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Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional

ISBN 978-85-387-6577-6

59148 9 788538 765776


Fundamentos teóricos
e práticos do ensino
de Língua Portuguesa

Tatiana Maria Couto Carvalho


Tainá Thies
Lucienne Lautenschlager

IESDE BRASIL
2020
© 2020 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito das autoras e do
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: ESB Professional/ NarongchaiHlaw/Shutterstock

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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C329f

Carvalho, Tatiana Maria Couto


Fundamentos teóricos e práticos do ensino de língua portuguesa/
Tatiana Maria Couto Carvalho, Tainá Thies, Lucienne Lautenschlager. - 1.
ed. - Curitiba [PR] : IESDE , 2020.
112 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6577-6

1. Língua portuguesa - Estudo e ensino (Ensino fundamental). I. Thies,


Tainá. II. Lautenschlager, Lucienne. III. Título.
CDD: 372.6
20-62997
CDU: 373.3.016:811.134.3

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Tatiana Maria Couto Mestre em Estudos de Linguagens pela Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Especialista
Carvalho em Ensino e Aprendizagem da Língua Espanhola
e suas Literaturas pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR) e licenciada em Letras
Português/Espanhol pela mesma instituição. Bacharel
em Administração pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR) e em Direito pelo Centro Universitário
Curitiba (Unicuritiba). Atuou como professora no ensino
fundamental, médio e superior. Atualmente produz
materiais didáticos na área de linguagens para diversos
segmentos educacionais.

Tainá Thies Mestre em Teoria da Literatura pela Universidade


de Brasília (UnB). Especialista em Linguística pela
Universidade Gama Filho (UGF). Licenciada em Letras
Português pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Graduanda de Psicologia pela Universidade Tuiuti do
Paraná (UTP). Atuou como consultora educacional,
professora de ensino superior e coordenadora
de projetos em educação. Atua na formação de
professores para o ramo editorial, como professora em
cursos de pós-graduação e como autora de materiais
didáticos para ensino básico e superior, além de
produzir contos e histórias infantis.

Lucienne Mestre em Letras pela Universidade de São Paulo (USP).


Graduada em Letras pela Universidade Braz Cubas
Lautenschlager (UBC) e em Pedagogia pela Universidade Nove de Julho
(Uninove). É autora de diversos livros sobre educação
e possui renomada experiência na formação de
educadores, tanto na área privada quanto pública. Atua
como psicopedagoga e consultora educacional de uma
multinacional.
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SUMÁRIO
1 Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa  9
1.1 Concepção de língua   9
1.2 Texto: tipos e gêneros textuais   16
1.3 Letramento e práticas sociais de linguagem   19

2 Reflexões sobre o trabalho com a oralidade  22


2.1 Compreensão e produção de textos orais   23
2.2 Recursos paralinguísticos: efeitos de sentido   27
2.3 Variação linguística e oralidade   28

3 O ensino da leitura   33
3.1 Formação do leitor  33
3.2 Leitura na escola  41
3.3 Leitura em diferentes suportes  46

4 A produção textual na escola  51


4.1 Planejamento da escrita   52
4.2 Construção do propósito comunicativo   58
4.3 Revisão e reescrita de textos   63

5 Reflexões sobre a análise linguística  68


5.1 A gramática aplicada à escrita   69
5.2 A escolha das palavras: o papel da análise lexical   73
5.3 Estratégias para corrigir textos   77

6 Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa  83


6.1 A base do letramento e multiletramento no ensino de Língua
Portuguesa   84
6.2 A BNCC de Língua Portuguesa no ensino fundamental – anos
finais   88
6.3 A BNCC de Língua Portuguesa no ensino médio   93

7 Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa  98


7.1 Atividades e avaliações em Língua Portuguesa  99
7.2 Como avaliar um livro didático?  103
7.3 Novas tecnologias e o ensino de Língua Portuguesa  108
APRESENTAÇÃO
Sabemos que, a cada dia, o ensino de Língua Portuguesa se torna mais
desafiador ao professor, pois, com as inovações tecnológicas, diversos gêneros
textuais surgem, exigindo que ele domine novas formas de comunicação.
Diante do excesso de informações que circulam em todas as mídias e o acesso
imediato a elas, cabe ao professor contribuir com o desenvolvimento do aluno,
por meio de práticas cada vez mais diversificadas de letramento.
Esta obra está organizada em sete capítulos. No Capítulo 1, refletimos sobre
as concepções de língua e o conceito de letramento associado às práticas
sociais de linguagem. No Capítulo 2, procuramos evidenciar as finalidades das
interações orais e seus aspectos formais, estilísticos e linguísticos. Em seguida,
no Capítulo 3, objetivamos apresentar caminhos e metodologias que podem
ajudar os professores a formar leitores críticos e experientes.
Contemplamos, no Capítulo 4, etapas exigidas para o ensino de produção
textual em sala de aula, desde o planejamento até a revisão da escrita. No
Capítulo 5, procuramos discutir de maneira contextualizada o ensino da
gramática e do léxico, culminando em estratégias para a correção de textos.
Na sequência, no Capítulo 6, procuramos relacionar o avanço tecnológico às
novas práticas de alfabetização, ao letramento e ao multiletramento nos anos
iniciais do ensino fundamental, além de apresentar propostas da BNCC para
a Língua Portuguesa no ensino fundamental e médio. Por fim, no Capítulo 7,
apresentamos ideias de como fazer atividades e avaliações, além de trazermos
critérios para a seleção de um livro didático.
Esta obra trata, portanto, de temas relacionados aos desafios presentes
e futuros que os professores de Língua Portuguesa da educação básica
têm enfrentado nas mais diferentes instituições de ensino, levando-nos a
compreender por que é importante ensinar Língua Portuguesa àqueles que já
a têm como língua materna.
Bons estudos!
1
Concepção de língua e ensino
de Língua Portuguesa
Tatiana Maria Couto Carvalho

O processo de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa


tem sido muito discutido por pesquisadores e educadores nas
últimas décadas. Buscam-se explicações para o fracasso escolar
e para o baixo rendimento do aluno brasileiro em provas oficiais,
além de um caminho que possa ser trilhado com segurança para
um aprendizado efetivo de nossa língua. Algumas questões devem
nortear essa busca: por que precisamos estudar a língua que
falamos? O que mais pretendemos aprender sobre a língua que
usamos todos os dias?
Com base nesses questionamentos, percebemos que
primeiramente precisamos compreender o que definimos
como língua, para só então refletirmos sobre nossos objetivos
de aprendizagem e sobre os percursos que devemos percorrer
para alcançá-los.
Neste capítulo, analisaremos as concepções existentes de
língua e refletiremos sobre a mais adequada à nossa realidade.
Também estudaremos o papel do texto no processo de ensino e
aprendizagem da língua e o conceito de letramento e sua relação
com as práticas sociais de linguagem.

1.1 Concepção de língua


Videoaula Pode parecer óbvia a afirmação de que o conhecimento de um edu-
cador define o que e como ele ensina, entretanto, para grande parte dos
educadores, ainda não está clara a concepção de linguagem que norteia
sua docência, e a escolha por uma concepção de linguagem deve im-
plicar o planejamento, a eleição e produção de materiais didáticos e a
condução das aulas e práticas pedagógicas desenvolvidas. Ao não definir

Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 9


uma concepção de língua, o docente não fundamenta suas práticas e
Livro não consegue estabelecer objetivos reais para sua ação pedagógica.
Por linguagem, em seu sentido amplo, compreendemos qualquer tipo
de comunicação entre seres vivos (linguagem do cinema, linguagem dos
cachorros, linguagem corporal etc.). Do ponto de vista linguístico, a lingua-
gem é definida como a capacidade que os seres humanos têm de criar,
desenvolver, compreender e utilizar uma língua para a comunicação.
O conceito de língua também pode ter diferentes definições, mas,
linguisticamente, entendemos que língua é o sistema de signos (sons
e gestos) que utilizamos para nos comunicar com outros membros da
nossa comunidade linguística. Podemos afirmar, portanto, que o con-
A obra Linguagem,
ceito de linguagem é mais amplo que o de língua, mesmo que ambos
língua e fala apresenta os
conceitos relacionados à estejam intrinsecamente relacionados.
linguagem e à língua de
maneira simples e acessí-
Segundo Travaglia (1997), as formas como vemos a linguagem e a
vel àqueles que não são língua são tão importantes no momento de estruturar o trabalho com a
da área da linguística. É
língua em sala de aula quanto a postura que se tem em relação à edu-
uma leitura essencial aos
docentes comprometidos cação. Nessa perspectiva, é certo afirmar que os modos de se conceber
com o ensino de língua a linguagem – e a língua, consequentemente – relacionam-se direta-
em sala de aula.
mente aos modos de se desenvolver os processos de ensino e aprendi-
TERRA, E. 3. ed. São Paulo: Saraiva
zagem da Língua Portuguesa. Passaremos a analisar, portanto, os três
UNI, 2018.
modos de conceber a linguagem que têm se desenvolvido ao longo do
percurso histórico da linguística.

1.1.1 A linguagem como expressão do pensamento


Para essa concepção, o pensamento é anterior à linguagem, de
modo que é o pensamento lógico que determina a qualidade do que
se escreve, já que a linguagem é a expressão do pensamento e atua
como um espelho. Segundo Travaglia (1997, p. 21), o fenômeno linguís-
tico é entendido como “um ato monológico, individual, que não é afe-
tado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação
social em que a enunciação acontece”, isto é, a linguagem é individua-
lista, fruto exclusivo do pensamento do falante e de sua capacidade de
organizá-lo e exteriorizá-lo, e a língua é vista como um produto acaba-
do e inerte, um sistema estável.
Dessa forma, para essa concepção, a capacidade de pensar logica-
mente resultaria em uma linguagem tão lógica quanto, e, para estru-
turar esse pensamento, normas gramaticais devem ser incorporadas.
É nessa concepção que se baseia o estudo gramatical tradicional ou

10 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


normativo, segundo o qual o domínio da língua equivale ao domínio
da teoria gramatical.
Até a década de 1960, a prática de ensino de língua nas escolas era
voltada ao ensino da metalinguagem (o estudo da língua por ela mes-
ma). Estudavam-se os conceitos, as normas de uso e as classificações
das estruturas da língua, independentemente do contexto. Nessa épo-
ca, o público escolar era prioritariamente de alunos mais favorecidos
economicamente, e os estudos tradicionais da gramática normativa
privilegiavam o falar dessas camadas sociais.
Na concepção de linguagem como expressão do pensamento, o es-
tudo da gramática é garantia do bem falar. O falante que domina o
código – a língua, suas classificações e regras de uso – domina também
a linguagem e, por consequência, está qualificado a ler e escrever com
qualidade. Por valorizar a forma de falar e escrever utilizando a norma
culta, o estudo da língua é prescritivo, reduzido às normas, e a ideia
central é a de que existe uma forma de linguagem correta.
Para Koch (2003, p. 13), essa concepção corresponde ao entendi-
mento de um “sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de
suas ações”. Ela esclarece que o texto, então,
é visto como um produto – lógico – do pensamento [...] do autor,
nada mais cabendo ao leitor/ouvinte senão “captar” essa repre-
sentação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do
produtor, exercendo, pois, um papel essencialmente passivo.
(KOCH, 2003, p. 16)

Ou seja, o texto é um produto acabado e o papel do leitor é receber


as informações nele contidas. Não há espaço para reflexões, questio-
namentos ou críticas nessa concepção.

1.1.2 A linguagem como instrumento de comunicação


Essa concepção surge com base nos estudos estruturalistas de Saussure
e nas ideias gerativistas de Chomsky sobre aquisição de linguagem.
Para Chomsky, as pessoas já nascem dotadas de uma gramática in-
terna, capacidade inata de produzir inúmeras expressões em sua lín-
gua materna. Segundo o linguista, esse processo acontece de dentro
para fora, mas só se efetiva com estímulo externo. Já Saussure enten-
de a língua como um sistema homogêneo e abstrato, um fato social
exterior ao indivíduo (que não pode criá-la ou modificá-la). Segundo o
pesquisador, portanto, a língua é imposta coercitivamente ao falante,
constituindo-se como um elemento de organização social.

Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 11


Partindo desses conceitos, para essa concepção, a língua se presta a
um estudo sistemático de sua estrutura e configuração, com o objetivo
de analisar sua função como meio de comunicação entre os falantes.
Sua proposta é estudar o funcionamento da língua, o que acaba por
separar o falante de seu contexto social.

O estudo da Língua Portuguesa, sob a luz dessa concepção, enfatiza


a forma e assume que a prática e a repetição promovem o aprendiza-
do. Assim como na concepção anterior, não há espaço para reflexões
ou questionamentos sobre o uso da língua.

Ainda que para essa concepção a linguagem esteja diretamente rela-


cionada à comunicação, a interação e as condições de produção dos enun-
ciados não são consideradas. Nas palavras de Travaglia (1997, p. 22):
Essa concepção levou ao estudo da língua enquanto código
virtual, isolado de sua utilização – na fala (cf. Saussure) ou no
desempenho (cf. Chomsky). Isso fez com que a Linguística não
considerasse os interlocutores e a situação de uso como deter-
minantes das unidades e regras que constituem a língua, isto é,
afastou o indivíduo falante do processo de produção, do que é
social e histórico na língua. Essa é uma visão monológica e ima-
nente da língua, que a estuda segundo uma perspectiva forma-
lista – que limita esse estudo ao funcionamento interno da língua
– e que separa o homem no seu contexto social.

Um conceito bastante utilizado nessa concepção é o dos elemen-


Figura 1 tos da comunicação, cuja estrutura, representada na Figura 1, é ampla-
Elementos da comunicação
mente utilizada nos materiais didáticos dessa concepção.

Código
Canal
Mensagem
Rawpixel.com/Shutterstock

Receptor

Emissor

12 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Esse conceito enfatiza o entendimento de que a comunicação é a
transmissão da mensagem de um emissor para um receptor. A mensa-
gem é formada por um código e transmitida por um canal. A grande falha
do processo é considerar a comunicação como unilateral, estática, des-
prezando a interação. O papel do receptor é passivo, pois cabe a ele não
interpretar a mensagem, mas decodificá-la.

No ensino da língua materna sob a ótica dessa concepção, portanto,


a forma e o estudo das estruturas morfossintáticas por meio da prática
e da repetição de exercícios estruturais e sistemáticos são enfatizados.
O objetivo é internalizar inconscientemente os usos e hábitos linguísti-
cos, típicos da norma culta.

Tanto a concepção de linguagem como instrumento de comunica-


ção quanto a de linguagem como expressão do pensamento encontra-
ram no estudo da gramática normativa sua principal forma de atuação
em sala de aula, de modo que o ensino com base nesses dois entendi-
mentos compartilha das mesmas práticas. São elas:
•• Leitura que corresponde à decodificação do texto apenas, sem um
processo de compreensão ou análise do contexto de produção.
•• Memorização de itens classificados ou de regras da gramática
normativa.
•• Uso do texto como pretexto para ensinar a teoria gramatical; em-
pregado para reconhecer e classificar classes gramaticais.
•• Produção de textos de maneira mecânica (redação artificial, ge-
ralmente dissertativa sobre um tema aleatório, muitas vezes des-
colado da realidade do aluno).
•• Correção das redações apenas no que se refere a erros de grafia,
sem proposta de reescrita.
•• Entendimento do texto como produto acabado, sem interlocutor,
com fim em si mesmo.
•• Aplicação de exercícios e outras atividades que privilegiam a for-
ma em detrimento do conteúdo.
•• Práticas pedagógicas baseadas exclusivamente na figura do pro-
fessor como único detentor do conteúdo.
•• Reforço da figura do aluno passivo, receptor do conhecimento.

Essa metodologia de ensino, ainda aplicada em muitas escolas, tem


sido bastante criticada, principalmente a partir da década de 1980. O fim

Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 13


do período militar em nosso país abriu caminho para outras metodolo-
gias, que não corroboram com a massificação do ensino e que abrem
espaço para outros falares que não apenas os das classes privilegiadas.

1.1.3 A linguagem como processo de interação


Essa concepção se constitui como uma abordagem mais moderna.
Diferentemente das anteriores, entende a interação humana como o
lugar da linguagem, no qual se constituem as relações sociais.

A língua se constitui por meio da interação verbal social entre in-


terlocutores; não se trata de um sistema formal, estável, previamen-
te constituído e apenas operado pelos falantes que a dominam. É por
meio da linguagem que as pessoas desempenham seus papéis sociais,
e é por meio dos diálogos que acontecem as trocas de conhecimentos
e vivências. Assim, os sujeitos atuam como agentes sociais, já que a
linguagem é empregada como forma de atuação na sociedade.

As relações dos falantes com a sociedade são determinantes para a


produção dos enunciados. São as situações sociais que definem, por-
tanto, os textos utilizados em cada contexto. Desse modo, a linguagem
deixa de ser monológica e desprendida da realidade. Ao contrário, seu
entendimento passa a ser dialógico e contextualizado.

Para essa concepção, o discurso se manifesta por meio de textos


(verbais, orais, verbo-visuais, multimodais etc.), e cada situação de uso
da língua tem seus textos relativamente estáveis que podem ser mais
adequadamente empregados. A forma de atuação do indivíduo com
seu discurso é determinada pelo contexto. Nas palavras de Koch (2003,
p. 17): “o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e
os interlocutores como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se
constroem e são construídos”.

O texto não é mais uma unidade acabada e fechada em si mesmo,


mas uma dimensão discursiva, capaz de atuar em múltiplas esferas de
circulação como resultado das trocas entre os sujeitos que atuam em
determinados contextos. Assim, a produção de sentidos também resi-
de na interação, pois os significados de um enunciado não estão no tex-
to nem dependem da mera decodificação por parte do leitor/receptor,
mas são constituídos na interação entre eles.

14 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Essa concepção é a indicada pelos PCNs (Parâmetros Curriculares
Nacionais), diretrizes elaboradas pelo Governo Federal que orientam
a educação no Brasil. Os documentos definem que o estudo da Língua
Portuguesa deve se fundar em uma visão dialógica de linguagem.
Atividade 1
Toda e qualquer análise gramatical, estilística, textual deve con-
siderar a dimensão dialógica da linguagem como ponto de parti- Por que muitos professores em
sala de aula ainda orientam suas
da. O contexto, os interlocutores, gêneros discursivos, recursos
práticas pedagógicas segundo
utilizados pelos interlocutores para afirmar o dito/escrito, os sig- concepções ultrapassadas,
nificados sociais, a função social, os valores e o ponto de vista como a da linguagem como
determinam formas de dizer/escrever. As paixões escondidas expressão do pensamento e da
nas palavras, as relações de autoridade, o dialogismo entre tex- linguagem como instrumento
tos e o diálogo fazem o cenário no qual a língua assume o papel de comunicação?
principal. (BRASIL, 2000, p. 21)

Para a concepção dialógica/sociointeracionista, o processo de ensi-


no e aprendizagem se pauta nos seguintes entendimentos:
•• A sala de aula é um espaço de interação verbal, ou seja, de troca
entre os falantes por meio da língua.
•• O estudo da Língua Portuguesa deve partir de situações concretas,
já que são as práticas sociais que originam o gênero e o discurso.
•• A prática pedagógica deve estar voltada para a pluralidade de dis-
cursos, isto é, para o uso e o estudo dos diversos falares.
•• A norma culta, aquela em conformidade com as regras gramati-
cais, é entendida como uma variante da língua, já que todas as
variedades passam a ter espaço em sala de aula.
•• O processo de ensino e aprendizagem contempla a linguagem
em uso e em situações de interação verbal.
•• O estudo da gramática é feito de modo contextualizado, colabo-
rando para o entendimento dos textos e para sua produção, sen-
do que a análise das categorias gramaticais é feita a partir de sua
funcionalidade em um texto. Assim, promove-se a reflexão sobre
seu uso e seus efeitos na produção de sentidos.
•• O entendimento de que há uma forma correta de falar é deixado
de lado e os diferentes falares são respeitados, pois são resultado
das experiências sociais e culturais dos falantes da língua. O con-
ceito de correção cede espaço ao de adequação. A reflexão que
o educador deve propor a seus alunos é: qual o discurso mais
adequado para cada situação?

Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 15


•• O texto é objeto de ensino da língua, corresponde a um processo
e é vinculado aos usos sociais.
•• O entendimento de gêneros textuais é fundamental para o estudo
da língua, pois corrobora com a ideia de adequação da linguagem.
•• A produção de texto é planejada dialogicamente e orientada a um
propósito, considera o interlocutor e se dá a partir de gêneros; a
reescrita faz parte da produção, pois o texto não é considerado
um produto acabado, reflexo apenas do pensamento.

Na concepção dialógica/sociointeracionista, o objetivo principal


do ensino de língua é propiciar ao aluno a oportunidade de refletir,
de maneira crítica, sobre o uso dela, analisar o mundo que o cerca
e compreender os papéis da língua como instrumento de interação
social, para que possa entender de que formas ela é usada e produz
efeitos e sentidos.

1.2 Texto: tipos e gêneros textuais


Videoaula Como os documentos oficiais que orientam a educação no Brasil
levam em consideração a concepção dialógica/sociointeracionista, a
indicação do trabalho por meio de gêneros discursivos é o caminho
lógico, visto que é por meio deles que os processos dessa concepção
se realizam.

Segundo os PCNs,
Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em fun-
ção das intenções comunicativas, como parte das condições
de produção dos discursos, as quais geram usos sociais que os
determinam. Os gêneros são, portanto, determinados historica-
Atenção mente, constituindo formas relativamente estáveis de enuncia-
Os gêneros textuais são as dos, disponíveis na cultura. (BRASIL, 1998, p. 21)
formas relativamente estáveis
que materializam nossos Assim, cada atividade ou prática social tem seus gêneros, que as
enunciados nas mais diversas ordenam. Por exemplo, para nos comunicarmos rapidamente por meio
situações que vivenciamos em
nosso dia a dia. São fenômenos do celular, enviamos uma mensagem instantânea; para aprendermos
linguísticos e históricos pro- a preparar um prato, procuramos uma receita culinária; para nos infor-
fundamente vinculados à rea-
marmos sobre os acontecimentos no mundo, usamos as notícias.
lidade cultural e social de uma
comunidade, que contribuem A mensagem instantânea, a receita e a notícia são exemplos de gê-
para organizar e estabilizar as
neros textuais que fazem parte de um rol interminável de gêneros que
atividades cotidianas.
circulam em uma sociedade que se comunica por meio de enunciados

16 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


e os organiza com formas relativamente estáveis, segundo suas fun- + Saiba mais
ções comunicativas e sociais. Utiliza-se a expressão
relativamente estáveis porque as
É impossível definir quantos e quais gêneros existem. Isso porque características de cada gênero
não são fixas; ainda que geral-
eles atendem às necessidades humanas e se adaptam às mais diversas
mente possam estar presentes,
situações de interação. Assim, quanto mais variadas forem as esferas não é possível dizer que são
de atuação humana, mais gêneros existirão para organizar interações permanentes e que um gênero
não se constitui sem elas. Uma
entre os sujeitos.
carta, por exemplo, usualmente
É a sociedade e suas práticas sociais que determinam quais gêne- apresenta um cabeçalho que
indica a localização e a data,
ros devem surgir, sofrer modificações ou ser extintos. As necessida- mas se essa característica for
des comunicativas humanas mudam no decorrer do tempo e estão omitida, ainda assim será uma
diretamente relacionadas à esfera comunicativa na qual o indivíduo carta. Por isso, dizemos que a
forma é estável, porém relativa-
está inserido. Desse modo, as mudanças pelas quais passamos origi- mente, ou seja, nem sempre.
nam gêneros, modificam alguns e extinguem outros. Pode-se afirmar,
por exemplo, que o e-mail é uma evolução da carta, assim como vá-
rios outros gêneros digitais são resultados de modificações de gêneros Livro
existentes antes do advento da tecnologia digital. É o que Bakhtin e
Volochinov (1997) chamam de transmutação: a assimilação de um gê-
nero por outro, originando novos gêneros.

Os gêneros se desenvolvem no que se definiu como domínio discursi-


vo, que é a esfera de produção discursiva das atividades humanas. Des-
sa forma, determinados gêneros são correspondentes a determinado
domínio discursivo: na esfera jornalística estão a notícia, a reportagem
e o editorial, entre outros; na esfera jurídica estão a petição, o embargo,
O livro Diversidade textual:
o agravo etc. Os domínios constituem, portanto, práticas discursivas em os gêneros na sala de aula
que se pode identificar um conjunto de gêneros textuais específicos. apresenta oito textos de
importantes estudiosos
A evolução histórica dos gêneros parte das sociedades de cultura da Língua Portuguesa
sobre o trabalho com
oral, que desenvolvem um número limitado de gêneros. Após a inven-
gêneros textuais em sala
ção da escrita alfabética, no século VII a.C., surgiram os gêneros típicos de aula.

da escrita, que se expandiram ainda mais com o surgimento da cultura SANTOS, C. F. et al. (orgs.). Belo
Horizonte: Autêntica, 2007.
impressa, no século XV. Atualmente, na era da cultura eletrônica, há
um número praticamente infinito de gêneros e diferentes formas de
comunicação, formatadas pelas mídias digitais.

Esses gêneros originados a partir da cultura digital criam formas


comunicativas particulares, carregadas, na maioria das vezes, de hibri-
dismo, ou seja, de uma mescla de linguagens e formatos que as carac-
terizam. Não há mais espaço para a antiga dicotomia entre oralidade
e escrita, já que esses textos permitem a integração das mais diversas

Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 17


semioses: signos verbais, imagens, sons e movimento. Esses gêneros
textuais são conhecidos como híbridos ou multimodais.

Os gêneros são eventos linguísticos, constructos culturais criados


pelo ser humano. Constituem-se como ações sociodiscursivas para “di-
zer o mundo”, isto é, expressar-se e interagir sobre ele. É com base
nos gêneros que se estabelece a comunicação humana e se desenvolve
nossa competência comunicativa. Assim, o estudo do gênero privilegia
a natureza interativa e funcional do texto, e não mais o aspecto formal
e estrutural da língua.
Atividade 2 No trabalho de ensino e aprendizagem de língua, muitas vezes os
De que forma o trabalho com conceitos de gênero e tipo textual são entendidos como sinônimos, o
os gêneros textuais em sala de
aula pode aproximar o aluno do que não é verdade. A diferenciação é fundamental para que as práticas
estudo da Língua Portuguesa? pedagógicas se fundamentem adequadamente sobre a concepção dia-
lógica de linguagem.

Os tipos textuais são enunciados que sustentam e estruturam o gê-


nero e abrangem um número finito de categorias. São classificados de
acordo com sua estrutura e finalidade:
Argumentativo
Narrativo: (ou dissertativo):
tem como base um enredo; há
baseia-se no desenvolvimento de
um narrador e personagens
um tema e na argumentação para
que desenvolvem ações em um
defender uma ideia.
determinado tempo e espaço.

Expositivo
Descritivo:
(ou explicativo):

expõe características e detalhes de apresenta um tema por meio de


algo (objeto, pessoa, lugar etc.). conceituações, definições etc.

Injuntivo
(prescritivo):

ensina alguma coisa, como as bulas de


remédio e os manuais de instrução.

Os tipos textuais se materializam no interior dos gêneros, de


modo que em um mesmo gênero podem ocorrer diferentes tipos
textuais. No gênero e-mail, por exemplo, o remetente pode incluir

18 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


uma sequência narrativa, em que conta algo que lhe aconteceu; uma
descritiva, em que descreve como é seu bairro ou sua escola; e uma
injuntiva, dando instruções para que o destinatário consiga chegar a
sua casa. Nesse exemplo, o gênero textual e-mail é composto de três
tipos textuais diferentes.

1.3 Letramento e práticas sociais de linguagem


Videoaula Letramento é um conceito equivocadamente confundido com alfa-
betização. Soares (1998, p. 15) esclarece que alfabetização consiste no
“processo de aquisição do código escrito, das habili-
dades de leitura e escrita”. Esse entendimento fazia Vídeo
parte de uma sociedade de caráter agrícola e manu- No vídeo Alfabetização
e Letramento – Parte 01,
fatureiro, em que, na prática, bastava ao trabalhador publicado pelo canal ceelu-
saber assinar seu nome, o que lhe garantia ainda o fpe, o Centro de Estudos
em Educação e Linguagem
status de alfabetizado. da Universidade Federal
de Pernambuco propõe e
Com a chegada da era industrial, as exigências sistematiza uma discussão
de trabalho passaram a ser outras, e saber ler e sobre alfabetização e le-
tramento, relacionando-os
escrever se tornou necessário. A partir desse mo- diretamente ao contexto
mento, começou-se a questionar se o conceito de escolar.

alfabetismo vigente até então era compatível com Disponível em:


https://www.youtube.com/
essa nova realidade. Percebeu-se que mais do que watch?v=Gb_HDtzgmGo. Acesso
dominar o código e a competência do ler e escre- em: 17 dez. 2019.
ver, era preciso saber usá-los.

A partir de então, por volta da segunda metade dos anos de 1980,


surgiu no Brasil o conceito de letramento, uma nova proposta de leitura
e escrita. Com base, principalmente, nas relações estabelecidas pelo
indivíduo em suas práticas sociais, esse conceito ultrapassou o conhe-
cimento do código da língua e envolveu os aspectos sócio-históricos da
aquisição do sistema de escrita.

Desse modo, entende-se que todas as práticas


Atividade 3
sociais contextualizadas e fundamentadas na escri-
Quando efetivamente começam
ta do código constituem eventos de letramento. São os eventos de letramento na
eventos de letramento, portanto, aqueles que acon- vida de um indivíduo que vive
em uma sociedade letrada?
tecem em casa, antes de a criança frequentar a esco-
la, como quando um adulto lê uma história para ela.

Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 19


Artigo

http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.pdf/

O artigo Letramento e alfabetização: as muitas facetas discute e relaciona os


conceitos de alfabetização e letramento, além de defender a indissociabilidade
desses dois processos.
SOARES, M. Revista Brasileira de Educação, n. 25, jan./fev./mar./abr. 2004.

Acesso em: 17 dez. 2019.

Os entendimentos de letramento e gêneros textuais e a concepção


dialógica/interacionista corroboram o propósito de preparar o indiví-
duo para atuar nas mais variadas práticas sociais letradas da socieda-
de, ampliando suas competências comunicativas e desenvolvendo suas
habilidades de reflexão sobre o uso da língua. Assim, pode-se dizer que
ser letrado é estar preparado para os diversos eventos de letramento
na vida em sociedade; é conseguir não só reconhecer e escrever as
palavras, mas compreender seus significados nos mais variados con-
textos e saber quais e como usar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio da linguagem o ser humano se constitui como ser social. É
a partir de suas interações, de suas trocas com o outro, que o indivíduo
aprende, ensina e se reconhece. O processo de ensino e aprendizagem da
língua não pode desprezar o papel da interação verbal e das práticas sociais
no estudo da língua. Somente por meio de práticas pedagógicas situadas
sobre um entendimento dialógico é que os alunos poderão ser efetivamen-
te letrados para atuar efetiva, consciente e criticamente na sociedade.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais
do método sociológico na ciência da linguagem. 8. ed. São Paulo: HUCITEC, 1997.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro
e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf. Acesso em: 17
dez. 2019.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino médio. 2000. Disponível em: http://
portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf. Acesso em: 17 dez. 2019.
KOCH, I. G. V. Desvendando os Segredos do Texto. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
SOARES, M. B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998, v. 1.
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e
2º graus. São Paulo: Cortez, 1997.

20 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


GABARITO
1. Muitos educadores, em suas práticas pedagógicas, buscam reproduzir as mesmas
metodologias empregadas durante a própria formação escolar. Antes da década
de 1980, eram comuns no Brasil o uso dessas concepções e o ensino exclusivo
da gramática normativa. Lamentavelmente, alguns educadores não conhecem os
documentos oficiais que direcionam e orientam a educação no Brasil para que o estudo
da língua seja dialógico e interacionista, baseado no uso dos gêneros textuais. Vale
ressaltar, também, que cabe a qualquer profissional, e isso, logicamente, aplica-se aos
educadores, estudar e se manter atualizado sobre conceitos, metodologias, discussões
e reflexões que se relacionem a sua área de atuação.

2. Os gêneros textuais são fenômenos linguísticos social e historicamente situados.


Diferentemente dos textos artificialmente produzidos com fins didáticos utilizados
antigamente, os gêneros textuais são de circulação social, ou seja, ao usá-los em sala
de aula para ensino e aprendizagem da língua, o aluno estará em contato com algo
real e significativo, que realmente pode fazer parte de sua vida. A partir do estudo dos
gêneros, o aluno reconhece os propósitos do estudo da língua e é capaz de torná-lo
significativo para sua vida.

3. Participamos de eventos de letramento desde que nascemos, pois vivemos em uma


sociedade letrada. É um equívoco pensar que o letramento se dá apenas na escola,
que é, sim, a principal agência de letramento, mas não a única. Em uma sociedade
letrada, a escrita está presente a todo momento e em qualquer lugar.

Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 21


2
Reflexões sobre o trabalho
com a oralidade
Tatiana Maria Couto Carvalho

Partindo da concepção de linguagem como interação e assumin-


do a pluralidade de discursos que perfazem à vida social, passamos
a entender o estudo do texto – em suas modalidades oral e escrita –
como fundamental para os processos de ensino e aprendizagem de
língua na escola. O ensino baseado na norma padrão perde espaço
para uma visão mais ampla, que abrange diversos falares e entendi-
mentos da língua, compreendendo que a língua em seus propósitos
comunicacionais é constituída por seus falantes e, assim, faz mais
sentido empregar o que é adequado, e não somente o que é correto.
Essa não é uma tarefa fácil para o educador e a escola. Sele-
cionar textos e conteúdos e definir metodologias sociointeracionis-
tas podem ser complexos, mas as dificuldades não devem ser um
empecilho para um trabalho consciente de estudo de língua. Sob a
perspectiva sociointeracionista, nos cabe provocar reflexões sobre
a linguagem e conduzir o aluno a pensar e agir crítica e consciente-
mente na sociedade, sendo capaz de compreender e produzir dis-
cursos adequados nas mais diversas esferas de atuação social.
Assim, entendemos que o ensino de língua pautado exclusiva-
mente na linguagem escrita não atende às necessidades do aluno,
sujeito social que interage e atua em instâncias sociais que exigem
dele conhecimentos de língua oral e de escrita. A modalidade oral
é uma exigência da nossa sociedade e precisa ser foco de estudo e
análise na escola, com vistas ao desenvolvimento das capacidades
do indivíduo de compreendê-la e produzi-la. Portanto, neste capítu-
lo refletiremos sobre a importância dos estudos de compreensão e
produção oral na escola, além de abordarmos algumas propostas
de prática pedagógica nesse sentido. Analisaremos, também, o pa-
pel dos recursos paralinguísticos e cinésicos na expressão oral e seu
efeito na produção de sentidos.

22 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


2.1 Compreensão e produção de textos orais
Videoaula A oralidade está nos fundamentos de qualquer língua oral-
-auditiva. Sabe-se que existem, atualmente, cerca de cinco mil línguas
faladas no mundo e, dessas, menos de 10% têm a modalidade escrita.
Nesse sentido, é importante compreender que fala e escrita são práti-
cas discursivas diferentes, ou seja, a escrita não é uma representação
da fala, ambas são representações da língua. Fala e escrita não compe-
tem, convivem e são usadas harmonicamente no dia a dia.

A fala, assim como a escrita, é multimodal. Ela é composta pela pala-


vra dita e por uma série de elementos simbólicos próprios: entonação,
variações de ritmo, pausas, gestos, expressões faciais etc. A língua fa-
lada é não planejada, por isso é interrompida, hesitante, redundante,
repetida, fragmentada e incompleta. Isso ocorre porque falamos ao
mesmo tempo que criamos nossos discursos, o que gera incertezas,
arrependimentos e correções, geralmente expressos em frases cur-
tas e simples. A concomitância entre o pensar e o expressar produz
também uma sintaxe característica da oralidade, que não obedece à
mesma regularidade da língua escrita. Se na escrita, planejada e moni-
torada, o adequado é escrever “os pacotes chegaram recentemente”,
na oralidade é muito mais provável – e perfeitamente aceitável em de-
terminados contextos – que a mesma mensagem seja emitida assim:
“já chegou os pacote”.

Se a língua se constitui no uso e na interação entre os falantes, no-


vas palavras e formas de uso da língua estão em permanente constru-
ção, o que cria novas regras. A marcação do plural somente no artigo (e
não pelo -s no substantivo), como no exemplo anterior, é um modelo
prático disso e que pode ilustrar as especificidades da oralidade.

Essas especificidades se constituem nas situa-


ções concretas de comunicação oral, pois, confor- Atividade 1
me Brait (2003), a dinâmica da interação é fruto Qual é a relação existente
entre a concepção sociointera-
da percepção que os interlocutores têm dos as-
cionista de língua e o estudo
pectos que constituem o diálogo: quem é o outro da oralidade?
a que o projeto de fala se dirige; quais são as in-
tenções do falante com sua fala, com a maneira
de organizar as sequências dessa fala; que estratégias utiliza para se
fazer compreender, compreender o outro e encaminhar a conversa da

Reflexões sobre o trabalho com a oralidade 23


maneira mais adequada; e como levar o outro a cooperar no processo.
Para isso, além do conhecimento do sistema linguístico, do léxico e das
normas da língua, são necessárias outras estratégias e regras de uso
sociais, culturais e situacionais para que o evento discursivo aconteça.

Dessa forma, é fundamental que competências de compreensão e


produção de textos orais façam parte do cotidiano de estudo da lín-
gua na escola, para além da relação que se costuma estabelecer entre
oralidade e escrita do ponto de vista meramente comparativo, que as
relaciona com a informalidade e a formalidade, respectivamente.

As práticas de ensino e aprendizagem devem contemplar o proces-


so de construção do texto oral a partir da interação entre os interlo-
cutores e visar ao entendimento de que os sentidos se constroem na
cumplicidade entre os falantes, que convivem em uma mesma realida-
de histórica e social e compartilham suas visões de mundo.

Rodrigues (1993) menciona essa cooperação entre interlocutores


como base para o processo conversacional. A autora explica que ela re-
sulta da utilização de diferentes recursos, como a monitoração que o fa-
lante faz do canal de comunicação e a tentativa de despertar no ouvinte
o senso do concreto, ou seja, de ter a sensação de proximidade, de ime-
diatismo e de vivência da experiência. Brait (2003, p. 235) esclarece que:
Livro a interação acontece, necessariamente, entre pelo menos dois
falantes que se caracterizam como atores da interlocução e que
vão se relacionar enquanto parceiros. Esses interlocutores reve-
zam-se na condição de falante e ouvinte, ou seja, sujeito comu-
nicante e sujeito interpretante. A primeira consequência a ser
tirada dessa constante diz respeito à mecânica da interlocução:
o sujeito interpretante não reconstrói pura e simplesmente as
significações produzidas pelo sujeito comunicante. Sendo a in-
terlocução aberta (há o revezamento de posições), cada um dos
O livro Da fala para a participantes interage parcialmente no projeto de construção de
escrita: atividades de
sentido dos outros. Isso significa dimensionar a interação verbal
retextualização baseia-se
em uma visão não dico- como uma atividade cooperativa.
tômica das modalidades
escrita e oral da língua Essa troca entre os interlocutores promove o caráter fragmentado
e propõe atividades que do texto, construído a partir da alternância de turnos, marcado pelo
relacionam a oralidade
e a escrita a partir dos discurso direto, intercortado por hesitações, pausas, partículas enfáti-
gêneros textuais. cas etc. O texto oral é, portanto, caracterizado também pela velocidade
MARCUSCHI, L. A. 10. ed. São Paulo: associada ao fluxo da fala, em contrapartida ao texto escrito, que en-
Cortez, 2010.
volve planejamento, execução e revisão. Da mesma maneira, o texto

24 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


oral não pode ser analisado como objeto pronto e acabado, passível de
ser desmembrado e decomposto em partes, para que dele se extraiam
estruturas linguísticas para análise gramatical.

2.1.1 A prática pedagógica da oralidade


Muitos educadores se sentem inseguros diante do propósito de Atividade 2
ensinar oralidade a falantes da língua. O quê e como ensinar para A modalidade escrita da língua
deve ser privilegiada em contex-
quem já fala a língua? É preciso considerar que cabe à escola ensinar
tos escolares? Por quê?
o chamado falar bem, ou seja, saber usar a língua adequadamente
em diferentes situações. É papel da escola e do educador propiciar o
desenvolvimento linguístico aos alunos, torná-los interlocutores efi-
cientes e produtores de textos úteis para a vida social (apresentação
pessoal, conversa telefônica, entrevista de emprego etc.) e inseri-los
na sociedade oralmente letrada.

A aquisição da linguagem oral durante a infância acontece pela inte-


ração com outras crianças e principalmente com adultos. A partir des-
sa linguagem que o aluno adquiriu, os processos pedagógicos devem
construir conhecimentos de língua em relação ao tempo, espaço e su-
jeitos envolvidos; trabalhar com a diversidade de gêneros orais; marcar
que há textos que se caracterizam pela oralidade e que essas marcas
muitas vezes são características de alguns gêneros; mostrar que há tex-
tos escritos em que a marca da oralidade está presente; demonstrar a
importância da linguagem verbal (elementos paralinguísticos e cinési-
cos) na constituição dos discursos orais; e fomentar situações para a
prática real de enunciações orais.

A proposta de trabalho com a oralidade como prática social deve,


portanto, envolver gêneros textuais orais significativos para os alunos,
objetivando uma proposta de prática social e discursiva, envolvendo es-
cuta, produção oral e análise linguística, além da análise dos elementos
não verbais e seus efeitos de sentido. O emprego de textos adequados
constrói os conhecimentos sobre a linguagem, os papéis sociais desem-
penhados no processo de interação e a função social de cada gênero.

O aluno precisa entrar em contato com textos de referência e partici-


par de situações de interação que ativem seus conhecimentos prévios.
Com isso, ele poderá identificar e refletir sobre a situação comunicativa
em questão, os interlocutores e as especificidades do gênero.

Reflexões sobre o trabalho com a oralidade 25


Para atividades de compreensão de textos, assim como na moda-
lidade escrita, são propostas práticas de leitura. Na oralidade, todavia,
devem ser aplicadas práticas de escuta. Essas atividades proporcionarão
ao aluno a possibilidade de entrar em contato com situações reais de
interlocução – sejam elas situações presenciais, como diálogos, apresen-
tações, palestras etc., ou por meio de reproduções de áudio e vídeo.

Para a produção de textos orais, é preciso avaliar a adequação do


gênero de acordo com a situação comunicativa, considerar os papéis
desempenhados pelos interlocutores e escolher uma variedade lin-
guística. É preciso, ainda, compreender a influência dos elementos
não verbais na produção de sentido e de elementos de suporte, como
cartazes, apresentações digitais etc.

As propostas de atividade com gêneros orais em aula podem se-


guir, de certa maneira, o modelo aplicado aos textos escritos: pri-
meiramente um exemplo de texto autêntico é apresentado ao aluno
(palestra, debate, entrevista, diálogo, etc.); em seguida, são analisa-
das as características do gênero, a intenção comunicativa, o papel
dos interlocutores, a linguagem empregada, as marcas de oralidade
e outras especificidades do gênero; por fim, os alunos produzem seu
próprio texto oral, com base no modelo que foi analisado. A produção
é avaliada no que se refere aos aspectos discursivos esperados e deve
ser refeita quando necessário.
Glossário
Em relação às atividades de análise linguística, é importante desta-
sintático: relativo à sintaxe, ou
seja, à ordem das palavras no car que, ao refletir sobre a língua falada, estamos considerando não
discurso. apenas os aspectos sintáticos, morfológicos ou semânticos, mas,
também, outros externos ao texto verbal, como o contexto de pro-
Glossário dução e as escolhas pelas variedades linguísticas. Assim, é possível
morfológico: diz respeito à avaliar a adequação do discurso ao contexto, analisar os efeitos de
formação das palavras. sentido produzidos na interlocução e compreender as intenções dos
interlocutores. Como no texto escrito, devem-se analisar no texto oral
as escolhas lexicais, a organização sintática, a coesão e coerência, en-
Glossário tre outros fatores. Entretanto, devem ser objetos de análise, espe-
semântico: relacionado aos cificamente no texto oral, os elementos paralinguísticos (entonação,
significados produzidos pelos
elementos do discurso. ritmo, pausas, hesitações) e os elementos cinésicos (gestos, olhares,
risos, expressões faciais).

Por fim, entende-se que as práticas pedagógicas relacionadas à ora-


lidade devem contribuir para o desenvolvimento da oralidade letrada

26 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


dos alunos, de modo que a leitura oral de gêneros escritos ou a parti-
cipação oral dos alunos em atividades diversas, como na correção de
atividades escritas, não se constituam, por si só, atividades de prática
da oralidade. É necessário que se empregue uma metodologia adequa-
da a essa representação da língua, por meio de sequências didáticas
completas, com objetivos definidos, fundamentadas em gêneros orais
significativos e com atividades diversas, que propiciem o contato, a
produção, a análise e a construção de conhecimentos sobre práticas
discursivas na modalidade oral.

2.2 Recursos paralinguísticos: efeitos de sentido


Videoaula Já sabemos que o processo de comunicação oral vai muito além
do discurso verbal e que, no ato da enunciação, outros elementos são
tão importantes quanto a palavra vocalizada. Os eventos de fala são
conformados também pelos atos cinésicos (gestos, atitudes corporais,
direcionamento do olhar etc.) e paralinguísticos (qualidade de voz,
melodia, elocução, pausas, respiração etc.) que atuam com o discurso
linguístico durante a interação verbal. Esses elementos colaboram na
produção de sentidos e favorecem a compreensão do texto.

Em linhas gerais, costuma-se dizer que a comunicação na oralida-


de acontece por dois canais: o linguístico, que usa o sistema simbólico
convencional da linguagem, e o paralinguístico, responsável pelas in-
formações extras, que detalham as intenções do falante em determi-
nado contexto discursivo. Nesse sentido, o paralinguístico engloba os
elementos cinésicos.

A paralinguagem tem grande importância como recurso expressivo


na linguagem falada, pois revela informações sobre emoções, ações e
opiniões do falante em relação ao interlocutor ou ao tópico discursivo.
Além de colaborarem com a fluência do discurso falado, os elemen-
tos paralinguísticos têm, também, a função de sinalizar compreensão,
interesse, concordância e atenção. São exemplos de paralinguagem:
alterar a voz durante uma conversa, pigarrear, ou mesmo introduzir
termos não lexicalizados como hu-hum ou hã-han.

A observância dos elementos paralinguísticos é importante para


a compreensão global de um texto oral, pois muitas vezes o falante
agrega sentido às suas palavras por meio desses elementos, ou os ele-

Reflexões sobre o trabalho com a oralidade 27


mentos paralinguísticos revelam contrariedade em relação ao que é
expressado linguisticamente. A atenção à paralinguagem também diz
respeito à produção de nossos próprios enunciados, pois, assim como
devemos estar conscientes e preparados para produzir nossos enun-
ciados verbais, precisamos cuidar da qualidade da mensagem que emi-
timos paralinguisticamente.

É importante ressaltar que, assim como em um texto escrito ou


falado não podemos extrair significados absolutos de palavras iso-
ladas, os elementos paralinguísticos também devem ser analisados
em conjunto e relacionados ao contexto da situação comunicativa.
Interpretar um único gesto ou pausa na fala isoladamente pode levar
a diferentes significados, provavelmente inócuos, pois são desconsti-
tuídos de contexto.

Em aula, o reconhecimento dos recursos paralinguísticos como es-


tratégias que colaboram com a construção de sentidos do texto oral é
fundamental e deve fazer parte das práticas pedagógicas de trabalho
com a oralidade. O processo de compreensão textual deve partir dos
conhecimentos prévios do aluno e passar por cada elemento formativo
do discurso oral, para que ele perceba que os significados do texto são
criados em conjunto, na interação, a partir de uma cadeia de sentidos
produzidos durante todo o ato discursivo.

2.3 Variação linguística e oralidade


Videoaula Se consideramos a história da Torre de Babel – uma narrativa criada
para explicar por que os povos falam línguas diferentes –, percebemos
que a humanidade sempre se interessou pela heterogeneidade linguís-
tica. A ciência, na busca pelo entendimento dos fenômenos linguísticos,
analisa os movimentos e as mudanças relativos às línguas ocasionados
Vídeo por seu caráter dinâmico.
O vídeo Torre de babel
existiu?? A verdade, publica- Inicialmente, no século XIX, os estudos se baseavam na percepção
do pelo canal Você Sabia?, da língua no espaço, o que hoje conhecemos como geografia linguís-
explica a história da Torre
de babel e alguns estudos tica. Já no século XX, percebeu-se que a variabilidade da língua estava
feitos na modernidade diretamente relacionada à organização social, pois se constatou que
sobre a possibilidade de
sua existência. homens falam diferente de mulheres e jovens falam diferente de ido-
Disponível em: https://www.you- sos, por exemplo, e essa diferença não está biologicamente relacio-
tube.com/watch?v=lGA12dIceHs. nada ao sexo ou à idade, mas aos papéis sociais desempenhados por
Acesso em: 17 dez. 2019.
essas pessoas.

28 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


A diversidade linguística pode estar presente em qualquer língua,
em maior ou menor grau de abrangência, sendo um reflexo da his-
tória da sociedade que a produz e a usa ou dos grupos sociais que a
compõem. É um indicativo histórico, cultural e social das experiências
e vivências de um grupo.

A variação linguística é comumente manifestada na pronúncia (so-


taque) e no vocabulário, mas pode também aparecer na sintaxe (modo
de composição e organização de frases) e no arranjo de outras estrutu-
ras do texto, como a conjugação de verbos e o uso de concordâncias.
Livro
As variedades linguísticas são o resultado de complexos movimen-
tos, interferências e mudanças sofridos pela língua. Fazem parte do
processo histórico das sociedades que as falam e, nesse processo, aca-
bam recebendo marcas e estigmas que as caracterizam como valoriza-
das ou desvalorizadas pelos grupos sociais envolvidos.

Em nosso país, assim como em muitos outros, a base da constitui-


ção dos grupos sociais são as diferenças econômicas, e, desse modo, a
valorização atribuída às variedades linguísticas é diretamente propor-
A obra A norma oculta:
cional à posição social alçada pelo poder econômico. Como esclarece língua & poder na socieda-
de brasileira reflete sobre
Bortoni-Ricardo (2005, p. 131), “no Brasil, a variação está ligada à estra- as relações entre língua e
tificação social e à dicotomia rural-urbana. Pode-se dizer que o princi- poder no Brasil e propõe
uma relação direta entre
pal fator de variação linguística no Brasil é a secular má distribuição de o preconceito linguístico
bens materiais e o consequente acesso restrito da população pobre e o preconceito social.

aos bens da cultura dominante”. BAGNO, M. 2. ed. São Paulo:


Parábola, 2003.
Nas sociedades em que as diferenças econômicas estão na base da
constituição desses grupos, como é o caso do Brasil, o valor positivo
atribuído às variedades linguísticas é diretamente proporcional a es-
sas diferenças. O português popular é marcado negativamente porque,
ao afastar-se da norma culta, é entendido como sinônimo de não es-
colarização. As pronúncias provenientes da região rural também são
estigmatizadas, entretanto é certo que a linguagem está sujeita às alte-
rações determinadas pelos seus falantes e que estes estão sujeitos às
determinações da história e de seus contextos sociais. Assim, todas as
estruturas linguísticas utilizadas por falantes, independentemente de
seu grupo social e de sua posição econômica, são legítimas e devem ser
reconhecidas e respeitadas.

Reflexões sobre o trabalho com a oralidade 29


Na escola, a análise de produções orais de variedades não presti-
giadas socialmente contribui para afastar a ideia de que a única fala
aceita é a que se aproxima da escrita, a que respeita a norma padrão.
O conceito dicotômico de certo e errado passa a ser substituído pelo
entendimento de adequação, dando espaço, também, às variedades
linguísticas mais estigmatizadas em nossa sociedade.

O fato é que a linguagem é produto da atividade humana coletiva, e


não se desvincula, portanto, do conteúdo ideológico dos grupos sociais
que a empregam. A língua de uma sociedade está conformada por toda
a carga ideológica e cultural do grupo, é resultado de todas as experiên-
cias que fazem parte de seu processo histórico, não cabendo, nesse
sentido, atribuir valores positivos ou negativos às suas variedades.

2.3.1 A prática pedagógica para a variação


Quando o aluno chega à escola, traz com ele toda uma bagagem de
conhecimentos linguísticos aprendidos naturalmente em casa, com a
família. Essa linguagem natural, predominantemente oral, deve ser a
base sobre a qual se construirão outros aprendizados da língua. O en-
tendimento de aluno monolíngue, que despreza a língua aprendida em
casa para falar a língua da escola – a única correta –, já não é mais acei-
tável. Em uma concepção sociointeracionista de linguagem, a proposta
é que a escola forme um aluno poliglota em sua própria língua, pois
terá à disposição a sua variedade natural e aquela aprendida na escola.
Nas palavras de Possenti (2001, p. 9), “o verdadeiro problema da escola
não é acertar a forma gramatical. O verdadeiro problema – que é de
Livro
cidadania, de inserção – é de circulação pelos discursos. O que se pode-
No livro Educação
em língua materna: a ria dizer é que esse é um problema de leitura e de escrita”.
sociolinguística na sala
de aula, a autora oferece A proposta de partir da língua que o aluno já possui é um caminho di-
fundamentos teóricos e dático que respeita a diversidade e a essência da língua. Parte do conheci-
aplicações práticas para
trabalhar o ensino da mento do aluno para construir outros conhecimentos mais abrangentes,
língua em sala de aula fundamenta-se no reconhecimento da língua do aluno como verdadeira
de maneira consciente e
cidadã, combatendo qual- e viva e desperta a consciência dele sobre a adequação linguística. É im-
quer forma de exclusão portante não desprezar a variedade utilizada pelo aluno e, ao mesmo
por meio da linguagem.
tempo, apresentar a variedade culta, ajudando-o a compreender que ela
BORTONI-RICARDO, S. M. São Paulo:
Parábola, 2004. pode ser usada em instâncias discursivas diferentes e que a língua escri-
ta obedece a normas diferentes da língua falada.

30 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Segundo Bagno (1999, p. 73-74), a escola deve abandonar o mito:
de que existe uma forma “correta” de falar, o de que a fala de uma
região é melhor do que a de outras, o de que a fala “correta” é a
que se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal
português, o de que o português é muito difícil, o de que é preciso
“consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva errado.

Ao partir do conhecimento do aluno, o professor poderá direcionar Atividade 3


seu trabalho para a formação das competências relativas às modernas De que modo o educador deve
lidar com a variedade da língua
práticas de letramento, desenvolvendo suas habilidades de leitura e pro- que o aluno traz de casa?
dução. Conforme afirma Rojo (2009, p. 107), “um dos objetivos principais
da escola é justamente possibilitar que seus alunos possam participar das
várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita (letramentos)
na vida da cidade, de maneira ética, crítica e democrática”.

É fundamental introduzir nas práticas pedagógicas, sobretudo na-


quelas relacionadas ao discurso oral, o entendimento de heterogenei-
dade linguística e seus efeitos. A variação deve ser vista como fenômeno
natural e legítimo, relacionando-se, assim, a valorações positivas e sig-
nificativas. O trabalho com a língua em sala de aula não pode reforçar
preconceitos, estereótipos e violência simbólica, e, sim, propiciar a re-
flexão sobre o respeito à variedade linguística e à variedade social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A língua que deve ser estudada na escola é a que será usada pelo
aluno, aquela que ele precisará empregar em suas mais diversas práticas
sociais durante a vida, e isso inclui, logicamente, a modalidade oral. Com
a concepção sociointeracionista, veio o entendimento de que a língua não
é apenas a norma, mas sim o uso, é o texto criado a partir da interação.
Com isso, a oralidade passou, finalmente, a ser reconhecida como moda-
lidade da língua de interesse escolar.
Trabalhar a oralidade em sala de aula, entretanto, não diz respeito à
leitura em voz alta de textos escritos ou a conversas esparsas sobre as-
suntos aleatórios. As atividades de prática oral devem acontecer por meio
de gêneros textuais orais, em contextos significativos e orientadas para a
análise dos elementos de produção de sentidos do texto. A sala de aula
deve ser um ambiente de interação, de situações reais de linguagem e de
construção de conhecimentos.

Reflexões sobre o trabalho com a oralidade 31


A escola, como reconhecido espaço social do saber e do aprendizado,
desse modo, deve repensar suas práticas pedagógicas no sentido de ado-
tar uma perspectiva de língua heterogênea. Não se concebe, atualmente,
uma escola que despreza os efeitos do processo histórico sobre os indiví-
duos e os grupos sociais que os comportam. A língua como resultado da
atividade humana coletiva é essencialmente ideológica e cultural, e, assim,
toda e qualquer variedade utilizada por seus falantes é igualmente válida
e legítima. Fundamentalmente, cabe à escola dissipar qualquer precon-
ceito que possa existir em relação a uma ou outra variedade linguística.

REFERÊNCIAS
BAGNO, M. Preconceito Linguístico: o que e como se faz? 49. ed. São Paulo: Editora Loyola,
1999.
BORTONI-RICARDO, S. M. Nós cheguemu na escola, e agora?: sociolinguística & educação.
São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
BRAIT, B. O processo interacional. In: Preti, D. (org.). Análise de textos orais. São Paulo:
Humanitas, 2003.
POSSENTI, S. Existe a leitura errada? Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 7, n. 40,
p. 5-18, jul./ago. 2001.
RODRIGUES, A. C. S. Língua falada e língua escrita. In: Preti, D. (org.). Análise de textos orais.
São Paulo: Humanitas, 1993.
ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009.

GABARITO
1. A concepção sociointeracionista entende a língua como interação, resultado da troca
e da cooperação entre os falantes. Desse modo, as práticas orais também são objeto
de estudo, diferentemente do que acontecia quando outras concepções embasavam
as atividades pedagógicas e direcionavam o estudo da língua para o domínio da
norma padrão.

2. Não. A oralidade e a escrita são duas formas de expressão da língua e ambas devem ser
objeto de estudo e análise da escola, pois o estudo da língua deve priorizar a formação
do aluno para atuar nas mais diversas instâncias comunicativas, o que inclui também
as práticas orais.

3. O educador deve usá-la como base para a construção de conhecimentos para


outras variedades. Não deve desprezá-la ou desconsiderá-la, mas respeitá-la como
expressão legítima da língua, perfeitamente aceitável em determinados contextos.

32 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


3
O ensino da leitura
Tainá Thies

O surgimento da linguagem para o ser humano e desenvolvi-


mento deste em diferentes línguas proporcionou a nossa evolução
enquanto organismos e sociedades complexos. A invenção da lei-
tura, porém, é algo muito recente em relação à oralidade e permi-
tiu aos seres humanos a significativa ampliação de seu universo
simbólico e de seus conhecimentos sobre o mundo.
Neste capítulo, discutiremos sobre os conceitos de leitura, pen-
sando nos diferentes níveis dessa atividade. Também vamos lançar
luz sobre o processamento cerebral e os circuitos envolvidos na
capacidade de ler. Por fim, faremos um levantamento da necessi-
dade de se utilizar estratégias para a leitura e quais delas o profes-
sor pode utilizar em sala de aula.
Temos por objetivo, portanto, que você adquira maior confian-
ça na sua prática enquanto professor mediador de leitura. Para
isso, é preciso ter em mente que, antes de mais nada, o professor
deve ser um leitor confiante, o qual entende que ler é um pacto de
saber e de satisfação.

