadas pela gramática
normativa, como também vemos no exemplo a seguir:

EXEMPLIFICANDO!

Os substantivos são classificados em nove tipos: comum, próprio, simples,


composto, concreto, abstrato, primitivo, derivado e coletivo.

Substantivo Comum: são as palavras que designam os seres da mesma


espécie de forma genérica. Exemplos: pessoa, gente, país.
Substantivo Simples: são formados por apenas uma palavra. Exemplos:
casa, carro, camiseta.
Substantivo Abstrato: são aqueles relacionados aos sentimentos, estados,
qualidades e ações que designam ser de existência dependente. Exemplos:
beleza, alegria, bondade → todas as palavras dependem de pessoas ou
coisas para existir.
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Classifique os substantivos abaixo.


a) girassol: comum.
b) medo: abstrato.
c) livro: simples.
d) floricultura: comum.
e) contrarregra: comum.

A partir da lista de palavras, observamos que no exercício, na leitura, não


há preocupação com a reflexão, com o uso desses elementos e, muito
menos, com o sentido que o substantivo pode exercer dentro de uma
construção textual voltada a uma situação de comunicação. Dessa forma,
para resolver a atividade, basta reproduzir moldes da estrutura gramatical
sem levar em consideração o significado das palavras em contextos.

Os teóricos da época estavam preocupados com os problemas reais do


uso linguístico, por isso construíram fundamentos, principalmente entre
os anos 50 e 70, com base no formalismo, que concebia a língua(gem)
como sistema, como estrutura.

PONTO-CHAVE

Atualmente, os estudos concebem a LA como uma teoria funcionalista, que


tem função na língua, ou seja, o uso, e compreendem a língua(gem) como
um fenômeno social constituído por meio da interação entre os interlocutores.

É, então, a partir dos anos 80, que a LA conquistou seu espaço e passou
a ser vista como um campo de conhecimento, delineando os limites de
seu objeto de estudo e como esse objeto deve ser metodologicamente
investigado. O objeto de estudo da LA é, assim, os problemas de uso da
língua(gem) socialmente, culturalmente e historicamente situados.
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De acordo com Brumfit (1995, p. 27), a


Empírico
Linguística aplicada é “a investigação
Aquilo que é teórica e empírica de problemas reais
baseado na
experiência e na nos quais a linguagem é uma questão
observação. Parte
de um fato que central”.
se apoia somente
em experiências
vividas, na análise Mas, Kumaravadivelu (2006) diz ser necessário
das coisas do
mundo e não em observar a LA por meio de três grandes
teorias.
áreas: globalização, pós-modernismo e
pós-colonialismo.

Porém, essas áreas são analisadas em relação à homogeneização


cultural de países considerados como centro dominante de toda uma
cultura e que, de certa forma, influenciam o processo cultural e identitário
da nossa língua materna, sendo momentos-chave para a busca de uma
constituição do que somos e temos hoje em nossa língua, cultura e
sociedade.

Essas três grandes áreas representam também três grandes períodos


que dominam a produção do conhecimento das ciências humanas até
os dias atuais. Nesse sentido, a área mais influente e que auxilia nessa
não-padronização linguístico-cultural é a globalização.
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AGORA É A SUA VEZ

Você conseguiria definir o conceito de globalização?

Figura 1: Globalização.
Fonte: Depositphotos-Acervo EAD-Uniube.

Podemos dizer que a globalização é o “conjunto de transformações


na ordem política e econômica mundial visíveis desde o final do século
XX. Trata-se de um fenômeno que criou pontos em comum na vertente
econômica, social, cultural e política e que, consequentemente, tornou o
mundo interligado”. (SIGNIFICADO, 2018, p. 1).

Como característica desse mundo globalizado, podemos destacar o


aprimoramento da tecnologia como meio de transformação e interação
entre os povos, difusão (expansão) do conhecimento, sendo a tecnologia
a principal fonte condutora da globalização. Seus recursos têm criado
grandes ferramentas que permitem identificar e captar novas oportunidades
econômicas.
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Mas, qual é a relação da globalização com a Linguística?

Na contemporaneidade, é a partir da globalização que conseguimos


compreender os processos, trocas e conexões da sociedade,
principalmente em um nível comunicacional, isto é, compreender o
processo comunicativo, a vida, a identidade cultural/linguística dos
povos. Nas palavras de Kumaravadivelu (2006, p. 134), “o global está em
conjunção com o local, e o local é modificado para acomodar o global”.

Dessa forma, a LA tem uma importante responsabilidade já que, em


grande parte, lida com uma língua que tem características globais e
coloniais (influências culturais, territoriais, etc.), responsabilidades essas
que dominam o ocidente na produção e disseminação do conhecimento.

No Brasil, durante algum tempo, havia a reprodução das ideias de


escritores americanos e/ou franceses, além de algumas poucas ideias
procedentes de outros pontos do mundo globalizado, reforçando a ideia
da reaplicação de teorias linguísticas de línguas coletivas e coloniais,
sem um olhar para o aprimoramento do ensino de língua materna, como
veremos no próximo tópico.

Dessas grandes áreas são apresentadas três possibilidades da LA:


• INTER-disciplinar;
• TRANS-disciplinar;
• IN-disciplinar.

Vejamos cada uma delas.


• INTER-disciplinar

Na primeira possibilidade, Rojo (2007, p. 1763) salienta que o conceito


de uma Linguística aplicada Interdisciplinar seria para “caracterizar
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o fazer do pesquisador do campo, [com] o desenvolvimento (ou não) da


LA como uma transdisciplina.”

Ainda segundo a autora, “as práticas de investigação interdisciplinares


enfocam o objeto a partir de múltiplos pontos de vista disciplinares, com
ou sem interação entre esses pontos de vista, mas não chegam a (re)
configurar o objeto no campo de investigação da LA”.

Nesse sentido, a linguagem é o objeto de estudo em várias ciências


(como na psicologia, sociologia, antropologia, etc.), analisada sob
diversos pontos de vista, de forma interdisciplinar, mas nenhuma
consegue observá-la de maneira total, ou seja, que leve o ser humano a
uma reflexão acerca da produção, aplicação e significação da sua língua
em todas as áreas do conhecimento.

A LA, por meio dessa interdisciplinaridade, busca solucionar problemas


relacionados à linguagem na vida real, ou seja, nas situações de
comunicação. Mas... como?

EXEMPLIFICANDO!

Por exemplo: uma menina, de três anos de idade, do interior de Minas


Gerais, diz ao seu pai a seguinte frase: “__ Pai, por que o senhor não diz
forrrrrte!?”

Nessa situação, a menina está observando a linguagem e como ela


acontece. Assim, ela fala sobre a língua, utilizando-se da própria língua.

A LA vem, então, com o auxílio de outros campos do conhecimento –


por isso interdisciplinar –, identificar, investigar e oferecer soluções para
“problemas” relacionados à linguagem com a linguagem da vida real,
apoiados, como já apresentado, a outras áreas do conhecimento.
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• TRANS-disciplinar

Já para compreender a transdisciplina, recorremos às palavras de Celani


(1998), ao apresentar que a visão transdisciplinar,
no entanto, tenta destacar nessa colaboração
de disciplinas um fio condutor e até mesmo uma
filosofia epistemológica, a ‘filosofia’ da descoberta.
[.] Transdisciplinaridade envolve mais do que a
justaposição de ramos do saber. Envolve a coexistência
em um estado de interação dinâmica, o que Portella
(1993) chamou de esferas de coabitação. [...] Novos
espaços de conhecimento são gerados, passando-
se assim da interação das disciplinas à interação
dos conceitos e, daí, à interação das metodologias”
(CELANI, 1998, pp. 132-133).

Práticas de De acordo com a autora, na transdisciplinaridade


linguagem
está envolvida a interação entre conceitos e
São situações métodos na busca de soluções para os problemas
de interação
social em que as linguístico-discursivos em práticas de linguagem
pessoas fazem um
determinado uso específicas, o que, segundo Rojo (2007, p. 1763),
da língua.
caracteriza “o fazer transdisciplinar em LA”.

De acordo com Almeida (2014, p. 2), o objetivo primordial da


transdisciplinaridade é “compreender o mundo presente, e sua finalidade
é alcançar a unidade do conhecimento”. Partindo disso, segundo a
autora, a LA transdisciplinar transcende as áreas do conhecimento se
dissolvendo em seu objeto de investigação, que é a linguagem em uso,
porém no processo de aprendizagem na interação na sala de aula, de
modo reflexivo e que pode levar em consideração as crenças, ideologias,
etc. na aprendizagem de línguas.

• IN-disciplinar

Antes de explicar a possibilidade da LA indisciplinar, vale retomarmos o


que seria a transformação disciplinar.
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Para Kumaravadivelu (2006, p. 130), “torna-se muito claro que é


necessário nada menos que a transformação disciplinar, envolvendo
uma reestruturação fundamental dos aspectos principais da LA”.

Para Kumaravadivelu, transformação disciplinar refere-


se “às mudanças conceituais, metodológicas e atitudinais
necessárias para dar forma ao campo de LA como uma área
verdadeiramente interdisciplinar que possa ir ao encontro dos
desafios postos pelos processos emergentes da globalização”.

As ideias da LA indisciplinar ficaram mais fortes com a publicação


do livro “Por uma Linguística aplicada indisciplinar”, de Luiz Paulo de
Moita Lopes, um grande nome nos estudos em LA. Segundo ele, a LA
é indisciplinar porque constrói, como questão de investigação, tópicos
que são, geralmente, deixados de lado e sem justificativas para análise.
Nesse momento, especialmente, os estudiosos interessam-se por
questões que focam a vida social por meio do
estudo da linguagem e práticas de significação, Hiperssemiotização
assim como a variação linguística. Nesse contexto,
podemos dizer que
hiperssemiotização
A partir desse apanhado histórico, chegamos à LA são as relações que
estabelecemos,
indisciplinar, ou seja, pela língua, com
o mundo, a fim
É uma LA que deseja, de encontrarmos,
sobremodo, falar ao mundo via discurso, a
em que vivemos, no qual referenciação externa
muitas das questões à língua. “Assim, no
enunciado “O homem
que nos interessavam é mortal” (Sócrates),
mudaram de natureza ou se o termo refere-se
complexificaram ou deixaram ao ser humano,
de existir. Como Ciência mas colocado numa
Social, conforme muitos placa, em uma porta
ao fundo de um
formulam a LA agora, em um bar, por exemplo,
mundo em que a linguagem HOMEM ganha
passou a ser um elemento significação de
crucial, tendo em vista a banheiro masculino
hiperssemiotização que e MULHER, de
banheiro feminino”
experimentamos, é essencial (PAULIUKONIS,
pensar outras formas de 2016, p. 112).
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conhecimento e outras questões de pesquisa que


sejam responsivas às práticas sociais em que vivemos.
(MOITA LOPES, 2009, p. 19)

Área mestiça
Para Moita Lopes, a LA é indisciplinar porque
Área que recebe
influência de reconhece a necessidade da sua não constituição
diversos povos e
raças, constituindo enquanto disciplina, mas como área “mestiça”
uma característica
comum dessas e “nômade”, que vai além dos paradigmas
ascendências.
delineados para um pensamento teórico-
Área nômade linguístico, de certa corrente consagrada.
Área independente,
que vive
constantemente em Essa LA indisciplinar busca, então, resolver os
mudanças a partir
das influências problemas linguísticos de um sujeito, em práticas
recebidas pela
cultura dos povos.
discursivas diversas, por meio da aplicação dos
próprios conhecimentos linguísticos dos sujeitos.

Resumimos, então, dois grandes momentos da LA:

1. ao preocupar-se somente com teorização e descrição gramatical e


2. ao desenvolver-se em três grandes áreas influenciadas pela
globalização.

Com isso, esses dois grandes momentos, que diversos pesquisadores


da área denominam como “viradas da Linguística aplicada”, serão melhor
destacados no tópico a seguir. Vejamos.

1.1.1 As duas viradas da Linguística aplicada

É possível falar em “viradas” da LA devido aos questionamentos


levantados entre a aplicação da linguística, por meio do que se concebia
como Linguística teórica, à compreensão da possibilidade de uma
Linguística aplicada a diversos contextos (não) escolares.
UNIUBE 15

Somente no final dos anos 70 é que a distinção entre LA e aplicação


da Linguística surge com a contribuição teórica de Widdowson, por
meio de um grande questionamento elaborado àqueles que “aplicavam”
linguística.
É uma suposição comum entre os professores de
línguas [como resultado das percepções de linguistas,
preferiria acrescentar] que sua área deva ser de algum
modo definida por referência a modelos de descrição
linguística criados por linguistas. [...] Essa mesma
suposição domina a Linguística aplicada. O próprio
nome é uma proclamação de dependência. Bem, não
tenho nada contra linguística. Alguns de meus melhores
amigos são linguistas etc. Mas acho que devemos ter
cuidado com sua influência [...] E quero sugerir que a
própria Linguística aplicada como um ramo teórico
da pedagogia de ensino de línguas deva procurar
um modelo que sirva seu propósito (WIDDOWSON
apud MOITA LOPES, 2009, p. 15, grifo nosso)

Duas características são expostas na citação e devem ser levantadas:

1. a restrição da LA a contextos educacionais e


2. a necessidade de uma teoria linguística para que a LA não
seja dependente de outra, na busca de um modelo que capte a
perspectiva do usuário, que o auxilie a solucionar seus desvios
quanto à língua(gem).

Nessa primeira virada, percebe-se que os problemas relacionados


ao ensino e à aprendizagem restringiram-se à Língua Inglesa, pois a
função colonialista persistiu – e ainda persiste – nos diversos campos de
produção científica. Esse idioma foi eleito como língua dominante devido
à importância que ele teve no tempo da Guerra Fria e por essa língua ser
um objeto de negócio, de troca de bens e serviços.

Na visão de Moita Lopes (2005), o poder da ideologia imperialista é tão


grande que acaba convencendo o colonizado de que o país dominante
é melhor. É o que acontece com a cultura inglesa.
16 UNIUBE

Nessa cultura, os colonizados são reificados,


Reificados
tratados como um bloco homogêneo, sem direito
Relativo ao a ter sua individualidade respeitada; sofrem um
verbo reificar –
“transformar em processo de persuasão e acabam por adotar
coisa, dar o caráter
de coisa a” algo. a ideologia dominante em detrimento de suas
(HOUAISS; VILLAR,
2009, p. 1636). próprias identidades culturais, consumindo
a cultura do país, desde os costumes até as
comidas.

EXEMPLIFICANDO!

Como exemplo, em relação à alimentação, temos o McDonald’s, que


propagou pelo mundo a ideia de comida rápida, ou seja, os fast-foods.

Partindo desse contexto, a segunda virada da Linguística aplicada


ocorre quando estudiosos da linguagem começam a trabalhar em
outras áreas que não sejam escolares, além de pesquisar contextos de
ensino e aprendizagem de língua materna, principalmente no campo dos
letramentos e da alfabetização e de outras disciplinas do currículo.

Nas palavras de Moita Lopes (2009, p. 18), “ao compreender a linguagem


como constitutiva da vida institucional, a LA passa a ser formulada como
uma área centrada na resolução de problemas da prática de uso da
linguagem dentro e fora da sala de aula”.

O QUE ISSO SIGNIFICA DIZER?

Isso significa dizer que a linguagem é inerente ao ser humano, por isso
deve ser interpretada e analisada a partir das situações de comunicação
e, assim, buscar resolver os problemas de uso.
UNIUBE 17

Para resolver os problemas relacionados à língua, alguns estudiosos


falavam em “aprendizagem situada” (Lave e Wegner, 1991), em “discurso
situado” (Duranti e Goodwin, 1992) ou em “interação situada” (Gumperz,
1992) já pensando em uma resolução ou diminuição dos problemas.

Por meio disso, era possível observar quais os papéis que os atores
sociais desempenhavam naquilo que podemos chamar de situações
discursivas.

EXEMPLIFICANDO!

Atores sociais: são experiências por meio da linguagem em uso. As


representações sociais correspondem a situações reais de vida, por meio
das quais os atores sociais se movem, constroem e explicam sua vida
(FUZER, 2008, p. 87), de modo que são representados em textos. É uma
espécie de representação/confiabilidade entre o leitor e produtor textual.

Situação discursiva é quando o texto – oral ou escrito – se materializa


em uma situação real de comunicação, envolvendo os atores sociais, o
espaço, os objetivos comunicativos e as características do gênero textual
que é utilizado.
18 UNIUBE

Moita Lopes (2009 p. 18) diz que a situcionalidade que


permeava a época é “levada a termo pelo discurso/interação.
Uma percepção que só pode ser incorporada à LA por conta de
seu olhar interdisciplinar.”

A partir desse momento, em que se começa a observar como os


indivíduos utilizam a linguagem, nas diversas situações discursivas, e os
pesquisadores começam a tentar solucionar os problemas relacionados
à linguagem por meio de pesquisas, relacionando a teoria com a
aplicação da linguagem, dá-se início à Linguística aplicada. Assim,
ela redimensiona conceitos teóricos que vão além de paradigmas
consagrados, para que o homem possa compreender o mundo atual.

Mas, tanto se fala em Linguística aplicada... e a teorização


gramatical?
Qual seria, então, a diferença entre a Linguística teórica e a
Linguística aplicada?

Vejamos a seguir.

1.2 Linguística teórica x Linguística aplicada

Muitas pesquisas, – e também pesquisadores - em Linguística,


desconhecem a diferença entre a pesquisa em Linguística teórica e
em Linguística aplicada. Essa é, de certa forma, uma discussão que se
perpetua há vários anos, pois cada pesquisador tem um olhar crítico-
reflexivo para sua pesquisa e, claro, esse olhar transcende qualquer
teoria, afiliação teórica ou metodologia.

Porém, de acordo com Rajagopalan (2006), a distinção entre Linguística


teórica e Linguística aplicada é perceptível em dois momentos: do início
dos anos 40 até o final da mesma década e a partir dos anos 50 até os
dias atuais.
UNIUBE 19

No primeiro momento, a Linguística aplicada é dependente da


Linguística teórica porque esta é a única fonte de informação teórica e
metodológica da LA, exigindo formação acadêmica teórica, de qualquer
pesquisador da LA, para que, assim, os problemas, relacionados à
linguagem, advindos de certas práticas discursivas, sejam observados,
teorizados e analisados como provenientes de certa prática discursiva.

Já dos anos 50 até hoje, nas palavras do pesquisador,


A LA [Linguística aplicada] passa a ser uma área
igualmente autônoma que, para a solução de problemas
cotidianos relacionados à linguagem verbal, recorre a
teorias e abordagens metodológicas de quaisquer áreas
do conhecimento, incluindo a LT [Linguística teórica],
o que faz dela uma área interdisciplinar, não exigindo
mais, por parte do aspirante a linguista aplicado,
formação acadêmica específica em LT. Esse novo
posicionamento epistemológico leva Brumfit (1995, p.
27) a propor a seguinte definição: a LA se ocupa da
“...investigação teórica e empírica de problemas do
mundo real nos quais a linguagem é a questão central”
(BRUMFIT, 1995, p. 27 apud PRAXEDES FILHO,
2014, p. 12. Ênfases do autor).

Rajagopalan (2006) apresenta que a Linguística teórica (LT) não se


preocupa com a parte social, enquanto a LA sim: “Mesmo quando a
questão social é invocada, é como se o social entrasse como acréscimo
a considerações já feitas sobre o indivíduo concebido ‘associalmente’.”
(RAJAGOPALAN, 2006, p. 157).
20 UNIUBE

Assim, reforçamos a ideia da LA como uma fonte de investigação


que trabalha com os dados reais da língua, de forma a auxiliar tanto
pesquisadores, quanto professores e falantes da língua a identificarem,
refletirem, analisarem e aperfeiçoarem o uso da sua língua(gem) nas
diversas situações discursivas.

A existência de subáreas na Linguística teórica prova a exclusão do


social devido à preocupação em teorizar e descrever, desassociado do
contextual, do social. Já a LA preocupa-se com esse social “esquecido”
pela LT, pois, como já vimos, ela parte dos problemas reais dos usos da
linguagem.

Segundo Rajagopalan (2006, p. 152),


Por mais que se negue no campo da Linguística teórica
que seus pesquisadores tenham quaisquer vínculos
com fins práticos, não resta dúvida de que a guinada
formalista sofrida pela disciplina, logo depois da
Segunda Grande Guerra, foi diretamente influenciada
pelas novas fontes de financiamento. Ou seja, a forma
como as pesquisas linguísticas foram conduzidas nessa
época foi determinada pelas expectativas criadas em
torno de suas possíveis aplicações. (RAJAGOPALAN,
2006, p. 152)

Nesse sentido, vale salientar que há, nas diversas áreas de pesquisa,
uma preocupação com o trabalho de natureza formal em detrimento
daquilo que seja aplicável, questionável e passível de reflexão. Teorizar
e descrever, sem perceber os problemas no uso social da linguagem, é
UNIUBE 21

mais fácil, porque leva a fórmulas aplicáveis na resolução de problemas


específicos.

Praxedes Filho (2014, p. 12) diz que “a Linguística teórica é também


chamada de linguística descritiva, pois se ocupa em descrever os
estratos semântico, morfossintático, fonológico e fonético das línguas
naturais humanas a fim de comparar umas com as outras, classificá-las
em tipos (tipologia) etc.”

REGISTRANDO

Linguística teórica: teoria que desenvolve teorias descritivas, ou seja, que


descreve sobre as línguas naturais humanas em geral ou sobre uma língua
natural humana em particular, por exemplo, a língua portuguesa ou inglesa,
ou de uma tribo indígena, sendo a descrição feita dos pontos de vista:

• do sistema de significados ou semântica,


• do sistema de formas ou morfossintaxe,
• do sistema de sons ou fonologia,
• dos sons ou fonética.

Linguística aplicada: teoria autônoma que parte de uma visão


interdisciplinar da linguagem verbal humana a fim de encontrar soluções
para problemas cotidianos relacionados às línguas naturais. Os problemas
são apresentados pelos usuários das línguas, sejam eles professores
dessas línguas, fonoaudiólogos, tradutores, intérpretes, críticos literários,
lexicógrafos, terminólogos, proponentes de políticas linguísticas etc. As
soluções são encontradas pelo linguista aplicado por meio da pesquisa
teórica por ele conduzida. (PRAXEDES FILHO, 2014).

É relevante perceber a importância da aliança entre a Linguística teórica


e a Linguística aplicada, pois uma necessita da outra. Fica evidente, por
22 UNIUBE

meio dessas reflexões, que a investigação teórica


Empírico
da linguagem deve estar aliada ao empírico,
“Baseado na
experiência e às observações e às vivências para que o
na observação,
metódicas ou não” aprendizado seja eficaz, de forma completa.
(HOUAISS; VILLAR,
2009, p.741).
Toda essa discussão foi apresentada para
evidenciar, ainda, a diferença entre uma aplicação
linguística e a Linguística aplicada. Não podemos confundir, então,
Linguística aplicada com aplicação linguística, pois, segundo Moita Lopes
(2009, p. 26), por muitos anos, a LA foi vista como uma tentativa de
aplicação teórica de métodos e técnicas de ensino, especialmente em
língua estrangeira.

Os estudos em LA devem ser compreensíveis por meio do estudo e da


melhoria no ensino e na aprendizagem de língua, no desenvolvimento
da competência linguística (teórica, nativa), por meio dos problemas
que surgem em salas de aulas, em situações formais e informais de
comunicação, na oralidade, na escrita etc.

Partindo desse pressuposto, chegamos à formulação da LA


transdisciplinar e indisciplinar, isto é, vai-se além de uma teorização
linguística por apresentar um caráter solucionista atravessando as
fronteiras disciplinares (MOITA LOPES, 2009), preocupando-se com o
uso real da língua, suas (des)complicações, sentidos e construção textual
nas mais diversas situações comunicativas.

1.3 A fase atual da Linguística aplicada

Para se chegar a um consenso em que se apresenta o momento atual


da LA, é necessário observar e retomar o percurso histórico dessa
teorização linguística. Vejamos.
UNIUBE 23

Como sabemos, a Linguística aplicada começa seus estudos no enfoque


do processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Essa
área teve seu apogeu com os resultados dos avanços da Linguística
enquanto ciência no século XX, com o estudo científico das línguas, na
busca de “técnicas” e “novas” metodologias de ensino, restringindo a LA
a contextos educacionais, sendo uma autonomia teórica.

Nesse sentido, Menezes (2009) diz que


Aparentemente, parece fácil definir a Linguística
aplicada (LA) em relação à Linguística. Supostamente,
a Linguística teria interesse pela língua como um
construto abstrato ou internalizado e a LA estudaria as
manifestações da língua externa, da língua em uso,
contextualizada. [...] No entanto, essa dicotomia não
descreve o que acontece na realidade. Com o passar
do tempo observo que as duas áreas estão cada vez
mais próximas e ser linguista ou linguista aplicado
acaba sendo muito mais uma questão de afiliação
do que distinção epistemológica ou metodológica.
(MENEZES, 2009, p. 7).

A citação acima foi retirada de um texto intitulado “Sessenta anos de


Linguística aplicada: de onde viemos e para onde vamos”, da autoria de
Vera Menezes. Se ele fosse uma pergunta, como poderíamos respondê-lo?

Vera Menezes apresenta considerações importantes sobre a proximidade


da Linguística aplicada com a Linguística, mas hoje a Linguística ampliou
seus horizontes. Esta última tem por objeto a língua em suas estruturas
morfológicas, sintáticas, fonológicas e semânticas, enquanto a primeira,
a descrição da língua em diversos contextos de uso.

PONTO-CHAVE

Aplicar linguística não é somente utilizar os princípios do estruturalismo


linguístico para resolver problemas relacionados à linguagem, mas pensar
24 UNIUBE

de forma diferente, voltar-se para esses problemas relacionados à linguagem


e redimensionar, ir além de conceitos estáveis e buscar, dentro do locus de
pesquisa, os motivos que causaram tais problemas.

