Metodológicos
do Ensino de
Língua Portuguesa
LÉO MACKELLENE GONÇALVES DE CASTRO
LÉO MACKELLENE GONÇALVES DE CASTRO
FUNDAMENTOS
METODOLÓGICOS DO ENSINO
DE LÍNGUA PORTUGUESA
1ª EDIÇÃO
Sobral/2016
INTA - Instituto Superior de Teologia Aplicada
PRODIPE - Pró-Diretoria de Inovação Pedagógica
Leitura Obrigatória.................................................................................................
Bibliografia..............................................................................................................
Bibliografia Web.....................................................................................................
Palavra do Professor-Autor
São essas e outras questões que vamos abordar na disciplina que por hora
começamos, tentando dar conta das implicações pragmáticas das escolhas teórico-
pedagógicas que fazemos.
O autor.
Bons estudos!
Procure ler esse prefácio, identificando em que pontos esse dicionário vai de
encontro ao que nosso material vem defendendo.
GUIA DE ESTUDO
Após a leitura das obras, escolha uma e faça a resenha crítica e comente
com seus colegas na sala virtual.
GUIA DE ESTUDO
HABILIDADES
Analisar o fenômeno linguístico além da questão meramente gramatical –
compreensão equivocada inculcada nos falantes da língua durante toda a
Educação Básica –, compreendendo-o como instrumento de dominação social e
fator de identidade cultural.
Reconhecer a língua portuguesa e a sua importância como instrumento de
construção de concepções sobre si e sobre a realidade em nossa volta.
ATITUDES
Posicionar-se criticamente com relação aos preconceitos linguísticos cometidos
cotidianamente pelo desconhecimento da realidade do fenômeno linguístico no
Brasil.
Está tudo relatado em A vida secreta das plantas de Peter Tompikins e Cris-
topher Bird (1989). Segundo esses dois cientistas, há uma espécie de aura que os
antigos físicos chamavam de “fogo sutil” e que os atuais físicos chamam de “magne-
tismo”, que liga entre si todos os seres vivos sobre a terra. Essa ligação, se dá em um
nível muito menos perceptível que as visíveis catástrofes naturais acontecidas nos
últimos anos, consequência inevitável das inúmeras agressões à natureza. Segundo
a teoria de Peter Tompikins e de Cristopher Bird, toda prática que incidisse sobre um
determinado ser seria sentida por todos os outros seres que estivessem em torno
deste ser que sofre mais diretamente a intervenção.
Para comprovar tal hipótese, vamos observar uma experiência realizada com
plantas e animais.
Só para citar uma dessas experiências, os cientistas puseram numa sala isolada
um barril de camarões vivos e, ao lado desse barril, um aquário de água fervente.
Ao redor dessa sala, em três salas longitudinais, cada qual separada das outras por
espessas paredes de alvenaria, três árvores de pequeno porte. Em cada uma delas,
eles acoplaram eletrodos semelhantes aos que, em seres humanos, são capazes
de detectar a atividade psíquica, ligados, por sua vez, a registros. Num determina-
do momento, o barril de camarões vivos é despejado dentro do aquário de água
fervente. Segundo eles, no momento em que os camarões começaram a morrer,
todas as árvores reagiram a essa agressão como se fosse uma agressão contra elas
mesmas. O mais impressionante de tudo é que, ao serem comparadas a intensidade
da reação, o tempo de duração, o instante em que a reação começa e o instante
em que ela cessa, foi constatado que havia uma simetria perfeita, ou seja, todas as
marcas batiam entre si, todas, como se fizessem parte de um único organismo vivo.
Qual a primeira pergunta que qualquer pessoa faz quando encontra algo que
desconhece, pode ser bicho ou objeto? Por acaso não é um “o que é isso?” cheio
O fruto que esse primeiro homem e essa primeira mulher teriam comido, se-
gundo a explicação mitológica, era da árvore do conhecimento do bem e do mal.
Discernir por si o bem e o mal é separar em categorias grupos de ações e fenôme-
nos, é assumir, acima de tudo, a responsabilidade pela nossa liberdade de escolha.
Quando o homem, no entanto, toma consciência de si e do mundo que o rodeia,
quando ele admite para si o poder de recriar um novo mundo, é que ele se altera,
deixa de ser simples objeto que figura como parte do ambiente para ser, agora,
senhor desse ambiente. É ele que vem lançar luz sobre o mundo desconhecido,
categorizando e rotulando cada coisa que encontra, cada realidade, cada objeto,
cada ser. A decifração do mundo partia, assim, da codificação do mundo.
Em contraposição a ela surgiu uma outra conhecida pelo nome de tese inter-
jecional, segundo a qual os sons da fala são exclamações “de medo, raiva, dor ou
alegria” (Cassirer, 2001, p. 190), ou seja, são manifestações de certos sentimentos e
pensamentos humanos.
Seja qual for das duas teses a verdadeira, o fato é que foi essa capacidade de
nomear, associada ao fato de que nenhum outro animal (O que não quer dizer que
não possuam sistemas próprios de representação, tais como as abelhas, as formigas,
os golfinhos, as baleias etc. Que se comunicam entre si usando sistemas diferentes
do sistema linguístico humano), dispõe destes meios de representação da realida-
de, que forneceu ao homem base para se reconhecer como o animal escolhido por
Deus para dominar o mundo.