3.1 Formação do leitor


Videoaula Quando você pensa em leitura o que vem à sua mente? Talvez
o prazer de fugir da realidade e cair em um mundo de fantasia? Ou
a ansiedade, pois, talvez, essa não seja sua atividade preferida? Em
todo caso, na maioria das vezes associamos a palavra leitura com o
mundo das letras impressas e dos livros de literatura. Mas, se pen-
sarmos nas expressões que contêm o verbo ler, aquelas que utili-
zamos no nosso cotidiano, compreenderemos que leitura é, com
certeza, muito mais que o universo da literatura que nos transporta
a um mundo distante da realidade.

O ensino da leitura 33
Ao entrarmos em um lugar pela primeira vez, costumamos dizer
que precisamos “fazer a leitura do lugar”. Ou, em uma situação de con-
versa, é possível até que façamos uma “leitura das entrelinhas”, que
significa conseguir entender aquilo que o outro não está dizendo com
suas palavras. Em todo caso, “a leitura do mundo precede a leitura da
palavra” (FEIRE, 1989, p. 9).

Dessa forma, o ato de ler começa enquanto ainda somos recém-


-nascidos e aos poucos vamos compreendendo como ler as expres-
sões faciais daqueles que nos cuidam, ou mesmo as nossas vontades
e necessidades, além do próprio ambiente que nos rodeia, cheio de
novidades passíveis de exploração, com todas as suas cores e todos
os seus valores inerentes à sociedade em que nascemos e crescemos.

Porém, até mesmo algo que damos por lido e fechado pode tomar
diferentes sentidos ao longo da vida. Tome como exemplo o telefo-
ne comum, com fio, daqueles que você girava o teclado para fazer a
ligação. Quando aprendemos a usá-lo, ele era um instrumento de co-
municação. Hoje podemos encontrar modelos repaginados desses
aparelhos, alguns que até servem como decoração ou uma forma de
lembrança. Ou seja, cada pessoa dá a eles uma nova leitura.

Podemos entender, por meio dessas situações, que o conceito de


leitura não se baseia apenas na decodificação dos signos na página,
embora obviamente se ligue a tal atividade. A leitura está diretamente
relacionada a uma formação global do sujeito, perpassando as esferas
política, cultural e econômica, visando um indivíduo que seja atuante
socialmente, isto é, que consiga refletir criticamente sobre a sua reali-
dade e participar dela de maneira ativa (MARTINS, 1994).

Por muito tempo a leitura foi entendida como uma atividade ligada
apenas à escola. Isso quando não era utilizada como punição por mau
comportamento. Logo, é preciso repensar a leitura enquanto prática
social, na qual a escola está inserida, e não somente como prática esco-
lar, ligada à carga horária das aulas de Língua Portuguesa e dependen-
te apenas da alfabetização.

Como citado anteriormente, Freire (1989) já nos alertou sobre a


alfabetização ser um passo posterior ao aprendizado da leitura. Pri-
meiro a leitura do mundo, de nós e dos outros, depois a sistematiza-
ção dela em um código. Logo, tal prática vai muito além dos muros da
escola e deve ser incentivada como exercício que transcende o uso

34 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


pragmático das letras. Afinal, como continuaremos a pensar que a
leitura se equilibra apenas no alfabeto se estamos na era dos memes,
dos gifs e dos emojis?

Para Martins (1994), há duas concepções de leitura. A primeira é a


de decodificação mecânica da língua e a segunda entende o ato de ler
como um processo global de compreensão, que abarca componentes
cognitivos e sociais. Dentro dessa segunda, podemos identificar, ainda,
três níveis de leitura: sensorial, emocional e racional. A seguir, vamos
detalhar cada um deles.

Nível sensorial
É a leitura que se utiliza dos sentidos para gerar engajamento do
leitor. Tato, visão, audição, olfato e paladar à disposição da leitura. “A
leitura sensorial vai, portanto, dando a conhecer ao leitor o que ele
gosta ou não, mesmo inconscientemente, sem a necessidade de racio-
nalizações, justificativas” (MARTINS, 1994, p. 42).

Mas, como podemos realizar atividades que engajem sensorialmen-


te o leitor? Que tal escolher um livro que tenha uma história envolven-
te e que ao mesmo tempo traga em sua narrativa comidas diferentes
e ambiente histórico? Veja, por exemplo, o trecho retirado do livro
O Minotauro, de Monteiro Lobato (1996, p. 66):

O
jantar correu animadíssimo. Dona Benta reclinava-se no seu coxim, colocado entre o da
dona da casa e o de Sócrates. Do outro lado da mesa, muito mais baixa que as modernas,
reclinava-se Narizinho, entre Fídias à direita e Herodoto à esquerda. Uma coroa de rosas
cingia a testa de todos os comensais. A conversa girou sobre vários assuntos e por fim
caiu sobre a arte culinária. — Pois é — disse Dona Benta — a razão da nossa viagem a estes
séculos foi uma razão ao mesmo tempo sentimental e culinária: a procura de tia Nastácia, que é
nossa amiga e nossa cozinheira. E que cozinheira! Como sabe manejar o violino do “gostoso” e tirar
dele mil harmonias! O mais simples guizado, um picadinho com batatas, um virado de feijão com
torresmos, um vatapá, tudo enfim que sai de suas panelas está para o que chamamos comida,
como os mármores ali dos Senhores Fídias e Policleto estão para as esculturas comuns. Perfeitas
obras-primas.
— E os bolinhos, vovó? — lembrou a menina, do outro
lado da mesa. — Os bolinhos de tia Nastácia já estão fa-
mosos no Brasil inteiro. Quantas cartas a senhora não recebe
das crianças, pedindo a receita dos bolinhos de tia Nastácia?

O ensino da leitura 35
Nessa obra, Tia Nastácia é raptada pelo Minotauro e sobrevive ao
fritar seus famosos bolinhos, deixando o animal paralisado de tanto
comê-los. Para trabalhar esse livro, o professor pode ligar a mitologia
com a culinária. Na continuação do trecho, há diversas outras receitas
que são citadas e podem servir de inspiração para uma leitura sensorial.

Nível emocional
É o nível em que temos a maior satisfação do ato de ler. É o momen-
to no qual somos transportados para outros mundos, sejam eles reais
ou fictícios. O nível emocional gera grande identificação do leitor com
a narrativa, além de empatia com os personagens. Segundo Martins
(1994, p. 61), “importa […] frisar o quanto em geral reprimimos a leitura
emocional, muito em função de uma pretensa atitude intelectual”, isto é,
damos muito valor ao conteúdo intelectual de uma obra e descartamos
a leitura emocional, como se ela fosse atividade de menor importância.

Mas não podemos corroborar somente com a visão intelectualista


de leitura. Afinal, por que você lê? Em especial, por que você lê lite-
ratura ou assiste a filmes e novelas? A resposta mais provável é a de
que é para se distrair ou se divertir, certo? E se somos capazes de nos
divertir ou abstrair da realidade enquanto lemos é porque temos um
engajamento emocional com a obra e não porque estamos racionali-
zando tudo o que é lido.

Na sala de aula

Na escola, para trabalhar esse engajamento, o professor pode mon-


tar um cenário com a ajuda dos alunos a fim de que eles mergulhem na
realidade que estão conhecendo. Pode ser um cenário de fantasia, de
bruxas, de aventura ou até mesmo policial. Por exemplo, o docente pode
montar um espaço com as pistas do livro Os Criminosos vieram para o
chá. Assim, os alunos se envolvem na leitura em um nível sensorial e
emocional ao mesmo tempo.

CARR, S. São Paulo: Quinteto Editorial, 2019.

36 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Nível racional
É o nível em que os fatos se colocam de maneira objetiva, expan-
dindo os horizontes do leitor, trazendo novos fatos à sua realidade
e ampliando seu arcabouço de conhecimentos. “A leitura racional
acrescenta à sensorial e à emocional o fato de estabelecer uma ponte
entre o leitor e o conhecimento, a reflexão, a reordenação do mundo
objetivo” (MARTINS, 1994, p. 66).

Assim, o nível racional é aquele em que visamos o diálogo com o Saiba mais
próprio texto a fim de compreendê-lo e decifrá-lo. É uma leitura que Você já ouviu falar em Escape
requer a análise dos aspectos da narrativa, isto é, do que o autor nos Classroom? É uma atividade
derivada do Escape box, locais
conta e de que modo ele faz isso, além dos sentidos do texto e da in- em que as pessoas vão para
tenção do autor ao utilizar certos indícios. Veja, a seguir, as principais se divertir e escapar de salas
descobrindo pistas para poder
categorias de análise de narrativas em um nível racional de leitura, de
encontrar uma forma de sair. O
acordo com Martins (1994). Escape Classroom nada mais é do
que uma forma de fazer os alunos
Principais aspectos para análise de narrativa
decifrarem enigmas relacionados
em nível racional de leitura
a um conteúdo para poderem
achar a saída. É uma atividade
bastante difundida em outros paí-
ses, mas ainda pouco explorada
no Brasil. O legal aqui é utilizar
diversos espaços escolares e fazer
Aspectos Indícios dados ao Intenção do autor ao com que os alunos percebam
da narrativa longo do texto utilizar indícios que estudar também pode ser
muito divertido. Para saber um
pouco mais como funciona essa
Descrição de atividade, leia a matéria da revista
Os indícios criam
personagens, Mundo Estranho, acessando o
O que conta? determinadas
fatos, situações, seguinte QR Code.
De que forma expectativas de
ambientes.
conta? acordo com a
Construção dos
intenção do autor.
sentidos do texto.

Embora Martins tenha se limitado a esses três níveis, podemos


acrescentar, ainda, um quarto nível, o da prática social, que leva o leitor
a inserir sua realidade na leitura, dando sentidos diferentes ao que o
autor passa. Além disso, esse nível perpassa o próprio uso da leitura
enquanto uma prática de formação de cidadãos, mas detalharemos
mais esse nível ao final deste tópico.

Até agora vimos alguns conceitos de leitura e algumas estratégias


iniciais para entender como lemos. Mas você sabe como é que de fato
a leitura se processa dentro de nossos cérebros?

O ensino da leitura 37
Livro Em primeiro lugar, precisamos lembrar que a leitura é uma invenção
O livro Sapiens: uma breve muito recente, se comparada ao surgimento da linguagem falada, e por
história da humanidade
é uma leitura esclare- isso mesmo ela não é tão natural para nós quanto a fala. Quando pe-
cedora do advento da quenos, aprendemos a falar por observação, tentativa e aproximação.
linguagem humana e de
sua evolução. Nele, o his- A leitura do mundo acontece da mesma forma. Porém, a leitura das
toriador israelense, Yuval letras precisa de uma sistematização mínima, que depende, na maior
Harari, tenta buscar as
origens dos humanos ao parte das vezes, da mediação de alguém que já conhece o código.
longo de todo o processo
evolutivo.
A leitura, portanto, depende de dois módulos em nosso cérebro,

HARARI, Y. São Paulo: L&PM, 2015.


conforme a Figura 1.
Módulo auditivo

É responsável pelo processamento


k dos sons e da pronúncia. Propicia
toc
ers a consciência fonológica, isto é,
h u tt
/S
a compreensão de que as palavras
on
lyg

são formadas por partes menores


Jo

do som (os fonemas) e que estas


podem ser manipuladas para
formar diferentes palavras.

Módulo visual

É responsável pelo acesso às


imagens das letras e das palavras.
Proporciona a aquisição da
Figura 1 consciência grafêmica, ou seja,
Módulos auditivo e visual a compreensão de que a forma de
do encéfalo humano uma palavra inteira é composta de
outras formas menores, que são
as letras, ou os grafemas.

Na sala de aula

Uma atividade bem interessante para se trabalhar o circuito su-


perior é pedir aos alunos que, em duplas, produzam letras e palavras
com massinha de modelar e que, vendados, tentem descobrir os sons
e as palavras pelo toque. Também funciona com alfabetos móveis de
qualquer tamanho. O interessante a se pensar aqui é que o aluno
precisa aprender a ligar a forma ao som, por isso atividades sensoriais
são muito bem-vindas.

38 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Do ponto de vista puramente mecânico, a leitura acontece quando
conseguimos ligar o módulo auditivo (som das letras) ao módulo vi-
sual (formato das letras). Porém, para que isso ocorra de maneira au-
tomática e fluida, como na leitura fluente, são necessários dois
processos cerebrais, os quais chamamos de circuitos de leitura. As- Figura 2
sim, possuímos o circuito superior e o inferior para ligar os módulos Circuitos de produção da
leitura no cérebro humano
visual e auditivo e produzir a leitura.

Circuito superior: é também conhecido Circuito superior


ck
como decodificação, aquele processo tão sto
ut te r
h
/S
trabalhado na alfabetização, seja ela

on
lyg
Jo
em qualquer idade.

Como é possível visualizar na


Figura 2, a decodificação começa
com uma análise da forma das le-
Módulo
tras pelo módulo visual, bem como visual
da sequência delas na formação da Módulo auditivo
palavra, e envia essas informações para
o módulo auditivo, para que este mapeie o
som de cada uma das letras, encontrando corres-
pondência na palavra completa.
Circuito inferior
Isso ocorre quando o leitor inicia seu aprendizado e preci-
sa ir com calma para decifrar letra por letra, som por som, até obter
a palavra. Promover o fortalecimento desse circuito possibilita ao leitor Saiba mais
desenvolver estratégias para a leitura de palavras desconhecidas e de Pessoas com dislexia têm
outras línguas, por isso estará ativo ao longo de toda a vida e não ape- grande dificuldade para
ativar o circuito inferior,
nas durante a alfabetização. agindo muito pela via
da decodificação, o que
Circuito inferior: o que chamamos de acesso direto. É quando o pode se tornar uma
cérebro conecta como um todo o reconhecimento da palavra ao som grande dificuldade para
o aprendizado, pois o
completo dela, sem precisar decodificar som por som, letra por letra. circuito superior é mais
É como se, com o desenvolvimento gradual do circuito superior, fotos lento, uma vez que preci-
sa decifrar todos os sons
fossem sendo tiradas das palavras e armazenadas no circuito inferior da palavra para acessá-la
para acesso rápido no momento da leitura. por completo. Para mais
informações sobre esse
O circuito inferior é ativado conforme a pessoa vai aprendendo no- transtorno específico de
linguagem, acesse o site
vas palavras por meio da leitura. Ou seja, quanto mais o sujeito lê, mais
da Associação Brasileira
robusto será o acesso direto. de Dislexia (ABD).

Vimos tudo isso apenas como um esboço para termos noção de Disponível em: http://www.dislexia.
org.br/. Acesso em: 14 fev. 2020.
como se processa a leitura em nosso cérebro. É preciso, porém, ter em

O ensino da leitura 39
mente que muitas outras estruturas cerebrais podem estar envolvidas
Livro nesse processo, afinal, temos memórias do que já sabemos, de sím-
O livro Os neurônios da bolos diversos que conhecemos, de outras sensações, como o tato e o
leitura: como a ciência
explica nossa capacidade olfato (também ligados ao prazer de pegar e cheirar um livro novo, por
de ler esclarece de que exemplo), além das emoções que são ativadas por meio de uma leitura.
modo os processos cere-
brais estão relacionados Assim, é interessante pensar que o desenvolvimento da leitura é de
à nossa capacidade de fato muito mais complexo do que pensamos e muito bonito por toda
leitura, além de decifrar
os processos envolvidos a sua maestria.
na dislexia.
Até agora sabemos como a leitura ocorre no cérebro e que ela vai
DEHAENE, S. Porto Alegre: muito além do simples ato de ler letras. Mas e quanto ao uso da leitura?
Penso, 2012.
Deve haver uma função para ela? Segundo Freire (1989), ler é em si um
ato político, pois permite ao leitor que tenha acesso ao mundo simbóli-
co do sistema em que vive. Porém é preciso ter em mente que essa lei-
tura a que ele se refere é a leitura crítica, não apenas o ato de decifrar
palavras no papel. Para ele, ler, seja as letras ou o mundo, depende de
tudo o que já foi aprendido ao longo da história pessoal de cada um.

Assim, a leitura é uma prática social que possui diversas finalida-


des, da informação à diversão. É também algo que se estabelece no
coletivo, pois as ideias são criadas no conjunto dos sistemas em que
vivemos, sistemas culturais, políticos e econômicos, que nos conferem
valores, atitudes e crenças, tornando-nos parte de um grupo.

Quando lemos, não estamos sós, lemos na companhia de todas as


Desafio
vozes que vieram antes. E quando conseguimos convergir todas essas
A leitura pede que coloquemos
vozes para formar a nossa própria e dialogar com as novas informa-
nossas experiências e nossos
sentidos lado a lado com as ções, de maneira crítica e efetiva, nos tornamos leitores políticos, capa-
palavras do autor. Se é assim, zes de ampliar nossa visão sobre a realidade que nos circunda.
talvez um livro que você tenha
lido há muito tempo possa ter Mas, por que é importante ampliar nossa visão sobre a realidade?
outro significado agora, afinal Quantas vezes já nos pegamos fazendo leituras inconscientemente,
você já adquiriu tantas outras in-
formações e já não é exatamente sem ao menos lembrarmos o tema do que acabamos de ler? Quando
a mesma pessoa de quando tomamos consciência do que o texto significa para nós, dentro do nos-
o leu pela primeira vez. Essa é so sistema simbólico, tornamo-nos também conscientes de que não
uma atividade bem legal para
você praticar. Releia um trecho, estamos sós, de que podemos somar nossa voz àqueles que colocaram
ou um livro inteiro, de algo que as mesmas ideias em letras impressas na página.
você gostou muito em algum
momento do seu passado e Ao ampliar a visão sobre a realidade, pode-se começar a transformá-
tente perceber se há diferenças -la, primeiro compreendendo o papel e as desigualdades a que cada um
entre a sua leitura atual e aquela
que você realizou anteriormente. está submetido dentro de seu contexto sócio-histórico; depois, dissemi-
nando essa mesma compreensão; e, por fim, agindo sobre a realidade, a

40 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


fim de transformá-la, seja por atos solicitando às autoridades aquilo que
necessitamos, seja criando nós mesmos as condições que queremos.

Conforme Finkenauer e Silva,


a leitura ajuda o indivíduo a ampliar os seus conhecimentos e a
sua compreensão sobre o mundo que o cerca. Ela dá à pessoa
o poder de autonomia para as atividades da vida diária, mas o
poder mais relevante é o da capacidade de ampliar a sua baga-
gem, de expressar a sua subjetividade e exercer a sua participa-
ção social. (2017, p. 89)

Desse modo, a leitura crítica e reflexiva seria então a finalidade a ser Atividade 1

perseguida com o processo tanto de alfabetização quanto de letramen- Vimos aqui que a leitura não é
apenas ato de decodificação da
to, para que os alunos sejam leitores fluentes, mas também políticos,
linguagem, mas é também uma
no sentido de cidadão que age sobre a sua condição conscientemente, prática social. O você entende por
buscando o melhor para o seu grupo. leitor-político?

Como transformamos os alunos em leitores-políticos? Isso pode ser


feito com atividades que possibilitem o contato com o maior número
de leituras e ideias possíveis, de diferentes práticas sociais e das mais
diferentes vertentes, para que eles possam construir sua própria visão
de mundo.

Vamos conhecer melhor algumas práticas na seção a seguir.

Na sala de aula

Outra possibilidade de trabalho são as cantigas e o bater de palmas


para marcação do ritmo, seja de uma palavra (batendo palmas em cada
sílaba) ou de uma canção. Esse trabalho auxilia o aluno a compreender
que palavras e textos podem ser decompostos em pequenas partes,
ajudando no fortalecimento do processo de decodificação.

3.2 Leitura na escola


Videoaula Embora o letramento inicie antes mesmo de o aluno chegar à sala
de aula, seja em práticas de leitura compartilhadas com a família ou
em solitárias explorações do mundo, a escola tem papel importante,
senão primordial, na promoção da formação de leitores, mais ainda o

O ensino da leitura 41
professor, que tem papel de mediação do processo de leitura. O docen-
te precisa motivar os alunos por meio de atividades e estratégias que
gerem interesse na leitura, despertando o prazer pelas letras. É preciso
conquistar o leitor e demonstrar que ler é uma atividade tão gostosa
quanto as brincadeiras e os videogames.
Dica
Boa parte dos livros didáticos, hoje, já trabalha com a leitura como
Se o docente tiver acesso a livros
didáticos de outras disciplinas, habilidade a ser explorada por todas as disciplinas, em um processo de
uma boa solução é conhecê-los compreensão de que todos os professores são também professores de
e trabalhar em conjunto com leitura em certo nível, e não apenas o docente de Língua Portuguesa.
outros professores de diferentes
áreas para melhorar a leitura Provavelmente o professor de leitura não utiliza apenas o livro didá-
dos alunos.
tico, afinal, a leitura está muito além da sala de aula. Ela está no jornal
assistido, no videogame jogado, nas mensagens trocadas, na HQ lida,
na petição on-line assinada, entre tantos outros textos por aí. Então
nada mais eficaz que trazer todos esses gêneros também para a aula.

Mas, e a literatura? Aquela leitura por prazer? Essa também deve ter
um foco especial, pois é nesse caminho que construiremos o interesse
e o prazer de ler. Porém, não basta que utilizemos livros literários como
forma de se trabalhar temas transversais (embora eles sejam inega-
velmente uma “mão na roda”), precisamos trabalhar a literatura para
além do utilitário, mobilizando todos os níveis de leitura (o sensorial, o
emocional, o racional e o da prática social).

Assim, é necessário sempre ter em mente a literariedade do texto,


aquelas características que nos permitem entender um material en-
quanto literário, explorando particularidades e possíveis interpreta-
ções. Para isso, veja a seguir algumas situações para o trabalho com
leitura nos diferentes níveis do ensino básico:
•• Educação infantil: manusear livros e textos em geral, ouvindo
histórias e gerando encantamento – ativação especial dos níveis
sensorial e emocional.
•• Ensino fundamental – anos iniciais: partir da oralidade, com poe-
mas, parlendas e quadrinhas, explorando a emotividade e a inter-
pretação individual, além da estrutura.
•• Ensino fundamental – anos finais e ensino médio: aliar diferentes
suportes e níveis de leitura, dando ênfase à construção dos sen-
tidos que cada leitor percebe. Também, investir em adaptações
literárias e outros meios, como cinema, obras adaptadas para
quadrinhos e jogos, que possam engajar os alunos dentro dos
universos dos livros literários.

42 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Pensando nas estratégias necessárias para a leitura, Kato (1990) di-
ferencia duas categorias: as estratégias cognitivas de leitura e as estra-
tégias metacognitivas de leitura.
As estratégias cognitivas unem o leitor de procedimentos alta-
mente eficazes e econômicos, responsáveis pelo processamento
automático e inconsciente, enquanto as metacognitivas orien-
tam o uso dessas estratégias para desautomatizá-las em situa-
ções de problemas. (KATO, 1990, p. 112)

Veja no diagrama a seguir a diferença entre essas estratégias e suas


aplicações (KATO, 1990):

Regem o
funcionamento
automático e
Estudos voltados para
inconsciente do
Estratégias Cognitivas a área de aquisição de
processo de leitura.
São os circuitos linguagem.
cerebrais que ativam a
capacidade de ler.

Regulam as estratégias
conscientes de Estudos sobre o
Estratégias compreensão dos
Metacognitivas trabalho com textos
textos, tanto da
estrutura quanto de em sala de aula.
seus sentidos.

Atividade 2
Vamos nos deter um pouco mais nas estratégias metacognitivas, as
Na sua concepção, com base no
quais, segundo Kato (1990), são aquelas em que o leitor estabelece os
que estudamos aqui, por que é
objetivos para a leitura e o monitoramento da sua compreensão. preciso desenvolver estratégias
de leitura?
As estratégias metacognitivas são responsáveis, portanto, pelo maior
ou menor grau de compreensão que o leitor tem do texto e se referem
ao nosso comportamento leitor. Enquanto lemos, essas estratégias nos
promovem questionamentos como: Será que consigo prestar atenção
e absorver de fato as informações que leio? Preciso retomar pois deixei
passar alguns significados? De que maneira eu retomo essa leitura?

Todas essas são estratégias que vamos realizando aos poucos em


nosso crescimento como leitores. Kato nos explica que trabalhos que
façam as crianças perceberem “os motivos que as levaram a deixar cer-
tos trechos do texto em sua rememoração poderão dar-lhe gradativa-
mente a noção consciente de que algumas ideias são mais importantes

O ensino da leitura 43
que outras” (1990, p. 111). Isso significa que, ao mostrarmos ao aluno
que há informações que guardamos e outras não, começamos a traba-
lhar estratégias metacognitivas de reconhecimento dos níveis de rele-
Livro
vância das informações no texto.

É muito importante compreender que a estratégia de estabelecer os


objetivos da leitura antes do texto faz com que o leitor consiga moni-
torar melhor a sua leitura a fim de atingir o objetivo estabelecido. Kato
ainda complementa que:
sua monitoração, quando muito, poderá se dar apenas a nível de
uma compreensão vaga e geral. Ou ainda, ela [a criança] poderá
ler o texto, tendo em mente apenas o tipo de perguntas que a es-
cola está acostumada a lhe fazer. Sua compreensão, nesse caso,
O livro Análise de textos, será monitorada apenas para atender à expectativa da escola e
de Irandé Antunes, é um
não dela mesma (1990, p. 112).
material que trata de
estratégias de ensino de
textos e traz formas de
Assim, desenvolver estratégias metacognitivas promove a com-
analisá-los em sala de preensão do que é lido e algumas formas de resolver os problemas
aula, bem como práticas
comentadas.
enfrentados na leitura, como possíveis ambiguidades, estruturas mal
escritas ou diferentes do usual, em que o leitor precisa achar o sentido,
ANTUNES, I. São Paulo: Parábola
editorial, 2010. falta de coesão ou até mesmo um acontecimento completamente im-
previsível na narrativa. Quando isso acontece, paramos e reavaliamos
o que estamos lendo e, nesse momento, entram as estratégias.

Solé nos dá dicas de quais estratégias o professor pode usar em sala

1 2 3
de aula. Veja, a seguir, um resumo delas (1998, p. 73-75):

Observar quais
Levantar
informações de fato
conhecimentos prévios
Questionar e são relevantes no
acerca do tema, do
compreender o porquê texto, tendo em vista
autor, do gênero,
de ler o texto; o objetivo inicial do
do tipo textual e do
motivo que levou à
contexto da obra;
leitura do texto;

4 5 6
Monitorar se a
Relacionar seus compreensão precisa
Inferir interpretações e
conhecimentos prévios de recapitulação, com
hipóteses ao longo do
com a consistência questionamentos como:
texto.
interna do texto; “Compreendi de fato?”
“Isto faz sentido?”;

44 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Além dessas indicações, devemos pensar também que o ensino
de leitura requer, pelo menos, três momentos: pré-leitura, leitura e
pós-leitura.

Antes da leitura
O primeiro passo é motivar os alunos para a leitura, encantá-los Livro
para a atividade.
•• Se a leitura for literária, pode-se criar um cenário, iniciando com
uma música que lembre a trama ou até mesmo um filme breve
que lembre a história que será trabalhada.
•• Outro ponto a ser explorado na pré-leitura são os conhecimen-
tos prévios dos alunos em relação ao gênero e ao assunto.
•• Nesse momento, deve-se trabalhar o propósito da leitura, para
que o aluno possa acessar as estratégias metacognitivas enquan-
O livro Estratégias de
to lê. De acordo com Solé (1998), alguns dos objetivos podem leitura pode lhe ajudar
a conhecer técnicas de
ser: obter determinada informação; seguir instruções; aprender
ensino que promovem a
conceitos novos; obter prazer e diversão; comunicar algo para al- formação de leitores. Ele
guém; e verificar o que se entendeu. traz elucidações sobre
o ensino de leitura, bem
•• O professor também precisa ajudar os alunos a formularem per- como detalha várias das
estratégias resumidas aqui
guntas iniciais que serão respondidas com a leitura, estabelecen-
nesta obra.
do previsões sobre o texto.
SOLÉ, I. Porto Alegre: Penso, 1998.

Durante a leitura
Utilizar leitura em voz alta, revezando os alunos, é interessante, po-
rém não para toda leitura. Quando lemos um texto longo demais em
voz alta, muitos alunos ficam perdidos pelo caminho, ou por não conse-
guirem prestar atenção no colega, ou por já estarem muito adiantados
no texto, e a leitura mais lenta desestimula a continuidade da tarefa.
•• Na leitura compartilhada, é interessante trabalhar a compreen-
são geral de cada segmento importante do texto, bem como pa-
lavras e expressões desconhecidas.
•• Também se pode pedir aos alunos resumos dos segmentos para
verificar se todos estão acompanhando e compreendendo.
•• Nas pausas, também podem ser respondidas às perguntas iniciais
e formuladas novas hipóteses para o prosseguimento do texto.
•• A leitura individual silenciosa é outro ponto importante, e os alu-
nos podem utilizar as estratégias anteriores.