Análise do Nessa proposta, a LA não tem a preocupação


discurso
com o cientificismo, mas em fazer com que o
A Análise do
discurso (ou Análise pesquisador esteja no ambiente pesquisado a
de Discursos) é
uma ciência que fim de levar os usuários da língua a refletirem e,
consiste em analisar assim, construir considerações para compreender
a estrutura de um
texto e, a partir o mundo atual e como acontece o uso efetivo da
disto, compreender
as construções língua.
ideológicas
presentes na
produção dos
efeitos de sentido. Essa afirmação é construída a partir dessas duas
áreas para esclarecer, como já dito, problemas
Formação
discursiva relacionados à linguagem. São recorridos, por
são elementos exemplo, conceitos da Análise do discurso para
relacionados
diretamente com explicar questões relacionadas à representação,
as formações
ideológicas, ou seja, isto é, sentidos atribuídos a determinado grupo
aquele conjunto social ou, até mesmo, o conceito de formação
de representações
que está ligado à discursiva para entender a identidade. Também,
posição de classes
em conflito uma em é possível observar conceitos da Sociolinguística
relação às outras
(FOUCALT, 2012). para falar sobre o sujeito “hegemônico”.
Exemplo: Pessoas
que compartilham
de um mesmo No que tange ao ensino e à aprendizagem de
discurso religioso
fazem parte de uma língua materna, é importante trazer a ideia de
mesma formação
discursiva. Freitas (2017), dizendo que
um dos trabalhos essenciais do linguista e,
consequentemente da Linguística, é de descrever as
formas gramaticais de uma língua, bem como tudo
o que a envolve (sentidos, relações estruturais, por
exemplo) para que esse trabalho ajude a criar e (re)
estabelecer teorias. Nesse sentido, podemos dizer
que a gramática é feita de hipóteses e que devemos
UNIUBE 25

testá-las, questioná-las e
Função
fundamentá-las baseados lexicogramatical
nos fatos que a língua nos
oferece e que podem ser De acordo
confirmados pelos dados com Halliday;
de um corpus empírico, a Matthiessen
(2014), “função
fim de compreender, por lexicogramatical
exemplo, a(s) função(ões) é o propósito da
lexicogramatical(is) de cada linguagem do
elemento dentro da oração. qual define que
(FREITAS, 2017, p. 17). a oração é uma
unidade gramatical
organizada
por camadas
Podemos afirmar, então, que a Linguística semânticas, ou
seja, através
aplicada é autônoma, isto é, parte da noção, de significados
ideacionais,
como já apresentado aqui, de tentar solucionar interpessoais
os problemas dos usuários da língua por meio do e textuais”
(HALLIDAY;
conhecimento prático, de forma transcendente e MATTHIESEEN,
2014 apud
independente, baseando-se nos próprios fatos da FREITAS, 2017, p.
17).
língua para estruturar a teoria e a aprendizagem
Corpus
gramatical, por exemplo.
Material
linguístico para
Conforme Rajagopalan (2003), é necessário, ser pesquisado,
analisado. Por
também, pensar em uma Linguística aplicada exemplo: um
grupo de redações
que se associa à formação crítico-reflexiva dos de alunos, uma
entrevista com
professores, pois um educador crítico estimula moradores de um
essa ação em seus alunos, com postura firme e bairro distante do
centro da cidade
com questionamentos constantes. etc.

O pesquisador apresenta que, no contexto da LA, a ideia de uma


pedagogia crítica surge para atingir dois objetivos: de assumir uma
postura crítica no lugar da tradicional, quando se fala de ensino e, em
segundo lugar, frente a uma ação que proporciona, aos aprendizes,
capacidade de desenvolver formas de resistência, que dão condições
de enfrentar desafios e decidir aquilo que é melhor para si.
26 UNIUBE

PARADA PARA REFLEXÃO

O que é Pedagogia Crítica?

Pedagogia crítica: é uma filosofia educacional descrita por Henry Giroux


(2010, p.1) como um “movimento educacional, guiado por paixão e princípio,
para ajudar estudantes a desenvolverem consciência de liberdade,
reconhecer tendências autoritárias e conectar o conhecimento ao poder e à
habilidade de tomar atitudes construtivas.”

Percebemos que a atual fase da LA é de uma teoria trans e indisciplinar


e, ainda, parte da ideia de pedagogia crítica, pois age de forma que leve
o aluno a refletir sobre determinado fato da língua que o impede, por
exemplo, de não compreender um texto oral ou escrito.

Não dito A fase atual da LA, com o enfoque em língua


O não dito diz materna, visa, então, desenvolver a capacidade
respeito às
diversas facetas linguística dos usuários da língua, de forma
da linguagem;
perpassa e
que esses indivíduos saibam se comunicar nas
ultrapassa todo mais diversas situações discursivas em que são
o dito; “[...] é
subsidiário ao dito. inseridos.
De alguma forma,
o complementa,
acrescenta-se”.
(ORLANDI, 2005, Mais uma vez, é importante dizer que o papel
p. 82). Faz parte do
discurso, mas não é
das instituições de ensino e principalmente do
somente a palavra. professor, nesse caso, é de levar o estudante
Está implícito.
a compreender os conhecimentos teórico-
Dito
gramaticais e não somente a escrever palavras
O dito é o que
está explícito, utilizadas em obras literárias. Além disso,
posto no texto. É
o dizível, histórica
compreender o que está implícito, ou seja, não
e linguisticamente dito dentro de um texto.
definido. Está na
superfície do texto.
(ORLANDI, 2005,
p. 82).
UNIUBE 27

Como a fase atual da Linguística aplicada contribui para o


desenvolvimento das competências linguísticas, levando o aluno
a refletir sobre a língua?

É interessante que o professor, ao explicar um conteúdo, problematize


e faça com que, junto de seus alunos, hipóteses sejam levantadas para
construir um determinado conceito, de determinado conteúdo.

Nessa perspectiva, Vian Jr. (2006, p. 31) expõe que “uma das principais
preocupações dos professores, não só de línguas estrangeiras, mas
principalmente de língua materna, é capacitar o aluno a ler, escrever e
também a falar. Para isso, é preciso uma concepção clara de texto, tanto
oral como escrito”.

Como exemplo, observe as reflexões mobilizadas por Fabri (2017, p.


98-99), ao apresentar uma proposta de análise que considera a noção
de uso-reflexão-uso (GERALDI, 2015) e, consequentemente, de uma
prática de linguagem a partir da perspectiva discursiva.

Observe as duas orações a seguir:

Mesmo que (a) e (b) tenham conteúdo parecido,


a escolha entre a dupla de frases corresponde a
intenções argumentativas diferentes. Há convicções
diferentes mobilizadas nos dois enunciados.

Em (a), trabalhar pouco pode significar preguiça,


incompetência e, portanto, pode justificar uma demissão
ou uma não admissão na empresa X, ou seja, Pedro é
um fracassado.
28 UNIUBE

Em (b), trabalhar um pouco, pode justificar um empenho


e que, portanto, Pedro não é um fracassado, mas, pelo
contrário, um esforçado, um lutador.

O mesmo autor observa ainda que há crenças em que


trabalhar muito pode causar doenças e que o sucesso
pode surgir de um ócio criativo, ou seja, de que a
obtenção do êxito ocorra com pouco trabalho.

Observe que analisamos as unidades linguísticas,


as expressões da língua a partir de determinadas
crenças estabelecidas em determinados grupos
sociais, que são comprometidas histórico e
ideologicamente. (FABRI, 2017, p.98-99).

No exemplo, é possível perceber que por mais que as duas orações


pareçam ser semelhantes sintaticamente, uma única palavra, marcada
pela locução adverbial UM POUCO, modifica toda a interpretação do
texto, neste caso escrito.

Assim, a compreensão de qualquer texto deve levar em consideração


não apenas os elementos que o constituem, mas os subentendidos que
estão além do que está apresentado. É interessante lembrar que isso
mostra ao falante da língua o direcionamento que o produtor textual deu
ao texto e qual a interpretação desejável a ele.

Mas como perceber esse direcionamento e fazer com que os


indivíduos, usuários da língua, o percebam?

Por meio das marcas linguísticas e de como conduzir os questionamentos


que levarão os usuários da língua a pensar sobre a construção do texto.
Releia novamente os itens propostos por Fabri (2017) e transforme-os
em perguntas: elas não são respondidas por si mesmas? Basta um olhar
reflexivo sobre elas.
UNIUBE 29

SINTETIZANDO...

Em (a), trabalhar pouco pode significar preguiça; em (b), trabalhar um


pouco pode justificar um empenho.

Sabemos que esse tipo de reflexão não acontece por diversos motivos
em muitas instituições de ensino, o que desencadeia um ensino pautado
em ideias tradicionais, descontextualizado e acrítico. De acordo com
Staub (1992, p. 18),
Parece que estamos em guerra. Os gramáticos não
concordam entre si. Os linguistas brigam com os
gramáticos tradicionais. Professores da mesma
instituição não se entendem, vão aos jornais e expõem
ao público os pontos discordantes a respeito do ensino
da língua portuguesa. Jornais e revistas publicam
artigos que dão aos leitores a impressão de que
o ensino do português se tornou caótico. As brigas e
mal-entendidos, nas suas manifestações uniformes,
desorientam os professores que, nesta altura dos
acontecimentos, se perguntam: o que fazer? O que
ensinar?

Seguindo esse pensamento, é possível observar a importância de uma


unificação no desenvolvimento da competência linguística dos falantes,
e como ela direcionará nossas produções textuais – oral e escrita - nas
diversas situações discursivas.

É necessário, assim, pensar e conceber uma teoria, tal como a Linguística


aplicada, que abarque o máximo de possibilidades, que minimize
os problemas relacionados à linguagem e que parta da premissa
“uso-reflexão-uso” (Geraldi, 2015), assim como a Linguística sistêmico-
funcional, tema do próximo tópico.
30 UNIUBE

1.4 Pesquisas baseadas nos pressupostos da Linguística


aplicada

Algumas teorias baseiam-se nos preceitos teóricos da Linguística


aplicada. Nesse caso, apresentamos a Linguística sistêmico-funcional -
LSF (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014).

A Linguística sistêmica-funcional é uma teoria que procura dar conta


de como a linguagem é usada, uma vez que qualquer enunciado está
inserido em um contexto de uso. A língua não existe arbitrariamente,
ela evolui para satisfazer as necessidades dos usuários que dela se
apropriam, delineando, desta forma, um sistema natural adequado à
realidade circundante e no qual tudo pode ser atrelado e explicado de
acordo com as produções dos falantes (VALÉRIO, 2012).

De acordo com Vian Jr. (2006, p.31), as ideias teóricas da Linguística


sistêmico-funcional mostram como os textos se estruturam para construir
significados, por meio da observação dos fatos reais da língua, com
grupos de falantes e nos contextos de uso.

Freitas (2017, p. 29), recorrendo às ideias de Halliday e Matthiessen (2004;


2014), apresenta uma questão interessante acerca dessa perspectiva, pois
[...] costumamos falar da linguagem sob diferentes
visões, principalmente sobre aquelas que envolvem
livros didáticos e gramáticas normativas por possuírem
capítulos sobre pronúncia correta, ortografia, morfologia
e sintaxe, com listas e/ou quadros exemplificando os
tipos existentes daquele conteúdo e, até mesmo, um
glossário ao final desse material. Isso os fez observar
que uma língua não pode ser dividida, como uma
fatia de bolo, por exemplo, por ela ser um sistema
semiótico complexo, com vários níveis ou estratos,
sendo essa mesma suposição aplicada ao sistema de
som, de escrita e o sistema da fonologia, ortografia (ou
grafologia) e gramática.
UNIUBE 31

Nesse contexto, Halliday e Matthiessen assinalam


Lexicogramática
que a morfologia e a sintaxe não devem fazer
É a junção da
parte de estratos diferentes, pois ambas fazem morfologia e da
sintaxe (gramática
parte da gramática – apropriadamente chamada mais léxico –
palavras) realizada
de lexicogramática. por meio desses
conteúdos junto da
semântica.
Dessa forma, o “conteúdo” é expresso de duas
formas: um lexicogramático e outro semântico e
são eles os responsáveis por nosso foco de análise, por exprimir a forma
pela qual a linguagem serve à vida humana em seus usos.
Pode-se dizer que:
A Linguística sistêmico-funcional explica o modo
como os significados são construídos nas interações
linguísticas cotidianas e, por isso, requer a análise
de produtos autênticos das interações sociais (textos
orais ou escritos), levando em conta o contexto social,
em especial o contexto cultural e o situacional em que
ocorrem, para explicar por que um texto significa o que
significa, e por que ele é avaliado como o é. (VIAN JR.,
2006, p.33-34).

A Linguística sistêmico-funcional é, assim, uma abordagem teórica que


compreende a língua em relação com as estruturas sociais, isto é, toda
sua organização, utilização, compreensão e reflexão são analisadas por
meio do uso, de dados e fatos empíricos.

Nas palavras de Praxedes Filho (2014, p.11), “a Linguística sistêmico-


funcional (LSF), tal como proposta por Michael Halliday, é, a um só tempo,
Linguística teórica (LT) e Linguística aplicada (LA), mas transcendendo
ambas e podendo ser considerada linguística aplicável.”

Nas palavras de Vian Jr. (2006), a Linguística sistêmico-funcional busca


desenvolver uma teoria que analisa a língua como um objeto social e
uma metodologia descritiva e sistemática dos padrões determinados pela
gramática normativa ligada ao contexto: qualquer escolha das palavras,
estruturas e contexto de produção deve ser levada em consideração.
32 UNIUBE

Para entendermos o exemplo a seguir, faz-se necessário, primeiramente,


entendermos o contexto político brasileiro. Segundo Betim (2018, p. 1)
do jornal El País,
Há meia década, o sistema político do Brasil avança
de crise em crise. O primeiro marco é em 2013, com
as maiores manifestações da história recente contra o
poder. Depois veio a acirrada eleição de 2014 que, pela
primeira vez em anos, teve seu resultado questionado.
Daí, em meio à exposição crua da corrupção pela
Operação Lava Jato, veio o traumático impeachment,
rejeitado por parte do eleitorado como “golpe”.

Por isso, muitos miravam as eleições presidenciais de


2018 como um momento de reforçar o sistema, a hora
de reinvesti-lo plenamente de legitimidade com um novo
pacto entre sociedade e políticos pelo voto. Mas eis
que a perspectiva, pelo menos até agora, é de mais um
processo de alta tensão e incerteza, com o candidato
líder nas pesquisas, possivelmente excluído da disputa
por causa da confirmação de sua condenação por
corrupção.

Nessa breve contextualização da crise política em que o Brasil vive, um


político (Figura 2), envolvido em uma transação ilícita, para se defender
de todas as acusações, disse:

Figura 2: Político.
Fonte: Getty Images-Acervo EAD-Uniube.
UNIUBE 33

Nós, enquanto professores de língua portuguesa, ao trabalhar a


morfologia ou a sintaxe, por exemplo, podemos levar esse enunciado
para a sala de aula e analisá-lo em duas possibilidades:

Estruturalmente, observando os componentes que formam a oração:

a) Análise morfológica:

Ex.: Eu – pronome pessoal do caso reto;


Não – advérbio de negação;
Cometi – verbo;
Ilegalidades – substantivo.

Eu – pronome pessoal do caso reto;


Posso ter cometido – locução verbal.
Erros – substantivo.

b) Análise sintática:

* O sujeito "eu", oficialmente, é simples. Mas a tradição didática, indevidamente,


“inventou” o sujeito oculto. A Nomenclatura Gramatical Brasileira adota só três
tipos de sujeito: a) simples, b) composto e c) indeterminado.

• A partir de uma análise reflexiva, que busca compreender além da


estruturação, uma análise discursiva, temos a seguinte ideia.
34 UNIUBE

Ao sair do campo semântico da ilegalidade e ao entrar no campo


semântico do erro, esse político quis dialogar com seu interlocutor, por
diversos meios, ao dizer que o erro é mais suave, é um equívoco, uma
falha, um engano e que qualquer um de nós pode cometer “erros”.

Este político parte da premissa de que “errar é humano” e todos


os erros são perdoáveis.

Ainda, é possível perceber que, na fala dele, o ser humano pode falhar,
errar afastando-se da carga semântica, ou seja, de sentido negativo
que carrega a palavra “ilegalidade” (atos ilícitos, clandestinos, ações
voluntárias imprudentes, planejadas e que causam danos morais).

Na perspectiva da Linguística sistêmico-funcional, a organização semântica


das palavras com o mundo parte de relações abstratas do ser, do fazer e
do sentir. Os verbos, em ambas as orações, indicam uma simbolização,
ou seja, desdobram a experiência do processo através do tempo.

Isso quer dizer que, pelas escolhas lexicais proferidas por esse político,
é possível compreender quando escritores/falantes, produtores de
textos, adotam posturas para demonstrar a aprovação/desaprovação,
abominação, críticas etc., que podem ser identificadas a partir do
lexicogramático, mas não restritamente nele, posicionando seus leitores
acerca daquilo que está sendo dito.

Nesse discurso, a posição tomada pelo político foi de autodefender-


se por meio das escolhas das palavras, elaborando uma estratégia
de argumentação, fazendo com que o outro se envolva e, até mesmo,
pense: “Coitado... ele é humano e pode errar.”

Observando o exposto, temos uma visão alargada, discursiva, prática, não


apenas estrutural: a partir da combinação e interpretação dos elementos
UNIUBE 35

que formam um enunciado, é possível julgar, e esse julgamento pode


refletir em uma determinada ação (de condená-lo ou não). Para chegar
a essa análise, é importante fazer alguns questionamentos, tais como:

Quem falou?
Por que falou?
Onde falou?
Em defesa de quem?
Em que sociedade?
Em que momento socio-histórico?
Por que agora disse que é erro, e não legalidade?

Por meio do exemplo, recorremos às palavras de Freitas (2017, p.


21-22) ao mostrar que não se analisa uma produção textual levando
em consideração somente os componentes gramaticais, pois nenhum
texto é igual ao outro. Deve-se observar que cada texto foi produzido em
determinado contexto significativo, em momentos diferentes da história,
deixando sua marca na linguagem.

PONTO-CHAVE

Por fim, o que distinguem os textos – orais e escritos – são as formas


e recursos linguísticos utilizados nas situações de interação. Não basta
aprender a classificação e decorar as listas dos elementos gramaticais, de
acordo com a gramática tradicional, mas, sim, refletir como as combinações
desses termos podem construir, direcionar e resolver os problemas
relacionados à língua(gem) nas diversas situações de comunicação.

1.5 Considerações finais

Entre as reflexões feitas, destacamos que é necessário que o professor


compreenda a constituição teórica da Linguística aplicada pautada na
36 UNIUBE

resolução dos problemas relacionados à língua, quanto à estrutura e


quanto à linguagem (uso). Para isso, é necessário observar que não
basta descrever e teorizar sobre os elementos que constituem uma
oração ou uma frase, mas, sim, como eles se relacionam e estabelecem
sentidos diversos em determinadas situações de interação comunicativa.

Nessa linha de pensamento, reforçamos a necessidade de conceber a LA


como transdisciplina, pois reconhecemos a necessidade de uma análise
linguística que transcenda o gramatical e chegue ao discursivo. Essas
práticas devem suscitar em contextos dinâmicos de aprendizagem, pois a
interação entre conceitos e conteúdos é a responsável por materializar a
língua em práticas sociais de linguagem, elevando o nível comunicacional
dos seres humanos.

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Capítulo
Linguística aplicada:
identidades e diferenças
2
na sala de aula

Henrique Campos Freitas

Introdução
Neste capítulo, abordaremos questões importantes na formação
dos licenciandos de quaisquer áreas: identidades, diferenças,
professor como mediador e como agente de letramento. Esses
são papéis não só exclusivos do professor de Língua portuguesa,
mas de todos que se dedicam à profissão docente.

Falar de identidade não é simples e requer bastantes estudos.


Porém, temos conhecimento de que ela é um conjunto de
características do traços próprios de um indivíduo ou de uma
comunidade. Como, então, em uma sala de aula, conseguir
identificar ou auxiliar no reconhecimento identitário dos nossos
alunos? Será que o próprio professor reconhece sua identidade
de docente?

A Linguística aplicada vem ao encontro desses questionamentos,


pois tenta analisar os discursos e contextos em que os fatores
identitários, de reconhecimento e da diferença emergem; tudo isso
por meio da linguagem. A construção da identidade é dependente
de uma realização discursiva particular, já
Impermeada
impermeada de outros discursos. Afinal,
os indivíduos constroem sua identidade Que tenha traços de
outros discursos.
discursivamente e essas identidades são
42 UNIUBE

passíveis de transformação, sendo a escola um dos lugares em


que esse processo acontece.

Por esse viés, apresentaremos, ainda, um breve panorama dos


conceitos de identidade e diferença, do papel da diferença na
construção da identidade, o processo identitário do professor de
Língua portuguesa por dois viés: como mediador e como agente
de letramento.

Destacamos a importância desses temas na formação do


professor, pois, por muitos anos, os currículos dos cursos de Letras
não incorporaram estudos voltados às práticas de linguagem,
levando em consideração a interação em sala de aula, as práticas
discursivas do professor, a construção da identidade e diversos
temas tão importantes e que também influenciam o processo de
ensino e aprendizagem de língua materna.

Tais concepções são oriundas de estudos recentes, tais como


Kleiman (2006), Soares (2009) e Rajagopalan (2002). Esses
estudiosos observaram que o conceito de Letramento vai além
do que alfabetizar; letramento é ensinar a ler textos dentro de
um conceito em que a escrita e a leitura tenham sentido e façam
parte da vida das pessoas, influenciadas por fatores sociais e
individuais.

Já o professor como mediador atua nos processos de construção


e desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, intervindo
como aquele que acrescenta, direciona e orienta a aprendizagem.
UNIUBE 43

Objetivos
Ao final dos estudos deste capítulo, esperamos que você seja
capaz de:
• explicar o conceito de identidade e diferença pelo viés da
Linguística aplicada;
• mostrar a importância do trabalho com a identidade e com a
diferença na sala de aula;
• analisar os processos identitários na formação do professor
de Língua portuguesa enquanto mediador e como agente de
letramento;
• lidar com as diferenças na sala de aula de Língua portuguesa.

Esquema
2.1 Introdução aos conceitos de identidade e de diferença pelo
viés da Linguística aplicada
2.2 A discussão sobre a diferença na sala de aula
2.3 Processos identitários na formação do professor de Língua
portuguesa
2.4 O professor como mediador
2.5 O professor como agente de letramento
2.6 Considerações finais

2.1 Introdução aos conceitos de identidade e de diferença


pelo viés da Linguística aplicada

O conceito de identidade e de diferença é, por diversos autores,


considerado como de difícil definição, pois ele pode ser delimitado pelos
estudos linguísticos, filosóficos, psicológicos, psicanalíticos, entre outros.
Porém, para este capítulo, essas noções serão apresentadas pelo viés dos
estudos linguísticos, especificamente, por meio da Linguística aplicada.
44 UNIUBE

RELEMBRANDO

A Linguística aplicada visa solucionar os problemas relacionados ao uso


sistematizado da língua, principalmente quanto ao caráter normativo dela,
por meio de investigações empíricas, ou seja, reais. Essas investigações
podem ser realizadas por meio de diversas práticas discursivas em que
o usuário dessa língua se encontra. Com isso, é possível compreender a
constituição social, identitária e ideológica desse indivíduo.

Os estudos da identidade e da diferença emergem principalmente com os


estudos culturais e sociais, buscando compreender e identificar o sujeito
como parte integrante de grupos sociais; sujeitos esses inseridos em
diversas comunidades que podem, ou não, compartilhar de um mesmo
discurso e/ou pensamento, mas que se constituem e constroem sua
identidade nesses espaços.

Para Rajagopalan (2002, p. 77 apud CAVALCANTI, 2006, p. 40), a


identidade seria como “um construto e não algo que se encontra aí
in natura”. Já Cavalcanti (2006, p. 41) acrescenta que a “identidade é
imaginária, social, formada no interior da representação; que os sujeitos
identificam-se com os sentidos produzidos por uma espécie de grande
narrativa, construindo, assim, suas identidades.”
UNIUBE 45

Mas, o que isso significa dizer?

Isso significa dizer que a identidade é algo que se percebe na interação


com o outro, nos contextos em que nós, seres humanos, estamos
inseridos ao ouvir histórias, reviver outras, conhecer novas culturas etc.

Por meio desse pensamento, podemos dizer que o sujeito deveria ser
entendido além da dimensão biológica, pois, quando ele se identifica
e se vê parte de uma sociedade, esse sujeito consegue, por meio da
linguagem, apontar seu lugar no mundo e mostrar que não se tem uma
identidade fixa, essencial ou permanente; ao contrário, ela está em
constante modificação, afetada pela multiplicidade de discursos, em um
processo de identificação.

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

• De acordo com as considerações de Maher (1996), o conceito de


identidade social está voltado com ênfase aos estudos sociolinguísticos
que alegam que o falante e usuário da língua devem ser adaptados a
transformar a sua própria identidade na sociedade.
• Desse modo, ao considerar as variações linguísticas e as implicações
socioculturais que estas representam, o falante estará num contínuo
processo de transformação identitária.
• Já para Moita Lopes (2002), a questão de identidade social dimensiona
as teorias sobre a linguagem em sala de aula e as relações de poder
nesse âmbito, considerando a formação docente e discente (SILVA
JÚNIOR, 2017).

Por meio desses pensamentos, é importante apontar que:


• Entender questões de identidade e diferença, na aula de Língua
portuguesa, auxilia o professor a compreender melhor quem
é seu aluno, bem como essas questões vão constituindo-se,
46 UNIUBE

desenvolvendo-se e transformando-se por meio da maturidade


linguística, biológica, material e social desses sujeitos.
• Ainda, refletir esses conceitos auxilia na constituição da cultura
linguística e de suas transformações, influenciadas pelo professor,
pela escola e pelos grupos sociais em que esse falante está inserido,
pois ele é atravessado por discursos, culturas e vivências etc. até
constituir sua identidade primária.

A noção de identidade aqui pode ser levada a outro nível: a de identidade


linguística. O sujeito, como dito, quando emerso em uma comunidade,
constitui-se enquanto indivíduo também por meio do contato com esse
grupo social.
A identidade, seja a linguística ou a social, forma-se a
partir do contexto em que se inserem o discurso e os
interlocutores. Como explica Rajagopalan (1998), o
falante só se apresenta como real a partir do momento
em que se constitui como ser social. (RAJAGOPALAN,
1998 apud LOPEZ; DITTRICH, 2005).

Nos estudos linguísticos, além da Linguística aplicada, a Sociolinguística


também auxilia na compreensão de algumas questões relacionadas
à identidade de grupos sociais e que, normalmente, causam alguma
polêmica.

Um dos casos mais conhecidos é do livro distribuído pelo MEC chamado


“Por uma Vida Melhor”, voltado ao público da Educação de Jovens e
Adultos (EJA). Na parte destinada ao componente curricular Língua
portuguesa, há um trecho em que a autora apresenta a seguinte ideia:
Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar
os livro?’. Claro que pode. Mas fique atento, porque,
dependendo da situação, você corre o risco de ser
vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz
o que se deve e o que não se deve falar e escrever,
tomando as regras estabelecidas para a norma
culta como padrão de correção de todas as formas
linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de
UNIUBE 47

usar a variante adequada da língua para cada ocasião.


(AGÊNCIA, 2018, p.1).

No trecho, ao considerar os dizeres “os livro”, a autora acabou tratando


de uma identidade cultural específica de uma comunidade, de um
grupo social que, normalmente, utiliza tal construção. Para muitos, essa
utilização é considerada como errada, inaceitável, um “assassinato à
língua portuguesa”.

No livro, “[...] os “erros” em questão, se interpretados contextualizadamente


e explorados de forma interessante em sala de aula, contribuem para
o desenvolvimento da consciência linguística, mostrando que apesar
de todas as variedades serem aceitáveis, o domínio da norma culta é
fundamental para efetiva participação nas diversas atividades sociais de
mais prestígio” (AÇÃO, 2011, p. 4).

