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História para

vestibular medicina
5ª edição • São Paulo
2019

C H
2
CIÊNCIAS HUMANAS
HISTÓRIA
e suas tecnologias
Eduardo Antônio Dimas e Tiago Rozante
© Hexag Sistema de Ensino, 2018
Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2019
Todos os direitos reservados.

Autores
Eduardo Antônio Dimas
Tiago Rozante

Diretor geral
Herlan Fellini

Coordenador geral
Raphael de Souza Motta
Responsabilidade editorial, programação visual, revisão e pesquisa iconográfica
Hexag Sistema de Ensino

Diretor editorial
Pedro Tadeu Batista

Editoração eletrônica
Arthur Tahan Miguel Torres
Claudio Guilherme da Silva Souza
Eder Carlos Bastos de Lima
Fernando Cruz Botelho de Souza
Matheus Franco da Silveira
Raphael de Souza Motta
Raphael Campos Silva

Projeto gráfico e capa


Raphael Campos Silva

Foto da capa
pixabay (http://pixabay.com)

Impressão e acabamento
Meta Solutions

ISBN: 978-85-9542-141-7

Todas as citações de textos contidas neste livro didático estão de acordo com a legislação, tendo por fim único e exclusivo o
ensino. Caso exista algum texto, a respeito do qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à disposição
para o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforços para identificar e localizar os titulares dos direitos sobre
as imagens publicadas e estamos à disposição para suprir eventual omissão de crédito em futuras edições.
O material de publicidade e propaganda reproduzido nesta obra é usado apenas para fins didáticos, não representando qual-
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2019
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CARO ALUNO

O Hexag Medicina é referência em preparação pré-vestibular de candidatos à carreira de Medicina. Desde 2010, são centenas de aprovações nos
principais vestibulares de Medicina no Estado de São Paulo, Rio de Janeiro e em todo Brasil. O material didático foi, mais uma vez, aperfeiçoado e seu conteúdo
enriquecido, inclusive com questões recentes dos relevantes vestibulares de 2019.
Esteticamente, houve uma melhora em seu layout, na definição das imagens, criação de novas seções e também na utilização de cores.
No total, são 103 livros, 24 cadernos de Estudo Orientado e 6 cadernos de aula.
O conteúdo dos livros foi organizado por aulas. Cada assunto contém uma rica teoria, que contempla de forma objetiva e clara o que o aluno
realmente necessita assimilar para o seu êxito nos principais vestibulares do Brasil e Enem, dispensando qualquer tipo de material alternativo complementar.
Todo livro é iniciado por um infográfico. Esta seção, de forma simples, resumida e dinâmica, foi desenvolvida para indicação dos assuntos mais abordados nos
principais vestibulares, voltados para o curso de medicina em todo território nacional.
O conteúdo das aulas está dividido da seguinte forma:
TEORIA
Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos, de cada coleção, tem como principal objetivo apoiar o estudante na resolução de questões propos-
tas. Os textos dos livros são de fácil compreensão, completos e organizados. Além disso, contam com imagens ilustrativas que complementam as explicações
dadas em sala de aula. Quadros, mapas e organogramas, em cores nítidas, também são usados, e compõem um conjunto abrangente de informações para o
estudante, que vai dedicar-se à rotina intensa de estudos.
TEORIA NA PRÁTICA (EXEMPLOS)
Desenvolvida pensando nas disciplinas que fazem parte das Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias. Nesses
compilados nos deparamos com modelos de exercícios resolvidos e comentados, aquilo que parece abstrato e de difícil compreensão torna-se mais acessível
e de bom entendimento aos olhos do estudante.
Através dessas resoluções é possível rever a qualquer momento as explicações dadas em sala de aula.
INTERATIVIDADE
Trata-se do complemento às aulas abordadas. É desenvolvida uma seção que oferece uma cuidadosa seleção de conteúdos para complementar o
repertório do estudante. É dividido em boxes para facilitar a compreensão, com indicação de vídeos, sites, filmes, músicas e livros para o aprendizado do aluno.
Tudo isso é encontrado em subcategorias que facilitam o aprofundamento nos temas estudados. Há obras de arte, poemas, imagens, artigos e até sugestões
de aplicativos que facilitam os estudos, sendo conteúdos essenciais para ampliar as habilidades de análise e reflexão crítica. Tudo é selecionado com finos
critérios para apurar ainda mais o conhecimento do nosso estudante.
INTERDISCIPLINARIDADE
Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é elaborada, a cada aula, a seção interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares de
hoje não exigem mais dos candidatos apenas o puro conhecimento dos conteúdos de cada área, de cada matéria.
Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abrangem conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão, como biologia e química,
história e geografia, biologia e matemática, entre outros. Neste espaço, o estudante inicia o contato com essa realidade por meio de explicações que relacio-
nam a aula do dia com aulas de outras disciplinas e conteúdos de outros livros, sempre utilizando temas da atualidade. Assim, o estudante consegue entender
que cada disciplina não existe de forma isolada, mas sim, fazendo parte de uma grande engrenagem no mundo em que ele vive.
APLICAÇÃO NO COTIDIANO
Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico é o seu distanciamento da realidade cotidiana no desenvolver do dia a dia, dificultando o
contato daqueles que tentam apreender determinados conceitos e aprofundamento dos assuntos, para além da superficial memorização ou “decorebas” de
fórmulas ou regras. Para evitar bloqueios de aprendizagem com os conteúdos, foi desenvolvida a seção “Aplicação no Cotidiano”. Como o próprio nome já
aponta, há uma preocupação em levar aos nossos estudantes a clareza das relações entre aquilo que eles aprendem e aquilo que eles têm contato em seu
dia a dia.
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES
Elaborada pensando no Enem, e sabendo que a prova tem o objetivo de avaliar o desempenho ao fim da escolaridade básica, o estudante deve
conhecer as diversas habilidades e competências abordadas nas provas. Os livros da “Coleção vestibulares de Medicina” contêm, a cada aula, algumas dessas
habilidades. No compilado “Construção de Habilidades”, há o modelo de exercício que não é apenas resolvido, mas sim feito uma análise expositiva, descre-
vendo passo a passo e analisado à luz das habilidades estudadas no dia. Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a apurá-las na sua
prática, identificá-las na prova e resolver cada questão com tranquilidade.
ESTRUTURA CONCEITUAL
Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Geramos aos estudantes o máximo de recursos para orientá-los em suas trajetórias. Um deles
é a estrutura conceitual, para aqueles que aprendem visualmente a entender os conteúdos e processos por meio de esquemas cognitivos, mapas mentais e
fluxogramas. Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo da aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos principais conteúdos
ensinados no dia, o que facilita sua organização de estudos e até a resolução dos exercícios.
A edição 2019 foi elaborada com muito empenho e dedicação, oferecendo ao aluno um material moderno e completo, um grande aliado para o seu
sucesso nos vestibulares mais concorridos de Medicina.
Herlan Fellini
SUMÁRIO
HISTÓRIA
HISTÓRIA GERAL
Aulas 11 e 12: Reino Franco e a Igreja católica 7
Aulas 13 e 14: Sistema feudal 21
Aulas 15 e 16: Baixa Idade Média 35
Aulas 17 e 18: Renascimentos cultural e científico 53

HISTÓRIA DO BRASIL
Aulas 11 e 12: Crise do sistema colonial, revoltas nativistas e movimentos emancipacionistas 73
Aulas 13 e 14: Períodos Pombalino e Joanino 91
Aulas 15 e 16: Processos de independência do Brasil e da América espanhola 109
Aulas 17 e 18: Primeiro Reinado (1822-1831) 135
Abordagem de ALTA IDADE MÉDIA, BAIXA IDADE MÉDIA
e RENASCIMENTO nos principais vestibulares.

FUVEST
O vestibular da USP exige amplo conhecimento conceitual de seus candidatos. A prova apresenta
textos, mapas e obras de arte para estruturar suas questões. O aluno deve focar-se nos principais
eventos políticos e econômicos dos períodos abordados. É preciso dar atenção em como as
mudanças econômicas engendram novas realidades políticas e sociais.

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T U C AT U É um vestibular bastante sofisticado para tais assuntos. Obras de arte e fragmentos de proeminentes
historiadores constituem a base das questões. Interpretação de texto e de obras de arte é fundamental. A
“era dos extremos” (1870-1914) cai na UNESP com muita frequência. O aluno deve ater-se às principais
características sociológicas, políticas e econômicas do período.

UNICAMP
Tal vestibular recorre ao uso de textos e imagens em suas questões. O candidato deve ser atento em
suas interpretações. No geral, não exige profundidade conceitual, embora seja fundamental que o aluno
domine todos os principais eventos dos períodos estudados.

ENEM/UFMG/UFRJ
As questões são de caráter interpretativo. Textos de grandes intelectuais são expostos para a leitura dos
candidatos. No geral, a solução está contida no próprio enunciado, exigindo máxima atenção. É preciso,
contudo, centrar-se no período do entre guerras (1918-1939), pois é mais recorrente nessa prova.

UERJ
O vestibular da UERJ aborda questões de cunho interpretativo, principalmente em relação às obras
de arte, charges, filmes e fragmentos de textos acadêmicos. Procure conhecer os principais artistas e
intelectuais do período, suas obras e o contexto no qual elas foram criadas.
11 12
Reino Franco e
a Igreja católica

Competências Habilidades
1, 2, 3, 4, 5 e 6 1, 4, 5, 7, 8, 9, 11,
14, 15, 16,17, 18,
22 e 29

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-
H8
-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferen-
tes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favo-
recendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
Reino Franco
Povos bárbaros
A partir do século I da Era Cristã, os bárbaros passaram a ultrapassar as fronteiras romanas, inicialmente por
migrações pacíficas e, posteriormente, por meio de invasões militares, ocupando vastas regiões do Império Romano
do Ocidente, contribuindo significativamente para sua desintegração, uma vez que faltava a ela unidade política.
Rômulo Augústulo, último imperador romano, foi deposto, em 476, por Odoacro, líder hérulo que decretou
o fim do Império Romano do Ocidente, marco utilizado pelos historiadores para determinar o fim da Idade Antiga
e o início da Idade Média.
Invasões bárbaras no século V
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Ostrogodos
Hunos
Vândalos

Fonte: https://wikipedia.org/wiki/Invasões_bárbaras_da_península_Ibérica
Fonte: <https://wikipedia.org/wiki/Invasões_bárbaras_da_península_Ibérica>.

Os reinos bárbaros

Fonte: <28navegadores.blogspot.com.br/2013_04_01_archive.html>.
28navegadores.blogspot.com.br/2013_04_01_archive.html
O encontro entre romanos e bárbaros promoveu a fusão dos elementos característicos de suas culturas, bem
como possibilitou a constituição do sistema feudal.

9
À medida que os bárbaros ocupavam o Império Nesse período, um novo sistema econômico
Romano do Ocidente, formavam reinos que, de maneira estruturou-se – o sistema feudal –, com a ruralização
geral, não sobreviveram por muito tempo. Dessa forma, da economia e o fortalecimento das relações pesso-
saxões, visigodos, ostrogodos, alamanos, burgúndios e ais que ligavam o rei a seus guerreiros. A fidelidade
outros povos não resistiram às pressões externas e aca- pessoal ao rei, denominado suserano, era estabele-
baram dominados ou destruídos. Entre todos, os francos cida mediante juramento de vassalagem, segundo o
foram os que conseguiram se estruturar politicamente, qual os guerreiros assumiam o compromisso de servir
ocupando a região da Gália e organizando um reino ao soberano, fornecendo apoio militar e contribui-
durante o período que se convencionou chamar de Alta ções econômicas, pois eram seus vassalos. Em troca,
Idade Média europeia. Esse reino formou-se e expan- o soberano oferecia proteção e terras ou outros bens,
diu-se sob o governo das dinastias Merovíngia, entre os mediante doação de “beneficio”.
séculos V a VIII, e Carolíngia, nos séculos VIII a X. As constantes doações de terra e o fato de os
nobres disporem de um exército fortaleceram os pode-
Dinastia Merovíngia (481-751) res locais dos senhores e acabaram por enfraquecer o
poder dos monarcas merovíngios.
Originárias do vale do rio Reno, as tribos fran- Nesse período, ocorreu também o fortaleci-
cas estabeleceram-se na Gália (França). Os francos mento de funcionários reais que mantinham o contato
eram um dos povos bárbaros de origem germânica direto com os nobres vassalos reais, os majordomus
que invadiram o Império Romano do Ocidente ao lon- (mordomos do paço ou prefeitos do palácio). Oriun-
go dos séculos IV e V. dos de famílias nobres, os majordomus passaram a ter
o poder de fato. Comandavam o exército real, admi-
nistravam a divisão de terras e a coleta de impostos,
unindo em torno de si a nobreza. Os reis tinham fun-
ções meramente cerimoniais.
Pepino de Heristal, majordomus do Reino da
Austrásia, conseguiu submeter os outros majordomus,
Disponível em: <http://viticodevagamundo.blogspot.com.br>

promovendo a centralização do Reino Franco. Mas foi


somente com seu sucessor, Carlos Martel, que os major-
Carlos Martel na Batalha de Poitiers. Charles Steubem (1788-1856) domus passaram a ser considerados reis.
Carlos Martel conquistou prestígio e poder ao
Chefiados por Meroveu, venceram os hunos liderar os francos na vitória contra os muçulmanos na
no final do século V, na Batalha dos Campos Cata- Batalha de Poitiers, na França, no ano de 732, con-
lúnicos. Mas a dinastia Merovíngia foi consolidada, tendo o avanço islâmico sobre a Europa ocidental.
efetivamente, por seu neto, Clóvis, partir da unifi- Ao ser considerado pela Santa Sé como o
cação das tribos francas. Clovis reinou durante os “salvador do cristianismo ocidental”, Carlos Martel
anos de 482 a 511. Nesse período, aliou-se à Igreja fortaleceu sua autoridade pessoal, fato aproveitado por
Católica, oferecendo-lhe proteção militar; em troca, seu filho Pepino, o Breve, que, com o apoio do papa
obteve o apoio do papado, o que contribuiu para o Zacarias, destronou o último rei merovíngio Childerico
fortalecimento da sua autoridade real, tornando efe- III, no ano de 751, e proclamou-se rei dos francos,
tiva a unificação da Gália e a expansão territorial do iniciando a Dinastia Carolíngia, que perdurou até 987.
reino. Com a morte de Clóvis, em 511, o Reino Fran-
co foi dividido em quatro partes, entre seus filhos,
de acordo com o costume germânico de divisão do
poder. Mais tarde, uma nova divisão ocorreu entre os
netos de Clóvis.

10
Dinastia Carolíngia (751-987) franco, anexando a Itália lombarda, a Saxônia, a Frísia e
a Catalunha, tornando-se o único rei da Europa cristã.
Pepino, o Breve, destronou o rei merovíngio,

© Louis-Félix Amiel/Wikimedia Commons


sendo reconhecido como o novo rei dos Francos e sa-
grado pelo papa Estevão II, em 754. O reconhecimento
e a aprovação da Igreja possibilitaram a Pepino inaugu-
rar uma nova dinastia, conhecida como Dinastia Caro-
língia (reinou de 751 a 768).
Pepino iniciou a administração de seu reinado
lutando contra os lombardos na Itália. Os territórios que
tomou dos lombardos, no centro da península Itálica,
foram cedidos à Igreja, que formou pela primeira vez
seu território, aumentando muito o poder do papa, for-
talecendo ainda mais a aliança entre a Igreja e o Reino
Franco. Os territórios da Igreja ficaram conhecidos como
Carlos Magno
o Patrimônio de São Pedro.
A expansão foi favorecida pelo apoio da Igreja e
O reinado de Carlos Magno e o da nobreza guerreira, que ganhava terras como prêmio
Império Carolíngio (768-814) por sua participação nas guerras de conquista. O reino
de Carlos Magno tornou-se o maior Império Ocidental,
Pepino foi sucedido por seu filho Carlos Mag- durante o Período Medieval, com a conquista de antigos
no, em 768, que governou até 814, tornando-se o mais domínios romanos. No Natal do ano 800, Carlos Magno
importante rei franco, concedendo seu nome à dinastia foi coroado pelo papa Leão III, imperador do Império
Carolíngia. Carlos Magno ampliou as fronteiras do reino Romano do Ocidente.

Ascensão do Império Franco

Território franco em 481


Conquistas de Clóvis (481-511)
Conquistas entre 531-614
810
Consquistas entre 714-768
Abroditas Vístu
Conquistas de Carlos Magno (768-814) la
734
Territórios dependentes FRÍSIA SAXÔNIA
777-797
Weser

Oder
Croatas Povos tributários à Carlos Magno Veletos
Süntel
Reino de Siágrio em 486 Reno 782
El
ba

Reino Visigodo de Tolosa em 507 531


Sorábios
TU

Fronteiras do império em 814 Tournai Colônia


osa
R

Fulda
M Aquisgrano 805
ÍN

Tertry
Tchecos
G

AUSTRÁSIA
IA

Soisson
486 Metz
774
Ratisbona
Morávios
Paris Reims SUÁBIA
Estrasburgo
Bretões NÊUSTRIA 502 bio
nú BAVÁRIA
Sena Da
Danúbio

486
Líger
Reno 788 Salzburgo
Nantes Tours 788
Inn
Ávaros
Autun 536 CARÍNTIA 796
Vouillé 532

Poitiers
507 BORGONHA
Genebra
Lyon
AQUITÂNIA Milão
507 Pavia Veneza
Croatas
Ródano


533
Bórdeus
REINO Ravena Sérvios
Ga
ron
531 a 531
LOMBARDO
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GASCONHA PROVENÇA
AN

Roncesvales Toulouse 774


IM

778 536
PT
SE

MAR Spoleto
CA E 759
SPA
NHO
Eb
ro LA 778 Córsegos Roma
812 Barcelona

Fonte: <htpps://wikipedia.org/wiki/Francos>.
Fonte: https://wikipedia.org/wiki/Francos

11
Carlos Magno não instituiu uma capital fixa para Em 806, Carlos Magno fez seu testamento divi-
seu império, tomando as decisões do local onde estavam dindo o Império entre seus filhos, conforme o costume
o imperador e sua corte. Com o intuito de estabelecer sucessório germânico, mas acabou sendo sucedido por
normas que promovessem a homogeneidade político- seu filho mais novo, Luís I, o Piedoso, que governou
-administrativa e, ao mesmo tempo, fossem cumpridas de 814 a 841, mantendo o Império e a estrutura políti-
por todos os habitantes dos seus domínios, Carlos Mag- co-administrativa herdada do pai.
no emitiu uma série de decretos, que, posteriormente, A decadência do Império Carolíngio teve início
foram reunidos nas leis capitulares. após a morte de Luís I, em 841, quando se iniciou um
Em virtude da extensão de seus domínios, Carlos conflito entre seus filhos pelo trono. Lotário, Carlos e
Magno os dividiu em áreas administrativas chamadas Luís travaram várias batalhas, arruinando as finanças e
condados e marcas. As primeiras correspondiam aos enfraquecendo militarmente o império.
territórios do interior sob comando de condes, cujas Em 843, a disputa foi solucionada com assinatu-
funções primordiais eram produtivas. Os territórios de ra do Tratado de Verdun, que estabeleceu a divisão
fronteira eram chamados de marcas e ficavam a cargo do império entre os netos de Carlos Magno: Lotário re-
dos marqueses, cuja função primordial era a defesa do cebeu a Lotaríngia, que correspondia aos Países Baixos,
império. Em ambas as áreas, os administradores eram Suíça e Norte da Itália; a Luis, o Germânico, coube a
responsáveis pela aplicação das leis capitulares e pela parte oriental do Império (Germânia); e a Carlos, O Cal-
vo, coube o território da França. O Tratado de Verdun
arrecadação de impostos.
marcou, segundo as divisões dos períodos da História, o
Tanto os condados como as marcas eram fiscali-
final da Alta Idade Média.
zados pelos missi dominici (mensageiros reais), nobres
A quebra da unidade política e o enfraquecimen-
da confiança do imperador que zelavam pela aplicação
to militar favoreceram as invasões externas – magiares,
das decisões emanadas do poder real, conforme estabe-
árabes e vikings –, levando ao declínio o Império Franco.
lecidas nas leis capitulares.

Divisão do Império Carolíngio pelo


Tratado de Verdum (843) Igreja católica medieval
HIBÉRNIA
MAR
DO NORTE
Hamburgo
O poder da Igreja
BRITÂNIA Fulda
Aix-la-Chapelle FRANÇA A Igreja católica foi a grande catalisadora dos
ORIENTAL
Verdun Ratisbona acontecimentos e da vida medieval; ao mesmo tempo,
Paris
Estrasburgo
Salzburgo durante esse período, sua trajetória foi marcada pelo
OCEÂNO FRANÇA
ATLÂNTICO
OCIDENTAL
Lyon
ESTADOS
crescimento e desenvolvimento e pelo grande poder
Milão
DA IGREJA que conquistou. A Igreja passou a exercer importante
Bordéus
Spoleto
Toulouse
Córsega
papel em diversos setores da vida medieval, servindo
ESPANHA Roma
Barcelona como instrumento de unidade, em virtude das invasões
Sardenha
Parte de Carlos, o Calvo germânicas e da destruição do Império Romano e, mais
MAR
Parte de Lotário Sícilia
Parte de Lúis, o Germânico
MEDITERRÂNEO tarde, diante da fragmentação político-administrativa
da sociedade feudal.
Fonte: prof-tathy.blogspot.com.br/2009/10/os-francos.html
Fonte: <prof-tathy.blogspot.com.br/2009/10/os-francos.html>.
O crescente poder da Igreja católica na Europa
ocidental, durante a Idade Média, pode ser explicado
O governo de Carlos Magno também foi marca- pelo acúmulo dos poderes espiritual e temporal. O po-
do pelo estímulo imperial ao desenvolvimento cultural. der espiritual corresponde ao controle sobre a religião e
Ocorreu um grande incentivo à cultura e às artes, quando o monopólio da interpretação das Escrituras Sagradas,
houve um florescimento cultural e intelectual do império, permitindo o controle ideológico e a interpretação da
denominado como o Renascimento Carolíngio. realidade vigente. O poder temporal era exercido politi-

12
camente como resultado do controle da Igreja sobre um domínio da Igreja Católica Medieval foi a criação do
número crescente de populações que a alimentavam Tribunal da Santa Inquisição, em 1231, pelo papa
mediante pagamento dos dízimos, de doações e outras Gregório IX. A principal função do Tribunal era julgar e
ações de fiéis que acreditavam poder obter a salvação punir as heresias – contestações aos dogmas católicos.
abrindo mão de recursos materiais. As penas variavam de simples penitências ao confisco de
bens, além da excomunhão, torturas e morte na fogueira.
© Virgil Master/Wikimedia Commons

A dor e o sofrimento eram apontados como


formas de aproximação com o sacrifício de Jesus, bem
como poderiam estimular o arrependimento e o clamor
pela misericórdia divina.
É importante lembrar de que a Inquisição
continuou viva na Idade Moderna como um importante
instrumento de dominação político e manutenção do
poder instituído.