Ler é, assim, permitir que a palavra nos atravesse, como se fôssemos nebu-
losos fantasmas luminosos e a palavra, um ente concreto que nos atravessa como
uma flecha, um pássaro que significa, inundando assim, com sua cor peculiar, todo
o nosso pensar, todo o nosso agir. Por dentro de nós, a palavra passeia livre nos fa-
zendo criar imagens novas a partir de nós, do que temos de mais antigo, de nossas
lembranças, criar imagens a partir do que vivemos. A palavra adentra em nós como
um espírito que invade as florestas. É ela, a palavra, a semente para as árvores de
significado que brotarão distintas de pessoa para pessoa e que conservará sempre
um tronco comum que possibilitará a nossa comunhão: a língua.
A mesma língua que serve, por um lado, para libertar o homem de seu medo
original, serve também para oprimir outros homens. Zilá Bernd (1988), em seu livro
O que é negritude, diz que existem duas palavras para o francês se referir ao homem
negro: a palavra noir, mais polida, e a palavra nègre, ofensiva, com a qual os france-
ses costumeiramente agrediam os africanos que viviam na França. A estudiosa diz
que o termo ofensivo gerava o que o poeta antilhano Aimé Cesaire chamava de “a
vergonha de si mesmo”. Como forma de superar essa condição, poetas, escritores e
intelectuais negros de língua francesa, ressignificaram o termo cheio de conotações
pejorativas e fundaram, em 1934, o movimento literário conhecido como Negritude.
Esse é um exemplo forte de que a palavra ela não somente descreve realidades
(tese onomatopeica) ou manifesta sentimentos ou pensamentos (tese interjecional),
mas é representativa de relações sócio-históricas em que conflituam jogos de poder
entre as pessoas. Podendo ressignificar essas estruturas sociais, podendo superar
condições históricas, a palavra, assim como o verbo e assim como Deus, é onipo-
tente.
Cada espécie de papagaio e de palmeira tem seu nome individual, mas não
existe nome algum para expressar o gênero “papagaio” ou “palmeira”. Os
bakairi apegam-se de tal modo às numerosas noções particulares que não
se interessam pelas características comuns. (CASSIRER, 2001, p. 223)
Saiba mais:
Em 1920, o linguista americano Benjamin Lee Worth divulgou uma teoria que
defendia que a nossa compreensão do mundo passa necessariamente pelas cate-
gorias da língua que falamos. Bem, isso não é de todo visível. Basta pensar que o
Mas isso não é privilégio do inglês. Basta que observemos o novo paradigma
pronominal e verbal do português falado no Brasil: as desinências de número, que,
na gramática normativa, aparecem em número de seis (amo, amas, ama, amamos,
amais, amam), na fala cotidiana se reduzem a três (amo, ama, amam). As pessoas
verbais, classicamente seis (eu, tu, ele/a, nós, vós, eles/as), ampliaram-se para oito
(eu, tu, você, ele/a, nós, a gente, vocês, eles/as). E isso é uma característica justamen-
te da automatização porque passa a língua portuguesa no sentido de acompanhar
as necessidades linguísticas do tempo.
A língua é uma convenção social, ou seja, depende das pessoas que a falam, e
sobre a terra não existe um ser humano igual ao outro, é de se esperar que, mesmo
dentro de um mesmo idioma, grupos sociais diferentes usem palavras diferentes
para designar objetos, pessoas, situações, sensações, etc. Do mesmo jeito quando
se trata de indivíduos: cada indivíduo dá a cada palavra determinada carga semân-
tica, dependendo da sua experiência e do seu conhecimento. O poeta francês René
Daumal escreve: “Escuta bem, contudo, não as minhas palavras, mas o tumulto que
se eleva em teu corpo quando me escutas” (BACHELARD, 2000 p. 186). Assim é que
se pode dizer que a palavra não é só objetiva, parte dela também é subjetiva.
Mario A. Perini (2004), em “As Três Almas do Poeta”, ensaio do livro A língua
do Brasil amanhã e outros mistérios, diz que nas diferenças linguísticas (tanto as
de idioma para idioma, quanto às de dialeto para dialeto).
Seja como for, a relação entre as palavras e a cultura de um povo é tão forte
que a palavra que melhor expressa a condição do povo que fala a língua portu-
guesa, tanto mais no Brasil, é “saudade”. A saudade do indígena que já não tem
suas terras e os seus, a saudade do negro que já não está nas suas terras e não
sabe dos seus, e a saudade do europeu que veio embora de suas terras muitas
vezes sem os seus.
Após a queda do Império Romano (por volta do séc. V d. C.), a pressão dos
centros administrativos sobre as comunidades locais diminuiu, e a cultura dessas
comunidades oprimidas até então pelo poder centralizador de Roma pôde então
se desenvolver amplamente. Isso ocasionou um processo veloz de dialetação do
latim em toda a extensão do que antes fora o Império. O vernáculo vai, aos poucos,
fragmentando e pluralizando a “comunidade sagrada” a que Anderson chama de
“comunidade imaginada da cristandade” (ANDERSON, 2008, p. 78).
Disponível em http://www.hs-augsburg.de/~harsch/lusitana/Cronologia/seculo12/Partihas/par_
manu.html. Acesso em 10 de outubro de 2011.