O ensino da leitura 45
Após a leitura
Livro Em todos os momentos, devemos dar voz ao aluno, mas nessa eta-
pa, em especial, precisamos incentivá-lo a construir seus significados
do texto, regulando o que for necessário, mas nunca trabalhando ape-
nas um significado verdadeiro. Esse é um momento para:
•• corroborar ou refutar as hipóteses formuladas anteriormente;
•• solicitar resumo geral da leitura;
•• trabalhar a compreensão da estrutura e sua ligação com os signi-
ficados levantados;
O livro Dinâmicas e jogos •• relacionar a leitura com o contexto social atual e histórico;
para aulas de Língua
Portuguesa apresenta •• recapitular quais partes de fato foram importantes para a
atividades lúdicas para o
compreensão.
trabalho nessa disciplina
e ligadas à leitura em sala
de aula. As propostas en-
Essas são algumas possibilidades para se trabalhar o texto na es-
globam todos os níveis de cola, independente da série e do gênero dos alunos. Com uma pitada
ensino e trazem soluções
simples e práticas para
de criatividade, podemos levar muita motivação para a leitura em sala
auxiliar nas aulas. de aula. Porém, uma coisa é certa, o professor é o primeiro a dar o
SILVA, S.; COSTA, S. Petrópolis: exemplo da leitura. Então, na hora de ler em sala de aula, ele deve
Vozes, 2017.
participar da leitura, “mergulhar de cabeça”, mostrando aos estudan-
tes que vale a pena ler!

3.3 Leitura em diferentes suportes


Videoaula Ao tratarmos de leitura sempre nos remetemos a livros. No entanto,
será que eles ainda reinam de maneira soberana? Você está lendo este
livro onde? No papel ou na tela?

Seja como for, não podemos negar que a invenção da imprensa re-
volucionou a forma de ler, passando de uma leitura coletiva para uma
individual e silenciosa. Porém, na era digital, vemos transformação ain-
da maior: ler adquiriu novos sentidos. Isso porque a leitura passou a
ter múltiplos significados construídos por todos os que navegam nes-
sa nova era. Veja, como exemplo, a fanfic, que é um gênero com o qual
pessoas de todo o mundo reconstroem suas narrativas preferidas,
sejam elas impressas ou cinematográficas, em conjunto e em tempo
real. Não há como entender o livro apenas como algo escrito por um
autor para um leitor.

46 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Mesmo o livro impresso hoje ganha novos significados com tan-
Saiba mais
tos intertextos disponíveis. Se entrarmos em um canal dos chamados
Você pode saber mais das
booktubers, pessoas que gravam comentários sobre livros em vídeos, fanfics e de sua consonân-
veremos que a resenha de um livro agora pode ser audiovisual e re- cia com a BNCC na matéria
O que é fanfic. E como ela é
cheada de ligações com outros textos, músicas, filmes e (não há como abordada na Base Nacional
deixar de fora) memes. Curricular, publicada pelo
jornal Nexo.
A leitura hoje não é uma prática na qual a pessoa tem que decifrar Disponível em: https://
todos os sentidos do autor como se fossem os únicos verdadeiros. Ao www.nexojornal.com.br/
expresso/2019/01/10/O-que-%-
contrário, o mundo digital nos pede participação, compartilhamento, C3%A9-fanfic.-E-como-ela-%C3%A-
comentários e likes. A interação com o texto lido é muito mais ampla. 9-abordada-na-Base-Nacional-Curri-
cular. Acesso em: 14 fev. 2020.
Além disso, as informações perdem sentido rapidamente, pois algo
novo está sempre à espreita.

Saímos do controle editorial, da linearidade e da unidade estrutural,


Vídeo
para a redução da distância entre autor e leitor e para o hipertexto, uma
Para começar a entrar no
estrutura em rede que não tem ponto-final. Vamos decifrar cada uma
mundo dos booktubers,
dessas polaridades para entender melhor o caminho atual da leitura. que tal dar uma olhada
no canal Caçando His-
tórias? Ele aborda livros
3.3.1 Controle editorial x redução da distância entre infantis e juvenis que
trabalham a temática do
autor e leitor movimento negro.

Disponível em: https://www.


Já foi discutido um pouco sobre este tópico quando tratamos das youtube.com/channel/UC_yKAIoC-
fanfics, sites em que podemos dar outros rumos às nossas histórias J2i5yfyFaWD4yxA/featured. Acesso
em: 14 fev. 2020.
favoritas e compartilhar essas histórias com o mundo, prática que ao
mesmo tempo aproxima o leitor do cenário da obra e retira do autor
todo o controle sobre as ações e os desfechos.

Porém, nem só de fanfic vive a internet. Uma notícia em um jornal di-


gital pode trazer informações sobre a economia, mas isso não significa
que ele detenha o controle do leitor. Quando dependíamos do impres-
so para ter acesso à informação, o autor do texto era quem ditava as
regras de qual informação deveríamos ler.

Agora, se você achar que as informações da notícia sobre econo-


mia não estão do seu agrado, você pode simplesmente procurar outra
fonte. Além disso, se apenas algumas partes das várias notícias não te
agradarem, você mesmo pode ser um autor comentando a economia
e, ainda por cima, em diversos locais ao mesmo tempo – nas redes so-
ciais, nos comentários dos jornais, nos blogs, nas plataformas de com-
partilhamento de vídeos etc.

O ensino da leitura 47
Da mesma forma, o livro literário, que passa, ainda, pelo crivo edi-
torial, no qual pode sofrer alterações que melhor indiquem a visão da
editora, na internet tem livre circulação, com sites para publicação gra-
tuita dos chamados e-books.

3.3.2 Linearidade x hipertexto


Quem já se pegou lendo uma notícia de educação e meia hora de-
pois assistindo a um vídeo de gatinhos no celular? Pois é, no meio digi-
tal a leitura não segue uma linha reta que começa na capa e termina na
contracapa. Ela tem suas próprias regras, ou talvez quase nenhuma. O
que é certo é que essas regras são produzidas pelo leitor (e por algorit-
mos, alguns diriam).

Em todo caso, o livro impresso traz um rota fixa a ser traçada por
quem lê. Rota escolhida pelo autor e pela editora. Já a leitura em meio
digital permite ao leitor que encontre os caminhos que mais o interes-
sam, sejam eles em código escrito, áudio, vídeo ou imagens. A leitura se
torna, então, hipertextual, permeada pelos hiperlinks, ou links. Ela não
é mais linear, e sim realizada em uma rede de conexões que o leitor
vai construindo ao clicar em outros textos (imagens, vídeos etc.) que
aparecem dentro do texto original.

Conforme Soares (2002, p. 152),


pode-se concluir que a tela como espaço de escrita e de leitu-
ra traz não apenas novas formas de acesso à informação, mas
também novos processos cognitivos, novas formas de conheci-
mento, novas maneiras de ler e de escrever, enfim, um novo le-
Atividade 3
tramento, isto é, um novo estado ou condição para aqueles que
As chamadas fake news têm exercem práticas de escrita e de leitura na tela.
entrado em várias discussões
na atualidade. Para você, qual Além de novas formas de ler e escrever, o espaço virtual nos traz um
é o maior perigo que elas novo desafio, o letramento para as novas formas de comunicação e de
representam?
conhecimento.

Não basta, portanto, trabalhar apenas o novo suporte e as informa-


ções contidas nele. É imperativo que trabalhemos relações humanas,
pois elas tendem a se perder no processo virtual. Assim, as formas de
comunicação por redes sociais precisam de treino também, afinal, não
é porque o meu interlocutor não está na minha frente que posso dizer
o que penso e da forma que quero.

48 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Outro desafio é o mundo de informações que se coloca enquanto
verdade na internet, como é o caso de sites que trazem fatos inveros-
símeis, sem checagem alguma, e que precisam de um leitor atento e
crítico para saber onde buscar as informações válidas.
Site
Portanto, é preciso primeiramente conscientizar-se de que nem
Um desses sites é o Projeto Comprova,
toda informação é válida e dar o exemplo aos alunos, sempre pesqui- iniciativa colaborativa entre jornalistas
sando antes de repassar algo percebido. Para ajudar nessa tarefa, há de diversos veículos do Brasil.
Disponível em: www.projetocompro-
diversos sites de jornais que realizam um serviço de verificação de in- va.com.br. Acesso em: 14 fev. 2020.
formações, os quais você pode utilizar em sala de aula e criar nos estu-
dantes o hábito de checagem da veracidade de informações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ler deve ser também um prazer. O mais necessário para se ensinar
leitura é a sensibilidade leitora própria do professor. Ao nos tornarmos
leitores ávidos por novidades e por boas obras, com certeza, atingiremos
outras pessoas.
O ensino da leitura, de fato, dependerá do processo de decodificação,
mas, além disso, deve partir dele para construir sentidos que ampliem
a visão da realidade e instiguem a querer mudá-la, colocando a leitura
enquanto uma atividade também política, permeada por compreensões e
transformações de contexto sócio-histórico.
Além disso, a leitura deve ser pensada como prática social, englobando
o suporte digital e repensando seu uso de maneira crítica para aquisição
do conhecimento e de novas formas de comunicação. Professores preci-
sam criar uma sede de conhecimento em seus alunos, que seja saciada
pela leitura crítica do mundo e das letras.

REFERÊNCIAS
FINKENAUER, L.; SILVA, M. C. Metodologia do ensino da linguagem. Porto Alegre: SAGAH, 2017.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez,
1989.
KATO, M. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
LOBATO, M. O Minotauro. São Paulo: Brasiliense, 1996.
MARTINS, M. H. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Revista de
Ciências da Educação, v. 23, n. 81. p.143-160, dez, 2002.
SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Trad. de Claudia Schilling. 6. ed. Porto Alegre: Penso, 1998.

O ensino da leitura 49
GABARITO
1. Leitor-político é aquele que tem a competência reflexiva e crítica para entender que
as informações acessadas na leitura podem dar novos sentidos à sua forma de olhar
o mundo e a realidade. O leitor-político utiliza essas informações para agir no mundo,
sendo um agente de transformação de seu contexto.

2. As estratégias de leitura são imprescindíveis para a formação de leitores, uma vez


que permitem ao sujeito que monitore a sua atividade de leitura para ter certeza de
que realmente compreendeu o que o texto propôs e para dialogar com o conteúdo,
gerando novos significados.

3. Pessoal. Alguns dos perigos podem ser a disseminação de notícias falsas, que prejudi-
cam pessoas, como denúncias sem checar a veracidade do fato, e os alardes da popu-
lação, gerando pânico, seja em caso de violência ou em situações de saúde pública. Há
outros tantos perigos que podemos citar aqui, mas o que precisamos ter em mente
é que informações falsas irão impactar alguém de maneira negativa, mesmo que não
seja o próprio leitor.

50 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


4
A produção textual na escola
Lucienne Lautenschlager

Para que o professor possa ensinar os seus alunos a produ-


zirem qualquer texto e viverem, na vida cotidiana, com menos
mal-entendidos causados pela falta ou erro de comunicação, é
importante não apenas facilitar o uso de conhecimentos linguísti-
cos, experienciados em eventos comunicativos, que os obriguem a
utilizar a língua portuguesa, mas também ensiná-los a articular co-
nhecimentos formalizados, aprendidos durante as aulas de Língua
Portuguesa, que devem levá-los, cada vez mais, a um entendimen-
to profundo sobre o uso da língua.
Diante disso, a temática deste capítulo está centrada na pro-
dução textual na escola e nas etapas que a possibilitam. Para
isso, elegemos três pontos fundamentais, que estão divididos em
seções. A primeira seção, intitulada Planejamento da escrita, trata
do momento da escrita e da importância dele para se alcançar a
segunda etapa – e seção desta obra –, a Construção do propósito
comunicativo, na qual damos uma definição a esse propósito que
considera a importância das mais diferentes formas de interação
social e de fatores contextuais específicos. A terceira seção, Revisão
e reescrita de textos, considera que é essa atividade que proporcio-
na aos alunos a oportunidade de representar dois papéis distintos:
o de escritor que escreve e o de escritor que corrige.
Dessa maneira, traçamos um percurso para a efetivação do
ensino da produção textual de maneira cada vez mais natural e
menos mecanizada, e não mais como mero pretexto para se apli-
car somente aspectos gramaticais.

A produção textual na escola 51


4.1 Planejamento da escrita
Videoaula
Ao escrever um texto, muitas vezes, os alunos se deparam com uma
folha em branco e ficam pensando em como devem comunicar o que
precisam. Isso ocorre porque há uma grande distância a ser eliminada
entre o que queremos comunicar e o que realmente escrevemos. Para
ajudar os alunos a eliminar essa distância, devemos recorrer ao en-
sino de elementos linguísticos. Assim, torna-se evidente que, quando
utilizados devidamente, eles contribuem com a clareza de raciocínio,
adequação ao tema e articulação dos fatos.

Para compreendermos melhor essa relação, observe o seguinte


exemplo:

Um dia, Marcela combinou de sair com duas amigas que moravam no seu prédio,
mas em andares diferentes. Ao descer e esperá-las no hall por algum tempo, re-
solveu enviar uma mensagem de texto perguntando onde elas estavam. Uma das
amigas, então, respondeu “já descemos”, e a Marcela voltou a perguntar “Cadê vo-
cês? Não estou vendo...”. Quando, finalmente, as amigas se encontraram, passaram
a discutir a informação passada e Marcela descobriu que a intenção de sua amiga
era dizer “já vamos descer” ou “já desceremos”, porém devido a uma conjugação
errada do verbo houve certo transtorno e estranhamento, pois Marcela ficou recla-
mando de ter ficado procurando-as por todo o hall e sua amiga reclamou que ela
não a havia compreendido.

Com base no relato usado como exemplo, podemos analisar como é


importante o professor explicar ao aluno que um planejamento de es-
crita deve, primeiro, atender à intencionalidade de quem escreve. É ne-
cessário levar o aluno a perceber que, nesse caso específico, as pessoas
Glossário envolvidas tiveram a oportunidade de se encontrar e corrigir o erro de
interlocutor: pessoa com comunicação causado pela escrita, porém nem sempre o autor tem essa
quem se fala ou se mantém
algum tipo de comunicação. oportunidade com seu(s) interlocutor(es). Por isso, quem escreve preci-
sa certificar-se de que será compreendido de acordo com seus objetivos.

É lógico que, dependendo do texto, o planejamento deve ser menos


ou mais elaborado. É papel do professor, promover o olhar atento do
aluno quando este pensa em quem é o seu interlocutor, para que ele
cuide da compreensão do outro sobre a sua fala e como é possível mi-
nimizar impactos de equívocos de comunicação.

52 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


O aluno precisa pensar nos seguintes elementos linguísticos para
promover um texto:
•• interlocutor;
•• finalidade;
•• conteúdo;
•• estratégia.

Todos esses elementos dependem, em larga escala, do gênero textual Atenção


que se pretende comunicar e de como o autor pretende interagir com seu Mesmo sabendo que os gêneros
interlocutor, isso porque são os gêneros textuais que determinam a estru- textuais e a comunicação po-
dem ser escritos ou orais, vamos
tura do texto a ser escrito ou falado e é a interação que facilita a tomada
nos ater à escrita, pois esta
de decisões em relação àquilo que queremos dizer e como diremos. possui funções da linguagem
bem específicas, além de carac-
Embora, nem sempre, o interlocutor esteja presente fisicamente em terísticas próprias. Na escrita, o
uma interação comunicativa, Antunes (2003) alerta que é inegável a exis- distanciamento entre o emissor
tência de tais sujeitos e que não é por esse motivo que a escrita deixará de e o receptor é maior e, por esse
motivo, é fundamental pensar
atender à faculdade da linguagem, a qual é servir à comunicação entre su- no interlocutor. Assim, podemos
jeitos. Segundo a autora (2003, p. 46, grifos do original), “quem escreve, na afirmar que um e-mail, uma
notícia ou um requerimento têm
verdade, escreve para alguém, ou seja, está em interação com outra pessoa”.
características próprias a serem
Para demonstrar melhor como o professor pode ensinar o estudante cumpridas.
a planejar um texto escrito, partindo da definição dos aspectos linguísti-
cos citados, vamos confrontar a escrita de um e-mail a de uma piada. O
1 1
primeiro, derivado do tipo de texto epistolar , é caracterizado pelo meio
Tipo de texto caracterizado por
digital e permite uma interação mais rápida entre duas ou mais pessoas, um diálogo a distância.
voltado tanto a atender relações pessoais quanto profissionais; já a pia-
da se diferencia dos demais gêneros por ser curta e envolver elementos
da narrativa como tempo, espaço, personagens etc. Pensando nisso, ob-
serve os planejamentos de escrita nos quadros a seguir.

Quadro 1
Planejamentos de escrita

Planejamento de escrita I: e-mail


Interlocutor Diretor de uma empresa.

Finalidade Convencer o diretor a aceitar um novo projeto.

Explicar o projeto novo realizado pela equipe e solicitar


Conteúdo
liberação de verba para colocá-lo em prática.
Enviar um e-mail para estabelecer uma proximidade com
Estratégia
o diretor.

Fonte: Elaborado pela autora.

A produção textual na escola 53


Planejamento de escrita II: piada
Interlocutor Simpatizantes do gênero; adultos.

Finalidade Entreter/divertir os leitores.

Conteúdo Piada sobre papagaio.

Utilizar ambiguidade, humor, linguagem simples e discur-


Estratégia
so direto.

Fonte: Elaborado pela autora.

Analise que o planejamento se modifica de acordo com o gênero


textual, a fim de se adaptar à criação e à fruição de ideias do autor.
Para determinar os aspectos linguísticos citados, o professor pode en-
sinar aos alunos as perguntas, a seguir (Quadro 2), correlacionadas aos
aspectos, para que planejem de maneira autônoma a própria escrita:

Quadro 2
Modelo de planejamento de escrita

Interlocutor Qual é o público a quem se destina minha escrita?

Finalidade Para que estou escrevendo isso?

Sobre o que vou escrever? Qual é a minha intenção prin-


Conteúdo
cipal?

Estratégia Como devo escrever sobre esse conteúdo?

Fonte: Elaborado pela autora.

Determinar esses elementos na produção escrita é o primeiro passo


para sistematizá-la e evitar uma eventual fuga do tema. Lembrar que
tanto a folha de papel em branco quanto a tela do computador são ele-
mentos passivos e, sendo assim, podem receber livremente qualquer
tipo de conteúdo, é essencial para que o aluno tenha a responsabilida-
de de não as preencher de qualquer forma, e sim com o que realmente
se planeja comunicar ao leitor.

A escrita de um texto pode ter diversos objetivos, como incentivar,


explicar, solicitar, narrar, informar, entre outros. Por isso, cabe ao pro-
fessor definir essa intenção em seu plano de aula, para que o aluno a
insira em seu planejamento e possa cumpri-la durante o ato da escrita.
Caso essa finalidade não seja definida previamente, haverá um grande
risco de o aluno não preencher a lacuna do que deveria ser escrito e o

54 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


que realmente foi. Assim, evitamos a situação de o aluno não corres- Atividade 1
ponder aos diferentes usos sociais da escrita.
Escolha um gênero textual e
Logo, a intencionalidade da escrita também define a escolha de um planeje uma atividade em que
o aluno tenha que identificar
tipo de linguagem. Por exemplo, a norma-padrão da língua seria a mais interlocutor, finalidade, con-
adequada para a escrita de um e-mail, enquanto para uma piada uma teúdo e estratégia, levando em
linguagem mais simples e informal seria mais relevante. Isso acontece consideração o planejamento
de escrita.
porque, considerando o contexto do planejamento do e-mail, supõe-se
que entre o diretor e o funcionário há uma relação maior de respeito e,
provavelmente, de menor intimidade. Já em um texto de piada não se
espera esse mesmo tipo de relação.

Além de planejar a linguagem a ser utilizada, pensar no conteúdo e


na estratégia evita uma das maiores transgressões em relação ao ato
da escrita, que é o de não se ter o que escrever. Ainda assim, pode ser
que o tema proposto para o texto não seja de conhecimento do aluno,
por isso é importante que ele recorra a diferentes fontes. Ler sobre o
tema estabelecido pode ajudá-lo a agregar informações pertinentes de
acordo com o objetivo da escrita.

Para escrever determinados textos, como o argumentativo e o dis-


sertativo, é imprescindível que o professor disponibilize diferentes
pontos de vista, em diferentes fontes, para que o aluno possa visualizar
tantos as estratégias quanto a organização textual de outros autores e,
então, delimitar a sua própria posição. Portanto, planejar estratégias
para conseguir expor seu próprio ponto de vista é uma importante eta-
pa para que o aluno possa elaborar seu texto.

Desse modo, em uma aula em que o objetivo seja a delimitação da


posição tomada pelo aluno em um processo de escrita, o professor
deve organizar e estruturar a atividade de planejamento de escrita de
acordo com os gêneros trabalhados e já conhecidos pelos alunos ou,
então, familiarizá-los com esses gêneros o quanto antes.

Diante disso, o aluno será capaz de identificar a finalidade da escrita


para, em seguida, determinar o gênero textual mais adequado. Apesar
de estrutural, o quadro a seguir exemplifica uma competência que o
aluno deve identificar em relação aos gêneros textuais para que consi-
ga planejar uma escrita com qualidade.

A produção textual na escola 55


Quadro 3
Diferentes finalidades, diferentes gêneros.

Finalidades de escrita Gêneros textuais


Comover Poema, música, diário, blog...

Convencer Anúncios publicitários, cartaz, autoajuda...

Convidar Convite, bilhete, e-mail...

Informar Notícia, artigo de opinião, reportagem...

Narrar Conto, fábula, novela...

Solicitar Carta de solicitação, e-mail, requerimento...

Fonte: Elaborado pela autora.

É importante salientar que um só gênero pode atender a mais de


uma finalidade de escrita, assim cabe ao professor levar o aluno a fa-
Livro
zer essa escolha de acordo com o contexto mais adequado. Por exem-
plo, em uma dada situação que se pretenda comunicar, solicitar ou até
mesmo convencer alguém de algo, podemos utilizar o gênero textual
e-mail, desde que tenhamos os requisitos mínimos para a efetivação
dessa escrita (aparelho eletrônico com acesso à internet, endereço ele-
trônico do receptor e contexto favorável).

Outra estratégia interessante para contribuir com o planejamento


O livro Hipertextos e
gêneros textuais: novas for-
da produção textual é a atividade de brainstorming, que consiste no
mas de construção de senti- professor, antes de iniciar uma escrita, pedir ao aluno que anote em
do apresenta um compila-
do de artigos que trazem
um papel em branco toda e qualquer ideia que vier à sua mente sobre
diferentes perspectivas o assunto a ser desenvolvido, sem ter preocupação com linearidade
teóricas sobre como di-
ferentes gêneros textuais
ou em como as ideias estão aparecendo no papel. A representação
originaram diferentes dos pensamentos pode ser feita por meio de desenhos, palavras, fra-
propósitos comunicativos
e como essas mudanças
ses, tudo da maneira que vier à mente. Para exemplificar melhor essa
afetam significativamente estratégia, vamos imaginar que o professor precise facilitar a escrita
o processo de ensino e
aprendizagem.
de um texto dissertativo que possui como temática a Democratização
do acesso ao cinema no Brasil, que, inclusive, foi o tema da redação do
MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A. C. RJ:
Lucerna, 2005. Enem em 2019. Inicialmente, a folha de cada aluno poderia ficar mais
ou menos como a Figura 1.

56 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Figura 1
Estratégia de brainstorming

Comédia

Terror

Romance

Cinemas em cidades peq.

Campanhas culturais

Ingressos de acordo com renda declarada

Fonte: Elaborada pela autora.

Após reunir e anotar toda e qualquer informação que vier à ca-


beça, os alunos deverão voltar a essas informações e tentar enca-
deá-las da melhor maneira possível. Pode ser que sobrem ideias e
eles tenham que riscá-las ou que faltem informações e eles tenham
que complementá-las. É possível também que, simplesmente, eles
mudem de ideia no meio da produção textual e resolvam inserir in-
formações diferentes.

O importante é que essa estratégia sirva como uma preparação


para a elaboração da escrita, assim o conteúdo proposto pode ser
desenvolvido da melhor maneira possível. Quanto mais ideias soltas
e despretensiosas, menos chance há de ficar empacada a escrita,
sem saber o que escrever ou argumentar. A partir daí, é importante
desafiar seus alunos, propondo escritas cada vez mais complexas,
respeitando o universo cultural de cada um, mas ampliando-o com a
oferta de leituras diferentes e materiais diversificados.

A produção textual na escola 57


Artigo

https://oficinadeescrita.com.br/planejamento-de-escrita/

No artigo Porque e como você deveria começar agora um planejamento de escrita,


da autora Mylle Silva, publicado no site Oficina de escrita, encontramos a es-
crita como uma habilidade que precisa ser desenvolvida e treinada dia após
dia. A autora também incentiva as pessoas em como organizar ideias, buscar
um tema e fazer anotações para a produção textual.

Acesso em: 09 jan. 2020.

4.2 Construção do propósito comunicativo


Vídeo A produção de textos há muito tempo deixou de ser apenas um ins-
trumento usado para praticar gramática ou uma simples tarefa a ser en-
tregue ao professor. Saber articular ideias em um papel é uma prática
que está sendo, e deve ser, cada vez mais associada às funções sociais.
Registrar as etapas de uma deliciosa receita, argumentar para se alcançar
determinado objetivo ou fazer um post em uma rede social são só alguns
exemplos de como essa prática se tornou necessária em nosso cotidiano.

Ao longo do ensino do componente curricular de Língua Portuguesa


nas instituições educacionais, muitas vezes, professores submetiam os
alunos à produção de uma redação com o título “Minhas férias”. Essa
proposta se revelou vazia de significados, pois não demonstrava ter,
em si, um propósito comunicativo. Além disso, esse tipo de atividade
não considerava para quem ele estava escrevendo: seria para o pro-
fessor? Para seus pais? Para publicar em um jornal? Cada um desses
públicos exige uma escrita diferente de um mesmo autor. Pensando
nisso, estabelecemos uma primeira premissa para se instituir um pro-
pósito comunicativo real.

Dizemos real, pois, no exemplo mencionado da redação escolar, o


propósito comunicativo sequer existia, e, se existisse, muito provavel-
mente seria apenas com o intuito de silenciar a pergunta curiosa de
algum aluno: “Professora, para que vamos escrever isso?”. Assim, o úni-
co propósito da redação era verificar a utilização de pontuação, de al-
gum aspecto gramatical previamente ensinado ou, até mesmo, ocupar
o tempo dos alunos para manter o silêncio na sala de aula, enquanto
escreviam mecanicamente, sem ao menos refletir sobre o que estavam
fazendo, ficando, assim, ausentes do processo de comunicação.

58 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Propor produção textual na escola é ensinar os alunos a terem com- Atenção

portamento escritor, o qual envolve a responsabilidade pela comunica- Há uma diferença notável
no significado de redação e
ção daquilo que se quer deixar registrado, além de ser uma simulação produção de texto. A primeira
para a produção de textos, que será usada durante a vida. Cada vez mais, está muito mais voltada àquela
é urgente diminuir a distância entre o que é ensinado e o que é vivido. atividade em que o único
destinatário é o professor, sem
Para isso, é importante considerar o texto como uma unidade de sen- preparação antes da escrita
propriamente dita e que não
tido, ou seja, ideias articuladas entre si, e não aleatórias, a fim de garantir
leva em consideração as
uma mensagem possível de ser entendida pelos interlocutores. Nessa condições de uso da linguagem.
perspectiva, portanto, o texto acaba por revelar a linha e a clareza de Já a segunda requer a presença
de interlocutores determina-
raciocínio de seus alunos, além do domínio de elementos linguísticos.
dos, preza por uma leitura ou
Segundo Bunzen, para que o aluno possa se assumir como locu- discussão prévia para garantir o
conteúdo a ser escrito e envolve
tor, produtor de textos, ele precisa desenvolver cinco competên- práticas de letramento.
cias. São elas:
•• Ter o que dizer.
•• Ter razões para dizer o que tem a dizer.
•• Ter para quem dizer o que tem a dizer.
•• Assumir-se como sujeito que diz o que diz e para quem diz.
•• Escolher estratégias para dizer (BUNZEN, 2006, p. 149)

Isso significa, de modo geral, que um produtor de textos deve se


posicionar frente ao seu texto, assumindo seu papel enquanto dissemi-
nador de ideias e percebendo o quanto isso pode ser relevante dentro
de um espectro social entendido como uma esfera de comunicação hu-
mana e, portanto, lugar de interação verbal.

Quando um aluno tem dificuldade nesse quesito, de assumir-se


como sujeito que diz o que diz e para quem diz, o professor deve pro-
mover atividades que ajudem na descoberta da identidade de cada es-
tudante, fazendo-o pensar, opinar e contestar até que possa entender
o mecanismo de escrita em cada gênero textual.

Isso facilita os processos descritos nas competências um e dois (ter


o que dizer e razões para dizer), logo é só determinar as estratégias que
serão utilizadas, que devem ser, naturalmente, criadas pelos alunos a
partir da mediação do professor, o qual jamais deve oferecer soluções
prontas, mas, sim, modelos de reflexão que levem os alunos às vivên-
cias linguísticas dentro da sala de aula.

Para exemplificarmos uma estratégia de reflexão linguística, leia a


seguir (Figura 2) duas manchetes publicadas, respectivamente, no por-
tal G1 e no Jornal Folha de São Paulo, no dia 13 de novembro de 2019.

A produção textual na escola 59


Figura 2
Manchetes

A – Portal G1

JORNAL
Manchas de óleo no litoral atingem mais de
500 locais no Nordeste e Sudeste.
Balanço do Ibama divulgado nesta quarta-feira (13) mostra que 527 locais em
111 municípios já foram afetados. Quase 70% das cidades do litoral nordesti-
no foram atingidas. Mais de 130 animais foram contaminados.