PESQUISANDO NA WEB

Você esteve a par das discussões acerca do livro “Por uma Vida melhor”?

Para se lembrar dessa celeuma, sugerimos que acesse os seguintes textos:

1) “As lições do livro que desensina”, de Natália Goulart, disponível no site


on-line da revista Veja, e que, como o próprio título mostra, é contra a
abordagem realizada no livro “Para uma Vida melhor”. Para ler o artigo,
acesse:

https://veja.abril.com.br/educacao/as-licoes-do-livro-que-desensina/

2) “Polêmica em relação a erros gramaticais em livro didático de Língua


portuguesa revela incompreensão da imprensa e população sobre a
atuação do estudioso da linguagem”, da Associação de Linguística
aplicada do Brasil, que defende o livro “Para uma Vida melhor”. Acesse:
48 UNIUBE

https://alab.org.br/blog/polemica-em-relacao-a-erros-gramaticais-em-livro-
didatico-de-lingua-portuguesa-revela-incompreensao-da-imprensa-e-
populacao-sobre-a-atuacao-do-estudioso-da-linguagem/

Você, enquanto futuro profissional da linguagem, deve estar atento às


discussões sociais acerca da área para formar sua opinião!!!

Observe que, para alcançarmos as reflexões defendidas pela autora do


livro e julgarmos tais discussões, precisamos compreender a relação
entre a identidade linguística do sujeito (no caso aluno) e sua identidade.
Enquanto linguistas, não podemos refletir de forma superficial, baseados
no senso comum, sobre as relações entre língua e interação social,
estabelecidas pelos falantes, mas, sim, temos que considerar os estudos
científicos. Tais estudos estão sempre na vanguarda e naturalmente
suscitam polêmicas. Por isso, faz-se necessário avançarmos em nossas
reflexões. Vejamos.

Como a própria autora coloca, essa situação de fala ou escrita é aceitável


em algumas situações de comunicação e cabe ao falante ser capaz
de utilizá-la ou não. Esse discernimento é apresentado por meio da
identidade desse sujeito e, principalmente, da sua identidade linguística.

Cada comunidade possui suas próprias particularidades linguísticas


de fala e, até mesmo, de escrita. Nos estudos linguísticos, a
Sociolinguística estuda o comportamento linguístico dos membros de
um grupo social e de como ele é determinado sócio-historicamente, por
meio das relações sociais, culturais e econômicas. Willian Labov é um
dos grandes precursores desses estudos.
UNIUBE 49

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

Você sabe quem é Willian Labov?

Figura 1: Willian Labov.


Fonte: Acervo EAD-Uniube.

Willian Labov, um dos precursores dos estudos sociolinguísticos, ocupou-


se com estudos voltados para a relação entre língua e sociedade, com a
intenção de sistematizar as variações existentes na língua falada por meio
de pesquisas que consideram fatores extralinguísticos, tais como classe
social, idade, sexo, escolaridade, entre outros, que pudessem demonstrar
a interdependência entre o conteúdo linguístico dos falantes e o meio social
em que vivem.

Para saber mais, leia o artigo “Reflexões acerca das contribuições de


LABOV”, de Camêlo (2018). Acesse:

https://webartigos.com/artigos/reflexoes-acerca-das-contribuicoes-de-
labov/16260#ixzz5OSwGObUd

Cabe, ao professor de Língua portuguesa, ensinar, aos alunos, o


conhecimento formal da língua e apresentar as possibilidades existentes
50 UNIUBE

de utilização dessa língua em diversas regiões do país, assim como


preconiza os estudos sociolinguísticos.

PONTO-CHAVE

É possível, ainda, fazer um trabalho interdisciplinar, mostrando a relação


existente entre a identidade linguístico-cultural de grupos que vivem no país
e as influências recebidas por esses grupos, sendo que podem surgir alguns
alunos que se identificam com esses valores.

Silva (2000) diz que a identidade é marcada pela diferença. Esse primeiro
conceito é pensado como um ato dependente do conceito de diferença,
pois só se pode afirmar “ser alguém” caso exista outro alguém que se
contrapõe ao primeiro (Figura 2).

Figura 2: Identidade marcada pela diferença.


Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube.
UNIUBE 51

Segundo o pesquisador, só podemos nos afirmar sermos “brasileiros


porque existem outros seres humanos que não são brasileiros” (SILVA,
2000, p. 75), por exemplo. Nesse viés, a diferença é uma prática
independente que simplesmente existe. Ainda segundo esse autor,
identidade e diferença estão em uma relação de estreita
dependência. A forma afirmativa como expressamos
a identidade tende a esconder essa relação. [...] Em
um mundo imaginário totalmente homogêneo, no qual
todas as pessoas partilham a mesma identidade, as
afirmações de identidade não fariam sentido. (SILVA,
2000, pp. 74-75).

Silva (2000) diz, então, que a relação entre identidade e diferença é de


pura dependência: a diferença não existe sem a identidade e ambas –
identidade e diferença – são produtos linguísticos de “instituições culturais
e sociais”.

Por fim, como aponta Coracini (2003), a visão de identidade, como algo
que se constrói a partir de certas características que tornamos comuns
em relação ao outro por meio do discurso, reforça a noção de homem
como ser que tem capacidades e sentimentos estáveis na sua própria
identidade, ou seja, sujeitos autônomos.

Partindo desse caminho, vejamos a discussão sobre a diferença na sala


de aula.

2.2 A discussão sobre a diferença na sala de aula

Nós somos a diferença... nossas identidades são as


diferenças das máscaras.
(FOUCALT, 1972)

É interessante refletir sobre os currículos e sobre a pedagogia adotados,


nos espaços escolares, que estão centrados não na diversidade, mas
52 UNIUBE

na diferença, que não se limitam a celebrar a identidade e a diferença,


mas questioná-las e problematizá-las. Por que essas problematizações
podem relacionar-se com o ensino e com a aprendizagem?

Silva (2000) aborda, em seus estudos, que a identidade é aquilo que é,


que é possível de se afirmar, concebida, na maioria das vezes, como
algo positivo, isto é, “aquilo que sou” – branco, negro, heterossexual,
homossexual etc.

Na mesma perspectiva, a diferença é concebida como algo independente,


porém pensando naquilo que o outro é: ela é negra, ele é branco, aquele
homem é heterossexual etc. Segundo o autor, a diferença é, nessa
perspectiva, concebida como uma autorreferência que remete e se opõe
a si e que simplesmente existe.

Mas, o que isso significa dizer?

Isso significa dizer que a identidade e a diferença estão numa relação


de dependência e que é, na sala de aula, na maioria das vezes, que ela
emerge. Isso é perceptível quando afirmamos a nossa identidade, pois
essa relação está intimamente implícita.
UNIUBE 53

Observemos a situação a seguir (Figura 3):

Figura 3: Eu sou brasileiro!


Fonte: Acervo EAD-Uniube.

Na situação acima, há um rapaz que, em um determinado contexto,


por alguma circunstância, diz: “Eu sou brasileiro!”. Nela, podemos dizer
que ele faz menção a uma identidade que se esgota por si própria:
sou brasileiro. Ainda, por meio do sinal de pontuação, marcado pela
exclamação, indica-se uma afetividade, um sentimento positivo.

Entretanto, só podemos chegar a conclusão de que somos brasileiros


porque existem outras pessoas que não são brasileiras e que denota, por
trás da afirmação, a diferença: “não sou argentino”, “não sou americano”,
“não sou inglês”.

Nessa perspectiva, Silva (2000, p. 75) ainda diz que:


Da mesma forma, as afirmações sobre diferença só
fazem sentido se compreendidas em sua relação com
as afirmações sobre a identidade. Dizer que “ela é
chinesa” significa dizer que “ela não é argentina”, “ela
não é japonesa”, etc., incluindo a afirmação de que “ela
não é brasileira”, isto é, que ela não é o que eu sou.
54 UNIUBE

Como já apresentado, a sala de aula é o espaço em que identidades e


diferenças emergem devido à grande heterogeneidade de pessoas em
um mesmo local, com pensamentos, ideologias, etc. Por isso, o professor
observa tais aspectos e conduz a formação e a constituição desses dois
aspectos – identidade e diferença - de forma mútua com, por exemplo,
atividades e linguagem adequadas ao contexto escolar.

Enquanto ato linguístico, a identidade e a diferença podem caracterizar


propriedades da linguagem em geral. Para Ferdinand de Saussure, “a
linguagem é um sistema de diferenças” (SILVA, 2000, p. 77).

Para Saussure, os signos que constituem uma língua não têm qualquer
valor absoluto, não constroem sentido isoladamente, mas em oposição.
Se considerarmos somente o aspecto material do signo (o sinal gráfico
“cadeira” por exemplo, ou o seu equivalente fonético), não há nada nele
que o remeta ao objeto conhecido como cadeira.

EXPLICANDO MELHOR

• A teoria do valor é um dos conceitos mais importantes


apresentados por Saussure.
• Grosso modo, essa teoria mostra que os signos linguísticos estão
numa relação diferencial e negativa entre si, dentro do sistema
de língua.
• Um signo só adquire valor quando ele está em oposição a outro,
na medida em que não é um outro signo qualquer: um signo é
aquilo que os outros signos não são.
• Exemplo: a diferenciação entre cão e homem. A característica
positiva “mamífero” não os distingue, mas a característica
“quadrúpede”, positiva no cão e negativa no homem, os distingue.
UNIUBE 55

Podemos afirmar, a partir do exposto, que nós, seres humanos, somos,


na maioria das vezes, governados pela estrutura da linguagem. Só
conseguimos analisar que há diferença pela oposição negativa que se
tem sobre alguma coisa.

Porém, nem sempre, essa oposição negativa é considerada como


prejudicial, pois é a partir dela que podemos apresentar nossos pontos de
vista sobre determinado assunto, argumentar sobre um fato, questionar,
formar opiniões, etc.

De acordo com Pardo (1996, p. 154),


Respeitar a diferença não pode significar “deixar que
o outro seja como eu sou” ou “deixar que o outro
seja diferente de mim tal como eu sou diferente (do
outro)”, mas deixar que o outro seja como eu não sou,
deixar que ele seja esse outro que não pode ser eu,
que eu não posso ser, que não pode ser um (outro) eu;
significa deixar que o outro seja diferente, deixar ser
uma diferença que não seja, em absoluto, diferença
entre duas identidades, mas a diferença da identidade,
deixar ser uma outridade que não é outra “relativamente
a mim” ou “relativamente ao mesmo”, mas que é
absolutamente diferente, sem relação alguma com a
identidade ou com a mesmidade (PARDO, 1996, p. 154,
grifo do autor).

Nesse caminho, os estudantes deveriam ser estimulados a observarem a


diferença e a respeitá-la abrindo o pensamento para novas possibilidades
e identidades, representadas pelas múltiplas linguagens que permeiam os
seres humanos. É, então, por meio da diferença que o professor poderá,
ainda, conduzir seu trabalho com ideais e valores mais humanitários,
atingindo a profundidade linguístico-cultural desejada.
56 UNIUBE

2.3 Processos identitários na formação do professor de


Língua portuguesa

Um objeto de estudo relativamente recente na área da Linguística


aplicada é em relação à formação do professor de língua materna.

De acordo com Kleiman (2006, p. 77), assim como aconteceu “na


constituição de outros objetos relacionados ao ensino e aprendizagem
de língua”, a perspectiva da LA é interdisciplinar, pois busca solucionar
os problemas de comunicação que ocorrem nas salas de aula e que
atrapalham o processo de ensino e de aprendizagem de língua materna.

Nesse viés, o novo objeto de estudo será a formação do professor e,


especificamente, a imagem ou a representação desse profissional.

O que isso significa dizer?

Isso significa dizer que o papel central de estudo, a partir de agora,


será como acontece a formação do professor de língua materna e
como há a constituição da imagem desse sujeito enquanto formador e
desenvolvedor dos conhecimentos linguísticos.

Vale lembrar que...

Por muitos anos, uma das grandes preocupações da Linguística aplicada


estava voltada para o estudo e resolução de problemas no processo de
ensino e de aprendizagem de línguas estrangeiras, não priorizando a
língua materna, neste caso, o português.

O objeto central, por anos, eram problemas relacionados à construção


gramatical e vocabular, a fim de que as produções textuais se
adequassem às práticas discursivas.
UNIUBE 57

Porém, o contexto focalizado, a partir dos anos 90, é a sala de aula e,


nesse contexto, “as abordagens interpretativistas são privilegiadas a
fim de entender os vários objetos que são, por sua vez, nesse contexto
construídos: as práticas de letramento, a interação em sala de aula, as
práticas discursivas do professor, a construção da identidade.” (KLEIMAN,
2001, p. 16).

Ainda nas palavras de Kleiman (2006), há uma


relação dialética entre a representação individual Dialética
de si, por meio da identidade, e a representação Contradição entre
que os outros têm do indivíduo, construindo princípios teóricos
ou fenômenos
uma ideia ou noção do outro, sendo identidades empíricos, ou seja,
reais.
e representações componentes identitários
importantes para observação do profissional e de
grupos sociais, por exemplo.

Por meio disso, a autora ainda apresenta que:


As práticas sociais que visam à socialização profissional
são elementos centrais na construção de identidades.
Em grande medida, as representações sociais do
professor podem ser traçadas nas práticas discursivas
das áreas acadêmicas voltadas para a formação do
professor, nos modelos teóricos enfatizados, nas
estruturas curriculares [...]. (KLEIMAN, 2006, p. 79).

Na citação, a autora mostra que, geralmente, o que é vinculado na mídia,


na impressa e nos discursos oficiais é que o professor de língua materna
deveria seguir uma prática voltada ao ensino da gramática normativa, ou
seja, das regras da norma culta, exclusivamente, porque precisamos de
pessoas que saibam ler e escrever com proficiência.
É papel importante do professor de língua materna
o de formar cidadãos para o trabalho e para a vida,
por isso ele precisa esforçar-se para identificar os
estilos encontrados no ambiente acadêmico, tentando
atender a demandas heterogêneas, tipos psicológicos
58 UNIUBE

variados, com cuidados e atenções específicas


dirigidas ao contexto de ensino e aprendizagem.
(CUNHA, 2010, p. 22).

Entretanto, como sabemos, o ensino de Língua portuguesa deve


privilegiar, também, outros aspectos importantes para o desenvolvimento
das competências e habilidades de leitura e escrita. Os alunos, na escola,
estão em processo de constituição identitária em um meio heterogêneo,
sendo o docente, na maioria das vezes, quem possibilita aos estudantes
enxergarem o mundo com outros olhos, seja por meio da leitura ou da
escrita de diferentes textos.

Nesse sentido, as representações sociais que se têm por originárias


desse processo de formação identitária do professor de língua materna,
na academia, podem orientar a prática pedagógica do professor.

De que forma?

Tentando desmistificar que os professores estão na posição de


detentores do saber, porque eles atingem um patamar superior: o
professor como mediador do processo de ensino-aprendizagem, o
professor como agente de letramento e, principalmente, como aquele
que auxilia no desenvolvimento da competência linguística, influenciadora
da construção da identidade de um cidadão pensante, crítico e reflexivo
quanto às situações do cotidiano.

2.4 O professor como mediador

O sujeito constrói seu conhecimento pelas interações sociais, mediadas,


no contexto escolar, pelo professor na construção do saber. Daí a figura
do professor como mediador do conhecimento.
UNIUBE 59

Nas palavras de Kleiman (2006, p. 80), “na


Sociointeracionismo
metáfora espacial cotidiana, o papel de mediador
O sociointeracionismo
– aquele que está no meio – não implica, como no é uma teoria de
aprendizagem com
sociointeracionismo, uma construção conjunta o foco na interação.
Segundo ela, a
do conhecimento; a metáfora da língua comum aprendizagem
nos fazer pensar naquele que exerce um papel acontece em
contextos
intermediário entre dois interessados numa históricos, sociais
e culturais. Assim,
negociação naquele que arbitra..” o conhecimento
real da criança é
o ponto de partida
para o conhecimento
Na relação de ensino e de aprendizagem, o potencial.
professor ocupará uma posição coadjuvante no
processo de ensino aprendizagem, haja vista que
o protagonismo deve ser do aluno como sujeito de conhecimento. O
professor orientará seus alunos nesse processo de aprendizagem, não
se apresentando como o único detentor do saber, mas como alguém
que reconhece o saber do aprendiz, oportuniza e promove o seu
desenvolvimento.

Além de mediar a aprendizagem, o professor mediador buscará


incentivar seus alunos para que desenvolvam uma atitude autônoma, isto
é, uma responsabilidade própria acerca dos estudos e da aprendizagem.

Para o educador Rubem Alves, a função de um professor é


instigar o estudante a ter gosto e vontade de aprender, de
abraçar o conhecimento.

Na concepção do ensino da escrita e o desenvolvimento dos hábitos de


leitura, os participantes da interação são potencialmente mediadores,
uma vez que mobilizam outras situações, outras práticas discursivas,
para que a aprendizagem aconteça. Um exemplo disso é a relação entre
adultos e seus professores, apontados por Kleiman (2000), em uma aula
de leitura.
60 UNIUBE

EXEMPLIFICANDO!

Como ouvir os alunos e exercer um papel de mediador?

Sempre, ao final das aulas, solicite, na última aula da semana, que, durante
o período sem aula, eles leiam algo que desperte interesse para que a leitura
seja contada a toda a classe.

Essa simples ação pode incitar o prazer pela leitura e, além disso, rompe
com um possível jogo de poder em que o professor esteja no papel principal
de transmissor de conhecimentos. Esse profissional, então, assume o papel
de mediador, objetivando a troca recíproca de informações e conhecimento,
podendo até ser o ponto inicial de um momento em que se trabalha variação
linguística, normas gramaticais e redação; tudo vai depender do contexto,
do assunto.

EXPLICANDO MELHOR

Para exemplificar ainda mais como podemos exercer um papel de mediador,


veja, a seguir, as ideias trazias por Kleiman (2006).
• [...] relatamos exemplos de interações entre
adultos e suas professoras em aulas de leitura
nas quais os adultos ainda não alfabetizados
contribuíram com interpretações que diferiam
tanto daquelas da crítica, quanto das escolares,
marcadas pela tradução escolástica, moralista.
• Num desses exemplos, que envolvia a leitura
do poema “Irene no céu”, de Manuel Bandeira,
os alunos sentiram-se à vontade para expressar
comentários racistas como se a leitura do poema
os autorizasse a expressar esse tipo de opinião,
em vez das opiniões genéricas, moralizadoras
sobre igualdade racial para as quais a professora,
desesperada com o rumo da interação,
tentava desviá-los. (KLEIMAN, 2006, p. 81)
UNIUBE 61

Como podem observar, na citação acima, há um exemplo prático de


como trabalhar um conteúdo interdisciplinar envolvendo a leitura de textos
literários, além de desenvolver, nos alunos, a capacidade de oralidade e
argumentação por meio da exposição das opiniões dos alunos a respeito
da temática.

Nesse processo de mediação, o professor deve saber ouvir seus


alunos, suas leituras, suas ideias, suas opiniões a fim de observar as
vozes reproduzidas em cada um dos discursos desses estudantes que,
geralmente, no contexto educacional, ficariam apagadas pela força que
o professor, em alguns casos, exerce sobre seus alunos, como figura
autoritária.

É interessante pensar que, nas aulas de língua materna, esse ouvir é


muito importante, pois é a partir dele que acontece a mediação. Como
apresentado, o professor, a partir das situações apresentadas, irá
descrever e ter um ponto de partida para suas aulas, por meio de uma
prática pedagógica voltada às necessidades dos estudantes.

Pensando agora em um momento voltado para a produção textual, o


professor exerce um papel de mediador ao identificar dificuldades reais
da fala ou da escrita a partir do momento de ouvir seus alunos.

Observe a seguinte situação hipotética:

Em uma sala de aula, o professor, ao perguntar qual escritor importante


da Literatura Brasileira foi pesquisado para aula, um grupo de alunos diz:
62 UNIUBE

Figura 4: Interações entre professor e aluno.


Fonte: Getty Images Acervo-EAD-Uniube.

A gramática normativa, nesta situação, caracterizaria como erro de


concordância, evidenciada pela expressão “a gente” indicar terceira
pessoa do singular e, nessa situação, o verbo deveria estar na primeira
pessoa do plural – “nós pesquisamos” - quando está na terceira pessoa
do singular: “a gente pesquisou”.

Para o professor mediador não haveria preocupação em taxar e/ou


caracterizar essa fala como certa ou errada, mas, sim, num segundo
momento, tentar determinar a distribuição social e contextual em que
pode ocorrer tal construção. Nesse caso, o professor poderia dizer “essa
marca linguística é da oralidade e está inadequada conforme a gramática
normativa, mas pode ser aceita em contextos informais. Geralmente, ela
é dita por pessoas que não têm um nível de escolaridade avançado ou,
ainda, como dito, é pronunciada em uma situação de comunicação em
que não requer atenção aos preceitos da norma culta, como em uma
roda de amigos em um bar.”

Para tal situação, Possenti; Ilari (1992, p. 13) indicam que a preocupação
deveria ser, “em primeiro lugar, em saber se ocorre sistematicamente
[essa construção] em pelo menos alguma região do país ou algum grupo
social; se for o caso, sua preocupação, então, será a de explicar por
qual conjunção de fatores morfológicos, sintáticos e semânticos essa
construção ocorre e ao lado de “a gente pesquisou” e “nós pesquisamos”.
UNIUBE 63

O professor poderia trabalhar com a variação linguística existente entre


os estados brasileiros, o preconceito linguístico com aqueles que chegam
a essas regiões que não “aceitam” a inadequação ou, ainda, o porquê do
produtor textual ter utilizado uma construção e não outra: quais foram as
condições de produção do texto, seja oral ou escrito?

SAIBA MAIS

Como forma de enriquecimento, sugerimos a leitura do livro:

KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: Teoria e Prática. Campinas, SP:


Pontes, 2000.

Neste livro, Ângela Kleiman apresenta o seguinte questionamento: quando


um professor de geografia solicitar do aluno a leitura de um texto de apoio,
ele poderá reforçar o trabalho do professor de português. O objetivo deste
livro é a interação disciplinar como forma de buscar melhores resultados no
ensino e prática da leitura na escola.

Vale ressaltar que a língua é dinâmica justamente por ser passível a


mudanças e existir diferentes modos de se comunicar, apresentando
variações sociocultural, geográfica, histórica e estilística.

a) Sociocultural: são as diversidades linguísticas relacionadas às


características sociais e culturais de cada falante: idade, profissão,
sexo, formação escolar, grupo social, etc. Ex.: gírias, jargões
(expressões de um determinado ramo de profissionais) etc.

b) Geográfica: são as diferenças encontradas nos modos de falar das


pessoas de diferentes locais. Ex.: no Sul, se diz penal. Em Minas
Gerais, se diz: estojo.
64 UNIUBE

c) Histórica: são as mudanças que ocorrem no decorrer do tempo.


Ex.: Nos anos 70, dizia-se que um determinado homem era um pão.
Hoje em dia, diz-se que ele é um gato.

d) Estilística: são as diferentes formas que um falante pode escolher


dependendo da situação em que ele se encontra. Ex.: Quando uma
pessoa está em uma reunião, ela vai usar um vocabulário mais
formal, diferentemente de quando está em um grupo de amigos e
os trata de modo informal.

IMPORTANTE!

Como existem muitas formas de se comunicar em uma mesma língua, é


importante não desprezar as diferentes variações! Se você maltrata ou
humilha alguém pelo modo de falar, isso se chama Preconceito Linguístico,
é algo errado de se fazer.

Assim, nessa situação, o professor mediador estará mobilizando outros


eventos, outros recursos, outras práticas sociais para ensinar e, além
disso, desenvolver a capacidade de observar os contextos em que não
é adequado utilizar tal construção; ainda, trabalhar com as concepções
da variação linguística e, principalmentem, de preconceito linguístico.

No próximo tópico, abordaremos o professor como agente de letramento.

2.5 O professor como agente de letramento

Uma das representações que o professor pode assumir é o agente


de letramento, pois é responsável pela inserção de seus alunos nas
práticas de letramento no contexto escolar.
UNIUBE 65

RELEMBRANDO

Relembramos que letramento é o “[...] resultado da ação de ensinar ou de


aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo
social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita.”.
(SOARES, 2014, p. 18).

O professor, como agente de letramento, tem uma responsabilidade


social, pois mobiliza os conhecimentos pertinentes aos processos de
ensino da escrita ou o desenvolvimento da leitura por meio de estratégias
ou práticas pedagógicas voltadas à realidade daquele contexto escolar.

O que acontece, na maioria das vezes, conforme Soares (2009), é


que muitas pessoas são alfabetizadas aprendendo a ler e a escrever,
porém não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita.
Segundo a autora,
não necessariamente adquirem competência para usar a
leitura e a escrita, para envolver-se com práticas sociais
de escrita: não leem livros, jornais, revistas, não sabem
redigir um ofício, um requerimento, uma declaração,
não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade
para escrever um simples telegrama, uma carta, não
conseguem encontrar informações num catálogo
telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz,
numa bula de remédio [...] (SOARES, 2009, p. 45-46).

É possível perceber que o letramento, nesse caso, opõe-se à


alfabetização, haja vista que o primeiro investiga não somente quem é
alfabetizado, mas, sim, todos que têm o domínio do código linguístico,
centralizando-se no uso social.

Em muitas escolas, as atividades de aprendizagem tornaram-se uma


obrigação para qualquer estudante, em qualquer nível de escolarização,
pois a função social que adquiriu é puramente para cumprir um protocolo,
isto é, uma imposição.
66 UNIUBE

O agente de letramento pode realizar uma atividade social de


mobilização dos conhecimentos pertinentes, “dos recursos, das
capacidades dos membros da comunidade: no caso da escola, seria
um promotor das capacidades e recursos de seus alunos e suas redes
comunicativas.” (KLEIMAN, 2006, p. 83).

O que isso quer dizer?

O ensino que visa à prática social apresenta atividades cujo objetivo está
na própria realização da tarefa de alcançar o sucesso do aprendizado e
não no cumprimento obrigatório de uma imposição.

PESQUISANDO NA WEB

Leia o artigo intitulado: “Letramento e construção de identidade na terceira


idade: um estudo de caso”, publicado por Vidomar Silva Filho, doutor em
Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e pela
professora da pós-graduação, da mesma universidade, Rosângela Hammes
Rodrigues.

O artigo teve como objetivo geral investigar a relação entre o letramento na


esfera literária e a construção da identidade de escrito, a partir do estudo de
caso com a Dona D., uma senhora idosa, que estudou somente os quatro
primeiros anos do Ensino Fundamental. Ela pretende, por meio dessa forma
literária, recuperar suas memórias e promulgar seu sentimento de estar
no mundo, tentando, também, a inserção em novos grupos sociais, isto é,
buscando uma identidade social, constituída discursivamente.