1 In Ch(rist)i n(omi)ne, am(en). Hec e(st) notitia de p(ar)tiçon (e) de devison que
2 fazem(os) antre nós dos h(er)dam(en)tus e dus cou[tos e] das onrras e
3 dou<s> padruadig(os) das eygreygas que fórum de nossu padre e de nossa
4 madre, en esta maneira q(ue) Rodrigo Sanchiz ficar por sa p(ar)ticon na
5 q(u)inta do couto de Vííturio e na q(u)inta do padroadigo dessa eygreyga em
6 todol(os) us h(er)dam(en)tus do couto e de fora do couto. Vu<a>sco
7 Sanchiz ficar por sa p(ar)ticon na onrra d’Ulueira e no padroadigo dessa
8 eygreyga en todol(os) h(er)dam(en)tos d’Olveira e en nu casal de Carapezus
9 q(ue) chamam da Vluar e en outro casal en Agiar que chamam Q(u)intáá.
10 Meen Sanchiz ficar por sa p(ar)ticon na onrra de Carapezus e nus
11 outr(os) h(er)dam(en)tus e nas duas p(ar)tes do padroadigo dessa eygreyga e
12 no padroadigo da eygreyga de Creysemil e na onrra e no h(er)dam(en)to
13 d’Arguiffi e no h(er)dam(en)to de Lauoradas e no padroadigo dessa eygreyga.
14 Eluira Sanchiz ficar por sa p(ar)ticon nos h(er)dam(en)tos de Centegaus e
15 nas três q(u)artas do padroadigo dessa eygreyga e no h(er)dam(en)to de
16 Creyximil assi us das Sestas come noutro h(er)dam(en)to. Estas p(ar)ticoens e
17 divisoes fazem(os) antrenós q(ue) uallam por ens(e)c(u)la
18 s(e)c(u)lor(um), am(en). Facta karta m(en)sse M<a>rcii E(r)a M.ª CC.ª XXX.ª.
19 Vaa<s>co Suariz ts., V(er)múú Ordoniz ts., Meen Farripas ts., Gonsaluu
20 U(er)muiz ts., Gil Diaz ts., Dom M(a)rfío [13] ts., M(a)r(ti)m P(eri)z ts., Don
21 St(e)ph(a)m Suariz ts. Ego J(o)h(an)n(e)s M(e)n(en)di p(res)b(ite)r notauit.
Em vermelho, algumas expressões do latim; em verde, do que viria a ser o espanhol.
Saiba mais:
Fonte: http://hid0141.blogspot.com.br/2012/03/dominio-muculmano-da-peninsula-iberica.html
O Império Romano já não mais existia, mas mesmo assim a organização so-
cial, política e econômica instaurada durante sua vigência ainda prevalecia. José
Hermano Saraiva, em seu livro História Concisa de Portugal, cita o relato do
presbítero de Braga Paulo Osório, que assistiu ao fenômeno das invasões. Segun-
do ele, as invasões representaram:
O fim de uma era de injustiça. Era a opinião dos cristãos, que considera-
vam as invasões um castigo de Deus, mas ao mesmo tempo um ensejo
de libertação e de implantação de uma lei mais justa. [Afinal,] os senho-
res romanos eram mais bárbaros do que os próprios bárbaros (SARAIVA,
1987, p. 29).
Fonte: http://pt.slideshare.net/francielereiza/teyssier-histria-da-lngua-portuguesa
GUIA DE ESTUDO
Saiba mais:
Empréstimo Linguístico:
O que geralmente ocorre quando é necessário descrever uma realidade
nova dentro da cultura de determinado povo.
Foi o que aconteceu, por exemplo, à palavra futebol, que chegou ao Brasil
como empréstimo do inglês football; ou ainda o francês, que deixou marcas pro-
fundas nos costumes nordestinos, como as quadrilhas de S. João, em que se ouvem
palavras de origem francesa como as já aportuguesadas anarriê, alavantur; deixou
também o francês uma palavra não encontrada em mais nenhum outro lugar do
país e que é marca registrada da mais alta manifestação popular do Ceará, a palavra
fulero, que vem do francês le fou, o bobo da corte, o engraçado, o palhaço, e que
assume aqui no Ceará também o sentido de sem valor, feio, mal feito, desordeiro.
Saiba mais:
É esse fenômeno (das mútuas influências que uma língua exerce sobre a outra)
responsável pela variação, dialetação e transformações das línguas, desde a forma-
ção de simples sotaques até a instituição de novas sintaxes, sem esquecer do surgi-
mento de novas palavras originadas não só do contato com outros povos que falam
outras línguas, mas também de expressões internas da própria língua.
Por exemplo, a expressão vossa mercê, que evolui para vosmicê, depois para
vancê (registrado por Jorge Amado em Seara Vermelha), segue para a forma atual
você e que começa a sofrer modificações na fala sendo então pronunciado apenas
“cê” e, na escrita, como “vc”. Outro exemplo disso é a expressão vamos em boa hora
que, pouco a pouco, vai se aglutinando até a forma vamos embora, forma aceita
hoje como oficial, mas que na fala se manifesta já nas concorrentes vambora > rum-
bora > umbora > umbó > bó.
Saiba mais:
Caso mais interessante ainda, para evitar o enfado dos senhores, é a palavra la-
tina para designar serva, escrava, ancila. Há três pronúncias para essa palavra. A pro-
núncia chamada restaurada [ ] (lê-se “ãnquíla”); e a tradicional, que comporta
duas outras 1) [ ] (lê-se “ãnsíla”), que seria já uma transformação da [ ]
(lê-se “ãntsíla”), evolução natural das línguas românicas; e [ ] (lê-se “ãntchíla”),
pronúncia do Vaticano até hoje.