Fonte: G1, 13 nov. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/desastre-ambiental-petroleo-praias/noticia/2019/11/13/


manchas-de-oleo-no-litoral-atingem-mais-de-500-locais-no-nordeste-e-sudeste.ghtml. Acesso em: 09 jan. 2020.

B – Jornal Folha de São Paulo

JORNAL
Da lama ao óleo
Praia que já tinha recebido rejeitos de Mariana (MG) é afetada por
manchas de óleo

Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 13 nov. 2019. Disponível em: https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1650105981850800-da-lama-
ao-oleo. Acesso em: 09 jan. 2020.

Apesar de ambos os textos abordarem o mesmo tema – a mancha


de óleo presente em algumas praias do Brasil – o modo de comuni-
cação é peculiar em cada um deles: a Figura 2-B é mais sucinta que a
Figura 2-A; o G1 traz dados, porcentagens, que se aproximam de uma
forma de argumentação – por comprovação – a qual serve para evitar
maiores contestações pelo fato de explicitar evidências, que podem
convencer mais facilmente o leitor a acreditar na notícia e, consequen-
temente, disseminá-la em outros lugares ou para outras pessoas. Ao
contrário, a manchete do Jornal Folha de São Paulo é curta e dá pre-
ferência por evidenciar uma praia em específico, localizada no estado
do Espírito Santo.

60 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Sobre o propósito comunicativo da Figura 2-A, podemos analisar
que as informações “mais de 500 locais”, “70% das cidades do litoral”
e “mais de 130 animais” pretendem causar um impacto no leitor, que,
de imediato, pode esbravejar com essa situação, considerá-la terrível
ou se comover. Já a Figura 2-B procura criar, na mente do leitor, a ideia
de que a praia citada vai de mal a pior, por meio da frase “da lama ao
óleo”, reforçando essa imagem na linha fina, fazendo um paralelo a
partir do fato de que como se não bastasse a cidade já ter recebido
rejeitos, ainda acabara sofrendo com manchas de óleo.

Temos, então, duas manchetes de fontes, tamanhos e abordagens


diferentes, porém com propósitos comunicativos semelhantes, que é o
de chamar a atenção do leitor para a notícia. Todavia, apesar de serem
semelhantes, vimos que há sutis diferenças. Isso acontece porque os
propósitos de cada notícia podem revelar a crença, opinião de jornalis-
tas, redatores, editores, enfim, dos envolvidos na produção dela.

Diante disso, podemos, com base nos elementos linguísticos, inter-


pretar que o autor da manchete 2-A está inconformado com a situação
da mancha de óleo no litoral e pretende que os leitores também com-
partilhem dessa ideia. Já na manchete 2-B inferimos que, para os pro-
dutores, a cidade citada é o lugar que merece mais preocupação. Desse
modo, mesmo que a notícia seja um gênero em que o autor não deve
se posicionar, podemos identificar, por meio do discurso, um sujeito
que diz o que diz, para quem diz e com razões próprias.

Independente de o leitor apresentar ou não essas reações em re-


lação às manchetes, é sempre importante estarmos atentos tanto aos
propósitos comunicativos quanto a produzi-los em um texto, pois, en-
quanto leitores, é nossa obrigação fazermos essa interpretação para
tirarmos nossas próprias conclusões e minimizarmos a repetição de
discursos só porque os lemos ou os ouvimos em algum lugar. Enquan-
to produtores de texto, devemos ser aptos a criar diferentes propósitos
de acordo com o gênero textual e tema a ser desenvolvido, já que é isso
que garante a interlocução em um texto.

Você já se sentiu entediado diante de alguém que, em uma conver- Atividade 2


sa, falava por horas, mas parecia não dizer nada? Isso acontece quando Escolha um trecho de um texto
de sua preferência e proponha
alguém produz um texto sem se preocupar com o propósito comuni- uma atividade que ajude os alu-
cativo, é o que chamamos de discurso vazio, isto é, um discurso despro- nos a identificar os propósitos
vido de significado, sem sentido, pois alguma das cinco competências comunicativos dele.

não se manteve clara na produção textual.

A produção textual na escola 61


Assim sendo, é importante que ensinemos nossos alunos, o quanto
antes, a garantir efeito de sentido em uma produção textual e, conse-
quentemente, um propósito comunicativo. Isso pode ser desenvolvido
a partir de uma atividade que permita aos alunos exatamente o con-
trário, ou seja, a construção de inúmeras combinações de frases que
podem ser escritas juntas, mas sem expressar absolutamente nada.

O Quadro 4, a seguir, permite produzir um discurso vazio, para isso,


Quadro 4 basta escolher e combinar uma parte de cada coluna.
Discurso vazio

Início da frase Desenvolvimento 1 Desenvolvimento 2 Conclusão


cumpre com o objetivo das nossas metas para o
Prezada equipe, a análise realizada
principal ano.
facilita a fomentação e o das condições oferecidas
As atividades consideram que a meta pretendida
planejamento para nós.
O incentivo ao uso de novos exige o levantamento de das decisões tomadas pela
a atual organização
equipamentos mostra que conceitos diretoria.
É de extrema importância que a expansão das plataformas determine o uso dos objetivos gerais.
o desenvolvimento do setor prejudica a percepção da
Devemos considerar que dos índices formulados.
como um todo importância
A prática mostra que a implantação das reuniões nos obriga a observação dos avanços nos índices.

Fonte: Elaborado pela autora.

Juntando uma parte de cada coluna podemos ter a seguinte cons-


trução: “a prática mostra que a implantação das reuniões determina
o uso dos índices formulados”. À primeira vista, até parece um texto
elegante, por cumprir preceitos gramaticais de concordância (singular
e plural), não conter erro de grafia nem de construção sintática e apre-
sentar um vocabulário mais formal, porém se analisarmos a fundo per-
ceberemos que falta conteúdo.
O que está sendo dito? Não fica claro, porque o início da frase traz
a ideia “A prática mostra”, mas prática do que? Mais adiante, temos a
informação de que “a implantação das reuniões determina o uso dos
índices formulados”, mas implantação de quais reuniões? E que índices
foram formulados? Que relação efetiva podemos considerar entre es-
sas reuniões e esses índices se não temos o conteúdo deles?
Logo, não há razões para dizer isso, pois não há um interlocutor de-
finido nem contexto ou sujeito que diga isso. Podemos até considerar
alguém em uma empresa, durante uma reunião, mas, mesmo assim, o
discurso teria que estar claro com o apoio de imagens, gráficos ou até
mesmo portfólios.

62 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Experimente voltar às colunas e atentar-se para o vocabulário con-
tido nelas, as demais combinações possíveis e a falta de propósitos co-
municativos, pelo fato de não se ter definido situações de produção de
texto. Na coluna 2, por exemplo, evidenciam-se palavras como análise,
metas, expansão e atual organização, as quais, soltas, não significam
nada, mas se definirmos finalidade, público, estratégia e aliarmos ra-
zões para dizê-las, assumindo nosso papel nessa produção textual, a
comunicação passa a ter eficácia e qualidade.

Assim, o professor pode, a partir de combinações escolhidas pelos


alunos, propor a reformulação dessas frases, planejando coletivamente
a escrita e, consequentemente, garantindo propósitos comunicativos.

Considerando a frase exemplificada, poderíamos solicitar aos alu-


nos que fizessem uma tabela de acordo com o que vimos nos quadros
A e B do planejamento da escrita. A partir das palavras-chaves contidas
na tabela, os alunos teriam que determinar o gênero textual a ser escri-
to e com qual propósito.

Portanto, diante do objetivo de se fazer entendido e entender, é im-


prescindível tanto conhecer o assunto do qual se vai escrever quanto
planejar a escrita, a fim de garantir razões de dizer algo e para quem
pode ser dito.

4.3 Revisão e reescrita de textos


Videoaula
Produzir um texto na vida pessoal, profissional ou social é diferente
de escrever um livro para uma editora, independen-
temente do gênero literário, do tipo ou do propósito 2
do livro. Sabemos que, para escrever um livro, não diagramação: parte
basta apenas o trabalho do autor, pois são envolvi- responsável pelo leiaute e pela
distribuição de elementos
das várias etapas até a publicação final. De modo ge- gráficos em uma página.
ral, um livro nasce, sempre, de uma ideia que deve
ser amadurecida pelo autor, além de serem necessá-
rias pesquisa, definição dos interesses do público-al-
3
iconografia: parte responsável
vo e elaboração de estratégias, ou seja, planejar a
pela utilização e pertinência de
escrita até que ela possa ser desenvolvida. Após isso, imagens em uma obra.
o livro é enviado a uma equipe editorial que vai cui-
dar da parte de diagramação , iconografia e revi-
2 3

A produção textual na escola 63


são textual. Geralmente, isso não é um processo simples, e sim algo
que envolve várias idas e vindas entre o autor e essa equipe.

Dentre essas ações, uma delas se aproxima da modalidade de pro-


dução de texto pessoal, a revisão, pois toda escrita deve supor uma
reescrita, que é o ato de voltar ao texto a fim de verificar o que se dei-
xou passar em um primeiro momento.

Por esse motivo, é importante que o professor leve essa ideia aos
alunos em aulas que tenham como objetivo a produção de textos, pois,
assim como um livro deve passar pelo momento de edição, as produ-
ções textuais também exigem um processo de reescrita, menos formal
que a de livros, mas tão importante quanto.

Assim, para o ensino da escrita, é importante que o docente, em um


primeiro momento, incentive os estudantes a irem escrevendo tudo o
que lhes vier à cabeça, pois, o mais importante, é deixar a ideia fluir e
preencher a folha em branco. Após isso, é fundamental que o professor
oriente os alunos a fazerem a sua primeira revisão, a qual consiste em
um momento de retomada do que foi escrito, a fim de certificarem-se
que aquilo que está escrito foi o que realmente se intencionou no mo-
mento do planejamento da escrita.

Revisar, portanto, é muito mais do que procurar erros de grafia ou


acertar alguns pontos gramaticais. É o momento de se retirar do papel
de autor e adentrar no papel de leitor, garantindo o diálogo entre emis-
sor e receptor com função específica, voltado aos contextos de produ-
ção e de recepção de textos.

Dessa maneira, encaramos a reescrita como um processo em que


o professor deve levar os alunos ao reconhecimento das múltiplas fun-
ções da linguagem escrita, possibilitando a realização de atividades
analíticas frente ao próprio texto. Isso porque ter uma relação crítica
com a sua própria produção de texto promove o que Bakhtin (2003)
chama de cadeia de comunicação verbal, ou seja, ao produzir um discur-
so, o sujeito adota uma atitude “responsiva ativa”, isto é, que quando o
autor reflete sobre sua própria escrita ou recebe um feedback, ele tem
a oportunidade de concordar, discordar, ampliar ou reduzir uma ideia
e refazê-la, a fim de criar novos significados linguísticos.

Analisar se as ideias e elementos linguísticos foram utilizados de


maneira eficaz é o primeiro ponto que exige uma revisão textual, pois

64 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


isso possibilita ao autor perceber detalhes que não havia visto antes
em seu texto. Muitas vezes, ao escrever, ficamos tão imersos no assun-
to que deixamos passar um vocabulário inapropriado ou esquecemos
uma vírgula, a qual faria toda diferença em nossa comunicação.

É nesse ponto que deve entrar a mediação do professor, mostran-


do caminhos para aquilo que o aluno ainda não é capaz de encontrar
sozinho. Atente-se para o fato de que mediar a revisão não é garantir
a identificação de conceitos ou normas decoradas da gramática, mas,
sim, a identificação de efeitos de sentido relacionados com a intencio-
nalidade da escrita.

A mediação também não deve ser concretizada apenas ao fim do


trabalho de produção do aluno. O interessante é o professor fazer, aos
poucos, paradas estratégicas para que os alunos voltem ao seu texto,
revisando e fazendo ajustes necessários. Deixar a revisão para o final de
uma produção textual, dependendo do tamanho do texto, pode implicar
mudanças mais severas e gerar muito mais retrabalho do que apenas
possibilitar a releitura de trechos específicos, por exemplo, após uma
introdução, um desenvolvimento ou uma conclusão.
Atividade 3
Para que as palavras façam sentido, é necessário estarem juntas em
Por que a reescrita, feita pelos
uma ordem específica, a qual lhes garantem uma função dentro de um
alunos, não pode ser deixada
contexto específico, ou seja, um significado. Em uma revisão, é impor- para o fim do texto?
tante que facilitemos dois direcionamentos aos alunos:

Conteúdo Forma
do texto do texto

Trata-se do que o texto diz e de Trata-se da apresentação estrutural


que modo é dito. Está muito mais de um texto. Envolve aspectos
relacionado à concatenação de como paragrafação, uso de
ideias e à clareza com que foi letras maiúsculas e minúsculas,
abordado determinado assunto, concordância nominal e verbal,
ou seja, a coesão e a coerência. ou seja, está também voltado aos
aspectos gramaticais.

O que acontece se revisarmos só o conteúdo ou só a forma do tex-


to? Imagine um bolo. O que é melhor? O sabor ou a forma em que ele
foi assado? Temos a tendência de penar no sabor, mas se a forma es-
tiver toda embolorada? Faria diferença? Essa analogia é interessante
porque é isso que acontece com um texto: ele pode ter um conteúdo
maravilhoso, mas, se tiver erros frequentes de grafia ou de pontua-
ção, poderá ser desacreditado facilmente pelo receptor. O contrário,

A produção textual na escola 65


também é verdadeiro, pois de nada adianta termos um texto impecá-
vel em ortografia e outros aspectos gramaticais se o conteúdo estiver
todo incoerente.

Logo, é importante que, durante a revisão de um texto, o professor


chame a atenção dos alunos para a busca de frases ininteligíveis, pro-
curando saber o que traria mais clareza a elas e mais rigor gramatical,
evitando repetições desnecessárias, ambiguidades e respondendo, as-
sim, às demandas comunicativas sociais, se fazendo entender e enten-
dendo diferentes gêneros discursivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos, neste capítulo, que produzir textos exige do professor ativida-
des em que os alunos planejem e criem propósitos comunicativos e re-
visem a produção. Qualquer pessoa é capaz de desenvolver o dom de
escrita. Escrever se aprende escrevendo, testando, errando, se colocando
tanto no papel de autor quanto de leitor.
Assim, planejar aulas de produção de textos envolve levar os alunos a
definirem o que, para que e para quem se destina o texto, a fim de pro-
mover uma genuína interação linguística, o que implica não separar as au-
las de práticas de produção textual de situações autênticas de atividades
sociais, as quais os alunos, enquanto cidadãos, enfrentam em grupos de
amigos, família, entre vizinhos ou até mesmo em associações comunitá-
rias ou grupos semelhantes.
É nessa perspectiva que se constrói um percurso de aprendizagem,
em que se desenvolve o conhecimento linguístico do indivíduo, a fim de
se inserir a percepção de diferentes propósitos comunicativos, conforme
o gênero, o público-alvo ou o padrão de determinados grupos sociais.
Saber utilizar a linguagem de acordo com os objetivos de comunicação
postos em determinada situação é o mínimo que um aluno, enquanto pro-
dutor de textos, deve considerar para atingir suas finalidades de escrita.
Outra ação para se incentivar a escrita é utilizar o processo de rees-
crita, o qual significa ir além de simplesmente corrigir um texto, haja vista
que apenas corrigir supõe, de modo geral, compreender o que houve e
quais as razões estabelecidas frente a determinado erro e, a partir dele,
estabelecer critérios para facilitar a passagem de uma etapa à outra. Re-
visar, para poder reescrever, vai além desse processo, porque pode signi-
ficar, também, alterar o texto em aspectos que não estão “errados”, mas,
sim, adequados ou inadequados aos propósitos comunicativos.

66 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Finalmente, assumimos como base para a produção de texto, a prática
da escrita, a reflexão sobre a língua e a busca pelas condições pragmáti-
cas e ideológicas da linguagem, a fim de que os alunos sejam capazes de
criar contextos sociocomunicativos de acordo com o que pretendem, de
fato, dizer em forma de texto.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, I. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (orgs.). Português no Ensino Médio e formação do professor.
São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
HEISLER, D. O escritor calmamente espalha... In: MIRANDA, S. Escrever é divertido. Campinas:
Papirus, 2001, p. 1.

GABARITO
1. Pessoal. Espera-se que você volte aos exemplos de planejamento de e-mail e de piada,
na seção Planejamento de escrita, e, com base neles, estabeleça uma aula de planeja-
mento de escrita que considere interlocutor, finalidade, conteúdo e estratégia.

2. Pessoal. Espera-se que você, à luz da análise das manchetes 1 e 2, da seção Construção
do propósito comunicativo, observe a combinação de expressões e escolhas de palavras
para alcançar uma consideração a respeito de quem escreveu aquele texto escolhido
e planeje uma aula que promova esse tipo de busca do aluno frente a um texto.

3. Porque o processo de escrita exige a reescrita em paralelo para se confirmar se a


intencionalidade, que se pretende comunicar, está sendo construída e, caso contrário,
quais ajustes são necessários. Deixar a reescrita para o final da produção textual pode
exigir mudanças muito maiores e mais retrabalho.

A produção textual na escola 67


5
Reflexões sobre a
análise linguística
Lucienne Lautenschlager

O ensino de gramática nas aulas de Língua Portuguesa tem


sido cada vez mais discutido no universo educacional, isso por-
que o ensino estrutural, com foco em nomenclaturas e na ideia
de que a língua culta é a mais importante, tem dado espaço para
análises mais consistentes da língua, considerando os usos reais
e o propósito comunicativo. Diante disso, defendemos um ensino
de gramática que auxilie na busca de sentido nos mais diversos
gêneros textuais.
Abordaremos, neste capítulo, a análise lexical como uma forma
de explorar inter-relações dentro de um texto, a fim de revelar va-
lores culturais e ideológicos inseridos em todo e qualquer tipo de
produção textual. Tais considerações não excluem o fato de que
o ensino da gramática e do léxico, aplicados à escrita, exigem do
professor uma organização ou uma sistemática de seu processo
de planejamento e de sua prática mediadora frente ao desenvolvi-
mento do raciocínio leitor ou escritor dos alunos.
Assim sendo, é preciso considerar, também, a necessidade de
correção de textos à luz desses processos analíticos, dentro dos
quais os alunos têm a oportunidade de atuar como revisores de
seus próprios textos, buscando a utilização de funções gramati-
cais aliadas às escolhas lexicais, ampliando, com isso, a compe-
tência comunicativa.

68 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


5.1 A gramática aplicada à escrita
Videoaula Para produzir um texto e comunicar algo da melhor maneira possível,
não é necessário dominar as normas rígidas de uma língua. Podemos, por
exemplo, ver um indivíduo produzir textos ótimos e coerentes mesmo que
ainda não tenha domínio de muitas das regras gramaticais. Ainda que esse
texto tenha problemas gráficos, gramaticais e de pontuação, ele seguirá
certa linearidade semântica e sintática, ou seja, o texto conseguirá passar a
mensagem desejada, ainda que não seja gramatical. Isso acontece porque
todos os indivíduos aprendem a transmitir suas ideias, emoções, argumen-
tações, necessidades e histórias com base nas regras e nos modos de uso
da língua do grupo em que estão inseridos, sendo que essas regras não
são aquelas aprendidas na escola.

Segundo Possenti (1997), diante de determinadas frases é possível


interpretar determinadas sequências sonoras independentemente da
variação linguística utilizada, que, em um primeiro momento, pode até
ser interpretada como uma transgressão à gramática normativa, que
é aquela que determina o conjunto de regras da língua.

Esse tipo de escrita, sem a preocupação com a gramática normati-


va, é feito a partir de uma gramática internalizada e deve ser encarado
como uma variação do uso da língua, e não como certo ou errado. Para
exemplificar essa questão, vamos imaginar que José produziu o seguin-
te bilhete para seu pai:

Pai , assim que eu voltar a gente vamos ao


supermercado. Me espere .

Observe que nessa mensagem há o emprego de uma variedade não


padrão (a gente vamos), mas a pessoa que recebeu o bilhete não dei-
xou de entender a mensagem por isso, pois está claro, dentro do con-
texto, que quando José retornar ao local em que deixou o bilhete, ele e
o pai irão ao supermercado.

Essa comunicação foi possível pois, no bilhete, temos uma organiza-


ção linguística que permite ao receptor entender a mensagem. Agora,
imagine se esse mesmo bilhete estivesse escrito assim:

Reflexões sobre a análise linguística 69


Assim que vamos ao pai supermercado eu
voltar a espere gente me .

Nesse caso, nenhum recado seria compreendido, pois temos ape-


nas um amontoado de palavras que não respeitam a sintaxe da língua
portuguesa, a qual determina o sujeito e o predicado na oração. Esse
tipo de escrita feriria tanto nossa intuição sobre o uso da língua quanto
a normatização dada a ela, o que nos permite afirmar que, nesse caso,
a “ordem dos fatores altera o produto”.

Frente a essa reflexão, não colocamos o estudo da gramática como


sendo a ação de um estudante em fazer várias classificações sintáticas
e analisar aspectos frasais da escrita à luz de pontos estruturais. Por
meio dessa forma de estudo, acredita-se que só o fato de citarmos a
palavra sujeito já traz a intenção de se ensinar o que é um sujeito sim-
ples, composto, determinado, indeterminado, oculto ou inexistente e,
a partir daí, o que é um predicado e seus diferentes tipos (nominal,
verbal, verbo-nominal).
Livro Como afirma Rocha (2007), há uma grande diferença entre saber
No livro Gramática: texto, português e saber gramática, pois a primeira ação significa usar a lín-
reflexão e uso os autores
rompem com a ideia de
gua com interesse em suas necessidades comunicativas e a segunda diz
que saber gramática é respeito à classificação de orações e ao conhecimento das classes de
decorar nomenclaturas
e abordam a ideia de
palavras. Saber gramática não necessariamente significa escrever bem
texto em sua dimensão ou comunicar melhor do que aquela pessoa que não sabe. Exemplo
discursiva, inserindo-a em
determinada situação co-
disso é o escritor Machado de Assis, que, apesar de ser conhecidíssimo
municativa com o objetivo como um ótimo autor, afirmava não saber muito sobre a gramática da
de servir aos diferentes
interlocutores.
nossa língua. Isso, segundo Rocha (2007), é uma constatação óbvia, que

CEREJA, W.; COCHAR, T. São Paulo:


reforça a ideia entre saber português e saber gramática.
Atual Editora, 2016.
O grande equívoco em torno do ensino da leitura e da escrita, se-
gundo Antunes (2003), é atrelá-lo ao ensino da análise sintática ou da
nomenclatura gramatical, acreditando que isso basta para garantir lei-
tores e escritores competentes, capazes de atender diversificadas si-
tuações sociais.

70 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Termos gramaticais como sentença, frase, oração, período, singular, Atividade 1
plural, feminino, masculino, verbo, substantivo, adjetivo, antônimo, sinônimo Devemos preferir que nossos
e preposição em nada, ou em pouco, garantem a manifestação verbal de alunos saibam português ou
saibam gramática? Por quê?
ideias, informações, crenças ou particularidades que se pretende comuni-
car. Só conseguiremos avaliar se os nossos alunos utilizam um adjetivo ou
um sinônimo adequado se tivermos a certeza de que eles estão conside-
rando a presença do interlocutor envolvido na produção textual.

Ensinar diferentes funções comunicativas só é possível com o que


Rocha (2007) chama de prática em língua padrão, que consiste na vin-
culação da gramática com os usos reais da língua, a partir de contextos
que explorem aspectos linguísticos do texto, mais focados na prática
de uso da língua do que no domínio de nomenclaturas técnicas.

Assim, tomemos como exemplo uma re-


gra aplicada à classe gramatical dos verbos:
para comunicar uma ação futura, temos que 1
fazer uso do tempo verbal futuro do presen-
te, certo? Pensando nisso, suponhamos que
João mande a mensagem ao lado para sua
mãe, avisando o que jantará (exemplo 1 ).
Olá, mãe, jantarei
Essa mensagem muito provavelmente arroz, feijão e bife,
aqui na casa do
não seria assim, pois, na prática, muitas pes-
Marquinhos.
soas deixaram de utilizar o futuro do presen-
te e passaram a usar uma locução verbal
composta de um verbo principal + verbo no
infinitivo para comunicar a mesma coisa. Veja no exemplo 2 .

Observe que ensinar aos alunos a com-


preender uma regra gramatical é fundamen-
2 tal para fazer com que eles saibam partilhar
informações de modo formal e garantir que
escrevam de uma maneira que evite mal-en-
tendidos durante determinada produção de
texto. Com base no entendimento de que a
Olá, mãe, vou
jantar arroz, feijão e fala é diferente da escrita e de que certos gê-
bife, aqui na casa do neros exigem mais formalidade que outros,
Marquinhos.
o professor pode ensinar gramática a favor
do uso de uma linguagem verbal e de uma
interação eficaz e eficiente.

Reflexões sobre a análise linguística 71


Para refletir Em um texto escrito, os alunos devem garantir que aquilo que está
Você já ouviu falar em sendo redigido será entendido pelo leitor da maneira mais próxima ao
conjugação perifrástica? Trata-se
que eles pretendem comunicar, pois, do contrário, muitos equívocos
da combinação de um verbo
auxiliar com um outro verbo podem se formar. Para isso, o professor deve mostrar aos alunos que
principal no infinitivo ou no ge- de fato “a ordem dos fatores altera o produto”, a partir de análises de
rúndio. Geralmente, é utilizada
situações reais de comunicação, por exemplo:
para expressar possibilidade,
necessidade, uma ação futura ou
ações simultâneas, entre outras
funções. Exemplos: Vou produzir Observe o parágrafo amarelo no texto. (A)
um texto amanhã. (ação futura);
Eu estava estudando, quando o Observe o parágrafo no texto amarelo. (B)
telefone tocou. (ações simultâ-
neas). Agora, reflita: saber essa
nomenclatura faz diferença para
Nesse caso, o simples deslocamento da palavra amarelo muda total-
a sua comunicação?
mente o sentido dos enunciados: na frase A, temos o adjetivo modificando
o substantivo parágrafo; na frase B, o mesmo adjetivo está modificando
o substantivo texto. Logo, surge a dúvida: a ideia era pedir ao leitor que
observasse apenas o parágrafo amarelo em um texto ou somente um pa-
rágrafo no texto amarelo?
Do mesmo modo, devemos chamar a atenção dos alunos para o
uso de conjugações de determinados verbos e para a possibilidade de
eles transmitirem informações totalmente equivocadas se não se aten-
tarem a isso. Como no caso do verbo ver, cuja forma correta no futuro
do subjuntivo é vir, o que resulta na seguinte construção: “Se você vir
seu amigo, informe-o sobre o uso correto desse verbo”. Muitas pessoas
confundem essa conjugação com a do verbo vir, que corresponde à
forma verbal vier e permite a seguinte construção: “Se você vier, eu te
Vídeo explicarei melhor sobre esse assunto”.
No vídeo BNCC na Prática
Outras constatações são importantes, no que tange à regência,
de Língua Portuguesa:
como ensinar gramática quando pretendemos ensinar a escrita e o uso de uma linguagem mais
de forma contextualizada,
monitorada. Assim, ensinar que nos sentamos à mesa, por exemplo, é
publicado pelo canal Nova
Escola, é possível assistir a importante para mantermos a ideia de “junto de”. Assim, o professor
orientações de diferentes
demonstra a importância de utilizarmos a preposição à, e não sobre
profissionais da educação
em relação ao uso da (que é o caso quando escrevemos “vamos sentar na mesa”).
gramática contextualizada
com a BNCC. Percebemos, com isso, que o ensino da gramática é importante porque
Disponível em: https://www.youtu- regulamenta a escrita, fazendo com que as pessoas, na dúvida, encontrem
be.com/watch?v=Nma9wZ3Xw-g. um direcionamento para escrever. Afinal, imagine se cada um se comuni-
Acesso em: 14 fev. 2020.
casse seguindo a forma e as regras que bem entendesse. Correríamos o

72 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


risco de a comunicação se tornar um verdadeiro caos, com inúmeras re-
gras, sendo que cada um teria a sua, sem o entendimento mútuo.
Por esse motivo, é papel do professor de Língua Portuguesa ensinar
os estudantes a analisar a gramática como uma espécie de código uni-
versal. Isso acontece porque ela permite que uma pessoa, independen-
temente da região onde more ou, até mesmo, do país ao qual pertença,
possa ir atrás das regras de outra língua e entender, de fato, o que
determinado produtor de texto quis comunicar.

Enfim, tomar certas precauções com o ensino da gramática aplicada


à leitura ou à escrita, a fim de garantir um melhor entendimento por
parte de quem a usa, deve ser objetivo de qualquer instituição escolar.
A gramática é uma grande e importante aliada para fazer com que um
usuário da língua seja comunicativamente eficaz e, portanto, bem-su-
cedido na difusão de suas ideias.

5.2 A escolha das palavras:


o papel da análise lexical
Videoaula A todo momento utilizamos palavras para nos comunicarmos com os
outros ou com nós mesmos, em nossos pensamentos. Os pensamentos
podem ir de um assunto a outro, passar pelos mais
Para refletir
diferentes e esquisitos lugares, mostrar imagens,
cores ou formas, mas, ainda assim, sempre estarão O que você está pensando
agora? Quais são as palavras que
preenchidos com as mais diferentes palavras. estão preenchendo a sua mente?
Será que você consegue parar
De acordo com Nunes (2006), isso acontece
de pensar em palavras? É quase
porque as palavras chamam a atenção dos seres impossível, não é mesmo?
humanos desde a mais tenra idade. Ao entrar em
contato com o mundo letrado, os sujeitos passam a querer, cada vez
mais, ampliar o vocabulário e utilizá-lo. Desse modo, eles acabam
por querer desvendar os mistérios da linguagem e dominar os senti-
dos das palavras, o que implica não apenas o reconhecimento, mas
também a classificação, organização e descrição delas.