O artigo está disponível no seguinte link:

<http://www.scielo.br/pdf/ld/v12n2/a07v12n2.pdf>
UNIUBE 67

Os agentes de letramento, nesses casos, atuam como gente real,


atuantes no mundo social, organizando, articulando e interagindo com
interesses com o intuito de partilhar o aprendizado. Lembre-se de que o
letramento está relacionado com a prática de leitura e escrita de textos –
orais ou escritos – e como o sujeito apropriou-se de tais conhecimentos.

Para isso, é importante destacar alguns conceitos, tais como letramento


autônomo, letramento ideológico (ou momento ideológico de
letramento), prática, evento, agente e agência de letramento.
Vejamos, primeiramente, os tipos de letramento.

Veja a explicação detalhada de cada um deles.

O conceito de letramento autônomo está embasado pelos estudos de


Street (1984), que aponta esse modelo como um elemento que auxilia no
processo social e individual de desenvolvimento da leitura e da escrita,
isto é, está relacionado às habilidades processuais e individuais do
sujeito, nesse momento.

Em contraposição, há o modelo ideológico de letramento, que parte


do princípio de que o letramento é um conjunto de práticas sociais que
envolvem leitura e escrita, em geral, implicando princípios socialmente
construídos nos modos como as pessoas usam a leitura e a escrita
ligadas às concepções de conhecimento, identidade e modos de ser e
68 UNIUBE

estar no mundo. Nada mais é de como e quando as pessoas utilizam seus


conhecimentos de leitura e escrita, nos contextos sociocomunicativos.

Sobre os eventos e práticas de letramento,


ainda pautados na teoria desenvolvida por Street
Evento de fala
(1984) e também Kleiman (1995), o evento,
Tentativa de
um indivíduo depois de algumas discussões, está relacionado
compreender sinais
gráficos, ou seja,
a qualquer situação em que a escrita faça parte
a decodificação de integrante das interpretações de seus participantes
sinais.
e dos processos que os auxiliam nessa sua
interpretação, não sendo necessário que seu
participante seja alfabetizado. Nessa ideia de evento de letramento,
podemos relacionar a noção sociolinguística de evento de fala.

Quanto às práticas de letramento, essas podem ser consideradas como


práticas e concepções sociais discursivas, ligadas à cultura, sobre leitura
e escrita, que aplicam produção e interpretação de textos, tanto orais
quanto escritos, em situações específicas de interação, atribuindo sentido
às produções.

EXEMPLIFICANDO!

Vejamos uma situação considerada como prática de letramento. Vale lembrar


que as práticas de letramento são ligadas profundamente aos eventos de
letramento.

Veja o exemplo extraído das experiências de Street; Castanheira (2014, p. 259)


Ao examinar os significados da escrita para
moradores de um bairro da periferia de Belo
Horizonte, Castanheira explorou os conceitos
de práticas e eventos de letramento. A análise
comparativa de dados de dois estudos de caso
UNIUBE 69

desenvolvidos por ela, um realizado no final


da década de 1980 e outro vinte anos depois,
evidenciou como as práticas locais de letramento
estavam relacionadas a mudanças econômicas,
religiosas e educacionais ocorridas no contexto
brasileiro nas últimas décadas.

Mudanças ocorridas no campo da alfabetização


escolar foram evidenciadas pela análise
comparativa de um evento de letramento
comumente desenvolvido por crianças fora da
escola: a brincadeira de ‘aulinha’. Os eventos
‘aulinha’ observados nesses dois períodos possuem
características comuns: crianças usando lápis e
papel, escrevendo o que havia sido determinado por
outra criança que assumira o papel de professora.

Da mesma maneira que no estudo desenvolvido


por Street, para a compreensão dos significados
da escrita para os participantes desses eventos –
crianças que pertencem a diferentes gerações –, foi
necessário conversar com elas, ouvir o que falavam
umas com as outras e analisar o que escreviam
durante esses eventos. Assim, foi possível perceber
diferenças significativas nas situações observadas e
relacioná-las a mudanças ocorridas nas propostas
de alfabetização desenvolvidas pela escola nas
últimas décadas.

Em 1988, por exemplo, as brincadeiras de ‘aulinha’


envolviam a cópia do primeiro nome e do alfabeto,
além de exercícios para o treino da letra cursiva, ou
seja, atividades que privilegiavam a memorização e
o treino motor por meio da cópia.

Em 2009, brincar de ‘aulinha’ passou a envolver


algo bastante diferente, como o levantamento
de hipóteses relativas à escrita de palavras.
Nesse caso, após a observação de um conjunto
de desenhos de objetos variados, a ‘professora’
orientava seus ‘alunos’ a escreverem o nome
desses objetos ‘como soubessem’.
70 UNIUBE

Dessa forma, uma análise mais profunda dos


eventos de letramento ‘aulinha’ evidenciou que
eles estavam vinculados a concepções e princípios
distintos do como se aprende e se ensina a ler e a
escrever, ou seja, das representações das práticas
de alfabetização e letramento presentes nas escolas
e que se estendem para além dos muros da escola.

Nesse processo de apropriação do letramento, surge o conceito de


agentes de letramento, que são mediadores humanos que ajudam
a intervir no processo de aprendizagem sobre as práticas de leitura e
escrita.

Kleiman (2006) indica duas condições necessárias a esses agentes de


letramento, sendo, primeiramente, a de que devem “constituir-se de uma
ação coletiva, de acordo com os objetivos e interesses dos membros
daquela coletividade”; por conseguinte, “ser capaz de interagir com outros
agentes sociais, buscando ação conjunta” (SILVA FILHO; RODRIGUES,
2012, p. 524-525).

Já as agências de letramento são grupos sociais em que são


promovidos os eventos de letramento, isto é, os ambientes próprios para
a aprendizagem e desenvolvimento dos letramentos mediados pelos
agentes.

Nesse contexto, a representação de um agente de letramento concebe,


entende e analisa a realidade, a fim de auxiliar no processo de
apropriação e desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita como
instrumentos de ordem dominante.

Conforme Kleiman (2006, p. 88), o professor, como agente de letramento,


incorpora a especificidade dos saberes, pois negocia os significados
UNIUBE 71

possíveis, aprendidos nas práticas sociais das agências de letramento,


tentando criar uma autonomia, principalmente na sala de aula, de
concretizar o saber, mediado pelo sujeito que conduz a aprendizagem.

EXEMPLIFICANDO!

Vejamos uma situação, na sala de aula, em que o professor age como


agente de letramento. Na mesma ideia de Kleiman (2006), podemos imaginar
a seguinte situação: os alunos precisam escrever uma carta ao prefeito da
cidade solicitando um quebra-molas (ou lombada) em frente à escola, com
faixa de pedestres, para que eles possam atravessar de um lado para o
outro da rua sem perigo. A simples ideia de escrever tal documento, segundo
a autora, resulta em uma prática de ordem social, como “[...] telefonar
solicitando o nome das pessoas das empresas capazes de conceder a
solicitação, procurar os materiais adequados, negociar o que será dito, ajustar
o texto a modelos, fazer uma cópia legível, enviar por correio ou entregar
pessoalmente, aguardar respostas, ajustar o pedido às contrapropostas
da empresa, renegociar a solicitação” (KLEIMAN, 2006, p. 83).

O professor, como agente de letramento, visa desenvolver atividades sociais


que envolvam a língua(gem) de forma dinâmica, viva, real.

Então, é impossível pensar num professor, especialmente de Língua


portuguesa, que não seja mediador e agente de letramento, devido às
circunstâncias e pensamentos trazidos aqui.

2.6 Considerações finais

Neste capítulo, refletimos sobre conceitos importantes para a formação do


professor e que a maioria deles emerge dentro da sala de aula: identidade
e diferença. Vimos, ainda, como essa constituição da identidade pode
72 UNIUBE

refletir no atuar do docente, como professor de língua materna, que,


muitas vezes, ainda não se reconhece enquanto professor.

A identidade parece ser abstrata, mas se aplica nas situações concretas


do dia a dia quando deparamos com diversos questionamentos. Nesse
sentido, é interessante ressaltar a relevância desse professor se identificar
como participante no desenvolvimento da competência linguística,
principalmente no que se diz respeito ao ensino e à aprendizagem de
leitura e escrita e à apropriação da língua(gem).

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STREET, B. Literacy in theory and practice. Cambridge: CUP, 1984.


Capítulo
Possibilidades de
leitura: janelas para o
3
mundo e para a alma

Adriana Vaz Efisio Emanuel

Introdução
No trabalho que desenvolveremos neste capítulo, nosso foco
principal é a leitura.

Você, caro(a) aluno(a), se considera um bom leitor? Quando você


lê, utiliza alguma estratégia de leitura para melhor compreender o
texto? O que é ser um bom estrategista?

Para responder a essas perguntas, vamos, então, mergulhar no


mundo da leitura e nas competências necessárias para a leitura
de um leitor competente e crítico diante do mundo que o cerca e,
para tanto, propomos abordar o assunto a partir de três instâncias:

1. revisitar o conceito de alfabetização e letramento;


2. abordar a leitura de textos com múltiplas linguagens;
3. apresentar estratégias para este trabalho em sala de aula.

Revisitar o conceito de alfabetização é extremamente importante


para que você retome a ligação estreita entre a alfabetização e o
letramento. Esta é uma habilidade imprescindível para as diversas
possibilidades de leitura da realidade e do mundo. Abordar a
leitura de textos com múltiplas linguagens nos abre janelas para
76 UNIUBE

que possamos visitar as diferentes leituras com o olhar atento


e prazeroso. E, por fim, vamos juntos descobrir estratégias de
leitura que abrem um leque de oportunidades para uma prática
pedagógica que se destina ao ensino da leitura de maneira lúdica
e que busque seduzir todos os nossos alunos e, por sua vez,
abram suas janelas para o mundo que se lhes descortina.

Enquanto linguístas e professores de língua materna é crucial


que compreendamos todo o processo de desenvolvimento de
competência linguística do ser humano. Esse conhecimento nos
proporcionará a visão do todo, desde os primeiros exercícios
de leitura do aprendiz. Entender o movimento gradativo de sua
alfabetização e letramento significa ter subsídios para alçar e
desenvolver reflexões mais amplas em relação aos fenômenos
que ocorrem no desenvolvimento de sua competência linguística,
desde os primeiros anos até o Ensino Superior. Afinal, sabemos
que, muitas vezes, algumas lacunas de compreensão em
processos anteriores detêm nossos alunos quanto a avançarem
em suas reflexões, o que exige do professor a perspicácia de
identificar tais lacunas e atuar sobre elas.

Nessa trajetória utilizamos como aporte autores que referendam


os principais conceitos apresentados. Paulo Freire subsidia a ideia
de que compreender e realizar a leitura da palavra e a leitura do
mundo é um trabalho paciente, desafiador, persistente. Isabel
Solé discute a utilização de estratégias de leitura para interpretar
e compreender textos de maneira autônoma. Ângela Kleiman
mostra a leitura como um processo interativo em que o leitor utiliza
diferentes níveis de interação para que esse processo ocorra.
Marisa Lajolo discute, sobretudo, a prática da leitura na escola,
avaliando seus pressupostos e equívocos. Mary Kato possibilita a
discussão sobre os processos de aquisição da leitura.
UNIUBE 77

Contamos, ainda, com autores como Magda Soares, com


contribuições sobre alfabetização e letramento; Foucambert, que
apresenta um panorama dos avanços da ciência da educação em
leitura, e muitos outros que apresentam contribuições.

Objetivos
Ao final dos estudos deste capítulo, esperamos que você seja
capaz de:

• distinguir os principais aspectos relativos à alfabetização e


ao letramento e seu caráter multidisciplinar;
• construir subsídios teóricos consistentes sobre a leitura como
possibilidade de interação com o mundo;
• relacionar o fazer e os usos da leitura e da escrita nas
situações do dia a dia da sala de aula;
• identificar as possibilidades e estratégias pedagógicas para
a leitura de textos com múltiplas linguagens;
• analisar a relação entre o “ato de ler” e o “ato de ensinar a
ler” e a importância da sólida formação do professor como
mediador do processo de alfabetização.

Esquema
3.1 O conceito de alfabetização e letramento
3.2 A leitura de textos com múltiplas linguagens
3.3 A leitura executada em muitos atos
3.3.1 Ler espontaneamente
3.3.2 Ler na escola
3.3.3 Ler para conscientizar
3.3.4 Ler o universo on-line
3.3.5 Ler na televisão
3.3.6 Ler com recursos ilustrativos
78 UNIUBE

3.3.7 Ler as imagens


3.3.8 Ler as intenções
3.3.9 Ler com direito e prazer
3.4 Estratégias para a leitura de textos com múltiplas linguagens
3.5 Leitura todos os dias
3.5.1 Aspectos importantes no trabalho com leitura
3.6 Mobilizando habilidades para entender o texto
3.7 As possibilidades e necessidades de aprendizagem dos alunos
3.7.1 Estratégias de leitura para a compreensão das artes
visuais
3.7.2 A leitura de quadrinhos
3.7.3 A leitura do jornal
3.8 Dinamizando o processo de leitura: ideias para colocar a mão
na massa
3.9 Conclusão

3.1 O conceito de alfabetização e letramento

Muito antes de frequentar os bancos escolares, as crianças aprendem


a fazer a leitura de mundo, que, segundo Freire, “precede o mundo da
palavra” (1985, p. 11), pois aprendem em seus cotidianos diferentes
leituras necessárias à comunicação. Isso implica o respeito que o
professor deve ter a cada um de seus alunos e à diversidade de suas
capacidades de leitura.

PESQUISANDO NA WEB

O poema Aula de leitura, de Azevedo (2010), remete-nos às possibilidades


da leitura e seus efeitos na nossa vida.

Se você tiver curiosidade e quiser conhecer esse poema na íntegra, acesse o site:

http://tudosobreleitura.blogspot.com/2011/02/poema-aula-de-leitura.html
UNIUBE 79

Quando você lê, você constrói, em sua imaginação, as cenas


instigadas pelas palavras?
Você faz “leituras das imagens”?

Podemos fazer diferentes leituras das nuvens que se formam no céu.


Podemos atribuir vozes ao vento soprando, ou sentir a fragilidade das
folhas que caem ao chão – são leituras que remetem à forma como cada
um de nós compreende o mundo à sua volta.

Desde que nascemos, captamos, por meio dos sentidos, o mundo que nos
rodeia e, com ele, estabelecemos interações importantes, como: os sons,
cheiros, sabores, texturas, imagens de tudo que faz parte do universo
à nossa volta. Começamos, assim, o processo de leitura. Assim, a
visão contemporânea de leitura abrange múltiplas
linguagens, de modo que o ato de ler, em toda a sua
complexidade, cada vez mais assume uma importância
singular. Antes mesmo de ser “alfabetizada”, a criança
já é capaz de “fazer leituras” do que acontece ao seu
redor, de interpretar o olhar dos adultos e entender se
um gesto é acolhedor ou não. (BENITES; RODRIGUES,
2008, p. 9).

Paulo Freire refletiu sobre isso ao longo de sua obra, afirmando que,
antes de ler palavras, lemos o mundo, pois segundo ele,
[...] se antes os textos geralmente oferecidos como
leitura aos alunos escondiam muito mais do que
desvelavam a realidade, agora, pelo contrário, a
alfabetização como ato de conhecimento, como ato
criador e como ato político é um esforço de leitura do
mundo e da palavra. (FREIRE, 1999, p. 30).
80 UNIUBE

E a leitura requer um trabalho pedagógico que privilegie os aspectos:

Para falar em leitura, remetemos à definição de texto:


como o próprio nome sugere, o texto deve ser
entendido como um tecido que abriga um conjunto de
marcas textuais sob as quais emerge a intencionalidade
do autor, as quais são significadas pelo leitor... É preciso
considerar o mundo como um texto universal e os
textos oferecidos em diferentes suportes e em múltiplas
linguagens, do livro à tela, como objetos do ato de ler.
(RÖSING, 2009, pp. 16-19).

A leitura se faz num mundo de códigos, entre eles o código linguístico


verbal e não verbal, em que só quem tem acesso é quem tem a chave, a
senha. Daí a necessidade de traduzir esses códigos para nos inserirmos,
nos incluirmos, no mundo, nos fazer entender e compreender o outro.

Veja o caso dos usuários do banco eletrônico que precisam saber seu
código secreto para acessar sua conta. Caso a tenham esquecido, será
negado a eles o acesso ou, se o cartão cair em mãos inescrupulosas,
sua senha continuará em segredo. A senha é o código para decifrar o
UNIUBE 81

caminho, assim como nas múltiplas linguagens que circulam nos meios
sociais. Descobrir a senha, no caso o código linguístico, é descortinar
um mundo de possibilidades de comunicação e de interpretação.

Nos diferentes contextos sociais são utilizadas Letramento

múltiplas linguagens que exigem o aprendizado É o produto de um


processo contínuo
de regras de como a língua funciona e, também, que, além de
alfabetizar (ensinar
de como empregá-las na diversidade desses a ler e a escrever),
torna o indivíduo
contextos, exigindo muito além da alfabetização, capaz de fazer o
isto é, exigindo que os sujeitos sejam letrados. O uso social da língua
e de transitar e se
processo de letramento é contínuo e está ligado comunicar com
desenvoltura nas
às inúmeras leituras que o mundo moderno nos diversas práticas
sociais que
apresenta. envolvem a língua
escrita.

PESQUISANDO NA WEB

Há uma linda imagem intitulada Written Words, de Rob Gonsalves, que nos
remete às possibilidades que as escritas nos oferecem.
Caso tenha oportunidade e interesse, vale a pena visitar o site:

<http://www.sapergalleries.com/Gonsalves_WrittenWorld.jpg>

Ao observarmos a imagem da obra de Rob Gonsalves, podemos captar


a sua intencionalidade em representar a capacidade que o letramento
nos propicia de ver outros “mundos” por meio da leitura – portas e janelas
abertas para o mundo.

A leitura e a escrita se constroem no entrelaçamento da leitura de mundo


e da palavra e, na prática pedagógica, devemos explorar o conhecimento
que as crianças têm da língua a partir do resgate do repertório cultural
delas e de suas famílias, da leitura e escrita de diferentes textos – o papel
de sujeito na e pela linguagem.
82 UNIUBE

AGORA É A SUA VEZ

Imagine a situação.

Uma professora alfabetizadora, todos os dias, entra em sua sala e se


questiona sobre sua prática, que tem como desafio a tarefa de propiciar
e construir, coletivamente com suas crianças, a alfabetização de cada dia.

Entretanto, só conseguimos nos aproximar do questionamento da prática a


partir de outra questão, mas que pode potencializar a reflexão: que sentidos
estão sendo construídos com e na prática de alfabetização? Ou seja, para
que alfabetizar?

Você saberia responder a essa pergunta?

Para prosseguir com segurança, procure se lembrar dos principais aspectos


que já estudou nos capítulos anteriores sobre alfabetização e letramento e
faça uma reflexão, em seu caderno, respondendo a esses questionamentos.

Certamente, podemos dizer: é necessário alfabetizar para ser leitor,


para se apropriar da escrita e das leituras de “mundo” com autonomia,
criatividade, para vivenciar a leitura e a escrita com seus múltiplos
saberes e sabores. Sim, sabores porque implica gosto.

Essa resposta é complexa e devemos encaminhá-la à questão do


letramento. O termo “letramento” é empregado há pouco tempo no campo
do ensino da leitura e da escrita. “Literacy”, do inglês, traduzido no Brasil
por “letramento”, é apresentado, por Magda Soares, no livro Letramento:
um tema em três gêneros (2001), que explica que alfabetização e
letramento são duas ações que possuem elementos comuns, porém
diferentes quanto ao objetivo final.
UNIUBE 83

Ambas envolvem habilidades de leitura e de escrita,


mas a alfabetização restringe-se a ter aprendido a ler
e a escrever, a usar o código linguístico, enquanto o
letramento implica fazer uso dessas duas habilidades
e com elas interagir no meio social onde vive. Portanto,
um leitor alfabetizado não é o mesmo que um leitor
letrado, apesar de o inverso ser verdadeiro. Um sujeito
letrado “usa socialmente a leitura e a escrita, pratica
a leitura e a escrita, responde adequadamente às
demandas sociais de leitura e de escrita”. (SOARES,
2001, p. 39-40 apud RAMOS; PANOZZO; ZANOLLA,
2008, p.9).

Para Tfouni, (1995, p. 20) a alfabetização se ocupa da aquisição da


escrita por um indivíduo ou grupo. O letramento vai além dessa
dimensão, pois abrange aspectos socio-históricos da apropriação de
um sistema criado e utilizado por uma sociedade. Um indivíduo letrado
não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais
que envolvem a escrita e a leitura.

AGORA É A SUA VEZ

E então? Percebeu a diferença entre alfabetização e letramento?


84 UNIUBE

O letramento é um desafio do cotidiano que está para além do saber


ler e escrever, mas que indica um uso diferencial da leitura e da escrita.
Se o processo histórico que faz emergir o conceito
de letramento aponta para a insuficiência do termo
alfabetização na abordagem da leitura e escrita devido
a sua complexidade e multiplicidade, o letramento
apontaria para o desenvolvimento dos usos sociais da
leitura e escrita, indo para além do domínio do código.
(FRANGELLA, 2010, p. 1).

E apropriar-se da escrita implica compreensão do uso da escrita,


nos usos sociais e exploração-produção de textos, da escrita em sua
plenitude.

RELEMBRANDO

Os usos sociais da língua na escrita e/ou na oralidade, como o próprio termo


explicita, ocorrem quando usamos a língua em situações sociais, seja no
bate-papo com os amigos, seja quando vamos pedir uma orientação no
banco, seja na escola ou no trabalho, etc.

Figura 1: Usos sociais da língua.


Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube.

Enfim: o uso social ocorre sempre que usamos a língua para interagir em
sociedade, seja em nossa casa ou fora dela!!!
UNIUBE 85

A criança aprende a língua materna, num primeiro momento, a partir


dos usos sociais que ela faz da linguagem, desde o contato com
sua mãe e com seus primeiros interlocutores. Assim, fica evidente
a identificação de um processo de aquisição e domínio gradual da
língua em função do contato mais frequente com ela. O conceito de
letramento nos permite reinventar as práticas cotidianas do alfabetizar.
Não pensando no letramento como superação da alfabetização, mas em
complementaridade ao processo.

PONTO-CHAVE

Asseveramos a importância de ensinar não só a ler e escrever, mas ensinar


os usos que fazemos da leitura e escrita, ampliando as possibilidades
no diálogo intenso com diferentes produções, diferentes gêneros textuais,
dando, de fato, espaço para que a leitura e a escrita se façam presentes
dentro da escola, o que significa também romper com a ideia de que esse
espaço se dá apenas nas aulas de língua. Afinal, o professor de história, o
professor de geografia, o de ciências, também lidam com os discursos dos
aprendizes, não é?

É importante ressaltar que somente por imersão em situações de


letramento as crianças não aprenderão a ler e escrever. Por isso,
é preciso compreender neste momento a importância do papel do
professor mediador no processo de alfabetização, ou do contrário
corremos o risco de descaracterizar e distorcer a prática do letramento.

É preciso crer na capacidade criadora da criança e na


construção de conhecimentos, mas isso não implica uma postura
de, apenas, deixá-la descobrir sozinha, mas, sim, precisamos
pensar em estratégias, em atividades significativas, que possam
ser desenvolvidas nesse processo. Como seres sociais imersos
na linguagem, estamos sempre interagindo. E essa interação se
dá com uma língua viva, dinâmica, múltipla, cheia de sabores
e saberes, que precisa ser provada, gostada, sentida, vivida.
86 UNIUBE

O olhar vislumbra, no cotidiano, um mundo cheio de músicas, histórias,


textos, notícias, brincadeiras na e pela linguagem, por isso, vale
explorarmos o conhecimento que as crianças já têm da língua e, assim,
construir pontes para que este seja ampliado. Observe que, dessa forma,
elas aprendem a ler lendo, a escrever escrevendo, sem simulação, mas
assumindo o papel de sujeito na e pela linguagem.

EXEMPLIFICANDO!

As atividades que envolvem a leitura e a escrita nos remetem aos usos


sociais que delas fazemos. Especialmente, na prática pedagógica, podemos
lançar mão, de forma lúdica, do repertório sociocultural e das tradições e
construirmos novos saberes incorporando quadrinhas, músicas, poesias,
narrativas, imagens, lendas, brincadeiras, cantigas de roda, parlendas,
trava-língua, que são pesquisadas e trabalhadas no cotidiano. Esse viés
possibilita o diálogo com e na leitura e escrita.

Os exemplos de textos (Figuras 3 a 7), a seguir, podem ser trabalhados na


sala de aula:

Figura 3: Brincadeira. Figura 4: Canção.


UNIUBE 87

Figura 5: Receita. Figura 6: Cantiga.

Figura 7: Trava-língua.

Um trabalho possível pode ser o da paródia, ou seja, uma releitura engraçada


que é parecida com a obra original, para observar se os alunos conseguiram
identificar o tema, a ideia central do texto.
88 UNIUBE

Figura 8: Lendo receitas.

A Figura 8 apresenta uma leitura da receita de doce de batata doce, da


qual derivou um poema que trata sobre o assunto. A partir dele, houve a
possibilidade de, então, pensar a respeito de como é feito, então, um doce
do alimento.

Tomemos como exemplo a atividade com cantigas de roda e de ninar


como uma estratégia para trabalhar a leitura com crianças menores, que
mesmo sem saber ler (convencionalmente), leem e se colocam no papel
de leitores dos textos recorrendo ao repertório oral e cultural.

PESQUISANDO NA WEB

Você se lembra das brincadeiras de rodas com cantigas?

São aquelas brincadeiras em que a canção está associada ao movimento,


geralmente em formação circular. Crianças, de mãos dadas, giram todas
para o mesmo lado. Tradicionalmente são ensinadas pela família e por
amigos, em momentos informais e de lazer, em seu dia a dia.
UNIUBE 89

Chico Buarque e Edu Lobo compuseram uma linda ciranda intitulada


Ciranda da bailarina. Esse texto é um rico material para trabalhar com
crianças, para instigar o humor, a percepção das rimas, a empatia, entre
outras questões.

Se tiver curiosidade, acesse o site:

http://letras.terra.com.br/chico-buarque/85948/

Divirta-se!

Essa estratégia nos faz refletir sobre os materiais e leituras utilizados na


alfabetização. A utilização de cantigas de roda e de ninar, as brincadeiras
com adivinhações e a lenga-lenga rompem com a dicotomia entre “textos
para ensinar a ler” e os textos que se dão a ler. Essas atividades de
conhecimento popular são significativas, pois remetem nossos aprendizes
às diversas experiências socioculturais que os tornam vivos, dinâmicos,
repletos de possibilidades de leitura para além da decodificação: leitura
do mundo, das trajetórias diversas, de experiências plurais que são
partilhadas.