Organização do clero
A Igreja contava com uma rígida organização
Templários condenados à fogueira pela Santa Inquisição hierárquica. Havia o alto clero e o baixo clero; este
era composto de elementos vindos das camadas mais
A Igreja concentrava, ainda, uma grande pobres da sociedade; aquele, ligado à aristocracia,
quantidade de terras em suas mãos, resultando na detinha os cargos de direção, dele faziam parte o papa,
acumulação de um montante significativo de riquezas os bispos, os abades etc.
materiais. Detinha, também, o controle da vida dos
Clero regular
homens, regulando casamentos, normatizando as
obrigações matrimoniais; os divórcios, os casos de
bigamia, adultério, incesto, entre outros; arbitrava os
casos de divisão de heranças; monopolizava os registros
paroquiais de batismo, casamentos, falecimentos, enfim,
a vida social era normatizada e regrada pela Igreja.
Sua atuação dava-se, também, mediante uma
série de ações filantrópicas, como a construção e a
manutenção de asilos, hospitais, orfanatos e leprosários. Da direita para a esquerda:
monge cisterciense, franciscano, cartuxo e dominicano.
A Igreja era responsável pela educação,
Fonte: <www.resumosetrabalhos.com.br/o-nome-da-
mantendo uma série de escolas nos mosteiros, rosa-umberto-eco_12.html>. (Adaptado).
conventos e, mais tarde, nas paróquias. No século XIII,
começou a organizar as universidades. Com isso, o poder Com a invasão dos bárbaros, a Igreja tinha por
da Igreja sobre os fiéis era incontestável. Os pecadores incumbência converter esse novo contingente à religião
deviam cumprir penitências, que variavam de orações cristã. Para o ministério da conversão, eram designados
e jejuns a peregrinações e participação nas Cruzadas. elementos do clero secular (do latim saeculum, mundo),
A excomunhão – expulsão da comunidade cristã – era nome dado ao clero que estava em constante contato
a pena mais temida. Aplicava-se o interdito – proibição com as coisas do mundo e viviam fora dos mosteiros.
de se realizarem serviços religiosos – aos domínios dos Havia também elementos do clero regular (do latim
governantes que estivessem em litígio com a Igreja. regula, regra), isto é, submetidos a regras, que ficavam
Um importante instrumento de manutenção do nos mosteiros sem contato com o que se passava fora

13
de seus muros. Esses mosteiros eram os responsáveis Procurando atender aos anseios daqueles que
pela preservação da cultura, além de serem importantes estavam insatisfeitos com essa situação, bem como
centros econômicos. O clero regular era constituído por ganhar um poder capaz de determinar a nomeação
todos os clérigos consagrados da Igreja católica, que interna dos seus representantes para os cargos ecle-
seguiam as regras de uma determinada ordem religiosa, siásticos, o papa Nicolau II criou, em 1058, o Colégio
dona de sua própria hierarquia e de títulos específicos.
dos Cardeais. Os clérigos foram investidos do direito
As principais ordens religiosas foram beneditinos,
de escolher seus líderes religiosos. Em 1073, Gregó-
franciscanos, cartuxos, cluniacenses e dominicanos.
rio VII, da abadia de Cluny, foi eleito pelos seus pares
como papa. Sua primeira atitude foi reafirmar o voto
Querela das Investiduras (1073-1122)
de castidade e determinar a total independência da
O poder econômico, político e religioso da Igreja Igreja em relação ao poder político secular, condenar
despertava não só a cobiça de setores da nobreza da a nomeação de bispos por reis ou imperadores, bem
sociedade sobre os seus bens como a daqueles que viam como destituir todos os clérigos que assumissem car-
na Igreja um modo de obter alguma ascensão social. Se, gos nomeados por poderes seculares.
de um lado, estabelecia-se uma ferrenha luta política, A atitude do papa desagradou o imperador do
de outro, os interesses econômicos possibilitavam a Sacro Império Romano Germânico, Henrique IV, que se
corrupção. Além disso, os cargos eclesiásticos eram recusou a cumprir as determinações papais e tentou
cobiçados por seu poder e prestígio, tornando-se alvos
destituí-lo. O papa excomungou o imperador, dando
de intensas disputas entre clérigos, nobres e soberanos.
origem à Questão ou Querela das Investiduras.
A prática de nomeação de bispos segundo inte-
Pressionado pelos nobres alemães, interessados
resses políticos era muito comum no Sacro Império Ro-
na redução do poder do imperador, Henrique IV reviu
mano Germânico, graças à forte submissão dos clérigos
aos interesses do Estado, justamente pelo enraizamento sua estratégia e saiu em peregrinação a Canossa, na
da corrupção e dos interesses políticos e econômicos Itália, em 1077, em busca de reconciliação com o
em jogo, quando da nomeação ou investidura de cléri- papa Gregório VII. Essa aproximação não resultou na
gos e bispos, por meio da simonia, que era a compra solução do conflito, que só veio a acontecer em 1122,
de cargos religiosos. com a assinatura da Concordata de Worms, já no
Essas práticas provocavam incômodo nos meios reinado de Henrique V. Pela Concordata, a investidura
eclesiásticos, principalmente, porque tiravam das mãos espiritual caberia ao papa; ao imperador, caberia a
da Igreja um importante instrumento de barganha investidura temporal. No entanto, a Concordata de
política, ao mesmo tempo em que enfraqueciam seu Worms, de fato uma solução paliativa, não foi capaz
poder, uma vez que este era submetido a uma interfe-
de solucionar definitivamente a questão. Os atritos
rência externa na nomeação dos seus membros. Havia
acerca da nomeação de bispos no Sacro Império e em
alguns membros da Igreja mais comprometidos com
outras regiões da Europa continuaram.
as práticas religiosas evangelizadoras que estavam
O recuo do imperador, no entanto, marcou o
insatisfeitos com essa situação. Discussões internas
a respeito das práticas de corrupção e comércio de início da supremacia papal sobre o poder temporal –
cargos, a simonia, especialmente no Sacro Império Ro- supremacia que se manteria por quase dois séculos. As
mano Germânico não faltavam. Gente que não tinha o Cruzadas, que começaram a ser organizadas por essa
menor compromisso com a religião ocupava importan- época, dariam à autoridade do papa o poder temporal
tes cargos eclesiásticos. que a Igreja ambicionava.

14
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR

Filme O Nome da Rosa (1986)

O Nome da Rosa é um filme de 1986 dirigido por Jean-Jacques Annaud,


baseado no romance homônimo do crítico literário italiano Umberto Eco. O frade
franciscano Guilherme de Baskerville (Sean Conery) e seu aprendiz Adson von
Melk (Christian Slater) são chamados para resolver um mistério mortal em uma
abadia medieval.

LER

Livros
O cavaleiro inexistente – Italo Calvino (1959)

Paródia dos romances de cavalaria, conta a história do cavaleiro


inexistente da corte de Carlos Magno. Cercado por um exército
quixotesco, ele luta pela causa da cristandade, defende avidamente sua
reputação e faz questão de manter a armadura sempre limpa. Mesmo
sabendo que dentro dela não há ninguém.

A canção de Rolando – Anônimo (séc. XI)

A Canção de Rolando (em língua francesa, La chanson de Roland) é um


poema épico composto no século XI em francês antigo, sendo a mais
antiga das canções de gesta escritas em uma língua românica.

15
OUVIR
Músicas

- Oração de São Francisco – Maria Bethânia


- Nossa Senhora – Roberto Carlos

16
INTERDISCIPLINARIDADE

Arquitetura gótica (História da Arte e Arquitetura)


A demonstração da supremacia da Igreja católica encontrava-se, inclusive, no âmbito da arquitetura e da
arte. A arquitetura gótica, desenvolvida a partir do século XII, na França, apoiava-se nos princípios de um forte
simbolismo teológico, fruto do mais puro pensamento escolástico: as paredes eram a base espiritual da igreja, os
pilares representavam os santos e os arcos e os nervos eram o caminho para Deus. Além disso, nos vitrais pintados
e decorados se ensinava ao povo, por meio da mágica luminosidade de suas cores, as histórias e relatos contidos
nas Sagradas Escrituras.
Duas outras características marcantes são as suas torres agulhadas, sempre projetadas ao céu, além da
presença de uma rosácea – uma espécie de janela redonda – nas entradas. Alguns historiadores afirmam que a
dimensão exagerada das catedrais era intencional, pois tinha como objetivo representar a grandiosidade de Deus
e da Igreja sobre o fiel.
A primeira catedral gótica foi a de Saint Denis, mas também se destaca a famosa catedral de Notre Dame, em Paris.

17
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 11 – Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.

A habilidade 11 é muito cobrada nas provas de História do Enem, uma vez que é bastante
abrangente. O vestibular recorre a muitos textos e imagens de diversos gêneros – poesias,
artigos científicos, obras de arte e relatos jornalísticos – para fundamentar suas questões.
O aluno deve ater-se principalmente ao enunciado, aguçando suas capacidades de leitura,
observação e interpretação.
Os registros de práticas sociais são fontes de estudo para os historiadores. A prova requer,
portanto, muito mais do que a simples capacidade de decorar eventos históricos. Ela
exige destreza ao interpretar o que é fornecido pelo enunciado.

Modelo
(Enem) Sou uma pobre e velha mulher,
Muito ignorante, que nem sabe ler.
Mostraram-me na igreja da minha terra
Um Paraíso com harpas pintado
E o Inferno onde fervem almas danadas,
Um enche-me de júbilo, o outro me aterra.
VILLON, F. In: GOMBRICH, E. História da arte. Lisboa: LTC, 1999.

Os versos do poeta francês François Villon fazem referência às imagens presentes nos templos ca-
tólicos medievais. Nesse contexto, as imagens eram usadas com o objetivo de:
a) refinar o gosto dos cristãos.
b) incorporar ideais heréticos.
c) educar os fiéis através do olhar.
d) divulgar a genialidade dos artistas católicos.
e) valorizar esteticamente os templos religiosos.

18
Análise Expositiva

Habilidade 11
As imagens da Igreja católica medieval serviam para ensinar os fiéis os perigos advindos da
prática imperfeita da religião e os benefícios adquiridos a partir da boa prática. O trecho “Um
Paraíso com harpas pintado,/ E o Inferno onde fervem almas danadas,/ Um enche-me de júbilo,
o outro me aterra” é demonstrativo disso. Cabe ressaltar que apenas uma minoria da popula-
ção medieval era alfabetizada, o que reforçava a necessidade do uso de imagens nas missas.
Alternativa C

Estrutura Conceitual
O Reino dos Francos

476 a.C. Dinastia Merovíngia


(481-751)
Queda do Império Clóvis (482-511) Administração
Romano do Ocidente Comitatus
(início da Idade Média) Divisão das Terras entre seus (Divisão de terras entre os
vassalos)
filhos
Majordomus
Povos bárbaros lutam (funcionários reais)
por territórios Novas divisões • Comandam o exército
• Cobram impostos
• Administram terras
Aliança do franco Clóvis
com a igreja católica

Pepino, o Breve Carlos Martel Pepino de Heristal


Destrona rei merovíngio em aliança Vence a “Batalha de Submete outros
com o Papa Portiers” (732) majordomos

Dinastia Carolíngia
(751-987) Administração
Território
Pepino, o Breve Doa terras ao Papa • Condado
(751-768) (Patrimônio de São Pedro) (função produtiva)
• Marca
(função militar na fronteira)
Carlos Magno (768- “Renascimento Carolíngio”
814) Leis Capitulares

Luís I, o Piedoso

Carlos, Luís, Tratado de Verdum (843)


Lotário I Divisão do território
o Calvo o Germânico

19
Igreja Católica Medieval
Mantém ordem social feudal

Poder Poder
Temporal Espiritual
• Influência na política • Moral cristã
• Legitima Poder Real • Controla cultura
• Escolhe Cargos Eclesiásticos • Educação (Universidades)
• Tribunal da Santa Inquisição
Tensão

Querela das Investiduras


(1073-1122)

H I E R A RQ U I A FUNÇÕES
• Alto Clero • Clero Regular
Formado por nobres Ordens religiosas
• Baixo Clero Vida isolada nos mosteiros
Camadas populares Preservam cultura
• Clero Secular
Batiza Pagãos

20
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-
H8
-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferen-
tes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favo-
recendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
O feudalismo foi um sistema econômico, político e social que se desenvolveu na Europa durante a Idade
Média. Esse sistema começou a se estruturar ao final do Império Romano do Ocidente, no século V, tendo atingido
seu apogeu no século X e praticamente desaparecido ao final do século XV.

Origens do feudalismo
Desde o final do século IV, o Império Romano já demonstrava sinais de decadência e desagregação, mas a
penetração e os seguidos ataques dos povos germânicos, a partir do século V, desorganizaram a vida do Império,
acelerando a crise econômica.
Formalmente, costuma-se considerar o ano de 476, data em que os hérulos invadiram Roma, como o fim
do Império Romano do Ocidente e o início da chamada Idade Média. Da mesma forma, é aceito o ano de 1453,
quando os turcos otomanos conquistam Constantinopla, pondo fim ao Império Bizantino, como o término da Idade
Média. Essas datas servem apenas para uma periodização didática da História.
A Idade Média, na Europa, caracterizou-se pelo aparecimento de um sistema econômico, político e social
denominado feudalismo. Esse sistema foi fruto de uma lenta integração entre algumas características de duas
estruturas sociais: a romana e a germânica. Esse processo de integração, que resultou na formação do feudalismo,
ocorreu no período histórico compreendido entre os séculos V e IX.
Próximo ao fim do Império Romano do Ocidente, os grandes senhores romanos começaram a abandonar as
cidades, fugindo da crise econômica e das invasões germânicas. Para seus latifúndios no campo, onde passavam a
desenvolver uma economia agrária voltada para a subsistência.

A nova vaga de invasões dos séculos VIII ao X

Fonte: <28navegadores.blogspot.com.br/2013_04_01_achive.html>.
Fonte: 28navegadores.blogspot.com.br/2013_04_01_achive.html
23
Uma população de romanos de menos posses, ra e lealdade deram origem às relações de suserania
por sua vez, começou a buscar proteção e trabalho nas e vassalagem. A cerimônia na qual os vassalos juravam
terras desses grandes senhores. Para utilizar as terras, fidelidade ao suserano derivou da prática da homenagem
eram obrigados a ceder ao proprietário parte do que típica no Império Carolíngio, que, provavelmente, teve
produziam. Essa relação entre o senhor das terras e os sua origem também no comitato germânico.
que produziam ficou conhecida por colonato. O grande Assim como na organização social e cultural,
número de escravos da época também foi utilizado nas o direito no feudalismo também teve influência
vilas romanas. Com o tempo, tornou-se mais rentável germânica. Baseando-se nos costumes orais, e não nas
libertar os escravos e aproveitá-los sob regime de colo-
leis escritas, o direito era considerado uma propriedade
nato. Assim, nesses centros rurais conhecidos por vilas
do indivíduo, um direito inerente a ele em qualquer
romanas, começavam a ser criados os feudos medie-
local que este estivesse. Essa forma do Direito, produto
vais. Com algumas alterações futuras, esse sistema de
dos costumes e da sua prática reiterada e constante e
trabalho resultou nas relações servis de produção,
não da autoridade, sem ser resultado de um processo
um dos traços fundamentais do feudalismo.
formal de criação das leis escritas, é conhecido como
Com a ininterrupta ruralização do Império
direito consuetudinário.
Romano, o poder central foi perdendo controle sobre
os grandes senhores agrários. Aos poucos, as vilas O processo de declínio do comércio, ruralização da
romanas tornaram-se cada vez mais autônomas, sociedade, agrarização da economia e descentralização do
à medida que o poder político descentralizava-se, poder político teve início no final do Império Romano do
permitindo ao proprietário de terras administrar de Ocidente. A lenta integração entre aspectos da sociedade
forma independente sua vila. romana e da sociedade germânica foi acelerada com as
O cristianismo foi outra contribuição invasões dos séculos VIII e IX.
fundamental da civilização romana para a formação Em 711, os muçulmanos, vindos através do Norte
do feudalismo. Originário do Oriente, o cristianismo da África, conquistaram a península Ibérica, a Sicília, a
enraizou-se na cultura romana, passando a ser a religião Córsega e a Sardenha, fechando o mar Mediterrâneo
oficial do império, no século IV. No início da Idade à navegação e ao comércio dos europeus. Ao norte,
Média, a religião cristã já havia triunfado sobre todas no século IX, os normandos também se lançaram à
as seitas rivais na Europa. Em pouco tempo, a Igreja conquista da Europa. Conquistaram a Bretanha e o
tornou-se a instituição mais poderosa do continente noroeste da França. Penetraram no continente europeu
europeu, determinando a cultura do período medieval. pelos rios, saqueando suas cidades. A leste, os magiares
O contato dos romanos com os povos de
(húngaros), cavaleiros nômades provenientes das
origem germânica promoveu a troca de hábitos e
estepes euroasiáticas, invadiram a Europa oriental.
costumes entre eles, principalmente num momento
Isolada dos outros continentes, com as vias de
de ruralização e de organização de uma economia
comunicação bloqueadas e cercada no seu próprio ter-
baseada nas atividades agropastoris.
ritório, a Europa fragmentou-se. Os constantes ataques
As várias tribos germânicas viviam de maneira
e saques criaram uma insegurança geral. As últimas in-
autônoma, estabelecendo relações apenas quando se
vasões amadureceram as condições para o pleno esta-
defrontavam com um inimigo comum; unindo-se, nessas
ocasiões, sob o comando de um só chefe. belecimento do sistema feudal.
As relações entre o suserano e o vassalo, baseadas O comércio, com o quase desaparecimento da
na honra, lealdade e liberdade, tiveram suas origens no moeda, regrediu ao patamar da troca direta. Ocorreu
comitatus germânico. O comitato era um grupo forma- a agrarização da economia e as cidades foram des-
do pelos guerreiros e seu chefe com obrigações mútuas povoadas, completando o processo de ruralização da
de serviço e lealdade. Os guerreiros juravam defender seu sociedade. O poder político descentralizou-se em uma
chefe, que se comprometia a equipá-los com cavalos e multiplicidade de poderes localizados e particularistas.
armas. Mais tarde, no feudalismo, essas relações de hon- O feudalismo estabeleceu-se em sua plenitude.

24
Características gerais trabalhadores semilivres – donos de seus instrumentos
de trabalhos, sementes etc. –, pequena parcela do que
produziam era destinada ao próprio sustento.
Sociedade feudal
A sociedade feudal era estamental, isto é,
os indivíduos nasciam num determinado estamento
e dificilmente poderiam ascender a outro; tendiam
a permanecer sob a própria condição de nascimento,
pois a mobilidade social vertical era quase impossível;
mais fácil seria a mobilidade no interior do próprio
estamento. A sociedade medieval, segundo a divisão
clássica, compunha-se dos seguintes estamentos:
clero, nobreza e servos. No entanto, cada uma dessas
categorias comportava uma série de diferenciações
e gradações. De modo geral, o acesso ou não à
propriedade ou posse da terra dividia a sociedade feudal

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em dois estamentos: os senhores e os dependentes.
Os senhores feudais eram os proprietários
ou os possuidores do feudo. Em geral originários
da nobreza e do clero, formavam uma aristocracia Representação de um clérigo, de um cavaleiro e
dominante. A nobreza se subdividia em duques, condes, de um servo da Idade Média

barões e marqueses.
Seu poder vinha do fato de serem proprietários Não podiam ser vendidos fora de suas terras,
ou posseiros da terra e da condição de terem um como se fazia com os escravos, mas não tinham
exército. As camadas mais altas da nobreza guerreira liberdade para abandonar as terras onde nasceram,
descendiam das antigas famílias germânicas e exceto com a autorização do seu senhor.
carolíngias. Havia uma segunda camada mais pobre da Em número reduzido, havia outro tipo de
qual faziam parte os cavaleiros; com o passar do tempo, trabalhador medieval, o vilão. Não estava preso à
as duas camadas fundiram-se por meio de casamentos. terra e descendia de antigos pequenos proprietários
romanos. Não podendo defender suas propriedades,
Os nobres orgulhavam-se da vida que levavam, dedicada
entregava suas terras em troca de proteção de um
às batalhas, aos torneios e às caçadas.
grande senhor feudal. Suas formas de prestação
Os senhores feudais eclesiásticos, vinculados
de serviço e de pagamentos ao senhor eram muito
à Igreja Romana, também pertenciam à alta hierarquia do
peculiares, pois desfrutava de privilégios pessoais e
clero. Eram, geralmente, bispos, arcebispos e abades. De
econômicos. Recebia tratamento mais brando que os
fato, o clero constituía a elite intelectual da classe senhorial,
servos e assumia deveres bastante bem definidos com
responsáveis pela guarda da cultura romana, construtores
os senhores, de tal forma que sabia exatamente o que
e difusores da cultura e elaboradores de todo o arcabouço
fazer ou não.
teórico que justificava a sociedade feudal e a identificava
com a ordem universal, de origem divina.
O estamento dos dependentes, que compreendia Economia feudal
a maioria da população medieval, compunha-se de
servos e vilões. Os servos não tinham a propriedade Todas as sociedades organizam sua produção
da terra, embora, na maioria dos casos, tivessem de bens materiais de alguma forma – chamamos isso
posse parcial dela, o que justificava o fato de estarem de relações de produção. Já a produção da vida social,
adstritos a ela. É importante notar que, embora fossem política e cultural é chamada de modo de produção.

25
Independentemente de sua localização geográfica ou do período de sua existência, toda sociedade organiza e é
organizada em torno de algum modo de produção. No feudalismo, as relações de produção eram determinadas
pela servidão feudal que determina o modo de produção.
As terras eram divididas em domínio senhorial cuja produção destinava-se ao senhor feudal, manso
servil, cujo produto do trabalho pertencia aos servos, e terras comunais, ou seja, pastos e florestas utilizadas
tanto pelos senhores como pelos camponeses. Daí retirava-se madeira e frutas. Ao senhor era reservado o direito
exclusivo da caça. O feudo, cujas terras eram descontínuas, constituía-se como a unidade geral de produção.

O senhorio medieval

Manso comum
Os produtos retirados dessas terras eram de uso tanto dos servos quanto dos
senhores. As terras comunais eram constituídas de pastos para criar animais
e de florestas e baldios, onde os camponeses colhiam frutos e raízes, extraíam
a madeira e o mel. A caça nas florestas era exclusiva dos senhores.

No senhorio, em geral, também havia coleiros para armazenar a colheita;


um moinho para triturar os grãos; e fornos para assar os pães.

Domínio Senhorial
Os produtos dessas
terras perteciam
exclusivamente
ao senhor. Nelas
trabalhavam servos
e outros camponeses.
Ali se produzia tudo o
que o senhor necessitava
para manter sua família
e outros dependentes.

Manso servil
Terras destinadas aos servos. Nelas os servos
produziam o que era necessário para a sua
sobrevivência, devendo em troca cumprir
Ilustração atual de
uma série de obrigações para com o senhor.
como poderia ter sido
um senhorio medieval.
Fonte: historiademestre.blogspot.com.br/2014/10/a-idade-media-e-o-feudalismo.html
Fonte: <historiademestre.blogspot.com.br/2014/10/a-idade-media-e-o-feudalismo.html>.