José Lins do Rego, em seu livro Menino de Engenho, faz menção a uma negra
ama de leite sua que também teria lhe contado dessas histórias. Aqui, no Nordeste
e em outras regiões do país, há o costume de chamarmos nossas professoras do
primário de “tia” (lê-se “tchia”), tanto pela relação de proximidade que se cria num
ambiente escolar quanto pela emanação afetiva que existe entre estudante e pro-
fessora do primário. Ora, não seria improvável que essa conotação encontrada hoje
não tenha começado agora; que essa mesma ama que acompanhava os filhos de
famílias abastadas do tempo do Brasil Império e do Brasil Colônia, ou mesmo na
própria Europa Antiga, possa ter sido chamada pelos povos latinos de “ancila” no
sentido de “tia”. Como argumentação a favor, teríamos a pronúncia tradicional “2”
[ ], que teria gerado a palavra “tia” em português; e a pronúncia restaurada [
], que teria gerado a palavra “uncle”: “tio” em inglês.
Será coincidência?
Fica assim demonstrado, “por a mais b”, que as línguas mudam com o tempo.
Mas por que o assunto ainda é um tabu? Marcos Bagno, em entrevista à revista Ca-
ros Amigos, nos dá uma pista a esse respeito. Segundo ele:
GUIA DE ESTUDO
Como você pode observar lendo esta seção, as línguas mudam com o tem-
po, tanto por pressões internas quanto externas (mudanças de realidade social,
surgimento de novas realidades e circunstâncias comunitárias etc.). Ao mudar, no
entanto, é grande a resistência ao reconhecimento oficial daquela nova possibili-
dade linguística, como diz a parte final da seção, porque a língua é um instrumento
também de segregação, de exclusão social. É por isso que as variações linguísticas
são, primeiro, e durante algum tempo, consideradas “erros” da língua. Ou seja, só
depois de algum tempo − que não se pode estimar quanto, mas que pode che-
gar, como vimos no caso do português, durante muito tempo considerado “erro”
de latim, há mil anos −só depois de algum tempo é que as variações linguísticas
podem ser consideradas como tal, promovendo-se a “dialetos” e, posteriormente,
talvez, alçando status de “língua”. As razões pelas quais um dialeto transforma-se
em língua são históricas, e têm haver com questões políticas ligadas a revoluções,
movimentos separatistas e\ou luta por independência ou emancipação.
Por que é correto afirmar que as línguas mudam com o tempo? Use elemen-
tos dessa seção para construir sua resposta.
A ti Mussunda amigo
A ti devo a vida
E escrevo versos que não entendes
Compreendes a minha angústia? (NETO, 1985, p. 54. Grifo meu.)
O reverso disso também era prática que completava o ciclo. Isto é, se por um
lado criava-se no imaginário a ideia de que os inimigos dos portugueses eram de-
mônios, por outro, seus aliados eram considerados honrados membros da socieda-
de portuguesa. Araribóia foi chefe indígena que, por ter auxiliado os portugueses
na mesma Confederação dos Tamoios, recebeu com honrarias o batismo e o nome
cristão de Martim Afonso.
O mesmo se deu com Poti, da nação dos Pitiguaras, tribo do litoral cearense.
Poti auxiliou os portugueses na expulsão dos franceses do litoral do Ceará e da Serra
da Ibiapaba, ao norte do estado. Ao término da guerra, também sob honrarias, o
guerreiro fora “agraciado” com o nome cristão de Antônio Felipe Camarão. Salva-
guardadas as devidas proporções, era como se ele recebesse o título de “Cidadão
Romano”; no caso cidadão “lusitano”. Símbolo de honraria e de status, os indígenas
que recebiam nomes cristãos eram exibidos como modelos de como devia ser e se
comportar um indígena. O modelo era tão significativo que inspirou José de Alencar
na construção de O Guarani e Iracema, ícones máximos do projeto original/oficial
de identidade nacional.
Saiba mais:
João Adolfo Hansen diz que a produção da alma do “gentio” era eficaz quan-
do o próprio “eu” do enunciado se confundia com o “eu” da enunciação. O “eu” do
poema recitado, do texto memorizado para a representação do auto, era o “eu” de
uma pessoa católica, “dotada de interioridade anímica, memória do Bem e culpa do
mal” (HANSEN, 2006, p. 20). Obrigados a recitar o poema ou a ditar o texto, esse “eu
católico” ia sendo assimilado pelo eu que recitava/ditava. Hansen diz que, escrito em
tupi, o poema impunha através da metrificação em redondilha menor (Versos de
cinco sílabas). “uma medida, uma acentuação, um sistema de pausas, um ritmo e,
principalmente, a forma de uma respiração católica” (Hansen, 2006, p. 20) que sub-
mete a própria dicção do indígena, transformando-a, ressignificando-a, gerando no
“gentio” uma “memória artificial” através da qual passa a enxergar os de sua etnia e
a si mesmo.
Darcy Ribeiro (1995, p. 117-118), em seu livro O Povo Brasileiro, diz que:
O ser normal [dessa comunidade que se formava no Brasil] era aquela ano-
malia de uma comunidade mantida em cativeiro, que nem existia para si,
nem se regia por uma lei interna do desenvolvimento de suas potencialida-
des, uma vez que só vivia para os outros e era dirigida por vontades e mo-
tivações externas, que o queriam degradar moralmente e desgastar fisica-
(...)