As crianças aprendem a ler e a escrever na medida em que agem e


pensam, envolvidas na atividade de ler escrever. Estabelecem relações,
põem seus conhecimentos em jogo e agem. O papel do professor é agir
como mediador propondo atividades significativas e desafiadoras em
que as crianças, ao realizá-las, questionem suas certezas, comparando,
refletindo e elaborando novas hipóteses acerca da leitura e escrita.

Ressaltamos aqui o papel do outro como mediador que dialoga, que


confronta e que age conjuntamente, não faz pela criança, mas com ela.
Vale destacar que essa mediação não é só feita pela professora, mas
também nas relações criança-criança (Figura 9).
90 UNIUBE

Figura 9: Trabalho em grupo, com a mediação do professor.


Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube.

Assim, é importante propor situações de trabalho em conjunto, em duplas


ou grupos até maiores em que os conhecimentos diferentes que cada
um possui são postos na mesa e confrontados, discutidos, ampliando
as possibilidades de todos. Vygotsky (1991) nos ajuda a pensar sobre a
importância desse trabalho cooperativo quando explica o que chamou
de zona de desenvolvimento proximal.

É de suma importância a realização de atividades que permitam o


desenvolvimento das diferentes estratégias de leitura, que nos permitam
conhecer os caminhos percorridos por cada um na construção da leitura
e escrita. Conhecedores das hipóteses e conhecimentos das crianças,
temos em mãos um rico material para construirmos possibilidades de
intervenção qualificada e planejar situações pertinentes ao momento e
que permitam o desenvolvimento desse processo. Sabemos que essa
não é uma construção linear, que se dá de uma vez por todas e igual para
todos, mas em que se percebem os avanços e conquistas de cada um.

O objetivo é alfabetizar letrando, ou seja, que a criança esteja imersa


num contexto em que práticas sociais de linguagem sejam efetivamente
UNIUBE 91

vividas. Há também o trabalho específico voltado para a construção do


conhecimento sobre e com a língua escrita. Não se trata de hierarquizar
os momentos, mas fazê-los entrelaçados no cotidiano escolar.

As crianças, nas atividades lúdicas, recorrem à oralidade, pelo fato


de saberem de memória o texto apresentado. As intervenções feitas
problematizam a leitura exigindo dos aprendizes a busca por outras
estratégias de exploração do texto; dessa forma, há o investimento em
proporcionar atividades contextualizadas e significativas sem perder de
vista a especificidade da alfabetização e das questões que envolvem a
aprendizagem da escrita: percepção das regularidades e a consciência
fonológica, explorando as rimas, aliterações etc, para o trabalho com a
alfabetização.

3.2 A leitura de textos com múltiplas linguagens

O sentido da palavra texto vem de “tecer”, sendo assim podemos dizer


que o texto é algo tecido com palavras, é uma unidade significativa. Para
compreender e produzir textos, precisa-se da competência linguística
textual. Preparar para aprender a ler é, principalmente, despertar o
desejo, a vontade de ler. Crianças acostumadas a ouvir histórias lidas em
voz alta aprendem aos poucos sobre sintaxe e sobre léxico (vocabulário)
da língua escrita.

O conhecimento prévio necessário à leitura é um elemento preponderante,


pois é o caminho para a compreensão do texto, envolve, ainda, o que se
sabe acerca da linguagem e da própria leitura: saber como os textos se
organizam e que características têm, saber para que servem os títulos
etc. Entender que não é preciso conhecer o uso de todas as palavras
para compreender uma mensagem escrita é tão importante para a leitura
como ter intimidade com o conteúdo tratado. O “fácil” e o “difícil” de ler
têm a ver com tudo isso.
92 UNIUBE

A leitura pressupõe um processo de comunicação, em que produtores


de sentidos dialogam e interagem com textos, de diferentes extensões,
espessuras, gêneros, significados e estilos, modificando-os e
modificando-se. Como vimos, os alunos aprendem a ler participando de
atividades de uso da escrita junto com pessoas que dominam já esse
conhecimento.

Todos que leem o fazem para atender a uma necessidade pessoal: saber
quais são as notícias do dia, que novidade a revista traz, qual é a receita
do prato, como montar um equipamento, quais as regras de um jogo,
obter novos conhecimentos, aprender os encantos de um poema ou
as emoções de um livro de aventuras, ler instruções em um manual,
observações quanto às orientações contidas na bula de um medicamento.

A leitura é um processo de compreensão e interpretação do texto, a


partir dos conhecimentos do leitor sobre o assunto, sobre o autor, sobre
o gênero e, para tanto, não decodifica palavra por palavra, mas lança
mãos de estratégias de leitura que o habilitam a compreender, comparar
e certificar-se.

AGORA É A SUA VEZ

Tente se lembrar de como são os momentos em que você lê. Descreva e


narre as situações de leitura que vivencia. Socialize com seus colegas.
Em que momentos você lê?

Esperamos que neste momento de reflexão tenha percebido que lemos


constantemente, pois estamos inseridos em ambientes cujas práticas
sociais demandam comportamentos letrados para o desenvolvimento de
atividades básicas até as mais complexas, que dependem de saberes
específicos relacionados à leitura.
UNIUBE 93

A prática constante de leitura na escola pressupõe o trabalho com a


diversidade de objetivos, modalidades e textos que caracterizam as
práticas de leitura de fato. Diferentes objetivos exigem diferentes textos
e cada qual, por sua vez, exige um tipo específico, uma modalidade de
leitura.

Há textos em que a leitura de algumas partes, ou uma leitura casual


nos fornece a informação necessária; em outros, precisamos ler
exaustivamente, por várias vezes. Há textos que podem ser lidos
rapidamente, mas outros devem ser lidos devagar.

EXEMPLIFICANDO!

Observe o gênero textual bilhete (Figura 10).

Figura 10: Bilhete.


Fonte: Acervo EAD-Uniube.
94 UNIUBE

Como pode observar, esse gênero textual possui uma mensagem simples
e breve. Normalmente é escrito em pequenos papéis e enviados para
pessoas com quem o interlocutor tem um grau de afetividade, familiaridade
ou intimidade. Sendo assim, o bilhete utiliza uma linguagem coloquial. Tem
como função comunicativa informar algo.

Há leituras em que é necessário controlar atentamente a compreensão,


voltando atrás para se certificar do entendimento; outras em que é
possível seguir adiante sem dificuldade, entregue apenas ao prazer de ler.
Há leituras que requerem enorme esforço intelectual
e, a despeito disso, dão vontade de ler sem parar;
em outras, o esforço é mínimo e, mesmo assim, dá
vontade de deixá-las para depois. Para tornar os
alunos bons leitores – para desenvolver, muito mais
do que a capacidade de ler, o gosto pela leitura e um
compromisso com ela –, a escola precisa mobilizá-los
internamente, pois aprender a ler (e também ler para
aprender) requer esforço. (BRASIL,1997, p.57).

Na obra Estratégias de leitura, Isabel Solé tem a leitura numa


perspectiva interativa, segundo a qual escreve:
A leitura é o processo mediante o qual se compreende
a linguagem escrita. Nesta compreensão intervêm
tanto o texto, sua forma e conteúdo, como o leitor,
suas expectativas e conhecimentos prévios. Para ler
necessitamos, simultaneamente, manejar com destreza
as habilidades de decodificação e aportar ao texto
nossos objetivos, ideias e experiências prévias. (SOLÉ,
1998, p. 23).

Segundo Goulart (1999, p. 103), existem diferentes objetivos e tipos de


textos. Nesse sentido, elaboramos o esquema, a seguir, para entendê-
los melhor:
UNIUBE 95

PARADA PARA REFLEXÃO

E os professores que leituras fazem?


• Leem por opção?
• Leem como uma alternativa de lazer?
• Leem por prazer?
• Leem para ampliar informações?
• Leem para aprender, para obter orientação?
• O que têm lido ultimamente?

Vocês devem ter percebido que os professores são mediadores em


sala de aula e, portanto, responsáveis por ler e compartilhar diferentes
portadores de texto, para que seus alunos conheçam os referenciais de
leitura e possam adquirir gosto e hábito em ler. Dessa maneira, formam
o sujeito ativo da aprendizagem, capaz de agir sobre o conhecimento,
apropriando-se do objeto a ser apreendido.
96 UNIUBE

O estudo desse problema gera algumas perguntas:

Não há uma só resposta a essas perguntas, entretanto poderemos


encontrar pistas para elas quando observamos as práticas que têm se
efetivado nas salas de aulas e as atitudes de leitor do professor. Veja a
seguir, as possibilidades que o professor tem como alguém que ensina
a leitura.

3.3 A leitura executada em muitos atos

As propostas de leitura apresentadas de maneira eficiente contribuem


para que o leitor conquiste a automonia e segurança ao perpassar os
diferentes textos, pois
Ler significa ser questionado pelo mundo e por si
mesmo; que certas respostas podem ser encontradas
na escrita; é poder ter acesso a essa escrita; é construir
uma resposta que integre parte das novas informações
ao que já se é. [...] um poema ou uma receita, um jornal
ou um romance provocam questionamentos, exploração
do texto e respostas de natureza diferente; mas o ato de
ler, em qualquer caso, é o meio de interrogar a escrita e
UNIUBE 97

não tolera a amputação de nenhum de seus aspectos.


(FOUCAMBERT, 1997, p. 5)

Um bom texto deve propor questões, sugerir pensamentos, instigar,


levantar dúvidas: “mexer” com o leitor, para que ele se deixe seduzir e
enredar nas malhas da fantasia e da imaginação. As amarras de leituras
forçadas tiram toda a naturalidade do processo, além de impedir um
vínculo positivo com a leitura.

Podemos criar muitas oportunidades pedagógicas para que as múltiplas


leituras que se descortinam em nosso cotidiano sejam percebidas pelos
alunos de forma consciente e crítica.

3.3.1 Ler espontaneamente

O aprendizado da leitura contribui para que os aprendizes construam


uma postura crítica diante das informações obtidas nos textos, para
que sejam capazes de analisar as mudanças históricas e os avanços
tecnológicos do nosso mundo acelerado
98 UNIUBE

Vivenciar a leitura de um livro, ver um filme, admirar esculturas e os


fenômenos naturais ou visitar uma exposição de arte são oportunidades
fascinantes para a construção de uma postura leitora diante das
informações. O trabalho com linguagens deve levar em consideração as
formas próprias de cada sujeito se apropriar da realidade, das releituras
que faz e do reconstruir de novas hipóteses sobre os gestos, os sinais
e os signos.
O professor deve dar oportunidade para que o aluno,
mesmo que não saiba ler nem escrever, crie símbolos
para o seu crachá, para a lista de chamada, pois assim,
aprenderá que o mundo pode ser representado de
diferentes formas, favorecendo múltiplas formas de ser,
dizer e sentir, de expressar-se.

Considerando-se num sentido amplo, os homens


leem o mundo a partir de circunstâncias históricas e
experiências vivenciais que não se limitam a certos
procedimentos técnicos ou teóricos ensinados na
escola. É verdade que a escola tem buscado reforçar
uma ou outra leitura do mundo, tendendo a preferir
aquelas ajustadas aos valores da classe dominante.
(BOZZO, 2007, p.5).

É preciso ter claro que o desenvolvimento de competência para a leitura


implica contribuir no sentido da formação cidadãos plenos, trabalhando
no limite máximo das possibilidades do aluno.

3.3.2 Ler na escola

A leitura prazerosa garante bons frutos na formação das crianças, para


que trilhem caminhos que lhe assegurem o acesso a todas as formas de
comunicação e produção de conhecimento.

É bastante importante reconsiderar o uso que se faz das bibliotecas


escolares. Muitas vezes, são vistas como depósitos de livros, ao passo
que devem ser encaradas como ambiente inovador e dinâmico de
UNIUBE 99

leitura de mundo. O domínio e a prática de processos de leitura são


requisitos essenciais para o sucesso acadêmico de qualquer estudante,
em qualquer disciplina e também nas suas relações de mundo.

Poucas vezes, o professor se preocupa em incentivar a leitura de livros


com objetivos diversos ao de apenas ensinar um conteúdo, deixando
de se preocupar se ela despertou ou não o interesse do aluno naquela
leitura.

EXEMPLIFICANDO!

Uma história, por exemplo, que pode ser contada no Ensino Fundamental,
é A minhoca sem nome (MACHADO, 1998), que fala sobre uma minhoca
sem identidade – não tinha nome.

Pense: além de oportunizar o prazer de ouvir e ler a história, quais outros


aspectos podem ser explorados em sala de aula?

Observe que podemos relacionar fatores como a identidade das pessoas


e as maneiras de serem reconhecidas socialmente, os documentos de
identidade, a árvore genealógica de cada um e muitos outros aspectos que
traduzem as práticas sociais.

A leitura como ato cultural deve levar em consideração que os textos e as


histórias selecionadas atendam às diferentes idades, sejam inteligíveis e
despertem nos discentes a curiosidade pelo livro.

Os alunos incorporam a importância da leitura manuseando livros e


textos, observando o ambiente da sala de aula organizado para esse fim;
fantasiando os personagens; assim quando o professor utiliza máscaras,
fantoches ou cartazes para a contação de história, elas internalizam
uma relação prazerosa com o ato de ler. No cotidiano escolar a adoção
100 UNIUBE

de estratégias como jogos e dinâmicas é indicada para despertar a


curiosidade e estimular o desejo de ler, como uma motivação inicial.

PARADA PARA REFLEXÃO

As cartilhas ainda têm sido usadas como recurso para a alfabetização,


apresentando um universo de leitura bastante restrito, muitas vezes sem
sentido com aquilo que se precisa aprender: a leitura é um instrumento vital
para a trajetória escolar e para a apropriação das práticas sociais, fazendo
com que o sujeito compreenda o contexto e a si mesmo como elemento
desse mesmo contexto.

A sala de aula como ambiente alfabetizador e de letramento deve


privilegiar registros de todas as formas de linguagem que vão sendo
construídos na medida em que os assuntos são apresentados: cartazes
com os títulos dos livros que foram e serão lidos; cartazes indicativos de
horários, datas, nomes dos alunos; desenhos que ilustram as histórias,
preferencialmente feitos pelos discentes; folders educativos, combinados
entre a turma e o professor e os outros textos produzidos coletivamente.

As famílias podem ser grandes aliadas quando participam e


compreendem a importância dos livros para a formação de seus filhos,
além de demonstrarem aprovação pelo trabalho escolar.

3.3.3 Ler para conscientizar

A compreensão da importância da leitura perpassa pela própria formação


dos educadores. Ela é necessária para que valorizem a importância de
cultivar o prazer da leitura nos aprendizes, desde a mais tenra idade,
como o caso de educadores que têm vivenciado experiências profícuas
em instituições de educação infantil e escolas de Ensino Fundamental.
Para isso precisam ser orientados na escolha dos livros, lendo entrevistas
com escritores, resenhas, comentários críticos, dicas de lançamentos.
UNIUBE 101

PESQUISANDO NA WEB

Prova disso, é a experiência exitosa da professora Creuza Prates Galindo


Soares, no berçário municipal Mãe Cristina, em Marília, interior de São
Paulo, com o projeto que batizou de “Meu Broto de Leitura”. O projeto
consiste na leitura de histórias, contos e poesias para bebês.

O projeto envolveu, muitas vezes, os próprios pais que foram apresentados


aos livros por causa do programa. Além disso, fortaleceu os vínculos entre os
bebês e os pais e, também, os vínculos com a escola. O trabalho de Creuza
é mais relevante quando se considera que suas crianças pertencem a uma
comunidade em que os pais – em sua maioria, vigias, operários etc. – não
têm acesso facilitado ao mundo das páginas impressas.

Vale a pena conferir a experiência no endereço:

http://tudosobreleitura.blogspot.com/2010/06/projeto-meu-broto-de-leitura-
no.html

O trabalho de leitura desenvolve a sensibilização da consciência, expande


a capacidade e interesse de analisar o mundo e deve ser visto de modo
global e complexo. Para tanto, é fundamental ter o conhecimento prévio
do assunto a fim de facilitar o uso de estratégias adequadas para a
compreensão do texto.

3.3.4 Ler o universo on-line

A tentativa de modernizar ou repensar a educação tem sido feita pela


introdução de computador na escola, pois ele apresenta recursos
importantes para auxiliar o processo de transformação do aprendiz, a
criação de ambientes de aprendizagem que enfatizam a construção de
conhecimentos.
102 UNIUBE

O computador, especialmente, a Internet é hoje um


grande amigo dos professores e das bibliotecas,
permitindo acesso muito mais rápido aos mais diversos
acervos. É a partir da Internet que o aluno poderá
acessar o mundo da palavra segundo o qual nossas
escolas nos educaram, mas também ao inusitado
contexto de imagem, entendido para muito além das
meras ilustrações daquilo que está escrito.

Quando uma escola se conecta à Internet, um novo


mundo de possibilidade se abre diante de alunos e
professores a partir de uma infinidade de livros e sites
aos quais se pode ter acesso; de uma nova realidade
de conceitos, representações e imagens com as quais
o aluno passa a lidar e que vão ajudar a desenvolver
outras habilidades, capacidades, comportamentos e
até processos cognitivos que a escola tradicional não
previa.

[...] a Internet disponibiliza um amplo acervo que


pode ser facilmente manipulado, visando enriquecer
os processos educativos, apoiando tanto a educação
formal quanto a informal. A tecnologia de redes de
comunicação modifica profundamente o conceito de
tempo e espaço. É possível morar em um lugar isolado
e estar sempre ligado aos grandes centros de pesquisa,
a grandes bibliotecas, aos colegas de profissão e a
inúmeros serviços, realizando boa parte do trabalho
particular ou profissional sem sair de casa. (BOZZO,
2007, p. 7).

Becker (1994, p. 232) explica que


[...] se a Informática na Educação mantiver o sentido
mais restrito, de uso de equipamentos computacionais
nas escolas, então ela estará abdicando de grande
parte de seu potencial. [...] A postura cultural adequada,
as habilidades intelectuais correspondentes ao uso da
Informática na Educação e a introdução sistemática dos
conceitos e das técnicas correspondentes podem ser
desenvolvidas em qualquer escola, independentemente
dos dispositivos e recursos computacionais presentes.
Mas é imprescindível que a correspondente atitude
multidisciplinar e o enfoque meta cognitivo decorrente
sejam trabalhados. Primeiro junto aos professores,
depois por esses junto aos alunos. (BECKER, 1994, p.
232 apud BOZZO, 2007, p.7).
UNIUBE 103

A tecnologia está a favor do professor e daqueles que a utilizam de forma


eficaz. Todas as formas de leitura são válidas, a partir do momento que
o indivíduo consegue apropriar-se daquele texto, compreendendo-o.
Assim, a leitura no universo on-line vem complementar e possibilitar um
contato maior entre o texto e o indivíduo, fazendo com que o sujeito
possa aprimorar seus conhecimentos.

3.3.5 Ler na televisão

A televisão se configura como um veículo de comunicação de massa e


por sua livre entrada em um alto índice de residências exerce grande
influência na sociedade, sobrepujando o alcance dos demais meios de
comunicação como filmes, jornais, rádio, livros e revistas.

Muitos programas têm sido formatados para promover a educação de


jovens e adultos, especialmente aqueles que vivem nos lugares mais
remotos do território nacional.

Neste segmento, podemos citar o programa Telecurso e o Castelo


Rá-Tim-Bum. Outros programas que têm essa função são os de
entrevistas, as reportagens sobre os mais variados assuntos e cultura,
de modo geral. Entretanto, é preciso considerar suas limitações nesse
âmbito, por tratar-se de um veículo com fins comerciais.

Corretamente explorada, a televisão é um excelente recurso para os fins


educacionais, pois, frente a ela, a criança entra em contato com novos
e diferentes conteúdos e encontra estímulos para criar novas relações
entre temas já conhecidos, que foram abordados em sala de aula.

3.3.6 Ler com recursos ilustrativos

Para atrair os leitores, escritores e editores utilizam diferentes estratégias


e recursos, que são um grande aliado do trabalho docente. Encontramos
104 UNIUBE

cada vez mais livros com ilustrações primorosas e caprichadas que, além
da leitura escrita, apresentam muitos outros detalhes da história.

PESQUISANDO NA WEB

Na capa do livro A casa sonolenta, de Audrey Wood, os indicadores


enriquecem a obra, tornando-a bastante atrativa para crianças. As imagens
facilitam o entendimento da leitura, as ilustrações dão alegria aos textos e
aclaram e enriquecem a história.

Para visualizar a capa desse livro, acesse:

<http://www.atica.com.br/catalogo/?i=8508032765>.

Muitos outros portadores de textos permitem a leitura do que não está


explícito, mas implícito, e se prestam à leitura escolar. São de fácil acesso
como folhetos de propagandas, histórias em quadrinhos, que permitem
deduzir a mensagem pretendida.

3.3.7 Ler as imagens

As pinturas, esculturas, fotografias, músicas, mímicas, danças, gestos,


expressões faciais, símbolos e outros meios são textos não verbais, que,
corretamente explorados pelo professor, se transformam em poderosas
formas de linguagem que transmitem informações e representações.

Não é fácil explicar o sentido de tudo o que vemos, por isso cada sujeito
deixa sua marca nas leituras que faz impregnado pela relação que
mantém com suas origens. Aprendemos a base dos signos e símbolos
antes mesmo de aprender a ler. Para um bebê, a mamadeira é o símbolo
do alimento para as crianças na escola, o professor é o símbolo do
conhecimento, só depois dessa experiência aprendemos a escrita por
meio do alfabeto.
UNIUBE 105

AGORA É A SUA VEZ

Observe o quadro de Seurat, Uma tarde de domingo na ilha de Grande


Jatte, pintado no final do século XIX (Figura 11).

Figura 11: Seurat – Uma tarde de domingo na ilha de Grande Jatte (1884-
1886).
Fonte: Georges_Seurat_034.jpg.

Quais imagens e registros de tempo e época podem ser lidos na obra de


Seurat?
Anote as suas impressões e leituras em seu caderno.

Como você deve ter percebido na atividade anterior, a leitura de


imagem ativa, os conhecimentos prévios, são as senhas de leitura para
a compreensão do seu significado, das intencionalidades do autor, do
registro de épocas e tempos em que foram concebidas.

Lugares, roupas, pessoas, assim como os sentimentos que elas nos


comunicam, permitem a inferência de todos esses aspectos, que, numa
visão macro, nos permitem, também, um início de leitura dos hábitos e
costumes daquele momento histórico.
A partir de textos não verbais, o aluno terá contato com
várias realidades que estão a sua volta ampliando o
106 UNIUBE

seu universo cultural, mostrando as diversas formas


de linguagens com observações necessárias à escrita,
e muitas atividades poderão ser trabalhadas, como as
emoções, sensações, com os sentimentos que hoje
estão tão esquecidas nas salas de aula. (BOZZO,
2007, p.9).

Assim, a leitura de textos não verbais pode complementar o texto verbal,


de forma a trazer informações que não estão explícitas no texto.

3.3.9 Ler as intenções

É necessário ler as intenções dos interlocutores. O texto publicitário, por


exemplo, objetiva a venda do produto anunciado, combinando a imagem
com a mensagem e ampliando o seu significado. São normalmente textos
criativos, repletos de recursos para atingir seu objetivo, combinando a
imagem com a mensagem, induzindo, persuadindo, criando necessidade
de consumo e convencendo o público a comprar.

Para que este tipo de texto seja produzido, são utilizadas estratégias
de convencimento por “sedução”, inteligentes, criativas e repletas de
recursos, para que se possa atingir e garantir a intenção de vender.

Outra possibilidade de leitura publicitária são as campanhas educativas,


de relevância social por emitirem alertas à população, como no caso
da pandemia da gripe H1N1, da prevenção às doenças sexualmente
transmissíveis (DST) e nas campanhas educativas para o trânsito.

Sofremos constantes bombardeios publicitários em todos os espaços


de circulação social, por meio de cartazes na rua, outdoors, comerciais
na televisão e no rádio, propagandas em revistas e jornais, muitos
deles apenas com o intuito de vender algum produto ou serviço, daí a
importância de trazer para a sala de aula essas leituras como recurso
UNIUBE 107

de trabalho, proporcionando ao aluno a análise e discussão de tais


mensagens, conquistando o status de consumidor crítico e atento.

3.3.10 Ler como direito e prazer

Aprender a ler é apropriar-se do instrumento que nos liberta e nos


reconstrói, pois a leitura permite às pessoas conhecer e participar do
que acontece na realidade. Nessa ótica, a leitura é um direito de todos
e deve ser entendida como um ato de prazer, especialmente na escola.

A escolha do livro a ser lido determinará em grande medida a criação do


gosto pela leitura no aprendiz. Cada realidade apresenta indicadores de
suas preferências e interesse, e o livro deve se adequar a essa realidade.

EXEMPLIFICANDO!

As crianças de comunidades rurais, por exemplo, devem, sim, conhecer


outras realidades, e disso o professor não deve se esquecer, mas trabalhar
leituras que contemplam os conhecimentos que já construíram acerca de
seus hábitos e costumes é uma excelente estratégia para garantir leitores
ávidos de muitos outros contextos e histórias.

Partindo do pressuposto de que a leitura suscita o prazer e de que, por meio


dela, as pessoas tornam-se capazes de ingressar num universo fantástico,
nada mais natural que associar o objeto livro à ideia de brinquedo.
Se a criança brinca, ela é capaz de descobrir o lado
lúdico do livro, encantando-se com as surpresas que lhe
são reservadas a cada virar de páginas. Quanto mais
cedo a criança tiver contato com livros, e for capaz de
ver neles um grande brinquedo, mais fortes serão seus
vínculos com a leitura. (VILLARDI, 1999, p.81).

Brincadeiras que surgem dos livros são pura magia! Em trabalhos


educacionais, é necessário pensar em que condições o professor pode
108 UNIUBE

realizar o encaminhamento da leitura, num contexto de transformação,


surgindo conforme a modificação da consciência que se tem acerca da
importância que a leitura pode ter, pois ela se constitui no encontro do
homem e a sociedade.

A Literatura Infantil se presta a inúmeros objetivos em sala de aula:


instrumento de sensibilização, de prazer, de magia, de capacidade e
interesse de analisar o mundo. “É fundamental mostrar que a literatura
deve ser encarada, sempre, de modo global e complexo em sua
ambiguidade e pluralidade” (Lima et al, 2008, p.1).

A escolha do livro ideal deve se pautar nos significados que ele apresenta
à criança, contendo tanto elementos que ela já reconhece quanto alguns
elementos novos, a partir dos quais ela possa alargar seus horizontes e
enriquecer sua experiência de vida. A criança apresenta fases diferentes
de compreensão, é necessário verificar se ela foi estimulada a dar
importância para a leitura.

Histórias com dobraduras simples, que a criança possa acompanhar,


exercem grande fascínio, como é o caso do livro A praia, de Glaucia
Lombardi, que possibilita o aprendiz se encantar pela magia, criando e
recriando com uma simples folha de papel, concretizando a história que
a autora apresenta.