A terra arável era dividida em três partes: o ter- para o senhor feudal. Na segunda – manso servil –, tra-
reno de plantio da primavera, o de plantio do outono e balhavam para seu próprio sustento e o de sua família,
outro que ficava em pousio (descanso). A cada ano in- durante outros três dias. Com o tempo, a tendência dos
vertia-se a utilização dos terrenos de forma que sempre senhores feudais era exigir do servo mais dias de pres-
um estivesse em período de recuperação. Esse sistema tação de serviço nas suas terras, levando a expropriação
surgiu na Europa, no século VIII, e ficou conhecido como do trabalho e dos seus frutos a extremos insuportáveis.
sistema dos três campos. Nessa sociedade rural, de Além da obediência e fidelidade por juramento
economia essencialmente agrária, a propriedade e que os servos deviam ao seu senhor, as obrigações nas
a posse da terra determinavam a posição do indivíduo formas de trabalho e produtos eram as seguintes:
na hierarquia social. A terra era a expressão da riqueza, §§ corveia: obrigação de trabalhar nas terras do
da influência, da autoridade e do poder. senhor feudal sem direito ao que era produzido;
O elemento definidor do modo de produção §§ talha: obrigação de entregar parte da produção
feudal era a relação de servidão. As terras do feudo no manso servil ao seu senhor;
eram divididas em duas partes, ambas de propriedade §§ banalidades: pagamento de impostos com
do senhor feudal. Na primeira – domínio senhorial –, produtos ou trabalho pelo uso de instrumentos
os servos trabalhavam três dias da semana, produzindo do senhor: ferramentas, moinhos, armazéns;

26
§§ capitação: pagamento de imposto per capita de produção, bem como uma série de diferenças
dos familiares dos servos; e entre as diversas regiões da Europa. Em cada feudo,
§§ mão morta: pagamento de imposto pelos fi- o senhor feudal era o responsável pela organização e
lhos do servo morto para que continuassem ocu- administração independente da propriedade.
pando as terras fornecidas a seu pai pelo senhor. Havia um rei, cujo poder era meramente formal,
A produção feudal era agrícola. A terra, portan- notadamente durante os séculos de IX ao XII.
to, era sua fonte de riqueza fundamental. O sistema de No feudo, cada senhor feudal era soberano su-
propriedade da maior parte dos fatores de produção – premo. Detinha o monopólio da força como chefe do
ferramentas, sementes – recaía sobre os servos, além exército, se bem que esse monopólio não ultrapassasse
da pesada carga de tributos que pagavam. O próprio seu pequeno exército mantido dentro de seus domínios
sustento e o da sua família dificultava as inovações feudais. Temporariamente, quando em estado de guer-
técnicas, não era possível investir na melhoria dos ins- ra, havia uma centralização político-militar desses exér-
trumentos de trabalho. Some-se a isso a exploração co- citos sob as ordens e comando do rei.
munitária da terra. Qualquer nova forma de trabalhá-la Os vínculos e a hierarquia entre a nobreza
devia ser submetida à aprovação de toda a comunida- feudal eram estabelecidos pelos laços de suserania
de da aldeia. Se a produção aumentasse, o senhor das e vassalagem. Um senhor feudal, proprietário de
terras cobrava um novo tributo, o que desestimulava a grandes porções de terra, doava uma parcela dela a
produção de excedentes. outro nobre. O doador passava a ser o suserano, e o
O feudo produzia tudo o que necessitava e con- recebedor, o vassalo, relações essas estabelecidas por
sumia tudo que produzia. Era uma economia autos- contrato de direitos e deveres. Entre outras obrigações,
suficiente, organizada apenas para suprir as necessi- o vassalo obrigava-se a pôr seu exército à disposição
dades do próprio feudo. O comércio não desapareceu
do suserano, a dar-lhe hospedagem quando e se
da Europa, mas era retraído e sem relevância econô-
necessário, a contribuir para o dote e o armamento de
mica. A troca de mercadorias realizava-se semanal-
seus filhos. Ao suserano, por seu vez, cabia proteger
mente dentro do próprio feudo, em um mercado junto
militarmente o vassalo, garantir a posse do feudo
de uma Igreja, de um castelo ou na própria aldeia. As
doado, tutelar os herdeiros e a viúva do vassalo depois
trocas ocorriam de bens por bens. O uso de moedas
de morto. Para oficializar a vassalagem havia uma
era muito eventual.
série de cerimônias conhecida como homenagem. O
No período feudal, a Igreja foi a maior proprie-
vassalo ajoelhava-se diante do senhor, com a cabeça
tária de terras. Recebia uma série de doações dos que,
descoberta e sem espada, punha as mãos entre as mãos
após a sua morte, desejavam ser agraciados por Deus,
bem como dos fiéis que admiravam o trabalho da Igre- do suserano e pronunciava as palavras sacramentais
ja e desejavam ajudá-la a continuar o assistencialismo do juramento. Em seguida, o senhor permitia que ele
junto aos pobres e doentes. Havia, ainda, o hábito de se levantasse, beijava-o e realizava a investidura com
alguns reis e nobres, vencedores de batalhas e guerras, a entrega de um objeto simbólico – um punhado de
doarem à Igreja parte das terras confiscadas dos inimi- terra, um ramo, uma lança ou chave, que representava
gos. Com isso, ela se tornou proprietária de quase um a terra enfeudada. Os laços de suserania e vassalagem
terço de todas as terras da Europa ocidental. vinculavam toda a nobreza feudal. Nos últimos anos
do século XI, no início das Cruzadas, o feudalismo
Política feudal entrou em paulatina decadência. O Renascimento
comercial fez com que as estruturas feudais fossem
Durante o período feudal não havia um progressivamente modificadas: as cidades ressurgiram,
poder central que determinasse as regras sociais, a figura do rei voltou a ganhar progressiva centralização,
administrativas, políticas ou econômicas. Existiram a cultura teocêntrica foi gradualmente substituída pela
o que se poderia denominar um período e um modo antropocêntrica – o homem como centro do Universo.

27
Cultura feudal
A cultura feudal caracterizou-se pela visão do homem voltado para Deus e para a vida após a morte, uma
cultura teocêntrica, portanto.
A moral religiosa condenava o comércio, o lucro, a usura – empréstimo a juros. As artes, as letras, as ciências
e a filosofia eram determinadas pela visão religiosa determinada pela Igreja sempre com predominância de temas
e inspiração religiosos.
O mundo feudal estabeleceu-se de forma rigorosamente hierárquica, na qual a posição superior sempre
coube à Igreja, que deteve ascendência econômica e moral durante todo o feudalismo. Seus domínios territoriais
e sua cultura suplantavam os da nobreza.

28
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR

Filme O vale das abelhas (1967)

Depois de seu pai se casar com uma adolescente, Ondroej é mandado para um
internato religioso. Após alguns anos lá, ele começa a refletir sobre questões
existenciais e suas crenças e resolve fugir e voltar para casa. Explorando a
natureza da fé e da dúvida, o diretor tcheco Frantisek Vlacil constrói uma obra
poética ambientada na Idade Média.

Filme Macbeth (2015)

O general escocês Macbeth (Michael Fassbender) ouve de três bruxas uma


profecia de que um dia ele será coroado o rei da Escócia. Ambicioso e
encorajado por sua esposa, Lady Macbeth (Marion Cotillard), ele assassina
o rei Duncan (David Thewlis) e toma o trono para si, mas sofre com a culpa
e paranoia. Macbeth se torna um líder tirano, cometendo cada vez mais
assassinatos para se proteger.

LER

Livros
Amadis de Gaula – Anônimo (1508)

A obra Amadis de Gaula, através de uma introdução em que se afirma


que foi encontrada num baú enterrado do “manuscrito encontrado”,
inicia-se com o relato dos amores furtivos entre o rei D. Perion de Gaula
(Gales) e a infanta D. Elisena da Bretanha, que deram lugar a uma
criança abandonada numa barca.

29
OUVIR
Músicas
- Cantiga de Amigo – Elomar

30
INTERDISCIPLINARIDADE

Inovações agrícolas medievais (Economia e Geografia)


Muitos apontam a Idade Média como uma época de trevas e ignorância. Contudo, diversas inovações no
campo agrícola foram perpetradas, garantindo melhor aproveito do solo, dos animais e, portanto, propiciando
aumento na produção de alimentos.
As charruas de ferro, espécie de arado com ponta metálica, substituiu o tradicional arado de madeira,
o que permitiu maior oxigenação do solo e um trabalho mais rápido
e produtivo. Os sulcos mais profundos oriundos das pontas metálicas
faziam com que as sementes se fertilizassem mais facilmente.
A rotação de culturas evitava o esgotamento do solo e um
uso mais racional desse recurso. Ao dividir o solo em três partes, duas
eram utilizadas enquanto uma ficava em descanso ou com plantação de
tubérculos. Após a colheita, fazia-se a rotação. Charrua

1º ano 2° ano 3º ano

campo 1 cevada pousio trigo

campo 2 trigo cevada pousio

campo 3 pousio trigo cevada

Os moinhos, embora conhecidos


desde a Antiguidade, foram sofisticados
e reintroduzidos em maior escala. Essas
estruturas redirecionam forças (do vento, da
água ou tração animal) para a realização de
um procedimento mecânico como moer, rolar
ou bater. Os moinhos eram utilizados por
camponeses e artesãos para acelerar o processo
de beneficiamento agrícola (moer, descascar,
triturar os grãos) e foram responsáveis por
grande aumento da produtividade.

31
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 1 – Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca


de aspectos da cultura.

Para o historiador, as fontes documentais são a essência de suas pesquisas. Elas podem assumir
diversas formas – obras de arte, relatos escritos de populares, registros militares e estatais, fotografias
etc. – e dão sinais de como uma sociedade vivia e pensava sobre si e a realidade. A habilidade 1, por
mais que tenha um caráter genérico, requer a interpretação das fontes documentais, relacionando-
as com seus respectivos contextos econômicos, culturais, políticos e sociais.
O Enem é um vestibular diferente dos tradicionais, pois é menos conteudista e mais voltado
à interpretação. Não que o aluno deva prescindir de um embasamento histórico sólido,
evidentemente. O fundamental é achar relações entre os fatos históricos e representações
documentais sejam quais forem.

Modelo
(Enem)

Os calendários são fontes históricas importantes, na medida em que expressam a concepção de


tempo das sociedades. Essas imagens compõem um calendário medieval (1460-1475) e cada uma
delas representa um mês, de janeiro a dezembro. Com base na análise do calendário, apreende-se
uma concepção de tempo:

32
a) cíclica, marcada pelo mito arcaico do eterno retorno.
b) humanista, identificada pelo controle das horas de atividade por parte do trabalhador.
c) escatológica, associada a uma visão religiosa sobre o trabalho.
d) natural, expressa pelo trabalho realizado de acordo com as estações do ano.
e) romântica, definida por uma visão bucólica da sociedade.

Análise Expositiva

Habilidade 1

Nota-se, pelas imagens, que os homens medievais contavam seu tempo através dos ciclos
agrícolas, denotando, assim, uma concepção de tempo natural. Quase toda a vida medieval
era guiada pelas estações, visto que a produção agrícola era a atividade econômica de maior
relevância do período.

Alternativa D

33
Estrutura Conceitual
Feudalismo
Sistema econômico, político e social típico da idade média

Origens 476 d.C. Séc X d.C. 1453 d.C.


◊ Invasões bárbaras
◊ Ruralização Queda do Império Apogeu Queda de
◊ Costumes romanos Romano do Ocidente Constantinopla
◊ Colonato Alta Idade Média
◊ Cristianismo (séc. V a X)
+ Baixo Idade Média
◊ Costumes germânicos (séc. XI a XV)
◊ Comitatus
◊ Direito consuetudinário

Sociedade Feudal
(Propriedade da terra indica
a hierarquia social)

Clero
Nobreza

Servos

Cultura Política
◊ Teocentrismo ◊ Poder descentralizado
◊ Igreja católica controla educação, ◊ Pacto de suserania e vassalagem
moral e cultura ◊ Suserano: doa terras em troca
◊ Visão voltada a Deus de fidelidade
◊ Condenação do comércio ◊ Vassalo: recebe terras e
defende suserano

Relações servis Economia


Obrigações do senhor ◊ Baixa produtividade
Proteger os servos ◊ Técnica arcaica
Obrigações dos servos ◊ Economia de subsistência
Trabalhar e pagar ◊ Baixo comércio
impostos ◊ Economia não monetarizada

Talha: entrega de parte da produção


Corveia: trabalho nas terras do senhor
Banalidade: imposto por uso de instrumentos
Captação: pagamento por cada membro da família
Mão Morta: pagamento por filho de servo morto
para continuar na terra do senhor

34
15 16
Baixa Idade Média

Competências Habilidades
1, 2, 3, 4, 5 e 6 1, 4, 5, 7, 8, 9, 11,
14, 15, 16,17, 18,
22 e 29

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-
H8
-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferen-
tes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favo-
recendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
Processo de decadência do feudalismo
As características do sistema feudal não se mantiveram iguais durante toda a Idade Média. Aos poucos, o
que era próprio do feudalismo foi sofrendo modificações e criando um novo sistema, novos modos de vida. Estava
sendo gerada uma nova sociedade diferente da feudal. Os conflitos entre a Igreja e o poder temporal cresceram.
Ocorreram as Cruzadas. As cidades e o comércio renasceram. O poder político foi gradualmente sendo centrali-
zado na figura do rei, constituindo-se as monarquias nacionais. No século XIV, fome, pestes, guerras e rebeliões
camponesas abalaram ainda mais as já combalidas instituições feudais. Ao mesmo tempo em que abalaram as es-
truturas do feudalismo, todos esses acontecimentos aceleraram as mudanças que estavam sendo gestadas no seu
interior. Profundas transformações, tais como as revoluções na economia, na política e nos costumes, inauguraram
um período que viria a ser chamado de Idade Moderna (séculos XV, XVI, XVII e XVIII), marcada pelo capitalismo
comercial, que, de fato, foi inaugurada pelo que se denominou de revolução comercial.

As Cruzadas (1095-1270)
Definição e fatores
As Cruzadas eram expedições de cunho religio-
so-militar que ocorreram a partir dos últimos anos do
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século XI, visando combater os inimigos da cristanda-


de. Em razão disso, a Igreja legitimou essas expedições
conferindo-lhes um caráter de respeitabilidade. Ofere-
cia privilégios espirituais e materiais aos cruzados. As
Cruzadas também agiram como uma forma de aliviar
as pressões provocadas pelo aumento populacional
das condições de vida sob o feudalismo. Sua principal
consequência foi a reabertura do Mediterrâneo ao co-
mércio europeu.
Ao lado do fervor religioso1 – o cruzado seria re-
compensado com o perdão dos pecados por intermédio
das Indulgências –, fatores de ordem sobretudo econô-
mica, bem como sociais e políticas, atuaram como ele-
mentos determinantes das Cruzadas. Findas as invasões
bárbaras, no século X, a Europa passou por um período
de relativa tranquilidade.
Com a diminuição das guerras e o quase desapa-
recimento das epidemias, criou-se um ambiente favorável à estabilidade social, que favoreceu o crescimento po-
pulacional. Foi determinante para esse crescimento a abundância de recursos naturais e inovações técnicas na
agricultura. Conjugados, esses fatores favoreceram uma dieta mais saudável, o que contribuiu para a queda da
mortalidade infantil.

1. “A todos que partirem e morrerem no caminho, em terra ou mar, ou que perderem a vida combatendo os pagãos, será concedida a remissão dos pecados”
(Discurso do papa Urbano II, em Clermont, França, no ano de 1095).

37
Novas técnicas agrícolas permitiram o aumento O Império Bizantino, por sua vez, pressionado por
da produção, e os excedentes passaram a ser comercia- inimigos externos, via nas Cruzadas uma forma de con-
lizados. Bens produzidos fora da Europa passaram a ser ter o avanço dos turcos sobre seus territórios. As cidades
adquiridos. Os mercados bizantinos e muçulmanos tam- comerciais italianas de Veneza, Pisa e Gênova, que con-
bém passaram a demandar matérias-primas e gêneros sideravam as Cruzadas um instrumento de reabertura do
alimentícios ocidentais. O incremento desse comércio Mediterrâneo, ambicionavam conquistar entrepostos co-
de ambos os lados do Mediterrâneo favoreceu muito as merciais na Ásia ocidental. Por fim, os setores marginais
cidades italianas de Veneza e Gênova, que viram suas da população europeia buscavam nas Cruzadas um meio
condições econômicas aumentarem, bem como suas de obterem ganhos que lhes possibilitassem sobreviver,
possibilidades de desempenharem um papel importan- ou mesmo enriquecer. Justificados e legitimados pela
te, quando não fundamental, nas Cruzadas. Igreja, esses interesses impulsionaram a empresa militar-
A sociedade feudal europeia passou a ter mais -religiosa que recebeu o nome de Cruzadas. O movimen-
mobilidade social em virtude da expansão demográfica, to teve como causa imediata o bloqueio à peregrinação
cuja consequência imediata foi a expulsão de uma parce- dos cristãos ao Santo Sepulcro (túmulo de Cristo em Je-
la dos camponeses do campo, obrigando-os a buscarem rusalém), dominado pelos muçulmanos.
outras formas de ganharem a vida. Paralelamente, a pro-
dução do excedente agrícola permitia que os campone- Cruzadas do Ocidente:
ses vissem no comércio uma alternativa mais vantajosa. A
vida urbana passou a ser expressão da liberdade em con-
a guerra de reconquista
traposição à vida rural ligada à servidão. Essa situação fez
Paralelamente às Cruzadas que investiram contra o
aumentar a população que buscava viver do comércio,
Oriente, foram realizadas expedições chamadas Cruzadas
das atividades artesanais, ou seja, sobreviver economica-
do Ocidente, com o objetivo de expulsar os muçulmanos de
mente fora dos feudos. Resultado: incontáveis marginais,
territórios europeus. Em 711, os árabes muçulmanos haviam
divididos entre contestadores e pobres, dispuseram-se a
conquistado e submetido ao seu poder a península Ibérica,
se engajar nas Cruzadas como modo de vida.
com exceção das Astúrias, onde se formaram os pequenos
O contexto político do período criou um ambien-
reinos cristãos de Leão, Castela, Aragão e Navarra. Reunidos,
te favorável para que os nobres despossuídos ou empo-
iniciaram, no século XI, a guerra de reconquista.
brecidos engrossassem o contingente de voluntários a
atender os desejos da Igreja de lutar contra os heréticos Mapa da evolução da reconquista
e pagãos como modo de manter seu poder, conquistar cristã na península Ibérica
novas terras e riquezas e controlar uma população cada (Francos)
vez mais difícil de ser dominada. Leão Navarra
Portugal Aragão
A todos esses fatores somavam-se as razões re- antes 914
914 - 1080
Castela
ligiosas que impregnavam a vida medieval. Havia um 1080 - 1130
1130 - 1210
sentimento sincero de resgate da Terra Santa, tanto que 1210 - 1250
1250 -1480

houve uma parcela significativa de cruzados que partici- 1480 - 1492


Córdoba
pavam das lutas sem nada ganhar. De fato, as Cruzadas Granada
envolveram a sociedade europeia de tal modo, que, em
geral, todos seriam beneficiados direta ou indiretamen- Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Reconquista
Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Reconquista>.

te por essa empresa militar-religiosa que buscava rom-


per o cerco muçulmano em expansão pelo Oriente. As terras reconquistadas dos muçulmanos foram
Para a Igreja romana, a conquista dos locais doadas ao clero, ou incorporadas pela nobreza e explo-
santos da Ásia ocidental pelas Cruzadas configurava-se radas segundo as regras do sistema feudal de produção.
instrumento de expansão do cristianismo, da suprema- Da Guerra de Reconquista, resultou a formação das mo-
cia do papado sobre o Império e da expansão de sua narquias nacionais de Portugal e Espanha.
influência religiosa.

38
Na Itália, os muçulmanos haviam conquistado a Sicília, a Córsega e a Sardenha, além de terem bloqueado
a navegação de embarcações europeias no mar Mediterrâneo. A guerra de reconquista na Itália teve início no
século X. No entanto, o contato entre cristãos e muçulmanos, inicialmente bélico, assumiu lentamente um caráter
mercantil e resultou na reabertura do Mediterrâneo para os europeus. Entre comerciantes, fossem eles cristãos ou
muçulmanos, sempre se encontrava uma forma de acordo. Em vez de desperdiçar o capital na guerra, preferiam
ampliá-lo pelo comércio. As trocas foram ampliadas e diversificadas, facilitando o reatamento das relações entre
Ocidente e Oriente.

Cruzadas do Oriente

Dominíos muçulmanos, 1095


Metz Primeira Cruzada, 1096-1099
Ratisbona
Segunda Cruzada, 1147-1149
Vézelay
Terceira Cruzada, 1189-1192
Quarta Cruzada, 1202-1204
Clermont Veneza

Marselha

Roma
Constantinopla

Edessa

Antioquia

Tripoli
Acre

Jerusalém

Fonte: pt.slideshare.net/LUCA01NAVARRO/as-cruzadas-set-final
Fonte: <pt.slideshare.net/LUCAO1NAVARRO/as-cruzadas-set-final>.

§§ Primeira Cruzada (1095-1099): Não eram Na Cruzada dos Mendigos, após vários
raras as peregrinações de cristãos ao Santo Se- saques, pilhagens, fome e pestes, os cruzados
pulcro. Os califas árabes não se opunham às visi- conseguiram chegar a Constantinopla, para
tas, que acabavam sendo lucrativas paras os mu- horror do imperador bizantino. Diante daquela
çulmanos. No entanto, na segunda metade do multidão de pobres e famintos e temendo pela
século XI, os turcos dominaram grande parte da segurança da capital, o imperador os enviou
Ásia ocidental. Na Terra Santa, os turcos expul- para a Ásia, onde foram massacrados pelos
saram os cristãos e proibiram suas peregrinações muçulmanos.
no local. Enquanto isso, os cavaleiros preparavam-
Sob o pretexto de libertar a Terra San- -se lentamente sob a supervisão do papado. De
ta e impedir o avanço muçulmano na Europa fato tratava-se de vários exércitos feudais autô-
oriental, o papa Urbano II incentivou a Primeira nomos. Em 1096, a Cruzada dos Senhores partiu
Cruzada. Fez um apelo no Concílio de Clermont para Constantinopla, onde receberam o apoio
(1095). Organizada pelo monge Pedro, o Eremi- do imperador em troca da promessa de ceder-
ta, e dirigida por um nobre sem terras, Gautier, -lhe os territórios que tomassem dos turcos na
Sans Avoir (Sem Vintém) a Primeira Cruzada Ásia Menor e no norte da Síria.
desdobrou-se na Cruzada dos Mendigos e na
Cruzada dos Senhores.

39
Finalmente, em 1099, avistaram Jerusa- acidentalmente ao banhar-se em um rio. Ricardo e
lém. A cidade estava apinhada de um número Felipe Augusto seguiram por mar. Obtiveram algu-
muito maior de defensores. Após sangrenta luta, mas vitorias na Síria, mas Felipe decidiu retornar
no entanto, os cristãos tomaram Jerusalém. à França. Ricardo Coração de Leão, apesar de sua
As terras conquistadas dos muçulmanos coragem e bravura demonstrada nos combates,
foram organizadas em Estados cristãos: o reino não conseguiu retomar Jerusalém, mas obteve do
de Jerusalém, o principado de Antioquia e os sultão Saladino a autorização para que os cristãos
condados de Edessa e Trípoli. Nesses Estados, pudessem peregrinar até Jerusalém.
doados a nobres europeus, implantou-se uma
§§ Quarta Cruzada (1202-1204): Com o ardor re-
estrutura essencialmente feudal, comparável à
ligioso já bastante arrefecido, os comerciantes de
da Europa medieval.
Genova e Pisa, enriquecidos pelo comércio com o
Concomitantemente, fundaram-se novas
Oriente, pretendiam tomar os portos de suas cida-
ordens religiosas, integradas por soldados reli-
des rivais. Em 1200, no pontificado de Inocêncio
giosos, entre os quais os mais importantes eram
III, foi organizada a Quarta Cruzada financiada
os hospitalários, os cavaleiros da Ordem Teutô-
por esses mercadores e viciada em suas origens
nica e os templários, que alojaram-se no local
pelos interesses mercantis. Desvirtuada de seus
do antigo templo de Jerusalém. Em 1140, os
objetivos, tornou-se a primeira cruzada contra
muçulmanos passaram à contraofensiva e recon-
cristãos. Como condição para seu financiamento,
quistaram o condado de Edessa. Pressionados,
Veneza exigiu a destruição de Zara, cidade cristã e
os Estados cristãos recorreram aos europeus.