O modo de organização ou classificação de palavras se relaciona às


particularidades que cada palavra possui quando estudada dentro de de-
terminado contexto, seja histórico, político ou social. O conjunto de pala-
vras que compõem uma língua recebe o nome de léxico.

Reflexões sobre a análise linguística 73


O léxico, quando atualizado no discurso, transforma-se em um es-
pelho, refletindo fatos importantes sobre o produtor do texto (seja oral
ou escrito). Esse reflexo nada mais é do que a materialização da ideolo-
gia que é determinada pelos indivíduos ao fazerem suas escolhas lexi-
cais. Ao escolherem essa ou aquela palavra, eles indicam suas crenças,
valores e/ou experiências acumulados durante todo um período.

O sentido de um discurso cria forma e se constitui, ao longo de uma


mensagem, à medida que as escolhas lexicais se revelam, atualizam-se e
explicitam a ideologia de um grupo, bairro, município ou estado. Facilitar
essa percepção para os alunos é fundamental para garantir uma melhor
interpretação e comunicação. Para isso, promover a análise de textos
dos mais variados gêneros é sempre o melhor caminho para o docente.

Nesse tipo de análise, podemos perceber a atualização do léxi-


co na formação de um discurso e, assim, passamos a chamar essas
escolhas lexicais de lexias. Logo, lexia, que também é chamada de
palavra-ocorrência, deve sempre ser analisada dentro de um discurso,
de maneira atualizada e singular.

É importante, ainda, sinalizar os quatro tipos de lexia:

Simples Composta

Palavras tradicionais, entendidas Palavras que possuem uma


sozinhas dentro de um texto. Ex.: integração de significados, por
garoto; chocolate. ocorrerem sempre juntas, como
os substantivos compostos. Ex.:
guarda-roupa; pé-de-moleque.

Complexa Textual

Palavras que não ocorrem Conjunto maior de palavras, as


sempre juntas, mas que possuem quais, quando reunidas, ganham
Para refletir um sentido completo que é um sentido único e facilmente
Observe que as lexias formadas entendido em seu conjunto pelo identificável por determinados
por mais de uma unidade de interlocutor. Ex.: sinal vermelho; grupos, como os ditados populares:
palavra só podem ser compreen- Guerra Fria, vale a pena. “Quem com ferro fere, com ferro
didas quando se encontram será ferido”; “casa de ferreiro,
dentro de determinado grupo espeto de pau”.
de palavras. Assim, dizer “vale”
não é a mesma coisa que dizer
“vale a pena” ou apenas “pena”. A partir da análise e do uso desses tipos de lexias, o professor con-
Dentro de um discurso, essas segue fazer com que os alunos compreendam que qualquer texto pos-
combinações possuem significa-
sui valor ideológico e, por isso, é capaz de revelar a ideologia de um
dos distintos.
autor. Todo sujeito, enquanto produtor de texto, mesmo que incons-

74 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


cientemente, tende a revelar seus gostos, seus anseios, suas crenças
etc. por meio da escolha de palavras.

Com isso, adentramos o campo da chamada cognição, a qual tem


a capacidade de agir nos desejos, nos planos e nas crenças, além de
auxiliar a formulação das estruturas do texto na mente do indivíduo. O
poder de ação que uma pessoa tem ao escolher o léxico de determina-
do discurso, na verdade, é apenas uma liberdade aparente, já que essa
liberdade é controlada pela cognição.

A cognição é formada a partir de modelos mentais que são utiliza-


dos na interação de um grupo ao qual o indivíduo pertença. Esses mo-
delos podem controlar mais ou menos essa interação. Esse controle,
então, é representado, segundo Lautenschlager (2016), como um meio
de relação angular, em que a cognição estaria na posição angular, in-
teragindo e sendo controlada pela sociedade em uma ponta e pelo dis-
curso em outra, desta maneira:

DISCURSO
Para refletir
Você já pensou sobre o fato de
COGNIÇÃO
que a maioria das pessoas repete
frases já conhecidas em deter-
SOCIEDADE minadas situações? Por exemplo,
quando um casal se casa, a
pergunta que frequentemente
Isso significa que a sociedade se relaciona com determinados discur- escuta é: “E agora, quando terão
sos somente por intermédio da cognição, que permite que diferentes pes- um filho?”. Quando está choven-
do, ouvimos: “Chuva é boa para
soas utilizem um mesmo discurso ao enfrentarem situações semelhantes. ficar em casa”. Você já fez algum
Biderman (2001) afirma que a língua é como se fosse um código. comentário assim? Saiba que, na
maioria das vezes, o discurso que
Desse modo, traduz o mundo e a realidade social de um grupo ou uma falamos ou escrevemos não é de
sociedade, podendo, assim, ser expressa de diferentes maneiras, porém produção original nossa, mas,
sim, uma reprodução de algum
seguindo sua própria gramática e léxico, os quais são dispostos em di-
discurso que vivenciamos durante
ferentes categorias. Tal disposição promove a organização desse códi- nossa vida e que ficou guardado
go, que permite às pessoas que, independentemente do grupo ao qual em nossa memória episódica,
o que faz com que, diante das
pertençam, se expressem no dia a dia. Assim, não é possível pensarmos mais diferentes situações em que
que alguém consiga se socializar ou viver nas mais variadas interações temos de agir, acabamos por lem-
ou instituições sociais sem validar a linguagem daquele lugar ou grupo. brar de algum episódio e reprodu-
zimos algo que foi incorporado
Nessa perspectiva, considera-se, por analogia, que as escolhas le- por meio da cognição.
xicais também se ajustam à realidade na medida em que são recursos
específicos para a linguagem, o que acaba por evidenciar que a eleição

Reflexões sobre a análise linguística 75


de uma ou outra palavra, sentença ou expressão por um indivíduo nem
sempre evidencia uma escolha qualquer, mas, sim, uma indução de
fatos que foram perceptíveis em algum momento da realidade viven-
ciada ou conhecida por ele.

Logo, ao possibilitar a produção de um texto na sala de aula, é fun-


damental orientar o aluno para que tenha cuidado em escolher pala-
vras de acordo com sua intencionalidade, pois uma escolha
despropositada pode ocasionar sentidos diferentes daquele que ele
está intencionando para determinado discurso.

É possível que, para isso, o professor promova


atividades em que a análise do léxico seja feita em
Pois esta vida não está sopa textos reais, como a música “Com que roupa?”, de
Eu pergunto com que roupa Noel Rosa. Observe um trecho dela ao lado.

Com que roupa... eu vou? Analisando a escolha lexical feita por Noel Rosa,
Pro samba que você me convidou temos: “esta vida não está sopa” (lexia complexa);
“com que roupa eu vou?” (lexia textual); “paletó”,
[...]
“estopa” (lexias simples); “nem sei mais” (lexia com-
Meu paletó virou estopa
plexa). A música evidencia uma dificuldade com o
Eu nem sei mais com que roupa trecho “pois esta vida não está sopa”, ou seja, a vida
Com que roupa que eu vou... (ROSA) não está fácil e, por isso, seu “paletó virou estopa”,
isto é, está muito desgastado.

Podemos perceber, com isso, que Noel Rosa transmite uma men-
sagem a seus ouvintes, que, por terem conhecimento ou, até mesmo,
estarem passando pelas mesmas dificuldades, sentem-se parte, pron-
tamente, do assunto tratado na música e, consequentemente, repro-
duzirão esse discurso.
Atividade 2
Ensinar a produzir um texto, portanto, significa ensinar o aluno a
Escolha um trecho de uma
música de sua preferência e falar a um determinado público, que pode ser mais ou menos exigente,
tente reconhecer os tipos de mais ou menos formal, haja vista que, de qualquer maneira, teremos
lexia utilizados nela e os efeitos
de sentido. incorporadas à linguagem marcas ideológicas determinadas pela esco-
lha e/ou seleção lexical por um processo de natureza cognitiva.

Já ensinar a analisar a escolha do léxico implica reconhecer toda


uma situação comunicativa, que oferece pistas voltadas à produção, à
reprodução, às formas de planejamento e à execução, até alcançar a
compreensão do que foi escrito ou falado.

76 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Para ilustrar esse tipo de reconhecimento, o professor de Língua
Portuguesa pode propor ao seu aluno que imagine uma situação em
que determinado indivíduo vá participar de um processo seletivo para
conseguir uma vaga de emprego. Nesse caso, a situação comunicativa
implicaria a escolha de palavras que passem aos entrevistadores uma
imagem de que essa pessoa seja responsável, honesta, voltada aos
objetivos da empresa e tenha interesse nas metas daquela determi-
nada função.

Logo, o entrevistado em questão poderia se utilizar de uma me-


mória voltada a esse tipo de episódio, que ele tenha experienciado ou
visto acontecer. Consequentemente, ele utilizaria frases como “tenho
experiência nessa função por tantos anos”, “sei que a sua empresa é
importante para tal ramo”, entre outras expressões que, dentro de um
texto comunicativo, são chamadas de lexias.

É importante ressaltar que nem sempre um produtor de textos


tem controle sobre o efeito que surgirá diante de suas escolhas lexi-
cais no seu discurso. Portanto, somente com a interação com o inter-
locutor ele descobrirá o que foi interpretado. Exemplo disso é quando
alguém posta algum texto nas redes sociais sem imaginar a quem
atingirá ou a repercussão que esse texto terá e, por esse motivo, aca-
ba surpreso quando muitas pessoas se ofendem ou se admiram com
o resultado da postagem.

Por isso, ao propor uma atividade de produção textual, o professor


deve determinar o público-alvo, para que os alunos possam adequar
seu discurso a partir de uma seleção lexical combinada com outros ele-
mentos linguísticos que formam um texto.

5.3 Estratégias para corrigir textos


Videoaula Imagine a seguinte situação: o aluno escreve um texto e entrega ao
professor, que faz várias observações e o devolve ao estudante. Nas
próximas atividades de produção textual, pode acontecer que o aluno
diminua seu texto cada vez mais, pensando que quanto menos ele es-
crever, menos observações o professor terá para fazer.

Não importa a idade, muito menos o segmento, desde o momento


em que o aluno começa a produzir textos e os entrega ao professor,
isso pode ocorrer. Além disso, há situações em que o aluno entrega o

Reflexões sobre a análise linguística 77


texto com a página escrita virada para baixo, para ficar embaixo dos
que foram escritos pelos colegas.

A tecnologia, quando utilizada, erradica, por um lado, esse tipo de


comportamento, mas, por outro, facilita a ocorrência de plágio, que é
outro problema recorrente nas escolas e não corrobora com a aprendi-
zagem de produção de textos.

Para o professor, que deve orientar o aluno para uma melhor utili-
zação da linguagem, fica o desafio de por onde começar e como fazer
para que ele entenda determinados aspectos linguísticos, a fim de evi-
tar que ele apresente os mesmos erros de escrita e aproveite a tecno-
logia sem se prejudicar por práticas ilícitas.

Tanto a produção quanto a correção de textos podem ocorrer por


meio das chamadas tecnologias da informação e comunicação (TIC’s),
que são ótimas opções para o professor e para o aluno, que se tornam
protagonistas de seu próprio aprendizado e, consequentemente, da
correção de seus textos.

O fato é que, para ampliar as potencialidades do processo de escrita


e de revisão dos alunos, o importante é fazer com que eles, primeira-
mente, entendam um texto como algo a ser dito para alguém. A partir
daí, a correção de um texto deve sempre ser iniciada pensando na ade-
quação ao público-alvo.

Constatada essa relação texto-leitor, o aluno pode focar no con-


teúdo propriamente escrito, observando se o conjunto de palavras
tem um sentido claro e se a escrita está conectada de tal forma que
não haja a mínima impressão de ideias ou palavras soltas, desconec-
tadas, sem propósito.

Na intenção de ampliar as potencialidades dos alunos na escrita


de seus próprios textos, a melhor alternativa é sempre promover a
autocorreção, que é o momento em que os alunos voltam aos seus
próprios textos, encaram as suas tentativas de acerto e fazem as devi-
das correções e aperfeiçoamentos.

Porém, para que essa etapa possa ser efetivada, é fundamental que
o professor aja como um mediador, elaborando atividades de reflexão
linguística voltadas ao uso da gramática e à análise lexical. É preciso to-
mar cuidado para que o texto seja o principal alvo das mais diferentes

78 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


ferramentas de análise linguística e se mostrar preocupado com fins
comunicativos e sociais, e não apenas didáticos.

Podemos considerar como ferramentas linguísticas aquelas que po-


dem ser utilizadas em um processo de correção, por exemplo:
•• Espaçamento: permite observar se o texto apresenta as palavras Importante
escritas com espaço adequado entre elas. Todo parágrafo deve ser escrito
em torno de um tópico frasal,
•• Paragrafação: é importante que um texto traga os parágrafos
que é o assunto principal tratado
delimitados de acordo com seus tópicos frasais. pelo parágrafo. Um parágrafo
•• Pontuação: é uma grande aliada no processo comunicativo. Utili- pode apresentar um ou mais
tópicos frasais, os quais jamais
zar cada pontuação a fim de colaborar com aquilo que se preten- podem ser divididos de maneira
de comunicar em uma produção textual é fundamental para que brusca.
não haja mal-entendidos. Uma vírgula pode mudar totalmente o
que se pretendia dizer. Observe:

Não, quero tomar água.


Não quero tomar água.

O primeiro enunciado comunica que a pessoa quer tomar água,


enquanto o segundo nega essa vontade. Veja que apenas a pre-
sença ou não de uma vírgula é suficiente para inverter o sentido
da frase, por isso é importante a correção da pontuação obser-
vando o sentido que ela produz, e não decorando o uso da vírgula
ou de qualquer outro sinal de pontuação.

•• Ortografia: é outro item que deve ser revisado, pois um erro de Atividade 3
grafia pode causar uma má impressão, dependendo do contexto
Suponha que você é professor(a)
da comunicação, ou deixar o processo comunicativo falho. de uma turma do ensino médio
e percebeu que um de seus
•• Uso de maiúsculas e minúsculas: é importante se atentar a
alunos não conseguiu, ainda,
esse aspecto, pois, na língua portuguesa, letras maiúsculas ser- dominar o uso de maiúsculas e
vem para marcar substantivos próprios, assim como o início de minúsculas. Como você o corri-
parágrafos, entre outras coisas. O mal-uso desse elemento pode giria? O que é mais importante
nesse contexto, a aplicação de
ocasionar quebra de credibilidade e, até mesmo, desrespeito. regras ou a contextualização
•• Apresentação: é o item que ajuda a identificar o gênero textual. delas na correção do texto?
Por exemplo, ao escrevermos um poema, devemos apresentar
o texto em forma de versos e estrofes. Já ao escrever um conto,
temos que apresentá-lo em forma de prosa.
•• Unidade temática: é o principal item a ser revisado. Deve ser ga-
rantida a partir da compreensão de uma sequência lógica interna

Reflexões sobre a análise linguística 79


dentro de um texto, promovida pelo uso da coesão (ligação) e da
coerência (sentido).

Saiba mais Chamamos esses itens de ferramentas da correção de texto, porque,


Chamamos de coerência o na prática, funcionam como uma espécie de instrumento, do qual alu-
elemento linguístico que no e professor devem fazer uso para melhorar e revisar o processo de
promove clareza e sentido a um
escrita. Se esses itens não forem adequados, certamente afetarão o
texto e de coesão a ligação entre
termos, períodos ou parágrafos. processo de comunicação em alguma escala.
Atentar-se a esses detalhes é o
Atualmente, muitas tecnologias digitais contribuem para o processo
que garante um texto inteligível
e, portanto, de qualidade. de revisão de escrita, e facilitar o uso delas aos alunos é contribuir para
que avancem na prática de produção de textos. Além disso, há recursos
tecnológicos que permitem aos alunos que revisem textos em ciclos de
edição distintos e, ainda, em colaboração com os colegas.

Editores de texto, como o Microsoft Word ou o Libre Office, possuem


corretores automáticos, que os alunos podem usar para identificar se
existem erros de digitação ou de grafia e problemas de acentuação e,
inclusive, de espaçamento inadequado entre as palavras.

A aprendizagem deve ser considerada um processo de construção


do aluno, portanto não basta pegar os textos deles e fazer várias ano-
tações e símbolos e depois solicitar-lhes que os passem a limpo. É fun-
damental que o aluno seja protagonista de seu processo de escrita,
e aos professores cabe a mediação e a facilitação desse processo de
aprendizagem de comunicação.

Logo, é necessário que o professor mostre aos alunos que, durante


a escrita, é importante entender o que se escreveu. Para isso, o profes-
sor deverá orientar o aluno a analisar elementos linguísticos sempre de
modo contextualizado e cada vez mais efetivo.

Desse modo, concebemos a correção de textos, descrita por Suassuna,


Melo e Coelho (2006), como o respeito do professor às opiniões expres-
sas pelo aluno, cabendo ao professor sugerir reflexões sobre aspectos
textuais e discursivos, mas nunca a modificação total do texto ou da-
quilo que se pretendia comunicar.

Isto é, para corrigir/revisar um texto, não basta uma leitura horizon-


tal, palavra por palavra, linha por linha, pois o processo de correção de
textos vai além da simples aplicação de regras gramaticais e necessita
de uma análise global do texto, que procure produzir efeitos de sentido
de acordo com os objetivos do autor.

80 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino da gramática por muito tempo foi a reprodução e a mera
aplicação de regras que tinham pouco sentido para os alunos, o que, por
vezes, fazia com que um estudante, que dominava as regras de língua por-
tuguesa, não conseguisse comunicar algo de maneira efetiva, organizada
e contextualizada.
Por esse motivo, a proposta principal para o ensino da gramática é
possibilitar uma análise das regras gramaticais com base em uma pers-
pectiva que considera as condições pragmáticas e ideológicas trazidas
dentro de um processo comunicativo.
Cada situação de escrita se constitui como uma prática de escrita di-
ferente, pois varia a escolha lexical em função daquilo que se pretende
comunicar. Reconhecer essa escolha dentro de uma gramática exige do
autor um processo de observação, comparação, descrição e percepção
de semelhanças e diferenças, estabelecendo, assim, relações entre as
partes de um texto.
O léxico revela diferentes ideologias, e explorar o que a combinação
de palavras em um texto provoca é um desafio que envolve o autor en-
quanto leitor de seu próprio texto e leva à identificação do caráter de
construção de qualquer produção textual.
A escrita, considerada uma atividade intelectual, deve supor sempre
um acordo com o gênero textual pretendido e um contexto para o uso
desse acordo. O professor que faz os alunos compreenderem as mais
variadas estratégias que fazem do texto uma escrita coesa e coerente
só tem a ganhar com a formação do aluno, que será não só um mero
produtor de texto, mas, sim, um competente produtor textual.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, I. Aula de Português: encontro & interação. São Paulo: Parábola editorial, 2003.
BIDERMAN, M. T. C. Teoria linguística: teoria lexical e linguística computacional. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.
LAUTENSCHLAGER, L. A cidade maravilhosa além da paisagem. São Paulo: Editora Biblioteca
24 Horas, 2016.
NUNES, J. H. Lexicologia e lexicografia. In: GUIMARÃES, E.; FONTANA, M. (orgs.). A palavra e
a frase. Campinas: Pontes Editores, 2006.
POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: ALB/ Mercado de Letras,
1997.
ROCHA, L. C. A. Gramática: nunca mais – O ensino da língua padrão sem o estudo da
gramática. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.

Reflexões sobre a análise linguística 81


ROSA, Noel. Com que roupa? Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/
texto/me004314.pdf. Acesso em: 14 fev. 2020.
SUASSUNA, L.; MELO, I. F.; COELHO, W. E. O projeto didático: forma de articulação entre
leitura, literatura, produção de texto e análise linguística. In: BUZEN, C.; MENDONÇA, M.
(orgs.). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

GABARITO
1. Saber português significa saber transitar entre os diferentes modos de se comunicar
com alguém; saber gramática significa conhecer as normas que compõem uma língua.
Assim, o ideal é que os alunos saibam português antes de ter domínio da gramática.

2. Espera-se que o estudante reconheça as lexias simples, composta, complexa e textual


e consiga analisar a linha de sentido que elas, quando associadas, provocam em de-
terminado texto.

3. Em relação ao uso de maiúsculas e minúsculas, é importante que o professor faça seu


aluno perceber a necessidade de adequação e padronização, pois escrever um nome
próprio incorretamente, por exemplo, pode denotar desrespeito. O mais importante
durante a revisão desses conceitos é a contextualização deles em textos reais, e não a
simples aplicação de regras.

82 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


6
Propostas da BNCC para
a Língua Portuguesa
Lucienne Lautenschlager

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) se originou a


partir da combinação de outros documentos legais, como a
Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases, de
1996, as Diretrizes Curriculares Nacionais, de 2013, e o Plano
Nacional de Educação, de 2014.
Ela defende a universalização da educação básica (que con-
templa desde a educação infantil até o ensino médio) e atende
às necessidades contemporâneas de alunos nascidos na geração
internet, conhecidos como nativos digitais.
Assim sendo, este capítulo aborda o avanço tecnológico rela-
cionado às novas práticas de alfabetização, letramento e multile-
tramento, o que evoca o entendimento de diferentes linguagens
e o aprendizado constante de como se produz sentidos e se reco-
nhecem vozes heterogêneas por entre os mais variados gêneros
textuais existentes na esfera social.
A primeira parte deste capítulo objetiva focar nos anos iniciais
(1º ao 5º ano do ensino fundamental) por tratar do letramento de
modo tão relacionado ao processo de alfabetização. Após isso, tra-
zemos um processo de reflexão de pontos relevantes da BNCC nos
anos finais (6º ao 9º ano) até alcançarmos a terceira parte, que foca
nas mudanças mais relevantes à etapa do ensino médio.

Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 83


6.1 A base do letramento e multiletramento
Videoaula no ensino de Língua Portuguesa
A BNCC promove uma visão de aluno que reconheça seu papel
como sujeito ativo e que promova significativas mudanças no seu pro-
cesso de aprendizagem. Para se alcançar esse objetivo, no componente
curricular de Língua Portuguesa, devemos partir da premissa de que
os alunos devem analisar o uso da língua em diferentes situações ou
contextos sociais, que trazem diferentes modos de agir, falar e compar-
tilhar experiências.

Saiba mais A ideia de interação verbal, que é a condição determinante na cons-


trução de competências, é inserida nessas atividades, exigindo dos
De acordo com a origem
etimológica da palavra interação, professores um planejamento que permita que essas interações se-
temos a soma de inter + ação jam significativas aos alunos, possibilitando momentos significantes de
= entre + capacidade de agir,
ou seja, a capacidade de agir debates, seminários, confrontação de ideias, projetos colaborativos e/
ou de atuar frente às diferentes ou coletivos em que eles vivenciem da melhor maneira possível essa
possibilidades, nesse caso, de capacidade de agir, se fazer entender e ser entendido.
uso da língua.
Desde a educação infantil, a BNCC ressalta a importância do de-
senvolvimento da criança por meio da interação, o que é visível nos ei-
xos estruturantes dessa etapa: conviver, brincar, participar, explorar,
expressar e conhecer-se. De acordo com Oliveira et al., (2012, p. 49),
o professor
deve se responsabilizar por criar bons contextos de media-
ção entre as crianças, seu entorno social e os vários elemen-
tos da cultura. Cabe [ao professor] a arte e a competência
de criar condições para que as aprendizagens ocorram tanto
nas brincadeiras livres quanto nas atividades orientadas,
considerando o desenvolvimento [...] e as interações que as
próprias crianças estabelecem enquanto brincam, produzem
e aprendem cooperativamente.

Assim, as crianças desde essa fase já são consideradas pessoas que


possuem direitos e, como tal, possuem autonomia dentro de um grupo
social, podendo construir sua identidade e autonomia. Para os anos
iniciais, essa interação já é entendida por meio das linguagens verbal,
oral, corporal, sonora e digital, em diferentes atividades humanas. A
partir do momento que passamos a usar essas linguagens e a ensiná-
-las, em sala de aula, faz-se necessária uma mudança de paradigma,

84 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


para abandonar a memorização e repetição, simples e mecânica, de
conceitos e apostar na capacidade de o aluno significar conteúdos e
dar sentido às mais variadas vivências, tanto dentro de uma instituição
escolar quanto fora dela.

A BNCC (BRASIL, 2018) defende essa ideia quando determina que to-
dos os alunos, independente da região brasileira que ocupem, devem ter
direito a produzir conhecimentos, saberes e valores, visando uma socie-
dade mais justa, democrática e inclusiva. E, assim como esse documento
nasceu a partir de várias discussões, reuniões, fóruns, ou seja, várias in-
terações por diferentes regiões brasileiras, a produção de novos conhe-
cimentos em sala de aula deve se dar de modo parecido, no sentido de
que os alunos possam conversar, defender ou refutar ideias e opiniões,
até alcançarem um conceito ou uma perspectiva viável.

Para que isso seja alcançado e os alunos sejam capazes de elaborar


e defender pontos de vista, é indispensável que eles sejam desafiados
nas aulas, a fim de que consigam escrever, ler e compreender aquilo
que lhes é passado, não exclusivamente na área de linguagens, mas em
todas as áreas, haja vista que elas devem favorecer a comunicação e o
desenvolvimento de saberes entre diferentes componentes curriculares.

Porém, são nas aulas de Língua Portuguesa, nos anos iniciais do


ensino fundamental, que se deve focar o processo de alfabetização e,
consequentemente, o letramento. Alfabetizar não deve, jamais, ser en-
tendido sob uma ótica separada do letrar, pois enquanto o primeiro
compreende a habilidade de o sujeito saber ler e escrever – que abran-
ge desde o reconhecimento de letras até o entendimento de quantas e
quais letras formam determinadas palavras – é o segundo que envolve
a competência de compreensão que esse sujeito tem acerca da escrita
e da leitura.
Vídeo
Nesse momento, em que enfrentamos uma transição na maneira
Assista ao vídeo A BNCC
de ensinar, provocada tanto pelo avanço tecnológico ao qual as escolas na prática – Língua
estão tendo que se adaptar quanto pelos resultados baixos obtidos em Portuguesa, publicado pelo
canal Editora Moderna, e
avaliações externas, fica claro o grande desafio que os educadores, de saiba mais sobre aspectos
modo geral, têm em suas mãos: formar alunos com capacidades que pertinentes do ensino de
Língua Portuguesa pela
vão além do ato da decodificação, desde o processo de alfabetização. BNCC.
Disponível em: https://www.you-
Por muito tempo, ao longo da história da educação, ser alfabetiza- tube.com/watch?v=tAXxcfjlAj4.
do era sinônimo de saber assinar o próprio nome, ditar o alfabeto de Acesso em: 14 fev. 2020.

Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 85


A a Z ou conseguir fazer cálculos simples, nas quatro operações. Hoje,
isso mudou e podemos afirmar que a maneira de ensinar está sendo
atualizada com sucesso, por isso não basta fazer com que os alunos
dominem o simples e puro processo de decodificação, eles precisam
ser capazes de escrever e ler correspondendo à função social dessas
ações. Desse modo, o processo de alfabetização, na BNCC, não é disso-
ciado da prática de letramento, já que letrar é abranger os diferentes
sentidos e usos que a língua pode assumir em seus mais diferentes
gêneros textuais e combinações de palavras.

Ler o comando de uma atividade, seja de Matemática ou Ciências,


e compreender o que é para ser feito de maneira mais interativa, não
apenas porque o professor falou que é para fazer, faz com que o aluno
pense a respeito daquilo que se espera dele, analise, tome uma deci-
são e encontre uma solução, percebendo, com isso, que a linguagem
não é usada só com o objetivo de ser uma simples e mera reprodução
mecânica ou com “pedaços” que não contribuem com a identificação
de uma função social.

Esses “pedaços” se referem às famílias silábicas, tão exploradas


pelas cartilhas anos atrás. Esses livros traziam, geralmente, a figura
de um animal ou objeto seguida de uma família silábica que era ligada
ao nome dessa ilustração. O problema principal desse material era
que as crianças precisavam reproduzir várias vezes essas famílias no
caderno sem saber o que elas significavam, mesmo porque elas não
possuem significado algum.
Curiosidade
É importante ressaltar que as cartilhas foram muito importantes
A cartilha mais usada ao longo para a época em que foram criadas, pois, naqueles anos, aproxima-
dos tempos recebeu o título de
damente entre o final do século XIX até metade do XX, não existia, de
Caminho Suave. Ela foi escrita
pela professora Branca Alves de maneira tão forte, o conceito de gêneros textuais, tampouco o avanço
Lima e teve quase 40 milhões de da tecnologia digital – que resultou em um imediatismo de informação.
exemplares vendidos em mais
de 100 edições. Tais avanços fizeram com que as cartilhas ficassem ultrapassadas, que
a alfabetização necessitasse ser conectada com o letramento e que sur-
gisse um novo conceito: o multiletramento.

Podemos entender o multiletramento como uma ampliação do con-


ceito de letramento. Leventhal (2009, p. 25) afirma que “nossos alunos
estão conectados ao mundo, muitas vezes de forma autônoma através
da Internet” e, portanto, usufruir dessa condição nas aulas contribui
com as novas exigências do século XXI e enriquece o processo de ensi-
no e aprendizagem.

86 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


A prática da cultura digital e o multiletramento devem contri-
buir tanto com o desenvolvimento da criticidade dos alunos no
processo de ensino e aprendizagem de linguagens quanto com a
produção de novos sentidos à medida que os estudantes, diante de
um texto, possam remixá-lo, mesclá-lo, transformá-lo, entendendo
como diferentes elementos podem se juntar a fim de produzir no-
vos sentidos (BRASIL, 2018).