Os contos de fadas têm um determinado momento para serem


introduzidos no desenvolvimento da criança, variando de acordo com o
grau de complexidade de cada história, com os aspectos valorizados pelo
autor em sua reinterpretação de questões universais como os conflitos
do poder e a formação dos valores, misturando realidade e fantasia, no
clima do “Era uma vez...”.
UNIUBE 109

Por lidarem com conteúdos da sabedoria popular, essenciais da


condição humana, é que esses contos de fadas são importantes para
os educandos, perpetuando-se até hoje. Nesses contos, encontramos o
amor, os medos, as dificuldades de ser criança, as carências materiais e
afetivas, as autodescobertas, as perdas, as recompensas, as lições, as
buscas, a solidão, o desencontro e o encontro.

PESQUISANDO NA WEB

Veja, no site a seguir, um fragmento do conto “João e Maria”, publicado na


Folha Online (5/6/2009). O texto pertence ao livro As melhores histórias de
todos os tempos, que traz 20 contos da literatura infantil, criados há muitos
séculos! As autoras são: Lídia Chaib e Mônica Rodrigues da Costa. Acesse:

<http://www1.folha.uol.com.br/folha/publifolha/ult10037u323483.shtml>.

Outra leitura interessante é Menina bonita do laço de fita, pois a autora,


Ana Maria Machado, elabora uma história divertida e apresenta de maneira
lúdica a questão da diferença étnica. Veja um fragmento da resenha da obra:
Um coelho branco apaixonado por uma criança
negra. Isso é possível? Sim, e a comprovação está
nas páginas do livro Menina bonita do laço de fita,
de Ana Maria Machado. Nosso coelhinho, aliás, vai
além: quer também ter a pele escura, igualzinha à
da linda menina. (ROCHA, 2010, p. 1)

Para ler a resenha na íntegra, acesse o site:

<http://www.atica.com.br/resenhas/?r=191>

Para que a contação de histórias seja um momento mágico, o contador


poderá se caracterizar nos personagens, utilizando roupas, chapéus,
capas, acessórios e entonação da voz.
110 UNIUBE

Outro gênero textual que pode ser utilizado são as fábulas, textos quase
sempre curtos e bem-humorados, transmitem, em linguagem simples,
mensagens relacionadas ao comportamento do cotidiano e trazem
uma “moral da história” com conselhos sobre lealdade, generosidade
e virtudes do trabalho. Embora os personagens da maioria das fábulas
sejam animais, esses apresentam comportamentos humanos, satirizando
os defeitos dos homens e revelando verdades universais sobre a
natureza humana.

RELEMBRANDO

Gêneros textuais
São a língua viva, em suas manifestações, e constitutivos da linguagem,
seus usos e suas funções são provindos das diferentes realizações/
situações comunicativas. É imprescindível conhecer, dominar e utilizar-se
dos diversos gêneros textuais em seus mais variados usos e funções nas
mais diversificadas situações de embate comunicativo. Dominar um gênero
não é somente tornar-se capaz de gerenciar uma forma de escrita/fala, mas
manipular uma forma de realização linguística de objetivos específicos em
situações particulares em dados contextos.

Os textos selecionados pelo professor devem atender aos critérios de


acessibilidade do aluno dentro de sua capacidade de compreensão, do
prazer que a leitura desperta e levar em consideração que outros textos
também podem discorrer sobre o mesmo assunto sob outra ótica. Uma
boa dica é a leitura comparativa da versão clássica de Chapeuzinho
vermelho e Chapeuzinho amarelo, de Chico Buarque de Holanda, da
editora José Olympio.

O trabalho com a leitura enseja, muitas vezes, o desenvolvimento


de um projeto que permeie todo o ano letivo, norteado pelo prazer e
pela descoberta desse mundo especial que o ato de ler desvenda,
UNIUBE 111

reconhecendo o seu valor e o seu sentido na própria vida. A interpretação


ou mesmo a análise de qualquer texto deve fazer o aluno perceber que
os elementos do texto formam um todo, que foram criados para atender
às suas características e suas funções.

O professor deve estar ciente de que a fala do aprendiz contém sua


história, prática cultural e experiências do seu grupo social e não
incapacidade de expressão. Para isso, é necessário transformar a sala
de aula em um ambiente de discussão, interação e de muita prática de
leitura como exercício de expressão oral. É o professor, quem faz o aluno
progredir em sua aprendizagem, planejando todo um processo para que
a leitura se concretize como prazer. Ele deve ser o grande incentivador,
para que seus alunos tenham uma visão agradável da leitura.

Ao preparar o aluno para a leitura, o professor deve adotar atividades


preliminares que agucem a curiosidade das crianças e despertem o
desejo de ler aquele livro. A apresentação da sinopse, os cartazes,os
indicadores e as divergências que ocorram sobre o assunto agem como
catalisadores no despertar do interesse na participação de todos sobre o
tema, colaborando para criar o clima de curiosidade para aquela leitura,
fornecendo informações de caráter científico ou histórias sobre a história
que será lida; criando uma atitude positiva no aluno frente ao trabalho
que será apresentado. Isso deve ser feito de forma mais lúdica possível,
por meio de jogos, músicas, atividades livres, passeios, transformando
a leitura numa deliciosa brincadeira.
112 UNIUBE

Incentivando sempre seus alunos a manifestarem interesses com


opiniões e responderem a perguntas sobre os temas abordados,
propondo rodas de leitura, em que cada aluno conte a história num
resumo para seus colegas, é uma maneira que o professor encontra
para que seus alunos tenham um maior do prazer em ler.

As condições de leitura estão sujeitas às regras encontradas no conjunto


de estrutura social. Há obras que são selecionadas para a leitura da
população, bem como os locais para ler que são convencionalizados.
Por exemplo, a seleção de livros de uma biblioteca pública (Figura 12),
de uma escola: a escolha é feita de acordo com parâmetros adotados
por quem escolhe o acervo.
UNIUBE 113

Figura 12: Biblioteca.


Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube.

Para um texto não verbal, privilegiamos a leitura das imagens e suas


possibilidades; no texto publicitário, a propaganda deve ser destacada e
a intencionalidade; na poesia, exploramos a linguagem poética; propondo
ao aluno a leitura das diferenças que os textos apresentam em seu
contexto, percebendo, assim, as diferentes visões nos gêneros textuais.

Entender um texto em sua contextualização contribui para o desafio de


formar leitores fluentes e a noção de gênero textual não pode se despir
do contexto comunicativo que a reveste. É preciso que o gênero traga
sempre consigo as condições de produção e recepção dos textos.

Um aspecto importante é garantir a magia nas atividades de leitura,


tornando-as ricas em significados e significantes, atividades que
despertem os sentidos além da visão, desenvolvendo sensibilidade ao
som, às cores, aos cheiros, ao tato.

Muito além de estimular apenas a imaginação, essas atividades exercitam


valores fundamentais para o desenvolvimento do cognitivo e, também,
de valores, de virtudes, de senso moral e ético.
114 UNIUBE

Segundo Lerner (1993, p. 16),


Aprende-se a ler por meio de muitas leituras, do
conhecimento de diversos autores, de vários setores
da cultura escrita etc. Tudo isso depende de jornadas
longas. É um processo em espiral, no qual se volta
a certos conteúdos sob uma nova perspectiva. Há
aspectos que ocorrem simultaneamente e necessitam
de diferentes situações para que sejam apropriados.

Temos, ainda, que:


Deve-se garantir que o leitor compreenda o texto,
mesmo que vá sendo orientado para construir uma ideia
sobre seu conteúdo, extraindo dele o que lhe interessa,
de acordo com seus objetivos. Isto pode ser feito por
meio de uma leitura individual, que permita avançar
e retroceder de forma que o aluno pense, recapitule,
relacione a informação com o conhecimento prévio,
formule perguntas, decida o que é importante e o que é
secundário.

Este é um processo interno do aluno, mas que deve


ser ensinado, ou seja, o professor orientará sua leitura
e interpretação, ensinando-lhe, assim, estratégias
para a compreensão dos textos. Estas estratégias
encaminharão a construção de uma interpretação para
o texto, tornando o leitor consciente do que entende e
do que não entende, para procurar resolver o problema
que lhe surge.

As estratégias devem auxiliar o leitor a escolher outros


caminhos quando se defrontar com problemas na
leitura. (RAUEN, 2006, p.20).

Sobre isso, é bastante importante o que diz Solé (1998, p. 23):


A leitura é o processo mediante o qual se compreende
a linguagem escrita. Nesta compreensão, intervêm
tanto o texto, sua forma e conteúdo, como o leitor,
suas expectativas e conhecimentos prévios. Para ler
necessitamos, simultaneamente, manejar com destreza
as habilidades de decodificação e aportar ao texto
nossos objetivos, ideias e experiências prévias.
UNIUBE 115

Os textos que lemos diferem-se quanto à estrutura e objetivos pelos quais


foram escritos. Cada um deles traz uma motivação e uma razão de ser.
Portanto, a leitura de uma história em quadrinhos tem uma estruturação
diferente de uma poesia.

Dessa maneira, é importante explorar todas as informações que cada


texto apresenta, analisando as situações em que foram produzidos, a
intenção do autor, onde foi escrito, quando e por quem.

Lajolo, citando Paulo Freire, diz que,


Para Paulo Freire, leitura boa é a leitura que nos
empurra para a vida, que nos leva para dentro do
mundo que nos interessa viver. E para que a leitura
desempenhe esse papel, é fundamental que o ato de
leitura e aquilo que se lê façam sentido para quem está
lendo. Ler, assim, para Paulo Freire, é uma forma de
estar no mundo (LAJOLO, 2003. p. 5).

Portanto, para ler com prazer, o aluno precisa participar da escolha da


leitura, estar dentro dela, fazer parte, sentir-se sujeito ativo na atividade.

RELEMBRANDO

Nosso dia a dia é repleto de contatos com inúmeros textos orais, escritos e
não verbais, entre os quais podemos relacionar os cumprimentos às pessoas
com que encontramos; os outdoors espalhados pela cidade; as placas de
sinalização do trânsito; as músicas que ouvimos; as conversas com a família,
os amigos e colegas de trabalho; a TV e tantos outros que já estão inseridos
em nossas memórias.

Mais uma vez, voltamos a afirmar o quanto é importante que o professor se


aproprie das diversas formas de leitura que estão inseridas em sua prática
docente, de modo a compreender as propostas curriculares que compõem
o projeto político pedagógico das escolas, assim como as políticas públicas
educacionais que respondem pelos referenciais da educação nacional.
116 UNIUBE

3.4 Estratégias para a leitura de textos com múltiplas


linguagens

De acordo com o Dicionário Globo (1999, p. 987), estratégia é a “ciência


de organizar e planejar as operações de guerra; estratagema; tática;
ardil; astúcia; manha”.

Portanto, estratégias de leitura é a arte de planejar atividades prazerosas,


significativas e contextualizadas, visando a uma prática pedagógica
voltada à apropriação das múltiplas possibilidades do ato de ler.

De acordo com Solé (1998, p. 126),


[...] para que um mau leitor deixe de sê-lo, é
absolutamente necessário que possa assumir
progressivamente o controle do seu próprio processo
e entenda que pode utilizar muitos conhecimentos
para construir uma interpretação plausível do que está
lendo: estratégias de decodificação, naturalmente,
mas também estratégias de compreensão: previsões,
inferências etc. as quais precisa compreender o texto.

Nesse sentido, o leitor deve procurar seus próprios caminhos,


buscando, tateando, experimentando, ousando e vivenciando sua
leitura. Parafraseando Solé (1998, p. 70), as estratégias são hipóteses
inteligentes sobre o caminho mais adequado que devemos seguir.

Utilizamos as mais variadas estratégias de leitura:


UNIUBE 117

A leitura de um texto, não apenas de decodificação mecânica, mas a


busca de uma compreensão abrangente, envolve concepções, emoções
e sensações. E, para isso, utilizamos as estratégias de leitura, a fim de
extrairmos as informações ali contidas.

Vejamos, a seguir, as estratégias de seleção, de antecipação, de


inferência e de verificação, apontadas por Solé (1998, p.129).

Utilizamos todas as estratégias de leitura mais ou menos ao mesmo


tempo, sem ter consciência disso. Só nos damos conta do que estamos
fazendo se analisarmos com cuidado nosso processo de leitura, como
vocês devem estar fazendo ao longo deste capítulo.
118 UNIUBE

3.5 Leitura todos os dias

Leia para os seus alunos! Leia com os seus alunos! Todos os dias!

O trabalho com leitura deve ser diário. Há inúmeras possibilidades para


isso, pois a leitura pode ser realizada:
• de forma silenciosa, individualmente;
• em voz alta (individualmente ou em grupo) quando fizer sentido
dentro da atividade;
• pela escuta de alguém que lê. (BRASIL, 1997).

No entanto, alguns cuidados são necessários:

• respeitar as diferentes interpretações que surgirem para um mesmo


texto, validando as interpretações de todos os alunos;
• preparar os alunos para as atividades de leitura, explicitando os
objetivos. Dar dicas ou pistas prévias do assunto, criar um leve
suspense;
• incentivar as crianças a descobrirem o sentido do texto a partir dos
seus conhecimentos prévios sobre o assunto e o conhecimento
que têm das características do suporte, sejam gibis, folders, bulas,
receitas, enfim, cada um deles tem características próprias e são de
fácil acesso e manuseio;
• relacionar o que foi lido ao que está escrito ou ilustrado, a fim de
que os alunos localizem palavras-chave. Trabalhe a sonoridade
com parlendas e rimas. Utilize histórias cumulativas ou que
exigem a colaboração ativa dos ouvintes, como no caso da história
“Amanhecer na cidade” (Figura 13);
• ouvir, com verdadeira atenção e interesse, todos os comentários
que as crianças tenham a fazer, inclusive, sobre o comentário do
colega, assim terão confiança suficiente para assumir suas posições
e ideias.
UNIUBE 119

Figura 13: Amanhecer na cidade.

A narração dessa história é feita coletivamente e as crianças se sentem


inseridas no contexto e pode ser também dramatizada.

Levando em conta algumas pistas contidas no texto escrito, as crianças


podem localizar uma palavra ou um trecho que, até o momento, não
sabem como se escreve convencionalmente. Podem procurar, no livro,
a fala de alguma personagem.
120 UNIUBE

Durante a leitura de histórias, a criança pode conhecer a forma de viver,


pensar, agir e o universo de valores, costumes e comportamentos de
outras culturas situadas em outros tempos e lugares que não o seu. A
partir daí, ela pode estabelecer relações com a sua forma de pensar e o
modo de ser do grupo social ao qual pertence.

As escolas podem resgatar o repertório de histórias que as crianças


ouvem em casa e nos ambientes que frequentam, uma vez que essas
histórias se constituem em rica fonte de informação sobre as diversas
formas culturais de lidar com as emoções e com as questões éticas,
contribuindo para a construção da subjetividade e da sensibilidade das
crianças.

Na Educação Infantil e primeiras séries do Ensino Fundamental,


as crianças gostam de ouvir histórias (Figura 14). Ouvem a mesma
história repetidas vezes, antecipando fatos e acontecimentos, e, assim,
vão apreendendo detalhes, memorizando palavras, incorporando
novas maneiras de construir frases, ampliando o universo vocabular e
construindo saberes sobre a linguagem escrita.

Figura 14: Contação de histórias.


Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube.
UNIUBE 121

A avaliação do interesse das crianças a respeito da história que estão


ouvindo pode ser inferida na expressão de deleite, na atenção a cada
sequência da narrativa, deixando evidente sentimentos e impressões.

PARADA OBRIGATÓRIA

Se as crianças estão no estágio de alfabetização é necessário que o


planejamento das situações de leitura considere relevante os seguintes
aspectos:

1. de acordo com Soares (2001, p. 87) “é possível ler, quando ainda não
se sabe ler convencionalmente” e o professor atento acompanha, avalia
e diagnostica cada situação;
2. no período de alfabetização e diante da necessidade de saber o que está
escrito, as crianças levantam hipóteses a partir de seus conhecimentos
prévios, como letras e sílabas do início ou final das palavras, ou ainda,
sílabas intermediárias;
3. o planejamento deve contemplar leituras que contenham situações
semelhantes às práticas sociais vivenciadas pelos alunos;
4. disponibilizar os mais variados textos para que a crianças interajam
livremente, sobre os mais diversos assuntos;
5. os textos devem estar contextualizados, uma vez que o aluno remete
ao conhecimento já adquirido nas práticas sociais em que está inserido;
6. alternar o nível de dificuldade nos suportes oferecidos, levando as
crianças à compreensão sobre a escrita convencional e os desafios de
aprender o que ainda não sabem;
7. todos os textos devem ler lidos em sua globalidade e não com palavras
isoladas, exigindo que as crianças trabalhem com diferentes hipóteses
sobre o texto e a sua estruturação;
8. a organização da turma em pequenos grupos permite a cooperação e
socialização das estratégias utilizadas para a leitura;
122 UNIUBE

9. a relação afetiva entre o professor e seus alunos, tanto no que se refere


à abordagem, quanto na relação interpessoal, favorece atitudes de
interesse, participação e valorização das atividades de leitura.

Na sala de aula, temos oportunidade de planejar inúmeras situações de


leitura utilizando procedimentos e recursos adequados à formação de um
bom leitor.

Trabalhe com textos conhecidos pelos alunos aproveitando situações


em que seja significativo ler e reler o que já conhecem de memória. No
ensaio de uma música ou de uma poesia com toda a turma, promova
o acompanhamento com a leitura no texto impresso – ou um coral, ou
uma adivinhação, que estão preparando para apresentação em uma
comemoração ou festividade. Além do interesse despertado na atividade,
o acompanhamento do texto torna possível a correspondência da fala e
da escrita quando trabalhamos novos textos.

SAIBA MAIS

O poema Leilão de jardim, de Cecília Meireles, remete a palavras conhecidas


pelas crianças e outras nem tanto.

Sugerimos que leia o poema inteiro e outros poemas de Cecília Meireles


no site:

<http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/literatura-infantil-cecilia-meireles/
leilao-de-jardim.php>

A interpretação dessa poesia oportuniza o contato das crianças com outro


importante suporte: o dicionário.
UNIUBE 123

Já existem no mercado editorial títulos voltados exclusivamente para o


público infantil como: O Dicionário do Castelo-Rá-Tim-Bum, de Lidia
Chaib e Beatriz Rosenberg; Meu primeiro dicionário ilustrado, de Ubiratan
Rosa, Dicionário infantil ilustrado Aurelinho, de Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira; Dicionário para crianças, de Maria Luisa A. Lima Paz.

Manusear o dicionário dá oportunidade para que as crianças descubram o


sentido dessas novas palavras, utilizando conceitos do sistema alfabético
e, ainda, encontrando maneiras de contextualizar essas novas palavras,
observando que existem também em outros portadores textuais.

As crianças aprendem muito sobre o sistema da escrita e os seus


signos. Assim, asseguramos essa aprendizagem quando demonstramos
acreditar em seu potencial e sua capacidade, deixando de utilizar
conceitos ultrapassados de avaliação, que minam a autoconfiança e a
alegria de aprender.

3.5.1 Aspectos importantes no trabalho com leitura

Destacamos três eixos que representam um diferencial nas práticas


de leitura: os comportamentos leitores, as habilidades de leitura e os
procedimentos de leitura.
Na prática, eles se dão concomitantemente.

Lerner (2002, p. 35) “caracteriza os comportamentos leitores como


sendo os aspectos que envolvem a dimensão social” e nesse sentido
podemos elencar situações como: contar aos colegas o que gostou da
leitura, comentando sobre ela; procurar sempre materiais de leitura,
demonstrar hábitos de leitura, indicar a leitura aos colegas; comparar
sua interpretação sobre o mesmo portador.
124 UNIUBE

Segundo Rojo (2002, p. 35) “os procedimentos de leitura estão


relacionados ao domínio da tecnologia da escrita”, como:

• reconhecer os sentidos e direções do texto escrito;


• folhear o livro de maneira sequenciada;
• selecionar as informações pelas quais se interessa no texto;
• grifar ou marcar as partes consideradas mais importantes;
• reler trechos para checagem da compreensão.

3.6 Mobilizando habilidades para entender o texto

A organização do trabalho com os diferentes conteúdos de linguagem


– e, dessa forma, com os conteúdos de leitura – envolve vários
aspectos e pressupostos, abrangendo desde as concepções relativas
ao objeto, em si, quanto as ideias relativas a como se aprende – as
teorias do aprendizado – e a como se ensina – os pressupostos didáticos
subjacentes.

Alicerçados em Kleiman (2004, p. 66) fundamentalmente, podemos dizer


que esses aspectos se referem:
UNIUBE 125

3.7 As possibilidades e necessidades de aprendizagem dos


alunos

Quando selecionamos os gêneros e textos que serão trabalhados com


os alunos, precisamos levar em consideração parâmetros que atendam
às possibilidades de aprendizagem dos alunos e os objetivos que
pretendemos alcançar, ou seja, a proficiência leitora.

Desta maneira, precisamos considerar procedimentos básicos: não


selecionar textos fáceis demais, pois isso não possibilitará nem a
constituição, nem a ampliação, nem o aprofundamento de habilidades
de leitura.

As possibilidades e necessidades de aprendizagem dos alunos devem,


necessariamente, ser articuladas à complexidade dos gêneros e dos
textos.

Nesse sentido, devemos levar em consideração qual a familiaridade dos


alunos com o gênero que será apresentado em um primeiro momento e
com relação às suas características e complexidades.
Dessa forma, é indispensável que se gradue a
complexidade da tarefa de leitura, alternando
dificuldades: se o gênero é pouco conhecido ou
mesmo desconhecido, o que coloca a necessidade
de apropriação das características de um novo objeto,
é preciso que o texto selecionado para leitura tenha
menor complexidade. À medida que o aluno vai se
apropriando de características do gênero, conhecendo-
o melhor, pode-se aumentar a complexidade dos textos
oferecidos para leitura. (BRASIL, 2009, p.93).
126 UNIUBE

Conhecimento
De acordo com Kleiman( 2004, p. 13).
prévio A compreensão de um texto é um processo que se
Conjunto de
caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o
esquemas de leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento
conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a
que um indivíduo interação de diversos níveis de conhecimento, como
possui, em um o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento
dado momento,
a partir dos quais
de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do
novas experiências texto. E porque o leitor utiliza justamente os diversos
cognitivas se níveis de conhecimento que interagem entre si, a
desenvolvem, leitura é considerada um processo interativo. Pode-se
ampliando esses dizer com segurança que sem o engajamento do
próprios esquemas.
conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão.
Adivinhas

Perguntas em No trabalho de leitura com adivinhas, por


formato de charadas
desafiadoras que exemplo, com crianças de 6 anos, é necessário
fazem a criança
pensar e se divertir. constatarmos se elas têm conhecimentos prévios
São criadas pelas
pessoas e fazem
que lhes permitam fazer as deduções necessárias
parte da cultura para a “adivinhação”.
popular e do folclore
brasileiro.

EXEMPLIFICANDO!

1. O que é que passa a vida na janela e, mesmo dentro de casa, está fora
dela?
Resposta: O botão.

Essa é uma adivinha relativamente fácil, pois as crianças conhecem os


“botões” que são utilizados nas roupas.

2. O que é que tem escama, mas não é peixe, tem coroa, mas não é rei?
Resposta: Abacaxi.

Nesse caso, as crianças precisam relacionar outros conhecimentos prévios


para a compreensão do que está sendo perguntado.
UNIUBE 127

De acordo com Solé (1998, p. 133), o professor pode abordar o texto com
os alunos de diferentes maneiras:
Leitura dirigida: o professor solicita, à medida que o
aluno vai lendo, pequenos resumos para uma melhor
compreensão de determinados pontos. Pode, ainda,
induzir o aluno a avaliar suas previsões anteriores
e tornar a prever a partir do ponto da leitura em que
se encontra e também levá-los a fazer perguntas
pertinentes ao tema em questão.
Leitura partilhada: é outra forma de condução à leitura
eficaz. Aqui, professor e alunos leem o texto em
trechos e, conforme a leitura vai acontecendo, vão se
fazendo pausas para resumir o que se leu, solicitar
esclarecimentos, fazer novas previsões, baseando-se
na interpretação que está sendo construída sobre o
que já se leu e sobre a bagagem de conhecimentos e
experiências do leitor.
Leitura silenciosa: ao longo da vida, este é o tipo de
leitura que mais utilizamos. É na leitura individual, leitor
e texto interagindo, que o aluno vai demonstrar se as
estratégias trabalhadas pelo professor surtiram o efeito
desejado, o de tornar o aluno um leitor autônomo,
capaz de tomadas de decisão que o conduzirão a
uma compreensão/interpretação eficaz. Articulando
as estratégias, quando necessário, ele vai construindo
o sentido do texto, transformando a leitura em algo
significativo.

3.7.1 Estratégias de leitura para compreensão das artes visuais

Como já afirmamos em vários momentos do Iconografia


nosso estudo, a leitura iconográfica colabora É uma forma de
para a construção de hipóteses acerca de hábitos linguagem visual
que utiliza imagens
e costumes sociais e as artes visuais contribuem para representar
determinado tema
de maneira brilhante para esse fim. Podemos e pode enriquecer
os mais diversos
buscar referência em obras de grandes autores, textos, imagens de
esculturas, obras
nacionais ou internacionais, de diferentes épocas arquitetônicas,
e estilos, para a leitura em sala de aula. quadros ou
fotografias de
pessoas.
128 UNIUBE

Para a efetivação desse trabalho, devemos recorrer às estratégias de


leitura específicas para artes visuais: descrição, análise, interpretação
e julgamento.

A descrição deve conter todos os detalhes contidos na obra: título, autor,


tempo histórico e elementos que a constituem. Esses dados podem ser
listados em um painel junto à obra selecionada. Revistas como a Nova
Escola costumam veicular a reprodução em forma de pôster de obras
de arte.

A análise deve levar o aluno à reflexão dos detalhes descritos na obra,


como as cores, tamanhos, expressões, situações, semelhanças, relações
que estabelecem com os conhecimentos das práticas sociais.

A interpretação é o momento para dar sentido às observações efetuadas,


buscando aí sentimentos e sensações que os discentes experimentaram
e estabelecendo ligações entre a imagem e a realidade.

O julgamento traz consigo a subjetividade, pois está ligado a um juízo de


valor a respeito da imagem e da importância que o sujeito dá a ela, pois
está ligada ao efeito causado por elementos como dor, beleza, tristeza,
harmonia, ou ainda, quando a obra não sensibiliza o aluno.
UNIUBE 129

AGORA É A SUA VEZ

Observe a obra “Dois Meninos Jogando Bilboquê” (Figura 15), de Belmiro


Almeida, de 1892:

Figura 15: Dois Meninos Jogando Bilboquê.


Fonte: Almeida (1892).

Faça a leitura da obra, atentando bem para todos os detalhes e registrando


as impressões que ela despertou em você!
Registre a resposta em seu caderno.