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sua rival mercantil no comércio no Adriático.
§§ Segunda Cruzada (1147-1149): Em 1147, Luis
VII, rei da França, Conrado III, imperador do Sacro
Império, e um grupo formado por europeus do
norte – ingleses, flamengos e frísios – organiza-
ram a Segunda Cruzada. Esse terceiro grupo atra-
vessou a península Ibérica ajudando os cristãos
a reconquistarem Lisboa contra os muçulmanos.
No entanto, os integrantes dessa segunda cruza-
da foram derrotados pelos turcos na Ásia Menor,
em 1148. Algumas décadas depois, em 1187, o As Cruzadas eram representadas em diversas obras de arte.
sultão muçulmano, Saladino, reconquistou Jerusa-
lém, causando grande comoção na Europa.
Destruída Zara, os cruzados marcharam
§§ Terceira Cruzada (1189-1192): Com a notícia sobre Constantinopla, cidade cristã ortodoxa –
da perda da Terra Santa, o papa passou a pre- não obediente ao papa –, capital do Império Bi-
parar a Terceira Cruzada. Fez espalhar a notícia zantino ponte para as rotas comerciais do Oriente.
de que as indulgências seriam estendidas àque- A Quarta Cruzada assinalou o declínio mercantil
les que, impossibilitados de participarem pesso- de Constantinopla, região que passou a ser co-
almente, contribuíssem com bens materiais para nhecida por Império Latino, e a ascensão das
financiar a participação de terceiros. Os três mais cidades italianas, que passaram a monopolizar o
importantes soberanos da Europa atenderam ao comércio de especiarias no Mediterrâneo.
chamado do papa. Em 1190, Frederico Barba Rui-
§§ Quinta Cruzada (1217-1221): Tornou-se co-
va, do Sacro Império, Felipe Augusto, da França, e
nhecida como a Cruzada das Crianças. Para justi-
Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, lideraram
ficar as derrotas anteriores, difundiu-se a lenda de
a Cruzada dos Reis. Barba Ruiva avançou por ter-
que o Santo Sepulcro só poderia ser conquistado
ra, venceu os turcos na Ásia Menor, mas morreu

40
por crianças, uma vez que estas eram isentas de comércio que se intensificou com a reabertura do Me-
pecados. Em 1212, foram reunidas 20 mil crianças diterrâneo, propiciou o renascimento das cidades e com
alemãs e 30 mil francesas em uma cruzada que ela o crescimento da burguesia mercantil. Em síntese, o
seria enviada para Jerusalém. As que não foram renascimento comercial e urbano da Europa ocidental,
exterminadas foram aprisionadas ou vendidas a decadência do feudalismo, o declínio do poder da no-
como escravas nos mercados do Oriente. breza e o fortalecimento da burguesia foram, direta ou
§§ Sexta Cruzada (1228-1229): Organizada por indiretamente, consequências das Cruzadas.
André II, rei da Hungria, e comandada por Frederi- A partir do século XI, duas rotas comerciais
co II, do Sacro Império. Entraram em acordo com o estabelecem-se como as principais da Europa: ao nor-
sultão e obtiveram dele a posse de Jerusalém por te, pelos mares Báltico e do Norte; e ao sul, pelo mar
dez anos. Anos mais tarde, os muçulmanos domi- Mediterrâneo. As feiras de Champagne eram o grande
naram a região e o acordo foi rompido. Jerusalém ponto de encontro dos comerciantes, bem como as fei-
voltou a ser controlada pelos turcos até 1917. ras periódicas na Inglaterra, França, Bélgica, Alemanha
e Itália foram um grande passo na direção de um co-
§§ Sétima (1248-1250) e Oitava Cruzadas
mércio estável e permanente. Os mercados semanais
(1270): A Sétima e a Oitava Cruzadas foram
dos primeiros tempos de feudalismo eram pequenos e
organizadas entre 1248 e 1270, sob o coman-
negociavam produtos locais. As grandes feiras do sécu-
do de Luís IX, rei da França. Ambas malograram.
lo XII ao XV comercializavam mercadorias por atacado,
Luis IX morreu vítima da peste, em Tunis, e foi
originárias de variadas e longínquas regiões, ocupando
canonizado pela Igreja.
papel central na revitalização dos mercados.
Por fim, talvez, a maior perdedora com as Cruza-
Consequências das Cruzadas das tenha sido a Igreja. Seus objetivos não foram alcan-
çados, pelo contrário: a tolerância entre cristãos e mu-
Fatores que levaram as Cruzadas ao fracasso: çulmanos fortificou-se. A partir do século XIII, as ordens
caráter superficial da conquista; falta de enraizamento mendicantes – franciscanos e dominicanos – substituí-
dos conquistadores no seio da população local; disputas ram os ideais cruzadistas pelos dos missionários.
entre cruzados; rivalidades nacionais; e incapacidade da
Igreja em superá-las.
As cruzadas não cumpriram seus objetivos, uma Renascimento comercial
vez que a Europa ocidental continuou superpovoada e
sem condições de absorver essa mão de obra; os salá- A reativação da atividade mercantil na Europa
rios que não baixaram ficaram estagnados enquanto os ocidental a partir do século XI ficou conhecida por
preços dos cereais entraram em alta. Sob o ponto de vis- renascimento comercial. Esse processo não foi linear,
ta econômico, a maior conquista das Cruzadas foi a rea- sofreu avanços e recuos, mas sua tendência foi a
bertura do Mediterrâneo à navegação e ao comércio expansão mercantil até a crise geral da sociedade
da Europa que permitiu o reatamento das relações entre feudal nos séculos XIV e XV.
Ocidente e Oriente, interrompidas pela expansão muçul- Ao propiciarem as condições para o desenvol-
mana, e contribuiu para acelerar o renascimento comer- vimento incipiente da atividade mercantil, as Cruzadas,
cial no ocidente da Europa. conjugadas às condições intrínsecas ao modo de produção
Indiretamente, o malogro das Cruzadas acelerou feudal, impulsionaram o que se transformou no renasci-
a decadência do sistema feudal. A conjugação de mento comercial. A abertura do mar Mediterrâneo pelos
fatores políticos, econômicos e sociais agravou signi- cruzados aos mercados da Europa ocidental restabeleceu
ficativamente essa situação. Houve enfraquecimento as relações entre Ocidente e Oriente e dinamizou as ativi-
da aristocracia feudal e da servidão como forma de dades comerciais. A expansão da produção agrícola com
trabalho, de um lado, e fortalecimento da burguesia o desenvolvimento de novas técnicas – como a charrua,
comercial, de outro, bem como o reaparecimento do que é uma espécie de arado puxado manualmente ou por

41
animal – e a ampliação da área destinada à plantação – A intensificação do comércio na Europa seten-
derrubada de florestas e drenagem de pântanos; o fim dos trional e na Europa meridional resultou no estabeleci-
ataques dos invasores bárbaros (vikings), permitiram que a mento de ligações entre as duas regiões. A região de
Europa vivesse um período de relativa paz, experimentan- Champagne, no leste da França, passou a ser um ponto
do mais segurança; assistindo ao crescimento da popula- de confluência entre Flandres, ao norte, e a Itália, ao
ção e se dedicando ao renascimento comercial. sul. Para Champagne dirigiam-se mercadores de todo o
continente, o que dinamizava um comércio intenso e di-
O comércio desenvolveu-se principalmente por
versificado. Ficaram famosas as feiras da Europa reali-
rotas fluviais e marítimas, em razão das péssimas con-
zadas em Champagne. Como a maior parte das cidades
dições das estradas. Os mares Mediterrâneo, ao sul, e
não tinha condições de ter um comércio permanente, as
do Norte e Báltico, ao norte, foram os eixos econômicos
feiras periódicas desempenhavam um papel fundamen-
da Europa entre os séculos XI e XIV. tal graças ao volume de negócios que realizavam ao
O Mediterrâneo voltou a ser a via principal das mesmo tempo em que prepararam as condições para a
atividades mercantis, e as cidades italianas de Veneza, consolidação de mercados estáveis e permanentes.
Gênova e Pisa redistribuíam pela Europa os produtos Além da importância para o comércio, os últimos
vindos do Oriente. A grande rival de Veneza foi Genova, dias das feiras eram consagrados às transações financeiras.
revendendo produtos orientais, particularmente tecidos. Durante o período feudal e até o século XII, a moeda foi se
Após o século XII, exportava para o Oriente tecidos de tornando cada vez mais rara. Com o Renascimento Co-
lã confeccionados em Flandres e Florença. Já ao norte mercial, ela passou a reaparecer com o esterlino, peça de
da Europa florescia outro eixo comercial importante. Os prata inglesa. Em ouro eram cunhados o escudo, da Fran-
produtos vindos do mar Báltico e do Norte – madeira, ça; o ducado, de Veneza, e o florim, de Florença. No centro
peliças, couros, peixe – encontravam na região de Flan- da feira, os banqueiros, na época chamados de cambistas,
pesavam, avaliavam e trocavam as mais variadas espécies
dres (parte das atuais Holanda e Bélgica) um dinâmico
de moedas. Faziam-se empréstimos, liquidavam-se velhas
polo comercial, notadamente nas suas principais cidades,
dívidas, movimentavam-se letras de câmbio. A terra deixava
Bruges e Antuérpia. Mais tarde, estas cidades viriam a ser
de ser a única riqueza na Europa Ocidental. Essa verdadeira
grandes produtoras de tecidos, especialmente de lã.
revolução econômica enfraquecia a nobreza, ligada à terra,
e fortalecia a burguesia, ligada ao comércio e às finanças.

Principais rotas comerciais da Europa, durante o renascimento comercial

Fonte: slideshare.com.br/slide/1865844
Fonte: <slideshare.com.br/slide/1865844>.

42
As associações de artesãos

© Wikimedia Commons
e comerciantes
A ampliação do mercado consumidor, o
progresso das cidades e o reaparecimento do dinheiro
propiciavam um novo mercado para os artesãos mais
hábeis, possibilitando-lhes abandonar a agricultura
e viver da atividade artesanal. Para defender seus
interesses, os artesãos organizaram-se em associações.
Todos que trabalhavam em uma mesma atividade,
numa determinada cidade, juntavam-se e formavam Veüe de la Ville de Feurs. Gravura de Louis Boudan. Loire, 1460. Fora das
muralhas da cidade, estendiam-se o campo e os pomares. O crescimento
uma associação denominada corporação de ofício. constante das cidades, no entanto, levou à ampliação do raio urbano, de
A indústria artesanal era composta por três ní- modo que se construíram novas muralhas para acolher a população.
veis hierárquicos: o aprendiz, o jornaleiro e o mestre.
O aprendiz era iniciado pelo mestre nos segredos do À medida que o comércio se ampliava, surgiram
ofício. Após longo período de aprendizagem, viria a ser cidades na confluência de estradas, na desembocadura
um mestre. O jornaleiro recebia por jornadas trabalha- de rios ou em regiões de declive elevado. Esses eram
das, mas raramente passava a mestre. Por fim, o mestre pontos geográficos preferidos pelos mercadores. Ali ha-
de artes e ofícios era o proprietário da oficina artesanal. via sempre uma igreja ou uma fortificação, denominada
As corporações tinham por objetivo regulamen- burgo, que, ao mesmo tempo que protegia, facilitava
tar a profissão, evitando excesso de pessoas no mesmo a defesa dos comerciantes. Nas cidades medievais, co-
nhecidas genericamente como burgos, foi-se formando
ofício, controlar a qualidade e o preço do produto, difi-
uma nova classe social ligada ao comércio, que passou
cultando a concorrência, dirigir o aprendizado da profis-
a ser conhecida como burguesia.
são e amparar os artesãos necessitados.
As cidades situadas dentro dos feudos, estavam
Os mercadores também associaram-se para de-
submetidas à tutela e à autoridade dos senhores feudais.
fender seus interesses. As hansas ou guildas, no sé-
Não tinham autonomia nos feudos e deviam à nobreza
culo XII, aglutinavam mercadores de diversas cidades. A
impostos e obediência. Com o crescimento do comércio, o
mais poderosa de todas foi a Hansa Teutônica ou Liga
enriquecimento dos comerciantes e as cidades fortalecidas,
Hanseática, que reuniu cerca de noventa cidades do
a burguesia procurou obter sua autonomia administrativa
norte da Europa. Elas exerciam monopólio sobre o co-
e judiciária, liberdade essa que era fundamental para con-
mércio por atacado nas cidades incorporadas por elas.
tinuidade e expansão de seus negócios.
Em meio a uma sociedade ainda feudal, o co-
Renascimento urbano e mércio e as feiras realizavam-se no interior dos feudos,
o que beneficiava a arrecadação de tributos para a aris-
formação da burguesia tocracia feudal. De um lado, essa aristocracia favorecia
o comércio, franqueando os feudos para a realização
O processo de reurbanização da Europa, carac- delas; de outro, travava sua expansão com excessivos
terizado pelo ressurgimento das cidades, está estreita- pedágios e tributos. Outro obstáculo ao desenvolvimen-
mente ligado ao renascimento comercial. Embora não to mercantil era a diversidade de moedas, leis, pesos
seja o único fator do renascimento urbano, este foi, sem e medidas, que variavam de feudo para feudo. Sem
dúvida, o fator principal. Prova disso é o fato de as ci- esquecer as próprias relações servis de produção, que
dades ressurgirem com mais intensidade onde primeiro constituíam um obstáculo ao desenvolvimento pleno da
renasceu o comércio: Itália e Flandres. economia de mercado.

43
Tratava-se de abolir as relações de vassalagem não podiam contar com essa ajuda contra os privilégios
e o direito consuetudinário, bem como unificar o mer- da nobreza feudal. Suas únicas rendas, provenientes dos
cado, diminuir os impostos, padronizar a legislação, domínios reais, eram insuficientes para formar exércitos
a moeda, os pesos e medidas como condição básica mercenários permanentes, capazes de lutar contra os
para a expansão da nova economia mercantil e mone- exércitos de seus vassalos.
tária. Para isso, seria necessário subordinar a nobreza Na luta pela independência das cidades, houve
e fortalecer o poder centralizador do rei, que poderia uma aproximação entre os reis e a burguesia, na qual os
impor essas reformas. burgueses forneciam aos reis os capitais necessários para
A formação do Estado moderno, como expressão a formação de exércitos mercenários permanentes para
do monopólio do poder e da força, seria, no plano lutar contra os senhores feudais e centralizar o poder.
político, a resposta para os novos problemas que
travavam a expansão do comércio e das cidades.
A monarquia nacional francesa

Formação das

Disponível em: <http://www.guerreirosdejorge.com>


monarquias nacionais
Durante o feudalismo, predominava na Europa
a autoridade da nobreza e da Igreja. Impondo uma
autoridade de cunho particularista, controlando
apenas seus feudos. A Igreja irradiava sua autoridade
de forma universal, espalhando-a por toda a Europa.
O renascimento comercial e urbano originou a
necessidade de centralizar o poder para unificar os
tributos, as moedas, os pesos, as medidas, as leis e a
própria língua. Esses obstáculos ao desenvolvimento
do comércio só poderiam ser removidos por um poder
que submetesse a nobreza e exercesse autoridade
em regiões bem maiores que a de um simples feudo.
Impondo criação do Estado Moderno sob a forma de
monarquias nacionais. A formação dessas monarquias Ricardo Coração de Leão
ocorreu sob uma luta de interesses, que aliou o rei e a
burguesia contra a nobreza e a Igreja. Foi na França Ocidental uma das três divisões do
Império Carolíngio, segundo o Tratado de Verdun que
A aliança entre a burguesia e os reis surgiu a monarquia nacional. No século X, terminou a
dinastia Carolíngia e teve início a dinastia Capetíngia,
A burguesia, classe recém-formada, ainda sob a qual se fortaleceria o poder do rei.
não tinha estrutura política para assumir a tarefa de Na luta pela centralização política e expansão
centralizar o poder. Tinha apenas consciência de que territorial, os reis capetíngios enfrentaram a nobreza e a
os particularismos feudais eram contrários aos seus Inglaterra, dona de vastos territórios ao norte da França,
interesses econômicos. contando com o apoio das cidades e da burguesia. Os
Os reis, por sua vez, também estavam interessa- mais importantes reis capetíngios foram Filipe Augusto,
dos em fortalecer o próprio poder, o que era impossível Luis IX e Filipe IV, o Belo.
no interior do complexo sistema de vassalagem do feu- Filipe Augusto organizou o sistema de impostos
dalismo. Dependiam do exército de seus vassalos, mas e um exército permanente que conquistou domínios dos

44
reis ingleses na França. No governo de Luís IX, o poder
real fortaleceu-se ainda mais. Foi criada uma moeda
Crise do século XIV e
padronizada para facilitar o comércio, organizaram-se
tribunais reais para uniformizar a justiça e ampliaram-se
decadência do feudalismo
os domínios da coroa.
A partir do início do século XIV, uma profunda
Com Filipe IV, o Belo, o Estado francês entrou
crise tomou conta da Europa. Fome, pestes, guerras e
em conflito com o papado, uma vez que o rei pretendia
rebeliões camponesas atingiram a essência do sistema
cobrar tributos do clero francês. Com a morte do papa
feudal já bastante desgastado. Ao fim do século XV, as
Bonifácio VIII, Filipe IV influenciou a eleição do novo
papa, o francês Clemente V. Em 1309, sob a tutela do monarquias nacionais estavam consolidadas, a nobreza
poder real, o papado instalou-se na cidade francesa de enfraquecida e as obrigações feudais contestadas pelas
Avignon até 1377 – período conhecido como o Cati- frequentes rebeliões camponesas.
veiro de Avignon. Os filhos de Filipe IV não tiveram
herdeiros masculinos, o que pôs fim à dinastia Capetín- Grande Fome (1315-1317)
gia, que cedeu a vez para a dinastia Valois, com Filipe VI.
Antes do ano 1000, a subalimentação na Euro-
A monarquia nacional inglesa pa era crônica. Do século XI ao XIII, a farta produção
agrícola reduziu muito a fome. Nesse período, a po-
A formação da Inglaterra moderna teve início com
pulação aumentou. A exploração predatória das no-
a conquista da Ilha pelos normandos, em 1066, liderados
vas terras contribuiu para o desgaste da fertilidade do
por Guilherme, o Conquistador, na batalha de Hastings.
solo, e o desmatamento intenso provocou alterações
A organização eficiente do reino permitiu a Guilherme
ecológicas e climáticas. Períodos excessivamente chu-
exercer um poder razoavelmente centralizado.
vosos alternavam-se com outros extremamente secos,
Em 1154, Henrique II deu continuidade a essa
política, fundando a dinastia Plantageneta. A Grande o que, já no início do século XIV, fez diminuir a pro-
Assembleia reunia-se três vezes por ano; instituíram-se dução agrícola e encarecer os produtos. Três anos de
juízes itinerantes; criou-se a prática do júri; inaugurou-se péssimas colheitas (1315-1317) produziram uma ter-
o alistamento militar obrigatório para todos os homens rível fome coletiva que provocou a morte de milhões
livres; e procurou-se manter a Igreja sob sua autoridade. de pessoas.
Com seus filhos Ricardo Coração de Leão e João
Sem-Terra, a autoridade real enfraqueceu-se. Derrotado Peste Negra (1347-1350)
nos conflitos com a França e com o papado, em 1215, João
Sem Terra foi obrigado pela nobreza inglesa a assinar um A Peste Negra, como ficou conhecida na épo-
documento, a Magna Carta. Nela, a autoridade real fora ca, foi uma manifestação epidêmica de peste bubônica
limitada pelo Grande Conselho, órgão composto por bis- transmitida pela pulga do rato. Acredita-se que tenha
pos, condes e barões. O rei não poderia, por exemplo, au-
sido trazida do Oriente por um navio veneziano e dali
mentar os impostos sem a prévia autorização dos nobres.
tenha se propagado por toda a Europa.
No século XIII, em oposição ao rei, os barões
A subnutrição causada pelas crises de fome, as-
ingleses oficializaram o Parlamento, oficialmente di-
sociada às precárias condições de higiene nas cidades
vidido, no século XIV, em Câmara dos Lordes (nobres e
clero) e Câmara dos Comuns (cavaleiros e burgueses). medievais contribuíram decisivamente para a dissemi-
Ao longo dos séculos, o Parlamento usaria seu poder nação da doença. O auge da epidemia ocorreu entre os
de controlar a receita para aumentar sua influência. anos de 1347 e 1350. Estima-se que mais de 30% da
Desenvolveu-se, então, a tradição de que o poder de população europeia. Para se ter uma ideia do que isso
governar não estava apenas com o rei, mas com o rei e significou, a Europa precisou esperar quase 300 anos
o Parlamento juntos. para voltar a ter a mesma população de antes da crise.

45
lipe VI, escapando, portanto, do domínio inglês.2 O rei
inglês não acatou a decisão e partiu para a guerra com
a França, em 1337. O palco do conflito foi o território
francês. Numa primeira fase, as vitórias foram inglesas.
Arqueiros e soldados da infantaria impuseram uma dura
derrota à pesada e lenta cavalaria francesa na Batalha
de Crécy, em 1346.
A segunda fase foi marcada pela reação france-
Fonte: www.publico.pt/ciencia/noticia/identificada-bacteria-
Ilustração da peste bubônica, em edição da Bíblia de Toggenburg, de 1411
que-causou-a-peste-negra-na-idade-media-1460136
sa graças ao nacionalismo despertado por uma campo-
Fonte: <www.publico.pt/ciencia/noticia/identificada-bacteria-
-que-causou-a-peste-negra-na-idade-media-1460136>. nesa que conseguiu organizar um exército e derrotar
em várias ocasiões os ingleses: Joana D’Arc. Ao cair
prisioneira dos ingleses e borguinhões, foi acusada de
Guerra dos Cem Anos (1337-1453) feitiçaria e executada na fogueira. Morta, Joana D’Arc
transformou-se em heroína, símbolo do patriotismo po-
Por mais que não tenham sido cem anos de pular francês. Imbuídos de novo espírito, os franceses
guerra contínua, a guerra entre a Inglaterra e a França continuaram a conquistar vitórias. Em 1453, os ingleses
foi uma das transformações políticas mais significativas foram definitivamente expulsos da França.
que ocorreram no interior dos dois reinos. Foi uma guer-
ra que ocorreu de maneira intermitente, durante um
As rebeliões camponesas
século, em que as duas monarquias mantiveram-se em
estado beligerante. A fome, a peste e as guerras geraram uma
A região de Flandres, no norte da França, rica
abrupta redução da população europeia, o que também
em manufaturas e pródiga em impostos, era desejada
significou menos servos trabalhando nos feudos.
pela França que pretendia anexá-la aos seus domínios.
Acostumada a novos hábitos de consumo criados pelo
Os grandes mercadores e artesãos de Flandres não que-
comércio, no entanto, a nobreza feudal intensificou suas
riam submeter-se ao domínio francês e mantinham for-
exigências sobre os servos que reagiram: quem não se
tes ligações com a Inglaterra, um dos principais fornece-
revoltou fugiu para as cidades.
dores de lã para os teares desses mercadores e artesãos.
O ano de 1358 foi marcado pelo pipocar de re-
Outro fator importante dessa guerra foi a dispu-
beliões camponesas na França semelhantes às rebeliões
ta por territórios na França. Os reis da Inglaterra eram
senhores de grandes feudos na França, o que os tornava dos escravos romanos. Conhecidas como jacqueries,

vassalos do rei francês. No século XIV, o rei francês não em alusão ao nome pejorativo “Jacques Bonhomme”,
deveria ter em seu território um vassalo tão poderoso, equivalente a joão-ninguém, que os nobres davam aos
bem como o monarca inglês não podia suportar a hu- camponeses, essas rebeliões de camponeses desarma-
milhação de ser vassalo de outro rei. dos foram facilmente sufocadas. Em 1381 explodiu na
Ao mesmo tempo, havia uma acirrada luta pela Inglaterra uma revolta camponesa liderada por Wat
sucessão do trono francês. Em 1328, morrera o último Tyler, que exigia a abolição da servidão. Não demorou
descendente de Felipe IV, o Belo, sem deixar sucessor. muito para que essa sublevação fosse cruelmente repri-
Os grandes nobres franceses tinham dois candidatos mida pelos nobres.
para o cargo: um nobre da família Valois, de nome Fi-
lipe, e Eduardo III, rei da Inglaterra, neto de Filipe IV, 2. Uma assembleia de nobres franceses escolheu Filipe de Valois para o trono
por parte de mãe. Os nobres franceses escolheram o com base na Lei Sálica, segundo a qual, desde o início da Idade Média, mu-
lheres não podiam ocupar ou transmitir o trono francês.
membro da família Valois, que recebeu o nome de Fi-

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INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR

Filme Monty Python em busca do cálice sagrado (1975)

O rei Artur (Graham Chapman) está à procura de cavaleiros que possam


acompanhá-lo em uma importante jornada: a busca do Santo Graal. Sir
Lancelot, o Bravo (John Cleese); Sir Robin, o Não-tão-bravo-quanto-Sir
Lancelot (Eric Idle); Sir Galahad, o Puro (Terry Jones); e outros cavaleiros
se dispõem a participar da busca real. O longa satiriza diversos eventos
histórios ocorridos na Idade Média.

Filme O exército de Brancaleone (1966)

No ano 1000 d.C., um bravo cavaleiro parte da França para tomar


posse de suas terras. No caminho, ele é assaltado e assassinado por um
bando de foras da lei que, de posse da escritura, decidem pegar para si
o terreno. Para isso, eles precisam de alguém que finja ser o cavaleiro
e acabam encontrando a pessoa perfeita no atrapalhado Brancaleone.