Nas redes sociais encontramos cada vez mais textos com caracte-
rísticas digitais e audiovisuais, com os quais as pessoas se conectam
a todo momento, seja pelo celular, tablet ou notebook, em qualquer
lugar. As pessoas interagem várias vezes ao dia, com diversos tipos
de mídia. Portanto, saber interpretar desde um livro impresso até um
vídeo com som, imagem e legenda é o desafio que se coloca para o
ensino de Língua Portuguesa que pretenda ser atual e contribuir para
que o aluno esteja preparado para lidar com qualquer tipo de infor-
mação e interprete, adequadamente, diferentes mensagens.

Para tanto, ressaltamos que a BNCC não só traz a ideia de letra- Atividade 1
mento e multiletramento voltada ao ensino de Língua Portuguesa, mas
Diferencie letramento de multi-
também aborda o letramento matemático, científico, entre outros, o letramento e justifique por que
que nos faz crer que o letramento e o multiletramento são responsabi- é importante viabilizá-los aos
alunos, dentro da sala de aula.
lidade do processo educativo como um todo, e não só da Língua Portu-
guesa, como poderíamos pensar em um primeiro momento ou como
se acreditou durante tantos anos.

Tratando-se de um processo de ensino, multiletrar significa propor-


cionar verdadeiros eventos colaborativos, nos quais os alunos apren-
dam a ler e a escrever colaborativamente, pois é na interação com os
demais colegas que as crianças podem ser mobilizadas intelectualmente
e engajadas em situações que envolvam a escrita, a leitura, a oralidade
ou a escuta.

Isso acarreta aos professores, segundo Jolibert e Sraïki (2008), a


construção de verdadeiros ateliês de cidadania em sala de aula, ou seja,
momentos em que os alunos possam participar de reuniões, debates
e conselhos e sintam necessidade de fazer anotações escritas, orais,
vídeos ou fotos, interagindo da melhor maneira possível e participando
das mais diferentes situações surgidas em sala de aula.

Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 87


Na sala de aula

Uma boa atividade para a prática de alfabetização, letramento e


multiletramento é uma caça ao tesouro coletiva. O professor pode, por
exemplo, pedir para um aluno procurar o tesouro lendo comandos, en-
quanto o outro consulta um mapa disponibilizado por meio de alguma
tecnologia digital, em que o professor previamente tenha indicado o
destino, e um terceiro pode decifrar locais ou placas espalhadas pela
escola. O objetivo é que todos eles consigam chegar ao destino e per-
cebam as diferenças entre os diferentes meios.

Envolver os alunos em atividades que exigem a capacidade analíti-


ca no enfrentamento de situações-problema, em que, inclusive, eles te-
nham que integrar o conhecimento de vários componentes curriculares,
a fim de enfrentar procedimentos de menor ou maior complexidade, é
o maior desafio que um professor deve colocar em prática atualmente.

6.2 A BNCC de Língua Portuguesa no


Vídeo
ensino fundamental – anos finais
O mundo está passando por constantes mudanças devido aos avan-
ços tecnológicos, ao surgimento de novos aparelhos digitais e ao uso
de novos processos cotidianos, desde o acesso a transações bancárias
até a comunicação com um familiar ou com um amigo. Em relação ao
ensino da Língua Portuguesa não é diferente, pois, com o passar do
tempo, surgiram novos gêneros, novas formas de comunicação, manei-
ras diferentes de se aplicar a gramática em sala de aula e a necessidade
de ensinar novas práticas de linguagem que levem em consideração a
1 1
perspectiva enunciativa-discursiva .
Ótica pela qual se entende a
linguagem como uma maneira Geralmente, consideramos que as pessoas tendem a ler ou inter-
de materializar pensamentos, pretar textos de acordo com o universo de conhecimentos que pos-
crenças e pontos de vista.
suem ou com a área que mais lhe interessam, assim, uma mesma frase
pode ser interpretada de maneira diferente por pessoas que tenham
visões ou crenças diferentes.

88 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Diante disso, a BNCC (BRASIL, 2018) defende que é essencial o tra-
balho nos anos finais com análise de diferentes posições por meio
de diferentes gêneros textuais, os quais demandam reconhecimen-
Para refletir
to de práticas e usos heterogêneos da linguagem. Essa análise deve
Para entendermos melhor essa
supor a consideração de dimensões estéticas, éticas e políticas da es-
perspectiva, imagine a seguinte
crita, na qual os alunos devem posicionar-se criticamente, reconhe- cena: um casal, de manhã,
cendo, por exemplo, fake news, ou sabendo utilizar estratégias para acorda, pega o celular e vai direto
ver postagens em redes sociais.
desmascará-las, caso seja necessário. Um deles é cabeleireiro, e a outra
A facilidade de propagar uma informação na internet, por meio dos pessoa é analista de sistemas.
Será que diante de um mesmo
mais diferentes aplicativos, fez com que intencionalidades relativas à post eles terão a mesma interpre-
reflexão sobre as condições de produção e recepção de textos, quan- tação? Será que terão interesses
por posts iguais, semelhantes ou
to à reflexão crítica a respeito das temáticas tratadas e a validade das completamente diferentes?
informações, se tornassem objetivos do componente curricular da Lín-
gua Portuguesa. Por isso, segundo a BNCC, o professor deve promover
que o aluno, nesses casos, seja capaz de:

•• Relacionar o texto com suas condições de produção, seu con-


texto sócio-histórico de circulação e com os projetos de dizer:
leitor e leitura previstos, objetivos, pontos de vista e perspecti-
vas em jogo, papel social do autor, época, gênero do discurso e
esfera/campo em questão etc. [...]
•• Fazer apreciações e valorações estéticas, éticas, políticas e ideo-
lógicas, dentre outras, envolvidas na leitura crítica de textos ver-
bais e de outras produções culturais. [...]
•• Refletir criticamente sobre a fidedignidade das informações, as te-
máticas, os fatos, os acontecimentos, as questões controversas pre-
sentes nos textos lidos, posicionando-se. (BRASIL, 2018, p. 72 -73)

Esses são exemplos de uma mudança significativa no ensino de


Língua Portuguesa, haja vista que, por muito tempo, o ensino desse
componente curricular era feito com o intuito de se manter o que al-
guns autores chamam hoje de conservadorismo idiomático. Segundo
Silva (2015), trata-se da postura de alguns gramáticos que defendem a
inalteração de um idioma, se opondo a mudanças e variações de toda
e qualquer natureza na forma de comunicação. Para esse tipo de de-
fensor, que eram considerados verdadeiros guardiões do vernáculo
português, era muito difícil aceitar a língua como um instrumento vivo,
passível de diferentes construções linguísticas, que contrariam a erudi-
ção da linguagem e da gramática. Júlio Ribeiro foi um literato do século

Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 89


Saiba mais XIX, que começou a criar e se envolver em verdadeiras polêmicas so-
Antes da BNCC, os Parâmetros bre o uso linguístico ao “errar”, propositalmente, os usos de plural ou
Curriculares Nacionais (PCN’s)
a ortografia de algumas palavras. Assim, o escritor começou a travar
constituíram outro documento
de bastante relevância para a verdadeiras batalhas com outros escritores, que, pasmos, respondiam
educação. Criados no ano de aos textos de Júlio Ribeiro de maneira irônica, sarcástica e acusativa.
1998, tinham como objetivo
nortear o cotidiano escolar Esse fato é importante porque nos ajuda a perceber que, desde essa
na formação da cidadania e
época, muito tempo se passou até que surgisse a BNCC com mudanças
estabelecer conhecimentos
mínimos necessários para que relevantes para a educação.
os alunos pudessem usufruir
de um conjunto básico de As tendências educativas atuais, estabelecidas na BNCC, estruturam os
conhecimentos para a vida social conteúdos em unidades temáticas, acompanhadas de objetos de conhe-
e profissional.
cimento e habilidades exigidas para cada ano. Os textos assumem a cen-
tralidade do processo de ensino e aprendizagem, desde que encarados
dentro de quatro campos de atuação distintas: artístico-literários, práticas
de estudo e pesquisa, jornalístico-midiático e atuação na vida pública.

Esses campos pretendem categorizar gêneros textuais, como


2 2
vídeos-minuto , slides que apresentem dados diversos, com dife-
Gênero cunhado pelo conceito rentes estilos e movimentos, que podem estar relacionados tanto
de transmídia, inclusive, em
ao campo artístico-literário quanto jornalístico-midiático. Do mes-
várias vezes, ao longo da BNCC,
é utilizado esse termo para se mo modo, uma reportagem científica pode se relacionar ao campo
referir a esse tipo de prática. jornalístico-midiático e de atuação na vida pública. E gráficos, tabe-
las ou infográficos podem ser considerados como pertencentes ao
campo práticas de estudo e pesquisa.

Observa-se nesses exemplos que essa divisão não pretende dar aos
mais diferentes gêneros literários uma classificação rígida e estanque,
mas sim oferecer uma função didática que facilite, entre outras coisas,
a percepção de que gêneros textuais podem ser dinâmicos e transitar
entre campos de âmbito pessoal, profissional, artístico ou científico.
Atividade 2
A BNCC (BRASIL, 2018) não incentiva esse tipo de agrupamento
Comente os quatro campos de como um modelo obrigatório a ser seguido pelos currículos ou pro-
atuação apresentados na BNCC
e por meio de que objeto eles gramas educacionais, já que o mais importante é determinar no plane-
podem ser ensinados aos alunos. jamento escolar ou do professor como será viabilizado o processo de
Em seguida, exemplifique.
análise, reflexão, síntese, problematização e pesquisa frente às habili-
dades a serem desenvolvidas no ensino da Língua Portuguesa.

Importante ressaltar que um ponto em comum existente entre


esses quatro campos citados é o fato de que a tecnologia de infor-
mação e comunicação pode perpassar todos eles, assim como o

90 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


conceito de direitos humanos. Portanto, explorar tecnologias e utili-
zá-las de modo ético e responsável são habilidades sempre requeri-
das ao longo da BNCC.

Além disso, a BNCC (BRASIL, 2018) recomenda a utilização de estra-


tégias de leitura e escrita a partir da cooperação e interação na sala de
aula e na escola como um todo, afinal, é pela linguagem que consegui-
mos nos comunicar e interagir em vários momentos de nossas vidas.

As tecnologias digitais facilitam essa interação, mas precisam ser


utilizadas e encorajadas durante as aulas, inclusive na comunicação en-
tre professor e alunos. Criar mecanismos para a comunicação permite
que se diminua a separação entre o que se aprende dentro da escola e
o que se vive fora dela, pois muitos alunos questionam o porquê de se
aprender determinados conteúdos.

Considerando isso, a BNCC recomenda que


é imprescindível que a escola compreenda e incorpore mais as
novas linguagens e seus modos de funcionamento, desvendando
possibilidades de comunicação (e também de manipulação), e que
eduque para usos mais democráticos das tecnologias e para uma
participação mais consciente na cultura digital. (BRASIL, 2018, p.61)

Esse aspecto é importante, porque é uma forma de criar conexão


com as novas gerações, proporcionar protagonismo juvenil, promover
uma postura interativa e desenvolver senso de responsabilidade frente
ao mundo digital.

Artigo

https://porvir.org/5-estrategias-para-melhorar-o-trabalho-em-grupo-na-sua-sala-de-aula/

O artigo 5 estratégias para melhorar o trabalho em grupo na sua sala de aula,


de Sérgio Daniel Ferreira, publicado no site Porvir, em 5 de novembro de
2019, tem como objetivo dar dicas práticas e objetivas para o professor
trabalhar a cooperação dos alunos na sala de aula e utilizar a tecnologia em
prol desse objetivo.

Acesso em: 14 fev. 2020.

Reconhecer que os anos finais ocorrem em um momento em que


os alunos estão passando por uma fase de identificação própria como
indivíduos, que tem seu espaço no mundo e que estão começando a
entrar na adolescência é de extrema importância para que os professo-
res lidem com a inquietude e particularidade de seus alunos, tanto no
âmbito físico quanto emocional.

Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 91


Isso porque a inquietude da juventude, atrelada ao desejo de ter mais
controle sobre a própria vida, exige do professor a utilização segura de
tecnologias digitais e o papel de validador de conteúdos pesquisados.

De maneira alguma queremos, com essa informação, que o pro-


fessor evite ou abandone o uso das tecnologias de informação e co-
municação, pois, como já dissemos, elas são um ótimo recurso de
aproximação com essa geração, o que queremos é que o professor
atue como mediador no uso desses recursos.

Essa atuação pode ser eficaz a partir do momento que se toma


decisões, como criação de combinados com a turma, levantamento de
critérios (tempo de pesquisa, indicação prévia de sites para pesquisa),
promoção de confiança e de oportunidade para o aluno se sentir res-
ponsável diante de uma atividade. Propor atividades desafiadoras e
temas que gerem curiosidade também pode ser de extrema valia aos
alunos dos anos finais.

Outra principal mudança que a BNCC trouxe não só para os anos


finais, mas para o ensino fundamental como um todo, foi o conjunto
de dez competências que devem ser consideradas como a coluna ver-
tebral desse documento.

Essas competências abrangem cada um dos componentes curricula-


res sob a ótica da transdisciplinaridade, e é a partir delas que ocorrem
desdobramentos relativos aos segmentos, originando diferentes unida-
des temáticas, objetos de conhecimento e habilidades dentro da Língua
Portuguesa. As competências gerais versam sobre (BRASIL, 2018):

1 6
Construção e utilização Relação do trabalho com
de conhecimentos projeto de vida

2 7
Pensamento científico, Capacidade de
crítico e criativo argumentação

3 8
Práticas culturais Competências Capacidade em lidar com as
diversificadas emoções e cuidar do físico

4 9
Uso de diferentes linguagens Empatia e cooperação
como forma de comunicação

5 10
Cultura digital Responsabilidade e cidadania

92 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Observe que nas competências quatro, cinco e nove demos mais
ênfase ao longo do texto sobre os anos finais por estarem intimamen-
te ligadas ao componente curricular da Língua Portuguesa, ou à área
de linguagens, mas isso não significa que as outras competências não
estejam igualmente relacionadas a tal componente curricular, ou que
essas deixem se relacionar com outras áreas.

Por fim, considerando a competência de número seis, é interessan-


te ressaltar que é nos anos finais que a escola pode contribuir com os
alunos no sentido de iniciar um delineamento de projeto de vida com
os estudantes, com vista a colaborar com o surgimento de novas ex-
pectativas e ajudá-los a criarem estratégias específicas.

6.3 A BNCC de Língua Portuguesa


no ensino médio
O ensino médio compreende a etapa final da educação básica.
Videoaula
Essa etapa apresenta alguns problemas relevantes, como: evasão es-
colar, analfabetismo funcional, despreparo de professores para lidar
com a vida do estudante nesse período. Desse modo, os alunos, ao
acessarem o ensino médio, acabam ficando desmotivados e desinte-
ressados no processo de estudo.

Prova disso é que Nogueira (2019), ao entrevistar Curiosidade


Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdis- O Iede é a instituição que
ciplinaridade e Evidências no Debate Educacional incentiva o uso de pesquisas em
tomadas de decisão, visando um
(Iede), se deparou com a situação levantada por ele
ensino de melhor qualidade e
de que o aluno, geralmente, na transição dos anos igualdade por todo o Brasil. Para
finais para o ensino médio se perde e ficamos sem isso, conta com uma equipe for-
mada por pesquisadores, jorna-
saber se o fracasso é de uma etapa ou de outra. listas, educadores e formuladores
Além disso, Martins sugere o fato de que deve de políticas públicas que sempre
estão pesquisando, debatendo,
ser papel da política pública, junto aos profissionais fomentando discussões.
da educação envolvidos no ensino médio, o traba-
lho para minimizar o abandono e a evasão escolar.
Esse diretor alerta também a importância de se acompanhar os resul-
tados de aprendizagem dos alunos e investimentos pedagógicos es-
pecíficos voltados ao processo de motivação, ensino e aprendizagem
(NOGUEIRA, 2019).

Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 93


Frente a esse cenário ainda não solucionado, a BNCC surgiu com o
intuito de promover uma verdadeira reforma no ensino médio, definin-
do competências e habilidades comuns para facilitar a aprendizagem
dos estudantes. Por isso, estabeleceu competências específicas e habi-
lidades para as quatro Áreas de Conhecimento: Linguagens e suas Tec-
nologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas
Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

Os itinerários formativos, que dividem os currículos do ensino mé-


dio junto à formação geral básica, trazem mais uma área consigo, que
é a de formação técnica e profissional. Itinerário formativo, então, é o
nome dado a uma parte do currículo do ensino médio que tem como
objetivo a consolidação da formação integral, o desenvolvimento de
habilidades, o aprofundamento de aprendizagens adquiridas nas eta-
pas anteriores e a promoção de valores universais.

Dentre as áreas enumeradas, ressaltaremos a área de Lingua-


gens, da qual faz parte o componente curricular Língua Portuguesa,
que, com outros componentes, também atende à preocupação de
entender a juventude na contemporaneidade, ajudando os jovens
na elaboração de projetos de vida e, consequentemente, no exercí-
cio verdadeiro da cidadania.

Dizemos verdadeiro, pois a expressão exercício da cidadania vem


sendo usada por muito tempo na educação, mas sem atender de fato
à necessidade dos estudantes, que é dar condições melhores de vida a
eles, por meio da garantia de estudos e, por consequência, empregos.
Podemos observar como, de fato, essa premissa não vinha sendo cum-
prida, ao repararmos na grande parcela de jovens no subemprego, por
não terem terminado a etapa do ensino médio e sem maiores expecta-
tivas para um futuro melhor.

De acordo com pesquisa divulgada no ano de 2019, feita pelo


Instituto de Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PnadC) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
mais da metade da população adulta, no Brasil, não possui o ensino
médio, o que significa, segundo o Jornal Gazeta do Povo, que “do
total de 133,7 milhões de brasileiros com 25 anos ou mais, 44,2 mi-
lhões (33,1%) não terminaram o ensino fundamental e 16,8 milhões
(12,5%) não haviam concluído o ensino médio em 2018. Além disso,
9,2 milhões (6,9%) não têm instrução formal” (NO BRASIL..., 2019).

94 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Diante desses dados, uma das preocupações da BNCC é capacitar Vídeo
o jovem para enfrentar o mundo do trabalho em um cenário mundial Assista ao vídeo A Etapa
do Ensino Médio na BNCC,
que se caracteriza por um lado pela dinamicidade e diversidade e, por
publicado pelo canal
outro lado, pela exigência cada vez maior de jovens autônomos que Movimento pela Base Cur-
ricular Comum, aprofunde
saibam tomar decisões de maneira responsável.
seus conhecimentos acer-
ca desse documento na
É para atender a essa necessidade de recriação do ensino que o com-
etapa do ensino médio e
ponente Língua Portuguesa se organiza na BNCC como uma continuidade acompanhe as principais
mudanças oportunizadas
daquilo que foi desenvolvido desde os anos iniciais, passando pelos anos
nesse documento.
finais e culminando no ensino médio. Assim, o foco da área de linguagens Disponível em: https://www.
está na ampliação da autonomia, do protagonismo e da autoria youtube.com/watch?v=-
-t_QkKzC1L4. Acesso em: 14
nas práticas de diferentes linguagens; na identificação e na crí-
fev. 2020.
tica aos diferentes usos das linguagens, explicitando seu poder
no estabelecimento de relações; na apreciação e na participação
em diversas manifestações artísticas e culturais; e no uso criativo
das diversas mídias. (BRASIL, 2018, p. 471)

Para alcançar esses objetivos, a Língua Portuguesa deve estar pre-


sente nos três anos do ensino médio e deve possibilitar vivências dos
alunos com a prática de linguagens de modo mais intenso do que nas
etapas anteriores. Uma boa possibilidade para isso é aproximar cada
vez mais os alunos de uma vida acadêmica, ou seja, permitir a inves-
tigação de temas e a exploração de significados das mais diferentes
linguagens, com base em planejamento de ações e auto-organização, a
fim de se alcançar metas definidas por eles próprios.

Do mesmo jeito que nas outras etapas, essas ações podem ser fa-
cilitadas pelo uso das tecnologias, as quais, no ensino médio, também
devem ser aprofundadas no domínio, cada vez mais por parte dos alu-
nos e dos professores, afinal é fundamental que os professores saibam
transitar por entre as mais diferentes tecnologias digitais, na mesma
proporção do aluno ou até mais, para que possam fazer mediações
efetivas e garantir o avanço deles.

O letramento e o multiletramento também devem estar presentes


no ensino da língua portuguesa, em atividades que promovam o apro-
fundamento de análises da utilização de linguagens e no alargamento
de reconhecimento estético, ético e político.

Para exemplificar esses aspectos, podemos pensar que diante de


um texto sobre direitos dos animais, os alunos podem analisar a com-
binação de elementos linguísticos que promovem determinado sentido

Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 95


ao texto, frente aos quais eles podem se posicionar de maneira crítica,
sem demonstrarem discursos de ódio, mas de maneira ética e política,
isto é, mesmo aquele indivíduo que não goste de animais não deve,
por isso, decretar morte a todos eles, pelo contrário, deve ser ensinado
pelo professor a posicionar-se com respeito, discursando afirmações
Atividade 3 que expressem algo como “não gosto de animais, mas nem por isso
eles devem ser submetidos a testes cruéis” ou “não é porque eu não
Crie e descreva uma atividade,
própria da área de Linguagens, me identifico com os animais, que eles não devam existir”.
para ser proposta em sala de
aula, a fim de desenvolver Entender o respeito às diferenças e aceitar a diversidade de vivên-
nos alunos o reconhecimento cias é o primeiro passo para que o aluno valorize, acolha e exerça sua
estético, ético e político. cidadania da melhor forma possível. E é nesse âmbito que o profissio-
nal da educação deve tirar proveito da BNCC e contribuir, enquanto
professor, com a efetivação de práticas ditas essenciais para a forma-
ção de caráter dos alunos e atuar de maneira uníssona pelo Brasil, pois
só assim contribuiremos com o avanço tanto na história da educação
quanto no processo de ensino e aprendizagem dos nossos alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Base Nacional Comum Curricular é um documento que apresenta
um conjunto de conhecimentos e habilidades, que giram em torno de dez
competências gerais e estimulam a prática interdisciplinar. Ela considera
a Língua Portuguesa como um componente curricular essencial para o
ensino de diferentes linguagens e objetiva que os alunos identifiquem a
dinamicidade e a transformação delas ao longo do tempo, por meio de
práticas de análise linguística.
Em qualquer que seja a prática de ensino e aprendizagem viabilizada
na escola, o uso de tecnologias da informação e comunicação é sempre
bem-vindo, desde que de maneira ética e reflexiva. Isso significa que se
deve evitar o uso de tecnologias como um meio de substituição de práti-
cas antigas do ensino da linguagem, pois deve ser adotado como meio de
reflexão e inovação.
Assim sendo, ensinar gramática não deve ser um mero exercício
de decorar conceitos linguísticos, mas de análise de contextos e de
uso de elementos que ajudem no processo de comunicação e, nesse
sentido, as tecnologias passam a ser uma ferramenta de auxílio, na
medida em que editores de texto, por exemplo, ajudam a identificar
erros de grafia e concordância.

96 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Finalmente, podemos observar que, dos anos finais ao ensino médio,
a ideia da BNCC é garantir o direito de aprendizagem dos alunos, contri-
buindo com os mais diferentes aspectos de letramento e multiletramento,
a fim de diminuir o número de analfabetos funcionais e aumentar a auto-
nomia dos estudantes frente a todo e qualquer tipo de texto.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2018.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_
versaofinal_site.pdf. Acesso em: 14 fev. 2020.
JOLIBERT, J.; SRAÏKI, C. Caminhos para aprender a ler e a escrever. São Paulo: Contexto, 2008.
LEVENTHAL, L. I. Inglês é teen. Barueri: DISAL, 2009.
NO BRASIL, mais da metade da população adulta não tem ensino médio. Gazeta do Povo,
Curitiba, 19 jun. 2019. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/no-brasil-
mais-da-metade-da-populacao-adulta-nao-tem-ensino-medio/. Acesso em: 14 fev. 2020.
NOGUEIRA, F. Defasagem do Ensino Médio vem do Ensino Fundamental 2. Nova Escola, São
Paulo, 25 set. 2019. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/18388/defasagem-
do-ensino-medio-vem-do-fundamental-2. Acesso em: 14 fev. 2020.
OLIVEIRA, Z. R. et al. Planejar práticas pedagógicas: princípios e critérios. In: OLIVEIRA, Z.R
(org). O trabalho do professor na educação infantil. São Paulo: Editora Biruta, 2012.
SILVA, Maurício. Um gramático na berlinda: as polêmicas em torno de Júlio Ribeiro e seus
estudos sobre a linguagem. Conhecimento Prático Língua Portuguesa, v. 01, p. 42-47, 2015.

GABARITO
1. Letramento diz respeito à prática da compreensão tanto daquilo que se faz quanto
daquilo que se está aprendendo. Já o multiletramento significa a presença de dife-
rentes vozes nos textos utilizados para compartilhar informações. Propiciar o desen-
volvimento dessas práticas na sala de aula contribui para que os alunos desenvolvam
criticidade, argumentação e compreensão de diferentes gêneros textuais.

2. Os campos são: artístico-literários, práticas de estudo e pesquisa,


jornalístico-midiático e atuação na vida pública. Em sala de aula, eles podem ser
viabilizados por meio do uso de diferentes gêneros textuais, os quais podem tran-
sitar entre diferentes campos ao mesmo tempo. Assim, a utilização de blogs, por
exemplo, pode estar dentro tanto do ensino do campo artístico-literário quanto do
jornalístico-midiático.

3. Pessoal. A partir do exemplo oferecido sobre o texto dos animais, o professor pode
fazer a mesma atividade com o uso de outros temas que estão acontecendo na
atualidade, por exemplo, epidemias, depressão nos jovens brasileiros etc. A partir
do tema determinado, o professor pode pedir aos alunos que façam uma pesquisa
sobre o assunto e produzam um podcast (uma espécie de programa de rádio grava-
do), simulando uma entrevista entre um entrevistador e um biólogo ou um médico
psiquiatra, por exemplo.

Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 97


7
Teoria e prática no ensino
de Língua Portuguesa
Lucienne Lautenschlager

Ensinar Língua Portuguesa é um desafio constante, e o objetivo


principal dos professores dessa disciplina deve ser o desenvolvi-
mento do ato de pensar diante de qualquer conteúdo – pensar
não só a respeito do conteúdo em si, mas também das habilidades
implicadas em seu aprendizado.
Assim, as atividades propostas aos alunos devem expandir as
possibilidades de uso da língua por meio das habilidades de fala,
escuta, escrita e leitura em diferentes situações discursivas, tendo
como unidade básica de ensino o texto como um meio de comuni-
cação. Precisamos salientar que não se trata de utilizar o texto como
mero pretexto para apresentar conteúdos da gramática normativa,
mas para ver os textos como manifestações linguísticas, ou seja, um
discurso produzido num dado momento histórico, com determina-
do fim e marcado pelas ideias da sociedade de uma época.
Livros didáticos de Língua Portuguesa devem contemplar, por-
tanto, o ensino da língua com atividades que permitam compreen-
der desde o mais simples até o mais complexo funcionamento da
linguagem, possibilitando a apropriação desses usos e fornecendo
elementos que desafiam o sujeito a pensar na língua por meios
digitais e não digitais.
Frente a isso, este capítulo procura validar estratégias para se
planejar atividades e avaliações em Língua Portuguesa, avaliar livros
didáticos e inserir o uso de novas tecnologias com propriedade.

98 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


7.1 Atividades e avaliações em
Videoaula Língua Portuguesa
Uma boa atividade de Língua Portuguesa é aquela que permite ao alu-
no reconhecer normas gramaticais, reproduzir frases desconectadas com
base em um modelo de aplicação dessas normas e utilizar o texto como
pretexto para se achar um adjetivo, um substantivo e, quem sabe, até um
verbo. Assustou-se? Ótimo, porque essa era mesmo a intenção.

Sabemos que apesar de durante anos essa ter sido a ideia defendida
de uma boa atividade de Língua Portuguesa, hoje tal método de ensino
não funciona mais. Os alunos da atualidade não têm mais paciência para
“seguir modelos” preestabelecidos pelo professor nem repetir conjuga-
ção de verbos, muito menos copiar textos da lousa.

Os discentes são dinâmicos, imediatistas, curiosos e, antes de tudo


isso, nativos da língua portuguesa e, como tais, interagem por meio dela
desde o seu primeiro dia de vida. Portanto, não cabe mais aprenderem
na teoria, e de maneira mecanizada, aquilo que já sabem na prática.

É preciso ir além! Significar linguagens com o próprio uso delas, per-


ceber a amplitude ou limitação das formas de comunicação e promo-
ver a interação, o compartilhamento e a colaboração de ideias.

Trabalhar em colaboração com os colegas não Curiosidade


pode ter um fim em si mesmo, mas deve apontar Você sabia? Existe um provérbio
para uma formação ética, que levaria os alunos a se chinês que relata o seguinte: se
dois homens, cada um carre-
realizarem enquanto cidadãos. Note que utilizamos
gando um pão, se encontrarem
as palavras cooperação e colaboração em vez do ter- e trocarem seus pães, cada um
mo troca, pois este implica cada aluno guardar uma continuará com um pão. Agora,
se cada um tem uma ideia e
ideia consigo e não muitas e, como sabemos, que compartilharem essas ideias,
nem sempre todos os alunos têm uma ideia naque- cada um vai embora com duas
le momento, naquela aula na qual se determinam ideias. Assim funciona na sala
de aula. O compartilhamento
discussões sobre determinado assunto, mas podem de ideias entre estudantes pode
chegar a várias ideias após conhecer o que seus co- ser de grande valia para o desen-
legas pensam. Por isso, dizemos que eles cooperam volvimento de todos.

ou colaboram uns com os outros.