3.7.2 A leitura de quadrinhos

A leitura de quadrinhos apresenta peculiaridades inerentes ao gênero:


explorar a diversão e o humor em situações corriqueiras, apresentando
aspectos lúdicos e engraçados que envolvem os personagens; a
utilização de onomatopeias, expressões faciais dos personagens e os
balões.
130 UNIUBE

Elas propiciam análises em diferentes perspectivas, aproveitando


a combinação entre falas, expressões e gestos das personagens e
privilegiando a situação contextual dos quadrinhos pelo seu aspecto
interacional; a linguagem verbal e a não verbal expressam sentidos,
possibilitam a compreensão e estão presentes nos quadrinhos (Figura 16).

Figura 16: Linguagens de quadrinhos.


Fonte: Acervo EAD-Uniube.

A interpretação da história em quadrinhos é feita com base em hipóteses


que a criança cria sobre o que lê. Essas hipóteses resultam das relações
que a criança vai estabelecendo desde o início da leitura, continuamente,
entre os elementos icônicos e verbais, e de todos os dados que ela pode
trazer para a leitura.

Essa atividade está diretamente relacionada à antecipação do sentido


do texto, eliminando previamente hipóteses improváveis. A interpretação
ocorre quando há confluência entre o reconhecimento de elementos do
código linguístico e a projeção dos conhecimentos do leitor no texto.
UNIUBE 131

As histórias em quadrinhos são um importante suporte didático-


pedagógico para melhorar a fluência e a proficiência na leitura. É
importante enfatizar a relevância dos quadrinhos, uma vez que os
desenhos associados à sequência narrativa funcionam como recursos
didáticos.

Ao professor cabe a tarefa de conscientizar o aluno da existência, em


cada texto, de diversos níveis de significação, pois, de acordo com
Koch: “[...] e não somente aqueles explícitos, que o aluno percebe por
meio de uma leitura superficial, mas, significações implícitas, mais sutis,
relacionadas à intencionalidade do emissor” (1996, p. 160).

Outro aspecto que devemos ressaltar em relação à ludicidade que


envolve as histórias em quadrinhos é que geralmente apresentam
situações cotidianas e divertidas.

3.7.3 A leitura do jornal

O jornal representa oportunidade de criação de muitos recursos


pedagógicos no ensino da leitura. Conhecer cada seção e os assuntos
ali tratados, verificar que o editorial expressa a opinião pessoal de quem
o escreveu, perceber quais assuntos estão situados em determinada
coluna, como esporte, notícias, fatos sociais, anúncios classificados,
enseja uma leitura comparativa e rica de significados, especialmente
quando se faz a leitura do jornal da própria cidade das crianças.

Com a utilização do jornal em sala de aula, podemos explorar aspectos


cotidianos e que despertem o interesse dos alunos, proporcionando
oportunidade de análise, comparação e compreensão da realidade. Além
disso, o jornal é um espaço democrático, que traz diferentes opiniões e
assuntos em uma mesma edição.
132 UNIUBE

O aprendiz pode verificar, no jornal, o horário da programação de filmes


e desenhos infantis, conferir a tabela de preços do barzinho, registrar as
atividades que serão desenvolvidas no dia seguinte. Assim, os alunos
utilizam a leitura exploratória e isso é uma experiência enriquecedora,
pois chama a atenção para as mensagens contidas nos ambientes por
onde os textos circulam.

AGORA É A SUA VEZ

E como explorar esse material rico e de fácil acesso?


Antes de continuar a leitura, relacione os aspectos que você está habituado
a pesquisar nos jornais que lê.
Registre a resposta em seu caderno.

Explorar o jornal como recurso didático enseja a verificação do conteúdo


do jornal a paginação e a leitura dos textos jornalísticos. É importante,
também, que os alunos descubram os gêneros veiculados e identifiquem
se fazem parte da vida cotidiana. O professor deve discutir temas ou
reportagens que despertem a atenção dos alunos; oportunizando ler as
manchetes e compreender por que estão em destaque; criar o jornal da
escola com textos jornalísticos relacionados à comunidade escolar em
que vivem.

3.8 Dinamizando o processo de leitura: ideias para colocar


a mão na massa

Selecionar estratégias pedagógicas é um grande desafio para que


qualquer professor faça de suas aulas momentos prazerosos e
significativos, mantendo em primeiro plano o objetivo a ser alcançado.
No ensino da leitura não é diferente. Encontrar caminhos lúdicos para
que a leitura seja um processo contínuo no dia a dia da sala de aula é
encontrar o fio da meada para que os alunos se entreguem com prazer
a essa tarefa de construção de identidades e cidadania.
UNIUBE 133

Por isso, é preciso usar de muita criatividade ao propor atividades de


leituras. As atividades podem ser desenvolvidas dentro da sala ou, ainda,
envolvendo toda a escola e, até mesmo, as famílias dos alunos. Outra
possibilidade é convidar um autor ou ator para dramatizar um conto, por
exemplo.

Conhecer o acervo disponível na biblioteca da escola e explorá-lo de


diferentes maneiras, como empréstimos rotativos, momentos de leitura
no pátio da escola ou em festividades, pode trazer excelentes resultados,
além de ser prazeroso e lúdico.

3.9 Considerações finais

Ler como direito e prazer deve ser uma importante conquista para
qualquer cidadão. A escola é o locus privilegiado para que cada aluno
desenvolva essa habilidade.

Desde as salas de educação infantil e por toda a vida escolar, aprender


a ler é muito mais do que decifrar o código linguístico, é apropriar-se
das diferentes linguagens que, nós, humanos, descobrimos e tornamos
universais.

Chegamos ao final do estudo deste capítulo, mas não de todas as leituras


que podemos fazer vida afora. Acredito que você tenha se apropriado
dos conceitos apresentados, entretanto é importante ressaltar que outros
materiais poderão aumentar os conhecimentos que você já construiu
sobre “leitura”.

Lembre-se: os exemplos citados ao longo do texto estão impregnados


pelas leituras que fazemos como educadores; você acrescentará a elas
a sua maneira de ler o mundo.
134 UNIUBE

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Capítulo
Linguística aplicada ao
ensino de língua materna
4

Henrique Campos Freitas

Introdução
Nas palavras de Antunes (2007), não basta somente saber
gramática para falar, ler e escrever com sucesso, mas, sim,
mobilizar os conhecimentos de mundo prévio para elaborar textos,
de diferentes gêneros, dependendo da situação sociocomunicativa
em que o falante está inserido.

Atividades de escrita, reescrita, com a oralidade e com os gêneros


textuais, são mais importantes do que estar preso ao ensino
tradicional de gramática; um equívoco de muitos professores de
Língua portuguesa, pais e de toda comunidade escolar.

Saber gramática é preciso, mas trazer essa competência linguística


para o real, na construção textual, tanto oral quanto escrito,
muitas vezes, é mais significativo devido à gama de situações
comunicativas, como já apresentamos, que nos envolvemos a
todo o momento.

Neste capítulo, portanto, buscaremos apresentar propostas de


trabalho com a escrita e a reescrita, a partir das concepções da
Linguística aplicada. Também, apresentaremos propostas de
atividades para trabalho com esses dois momentos tão importantes
no desenvolvimento dos alunos.
140 UNIUBE

Apresentaremos propostas de como trabalhar com os gêneros


textuais na aula de Língua portuguesa, objetivando um ensino
discursivo da linguagem, isto é, que leve em consideração a
constituição dos diversos gêneros textuais existentes em nossa
sociedade e o que eles podem provocar, por meio da linguagem,
nos interlocutores.

Por fim, apontaremos possibilidades do ensino de gramática


também pelo viés da Linguística aplicada, considerando,
como mencionado, atividades discursivas que desenvolvam a
competência linguística do falante de língua portuguesa para
os problemas recorrentes quanto a utilização da linguagem em
sociedade.

Objetivos
Ao final dos estudos deste capítulo, esperamos que você seja
capaz de:

• realizar o trabalho de escrita e reescrita na aula de Língua


portuguesa, nos ensinos Fundamental e Médio;
• apresentar propostas de atividades de escrita para os ensinos
Fundamental e Médio;
• apresentar uma possibilidade de reescrita nos ensinos
Fundamental e Médio;
• refletir sobre um ensino de gramática pautado nas
concepções da Linguística aplicada, pensando em um ensino
reflexivo e discursivo.
UNIUBE 141

Esquema
4.1 O trabalho com a escrita e a reescrita na aula de Língua
portuguesa
4.1.1 O momento da escrita: proposta de atividade no Ensino
Fundamental
4.1.2 O momento da escrita: proposta de atividade no Ensino
Médio
4.1.3 O processo de reescrita: momento de aprendizagem
4.2 Gêneros textuais e o ensino de Língua portuguesa
4.3 O ensino de gramática pelo viés da Linguística aplicada

4.1 O trabalho com a escrita e a reescrita na aula de Língua


portuguesa

Muitas pessoas acreditam que só saber gramática seja o suficiente para


ler, escrever e falar bem. Esta visão simplória pode carregar um grande
equívoco, pois gramática não equivale à língua; mobilizar os elementos
linguísticos da gramática, ao construir um texto, requer muito além do que
a mera classificação dos termos que constituem uma oração.

Partindo dessa ideia e de acordo com Antunes (2007), fica evidente que
a gramática é insuficiente, porque a interação verbal necessita ainda:
142 UNIUBE

Todos esses conhecimentos são materializados e organizados em textos.


Nesse sentido, a escrita e a reescrita são elementos essenciais para
o desenvolvimento desse saber, pois dimensionam todo o processo
elaborativo e inferencial das ideias contidas em uma produção textual e
que leva em consideração, por exemplo, os argumentos e os pontos de
vista que se quer apresentar.

Porém, um desafio para os professores de Língua portuguesa é a de


desenvolver a competência de mobilizar a língua para o processo de
escrita e, consequentemente, a habilidade de escrever, ou melhor, de
gostar de escrever. Mas, como conseguir esse fato?

No desenvolvimento dessa competência e dessa habilidade, é necessário


que o professor traga, às suas aulas, atividades que levem o aluno à
reflexão, ao contato com o real, aquilo que é inerente às suas vivências,
seu dia a dia.

Mas, segundo Serafim (2010, p. 1), o professor deve tomar cuidado, pois
muitas vezes “quando a escrita finalmente tem permissão para entrar
na escola, seu ensino reduz-se à prática de exercícios mecânicos e
repetitivos”, causando desinteresse e desmotivação.

Ainda, segundo a autora, essa situação acontece em uma grande


parcela das escolas brasileiras, mas há orientações pedagógicas e
governamentais, que direcionam para um ensino mais significativo, que
estão apresentando propostas que resignificam o ensino da escrita, com
atividades específicas voltadas ao social, a fim de formar cidadãos mais
proficientes na língua materna.
UNIUBE 143

PARADA PARA REFLEXÃO

“Escreva um texto sobre a primavera.” Quem depara com uma proposta


como essa, imediatamente deveria se fazer algumas perguntas. Para quê?
Que tipo de escrita será essa? Quem vai lê-la? Certas informações precisam
estar claras para que se saiba por onde começar um texto e se possa avaliar
se ele condiz com o que foi pedido. (GURGEL, 2018).

Muitas das práticas, presentes nas escolas brasileiras, englobando


públicas e privadas, privilegiam somente o aspecto formal do ensino
das tipologias textuais, ou seja, das regularidades de textos. Em
consequência disso, essas práticas aplicam palavras e/ou expressões
desconexas com as informações dessa produção, junto a uma gramática
normativa quase “perfeita”, resultado de um estudo mecânico.

Mas, o que isso significa?

Isso significa que o que vemos, na verdade, são textos prontos,


acabados, a partir de técnicas de reproduções de modelos que abrigam
a superficialidade temática, mas com argumentos e palavras, de certa
forma, rebuscadas.

EXPLICANDO MELHOR

Cada vez mais os alunos estão elaborando textos por meio da aprendizagem
de técnicas de escrita ensinadas com a metodologia de reprodução, assim
como acontecia no início dos estudos da LA. Os argumentos e palavras
utilizados na produção textual são fixos e podem ser utilizados em textos de
qualquer temática, demonstrando pouco domínio, principalmente, de autoria
e expressividade.
144 UNIUBE

Na maioria das vezes, essa atividade não apresenta a profundidade temática


que mostra a competência linguística e o conhecimento de mundo, a
argumentatividade, a autoria e a expressividade do autor, por exemplo, que
são itens avaliados no momento da escrita e que mostram a capacidade de
tomada de posição do produtor textual.

Vários fatores influenciam o ensino da escrita no


Esteriótipo
cotidiano escolar porque é nesse contexto que
ideia ou convicção estão envolvidos objetos carregados de valores,
classificatória
preconcebida muita vezes, negativos que os estudantes criam
sobre alguém ou
algo, resultante de acerca dessa ocasião, tais como o momento de
expectativa, hábitos
de julgamento avaliar, de reescrever, de expor aquilo que está
ou falsas
generalizações; “errado” e a atribuição de certos esteriótipos.
aquilo que é falta
de originalidade;
banalidade, lugar- Observe o que Theodoro (2018, p. 32) explica:
comum, modelo,
padrão básico
(HOUAISS on-line).
• Trabalhar com o ensino e a aprendizagem da
escrita levanta muitas questões.
• Não são fatores simplórios e isolados, pelo
contrário, são questões históricas, socioeconômicas
e culturais que perpassam os muros da escola
e afetam diretamente na sala de aula: as
variedades linguísticas dos alunos oriundos de
diferentes classes sociais, a diversidade cultural
e o acesso a bens culturais de vários setores da
sociedade que atuam direta ou indiretamente na
escola, as concepções de língua escrita adotada
pelos professores, a disposição para investir no
desenvolvimento da habilidade escrita.
• Além dessas questões, somam-se as condições
socioculturais do professor, marcadas pela sua
formação, pelas políticas governamentais e pelas
práticas de ensino que adota na sala de aula.

Na visão de Costa (2016, p. 25), há algum tempo, a atividade de escrita


não tinha preocupação alguma em constituir uma interação com o mundo
UNIUBE 145

real ou, de certo modo, com um propósito comunicativo definido e que


fosse compreensível para o aluno a não ser aquele avaliativo, artificial,
destituído de sentido.

Para desenvolver o gosto pela escrita, é necessário que o aluno


reconheça e conviva com textos de diversos gêneros, de diferentes
esferas sociais. Isso faz com que este estudante produza textos variados
– orais e escritos – e que atendam às diversas situações de comunicação,
tanto formais quanto informais. Nesse contexto, então, é que somos
avaliados, de forma implícita, muitas vezes, quanto ao conhecimento
sobre determinado assunto.

Nas pesquisas didáticas de práticas de linguagem, essas


delimitações denominam-se condições didáticas de produção
textual. No que se refere ao exemplo a seguir, fica difícil
responder às perguntas [Para quê? Que tipo de escrita será
essa? Quem vai lê-la?], já que esse tipo de redação não existe
fora da escola, ou seja, não faz parte de nenhum gênero
(GURGEL, 2018).

Escrever, por exemplo, como foram as férias ou descrever a casa em


que moram são atividades isoladas e que não delimitam realidade e
conhecimentos, ou seja, esses tipos de temática para produção escrita
são solicitados, somente, dentro dos muros da escola e acabam
por desvalorizar a escrita e não levam à reflexão sociocultural e
sociolinguística.

EXEMPLIFICANDO!

• Para aproximar a produção escrita das necessidades enfrentadas


no dia a dia, o caminho atual é enfocar o desenvolvimento dos
comportamentos dos leitores e escritores.
146 UNIUBE

• Ou seja: levar a criança a participar de forma eficiente de atividades da


vida social que envolvam ler e escrever.
• Noticiar um fato num jornal, ensinar os passos para fazer uma
sobremesa ou argumentar para conseguir que um problema seja
resolvido por um órgão público: cada uma dessas ações envolve um
tipo de texto com uma finalidade, um suporte e um meio de veiculação
específicos.
• Conhecer esses aspectos é condição mínima para decidir, enfim, o que
escrever e de que forma fazer isso. (GURGEL, 2018)

Como já apresentado, a escola é UM dos locais em que essa atividade


deve ocorrer. Não podemos instituir toda a responsabilidade de “ensinar”
a escrever para a escola, pois, no contexto escolar, há o desenvolvimento
da capacidade leitora e de produção de textos, e não o aprendizado
homogêneo; na escola, o aluno é convidado a mobilizar todo o seu
conhecimento de mundo e sua competência linguística para tal atividade.

A sala de aula é o espaço para discussões e produções de sentido dos


textos lidos e produzidos, em todas as esferas sociais e em todas as
situações discursivas.

Por que dizemos que a escrita é uma atividade em


desenvolvimento e não em aprendizagem?

Porque,
quando a criança inicia o aprendizado escolar, já tem
internalizada a gramática por sua experiência com a
língua oral. O plano em que isso acontece é, no entanto,
não consciente, pois a criança utiliza adequadamente
os conhecimentos linguísticos adquiridos ao longo do
aprendizado da língua materna, porém não consegue
operar voluntariamente com eles. (SERAFIM, 2010, p. 2).
UNIUBE 147

Nesse sentido, é na escrita que qualquer pessoa materializa todo seu


conhecimento acerca da Língua portuguesa, tanto fonológico, quanto
morfossintático e semântico; é nessa atividade que direcionamos, via
linguagem, a interpretação, ponto(s) de vista e argumentação desejada
sobre determinado assunto, mesmo no desenvolvimento de uma
narração, por exemplo.

Para contemplar a reescrita, pautamo-nos nos questionamentos


apresentados por Wink; Gasparini (2013, p.46):

• Como fazer o estudante ler, apreciar e analisar o próprio texto em


um processo de desenvolvimento da autoria?
• Que atividades podem facilitar o processo de apropriação da
sua própria produção, proporcionando uma oportunidade de
distanciamento crítico do texto e aproximação analítica de critérios
de avaliação de acordo com a interlocução proposta?
• Como atividades podem ser avaliativas desse processo de
aprendizagem?
148 UNIUBE

Como possibilidades dessa atividade de escrita, apresentamos, a


seguir, uma proposta de atividade de escrita e reescrita para o Ensino
Fundamental.

4.1.1 O momento da escrita: proposta de atividade no Ensino


Fundamental

Como exemplo de atividade de escrita e reescrita no Ensino Fundamental,


buscamos uma proposta de produção textual em Theodoro (2018, p.
82-83), que foi aplicada pela autora em uma turma do 6º ano do Ensino
Fundamental e que poderá servir como base para outras atividades de
escrita nesse nível de ensino.

EXEMPLIFICANDO!

PROPOSTA DE PRODUÇÃO TEXTUAL

Vamos errar de propósito algumas histórias


conhecidas para ver do que nossa imaginação é
capaz?
Vocês farão a releitura de um conto de fadas de
que mais gostaram durante a sua infância. Vamos
relembrar alguns? Vamos inverter os papéis das
personagens e escrever uma história ao contrário,
assim como a “Gata sem borralhos”?
Pensem em um título bem criativo. Lembre-se que
o conto apresenta um personagem do bem e do mal,
mas agora você pode mudar tudo.
Determine o tempo e o espaço da narrativa;
Organize o enredo da história em: INTRODUÇÃO
– CONFLITO – CLÍMAX – RESOLUÇÃO DO
CONFLITO – DESFECHO.
Não se esqueça de que algum elemento mágico
deve aparecer em seu texto, mesmo que seja um
desejo impossível de ser realizado.
Construa um desfecho condizente com a história
desde o início. (THEODORO, 2018, p. 82-83).
UNIUBE 149

Essa atividade é interessante porque leva o aluno a relembrar sobre


histórias que já ouviu ao longo da sua vida e, quando possível, esse
estudante pode (re)contar, de modo rápido, alguma história que atenda
à proposta solicitada. Com isso, ele sente-se valorizado, com uma voz
ativa e participativa dentro daquele contexto heterogêneo.

Vale lembrar que, nesse tipo de atividade, questões de ordem


morfológica, sintática e fonológica, a princípio, devem ser deixadas
de lado para que a preocupação maior seja atingir o objetivo principal:
atender à produção solicitada.

É interessante destacar que essas atividades são estruturadas


a partir de planos de aula específicos e acontecem a partir de
uma proposta, de um tema, de objetivos específicos dentro dos
horários de aula do professor, podendo levar mais do que uma
aula, por exemplo, pois atende ao planejamento do professor.

Depois que os alunos respondem aos questionamentos da proposta e


elaboram suas produções textuais, de acordo com a temática levantada,
deve haver o momento de observação de alguns fatores importantes,
positivos e negativos.

Então, nessa atividade, quais seriam os possíveis problemas


apresentados pelos alunos?

Ainda segundo a autora,


Os problemas mais recorrentes foram: dificuldade
para organizar o enredo da história com suas partes
constitutivas do conto de fadas (situação inicial, conflito,
desenvolvimento, clímax e desfecho), relacionando
essas partes entre si e com o conjunto do texto e, ainda;
ideias desconexas, prejudicando a compreensão;
proposta de produção textual não atendida
(THEODORO, 2018, p. 85-86).
150 UNIUBE

Por meio da experiência de Theodoro (2018, p. 85-86), podemos


diagnosticar algo que pode ocorrer (e que quase sempre ocorre nesse
nível de ensino) em salas de aula de escolas públicas e privadas: os
alunos apresentam problemas de ordem semântica (sentido) pela falta de
articulação lógica das ideias, que confere a coerência, comprometendo
o sentido global do texto.

Mas, como minimizar esses problemas?

Partindo dessas possibilidades, pensemos na prática do professor de


Língua portuguesa ao trabalhar a (re)escrita com os alunos, de forma
prazerosa, eficiente e contextual.

Em relação à coesão e à coerência, é possível trabalhá-las por meio


dos próprios textos que o professor solicita aos alunos produzirem, em
qualquer momento de suas aulas, e do próprio material didático utilizado,
mostrando a relação lógica e linear, por meio das ideias e das palavras
que constroem a ideia e, posteriormente, exercitar essa linearidade na
interpretação e arquitetura do texto.

Partindo desse pressuposto, é possível perceber que as características


da tipologia “narração” podem ser trabalhadas sem que cada uma delas
seja explicitada da forma tradicional, em que o professor enumera e
explica a lista dessas particularidades do texto narrativo.

Observe o texto a seguir que trata a respeito das expectativas de escrita


dos alunos.
UNIUBE 151

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

Expectativas de aprendizagem de escrita

No que se refere à escrita, é importante que, no fim do 5º ano, o aluno saiba:

• Reescrever e/ou produzir textos de autoria utilizando procedimentos de


escritor: planejar o que vai escrever considerando a intencionalidade, o
interlocutor, o portador e as características do gênero; fazer rascunhos;
reler o que está escrevendo, tanto para controlar a progressão temática
como para melhorar outros aspectos – discursivos ou notacionais – do
texto.
• Revisar escritas (próprias e de outros), em parceria com os colegas,
assumindo o ponto de vista do leitor com intenção de evitar repetições
desnecessárias (por meio de substituição ou uso de recursos da
pontuação); evitar ambiguidades, articular partes do texto, garantir a
concordância verbal e a nominal.
• Revisar textos (próprios e de outros) do ponto de vista ortográfico.

Ao concluir o 9º ano, o estudante precisa estar apto também a:

• Compreender e produzir uma variedade de textos, tendo em conta os


padrões que os organizam e seus contextos de produção e recepção.
• Utilizar todos os conhecimentos gramaticais, normativos e ortográficos
em função da otimização de suas práticas sociais de linguagem.
• Exercer sobre suas produções e interpretações uma tarefa de
monitoramento e controle constantes.
• Interpretar e produzir textos para responder às demandas da vida social
enquanto cidadão. (GURGEL, 2018, p. 1).
152 UNIUBE

Nesse sentido, podemos analisar as propriedades que os alunos


precisam adquirir ao longo do Ensino Fundamental, além de demonstrar
as capacidades e objetivos que precisam atingir nesse período,
objetivando um ensino e uma aprendizagem global, isto é, voltada às
habilidades de leitura e (re)escrita de textos.

PESQUISANDO NA WEB

No site “Portal do professor”, elaborado pelo Ministério da Educação (MEC),


há diversas sugestões de aula elaboradas por professores de todo o país,
sendo possível colaborar com opiniões e novas ideias. As aulas poderão ser
acessadas por palavras-chave ou pela busca avançada.

Para conhecer melhor, basta acessar:

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/buscarAulas.html

4.1.2 O momento da escrita: proposta de atividade para o Ensino


Médio

Observe a proposta de redação a ser trabalhada no Ensino Médio.

EXEMPLIFICANDO!

PROPOSTA DE PRODUÇÃO TEXTUAL

Atualmente, as redes sociais tomam conta das nossas vidas e, dessa forma,
todos os dias ouvimos várias histórias que envolvem estas redes (Facebook,
Instagram, WhatsApp etc.).

A partir dessa introdução, observe, a seguir, os textos que seguem.


UNIUBE 153

TEXTO I

Figura 1: Redes sociais.


Fonte: Acervo EAD-Uniube.

TEXTO II
“O impacto que as redes sociais têm em nossas vidas trouxe muitas
mudanças positivas, porém é preciso ficar atento para os malefícios
que o seu uso indevido pode trazer e que, por enquanto, são pouco
compreendidos. Psiquiatras e médicos já discutem o vício nas redes e a sua
influência no desenvolvimento de depressão em pessoas com predisposição
para a doença.” (PRATA, 2017, p.1).

A partir dos textos anteriores sobre a temática “O uso excessivo das


redes sociais”, produza um texto dissertativo-argumentativo abordando os
impactos à sociedade, sobre a utilização em excesso das redes sociais e as
consequências, principalmente, para os jovens e adolescentes. Lembre-se
de apresentar uma proposta de intervenção ao problema levantado. Ainda,
selecione, organize e relacione, de forma clara e coesa, argumentos e fatos
para defesa do seu ponto de vista.
154 UNIUBE

A proposta apresentada é moderna e trata de um assunto que está no


cotidiano dos alunos: as redes sociais. Para que o aluno possa elaborar
um texto dissertativo-argumentativo coerente, ele deverá atingir aos
princípios básicos da tipologia dissertativa.

O professor, previamente, trabalhou esse assunto e poderá retomá-


lo ao explicar o que deve ser feito, apresentando uma proposta de
planejamento da escrita.

O ato de produzir textos requer planejamento: escrever, revisar e


reescrever, sendo esses comportamentos importantes para uma boa
produção escrita. Além disso, a reescrita não consiste em apenas corrigir
os erros ortográficos ou gramaticais, por exemplo, mas em (re)pensar
naquilo que possa provocar estranhamento no seu leitor.

No processo de escrita e reescrita, devemos sempre pensar:

Por quê?
Para quê?
Para quem?
Quem é meu interlocutor?
Consegui estabelecer uma coerência no meu texto?
Meu texto está adequado ao contexto que ele irá circular?

Partindo desse pressuposto, recorremos às ideias de Pacheco (2016, p.