LER

Livros

As brumas de Avalon – Marion Zimmer Bradley (1979)

Uma obra de 1979, da escritora estadunidense Marion Zimmer Bradley,


feita em quatro volumes. É ambientada durante a vida do lendário rei
Artur e seus cavaleiros e tem por escopo narrar a já conhecida lenda
arturiana a partir de uma outra perspectiva.

A Demanda do Santo Graal – Anônimo (séc. XIII)

A Demanda do Santo Graal (em francês La Queste del Saint Graal) é o


nome de algumas obras literárias medievais sobre as lendas do rei Artur
e os cavaleiros da Távola Redonda, escritos originalmente em francês
antigo no século XIII.

47
OUVIR
Músicas
- The Myths and Legends of King Arthur and the
Knights of the Round Table – Rick Wakeman
- As cruzadas – Paulo Ó

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INTERDISCIPLINARIDADE

A Peste Negra (Biologia)


Nos porões dos navios de comércio que vinham do Oriente, entre os anos de 1346 e 1352, chegavam
milhares de ratos. Esses roedores encontraram nas cidades europeias um ambiente favorável, pois estas possuíam
condições precárias de higiene. O esgoto corria a céu aberto e o lixo acumulava-se nas ruas. Rapidamente, a
população de ratos aumentou significativamente.
Esses ratos estavam contaminados com a bactéria Pasteurella pestis. E as pulgas destes roedores transmi-
tiam a bactéria aos homens através da picada. Os ratos também morriam da doença e, quando isto acontecia, as
pulgas passavam rapidamente para os humanos para obterem seu alimento, o sangue.
Após adquirir a doença, a pessoa começava a apresentar vários sintomas: primeiro, apareciam nas axilas,
virilhas e pescoço várias bolhas de pus e sangue. Em seguida, vinham os vômitos e febre alta. Era questão de dias
para os doentes morrerem, pois não havia cura para a doença e a medicina era pouco desenvolvida. Vale lembrar
que, para piorar a situação, a Igreja católica opunha-se ao desenvolvimento científico e farmacológico. Os poucos
que tentavam desenvolver remédios eram perseguidos e condenados à morte, acusados de bruxaria. A doença foi
identificada e estudada séculos depois desta epidemia.

Quadro de Pierre Bruegel (1562) intitulado “O triunfo da morte”, inspirado na Peste Negra do século XVI. Museu do Prado

Acreditava-se que somente os pecadores ou devedores da Igreja seriam infectados pela doença, a peste
dizimou um terço da população europeia. Com o surgimento dos problemas econômicos em decorrência das epi-
demias, várias questões sobre o ambiente e higiene de trabalho foram revistas, tornando as condições de trabalho
mais favoráveis. As epidemias foram se perpetuando até 1889 e o seu único tratamento era a utilização do vinagre
como repelente de insetos, pelo seu odor forte. Até a descoberta dos antibióticos, que tornaram a peste negra um
problema menor de saúde.

49
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 18 – Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas


implicações socioespaciais.

Nas ciências humanas, existe o reconhecimento de que a economia, isto é, a relação entre os
homens e a natureza mediada por tecnologia, é fundamental para se explicar as transformações
socioespaciais. Significa dizer que como o homem se organiza economicamente determina, em
última instância, todos os outros aspectos da sociedade.
A habilidade 18 exige a compreensão de como novos ou antigos processos de produção e
circulação de bens econômicos determinam sociologicamente e geograficamente as civilizações
humanas. Quando uma nova forma de produzir algo é descoberta, há habitualmente um impulso
produtivo que redimensiona as relações sociais. Cabe notar, por exemplo, o caso da máquina à
vapor durante a Revolução Industrial – sua implementação transformou profundamente a vida
urbana, as relações de trabalho e as trocas comerciais entre as nações. Trata-se, assim, de um
caso que a habilidade 18 pode abordar.

Modelo
(Enem 2017) Mas era sobretudo a lã que os compradores, vindos da Flandres ou da Itália, procura-
vam por toda a parte. Para satisfazê-los, as raças foram melhoradas através do aumento progres-
sivo das suas dimensões. Esse crescimento prosseguiu durante todo o século XIII, as abadias da
Ordem de Cister, onde eram utilizados os métodos mais racionais de criação de gado, desempenha-
ram certamente um papel determinante nesse aperfeiçoamento.
DUBY. G. Economia rural e vida no campo no Ocidente medieval. Lisboa: Estampa, 1987 (adaptado).

O texto aponta para a relação entre aperfeiçoamento da atividade pastoril e avanço técnico na
Europa ocidental feudal, que resultou do(a)
a) crescimento do trabalho escravo.
b) desenvolvimento da vida urbana.
c) padronização dos impostos locais.
d) uniformização do processo produtivo.
e) desconcentração da estrutura fundiária.

50
Análise Expositiva

Habilidade 18

A alternativa B é a correta, porque o crescimento das cidades na Europa feudal em paralelo


ao crescimento demográfico aumenta o consumo dos produtos, impelindo o aperfeiçoamen-
to das raças bovinas com métodos mais racionais de criação. Isso está inserido no contexto
do final da chamada Baixa Idade Média, momento de surgimento da cultura renascentista,
quando algumas modificações importantes marcaram a vida europeia. Dentre tais modifica-
ções, o ressurgimento das cidades e do comércio merece destaque, evidentemente. Esses res-
surgimentos contribuíram para um novo desenvolvimento da vida urbana.

Alternativa B

Estrutura Conceitual
Baixa Idade Média
Crise e decadência do feudalismo causadas por:

Cruzadas (1095-1270)

Características
Contexto ◊ Fervor religioso cristão
◊ Fim das ◊ Movimento militar Estopim
◊ Contenção de conflitos
invasões bárbaras ◊ Turcos proíbem cristãos
demográficos
◊ Crescimento de peregrinar a Jerusalém
◊ Conquista de antigos
populacional
territórios romanos
◊ Guerra contra islâmicos

Consequências
Guerra de Reconquista (722-1492)
◊ Reabertura do comércio do Mediterrâneo
◊ Expulsão dos muçulmanos da península Ibérica
◊ Enfraquecimento da Igreja católica

Renascimento Comercial Renascimento Urbano


◊ Abertura do comércio no mar Mediterrâneo ◊ Novas cidades surgem nas rotas de
◊ Melhora técnica e aumento produtivo comércio (burgos)
◊ Retomada do comércio europeu ◊ Enfraquecimento da nobreza
◊ Monetarização da economia ◊ Fortalecimento dos artesãos
◊ Fortalecimento da burguesia (criação das corporações de ofício)

51
Centralização do Poder Real Crise Geral do séc. XIV
Aliança entre ◊ Fome
rei e burguesia ◊ Peste
◊ Guerra dos Cem Anos (1337-1453)
◊ Revolta dos Camponeses
Quer Quer diminuição dos
centralizar o impostos pagos à
poder nobreza no comércio

Exemplos

França Inglaterra

◊ Fim da dinastia Capetíngia ◊ Disputa entre rei e nobreza


◊ Novas relações com a Igreja ◊ Magna Carta
(Cativeiro de Avignon) ◊ Parlamento

52
17 18
Renascimentos cultural e
científico

Competências Habilidades
1, 2, 3, 4, 5 e 6 1, 4, 5, 7, 8, 9, 11,
14, 15, 16,17, 18,
22 e 29

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-
H8
-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferen-
tes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favo-
recendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
A Criação de Adão. Afresco. Michelangelo (c. 1511). Teto da Capela Sistina, Vaticano

Renascimento cultural e transição para a Idade Moderna


As importantes transformações econômicas, sociais, políticas, intelectuais, artísticas e culturais que a Eu-
ropa experimentou entre os séculos XI e XIV promoveram uma gradativa reorganização estrutural e o redimen-
sionamento do seu entendimento do mundo no qual o saber, seu desenvolvimento e o incremento do comércio
reforçaram-se mutuamente.
Essas mudanças, ocorridas desde o final da Baixa Idade Média, proporcionaram o Renascimento urbano, cujo
elemento propulsor foi o comércio, que trouxe consigo o aparecimento e o crescimento de uma nova classe social:
a burguesia mercantil. Coube a ela o importante papel de, na política, consolidar os territórios e as monarquias na-
cionais modernas e financiar a técnica, a ciência e a arte. Esse longo processo histórico marca a passagem da Idade
Média para Idade Moderna. Estas transformações estruturais estimularam mudanças no comportamento e na forma
de pensar dos europeus, que passaram a ter uma nova visão de mundo caracterizada pelo humanismo. Desde o século
XIV, vivia-se o esforço de trazer o homem para a posição central do mundo, objeto de estudos e das artes.
A crítica dos valores medievais e a denominação de Renascimento cultural ocorreram no século XIV. Os
homens do Renascimento não nutriam desprezo pelas ideias ou pelo período medieval nem eram desligados da
religiosidade, apenas separaram o mundo da religião do centro das suas preocupações a ponto de abraçarem o
humanismo sem abandonar a crença em Deus.

Renascimento cultural: definição e fatores


O Renascimento é uma verdadeira revolução cultural que marcou e definiu o final da Idade Média e os
primeiros séculos da Idade Moderna. Expressa os ideais e a visão de mundo da nova sociedade emergente com o
desenvolvimento da economia mercantil e do capitalismo. Em vários aspectos, no entanto, esse movimento cultural
representou mais uma continuidade do que uma ruptura em relação ao mundo da Baixa Idade Média. Sua origem
data do século XIV e sua máxima plenitude, dos séculos XV e XVI.

55
As transformações culturais que caracterizam o difusão e a divulgação dos novos padrões culturais que
Renascimento foram causadas por vários fatores, no- se desenvolviam.
tadamente as transformações econômicas e sociais,
resultado do Renascimento comercial e urbano desen- “Esses financiadores de uma nova cultura –
cadeado pelas Cruzadas. O desenvolvimento das ativi- burguesia, príncipes e monarcas – eram chamados
dades comerciais permitiu a abertura e a consolidação mecenas, isto é, protetores das artes. Seu objetivo
de rotas comerciais e feiras. Com elas, a distribuição de não era somente a autopromoção, mas também a
propaganda e difusão de novos hábitos, valores
produtos na Europa foi dinamizada e estimularam-se
e comportamentos. Mais do que sua imagem,
a fundação e a evolução de centros comerciais que se
que podia ou não aparecer nas obras, o que
tornaram grandes e importantes cidades. As atividades
elas deveriam veicular era uma visão racional,
bancárias e financeiras foram estimuladas e a burguesia dinâmica e opulenta do mundo e da sociedade.
enriqueceu, ocupando posição de prestígio e destaque Uma visão na qual o modo de vida e os valores da
na sociedade europeia. burguesia e do poder centralizado aparecessem
como única forma de vida e o conjunto de crenças
mais satisfatório para todas as pessoas. (…) Ser
eternizado numa tela, com ar altivo, cercado de
símbolos de poder e de uma clientela subserviente
era uma tentação a que os ricos e poderosos não
poderiam mais resistir. Esses atributos simbólicos,
glória e eternidade, deixaram de ser um privilégio
divino e se tornaram um valor de mercado, à
disposição de quem pudesse adquiri-los.”
SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento.
São Paulo: Atual, 1994, p. 26 e 62.

O cambista e a sua mulher. Detalhe. 1514. Quintino de Metsys


Características
O poder econômico levou a burguesia a financiar De uma maneira geral, a cultura renascentista
atividades culturais e artísticas que traduziam e repre- nega e opõe-se aos valores clericais teocêntricos e
sentavam sua visão de mundo, como forma de consoli- dogmáticos preponderantes na Idade Média, com
dar seu poder naquela sociedade dominada por nobres destaque para estas características:
e clérigos. Esses incentivos às artes tornaram-se comuns §§ Humanismo – valorização do homem, de sua
no período renascentista e receberam a denominação inteligência e capacidade criadora. Os huma-
de mecenato. É importante frisar que clérigos e nobres nistas defendiam um novo comportamento do
chegaram a atuar como mecenas, mas em escala redu- homem europeu a partir da reinterpretação dos
zida em relação aos burgueses. modelos estéticos artísticos e literários da Anti-
No plano intelectual, a retomada dos estudos guidade. Tinham por objeto a construção de uma
das obras clássicas greco-romanas foi fundamental, mentalidade na qual o homem tem a condição
graças aos mosteiros medievais, que preservaram mui- de superar-se pelos seus feitos.
tas dessas obras, protegendo-as da destruição pelos §§ Antropocentrismo – valorização de temas do
bárbaros no período das invasões. cotidiano humano, do comportamento e da reali-
O Renascimento cultural também foi favorecido dade vivenciada nas cidades europeias. Dentre as
pelo desenvolvimento da imprensa, visto que a maravilhas da natureza criadas por Deus, o homem
impressão e a publicação das obras favoreceram a é sua obra-prima. Sem esquecer a importância de

56
Deus, o homem deveria centralizar as preocupa- da fé com a razão, passou a ser desdenhada no
ções, bem como suas necessidades sociais, políti- Renascimento.
cas, religiosas e angústias existenciais. §§ Valorização da cultura clássica – artistas e
§§ Racionalismo – o conhecimento baseado na intelectuais renascentistas tomaram o humanis-
razão, nos sentidos e no que possa ser explicado mo e o racionalismo greco-romanos como refe-
à luz dos estudos da natureza e da explicação rência e inspiração.
científica dos fenômenos, passou a ser privilegia-
§§ Individualismo – o Renascimento refletiu a rea-
do em lugar da exclusiva compreensão sobrena-
lidade do capitalismo nascente, que estimulava o
tural dos fenômenos. A observação científica, os
individualismo, a concorrência, o acúmulo de rique-
métodos experimentais e a organização racional
zas e a criatividade.
do Estado são exemplos.
§§ Naturalismo – ao individualizar e decompor as
§§ Negação dos valores medievais – com o
partes, chegou-se à aguda análise e percepção
advento da pólvora e das armas de fogo, a cava-
da natureza.
laria, uma das mais importantes instituições da
Idade Média, entrou em declínio. No âmbito fi- §§ Hedonismo – valorização do prazer e da felici-
losófico, a escolástica que buscava a conciliação dade terrenas sem medo do pecado ou do inferno.

VISÃO DE MUNDO MEDIEVAL VISÃO DE MUNDO RENASCENTISTA


Teocentrismo Antropocentrismo
A verdade é resultado da observação, da
A verdade está na Bíblia, na tradição e na autoridade da Igreja.
experimentação e principalmente da razão.
A vida material não importa. A vida dedicada à religião é tudo. A vida terrena e material também é importante. A realidade
Afinal, a realidade é explicada somente pela vontade de Deus . terrestre é explicável pelo que acontece aqui na Terra.
Conformismo: todas as mudanças são
O homem pode e deve progredir material e culturalmente.
contrárias à vontade de Deus.
Conhecer para contemplar a realidade. Conhecer para transformar a natureza: saber = poder.
A natureza é fonte do pecado. O caminho é
A natureza é maravilhosa e o homem faz parte dela.
ficar afastado de suas “tentações”.
Hedonismo: valorização do corpo e dos
Ascetismo: vida simples e afastada dos prazeres e desejos.
prazeres materiais e intelectuais.
Filosofia escolástica Filosofia humanista
Adaptação de São Tomás de Aquino ao pensamento do A contestação da Escolástica. Busca de novas verdades
grego Aristóteles – filosofia aristotélico-tomista. e questionamento dos dogmas tradicionais.
Dogmatismo: aceitação de certas
Separação entre fé e razão: aquela cuida do céu, esta, da Terra.
“verdades” sem questionamento.
A razão é serva da fé. Revalorização dos estudos clássicos greco-romanos.

Península Itálica: o berço do Renascimento


Não foi por acaso que o Renascimento teve origem na Itália. Exatamente lá o capitalismo mercantil ganhou
forças para se desenvolver – Renascimento comercial e urbano. A península Itálica era o centro do ativo comércio
mediterrâneo, que interligava os entrepostos orientais à rota de Champagne e do mar do Norte. Os centros urbanos
tornaram-se ativos e pipocavam grandes companhias comerciais e grupos financeiros.
Com uma economia dinâmica, mercantil, geradora de excedentes que pudessem ser investidos na produção
cultural, criaram-se as condições fundamentais para o Renascimento. Com o desenvolvimento mercantil nasceu
uma nova classe social: a burguesia italiana, que buscava projeção social e legitimação de seus valores. Daí para a
mobilização de capitais para patrocínio de artistas e intelectuais foi um passo.

57
§§ Giovanni Boccaccio escreveu sua obra mais
notável por volta de 1348, o Decameron, uma
coletânea de contos. Nela é expressa a crise de
valores da época. Diferencia-se da literatura me-
dieval por suas características anticlericais e pela
utilização do elemento erótico e picaresco.
§§ Nicolau Maquiavel, autor de O Príncipe e consi-
derado precursor do pensamento político moderno.
O Príncipe é uma espécie de manual de política
destinado a ensinar aos príncipes a forma de con-
O Nascimento de Vênus. 1843. Sandro Botticelli. A arte e a literatura re- quistar o poder e mantê-lo, mesmo contra todas as
nascentistas recorrem aos mitos e divindades clássicos. normas da moral cristã. Maquiavel não pretendeu
retratar um ideal que levasse em consideração as
Quando da época do Império Romano, numerosos ideias de justiça e perfeição; apenas determinou
templos e monumentos foram levados para a Itália, que os meios pelos quais os homens de Estado de sua
vivia cercada, portanto, da Antiguidade Clássica, notada- época alcançariam os fins a que se propunham. Ao
mente da escultura e da arquitetura. Note-se ainda que o promover a radical separação entre religião e políti-
afluxo de intelectuais bizantinos chegados à Itália depois ca, Maquiavel abriu caminho para a criação de uma
da tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, em teoria política.
1453, contribuiu para o novo clima cultural.

Renascimento italiano
É comum a divisão do Renascimento Italiano em
três fases: Trecento (século XIV), Quattrocento (século
XV) e Cinquecento (século XVI). O Trecento caracteri-
zou-se pelo emprego do dialeto toscano e pela forte
influência medieval. No Quattrocento houve grande em-
polgação com a cultura clássica, retorno ao grego e ao
latim e ênfase na filosofia clássica. No Cinquecento, a Nicolau Maquiavel
língua italiana foi sistematizada e consolidada.
Artes plásticas
Literatura §§ No Trecento, a principal figura foi Giotto, con-
§§ Na literatura destaca-se Dante Alighieri. Sua siderado o precursor da pintura renascentista.
principal obra, a Divina comédia, prenuncia o Com ele a pintura alcançou a posição de arte in-
Renascimento quer pela substituição do latim, dependente da arquitetura e assumiu um caráter
até então usado, pelo dialeto toscano – que naturalista. A humanização das figuras represen-
viria a se tornar o padrão da língua nacional tadas e o cuidado nas proporções são traços que
italiana –, quer pela citação de autores da An- distinguem sua arte da medieval.
tiguidade Clássica. §§ Sandro Botticelli foi um pintor que procurou
§§ Francesco Petrarca, considerado o “pai do conciliar o paganismo clássico com os valores
Humanismo” e autor de De África e Odes a Lau- cristãos. Seus melhores trabalhos baseiam-se
ra, levou mais longe a recuperação dos clássicos em temas da mitologia clássica. Entre eles des-
ao fazer uma tentativa sistemática de descobrir tacam-se a “Alegoria da primavera“ e o “Nasci-
as raízes da retórica italiana medieval. mento de Vênus“.

58
§§ Michelangelo Buonaroti foi, sem dúvida, um §§ Leonardo da Vinci, cientista, engenheiro, ex-
gênio da escultura, além de grande pintor e arqui- celente artista, especialista em fortificações e
teto. A harmonia artística criada por ele derivava em artilharia, inventor, anatomista e naturalista,
de seu domínio da anatomia e do desenho. Entre transferiu para suas pinturas a cuidadosa obser-
suas principais esculturas destacam-se “Davi“, vação da natureza, combinada com uma pode-
“Pietá“ e “Moisés“. Patrocinado pelo papa Júlio rosa percepção psicológica. Produziu obras de
II, Michelangelo projetou a abóbada da nova ba- reconhecida e insuperável genialidade, dentre as
sílica de São Pedro em Roma. Mas sua obra mais quais se destacam “A última ceia“ e a “Giocon-
admirável talvez seja o teto da capela Sistina, no da“ ou “Mona Lisa“.
Vaticano, encomendada pelo papa Júlio II, dentre
as quais A criação de Adão é a mais famosa des-
ses afrescos.

Mona Lisa ou Gioconda, de Leonardo da Vinci


Pietá, de Michelangelo

§§ Rafael Sanzio realizou uma síntese entre os


grandes mestres de seu tempo. Produziu traba-
lhos marcados pelo equilíbrio e suavidade e no-
tabilizou-se pela glorificação da forma e da cor
em si mesmas. Entre suas obras mais importantes
estão “Escola de Atenas“ e “Madona Sistina“.

Manuscrito de Leonardo da Vinci que revela a anatomia de um feto no útero.

Detalhe da pintura Escola de Atenas, de Rafael. No centro, Platão segura o


Timeu e aponta para o alto, representando o mundo das ideias. Aristóteles
segura a Ética e tem a mão voltada para o chão, indicando o mundo material.
Disponível em: <cienciahoje.uol.com.br>.

59
Expansão do Renascimento
cultural pela Europa
No início do século XVI, em virtude das grandes
navegações e do desenvolvimento comercial e urbano
de vários países europeus, estimularam-se transforma-
ções culturais que as levaram a vivenciar seu Renasci-
mento cultural. Essa expansão coincidiu com a conso-
lidação de grande parte dos Estados modernos, que,
consoante seus aspectos universais, adaptaram a cultu-
ra renascentista às suas condições específicas.

Península Ibérica O enterro do conde de Orgaz, El Greco

A Espanha produziu um dos grandes nomes da li- Em Portugal, o Renascimento fez de Gil Vicente
teratura renascentista europeia: Miguel de Cervantes. e Luís Vaz de Camões suas figuras mais proeminen-
Dom Quixote de La Mancha foi o trabalho mais famoso tes. Aquele, teatrólogo, produziu uma vasta obra com
dele. D. Quixote, o protagonista, é o cavaleiro romântico destaque para o Auto da barca do inferno e Farsa de
medieval que, com seu escudeiro Sancho Pança, viaja pela Inês Pereira; Camões é autor da epopeia Os Lusíadas,
Espanha em busca de aventuras. Trata-se de um louco e cujo assunto é a viagem de Vasco da Gama às Índias.
santo ao mesmo tempo, cujo humor era desconhecido
até então. O estilo é bastante inovador graças à introdu- Inglaterra
ção do diálogo entre os personagens. Tem-se a clara im-
pressão de que esse personagem adormeceu na história No século XVI, o país já se encontrava em condi-
ções econômicas desenvolvidas e começava a superar al-
durante a Idade Média e acordou numa época em que a
gumas potências europeias. A produção literária da época
cavalaria medieval já estava completamente derrotada e
é creditada a Thomas Morus e William Shakespeare.
fora de moda. Na verdade, o comportamento de D. Qui-
xote é o de um espanhol que vive a decadência de seu
país, mas guarda na lembrança a época de opulência e da
riqueza originária da exploração que a Espanha exerceu
sobre as minas e os índios da América. A obra satiriza,
desse modo, a nobreza espanhola, que insistia em se
considerar a grande dominadora do mundo, o que não
podia estar mais longe da verdade. Nações mais dinâmi-
cas, como Inglaterra e Holanda, derrotavam econômica e
militarmente a outrora gloriosa Espanha.
Nas artes plásticas, a Espanha forneceu pelo me-
nos um grande pintor: El Greco (Domenikus Theotoko-
poulos). Dentre suas obras, O enterro do conde de
Orgaz é um dos que mais se destaca. Nela prenuncia-
-se elementos que seriam dominantes no Barroco, fase
Laurence Olivier, no filme Hamlet (1948)
posterior ao Renascimento.