Em 1979, o escritor cearense Carlos Emílio Corrêa Lima, publicou um livro inti-
tulado A Cachoeira das Eras, onde narra a história da Coluna de Clara Sarabanda,
que percorre a mata atlântica da América Latina em busca de um templo perdido
que é o próprio passado. “Os mortos serão nossos guias” diz ele logo na invocação
às musas que, segundo o livro, serão os mortos “gritando do antes dos aniquila-
mentos gerais, porque ninguém os escuta”. A certa altura, o narrador-personagem
reclama:
O que me aniquila é não saber o nome de cada uma dessas árvores. O que
me amofina é não saber o verdadeiro nome desses bichos, desses pássa-
ros, desses répteis, desses peixes. Sinto-me fluindo das dobras do vazio.
Não sei o nome de nenhuma estrela e não digo em ascensão os nomes
dos planetas numa velocidade mágica da fala. (...) Ele já nem falava. Perdera
praticamente a memória da linguagem de sua nação, linguagem que fora
sendo elaborada durante séculos com a ajuda do murmurejar dos rios, do
estalar dos galhos, do farfalhar das folhagens, com o estrépido [sic] dos
peixes pela água, com o ruflar das asas e o canto dos pássaros e os ecos
animais do fundo das noites mais antigas e dos cipós e do gosto da polpa
dos frutos sumarentos ou azedos e da sensação dos corpos nas viagens
pela mata. Tudo estava esquecido no corpo daquele homem (LIMA, 1979,
p. 120, 171).
Pois é essa linguagem que, mais de 100 anos antes, Alencar tentava marcar
como traço principal de uma identidade nacional, ao misturar à prosódia portugue-
sa à melodia nativa.
A burguesia de 1789 instalou sobre o dito Velho Mundo uma nova ordem cal-
cada na propaganda dos ideais iluministas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Assim, conseguiu congregar, sob a mesma égide, intelectuais, liberais, operários e
GUIA DE ESTUDO
O Português Brasileiro
Durante muito tempo o francês, o italiano, o romeno (oriental e ocidental), o
espanhol e o português — todas as línguas neoromânicas (ou neolatinas) — foram
considerados “erros de latim”. Só depois do período da formação dos Estados Na-
cionais, em torno de cada neolatim desse, é que o que era considerado antes como
“dialeto do latim”, passou a ser considerado uma língua diferente do latim. Estamos
vivendo um período semelhante agora. A língua portuguesa se espalhou no mundo
pelos cinco continentes. Portugal, arquipélago de Açores, arquipélago de Madeira
(Europa), Brasil (América), Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, Angola
e Moçambique (África), Goa, na Índia, Macau, na China, Japão (Ásia), Timor Leste
(Oceania).
Todos os trabalhos incluídos nesta coletânea devem ser vistos como tra-
balhos em andamento, partes de projetos maiores de seus autores. Mas
os resultados fornecem uma descrição bastante instigante do que vem
mudando no português do Brasil, e o conjunto desses resultados é uma
evidência de que o que ocorre não é um processo de ‘deterioração da gra-
mática’, como pensam os escolarizados pela ótica da gramática prescritiva,
mas uma reorganização interna coerente, uma mudança radical na língua.
(ROBERTS; KATO, 1996, p. 19)
Dessa forma, por manter vínculos culturais com o passado (e por conta de
todos conflitos socio-culturais e psicológicos que isso implica), a mudança morfoló-
gica da língua tende a seguir mais lentamente sua jornada. Embora haja linguistas
– como Luiz Antônio Marcuschi (2004) – que discordam dessa dualidade tradicional
com que se vê a língua escrita e falada.
consoante1+consoante2+vogal+consoante3+consoante4
Segundo Rosa Virgínia Mattos e Silva (1993), em seu artigo “Português Bra-
sileiro: raízes e trajetórias”, “articulamos claramente no Brasil as vogais não-acen-
tuadas, mas enfraquecemos as consoantes finais, o inverso ocorrendo no europeu”
(p. 2). Em Portugal, as vogais pré-tônicas continuam perdendo força e, consequen-
temente, caindo. É o caso de:
cap’linha
s’tembro
p’dir
ec’nomica
Aqui, no Brasil, acontece com o português o que aconteceu com o latim clás-
sico, “o acento cai com grande força sobre as sílabas que fere, dilatando as vogais e
Quer dizer que pode ser que daqui a alguns anos estejamos escrevendo “ôro”,
ao invés de “ouro”, “pêxe”, ao invés de “peixe”, “baxo”, ao invés de “baixo”? Sim.
É possível.
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Configura-se aqui o que Marcos Bagno (2001) chamou, em sua obra homôni-
ma, de Preconceito Linguístico.
Nível Morfológico
A Nova Reforma Ortográfica aprovada em 2008 é um bom exemplo de mu-
dança nesse nível. Ela ocorre no sentido de tentar unificar as escritas dos países lu-
sófonos a fim de facilitar a comunicação entre eles. A que pode ser relembrada aqui
é quanto à queda do “c” e do “p” mudos como em acto e optico.
Essa não foi a primeira reforma ortográfica. A primeira e mais profunda refor-
ma aconteceu em 1911 e acabou com grupos de letras como ph, th e rh, represen-
tando um retorno à fonética medieval. Mas antes disso, mesmo o aspecto gráfico
da língua sempre passou por mudanças que eram acordadas através de uma con-
venção, muito mais que através de um acordo político assinado e institucionalizado
como as reformas citadas de 1911 e 2008.