39) ao apresentar que:
Percebemos que, além da leitura do professor,
duas práticas são importantes na avaliação de uma
produção textual: a autoavaliação e a avaliação
do colega. Essa primeira deve ser feita pelo próprio
aluno, que lê seu texto, avalia o que precisa melhorar,
o que pode acrescentar para que o texto fique mais
coerente, o que pode retirar de algum trecho que
tenha gerado redundância, até mesmo verificar a
ortografia de alguma palavra que tenha tido dúvida na
UNIUBE 155

hora de escrever. Além disso, o aluno deve verificar a


adequação da linguagem ao público a que se destina o
texto, o gênero utilizado, o efeito de sentido que almeja,
entre outras estratégias de adequação.

Portanto, na atividade apresentada, no momento da reescrita, o professor


deve direcionar seus alunos a reestruturar o texto a partir desses
questionamentos, que podem ser reformulados e discutidos antes do
momento destinado para tal.

Esse momento destinado à discussão é, também, uma etapa importante


aos alunos e ao professor uma vez que é possível, nesse espaço, a troca
de conhecimentos que influenciam as próprias produções.

Por fim, uma estratégia interessante para esse momento de escrita


e reescrita pode ser a coletividade. Um texto pode ser produzido em
conjunto (Figura 2) por meio de uma temática que professor e alunos
podem encontrar.
156 UNIUBE

Figura 2: Composição coletiva.


Fonte: Acervo EAD-Uniube.

Após o levantamento de palavras-chave sobre o tema, o texto é


produzido em conjunto, na oralidade e, como já mencionado, os desvios
de ortografia e gramática, nesse primeiro momento, não são levados em
consideração. Depois desta etapa, todos os alunos vão levantando esses
desvios de língua e, juntos, corrigindo aqueles que não fizerem parte da
composição do enredo a fim de que o texto fique coeso e coerente.

Esse trabalho em conjunto possibilita o desenvolvimento cognitivo do


estudante, amplia o conhecimento de mundo e desperta o interesse pela
produção textual de uma forma ampla e social.

4.1.3 O processo de reescrita: momento de aprendizagem

Ao chegar ao segundo momento, o da reescrita, é necessário que o


aluno, junto ao professor, avalie a produção, pois a reescrita também
requer qualidade.

Wink; Gasparini (2013, p. 47) reafirmam que “preparamos o aluno para


a realidade de escrever textos como escrevemos fora da escola: em um
UNIUBE 157

processo que envolve trabalho. Entretanto, não basta solicitar aos alunos
que reescrevam; é necessário auxiliá-los nessa tarefa.”

A atividade de correção, por parte do professor, deve ultrapassar o


senso comum da prática da “caneta vermelha” sob tudo o que deve
estar “errado”. Há outros instrumentos pedagógicos que auxiliam os
professores nessa ação e, principalmente, que agregam o aluno como
participante desse processo, levando, assim, à prática da reescrita como
momento de aprendizado.

As estudiosas apresentam um quadro demonstrativo de atividades


relacionadas à reescrita, que pode ser utilizado pelo professor. As autoras
indicam a respeito de questionários de avaliação, que pode ser do
próprio texto e do texto do/da colega, como forma de registro dessa
avaliação e da possibilidade da reescrita.

Quadro 1: Atividades relacionadas à reescrita

Atividades relacionadas à reescrita:

Questionário 1 - avaliação do próprio texto;


Questionário 2 - avaliação do texto do/da colega;
Bilhetes das professoras nos textos;
Conversas individuais e coletivas sobre os textos.

Fonte: Wink; Gasparini (2013, p. 48).

Nesse quadro, é interessante destacar os passos que o professor


pode percorrer para chegar à prática da reescrita, porque o aluno irá
compreender e sentir-se parte integrante do processo da construção do
texto, para fins específicos e não, somente, mera reprodução de ideias.
158 UNIUBE

Como é perceptível, essa ação – de reescrever – permeia um item


denominado avaliação, que, aqui, não está caracterizado como
determinar um valor, chegar a uma nota final, mas, sim, de apreciar a
competência, o progresso de quem produz um texto.

Para reescrever, é preciso que o autor se assuma como


leitor crítico do próprio texto, o que precisa ser mediado pelo
professor. A orientação do professor pode ser maior ou menor,
de acordo com autonomia que os alunos já adquiriram nesse
processo. (WINK; GASPARINI, 2013, p. 49).

Vale lembrar que esse processo não está ligado unicamente ao professor
e ao aluno produtor, mas por momentos coletivos desses sujeitos mais os
outros alunos, pois eles também auxiliam na avaliação e no apontamento
das melhorias necessárias.

De acordo com Teberosky (1997, p.99), o procedimento de reescrita,


em sala, tem como objetivo fazer com que os estudantes “imitassem
o comportamento do outro, sendo que o ‘outro’ era um profissional
da redação escrita – isto é, estávamos estimulando uma espécie de
pedagogia dos bons modelos.”

PONTO-CHAVE

Considerando que os alunos dos primeiros anos do Ensino Fundamental II


estão, ainda, em um processo de aquisição da linguagem escrita formal, o
professor deve refletir sobre que o ensinar a escrever e, também, ensinar a
reescrever, não tomando como base o texto de outros alunos, mais velhos,
que já dominam a escrita.
UNIUBE 159

Para pensarmos um pouco sobre as características da escrita desse


público, observemos o texto a seguir que, a princípio, pode apresentar
muitos problemas de ordem ortográfico-gramatical.

Figura 3: Escrita de um aluno do Ensino Fundamental

Uma sugestão de atividade seria a reescrita coletiva. Com ela, a partir


de alguns questionamentos que o próprio professor faria, os alunos
conseguiriam visualizar e resolver os problemas evidentes de coesão,
coerência, desvios da norma culta e desvios ortográficos.
160 UNIUBE

Figura 4: Professor mediando as discussões.


Fonte: Depositphotos-Acervo EAD-Uniube.

É nesse momento de reescrita, então, que os elementos essenciais


para a constituição de um bom texto – como coesão e coerência – são
retomados, de forma contextualizada, sendo apresentados e explicados
pelo professor, mostrando-se como eles podem desenvolver melhor tais
peculiaridades a fim de conferir uma progressão textual adequada.

Com alguma colaboração do professor-leitor para a


compreensão do texto, mesmo antes da correção dos
problemas acima mencionados, é possível observar
que:
• o aluno escreve uma narrativa, incorpora a
expressão “era uma vez”, típica de narrativas
infantis escritas, embora organize sua narrativa
como as narrativas orais (presença do
sequenciador “daí”, ausência de outros elementos
de coesão).
• o aluno produz um texto que reflete o seu momento
no processo de apropriação da escrita. (FIAD,
2006, p. 39).
UNIUBE 161

Como já mencionado, alguns problemas, tais como os aspectos


problemáticos de ordem ortográfica, ausência de pontuações, etc. são
fáceis de serem corrigidos, pois esses desvios são apenas estruturais.

Mas, o que podemos observar, no texto (Figura Elementos


coesivos
3), é que a lógica dos fatos, de ordem textual-
Mecanismos
discursiva, faz com que haja a construção de uma linguísticos que
permitem uma
narrativa, mesmo com ausência de elementos sequência lógico-
coesivos e a repetição de alguns desses semântica entre as
partes de um texto,
elementos. sejam elas palavras,
frases, parágrafos,
etc. (Infoescola).
É nesse momento, então, que é possível construir
um conhecimento gramatical e textual dos
estudantes, ao mostrar que, ao produzir um texto, devemos levar em
consideração, primeiramente, o que se quer dizer, para quem dizer, como
dizer e não, apenas, escrever aquilo que se é obrigado, de acordo com as
regras gramaticais e ortográficas, pois há o mito de que “saber ortografia
é saber escrever”. (FIAD, 2006, p. 39).

O professor, no Ensino Médio, passa observar, além dos desvios


ortográficos, a relação dos elementos na construção da coesão e
da coerência, além do processo de produção textual, que pode ser
observada por meio do processo de argumentação. Dessa forma, outros
problemas, que dizem respeito à coesão e à coerência, ainda persistem.

Nas palavras de Freitas (2017, p. 35), “algumas pistas são


apontadas para que o interlocutor interprete o caminho a ser
percorrido sobre o desenvolvimento do texto e da fluência das
informações, utilizando dois recursos textuais: i) estrutural e ii)
coesivo [...].”
162 UNIUBE

Analisemos um trecho de um texto dissertativo-argumentativo, de uma


aluna do 3º Ano do Ensino Médio, cujo tema é o mesmo da proposta de
escrita, já apresentado: “O uso excessivo das redes sociais”.

Figura 5: Texto de aluno do Ensino Médio.

Asseveramos que outra proposta de reescrita, para estes alunos desta


faixa etária, seria por meio do olhar do outro, solicitando que os colegas
de sala troquem os textos entre si. Muitos deles apontarão alguns desvios
e questionamentos na primeira leitura.

Nesse caso, alguns problemas não seriam resolvidos instantaneamente,


precisando de o professor intervir até chegar ao texto ideal. Esses
movimentos de ida e vinda, escrita e reescrita do texto são essencialmente
importantes para que o aluno desenvolva uma consciência linguística,
por meio dos apontamentos feitos.

A maturidade dos alunos, nessa fase de escolarização, contribui bastante


para a cooperação das reescritas dos colegas.
UNIUBE 163

Assim, nos processos de reescritura dos textos, mediados


pela interlocução com professores e alunos, ocorre a reflexão
sobre a linguagem, que reincidirá sobre a reescrita dos textos.
Ainda, uma das finalidades da leitura em sala de aula é também
reincidir sobre os processos de produção textual, tanto no que
se refere a ter o que dizer quanto a como dizer, uma vez que
pela leitura os sujeitos constroem conhecimentos sobre o mundo
e sobre a linguagem. (RODRIGUES; CERUTTI-RIZATTI, 2011,
p. 74-75).

De uma forma geral, ao ter a percepção do “outro” sobre sua produção,


cria-se a posição e constituição de autor do texto e o processo de
reescrita fica mais tranquilo, permitindo que sejam incorporados novos
saberes aos que já se tem, e o professor é o mediador nessa integração
de informação, além de ensinar o processo formal da constituição do texto.

4.2 Gêneros textuais e o ensino de Língua portuguesa

Adotamos, neste texto, a classificação de gênero textual pautado na


perspectiva de Bakhtin (2003), que o define como:
[...] cada campo de utilização da língua elabora
seus tipos relativamente estáveis de enunciados,
os quais denominamos gêneros do discurso. A
riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são
infinitas  porque são inesgotáveis  as  possibilidades  da
multiforme atividade humana e porque em cada campo
dessa atividade é integral o repertório de gêneros do
discurso, que cresce e se diferencia à medida que se
desenvolve e se complexifica um determinado campo.
(BAKHTIN, 2003, p. 262).

A partir dos estudos desenvolvidos por esse pesquisador russo,


os gêneros são concebidos como resultado dos diferentes tipos
de enunciados, elaborados nas diversas esferas da atividade humana, ou
seja,  nas infinitas atividades de  linguagem nas formações sociais.
164 UNIUBE

Atualmente, encontramos inúmeros gêneros textuais em nossa


sociedade e essa diversidade pode ser uma aliada do professor de
Língua portuguesa no ensino do português.

Segundo algumas pesquisas atuais, tal como a desenvolvida na


Universidade Federal de Santa Catarina, apresentada no livro “Linguística
aplicada: ensino de língua materna”, a aula, em si, já é considerada um
gênero, pois, segundo Matêncio (2001, p. 201), “a aula é um dos gêneros
pelos quais se materializa o discurso didático”.

Nesse gênero, é possível que haja diversos focos, dependendo do


propósito comunicativo do falante; são
[...] focos discursivos metalinguísticos, visando à
construção do saber nomear, [...] focos discursivos
que incidem sobre os modos de realizar as tarefas,
objetivando a construção do saber fazer, e focos
conceituais, privilegiando a construção de saberes
sobre o objeto de ensino e aprendizagem. (MATÊNCIO,
2001, p. 151).

Partindo dessa ideia, então, conseguimos avaliar que a construção do


saber pode ser metalinguística, ou seja, conseguimos descrever ou falar
sobre a linguagem por meio dela mesma, por meio da mobilização dos
nossos saberes e da própria língua em uso.

• A proposta do ensino da linguagem de natureza operacional e


reflexivo aponta o texto como unidade de ensino e os usos da
linguagem como objeto de ensino e aprendizagem, por meio das
práticas de escuta, leitura, produção textual e análise linguística.
• Mas, a partir dessa reflexão, pensemos: “Como elaborar nova
prática de ensino e aprendizagem de produção de textos, de modo
a explorar a linguagem situada em contextos de uso e em práticas
socioculturais específicas, uma vez que a prática da redação escolar
não atende a essas novas demandas teórico-pedagógicas?”.
(RODRIGUES; CERUTTI-RIZATTI, 2011).
UNIUBE 165

Assim, para cada gênero textual, que se enquadra em diferentes tipos,


há características diversas, conforme as solicitações comunicativas. Por
isso, podemos afirmar que os gêneros são infinitos, pois eles atendem
às necessidades da sociedade.

Antunes (2009) demonstra a importância de se trabalhar os tipos


e gêneros textuais na escola. A autora afirma que os textos, quando
inseridos nesse contexto, assumem sua real função nas práticas
linguísticas dos alunos, principalmente, no desenvolvimento de
competências e habilidades de leitura e de produção escrita.

Observe, a seguir, um texto verbo-visual, do gênero, charge.

Figura 6: Sem emprego, com salário atrasado, com dívidas...


Fonte: Acervo EAD-Uniube.

Conforme Romualdo (2000), a charge tem a função de desencadear


o riso, o humor e, simultaneamente, suscitar a perplexidade, o horror
acerca dos problemas que o texto apresenta.

Normalmente, uma charge aborda temas importantes, atuais,


relacionados ao mundo político e também a fatos presentes nos cotidianos
166 UNIUBE

das pessoas. Ela é caricaturada, ou seja, um desenho que enfatiza e


exagera as características da pessoa de uma forma humorística, irônica,
satírica.

O texto intitulado “Sem emprego, com salário atrasado, com dívidas...”


apresenta uma mãe e seu filho; essa mãe está remendando a roupa de
seu filho para que ele possa ir à escola. Essa charge, na aula de Língua
portuguesa, pode ser analisada a partir de duas possibilidades:

1 - classificatória e gramatical, sem levar em consideração qualquer


outro fator;
2 - por meio da função discursivo-gramatical e inferencial.

Vejamos:

O professor poderia trabalhar com o diálogo, isoladamente, analisando-o:


a) morfologicamente e, posteriormente, b) sintaticamente.

a) Análise morfológica:

Não – Advérbio
Se – pronome reflexivo
Importe – verbo
Filho – substantivo
É – verbo
Mês – substantivo
De – preposição
Julho – substantivo
É – verbo
Festa – substantivo
Junina – adjetivo
UNIUBE 167

b) Análise sintática:

* Sujeito “você” (não expresso, erroneamente chamado de “oculto”). Trata-se de


verbo no imperativo afirmativo, com sujeito de 3a. pessoa do singular.

Já sob uma visão discursivo-gramatical inferencial, é possível levar o


aluno a refletir as condições de produção do texto.

Em uma interpretação primária, o aluno poderá dizer que o texto


verbo-visual aborda a crise econômica pela qual o Brasil está
passando, começando pelo título da charge. Ainda, pode associar
a roupa remendada do filho, que vai para a escola, à crise do país e,
principalmente, à fala da mãe justificando a ação do remendo.

Também, é possível pensar na seguinte pergunta: por que foram


escolhidas expressões como: “festa junina”; “Não se importar”? Essas
palavras desencadeiam somente uma visão gramatical tradicional que
enfoca qual o papel de cada uma delas na constituição da oração ou
conferem uma direção interpretativa?
Para o trabalho com as práticas de leitura, escuta,
produção textual e análise linguística o professor
deve ser um profundo conhecedor das teorias
sobre ensino e aprendizagem de língua materna,
letramento, gêneros do discurso, discurso, texto,
variação linguística, aquisição da linguagem, gramática
etc. É esse conhecimento que permite ao professor
construir elaborações didáticas que viabilizem mediar a
implementação dos usos da língua nas práticas sociais.
(RODRIGUES; CERUTTI-RIZATTI, 2011, p. 147).
168 UNIUBE

As palavras, por mais que exerçam papéis importantes na constituição


de um texto, em sua organização, querem dizer muito mais. Por isso, a
classificação gramatical tradicional não deve ser abolida nas aulas de
Língua portuguesa, mas deve ser consequência de uma reflexão sobre
a língua e suas funções dentro de determinadas situações.

A mãe, para proferir tais dizeres e com cara de espanto, deixa implícito
que é inadequado ir com roupas remendadas à escola, mas que, naquela
ocasião, seu filho passaria despercebido por ser mês de festa junina,
maquiando a situação em que eles se encontram.

Se a mãe do menino utilizasse outras palavras e outra estrutura,


tal como “Menino, fique tranquilo. Você está ótimo para o mês
junino!”, direcionaria para a mesma interpretação?

A charge propõe essa discussão. E ainda mais: será que as famílias,


na atual situação do país, estão conseguindo suprir suas necessidades
básicas e tendo condições de adquirir bens e serviços comuns?

Por fim, é relevante acrescentar que os gêneros textuais, inseridos nas


aulas de Língua portuguesa, desenvolvem uma reflexão crítica acerca da
língua em uso, além do exercício de pensamento mais bem estruturado
por meio dessa ação e, consequentemente, o conhecimento linguístico
é desenvolvido e aplicado em diversas situações discursivas.

4.3 O ensino de gramática pelo viés da Linguística aplicada

Como já explicitamos, neste capítulo, muitas vezes, as escolas (e a


sociedade, em geral) associam “aula de Língua portuguesa” com aula
de “gramática”. Com isso, acreditam que todo o trabalho dessa disciplina
UNIUBE 169

deveria ser a partir do “decorar” e do classificar termos da gramática


normativa, sem levar em consideração a reflexão e o uso dos textos em
situações de comunicação diversas, a fim de obter sucesso nos diversos
exames de seleção.

O que isso significa?

Isso significa que o ensino de gramática deve sim, fazer parte das aulas
de Língua portuguesa, mas não como o único objeto de estudo. Esse
estudo pode privilegiar as descrições e utilizações, como mencionado,
em situações cotidianas para que o aluno consiga materializar aquilo que
foi aprendido com a vida real.

Nesse sentido, a Linguística aplicada é uma teoria basilar, pois ela


identifica uma questão de uso da linguagem, busca subsídios teóricos
em áreas e estudos relevantes para chegar a uma análise da questão-
problema na prática e, assim, reflete acerca do uso do conhecimento
linguístico dos falantes usuários da língua.

Observe os dois exemplos que seguem:

a) Kátia está em Uberaba. (Localização no espaço).


Está em Uberaba – elementos ligados pela preposição em.

b) Henrique se formou em Letras-Português/Inglês (Localização na noção


das especialidades acadêmicas ou profissões).
Formar-se em Letras – elementos ligados pela preposição em.

De acordo com a gramática normativa, os termos em destaques são


classificados como preposições, ou seja, é o termo que liga dois
elementos em uma frase, estabelecendo uma relação entre eles.
170 UNIUBE

Entretanto, como podemos analisar, por mais que as duas orações


utilizem o mesmo elemento de ligação, ele foi utilizado com sentidos
diferentes, isto é, em cada contexto, o interlocutor quis indicar um sentido
diferente entre as possibilidades alternativas de uso. Em a) está indicando
a localização de um espaço e em b), localização de noção a partir de
especialidades acadêmicas.

Se analisássemos somente pelo viés da gramática normativa, por meio de


exercícios repetitivos e descontextualizados, percebemos que a resposta
aos questionamentos acerca das preposições seria classificatória (se elas
são essenciais, acidentais ou prepositivas) e, por muitas vezes, algumas
possíveis relações entre tempo espaço já conhecidas.

Travaglia (2000) orienta que se deve discutir com os alunos os sentidos


das preposições e as diferenças entre as possibilidades de usos desses
termos na produção oral e escrita, “verificando em que situação(ções)
cada sequência pode ser usada (p. 65).

O pesquisador ainda acrescenta que, ao ensinar esse conteúdo, o


professor pode
Fazer um levantamento das preposições e locuções
prepositivas que indicam localização / situação (em,
sob, sobre, abaixo/acima de, por baixo/cima de, em
cima/baixo de, ao lado de, junto a, à direita/esquerda
de, ante, diante, em frente de, em frente a, à frente de,
entre, sem, trás, perante, após, com, etc. (TRAVAGLIA,
2000, p. 65).

Este trabalho desencadeia um ensino de gramática reflexivo, pois leva os


alunos a refletirem sobre as leis e o funcionamento das estruturas que já
conhecem e já usam, porém de forma contextualizada, discursiva. Nesse
processo, acrescentam-se, sobretudo, os conhecimentos de mundo,
UNIUBE 171

conhecimento prévio, as vivências, interpretações e o(s) ponto(s) de vista


sobre o tema abordado.

Analisemos outro texto, agora verbo-visual (Figura 7), que trata de mais
um aspecto da gramática, sendo uma possibilidade de trabalho de forma
reflexiva.

Figura 7: Conversa entre políticos.


Fonte: Acervo EAD-Uniube.

Ao analisar esta charge, consideremos, inicialmente, o primeiro diálogo:

“Você já providenciou a mala?”.

Nesse caso, para que o professor leve o aluno a dominar a norma


culta ou a língua padrão, ensinando de forma reflexiva e discursiva, as
172 UNIUBE

discussões poderão iniciar-se de forma dinâmica, buscando ler todos os


elementos que constituem o texto.

Quem pode ser os personagens principais?


Quem são as pessoas que utilizam mala no âmbito do trabalho?
Para que eles utilizam mala? Com qual intuito/intenção?
Quem são as pessoas que ficaram conhecidas, no Brasil, por
utilizarem malas para transportar dinheiro ilegal?
Por que o primeiro personagem disse “a” mala e não “uma”
mala?

Nesse caso, o professor está trabalhando a classe de palavra “artigo”,


sem considerar, ainda, as classificações e as listas existentes desse
conteúdo.

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

Vejamos o que Soares (1979, p.100) nos explica:

• É preciso alertar para o perigo de usarmos


essa metodologia [gramatical] de ensino
de gramática sem conseguirmos instalar um
processo de ensino-aprendizagem do português
que seja coeso e dinâmico. Basta, por exemplo,
querer distribuir no tempo os “momentos” da
gramática para perdermos toda a noção de
processo: “Vamos trabalhar com uma gramática
não-consciente até a quinta série. Na sexta
e sétima, trabalharemos com a gramática
reflexiva. Na oitava, introduziremos teorização
gramatical.”
• Numa visão assim, perdemos toda a filosofia
que subjaz a este método, que é a filosofia
de ensino das leis e normas emanadas do
Conselho Federal de Educação para a reforma
UNIUBE 173

do ensino. O mesmo acontecerá se o professor


quiser trabalhar as três “gramáticas” (teórica,
reflexiva, descritiva) a cada momento, a
propósito de todos os conteúdos.

O foco de análise do texto verbo-visual é mostrar a diferença semântica,


ou seja, de sentido produzido ao utilizar “a” e não “uma”.

No diálogo, há uma mala específica, aquela já conhecida, já mencionada


em outras conversas; caso fosse substituído por “uma” (Você já
providenciou uma mala?), o personagem poderia referir-se a uma
qualquer, sem, necessariamente, estar vinculado à ideia inicial de um
objeto já previamente identificado ou conversado.

Travaglia (1998) argumenta que o homem se comunica por meio de


textos e, por meio disso, produz efeito(s) de sentido(s) entre o que foi
produzido sobre o interlocutor desse mesmo texto.

Dessa maneira, se o ensino de Língua portuguesa restringir-se,


basicamente, à classificação e teorização de termos gramaticais, sem
levar em consideração o contexto, o uso social, não estará atingindo
um propósito comunicativo, aquele que é basilar para que haja uma
comunicação e o desenvolvimento da competência linguística e reflexiva
dos seres humanos.

Analisemos os exemplos apresentados pelo autor.


174 UNIUBE

i) preço da entrada é X.
ii) O preço de uma entrada é X.
iii) O preço de entrada é X.

• i) é um texto que poderia ser usado em qualquer


situação em que se pretende dizer quanto custa a
entrada, o ingresso para algo, por exemplo, para
um show, um jogo no estádio, cinema, parque
de diversões, etc., inclusive poderia responder à
pergunta: “Qual é o preço da entrada?”, “Quanto
custa a entrada?”.
• Já ii) só poderia ser usado, por exemplo, em uma
situação em que se discute o valor da entrada
para se comprar uma só ou muitas. Talvez como
parte de um texto maior “O preço de uma entrada
é R$ 10,00; mas, quando a gente compra mais de
dez, eles fazem cada uma a R$ 7,00 e mais de
cinquenta eles fazem a R$ 5,00”.
• Ou então, poderíamos ter, por exemplo, uma
situação em que alguém destaca o preço de uma
entrada para colocar que não há dinheiro para
comprar a quantidade desejada como em “O
preço de uma entrada é R$ 10,00. Para irmos os
dez ao parque não dá porque só temos R$ 80,00.
Isto vale para qualquer coisa, pois podemos ter um
balconista de qualquer estabelecimento dizendo “O
preço de um A (livro, maçã, meia, etc.) é R$ 5,00,
mas, se você comprar mais de dez, fazemos a R$
4,00.
• Já iii) não se refere a ingresso, mas a outro tipo de
entrada: é o começo de participação de algo, como
ser sócio de um clube, por exemplo:
___ “Quanto paga para ser sócio do seu clube?
___ O preço da entrada é R$ 100,00, depois você paga
uma mensalidade de R$ 30,00.”. (TRAVAGLIA, 1998, p.
174-175).
UNIUBE 175

A partir disso, é possível perceber que o ensino de gramática, pautado em


uma proposta aplicada, reflexiva, discursiva, busca, além de descrever os
problemas dos falantes, recorrentes quanto à utilização da gramática em
diversas situações de comunicação, levar o aluno a pensar, a raciocinar,
a desenvolver sua capacidade comunicativa e linguística dos fatos e
fenômenos da língua que se encontram na sociedade.

4.4 Considerações finais

Neste capítulo, buscamos evidenciar a importância da Linguística


aplicada ao ensino de língua materna, principalmente levando em
consideração os elementos gramaticais, propostos pela norma culta,
porém de uma forma discursivo-reflexiva, isto é, considerando aqueles
elementos que desencadeiam um (ou vários) efeito(s) de sentido(s)
intencional (intencionais) por quem produz o texto.

O que buscamos evidenciar aqui é que a Linguística aplicada, como


já estudado, analisa os problemas reais de uso efetivo da língua a
fim de buscar resolver essas situações-problema por meio do próprio
conhecimento do falante, porém de maneira que ele consiga perceber
o conhecimento linguístico que já possui, mas mobilizando-o para
compreendê-lo e saber utilizá-lo, de forma adequada, nas diversas
situações de comunicação.

Isso só é possível por meio de um ensino de língua portuguesa prático,


social, reflexivo e discursivo, assim como propõe vários estudos da
Linguística aplicada.
176 UNIUBE

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Anotações
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