60
Intelectual humanista da Europa, Thomas Mo-
França
rus deixou uma obra clássica, Utopia (do grego “em
nenhuma parte”), que descreve as condições de vida As manifestações da cultura renascentista na
da população de uma ilha imaginária sem propriedade França ocorreram principalmente depois que seus exér-
privada, portanto, sem pobres nem ricos. A sociedade citos invadiram a Itália e trouxeram de lá noções da
é ideal e igualitária. Morus viveu em plena Reforma nova estética italiana. Na literatura, Rabelais, com seu
Protestante, quando Henrique VIII rompeu com a Igreja Gargantua e Pantagruel, foi um importante escritor ao
católica e fundou a Igreja anglicana. Por não reconhecer lado de Montaigne, autor de vasta obra filosófica in-
o monarca como chefe religioso, Morus foi executado. titulada Ensaios.

Países Baixos

Willian Shakespeare
Erasmo de Roterdã
William Shakespeare é considerado o me-
lhor dramaturgo de todos os tempos. O auge de sua Fora da Itália, o humanista de considerável ex-
produção teatral coincide com o reinado da rainha pressão foi Erasmo de Roterdã, vinculado ao huma-
Elizabeth I, que fez crescer os grandes negócios e nismo cristão, que pretendia forjar uma Igreja renovada.
enriqueceu uma nova burguesia e uma nova nobreza O Elogio da Loucura, sua obra principal, criticava a ga-
ligada aos negócios. Essa nova camada social dese- nância, a imoralidade, o formalismo e a ignorância do
clero, bem como o comércio de relíquias e indulgências.
java desfrutar de uma sociedade estável, ordenada e
Propunha que a Igreja retomasse a leitura dos Evange-
sem agitações ou revoltas coletivas para desenvolver
lhos e reorganizasse sua ação com base nos autênticos
plenamente seus negócios. A obra de Shakespeare re-
princípios evangélicos.
flete esse contexto sociopolítico, que teme a anarquia
e apela constantemente para a ordem. As tragédias
”Hamlet”, ”Ricardo III”, ”Macbeth” e ”Otelo” desta-
cam-se pela forte crítica ao ideal de cavalaria, caracte-
rístico do pensamento medieval.

61
A loucura. Ilustração de Hans Holbein (1515)

O casal Amolfini, de Jan van Eyck.


Com exceção de Erasmo, o Renascimento nos Típico casal burguês em ascensão socioeconômica
Países Baixos foi essencialmente dominado pela pintu-

Renascimento científico
ra. Numa das regiões mais ricas da Europa, a burguesia
era disciplinada e trabalhadora, sem pretensões aristo-
cratizantes. Investia-se em arte e doavam-se pinturas às
O pensamento renascentista estimulou as ciên-
igrejas como meio de purificação das próprias almas. A
cias, os estudos da natureza e a busca de explicações
realidade social aparece de forma autêntica na pintura,
racionais para os fenômenos naturais. Em oposição aos
que reproduz a miséria e a pobreza ao lado da riqueza.
dogmas e verdades incontestáveis impostas pela fé, fo-
Retratam interiores de templos, palácios, oficinas e resi-
ram estimulados o conhecimento racional, a observação
dências, bem como objetos, naturezas mortas e paisa-
e a experiência como fontes de conhecimento.
gens. Período em que se desenvolveu a técnica do retrato,
principalmente o de perfil e o retrato conjugal.
Os flamengos foram os inventores da pintura
a óleo, mediante a qual conseguiram efeitos notáveis.
Nesta óleo de Jan van Eyck, O casal Arnolfini, inaugu-
rou-se o retrato conjugal.
Ainda profundamente ligado às raízes góticas
da arte flamenga, Hieronymus Bosch, em O jardim das
delícias, criou uma atmosfera caótica de homens e mu-
lheres bestificados em situações insólitas. Com preocu-
pação sobretudo moralizante, critica o caráter dissoluto Gravura de Harmonia Macrocósmica, de Andreas Cellarius (1660-1661),
representando o modelo heliocêntrico, segundo Copérnico
da sociedade de seu tempo.
Nicolau Copérnico negou a teoria geocêntrica
(a Terra como centro do universo), na obra De revolutio-
nibus orbium celestium (Sobre a revolução dos globos
celestes), propondo o heliocentrismo, segundo o qual
o Sol sim é o centro, em torno do qual giram a Terra e
todos os outros planetas.

62
Essa teoria foi confirmada pelo italiano Galileu
Galilei que se serviu de uma luneta para estudar os
movimentos dos astros e acabou descobrindo os sa-
télites de Júpiter. É importante lembrar que Galileu foi
julgado pelo Tribunal da Inquisição por confirmar o he-
liocentrismo. Para escapar da morte, abriu mão de suas
ideias, negando-as publicamente.
O alemão Johannes Kepler fez estudos sobre
o movimento dos astros e observou as órbitas dos pla-
netas em torno do Sol, comprovando que são elípticas e
não circulares, como se imaginava até então.
Os estudos do corpo humano intensificaram-se,
estimulando descobertas e avanços na Medicina. Leonar-
do da Vinci realizou estudos de anatomia humana, assim
como o médico flamengo André Vesálio, que pesquisou o
corpo humano pela dissecação de cadáveres.

Humanis corporis fabrica, detalhe de André Vesálio

O francês Ambroise Pare descobriu uma nova


maneira de estancar hemorragias, enquanto o médico
espanhol Miguel de Servet descreveu o mecanismo
da pequena circulação.
Merecem destaque ainda o suíço Paracelso (pseu-
dônimo de Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von
Hohenheim), que abriu caminho para a doutrina dos medi-
camentos específicos e da farmacologia, e o médico inglês
Willian Harvey, que descobriu o retorno do sangue ao
coração pelos vasos sanguíneos.

63
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR

Filme O código Da Vinci (2006)

Baseado no livro homônimo do escritor estadunidense Dan Brown,


desenrola-se a partir do assassinato de Jacques Saunière, curador do
museu do Louvre. Robert Langdon, Sophie Neveu e Leigh Teabing vivem
várias aventuras ao tentar desvendar os códigos que levam à resposta
para os enigmas que Jacques Saunière deixou em seu leito de morte.

Filme Agonia e Êxtase (1965)

Agonia e êxtase é um filme biográfico estadunidense de 1965, produzido


e dirigido por Carol Reed. O enredo busca retratar os conflitos entre o
artista Miquelângelo e o papa Júlio II, durante a realização das pinturas
do teto da Capela Sistina (1508-1512).

LER

Livros
A Divina Comédia – Dante Alighieri (1321)

O poema – talvez o maior do Ocidente – descreve uma


viagem do Inferno ao Paraíso, na qual se sucedem diversos
acontecimentos. Sua força está na riqueza das alegorias, que
tornam o relato atemporal.

Don Quijote de la Mancha – Miguel de Cervantes (1605)

O livro surgiu em um período de grande inovação e diversidade


por parte dos escritores ficcionistas espanhóis. Parodiou os
romances de cavalaria que gozaram de imensa popularidade no
período e, na altura, já se encontravam em declínio. Nesta obra, a
paródia apresenta uma forma invulgar.
64
OUVIR
Músicas
- Leonardo da Vinci – Sônia Rocha

65
INTERDISCIPLINARIDADE

Artes plásticas
O Renascimento cultural foi um movimento que teve início no século XIV, na Itália, e se estendeu
por toda a Europa durante o século XVI. Importante centro comercial da época, a península Itálica possuía uma
economia pujante, cujos excedentes puderam ser investidos também na produção cultural.

Dentre as obras produzidas neste período, duas das mais famosas são Pietà e David, ambas de Michelange-
lo. A Pietà retrata a Virgem Maria com o corpo de Jesus em seus braços, logo após sua crucificação. Já David retrata
o pastor responsável por derrotar o gigante Golias em passagem bíblica.
Em ambas as obras, o realismo e a riqueza dos detalhes são incríveis. Estas esculturas demonstram, entre
outras coisas, a afeição do artista pela arte sacra, a riqueza presente na arte do período e a grande valorização de
valores clássicos pelos artistas renascentistas. Embora muitos erroneamente digam que os renascentistas pregavam
contra os mitos e preceitos cristãos, é observável que tais obras não coadunam com esse suposto fato.

66
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 16 – Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização


do trabalho e/ou da vida social.

O desenvolvimento tecnológico, associado à sofisticação da produção e comércio,


redimensiona em diferentes graus as relações de trabalho. Uma tecnologia como a do
arado manual tende a gerar uma relação de trabalho específica – normalmente, no caso
do ocidente, a servidão. Já a máquina a vapor, durante a revolução industrial, a relação
assalariada entre operários e burgueses. Obviamente que tal relação não é determinística,
mas uma tendência geral.
A habilidade 16 requer a análise de textos, obras de arte ou dados estatísticos que
apresentem mudanças no mundo do trabalho associadas a inovações tecnológicas. O
candidato deve ter sua capacidade de interpretação aguçada, além de compreender as
principais inovações científicas e tecnológicas na história.

Modelo
(Enem) No início foram as cidades. O intelectual da Idade Média – no Ocidente – nasceu com elas.
Foi com o desenvolvimento urbano ligado às funções comercial e industrial – digamos modes-
tamente artesanal – que ele apareceu, como um desses homens de ofício que se instalavam nas
cidades nas quais se impôs a divisão do trabalho. Um homem cujo ofício é escrever ou ensinar, e
de preferência as duas coisas a um só tempo, um homem que, profissionalmente, tem uma ativida-
de de professor e erudito, em resumo, um intelectual – esse homem só aparecerá com as cidades.
LE GOFF, J. Os intelectuais na Idade Média. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.

O surgimento da categoria mencionada no período em destaque no texto evidencia o(a):


a) apoio dado pela Igreja ao trabalho abstrato.
b) relação entre desenvolvimento urbano e divisão de trabalho.
c) importância organizacional das corporações de ofício.
d) progressiva expansão da educação escolar.
e) acúmulo de trabalho dos professores e eruditos.

67
Análise Expositiva

Habilidade 16
O desenvolvimento urbano e o renascimento cultural promoveram transformações na so-
ciedade, como o surgimento de novas profissões urbanas, promovendo, também, uma nova
divisão do trabalho.
Alternativa B

68
Estrutura Expositiva
Renascimento Cultural

Contexto Características
◊ Crise do feudalismo ◊ Antropocentrismo
◊ Crescimento da economia de mercado ◊ Racionalismo
◊ Fortalecimento da burguesia ◊ Classicismo
◊ Hedonismo
◊ Naturalismo
Renascimento na Itália ◊ Individualismo

◊ Principal centro burguês da Europa


◊ Mecenato - Financiamento de artistas Expoentes
pela burguesia e Igreja ◊ Literatura - Dante Alighieri,
Nicolau Maquiavel, Bocaccio
Três fases ◊ Artes plásticas - Botticelli,
Michelangelo, Leonardo da Vinci
◊ Trecento (XIV)
◊ Quatrocento (XV)
◊ Cinquecento (XVI)
Expoentes

Expansão pela Europa ◊ Espanha - Miguel de Cervantes


◊ Portugal - Gil Vicente, Camões
Cada local com suas especificidades ◊ Inglaterra - Shakespeare
◊ França - Rabelais, Montagne
◊ Países Baixos - Erasmo de Roterdã

Renascimento Científico
Contexto

◊ Enfraquecimento do pensamento cristão


◊ Antropocentrismo Expoentes

◊ Nicolau Copérnico (heliocentrismo)


◊ Galileu Galilei
Características ◊ Johannes Kepler
◊ Leonardo da Vinci
◊ Racionalismo
◊ Estudo da natureza
◊ Experimentação
◊ Observação

69
Abordagem de HISTÓRIA DO BRASIL nos principais vestibulares.

FUVEST
Tanto nas revoltas coloniais quanto na transição do período joanino à independência, é necessário
que se conheça as mudanças políticas e intelectuais na Europa, relacionando--as com os principais
acontecimentos na Colônia. Quanto ao Primeiro Reinado, o vestibular foca nas inovações constitucionais
de 1824 e no caráter dependente da nascente economia brasileira perante os ingleses.

UNESP
LD
ADE DE ME
D
A crise do sistema colonial é tema recorrente desse vestibular. As motivações das principais revoltas,
U

IC
FAC

INA

BO
1963
T U C AT U bem como as principais medidas de Dom João VI sempre estiveram presentes nessa prova. Poucos
vestibulares exigem tanta compreensão dos processos de independência latino-americanos; torna-se
necessário estudá-los profundamente, com destaque à independência mexicana.
Quanto ao Primeiro Reinado, é preciso atentar-se às transformações econômicas e às inovações
constitucionais da carta de 1824.

UNICAMP
O vestibular da Unicamp, para tais temas, lança mão de pequenos excertos de discursos de políticos e
de grandes historiadores, tornando a atenção ao enunciado fundamental. No geral, exige conhecimento
econômico e político dos principais eventos históricos. É necessário focar--se na crise do sistema colonial
e no Primeiro Reinado.

ENEM/UFMG/UFRJ
Quase todas as questões do ENEM são de caráter interpretativo, o que exige pouca bagagem de
conteúdo aos concorrentes. No entanto, as revoltas coloniais e as inovações do período joanino são
exceções. Há uma preocupação recorrente, principalmente nas questões sobre o Primeiro Reinado, de
trabalhar com a extensão da cidadania em cada período.

UERJ
A UERJ foca sobremaneira nos aspectos institucionais, políticos e econômicos inovadores do período
joanino. Quanto às revoltas coloniais, dá-se mais atenção à Inconfidência Mineira. Já o processo de
independência da América latina é visto de forma global, dificilmente se retendo a um país em específico.
É preciso estudar as inovações institucionais da carta de 1824 e atentar-se, em todos os temas, às
imagens e textos sugeridos.
11 12
Crise do sistema colonial,
revoltas nativistas e
movimentos emancipacionistas
Competências Habilidades
1, 2, 3, 4, 5 e 6 1, 4, 5, 7, 8, 9, 11,
14, 15, 16,17, 18,
22 e 29

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-
H8
-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferen-
tes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favo-
recendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
Sistema colonial em crise Na verdade, o surgimento de novas ideias, o Iluminismo, as
transformações econômicas ocorridas no interior do sistema
mercantil, as mudanças sociais cada vez mais significativas,
Crise do mercantilismo além do desenvolvimento das colônias criaram as condições
para as reivindicações pelas mudanças nas relações colônia–
A colonização estruturou-se como empresa metrópole e alimentaram o sonho de liberdade de, pelo
mercantil de exploração colonial em benefício da menos, parte da população colonial.
metrópole. Portanto, a colonização é presidida pelo
capitalismo comercial, cujas práticas são denominadas
mercantilismo, comandadas e gerenciadas pelos Revoltas nativistas
Estados modernos europeus.
O absolutismo é a expressão política do Estado As primeiras rebeliões não se manifestaram
moderno, encarnado na figura do rei, comandante da com a ideia de conseguir a independência do Brasil,
política econômica mercantilista que tem no sistema colonial mas eram a expressão dos conflitos de interesses entre
uma das alavancas da acumulação primitiva do capital. os habitantes da colônia e os portugueses ou reinóis.
O mercantilismo entrou em crise no final do Essas manifestações, chamadas rebeliões nativistas, por
século XVIII, contestado pelos teóricos do liberalismo serem revoltas dominadas pela população “nativa”, a
econômico que denunciam o intervencionismo do princípio apenas contestavam aspectos específicos do
Estado absoluto na vida econômica e pressionado pelo pacto colonial e não a dominação da metrópole. Elas
contínuo crescimento do capitalismo industrial europeu tinham um caráter regionalista sem nenhuma consciência
– iniciado com a revolução industrial, na Inglaterra –, nacional, uma vez que a ideia de nação foi construída
que exigia liberdade de iniciativa e concorrência. Dessa posteriormente, bem como a de Brasil como a expressão
forma, se a política econômica mercantilista, da qual do país. Ocorreram entres os anos de 1641 e 1720 e
dependia o sistema colonial, estava em crise, significava foram, na prática, esforços de contestação contra certos
que todo o sistema atravessava essa crise: metrópole e aspectos da exploração colonial. Quando contestaram a
sistema absolutista. dominação portuguesa, fizeram-no regionalmente.
Em pleno século XVIII, Portugal já se encontrava em Há que se ter claro que a colônia era formada
franca decadência econômica e inteiramente dependente por várias regiões, com a população dispersa e com
do capitalismo inglês. vidas independentes umas das outras. Os latifundiários
estavam ligados diretamente aos interesses de Portugal;
Contradições da colonização a grande maioria da população não se considerava
brasileira nem tinha o sentimento de pertencer a
Mas a crise do sistema colonial brasileiro uma pátria ou nação. A existência de uma massa de
resultou, além do colapso do mercantilismo português, escravos e de uma parcela significativa de homens
das próprias contradições internas da colonização. Não livres, desprovidos de qualquer propriedade, era um
se pode negar que, apesar de seu caráter explorador, grande complicador para o sentimento de unidade e de
a colonização promoveu o crescimento da colônia, que luta por interesses comuns.
para montar a empresa colonial foi obrigada a promover Somente um século depois, em virtude de certa
uma série de investimentos. difusão das ideias liberais, quando a crise do Sistema
A partir da segunda metade do século XVIII, Colonial agravou-se e a situação internacional tornou-se
exatamente por ocasião do apogeu da economia propícia, é que as rebeliões coloniais adquiriram caráter
mineradora, as relações e interesses entre a Colônia e a de libertação. Além disso, o agravamento das dificuldades
Metrópole começaram a mostrar todas as suas contradições. econômicas dos latifundiários, que provocava dificuldades
O regime de monopólios, a severa fiscalização, a alta para o conjunto dos setores econômicos da colônia,
tributação revelaram todo o peso suportado pela população aliadas ao arrocho da exploração colonial, tornaram-se
colonial, que demonstrou cada vez mais sua impaciência. um grande fomentador da reação colonial.

75
Revoltas nativistas

OCEA
NO A
TLÂN
RORAIMA AMAPÁ
TICO
Revolta de Beckman
1684

AMAZONAS PARÁ MARANHÃO RIO GRANDE Guerra dos Mascates


CEARÁ
DO NORTE 1710
PARAÍBA
PIAUÍ PERNAMBUCO
ACRE
ALAGOAS
Quilombo dos Palmares
TOCANTINS SERGIPE
RONDÔNIA 1630-1694
BAHIA
MATO GROSSO
DISTRITO
FEDERAL Revolta de Vila Rica
1720
GOIÁS MINAS
GERAIS
ESPÍRITO
MATO GROSSO SANTO
Norte Guerra dos Emboabas
DO SUL
Nordeste SÃO PAULO 1708
RIO DE
CO

JANEIRO
Sudeste
OCEANO PACÍFI

PARANÁ
Aclamação de Amador
Sul Bueno 1641
CO
NTI
Centro-Oeste SANTA

TLÂ
CATARINA

RIO GRANDE ANOA


DO SUL OCE
N
0 250 500km

Fonte: <www.estudopratico.com.br/revoltas-nativistas-história-do-brasil>.

Aclamação de Amador Bueno (1641)


No início do século XVII, as condições econômi-
© Oscar Pereira da Silva/Wikimedia Commons

cas da região de São Vicente eram precárias, susten-


tando-se basicamente com as bandeiras de apresamen-
to de índios. Os jesuítas eram contrários à escravidão
indígena praticada pelos bandeirantes, exigindo que a
Metrópole a proibisse. As autoridades da Colônia não
aceitaram a interdição metropolitana e incentivaram a
expulsão dos jesuítas e, em 1641, ocorreu a “botada
dos padres fora”. No mesmo ano, os paulistas, incen-
tivados pelos espanhóis que moravam na região, ten-
Amador Bueno não aceitou a coroa de rei, foi perseguido pelos paulistas e
taram desligar-se de Portugal, aclamando rei Amador refugiou-se no Mosteito de São Bento, em São Paulo. Óleo sobre tela, de
Bueno de Ribeira, membro de uma abastada família de Oscar Pereira da Silva.
origem hispânica.
Na verdade, os espanhóis que viviam na região A notícia da coroação do novo rei foi recebida
de São Paulo tiveram ampla liberdade durante a União festivamente tanto em Salvador como no Rio de Janei-
Ibérica (1580-1640), já que o Brasil estava sob domínio ro. Em São Paulo, porém, a população reagiu de forma
hispânico. O que incomodava os espanhóis era o fato de diferente, seja em razão da atitude dos espanhóis de
Portugal ter restaurado seu trono e coroado D. João IV, insuflar a população contra Portugal, seja em virtude
rei que os hispânicos não queriam aceitar. do desejo dos paulistas em manter o comércio com a
região do rio da Prata.

76
Grande número de pessoas dirigiu-se à casa de Comandados pelos irmãos Manoel e Tomás
Amador Bueno, aclamando-o rei de São Paulo. No entan- Beckman e Jorge Sampaio, grandes proprietários de
to, graças à obstinada recusa do aclamado, o ânimo da terras auxiliados por outros fazendeiros, os colonos
população esfriou e o movimento não chegou a passar expulsaram os jesuítas do Maranhão, fecharam os
de um simples episódio, porém, significativo: era cada vez armazéns da Companhia de Comércio e tomaram o
mais possível congregar pessoas contra Portugal.
poder na capitania. Mas como não tinham um projeto
autonomista, solicitaram a intervenção da metrópole,
Revolta de Beckman (1684) enviando Tomás Beckman com os pedidos dos colonos.
Em Portugal, a revolta levou à abolição do mono-
Pernambuco e Bahia utilizavam, nas zonas açu-
pólio da Companhia e à nomeação de novo governador
careiras, quase a totalidade dos escravos negros chega-
para o estado do Maranhão, Gomes Freire de Andrade.
dos ao Brasil. Em razão disso, sempre havia problemas
Contudo, ao chegar, em 1685, determinou a prisão e o
de falta de mão de obra escrava nas diversas unidades
enforcamento de Manoel Beckman, líder da rebelião e
produtoras da colônia. No Maranhão, a falta de escra-
a condenação dos demais envolvidos à prisão perpétua
vos para as plantações tornou-se um grave problema.
ou ao degredo, caso de seu irmão Tomás.
A solução encontrada pelos proprietários de terras foi a
escravização do indígena. Mas, logo se defrontaram com
a resistência dos jesuítas que se opunham à escravização Guerra dos Emboabas (1708-1709)
dos índios. Para agravar a situação, em 1653, chegou ao
Brasil um novo contingente de jesuítas, entre os quais A descoberta dos metais preciosos em Minas
estava o padre Antônio Vieira, engrossando o número de Gerais e a divulgação dessa notícia na colônia e em
jesuítas no Maranhão e fortalecendo a sua condição de Portugal fizeram com que milhares de pessoas se
opositores à escravidão indígena. dirigissem para a região.
Buscando uma solução para a questão da escas- Os paulistas ficaram profundamente incomoda-
sez de mão de obra escrava, a coroa portuguesa criou dos com esse grande fluxo de forasteiros para a região,
a Companhia Geral de Comércio do Maranhão (1682), uma vez que atribuíam a si a façanha de descobridores
responsável pelo monopólio do comércio de escravos das minas, bem como a primazia sobre a exploração de-
na região pelo período de 20 anos. Ela deveria garan- las, uma vez que foram encontradas em seu território.
tir a entrega, na capitania, de 500 negros escravos por Os portugueses, no entanto, representantes da coroa na
ano. Com essa atitude, o rei pretendia solucionar o pro- colônia, acharam-se no legítimo direito desse privilégio e
blema da mão de obra, bem como agradar os jesuítas, assumiram a exclusividade da exploração das minas.
proibindo a escravização dos indígenas. Os paulistas referiam-se aos portugueses com o
A Companhia do Maranhão deveria, ainda, forne- apelido pejorativo de emboabas, palavra indígena que,
cer aos habitantes do Maranhão gêneros alimentícios im- segundo alguns autores, significava “aves de pés reco-
portados – bacalhau, vinho, farinha de trigo – e adquirir bertos de penas”. Eles usavam botas ou rolos de pano
tudo o que fosse produzido na região, para exportação. Em protegendo os pés, enquanto os paulistas andavam ge-
outras palavras, a finalidade da Companhia era controlar ralmente descalços.
todo o comércio do estado do Maranhão. Uma série de conflitos armados ocorreu na
Mas a Companhia de Comércio do Maranhão
região, liderados pelo bandeirante paulista Manuel
não cumpriu suas funções de modo satisfatório: trazia
de Borba Gato.
escravos em números insuficientes e caros; seus pro-
Liderados pelo português Manuel Nunes Viana,
dutos eram de baixa qualidade e os preços, elevados.
A companhia também não oferecia preços satisfatórios governador das Minas, os portugueses atacaram os
para os produtos produzidos pelos colonos. Esses fato- paulistas em Sabará (MG). Um grupo de mais ou menos
res geraram grande descontentamento e levaram a uma 300 paulistas enfrentou os portugueses e seus aliados.
revolta contra a Companhia de Comércio do Maranhão Os paulistas se refugiaram na região do rio das Mortes
e contra os jesuítas. e negociaram uma rendição.