1500 1788
1725 1606
Seja como for, podemos apontar a oscilação das vogais “u” e “i”, que ora apa-
recem no PB, como em:
Com a palavra pagão, deu-se algo parecido. Hoje, pagão significa “aquele que
não foi batizado na religião cristã”. Como adquiriu essa conotação? Bem, o termo
advém do latim paganus (veja o sufixo “–ano”, que indica nacionalidade/naturalida-
de), que por sua vez é uma derivação de pagos, que significa “aldeia”. Portanto, pa-
ganus designava “aquele que morava na aldeia”, isto é, o aldeão. O que ocorreu foi
que os apóstolos de Cristo percorriam as regiões a fim de batizar as pessoas. Como
a locomoção naquele momento era algo penoso, algumas regiões — as mais distan-
tes — acabavam por não ser visitadas por estes apóstolos, ficando, seus habitantes,
sem o batismo. Essas regiões distantes que não eram batizadas denominava-se al-
deias. Logo, o termo latino paganus (aldeão) foi evoluindo morfologicamente (para
pagão) e adquirindo esse novo caráter semântico (não-batizado).
Paradigma
Pronominal
PE PB
Eu Eu
Tu Tu
Ø Você
Ele(a) Ele(a)
Ø A gente
Nós Nós
Vós Ø
Ø Vocês
Eles(as) Eles(as)
Observe que aparecem mais três formas pronominais (você, vocês, a gente) e
desaparece a forma vós. Esse fato tem influência direta no paradigma da conjugação
verbal.
Essa forma verbal não é utilizada apenas na fala e por pessoas com baixo
nível de escolaridade. Mário A. Perini é professor do programa de pós-graduação
Todos eles têm o verbo anteposto ao sujeito. E qual a importância deste fato?
Quando se trata de um sujeito plural, no PB, isso faz muita diferença, pois implica na
concordância verbal. Estes são três dos muitos exemplos, citados por Marcos Bagno
(2003), em seu livro A Norma Oculta, em que o verbo, quando anteposto ao sujeito
plural, vem no singular. Veja: no primeiro exemplo, o verbo é “falta” e o sujeito é “de-
cisões corajosas”; no segundo exemplo, é uma locução verbal, “será conduzida”, e o
Essa seria uma outra influência do tupi na língua portuguesa. Segundo Aryon
Rodrigues:
Por que tudo isso ocorre? Não há explicações definitivas. O que há são hipóte-
ses. Todos esses fatos fazem parte do que Mário Perini chamou de “fatos malditos”
(Perini, 2004, p. 31) da língua, e como tal fazem parte da constelação de temas tabu
em torno da língua portuguesa que precisam ser quebrados e levados para discus-
são direta dentro das salas de aula, a fim de quebrar a mais grave consequência
da falsa noção de que existe uma língua certa e uma língua errada: o preconceito
linguístico.
GUIA DE ESTUDO
1. Esta foi a mais longa e mais pragmática das seções até agora. Ela
apresentou os níveis em que a língua se modifica, citando vários
exemplos tirados da linguagem cotidiana do Português Brasileiro.
Faça um resumo de cada nível, apresentando exemplos tirados do
texto e exemplos que você mesmo(a) pode observar nos falantes de
sua comunidade.
Observando estas duas frases, de imediato, qual das duas lhe sugere um erro
gramatical? Se não me engano em minhas previsões, você vai responder que é a pri-
meira. Acertei? Agora, por quê? Essa eu acho que também adivinho: você vai dizer
que é a que apresenta um erro de concordância verbal. A frase deveria ser, na verda-
de, ou “A gente se encontra” (ou “se encontrou”, o tempo verbal é ambíguo na ora-
ção) lá fora; ou “nós nos encontramos lá fora”. Não é isso? Mas procure numa velha
novíssima gramática da língua portuguesa (ou na internet mesmo) qual a conjuga-
ção do verbo vir no imperativo afirmativo na pessoa você. Ela diz que a conjugação
do verbo vir, nesse caso, é venha e não vem como está na propaganda da Caixa.
Se você havia percebido isso, parabéns! Você faz parte de uma parcela pequena da
população de lusófonos deste país. Experimente fazer uma enquete no seu local de
trabalho, na sua família, em casa e verifique a resposta das pessoas. Boa parte delas
apontará a primeira como errada e não a segunda. Por quê?
• Collor faz cooper todos os dias pela manhã. O nosso presidente diz
assim poder manter a forma para cuidar de tão imenso país.
por,
• Collor faz cooper todos os dias pela manhã. O nosso Indiana Jones
diz assim poder manter a forma para cuidar de tão imenso país.
Língua e Poder
Ferdinand de Saussure (1857-1913) foi o primeiro a organizar os estudos da
língua dentro da ciência moderna. Num livro intitulado Curso de Linguística Geral
(1987), estão suas principais ideias a respeito do fenômeno linguístico. Dentre todas,
a que nos interessa por ora é a percepção de que a língua é um sistema estabelecido
e organizado de signos. E o que seria um signo?
A forma como lidamos com o mundo, com o outro, com a gente mesmo, é
orientada pelo que consideramos como “verdade” (valores e certezas, afirmações e
negações que acreditamos serem legítimas formas de pensar, agir, falar, fazer etc.).
Essas “verdades” são chamadas hoje pela psicologia social de “Representação So-
cial”. Como é isso?