Segundo Hargrove (2006, p. 25), “colaboração implica fazer alguma


coisa junto com outro”, e o ensino de Língua Portuguesa pode facilitar
tanto uma escrita quanto uma leitura colaborativa. O autor também

Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 99


evidencia que uma prática de colaboração que se diga criativa necessi-
ta de quatro cuidados: o envolvimento de diferentes visões e perspec-
tivas; o estabelecimento de objetivos comuns para um mesmo grupo; a
definição de metas em conjunto; e a criação de novos valores.

Partindo desses princípios, vamos pensar como um professor


pode elaborar uma atividade de Língua Portuguesa garantindo uma
sequência didática de valor, composta de atividades de linguagem, as
quais Schneuwly e Dolz (1999) denominam como sistema de ações, no
qual os alunos, vivenciando e analisando situações de comunicação,
podem ser capazes de atribuir práticas sociais aos indivíduos vistos
dentro de uma zona de cooperação.

Para compor esse sistema de ações, é importante que o professor,


primeiramente, determine qual habilidade ele objetiva desenvolver
nos alunos e, para determinar essas habilidades, conheça bem a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC).

Estabelecido o caminho que se quer, o professor pode continuar


a planejar sua atividade, chegando ao segundo passo, que pode ser a
apresentação de uma charge, por exemplo, promovendo uma roda de
conversa, a fim de diagnosticar o que os alunos já sabem sobre os efei-
tos de sentido desse gênero textual e o que precisa ser aprofundado.

Para vermos como isso pode acontecer na prática, observe a charge


a seguir (Figura 1).

Iesde
Figura 1
Charge: País (pais) sem Menina, me dá
controle. esse controle aqui!

Este país está sem


controle.

Após a leitura da charge, o professor pode fazer as seguintes


perguntas:

100 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


•• Qual é a linguagem verbal contida nesse texto?
•• Você conhece algum texto semelhante a esse?
•• Você sabe em quais meios de comunicação esse gênero textual
costuma circular?
•• Que crítica a charge está apresentando?

Com essas perguntas, conseguiríamos diagnosticar o que os alu-


nos já sabem para, então, avançar com eles no desenvolvimento da
habilidade EF69LP03, da BNCC (BRASIL, 2017) para os anos finais,
que determina a apreensão dos sentidos globais de um texto, in-
cluindo a perspectiva de abordagens em charges e memes, identifi-
cando a crítica por meio do humor ou da ironia.

O principal objetivo na prática dessa habilidade é possibilitar aos


alunos que possam interpretar qualquer texto com mais precisão e
dinamicidade, por meio do reconhecimento de efeitos de humor e
ironia, com mais prática e sagacidade, haja vista que gêneros humo-
rísticos e/ou irônicos exigem do leitor dinamicidade, além de certa
maturidade. Ensinar a interpretar o tipo de humor que aparece em
charges ou cartoons é relevante porque são gêneros discursivos que
revelam manifestações ideológicas, veiculam um discurso velado e
funcionam, muitas vezes, na base de estereótipos. Logo, como afirma
Possenti (1998), quando uma pessoa pretende descobrir os proble-
mas com os quais uma sociedade está envolvida, uma coleção de tex-
tos humorísticos pode fornecer uma excelente pista.

Para descobrir ou reforçar a situação apresentada na charge, o pro-


fessor pode planejar, para um segundo momento da atividade, a busca
e a análise, pelos alunos, da combinação de elementos linguísticos que
provocam o efeito de sentido nesse texto. A charge apresenta tanto
elementos verbais quanto não verbais que se combinam e culminam
na polissemia da palavra controle, a qual toma para si não só o sentido
de dispositivo destinado a monitorar algum equipamento, no caso, a
televisão, como também poder, domínio ou monitoramento de alguma
autoridade sobre algo.

Logo, a crítica nesse texto é formada pelo humor que pretende de-
nunciar um fato econômico de que recursos básicos sobem de preço
demasiadamente, sem pensar em pessoas que não têm condições sufi-
cientes para mantê-los. Assim, essa alta de preços “foge do controle” do
consumidor. Além disso, mesmo aquele cidadão que tem suas contas

Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 101


em dia e possibilidade de pagar também sofre com as altas de preços,
haja vista que o seu controle orçamentário também é afetado.

Observe que essa charge ainda faz alusão a três fatos que são bas-
tante corriqueiros dentro de uma casa: a perda de um controle re-
moto, seja ele de uma televisão, de um aparelho de DVD ou de outro
equipamento qualquer; a falta de controle dos pais sobre seus filhos,
o que também acaba sendo um problema social; e o descontamento
de uma população, frente aos problemas enfrentados pela sociedade.
Diante disso, fazemos, na charge, a leitura da perda do controle físico,
do controle dos pais sobre as crianças e do controle do país, pelos
fatos noticiados na TV.
Leitura A terceira parte dessa atividade pode ser planejada com o objetivo
A dissertação A charge – de o aluno analisar a relação entre textos, prática esta que exige um
funcionamento e efeitos
de sentido em atividades
conhecimento maior de mundo, além de facilitar a análise de contex-
escolares: leitura, pesquisa tos de produção de discursos, o que significa buscar pistas acerca dos
e produção textual pode
lhe ajudar a saber mais
motivos que levaram àquela produção, os quais podem ser de cunho
sobre como analisar efeitos político, esportivo, educacional, familiar etc. Enfim, há uma gama de
de sentido em charges, a
forma de funcionamento
situações que podem levar um colunista ou um autor a reproduzir de-
delas e como propiciar terminados tipos de conteúdo.
reflexões por parte dos alu-
nos frente às características Existe uma foto que, aproximadamente entre os anos de 2017 e 2019,
desse gênero textual.
viralizou nas redes sociais, intitulada “a melhor selfie do mundo”, e con-
DAGOSTIM, C. G. Tubarão, 2009. 113f.
siste em duas crianças pequenas, com roupas “surradas”, uma descalça
Dissertação (Mestrado em Ciências
da Linguagem) - Universidade do e a outra com um chinelo simples, fazendo de conta que estão tirando
Sul de Santa Catarina. Disponível em:
uma selfie. O problema é que ao invés de estar segurando um celular ou
http://www.dominiopublico.gov.
br/download/texto/cp127191.pdf. qualquer outro dispositivo digital, uma das crianças está segurando um
Acesso em: 14 jan. 2020.
chinelo com a sola voltada para si.

Em um primeiro momento, considerando essa simples descrição,


poderemos até pensar que é uma cena normal, tendo em vista o fato
de que crianças têm bastante imaginação e brincam de faz de conta o
tempo todo, de modo que estojos podem virar carros e lápis podem
ser aviões. Mas, ao nos aprofundarmos no contexto da foto citada e
retirarmos contextos de produção, fica nítido que o que está sendo
retratado são crianças de famílias de baixo ou até mesmo nenhum po-
der aquisitivo e que, por terem vontade de tirar uma selfie, utilizam o
chinelo fazendo de conta que é um celular, reproduzindo um compor-
tamento social do qual não têm acesso, mas queriam ter.

102 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Essa interpretação é possível ao se observar o chão batido no qual
estão e a cortina antiga que faz pano de fundo, compondo um cenário
bastante significativo, no tocante à condição social desses meninos, os
quais também podemos supor que são irmãos.

Relacionando a primeira charge com essa foto, podemos concluir


que, ainda hoje, muitas pessoas não têm o mínimo acesso à internet,
e podemos nos posicionar criticamente em relação a esses textos, os
quais informam, de maneiras diferentes, um mesmo assunto: o primei-
ro evidencia esse fato social por meio de um humor e o segundo por
meio de uma foto, sem o mínimo tom de humor, mas que ganha a mes-
ma força de denúncia social, devido ao contexto de produção.

Avaliar em Língua Portuguesa, portanto, é ir além de um simples


reconhecimento de linguagem verbal, não verbal, de elementos gra-
maticais ou de uma simples produção de texto que surja de um tema.
Na verdade, significa dar aos alunos subsídios para que eles possam
interpretar aspectos culturais, sociais e históricos partindo do uso da
linguagem, com a finalidade não só de utilizar conhecimentos prévios
estabelecidos ao longo de sua vida mas, também, ampliá-los para além
de sua realidade imediata vivida na escola, em casa ou na rua.

Logo, são as possibilidades oferecidas pelo professor de Língua Portu-


guesa ou da área de linguagens que levarão ou não os estudantes a forma-
rem opiniões com base sólida, a fim de que eles construam um retrato cada
vez melhor dos valores, de modo ético, para poderem agir sobre proble-
Atividade 1
mas sociais de maneira mais justa, com menos “achismos” e mais certezas.
Comente por que avaliar em
Importante ressaltar que essa forma de atividade e avaliação é apenas Língua Portuguesa vai além
uma dentre muitas possíveis, já que é sempre relevante o professor buscar da identificação de elementos
maneiras de leitura, interpretação, produção e avaliação de acordo com os linguísticos em um texto e
exemplifique duas ações imbri-
temas e gêneros textuais a serem trabalhados ao longo de um ano letivo cadas no processo avaliativo.
ou um segmento educacional – anos iniciais ou finais, por exemplo.

7.2 Como avaliar um livro didático?


Videoaula Nos últimos anos, o mercado de livros didáticos cresceu muito. A
cada dia, profissionais da educação são abordados por inúmeras edi-
toras, as quais possuem uma variedade enorme de soluções didáticas,
que apresentam as mais diversas capas, organizações didáticas, mate-
riais de apoio e recursos de aprendizagem.

Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 103


Diante de tantas alternativas, é sempre difícil escolher que livro ou
recurso pode ajudar mais o professor e, consequentemente, o aluno
no processo de ensino e aprendizagem. Muitas vezes, podemos come-
ter o equívoco de nos deixar levar por uma capa colorida, atraente, que
1 1
já de cara oferece recursos como realidade aumentada , interativida-
Recurso que projeta objetos de e promete fazer milagres em sala de aula.
virtuais sobrepostos aos reais por
meio da utilização da câmera de Porém, escolher e analisar um livro didático não são tarefas tão
um dispositivo digital. simples como parecem e exigem critérios cada vez mais definidos e
um olhar atento aos mais diferentes recursos e pormenores que po-
dem existir em um sistema de ensino, um projeto educacional ou,
simplesmente, um livro sozinho. Diante disso, vamos abordar três as-
pectos primordiais que incidem diretamente na determinação de es-
colha de livros didáticos, os quais percebemos que, se não analisados
com rigor, podem esconder muitas incoerências entre o que o livro
promete ser e o que ele realmente é.

O primeiro aspecto, considerando a atualidade, é a verificação do


alinhamento das atividades do livro com a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), pois, se de um lado ela pretende ser um documento
normativo, por outro um livro didático ou um sistema de ensino deve
ser um aliado dentro da escola, facilitando o cumprimento dessas nor-
mas e até mesmo da prática delas.

Transformar os blocos de habilidades oferecidos pela BNCC em ati-


vidades funcionais de aprendizagem não é algo simples e muito menos
pode ser feito em um pequeno espaço de tempo, pois exige análise
constante e o fazer e o refazer do autor e editor até que se chegue em
um denominador comum que atenda àquela habilidade.

Citar a BNCC na capa de um livro, dissertar sobre ela em uma in-


trodução dedicada aos educadores ou até mesmo oferecer blogs com
explicações sobre a Base nem sempre é garantia de que o livro real-
mente atenda às expectativas do documento. É necessário apresen-
tar argumentos lógicos de acordo com os fundamentos pedagógicos
relacionados a ela.

Esses fundamentos indicam que as decisões pedagógicas devem


sempre estar voltadas ao desenvolvimento de competências e habi-
lidades, ou seja, partir da averiguação do que os alunos devem saber
e fazer. As ações devem ser propostas a fim de suprir “necessidades,

104 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


possibilidades e interesses dos estudantes, assim como suas identida-
des linguísticas, étnicas e culturais” (BRASIL, 2017, p. 15).

Apesar de o presente documento deixar claro que “as habilidades


não descrevem ações ou condutas esperadas do professor, nem indu-
zem a opção por abordagens ou metodologias” (BRASIL, 2017, p. 30),
encontramos, por todo o material, alusão aos novos desafios que as
escolas têm que cumprir frente às novas gerações, fazendo do discente
o protagonista de sua aprendizagem, promovendo um diálogo com a
diversidade e vivência deles, envolvendo dimensões culturais, sociais,
políticas, psicológicas e adotando uma organização curricular flexível,
que contribua com a transdisciplinaridade e que rompa de vez com a
ideia de centralidade de disciplinas.

Então, não nos parece, de verdade, que o documento não induza à


opção por abordagens ou metodologias, haja vista que adotando prá-
ticas mais tradicionais não conseguiríamos dar conta dessas e outras
necessidades apontadas pela BNCC. Isso porque esse tipo de prática
tem como característica centralizar o professor como o dono do saber,
excluindo o aluno de uma posição de protagonista e, também, mar-
cando uma divisão exata de disciplinas, de modo a dar nenhuma ou
mínima margem à inter ou transdisciplinaridade.

Logo, propomos a observação da concepção pedagógica como se-


gundo aspecto a ser analisado em um livro didático, pois, como apon-
tamos, há sim concepções pedagógicas que se encaixam mais às ideias
e aos alertas do processo de ensino e aprendizagem requeridos pela
BNCC, dando mais coerência às atividades e aos processos pedagógicos.

O interacionismo e o humanismo se relacionam com as ideias con-


tidas na BNCC, o que nos faz crer que livros didáticos que atendam a
essas concepções são mais úteis como instrumentos de ensino.

A primeira concepção tem como autores principais Piaget, Wallon e


Vygotsky, os quais defendem que, ao compartilhar ideias entre as pes- Atividade 2
soas, o indivíduo acessa funções sociais superiores, criando conceitos Explique a importância de
novos e, portanto, aprendendo. Já a segunda tem como autores pre- um livro didático atender às
concepções interacionista e hu-
cursores Rogers e Maslow, que defendem o aluno como figura central
manista no processo de ensino e
no processo de ensino e aprendizagem, além do respeito à individuali- aprendizagem.
dade do sujeito e à busca pelas suas realizações pessoais.

Vale a ressalva de que a maioria dos livros didáticos não é purista


em uma ou outra concepção, mas em várias delas, mesclando, inclusi-

Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 105


ve, o tradicional, que é uma concepção defensora da transmissão do
saber do professor para o aluno. Ou seja, o aluno é entendido como
um ser passivo, que só vai recebendo o conhecimento do professor,
este que é considerado o detentor do saber. O problema é quando a
apresentação do livro o expõe como sendo apenas interacionista, en-
quanto o tradicional, que sequer é mencionado, aparece em mais de
cinquenta por cento do total de suas páginas. Isso concorre com a in-
coerência do livro, que acaba passando uma impressão de não ter sido
revisto, ou, então, com a imprecisão de quem o escreveu.

Ter cuidado com termos e nomenclaturas de âmbito pedagógico é


essencial. Se um livro didático se define interacionista, mas traz termos
como sociointeracionismo, ao invés de interacionismo, e atividades
para que o aluno copie trechos de um texto sem propósito algum ou
meramente gramatical, como “leia as frases e troque as palavras grifa-
das por sinônimos, antônimos, diminutivos ou aumentativos”, não se
iluda, esse material possui incoerências pedagógicas.

Atividades de cunho meramente classificatório ou conceitual dian-


te de enunciados como “sublinhe os substantivos”, “quantos verbos
aparecem no texto?”, “quais sinais de pontuação aparecem no texto?”
ou “que sinais de pontuação o autor utilizou para introduzir falas?”
são atividades puramente mecânicas, que vão contra as concepções
interacionista ou humanista.

Propostas de produção de texto que se atêm mais ao uso de as-


pectos gramaticais do que discursivos também devem ser criticadas,
já que o foco de uma produção textual deve estar em aspectos discur-
sivos, ou seja, na definição de para quem se escreve, de que modo e
o que se pretende comunicar.

Logo, não é aconselhável o uso de livros que contêm propostas de


produções que colocam comandos como “utilize verbos de tal modo
para introduzir um parágrafo” ou que já estabelecem aquilo que é para
ser dito e de que forma. É preferível dar preferência a livros que permi-
tam a construção desses elementos pelo autor.

Outro aspecto a ser verificado é o favorecimento de atividades que


permitam aos alunos conexões e ir além do que está sendo ensinado,
seja no campo conceitual ou no campo prático, isto é, desde a definição
de algo até a compreensão desse objeto, pois um livro didático deve in-
centivar o levantamento do conhecimento prévio de alunos, mas tam-

106 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


bém acrescentar novas informações, a fim de provocar o surgimento
de novos pensamentos e conhecimentos.

É lógico que a articulação desses conhecimentos deve se dar na


ação do professor, que deve agir como mediador entre livro e alunos,
sendo o principal responsável pela aprendizagem da turma. Porém, se
o docente não contar com bons instrumentos de trabalho, correrá o
risco de continuar propagando exercícios mecânicos que farão com
que os alunos se tornem apenas reprodutores, ao invés de produtores
de conhecimento.

Nesse aspecto, livros que trazem o uso das chamadas metodologias


ativas ganham um valor a mais no processo de análise, já que elas pres-
supõem atividade, e não passividade, além de questionarem o papel
do professor na posição central do processo de ensino, inserindo mui-
to mais o aluno como protagonista de sua própria aprendizagem. De
acordo com Mattar (2017), as metodologias ativas contribuem com o
uso da tecnologia, pois, ao optar por esse tipo de procedimento, é im-
portante que se construa um ambiente voltado aos jovens digitais, pau-
tado na colaboração, na criatividade, no pensamento computacional,
na resolução de problemas e na capacidade de articulações.

Portanto, livros didáticos que promovem atividades por dispositi-


vos digitais também são valiosos, mas não podemos considerar como
efetivo uso apenas a solicitação de uma pesquisa por meio desses me-
canismos ou a utilização de uma plataforma que seja adjunta ao livro e
funcione como uma substituição do papel, pois o desenvolvimento de
uma cultura digital vai além disso, contribui com a fluência do uso de
dispositivos digitais, de modo contextualizado e crítico.

Por fim, é importante estarmos atentos ao fato de que muitos livros


didáticos, por vezes, prometem tudo isso, mas, na efetividade, só tra-
zem um texto voltado ao professor, ou na introdução desse livro, que
passa, então, a ser sinônimo de uma promessa mas não de um cumpri-
mento real. Por isso, é preciso analisar, fazer comparações entre livros
e recursos oferecidos e, também, confrontar a parte teórica com a par-
te prática (atividades) para saber se realmente é real o que está posto
ali ou se está apenas fingindo cumprir o que os documentos legais ou
as teorias pedagógicas propõem.

Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 107


7.3 Novas tecnologias e o ensino
Videoaula de Língua Portuguesa
Como vimos até aqui, para uma geração de alunos que vive
imersa em um mundo digital, o ensino utilizando as mais diferen-
tes ferramentas digitais serve como um estímulo para o estudo dos
componentes curriculares e o desenvolvimento de diferentes habili-
dades previstas pela BNCC. Recursos digitais permitem que as aulas
sejam exploradas de maneiras variadas e, por esse motivo, se tor-
nem mais atrativas aos alunos, mobilizando-os para a construção de
novos conhecimentos.

Assim como os estudantes de hoje em dia, o mundo digital é bas-


tante dinâmico. Atualizações são feitas em uma velocidade muito
grande e inovações aparecem a todo momento, portanto as propos-
tas planejadas no âmbito educacional também devem se atualizar
com mais frequência, a fim de serem integradas cada vez mais ao pro-
cesso de desenvolvimento de habilidades e competências dos alunos.

Utilizando ferramentas cada vez mais modernas, o professor pode


incrementar sua prática em sala de aula, dialogando com perspectivas
teóricas e repensando cada vez mais o ensino de Língua Portuguesa.
Da mesma forma que assistir a um filme ou ouvir a uma simples música
sofreu mudanças, as práticas educacionais também devem mudar, a
Vídeo fim de acompanhar o avanço tecnológico e atender ao principal público
Com o vídeo Especial Tec- de uma escola: os alunos.
nologia na Educação – Por
que usar tecnologia, pu- De nada adianta os estudantes estarem assistindo a filmes em
blicado pelo canal Porvir
Educação, você pode am-
telas gigantescas, nas televisões com inteligência artificial, interagin-
pliar seus conhecimentos do muitas vezes com os seriados que assistem, se na escola ficam
sobre a importância da
tecnologia na educação.
condenados a acompanhar aulas em videocassetes, ainda tendo
Assista a esse vídeo e que rebobinar fitas, e muito aquém de fazer parte de seu processo
veja recomendações
para atualizar a maneira
de aprendizagem.
que se ensina e que se
A escola não pode ser diferente da vida fora dela. Escola e socieda-
aprende por meio do uso
de recursos digitais. de devem se completar, visto que o que se aprende em uma deve ser
Disponível em: https://www.you- passível de se utilizar em outra. A utilidade de se desenvolver uma habi-
tube.com/watch?v=IzsHAiCvxR8.
lidade se dá quando um aluno consegue resolver problemas de ordem
Acesso em: 14 fev. 2020.
prática e aplicá-la na vida cotidiana.

108 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Ao considerarmos o componente curricular Língua Portuguesa, po-
demos encontrar na tecnologia digital a possibilidade de expor os alu-
nos a diferentes formas de comunicação, as quais podem ocorrer até
instantaneamente. Essa prática ajuda os discentes a utilizar linguagens
pertinentes a cada tipo de comunicação. Por exemplo, ao falar ao tele-
fone é exigido o desenvolvimento da linguagem oral, entretanto escre-
ver um e-mail ou uma mensagem de texto demanda o conhecimento
de uma linguagem mais formal, ou informal, e estratégias para se co-
municar algo de maneira mais objetiva ou subjetiva. Uma mensagem
de texto, pelo celular, pode demandar tanto uma quanto outra.

Assim sendo, em aulas de produção de texto, ao invés de utilizar a


velha caneta e a folha de papel, pode ser muito mais motivador escre-
ver textos nos editores de texto em tablets ou notebooks, aprendendo a
explorar recursos de ortografia, gramática e até sintaxe.

Com a utilização desses recursos, os alunos podem aprender de


maneira muito mais dinâmica, fazendo pesquisas, se necessário, para
complementar as aulas de produção textual e, inclusive, descobrir
modelos de textos no próprio Word, a fim de observar a combinação
de elementos linguísticos para a comunicação de determinados pro-
jetos de escrita.

Contrariando o que foi considerado como fato por muito tempo, Atividade 3
aparelhos tecnológicos devem fazer parte da sala de aula, visto que, Descreva três benefícios que o
uso da tecnologia pode trazer às
atualmente, é evidente o quanto eles podem auxiliar no processo de
aulas de Língua Portuguesa.
ensino e aprendizagem dos alunos, estes que estão cada vez mais
conectados à internet, obtendo informações e testando a praticidade
em ações de pesquisa, busca de informações, aquisição de novos co-
nhecimentos e aprendizado de novas linguagens, como a tecnológica
e a computacional.

Aproveitando desse conhecimento que os estudantes adquirem


muitas vezes sozinhos em frente a um tablet ou a um computador,
pode ser muito válido para o ensino e a aprendizagem de Língua Por-
tuguesa, à medida que podemos direcionar esses fazeres tecnológicos,
pois às vezes os alunos têm acesso a muitas informações, mas não pos-
suem critério para selecioná-las nem validá-las.

Logo, aliar o ensino da língua à prática da tecnologia pode estimular


o pensamento crítico, possibilitando aos discentes que transformem
pesquisas em instrumentos para resoluções de situações-problema.

Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 109


Na sala de aula

Observe, agora, a seguinte sugestão de atividade que pode ser exe-


cutada com os alunos dos anos iniciais e finais do ensino fundamental,
ou do ensino médio, desde que sejam feitas as adaptações necessárias,
a fim de trabalhar a ideia de multiletramento.

Atividade: Produção de uma videorreportagem.

O que é: A videorreportagem se refere ao ato de uma só pessoa atuar


como repórter e câmera. Ao mesmo tempo em que se entrevista alguém,
ou se fala sobre determinado objeto ou lugar, se vai filmando o que é mais
interessante, fazendo closes ou dinamizando o próprio vídeo com anima-
ções, imagens ou áudios. Esse recurso está sendo bastante utilizado, inclu-
sive em programas de televisão, para que um quadro apresentado tenha
mais movimento e pareça mais interativo aos receptores que acabam se
identificando com as caretas, as animações ou os sons.

O que fazer: O professor deve determinar um tema a ser pesquisa-


do pelos alunos – pode ser algo relacionado com saúde, animais ou meio
ambiente, por exemplo. É importante delimitar o tema o máximo possí-
vel. Se a escolha for saúde, o docente pode sugerir a pesquisa sobre uma
epidemia ou a prevenção de alguma doença, por exemplo. Em seguida, o
educador deve propor aos alunos que, em grupos, elaborem um roteiro
do vídeo, seguindo diretrizes como: onde filmar, quem entrevistar, no que
focar etc. Os discentes então devem determinar entre eles quem será o vi-
deorrepórter e quem serão os entrevistados e, até mesmo, os figurantes.

Após a filmagem, a proposta é que os próprios alunos utilizem apli-


cativos de edição de vídeos para cortar cenas e falas e inserir anima-
ções, sons ou cores que darão mais dinamicidade ao vídeo gravado.
Por fim, deve acontecer a socialização entre os alunos, apresentando
seus vídeos uns para os outros, para que, assim, sejam feitas anotações
pertinentes ao tema que está sendo ensinado. É importante ressaltar
que o momento de socialização já valerá como uma avaliação de si pró-
prio (autoavaliação) e entre os colegas, uma vez que estes podem ir
corrigindo, ampliando informações e dando dicas uns aos outros.

110 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Além de funcionar como uma avaliação, essa atividade também ser-
ve para que os alunos compreendam, utilizem e criem novas possibilida-
des de comunicação e disseminação de conhecimentos e informações.

Verificamos, portanto, que não é mais possível a resistência ao uso


de aparelhos digitais, pois em uma simples atividade, como a indica-
da, é possível personalizar a educação de acordo com as necessida-
des de nossos alunos.

Perceba que uma atividade como essa não precisaria nada mais do
que um celular ou um tablet, que são instrumentos, quase sempre, viáveis
na sala de aula. Assim, já não podemos mais estar alheios a esse tipo de
ensino nem impedir que a tecnologia ultrapasse os muros da escola.

Ao invés disso, temos que capacitar os estudantes para que façam


o melhor uso possível dessas ferramentas na busca pelas informa-
ções, evitando que eles só utilizem a tecnologia para lazer ou acompa-
nhamento de redes sociais. Tomando essas atitudes estaremos rumo
a uma educação de qualidade e preparando nossos alunos para as
profissões do futuro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É por meio da consideração de concepções pedagógicas, que qualifi-
quem o aluno como um ser ativo e interativo, e do uso de novas tecnologias
que podemos planejar uma atividade de linguagem e de avaliação, a fim
de desenvolver nos estudantes diferentes capacidades de análise de uso
de linguagens multissemióticas, com base na mobilização de modelos dis-
cursivos, com intenção de desenvolver as habilidades descritas na BNCC
(que objetivam o desenvolvimento de capacidades linguístico-discursivas).
Assim, considerando que o ensino de Língua Portuguesa deve corro-
borar para a formação de um sujeito que tenha à disposição mecanis-
mos cognitivos e linguísticos suficientes para a resolução de problemas
novos, o professor deve possibilitar ou avaliar livros didáticos com base
na apresentação de propostas que garantam o vínculo desse tipo de co-
nhecimento com situações cotidianas que conduzam a reflexões acerca
da estrutura linguística.

Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 111


Nessa perspectiva, o uso da tecnologia digital auxilia no ensino de
como os elementos linguísticos atuam no processo de construção de
sentido no texto, ou seja, sua materialidade linguística, promovendo um
trabalho dialógico com a leitura e a escrita, a fala e a escuta, à medida que
possibilita o contato com textos multimodais ou multissemióticos.

REFERÊNCIAS
BRASIL.  Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2017.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_
versaofinal_site.pdf. Acesso em: 14 fev. 2020.
HARGROVE, R. Colaboração Criativa. São Paulo: Cultrix, 2006.
MATTAR, J. Metodologias ativas: para a educação presencial, blended e a distância. São
Paulo: Artesanato Educacional, 2017.
POSSENTI, S. Os humores da língua: análises linguísticas de piadas. Campinas: Mercado de
Letras, 1998.
SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos
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1999. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/237513754_Os_generos_
escolares_Das_praticas_de_linguagem_aos_objetos_de_ensino. Acesso em: 14 fev. 2020.

GABARITO
1. Avaliar, no ensino de Língua Portuguesa, significa ser capaz de interpretar e relacionar
textos formando juízos de valor sobre determinado tema de maneira crítica e cons-
ciente. Dois aspectos que não podem faltar no processo de avaliação são a busca pelo
contexto de produção e a análise da intertextualidade, pelo fato de que ajudam a ver
um mesmo assunto por diferentes pontos de vista.

2. É importante que um livro atenda às concepções interacionista e humanista porque,


enquanto o interacionismo significa proporcionar aos alunos todo e qualquer tipo de
interação para facilitar a aprendizagem, Piaget e Vygotsky, os principais teóricos desse
assunto, reforçam a importância da construção de situações novas para que a inteli-
gência se desenvolva. O humanismo traz a ideia de que o aluno é o centro da intera-
ção e o professor é mediador de conhecimentos.

3. Pessoal. Espera-se que o estudante reconheça benefícios como: auxiliar na produção


textual, em aspectos gramaticais e ortográficos, dinamizar as aulas e motivar os alunos.

112 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa


Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6577-6

59148 9 788538 765776

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