77
Em fevereiro de 1709, o chefe dos emboabas, Em 1703, os mascates obtiveram o direito de
Bento do Amaral Coutinho, desrespeitou as normas do representação na Câmara Municipal de Olinda para
tratado de rendição e atacou os paulistas e chacinou-os. descontentamento dos “homens bons”, que nunca
O local passou a ser chamado Capão da Traição. permitiram que essa representação se efetivasse, razão
O governador geral Antônio Coelho de Carva- fundamental que insuflou a insatisfação dos mascates
lho imediatamente interveio e obrigou Nunes Viana a contra os senhores de engenho.
deixar a região. A revolta estourou quando, em 1709, Recife
Derrotados e vendo parte dos seus pares dizima- ganhou autonomia frente Olinda, uma vez que foi ele-
dos, grande parte dos paulistas retiraram-se da região vada à categoria de vila. Inconformados, os senhores
em direção a oeste de Minas Gerais. Descobriram novas de engenho, moradores de Olinda, invadiram Recife e
minas e iniciaram a ocupação dos territórios dos atuais destruíram o pelourinho, símbolo de autonomia da vila.
estados de Mato Grosso e Goiás. Os mascates revidaram o ataque, desencadeando uma
Foram consequências da guerra dos Emboabas: série de combates entre as duas vilas.
Os combates só terminaram mediante a firme in-
§§ criação de normas reguladoras da distribuição
tervenção das autoridades coloniais, em 1711, quando
de lavras entre emboabas e paulistas e cobrança
também chegaram à colônia as novas autoridades envia-
do quinto;
das pela Coroa portuguesa. Embora conciliador, o novo
§§ criação da capitania de São Paulo e das Minas
governador vindo de Portugal confirmou a autonomia de
de Ouro, ligada diretamente à coroa, indepen-
Recife, que foi transformada em capital de Pernambuco.
dente, portanto, do governo do Rio de Janeiro
(3 de novembro de 1709);
§§ elevação da vila de São Paulo à categoria de ci- Revolta de Filipe dos Santos
dade (11 de junho de 1711); e ou de Vila Rica (1720)
§§ pacificação da região das minas, cujo controle
passou a ser administrado pela metrópole.

Guerra dos Mascates (1710-1711)


© Antônio Parreiras/Wikimedia Commons
O conflito denominado Guerra dos Mascastes foi
a expressão das diferenças de interesses entre os senho-
res de engenho cuja maioria morava em Olinda, então
sede do poder público da capitania de Pernambuco, e os
comerciantes do Recife, portugueses na sua maioria, de-
nominados pejorativamente de mascates.
A luta entre os habitantes de Olinda e Recife,
Julgamento de Filipe dos Santos. Óleo sobre tela, de Antônio Par-
no ano de 1710, revelava as contradições que aflo-
reiras, retrata a execução. Ao fundo, vê-se a fumaça da queima das
ravam na sociedade colonial: a crise da economia casas dos revoltosos.
açucareira do Nordeste. Recife teve um crescimento
significativo durante o período da ocupação holan- Em 1719, com a criação das casas de fundição
desa, durante o qual os comerciantes experimenta- em Minas Gerais, a circulação de ouro em pó foi proi-
ram o incremento de seus negócios. Olinda sofria bida, o que criava vários inconvenientes para a popula-
com a decadência e o endividamento dos senhores ção da cidade que estava acostumada a usá-lo como se
de engenho, desde a Insurreição Pernambucana. fosse moeda corrente. Além disso, as casas de fundição
Apesar disso, Recife estava submetida politicamen- tornavam mais efetivo o controle da coroa portuguesa
te a Olinda, onde funcionava a Câmara Municipal, sobre o imposto do quinto, ou 20% do ouro encontra-
controlada pelos “homens bons”. do no Brasil. Ao fundir as barras de ouro, já era feita a

78
retirada do imposto. Aumentaram e tornaram-se mais nacional. A reação de alguns fazendeiros contra
severas as punições sobre quem fosse pego sonegando os altos impostos e as proibições à cachaça, além
o pagamento do imposto. do contrabando recorrente, levaram a coroa a re-
Essas medidas tiveram forte impacto sobre os mi- vogar a proibição oficialmente em 1695.
neradores, provocando uma revolta, que eclodiu em 1720, §§ Revolta de “Nosso Pai”: ocorrida em 1666,
sob a liderança de Filipe dos Santos. Conhecida como em Pernambuco, foi contra os desmandos do go-
Revolta de Vila Rica, o movimento também contestava o vernador local, Jerônimo de Mendonça, apelida-
monopólio comercial exercido por portugueses sobre pro- do pelos habitantes de “xumbregas”. A revolta
dutos como gado, sal, aguardente, açúcar e fumo, fazendo eclodiu no feriado de Nosso Pai, onde todos os
aumentar constantemente seus preços. moradores iam às ruas dar auxílio aos pobres e
As principais reivindicações do movimento doentes. O governador e alguns franceses alber-
eram: redução de impostos sobre a atividade minera- gados na cidade de Recife foram perseguidos e
dora; diminuição dos preços dos produtos cujo comér- presos, sendo Jerônimo de Mendonça exilado
cio era monopolizado pelos portugueses; e fechamen- para Lisboa.
to das casas de fundição. §§ Revolta do Sal: ocorrida em 1710, em São Paulo
e Minas Gerais contra o estanco régio concedido a
Os revoltosos procuraram o governador das minas
poucos comerciantes, os quais abusavam com altos
– o conde de Assumar – para lhe apresentar suas reivindi-
preços sobre os produtos básicos na região. Lide-
cações. Ele ouviu os mineradores, prometendo atendê-los.
rada por Bartolomeu Fernandes de Faria, grande
Na verdade, ganhou tempo para organizar tropas, quan-
proprietário de escravos e terras, a população da
do na sequência ordenou que suas tropas invadissem Vila cidade de São Paulo desceu a serra e foi até Santos,
Rica, prendessem os insurretos e reprimissem violentamen- onde arrombou os armazéns e pagou o valor que
te qualquer tipo de manifestação. Presos, alguns minera- considerava justo sobre o sal carregado.
dores foram punidos com o degredo e Filipe dos Santos foi §§ Motins do “Maneta”: ocorridos em 1711, em
enforcado e esquartejado. Salvador, lutou contra o estanco régio e os altos
Sob o ponto de vista do colonizador, a repres- impostos. João de Figueiredo da Costa, (apelida-
são a qualquer rebelião ou revolta dos habitantes da do de “Maneta”), líder dos motins, e Lourenço
colônia contra Portugal era necessária para manter a de Almada (apelidado “Juíz do Povo”) invadiram
exploração colonial. algumas lojas locais e saquearam alguns produ-
tos. Após duas revoltas, os líderes foram presos e
Dorme, meu menino, dorme, degredados para a África.
— que Deus te ensine a lição
dos que sofrem neste mundo
violência e perseguição.
Movimentos emancipacionistas
Morreu Filipe dos Santos:
O desenvolvimento das classes proprietárias, o au-
outros, porém, nascerão.
mento do número de profissionais liberais e de homens
Cecília Meireles, Romance V ou da Destruição do Ouro Podre livres, a influência das ideias liberais da Europa e da inde-
pendência dos Estados Unidos provocaram a consciência
Ainda ocorreram outras quatro revoltas nativis- da opressão colonial, a negação do pacto colonial e o de-
tas de menor magnitude: sejo do rompimento político com a metrópole.
Aos poucos foi amadurecendo uma incipiente
§§ Revolta da Cachaça: ocorrida em 1660, no Rio
ideia da necessidade da defesa da liberdade política,
de Janeiro, se posicionou contra a proibição da
econômica e cultural da colônia. As lutas não mais se
produção e da venda a cachaça na colônia (exce-
restringiam à simples resistência aos monopólios ou aos
ção somente para Pernambuco), pois os portugue-
impostos, mas se voltaram contra o pacto colonial e a
ses desejavam vender sua bagaceira (feita com o
favor do rompimento das relações políticas de depen-
bagaço da uva), concorrente etílica da cachaça
dência com a metrópole.

79
Inconfidência Mineira (1789) A revolta deveria iniciar no dia da derrama,
programado pelo governo para 1788, e acabou suspen-

Disponível em: <http://www.blogers.com.br/inconfidencia-mineira-resumo>


sa quando se soube da conjuração.
O movimento da Inconfidência Mineira tinha ca-
ráter elitista. Apesar da influência do Iluminismo e das
ideias liberais, os inconfidentes não tinham planos para
a abolição da escravidão.
Entre os vários envolvidos estavam: Cláudio
Manoel da Costa, escritor, poeta e advogado; o coro-
A leitura da sentença de Tiradentes. Pintura de Leopoldo Faria (1921)
nel Inácio José de Alvarenga Peixoto, poeta e minera-
Foi o primeiro movimento a pregar a separa- dor; José Álvares Maciel, filósofo e historiador, filho do
ção política da capitania de Minas Gerais em relação capitão-mor de Vila Rica; Francisco de Paula Freire de
a Portugal, uma vez que a ideia de Brasil ainda não era Andrada, comandante do regime de Cavalaria; cône-
go Luís Vieira; Domingos de Abreu Vieira, comerciante
consistente. A Inconfidência Mineira ocorreu em 1789,
português; Tomás Antônio Gonzaga, poeta; e o alferes1
em Vila Rica, hoje Ouro Preto. Dentre as causas que de-
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
terminaram o movimento destacam-se:
Os inconfidentes foram denunciados por três
§§ os excessos cometidos pelas autoridades portu- participantes da conspiração: o coronel Joaquim Silvério
guesas para administrar a região das Minas; dos Reis, o tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro do
§§ a decadência da produção de ouro, acentuada
Lago e o mestre de campo Inácio Correio Pamplona.
a partir de meados do século XVIII, e o sistema
Procuraram o governador, Visconde de Barbacena, e de-
de cobrança dos quintos. Se a arrecadação do
lataram o movimento.
ouro não chegasse a 100 arrobas (cerca de
1,5 mil quilos), era decretada a derrama: a di- Ciente da revolta, Barbacena suspendeu a der-
ferença que faltava para completar a quantia rama, expediu ordens de prisão contra os inconfidentes
determinada era cobrada de toda a população e deu início ao processo de devassa, que se prolongou
pela força das armas. Os excessos cometidos até 1792. Tiradentes, que viajara para o Rio de Janeiro
pelas autoridades por ocasião da derrama com o objetivo de adquirir armas, foi preso lá mesmo.
criaram o medo generalizado e um ambiente Realizada a devassa, mais de uma centena de
propício à revolta; pessoas, entre acusados e testemunhas, foram ouvidas
§§ as ideias liberais trazidas por brasileiros que es- e apareceram nas peças do processo de acusação dos
tudavam nas universidades europeias; e conjurados. Feita a triagem, 30 conjurados, acorrenta-
§§ a independência dos Estados Unidos, cujos colo- dos e algemados, ouviram a sentença pelos seus “he-
nos, também revoltados contra o sistema fiscal diondos crimes e infâmias” praticados contra Portugal:
de sua metrópole, tinham conseguido se libertar nove foram condenados à morte na forca e os outros,
da Inglaterra. ao degredo perpétuo. Sobre Tiradentes, considerado lí-
Os planos dos inconfidentes eram: der, recaiu a violência maior da devassa: foi condenado
§§ estabelecer um governo independente de Portu- à morte na forca e ao esquartejamento, enquanto os
gal, abolindo todos os vínculos coloniais; demais tiveram sua pena comutada para degredo.
§§ adotar o regime republicano;
§§ instituir o serviço militar obrigatório; 1. Antigo posto militar do exército colonial, equivalente ao atual de
§§ adotar uma bandeira com o lema Libertas quae segundo-tenente.
será tamen (Liberdade ainda que tardia);
§§ criar indústrias, particularmente a têxtil e a bélica;
§§ transformar São João del-Rei na sede do go-
verno; e
§§ criar uma universidade em Vila Rica.

80
Exaltação a Tiradentes
Joaquim José da Silva Xavier
Morreu a 21 de abril
Pela independência do Brasil
Foi traído e não traiu jamais
Bandeira dos inconfidentes que inspirou a A Inconfidência de Minas Gerais
atual bandeiraFonte:
do Estado de Minas Gerais.
www.vexilologia.com.br/mg.html
Joaquim José da Silva Xavier
Era o nome de Tiradentes
Tiradentes foi enforcado no Rio de Janeiro, em 21
Foi sacrificado pela nossa liberdade
de abril de 1792, e seu corpo, esquartejado, foi exposto
Este grande herói
publicamente, sua casa destruída e as terras salgadas.
Pra sempre há de ser lembrado
Essa exposição pública tinha um objetivo exemplar:
Império Serrano (1949)
mostrar à população a punição a que estavam sujeitos
os que ousassem conspirar contra a Coroa portuguesa.
Tiradentes esquartejado. Óleo sobre
tela, de Pedro Américo (1983) Conjuração Baiana ou
Revolta dos Alfaiates (1798)

Animai-vos, povo baiense, que está para che-


gar o tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em
que todos seremos irmãos, o tempo em que todos
seremos iguais.
Conteúdo de um dos panfletos distribuídos em Sal-
vador pelos conjurados baianos. Ficou conheci-
do como “Manifesto ao povo Bahiense”.

A Conjuração Baiana ocorreu em Salvador, em 1798,


resultado da insatisfação das camadas médias urbanas e da
população pobre com o agravamento da situação de fome e
miséria associado à exploração metropolitana.
Foi um movimento de caráter popular, também
Fonte: <www.ensinarhistoriajoelza.com.br/tiradentes-
denominada de Revolta dos Alfaiates (ou Revolta dos
-esquartejado-uma-leitura-critica>. Búzios), graças ao considerável número de participantes
que exerciam essa profissão. Representou uma reação
A escolha e a construção do principal herói da
de camadas sociais oprimidas pela crise econômica e
República recaíram sobre Tiradentes. Militar e republica-
pelas desigualdades.
no, foi transformado em mártir, cuja morte passou a ser
A economia nordestina, especialmente no litoral
associada ao sacrifício de Jesus Cristo. Vale lembrar que
onde se produzia cana-de-açúcar, como a Bahia, entrou
durante o Império (1822-1889), a figura de Tiradentes
em crise desde o século XVII, em virtude da expulsão
não ganhou destaque em razão de seu republicanismo.
dos holandeses e da concorrência com o açúcar anti-
Ele só passaria a ser visto como herói, após a Procla-
lhano. No século XVIII, com a transferência da capital
mação da República (1889), sendo visto como primeiro
de Salvador para o Rio de Janeiro, a crise agravou-se e
mártir republicano.
a região sentia-se abandonada pela coroa portuguesa.

81
A situação econômica provocava desemprego, Diferenças entre as Conjurações
fome e miséria, bem como deixava a região fora do
Mineira e Baiana
interesse dos comerciantes, que preferiam enviar seus
produtos para o Sudeste e Sul, onde encontravam me- Na Inconfidência Mineira, a inquietação teve
lhores preços, provocando desabastecimento e carestia como motivo a coerção exercida pela metrópole na co-
na Bahia. brança dos impostos sobre a produção aurífera. Embora
A insatisfação popular foi alimentada pelos ide- houvesse a participação de homens sem posse, a re-
ais da revolução francesa, pelo sucesso da independên- volta foi liderada pelos grandes proprietários daquela
cia das Treze Colônias Inglesas, pelas ideias iluministas região em plena decadência econômica.
divulgadas por lojas maçônicas, como a dos Cavaleiros Já na Conjuração Baiana, a revolta foi impulsio-
da Luz, e pelo propagandista dessas ideias, o cirurgião nada pela participação de pequenos artesãos, militares
formado também em Filosofia, Cipriano Barata. de baixo escalão, escravos e demais setores populares.
Os objetivos da revolta baiana foram mais abran- Pretendiam a independência da colônia, a mudança das
gentes que os das revoltas anteriores, não se limitando instituições políticas e a reorganização da sociedade em
apenas aos ideais de liberdade e independência. O levan- novas bases.
te baiano propunha mudanças verdadeiramente revolu- Mas o que marca a diferença entre a Conjuração
cionárias na estrutura da colônia. Pregava a igualdade de Baiana e os demais movimentos contra a metrópole é a
raça e cor, o fim da escravidão (inspirados nos processo reivindicação da abolição da escravidão e do preconcei-
de independência do Haiti), a abolição de todos os privi- to de cor. Banir a escravidão implica na adoção imediata
légios, o que permite considerá-la a primeira tentativa de e generalizada do trabalho assalariado, o que provoca-
revolução social no Brasil. No dia 12 de agosto de 1798, ria uma profunda mudança nas relações de produção e
no conjunto da sociedade colonial instituída.
a cidade de Salvador amanheceu com os muros cheios
de panfletos. Os rebeldes esperavam conclamar o povo
através dos informes espalhados pela cidade.
Mas a pouca organização e preparação dos
rebeldes, além do grande número de analfabetos,
facilitaram a rápida ação do governo. No dia 25 de
agosto, a prisão da maioria dos implicados destruiu
qualquer possibilidade de levante. Os líderes negros e
mulatos foram presos. Cipriano Barata e Aguilar Pantoja
foram os únicos brancos detidos. Depois do julgamento,
quatro implicados foram condenados à forca: os mulatos
João de Deus Nascimento, Manuel Faustino dos Santos,
Lucas Dantas, Luís Gonzaga das Virgens. Executados,
foram esquartejados para servir de exemplo, como
sempre acontecia nesses casos. A coroa devia ser
implacável com aqueles que ousavam contestar seu
domínio. Os demais líderes foram deportados.

82
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR

Vídeo De Lá Pra Cá - Revolta dos Alfaiates ( Conjuração Baiana )


Fonte: Youtube

Vídeo Curta Metragem: Tiradentes “ O Descartável”

Fonte: Youtube

Vídeo Inconfidência Mineira foi um dos primeiros movimentos...

Fonte: Youtube

83
ASSISTIR LER
pCilboad
rPageNumber
Filme
Livros
Os Inconfidentes

Os inconfidentes é uma co produção brasileira e italiana de


1972, do gênero drama histórico, dirigida por Joaquim Pedro
de Andrade.

Filme Tiradentes

Tiradentes é um filme brasileiro de 1999, do gênero drama


biográfico-histórico, dirigido por Oswaldo Caldeira.

ACESSAR

Sites Revoltas do período colonial

www.infoescola.com/historia/revoltas-do-periodo-colonial-brasileiro/
educacao.globo.com/historia/assunto/independencia-das-americas/rebelioes-coloniais-na-
-america-portuguesa.html
veronica-mos.blogspot.com.br/2013/07/rebelioes-coloniais.html
historiaparaoenem.blogspot.com.br/2015/03/as-revoltas-emancipatorias-coloniais.html

84
OUVIR
Músicas

Exaltação a Tiradentes – Império Serrano (samba-enredo 1949)


Heróis da Liberdade – Império Serrano (samba-enredo 1969)
Mártires da Independência – Salgueiro (samba-enredo 1950)
História da Independência do Brasil – Salgueiro (samba-enredo 1967)
Inconfidência Mineira – Dino Franco e Mouraí

85
LER

Livros
A Devassa da Devassa - Kenneth Maxwell

Adaptação, crise e reestruturação imperial é o tema central deste


livro, o primeiro do historiador e brasilianista Kenneth Maxwell.

1789 - Pedro Doria

Depois do enorme sucesso de 1565 – Enquanto o Brasil nascia,


o jornalista Pedro Doria apresenta aos leitores um novo passeio
pela história do Brasil.

Guerra dos Mascates - José de Alencar

Guerra dos Mascates é um romance em dois volumes do escritor


brasileiro José de Alencar.

A Guerra dos Mascates - Miguel Real

Miguel Real oferece-nos com “A Guerra dos Mascates” a narra-


tiva de um confronto entre pequenos comerciantes e aristocratas
que mobilizou a totalidade da população das cidades de Recife e
Olinda no século XVIII.

86
INTERDISCIPLINARIDADE

Filosofia
Durante o século XVIII, o Antigo Regime e suas práticas (tanto política como econômica) passaram a ser
contestados na Europa, tendo essas críticas chegado à América. A manutenção de um regime político absolutista,
baseado na exploração de áreas coloniais, sofria grandes ataques por filósofos, os quais defendiam uma nova
forma de pensar, batizada Iluminismo. Tal ideologia defendia princípios como a liberdade, a igualdade, a justiça e a
propriedade, o que, definitivamente, não se enquadrava ao esquema do Antigo Regime.
Nesse contexto, essas ideias chegaram ao continente americano, gerando inúmeras revoltas contra o domí-
nio metropolitano nas colônias. As propostas de pensadores tais como John Locke, Voltaire, Montesquieu e Rousse-
au estariam presentes nos movimentos de independência ocorridos na América, incluindo o Brasil.

87
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 13 – Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças
ou rupturas em processos de disputa pelo poder.

Lutas sociais são recorrentemente abordadas pelo Enem, tanto na História geral
quanto na brasileira. Trata-se da interpretação do caráter sociológico, político e econômi-
co desses movimentos, no que tange à sua composição social e o teor de suas reivindica-
ções. Estas últimas tendem a estar interligadas: movimentos populares tendem a assumir
pautas populares, por exemplo, embora nem sempre isso seja verificável.
A prova, como de costume, lança mão de fragmentos de textos (poesias, livros
teóricos ou relatos históricos) e imagens (obras de arte, em geral).
É fundamental que o candidato tenha visão aguçada da composição social desses
movimentos, bem como de suas principais reivindicações. Entender suas inspirações in-
telectuais e a conjuntura econômica ao qual estão inseridos é, também, muito relevante
para responder às questões.

Modelo
(Enem) No tempo da independência do Brasil, circulavam nas classes populares do Recife trovas
que faziam alusão à revolta escrava do Haiti:

Marinheiros e caiados
Todos devem se acabar,
Porque só pardos e pretos
O país hão de habitar.

AMARAL, F.P. do. Apud CARVALHO, A. Estudos pernambucanos. Recife: Cultura Acadêmica, 1907.

O período da independência do Brasil registra conflitos raciais, como se depreende:


a) dos rumores acerca da revolta escrava do Haiti, que circulavam entre a população escrava e entre os
mestiços pobres, alimentando seu desejo por mudanças.
b) da rejeição aos portugueses, brancos, que significava a rejeição à opressão da metrópole, como ocorreu
na Noite das Garrafadas.
c) do apoio que escravos e negros forros deram à monarquia, com a perspectiva de receber sua proteção
contra as injustiças do sistema escravista.
d) do repúdio que os escravos trabalhadores dos portos demonstravam contra os marinheiros, porque
estes representavam a elite branca opressora.
e) da expulsão de vários líderes negros independentistas, que defendiam a implantação de uma repúbli-
ca negra, a exemplo do Haiti.

88
Análise Expositiva

Habilidade 13

Por seu caráter abolicionista, a independência do Haiti teve grande influência em mani-
festações dos negros e segmentos populares contrários à sua situação. A Conjuração Baiana
(Revolta dos Alfaiates) de 1798, que teve caráter popular, além das influências da indepen-
dência das Treze Colônias Inglesas, dos ideais iluministas, republicanos e emancipacionistas
difundidos por uma parte da elite culta, reunida em associações como a loja maçônica Cava-
leiros da Luz, teve forte influência do processo de independência do Haiti ou, haitianismo.
Os revoltosos pregavam a libertação dos escravos, a instauração de um governo igualitário
(defesa dos méritos e capacidades), além da instalação de uma República Baianense e da li-
berdade de comércio e o aumento dos salários dos soldados.