Quando você ouve alguém dizer “Eu sou professor”, que ideias lhe vêm à ca-
beça? Algo relacionado a seus trajes? Algo relacionado à maneira como ele deve se
comportar? Algo ligado a quanto ele deve ganhar por mês? Se esse alguém acres-
centasse ao substantivo professor um adjetivo qualquer como “professor universi-
tário” ou “professor primário”, essa primeira imagem que se formou em sua cabeça
se manteria ou ela teria alguma mudança? Imagine agora um Padre. Como deve ser
Saiba mais:
A elite organizou uma marcha contra Hugo Chaves. Em apoio ao então presi-
dente, outro grupo, se concentrou ao redor do Palácio do Governo Miraflores. Num
dado momento da marcha antiChaves, o líder da marcha desviou a rota rumo ao
palácio do governo, com a intenção de incitar um conflito direto. As redes de tele-
visão (todas privadas) registraram o momento em que os dois grupos começaram a
lutar. São cenas muito fortes. Do alto de prédios cuja localização não fica clara para
ninguém que está presente no conflito, exceto talvez para os dirigentes da marcha
antiChaves, atiradores de elite disparavam contra a multidão ferindo na cabeça mui-
tas pessoas de ambos os grupos.
“As representações sociais são entidades quase tangíveis”, diz Moscovici (apud
Gerard Duveen. In: MOSCOVICI, 2007), que circulam, se entrecruzam e se cristalizam
continuamente através de uma palavra, de um gesto, ou de uma reunião, em nosso
mundo cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os
objetos que nós produzimos ou consumimos e as comunicações que estabelece-
mos. Assim, são as representações sociais que orientam os sentidos que damos à
realidade, ao mundo.
GUIA DE ESTUDO
HABILIDADES
Identificar e selecionar as metodologias mais adequadas ao ensino de língua
portuguesa, considerando quais conteúdos são realmente necessários ao
desenvolvimento das habilidades linguísticas (falar, ler, escrever, ouvir).
ATITUDES
Ser um agente das novas tendências para o ensino de língua portuguesa,
analisando criticamente as estruturas mais adequadas ao ensino de Língua
Portuguesa.
Saiba mais:
Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava
preso por isso? Como era? Então, mete-se um homem na cadeia porque
ele não sabe falar direito? [...] Às vezes, largava nomes arrevesados, por
embromação. Via perfeitamente que tudo era besteira. Não podia arrumar
o que tinha no interior. Se pudesse... (RAMOS, 1994, p. 36)
Seria Fabiano “burro”? Sob que perspectiva ele poderia ser considerado “burro”?
Antes, poderia ser ele considerado “burro” só por não saber articular argumentos
capazes de livrá-lo daquela situação?
A Lei de Diretrizes e Bases, Lei nº 9.394/96, estabelece em seu Art. 26, § 1, que
“os currículos [...] devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa
e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social
e política, especialmente do Brasil”. Em seu Art. 32, § 3, a lei orienta que “O ensino
fundamental regular será ministrado em língua portuguesa”, embora assegure “às
comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios
de aprendizagem”. Mas destaca, em seu Art. 36, inciso I, que “[...] a língua portuguesa
como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania”.
É salutar para nossa discussão que se perceba que no Art. 26, a língua portuguesa é
a primeira disciplina a ser mencionada, e que, no Art. 36, a LDB a reconhece – e não
outra – como “instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício de
cidadania”, ainda que tenha legitimado, no art. 32, a utilização das línguas maternas
indígenas nas comunidades respectivas.
Celso Pedro Luft (2002) também corrobora esse pensamento. Segundo ele,
Não podemos persistir num ensino que gera como produto final afirma-
ções tolas (que se ouvem até de pessoas cultas) como “português é a lín-
gua mais difícil do mundo”, “não sei português” ou “neste país todo mundo
fala errado” (LUFT, 2002. p. 12).
Mas, como pode um estudante odiar a sua própria língua? Como poderia o
estudante não gostar da língua em que ele pensa, com a qual ele se comunica,
pela qual se expressa? Afirmações como essas são expressões cristalizadas que
querem nos dizer algo muito além do que dizem: antes de dizer do sentimento que
o estudante tem por tal matéria, essas afirmações dizem de como anda o ensino
dessa disciplina, de como os professores a têm tratado e de como os estudantes a
encaram.
A língua portuguesa no Brasil tenta ser imposta desde Anchieta, e até hoje é
uma língua que nós não falamos. É, portanto, uma língua estrangeira. E bem possível
que os problemas de língua portuguesa que encontramos no ensino desta disciplina
hoje devam-se justamente a isso.
No poema “À Santa Inês”, de Padre Anchieta, escrito para ser cantado pelo
índios por ocasião da chegada da sua imagem ao Brasil, o poeta diz
Quando um professor, portanto, diz que seu estudante “não sabe falar”, está,
portanto, perpetuando essa mesma condição de domínio herdada da colonização,
O homem que não dominava a leitura podia ver e escutar muitas coisas
que hoje não somos capazes de perceber: a trilha dos animais selvagens
que caçava, os sinais da aproximação de vento ou chuva. Ele podia saber
as horas do dia pelas sombras das árvores ou as da noite pela posição das
estrelas no horizonte. E no que respeita à audição, ao olfato, ao paladar e
ao tato, sua superioridade em relação a nós é inquestionável. (CALVINO,
2000, p. 143-144).
Contudo, se a noção de que “inteligente” é aquele que “fala bem” nasce com o
Barroco, aprofunda-se entre nós no Parnasianismo, que prezava por uma linguagem
rebuscada ao extremo, criando figuras de linguagem supervalorizadas à época como
as inversões do Hino Nacional, os hipérbatos, a sínquise, os anacolutos, ou criando
um sistema de valoração e classificação das rimas de um poema (rima pobre, rima
rica, rima cara, rima preciosa), supervalorizando as formas linguísticas abstratas e
claras, como se pode ler no poema “Profissão de fé”, de Olavo Bilac:
A lei do Diretório
Em 1755, foi elaborada a Lei do Diretório dos Índios, publicada em 1757 e
estendida a todo o território nacional em 1758. O objetivo desta lei, assinada pelo
ministro do rei D. José I, de Portugal, Marquês de Pombal, era “modernizar” o país. Ela
extingue o trabalho missionário dos jesuítas, elevando aos aldeamentos à condição
de vilas e obrigando os indígenas a terem nomes portugueses, proibindo a nudez,
as habitações coletivas (cunhadismo) e o uso da língua brasileira – as chamadas
“línguas gerais” – sob punição de morte para quem a desacatasse. A lei do diretório
foi o primeiro ato legal oficial no sentido de legitimar a exclusão social que o Ensino
de Língua Portuguesa passou a representar.
Darcy Ribeiro, em seu livro O Povo Brasileiro, menciona que durante muito
tempo não se soube se o Brasil seria colônia da França ou de Portugal, deriva daí a
influência da cultura francesa em algumas manifestações populares principalmente
do Nordeste, como as quadrilhas juninas, em que se podem encontrar expressões
advindas do francês: anarriê, alavantur etc. Contudo, outras línguas, menos comuns,
no entanto, podem ser encontradas no Brasil. Em São Paulo, por exemplo, há um
bairro inteiro, o bairro da Liberdade, em que os moradores em sua totalidade falam
japonês, inclusive, o texto “As outras línguas da colonização do Brasil”, também de
Aryon Rodrigues (1986), aponta o japonês como a segunda língua mais falada no
Brasil hoje, são mais de 400.000 falantes. Há localidades, porém, do interior da Bahia,
Fatalmente, boa parte deles ainda não conseguiu superar o método tradicional
e insiste principalmente em apresentar conteúdos considerados, em debate na sala
de aula, como inúteis: a classificação das sílabas das palavras quanto à acentuação
(em proparoxítonas, paroxítonas e oxítonas) e a classificação dos encontros
vocálicos (em ditongo, tritongo e hiato), por exemplo. Alguns estagiários chegavam
ao extremo de trabalhar ainda o “detalhamento da estrutura das palavras” (em
Morfemas, Afixos, Desinências, Vogais Temáticas, Vogais e Consoantes de Ligação);
conteúdos extremamente técnicos cujo domínio apenas os técnicos da língua,
professores de língua portuguesa e linguistas, é que precisam ter; justo por se tratar
de um conhecimento paralinguístico, metalinguístico, utilizado como forma de
Pedi aos alunos que tentassem definir a palavra “verbo”. Nesse momento,
eles ficaram calados e não quiseram participar. Assim, fizemos uma
apresentação [prática] do conteúdo: a sala foi dividida em dois grupos.
Depois, cada membro da equipe, um de cada vez, deveria vir à frente da
sala, pegar em um saquinho uma ficha com uma ação descrita e, através
O lúdico aqui não passa apenas de uma nova camada de verniz sobre a
madeira desgastada do método tradicional. Ele aparece entrelaçado a um objetivo
específico: levar os estudantes à percepção do que é um verbo através da práxis, ou
seja, através da própria experiência, do exercício prático, da vivência com o objeto,
do jogo, do lúdico.
Após a conclusão dos exercícios, pedi para que alguns alunos fossem ao
quadro-negro e respondessem as questões. Enquanto isso, alguns alunos brincavam
e conversavam no fundo da sala. Percebi que era preciso desenvolver metodologias
5
mais criativas que realmente conseguissem chamar a atenção dos alunos.
Saiba mais:
Ora, esse argumento é de tal forma frágil que não se sustenta quando,
simplesmente, perguntamos “por quê? Por que ‘verbos são muito importantes
para a compreensão da linguagem, da leitura e da escrita’?” Estamos falando do
conceito de verbo ― que é do que trata a aula; afinal, o que está em questão são
os verbos ou as vozes verbais? Reformulemos a pergunta: por que definir a voz dos
verbos é “importante para a compreensão da linguagem, da escrita e da fala”? Esse
argumento demonstra ainda sua pretensão (frustrada, é o que nos mostra o resto
do relato) quando diz que “no decorrer da aula, essa visão [a visão dos alunos sobre
a inutilidade desse conteúdo] seria mudada” (parágrafo “2”).
Claro que a postura adotada por esse estagiário também é resultado de uma
postura assumida quase que inconsciente e coletivamente por indivíduos inseridos
num contexto social em que o professor é considerado, como diz a maioria dos
relatórios, “a autoridade máxima da sala de aula”; demonstrando confusão na
compreensão a respeito dos ditos “modelos” que os estudantes seguem, menos
por respeito e admiração que por obediência e medo, como relata o trecho “o
autoritarismo do professor consegue segurar o estudante, mantendo-o calado e
obediente como manda o ensino tradicional”; ou ainda “as filas dos estudantes para
entrarem na sala de aula”, o que mantém a tão desejada ordem; ou a “incondicional
obediência aos mestres e funcionários”.
GUIA DE ESTUDO
Não podemos persistir num ensino que gera como produto final afirma-
ções tolas (que se ouvem até de pessoas cultas) como “português é a lín-
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