Alternativa A

Estrutura Conceitual
Guerra dos Emboabas (1707-09):
Revolta de Beckman (1684) - Paulistas X “Emboabas”
- Maranhão Portugueses
- Luta Contra Preços Altos da Companhia de Líderes de Outras Províncias
Comércio - Luta pelo Ouro

REVOLTAS
NATIVISTAS

Revolta dos Mascates (1710-12) Revolta Felipe dos Santos(1720)


- Fazendeiros de Olinda x Comerciantes de Recife - Vila Rica (MG)
Mascates - Luta Contra Casas de Fundição
- Luta Pelo Controle de Pernambuco - Luta Contra o Monopólio Comercial Português
- Recife: Nova Vila e Capital

89
REVOLTAS
EMANCIPACIONISTAS

Inconfidência Mineira (1789) Conjuração Baiana (1798)

Influência: Independência Influência: Revolução


dos E.U.A Francesa

Emancipação Política Emancipação Política


e Econômica e Econômica

Movimento Elitista: Movimento Popular:


Manutenção da escravidão Fim da Escravidão

Movimentos Brutalmente
Reprimidos por Portugal

90
13 14
Períodos Pombalino e Joanino

Competências Habilidades
1, 2, 3, 5 e 6 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8,
9, 10, 11, 13, 14,
15, 22, 24 e 29

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-
H8
-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferen-
tes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favo-
recendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
As reformas pombalinas (1750-1777)

© Wikimedia Commons
Sebastião José de Carvalho e Melo – o Marquês de
Pombal – foi primeiro-ministro do Rei D. José I entre os anos
de 1750 a 1777. Originário de uma família da pequena nobreza,
Pombal foi diplomata em Londres e Viena. Influenciado pelas
ideias iluministas, procurou realizar em Portugal um governo
nos moldes do despotismo esclarecido. Foi responsável por forte
centralização administrativa, acompanhada de um crescente
controle da Coroa sobre as atividades econômicas da Colônia,
como forma de resolver a crise na Metrópole. Dessa forma, tomou
várias medidas que influenciaram e alteraram a vida na Colônia.
Em meados do século XVIII, Portugal enfrentava uma
séria crise: dependente da Inglaterra, recebia em troca proteção
contra a França e a Espanha; perdera áreas coloniais e sofria
com a queda da exploração dos metais preciosos no Brasil.
A ascensão de D. José I ao trono, em 1750, foi marco
importante. O século XVIII, também conhecido como “século das Marquês de Pombal
luzes”, fora marcado pela ascensão dos governos conhecidos
como despotismo esclarecido. Tal método de governo tentava
mesclar uma monarquia absolutista norteada por ideias
iluministas, o que, na prática, se fazia bem difícil.

Disponível em: <https://jonatasneto.files.wordpress.com>


O rei D. José I levou para o ministério o Marquês de Pombal
a quem entregou a responsabilidade de direcionar a política
econômica portuguesa e administrar o Estado. Os objetivos de
Pombal eram: modernizar a administração pública portuguesa;
implementar uma série de medidas visando ampliar e maximizar
os lucros provenientes da exploração colonial; e tornar a
Metrópole menos dependente das importações de produtos
industrializados, incentivando a instalação de manufaturas
em Portugal e na Colônias (principalmente o Brasil). Entre as
medidas que visavam aumentar os lucros com a exploração
colonial, determinou a cobrança anual de 1,5 mil quilos de
ouro dos colonos (finta) e instituiu a derrama. A extração de
diamantes, concentrada no Distrito Diamantino, recebeu nova
regulamentação com o Regimento da Real Extração e passou
para o controle estatal, mediante o monopólio (estanco). D. Maria I
Também restringiu as atribuições do Conselho Ultramarinho.
Ocorreu ainda a criação de novas Companhias de Comércio na Colônia, que serviu também como um
instrumento para maximizar sua exploração, com destaque para a Companhia Geral do Comércio do Estado do
Grão-Pará e Maranhão e a Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba.
Outro objetivo da política pombalina foi perseguir implacavelmente os jesuítas (ordem religiosa com grande
força política em Portugal), expulsá-los da Metrópole e das colônias e confiscar-lhes os bens. Para conseguir
expulsar os jesuítas, Pombal utilizou como argumentos a oposição dos jesuítas no Brasil na questão dos 7 povos
das Missões e na Guerra Guaranítica, além de um suposto atentado à vida do rei D. José I, conhecido como “o caso
Távora”, e que contou com a participação de membros dessa ordem religiosa.

93
Tais medidas vieram ao encontro dos objetivos pretendia enfraquecer a Inglaterra, privando-a de seus mer-
de centralização da administração portuguesa e cados consumidores e de suas fontes de abastecimento.
impedimento da atuação autônoma das ordens Naquela época, Portugal era governado pelo
religiosas, cujos propósitos divergiam dos da Coroa. Príncipe Regente D. João, uma vez que sua mãe, a rai-
Entre as alterações na divisão administrativa da nha D. Maria I, encontrava-se impedida de exercer suas
Colônia, extinguiu o sistema de capitanias hereditárias funções por sofrer das faculdades mentais.
e a elevou o Estado do Brasil à categoria de vice-reino, Por meio do Bloqueio Continental, Napoleão pas-
com o objetivo de controlar ainda mais eficientemente sou a exigir de D. João o fechamento dos portos portugue-
os excedentes coloniais. Em 1763, transferiu a capital ses ao comércio inglês, ao que D. João resistia, tentando
de Salvador para o Rio de Janeiro, reconhecendo adiar uma decisão definitiva conforme exigia o imperador
claramente a crescente importância das capitanias do francês.
Sul, desde a mineração, e da fixação da transferência do Portugal via-se impedido de aderir ao Bloqueio
eixo econômico e político da Colônia. Continental porque a economia portuguesa dependia
Em 1777, quando morreu D. José I, o governo basicamente da Inglaterra. Os ingleses eram seus maio-
de Pombal apresentava fortes sinais de desgaste. res fornecedores de produtos manufaturados consumi-
Acumulara vários fracassos e assistia ao crescimento da dos em Portugal, bem como seus maiores compradores
oposição de seus velhos inimigos: clero e nobreza, que de mercadorias portuguesas e brasileiras. A Inglaterra,
tiveram um momento de triunfo com a ascensão de D. por sua vez, também não queria perder seu velho alia-
Maria I, adversária das “ideias francesas”, como eram do, principalmente porque o Brasil representava um
conhecidas as ideias Iluministas. Pombal foi demitido e excelente mercado consumidor de seus produtos. Além
o novo governo revogou boa parte de sua obra, num disso, uma grande dívida lusa frente aos britânicos con-
processo chamado sugestivamente de “Viradeira”. cedia a estes mais um fator para pressionar Portugal.
D. Maria I decretou a supressão das companhias de Pressionado pelo embaixador inglês Lorde Stran-
comércio e proibiu qualquer atividade manufatureira gford, D. João assinou uma convenção secreta com a In-
no Brasil (Alvará de 1785), para evitar uma possível glaterra, mediante a qual a Família Real Portuguesa se-
concorrência com a Metrópole. Além disso, restabeleceu ria transferida para o Brasil escoltada por uma esquadra
a relação de proximidade entre Jesuítas e a Coroa. britânica. O acordo estabelecia ainda que a Inglaterra
teria direito a um porto livre na Ilha da Madeira e outro
em Santa Catarina, bem como poderia comercializar li-
Período Joanino vremente com o Brasil.

(1808-1821)
© Biblioteca Nacional de Portugal/Wikimedia Commons

A transferência da Corte
portuguesa para o Brasil
No início do século XIX, a Europa estava quase
inteiramente sob o domínio de Napoleão Bonaparte,
imperador dos franceses. A maior resistência encontrada
por Napoleão era imposta pelos ingleses, cuja poderosa
armada o imperador não conseguira vencer na famosa
Batalha de Trafalgar (1805).
Em mais uma investida contra a Inglaterra, em 1806,
D. João VI. Partida do príncipe regente de Portugal para o Brasil, 27 de
Napoleão decretou o Bloqueio Continental, obrigando novembro de 1807. Litogravura, de F. Bartolozzi (gravador) e H.L.E. Vêque
(desenhista).
todas as nações da Europa continental a fecharem seus
portos ao comércio inglês. Com essa medida, Napoleão Ao tomar conhecimento do acordo anglo-

94
português, Bonaparte assinou com a Espanha o Tratado essa movimentação. Não podia crer que estava sendo
de Fontainebleau, estabelecendo a invasão de Portugal abandonada pela Coroa e demais membros do Estado,
por tropas franco-espanholas, a deposição da dinastia ficando totalmente desamparada para enfrentar as tro-
de Bragança e a divisão das colônias portuguesas entre pas francesas.
os dois países. Contudo, Napoleão rompeu o acordo Junot, general francês responsável pela tomada
com a Espanha e, durante a marcha francesa em direção de Lisboa, apesar de estar com sua tropa muito desfal-
a Portugal, ocupou o território espanhol com suas cada, não teve dificuldade para tomar a cidade.
tropas, depondo o rei da Espanha, Carlos IV; depois o Ao povo português restava a indignação que
filho deste, Fernando VII e transferindo o trono a seu pode ser compreendia numa trova popular da época:
irmão, José Bonaparte (1808). “Fugiram os velhacos
Ao mesmo tempo, era iniciada a invasão para a terra dos macacos,
francesa no território português, D. João determinou, vieram os ladrões
em 24 de novembro de 1807, a transferência da Corte para a terra dos cagões”.
portuguesa para o Brasil.
A hesitação do regente português em relação
a que lado tomar acabou fazendo com que as tropas
A abertura dos portos às
francesas ficassem prontas para um ataque às terras nações amigas (1808)
lusas. Sendo assim, o embarque e fuga da Corte
portuguesa para o Brasil acabou sendo feito às pressas, Assim que desembarcou em Salvador, o Prín-
com cerca de 15 mil pessoas fugindo apenas um dia cipe Regente D. João assinou a Carta Régia de 28
antes das tropas napoleônicas ocuparam Lisboa. Isso janeiro de 1808, determinando a abertura dos por-
acabou tirando a grandeza da ideia de transferir e Coroa tos brasileiros às nações amigas de Portugal. O de-
e a Corte lusa para uma área mais segura, projeto já creto também revogava os anteriores, que proibiam
sugerido em outras épocas de risco à Coroa. o comércio entre o Brasil e outros países.
Alguns historiadores consideram a transferência Essa medida marcou o fim do Pacto Colonial,
da Corte como uma manobra política genial, pois uma vez que extinguiu o monopólio português sobre
anulava as aspirações francesas sobre a relação luso- o comércio brasileiro. Os portos brasileiros estavam
britânica; garantia a manutenção do trono português abertos ao comércio internacional, embora, na prática,
e transformava D. João na grande figura política em a nação que realmente iria usufruir da liberdade de co-
terras americanas. Contudo, há alguns historiadores merciar nos portos do Brasil seria a Inglaterra. Tal medi-
que julgam a transferência da Coroa para o Brasil como da, no entanto, tinha caráter transitório; deveria vigorar
uma ato de extrema covardia. apenas no período em que a Corte portuguesa perma-
O embarque de milhares de pessoas foi ex- neceria no Brasil.
tremamente confuso, pois era um dia chuvoso onde Logo depois da assinatura desse decreto, D.
todo o aparelho de Estado português, a Bibliote- João e a Família Real embarcaram para o Rio de Ja-
ca Real (mais de 60 mil livros), objetos de museus, neiro, frustrando a população baiana que desejava
obras de arte e o tesouro real embarcaram junto a a presença da Corte na cidade de Salvador para que
objetos pessoais dos nobres e outras pessoas que voltasse a ser capital do Brasil. Instalada no Rio,
partiriam rumo ao Brasil. teve início um período de desenvolvimento econô-
Na manhã do dia 29 de novembro de 1807, par- mico e político no Brasil, criando bases fundamen-
tais para sua independência política.
tia a esquadra britânica, transportando o Estado luso
para o Rio de Janeiro.
A população portuguesa assistiu atônita a toda

95
Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com>
Disponível em: <http://www.scielo.br>

Retrato de D. João VI. Gravura em metal, de Debret. Chegada do príncipe D. João, da família real e da Corte à Igreja da Nossa Senhora do Rosário
para a missa comemorativa da chegada ao Rio de Janeiro. Óleo sobre tela de, de Armando
Martins Viana.

A estrutura burocrática do Estado português no Brasil


Ao instalar-se no Rio de Janeiro, a primeira preocupação de D. João foi instalar a Corte e montar um apa-
relho político-administrativo no Brasil. Junto com a Família Real, vieram altos funcionários públicos, ministros,
magistrados e nobres, o que exigia a recriação aqui do aparelho burocrático português para restabelecer as funções
administrativas e criar novas, se necessárias.
O Rio de Janeiro era uma cidade muito acanhada para receber toda a Corte lusitana. Contava com cerca de
60 mil pessoas e, do dia para noite, recebeu aproximados 15 mil novos habitantes. Nem moradia havia para tantos
corpos, o que levou o conde dos Arcos, governador-geral do Brasil, a decretar o confisco de moradias na cidade, as
quais abrigariam os portugueses recém-chegados. Essas casas tinham as letras “P” e “R” pintadas em suas portas,
o que significaria: “Propriedade real” ou “Príncipe Regente”.
Durante esse período houve grande burocratização da máquina pública, caracterizada pela ineficiên-
cia, apadrinhamento, nepotismo, distribuição de cargos, títulos de nobreza e de várias ordens, incompetência,
corrupção e confronto ou mesmo duplicidade de funções, até porque o Rio de Janeiro já tinha um aparelho
de Estado em funcionamento.
A implantação dessa máquina burocrática consolidou a autonomia política da Colônia, que passou a funcio-
nar independentemente da Metrópole, constituindo o que alguns autores definem como a “Inversão Brasileira”,
uma vez que na Colônia concentravam-se as decisões políticas da Metrópole.

A liberdade industrial e outras medidas econômicas


D. João também assinou o Alvará de Liberdade Industrial, permitindo a instalação de manufaturas e
fábricas no Brasil e anulando as proibições impostas pelo Alvará de 1785, assinado por sua mãe, D Maria I.
Apesar de um relativo e iminente surto industrial, com a criação de algumas manufaturas têxteis e siderúr-
gicas, a medida não foi suficiente para promover a industrialização no Brasil. Não havia capital suficiente para ser

96
aplicado em fábricas; o mercado consumidor era pequeno; a concorrência inglesa era insuperável; e, principalmen-
te, o investimento do capital estava voltado quase exclusivamente para o mercado de escravos.
O Príncipe Regente determinou ainda a criação da Casa da Moeda, responsável pela emissão
monetária, e do Banco do Brasil, que serviria para atender às necessidades bancárias das elites
portuguesas e brasileiras e regulamentar a arrecadação tributária, mais que altamente necessária para
custear o aparelho burocrático montado no Brasil.

Tratados de 1810
Em 1810, Lorde Strangford, representante inglês, e Sousa Coutinho, ministro de D. João, firmaram os
seguintes acordos: o Tratado de Aliança e Amizade e o Tratado de Comércio e Navegação, que estabelecia:
§§ nomeação de juízes ingleses para julgar os súditos britânicos que viviam no Brasil;
§§ liberdade religiosa para os ingleses – na sua maioria protestantes anglicanos;
§§ cobrança de taxa de 15% na importação de mercadorias inglesas, mais baixa que os 16% cobrados das
portuguesas, e de 24% de mercadorias de outras nacionalidades;
§§ um porto livre – o de Santa Catarina;
§§ proibição da atuação da Santa Inquisição no Brasil – que julgava quaisquer desvios da fé católica;
§§ gradual extinção do tráfico negreiro para a Colônia.
Consolidava-se a preponderância inglesa no Brasil. Importantes setores da elite luso-brasileira manifestaram
seu descontentamento com os tratados de 1810. A Igreja Católica, os comerciantes reinóis e os proprietários
escravocratas sentiram-se prejudicados.
O Tratado de Aliança e Amizade ratificava, ainda, a aliança entre os dois países e o compromisso inglês de
só reconhecer a dinastia de Bragança como detentora e herdeira do trono português;
O resultado direto desses acordos foi uma total abertura do mercado consumidor brasileiro aos produtos
ingleses, que inundaram as prateleiras dos comércios e armazéns de todo o Brasil, principalmente no Rio de
Janeiro. Com dificuldades de penetrar os mercados europeus em virtude da expansão napoleônica, os comerciantes
ingleses enviavam produtos sem utilidade alguma no Brasil, como esquis e patins para neve e casacos de pele. Os
baixos impostos pagos por produtos ingleses inviabilizavam a instalação de manufaturas e fábricas no Brasil, bem
como provocaram uma crescente dependência econômica em relação aos britânicos.
Nos 13 anos que permaneceu no Brasil, D. João ainda tomou uma série de medidas que muito contribuíram
para o desenvolvimento e a autonomia do Brasil:
§§ instalação da imprensa e da Biblioteca Régia;
§§ criação do Horto Real, (Jardim Botânico);
§§ criação das Escolas de Medicina de Salvador e do Rio de Janeiro;
§§ criação da Escola de Comércio e da Escola Real de Artes, Ciências e Ofícios;
§§ financiamento de uma Missão Artística Francesa, chefiada por Joachim Lebreton, que trouxe para o Brasil
pintores como Nicolas Taubay e Jean-Baptiste Debret; o escultor Auguste Taunay; o arquiteto Grandjean de
Montigny; e o gravador Marc Ferrez, missão essa que lançou as bases para a Real Academia de Belas Artes;
§§ fundação da Academia Real Militar e Academia da Marinha;
§§ criação da Fábrica de Pólvora;
§§ criação das fábricas de ferro Ipanema (Sorocaba, SP) e Patriótica (Congonhas, MG); e
§§ inauguração do Real Teatro São João, no Rio de Janeiro.
§§ novos bairros, sistema de esgoto, drenagem dos pântanos e calçamentos das ruas principais.

97
Disponível em: <http://abstracaocoletiva.com.br>
Uma senhora brasileira em seu lar. Óleo sobre tela de Jean-Baptiste Debret, artista cujo sucesso se deveu aos registros que
fez dos usos e costumes do país.

O Brasil como Reino Unido (1815)


Em 1815, Napoleão foi definitivamente derrotado, e o Congres-
so de Viena passou a reorganizar a Europa, recolocando nos diversos
tronos as dinastias que a França napoleônica havia derrubado. Para ser
reconhecida pela nova ordem europeia, a dinastia de Bragança deve-
ria abandonar a Colônia e retornar ao território metropolitano. Nessa
época, D. João e a maior parte de sua Corte não desejavam deixar o
Brasil, onde haviam criado raízes e interesses econômicos, para retornar
a Portugal, empobrecido, devastado pela guerra e pela crise econômica.
Visando atender as exigências do Congresso de Viena e sem
retornar à Europa, foi acatada a sugestão do astucioso Talleyrand, mi-
nistro do Exterior da França: elevar o Brasil a Reino Unido de Portugal
© Wikimedia Commons

e Algarve. Tal ideia também agradava muito os britânicos, os quais não


desejavam ver o Brasil voltar à condição de Colônia, pois perderiam um
mercado importante para seus produtos.
Realizada em 1815, essa mudança permitiu a
D. João prolongar sua permanência no Brasil, para o qual a condição de
igualdade política e jurídica representou mais um passo em direção à sua
emancipação política. Brasão do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve,
ficava no centro de uma bandeira branca.

98
A Revolução Pernambucana de 1817

© Tonyjeff/Wikimedia Commons

A bandeira da Revolução Pernambucana de 1817, cujas estrelas representam Pernambuco, Paraíba e Ceará, inspirou a atual bandeira pernambucana.

No início do século XIX, a economia nordestina e a pernambucana enfrentavam uma séria crise econômica
em virtude da queda dos preços e da exportação do açúcar e do algodão, respectivamente os maiores produtos
de exportação da região. O açúcar sofria ainda a concorrência do açúcar de beterraba produzido pelos ingleses,
enquanto o algodão sofria concorrência da produção norte-americana.
Os grandes proprietários rurais e a população nordestina em geral enfrentavam sérias dificuldades, agra-
vadas pelas constantes secas ocorridas na região, provocando o aumento da carestia, da fome e da miséria. Além
disto, os portugueses controlavam o comércio e a maioria dos cargos públicos excluindo os brasileiros de uma parte
significativa da economia e, quase totalmente, das decisões políticas.
A presença da Corte portuguesa no Rio de Janeiro demandava altos gastos para o Estado e, para sustentá-
-la, D. João promovia constantes aumentos de tributos, aumentando ainda mais o custo de vida e a expropriação
dos brasileiros e nordestinos.
Esta realidade levou alguns segmentos sociais pernambucanos a organizar um movimento revolucionário
cujo objetivo era a separação de Pernambuco, influenciados pelas ideias iluministas e pelo liberalismo político do
movimento de Independência dos EUA e pela Revolução Francesa.
Além da independência, os revolucionários pernambucanos queriam a adoção de uma República Federalista,
o fim dos monopólios comerciais e dos tributos excessivos, a adesão de outras províncias do norte e nordeste con-
trárias à presença da Corte portuguesa no Brasil e fim das políticas implementadas pelos portugueses.
Os revoltosos anteciparam o levante, tomando o poder e instituindo um governo provisório composto por
representantes do Comércio – Domingos José Martins; Agricultura – “Manuel Correia de Araújo”; do Exército –
“Domingos Teotônio Jorge”; da Igreja – “Padre João Ribeiro”; e da Magistratura – “José Luís de Mendonça”. O
movimento contou ainda com a adesão de revolucionários da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Alagoas.
Foi instituída uma Lei Orgânica, enquanto não era convocada uma Assembleia Constituinte. Essa
determinava a adoção do regime republicano, a liberdade de comércio e de imprensa. Ainda, durante os
setenta e cinco dias que governaram, suspenderam parte dos impostos e tributos e aboliram os títulos de
nobreza

99
A reação do governo português foi imediata. Enviou tropas da Bahia e do Rio de Janeiro, que bloque-
aram o porto de Recife e atacaram os revoltosos por terra e mar. Despreparado, o exército revolucionário foi
derrotado facilmente pelas tropas leais ao governo Joanino.
Alguns líderes foram mortos em combate, enquanto outros foram executados em Salvador (Padre
Miguelinho e Domingos Jose Martins) e no Recife (Domingos Teotônio Jorge e José de Barros) e outros en-
volvidos foram anistiados, em 1821, pelo príncipe D. Pedro, como Frei Caneca, Antônio Carlos de Andrada,
Cipriano Barata e o padre cearense José Martiniano de Alencar.

A política externa
O período joanino foi marcado por intensos combates visando à defesa do território ou à anexação de
alguma área, sempre usando como pretexto a ameaça francesa ou espanhola.
Em 1809, com o apoio militar britânico, D. João VI ordenou a invasão da Guiana Francesa. Embora tenha sido
anexada pelo Brasil, foi devolvida para a França em 1817, por determinação do Congresso de Viena.
O velho sonho português de estender as fronteiras brasileiras até o rio da Prata tornou-se realidade em 1816,
com a invasão ao Uruguai. Liderados pelo general Lecor, as tropas luso-brasileiras dominaram Montevidéu em 1821.
A região foi anexada ao Brasil com o nome de Província Cisplatina. Em 1828, ao conquistar sua Independência,
ganhou o nome Estado Oriental do Uruguai.

Disponível em: <http://naofoinogrito.blogspot.com>

Província da Cisplatina. Mapa de Jean-Baptiste Debret.

Revolução Liberal do Porto (1820)


Após a queda de Napoleão Bonaparte, o seu Império esfacelou-se, ele foi preso e exilado em Santa Helena. Em
1815, os governos europeus trataram de se unir para planejar a reordenação política da Europa. Organizou-se, então,
o Congresso de Viena, que, de fato, foi uma conferência entre os embaixadores das principais potências europeias – de
2 de maio de 1814 a 9 de julho de 1815 –, com os objetivos de reordenar o mapa político da Europa; restabelecer
a colonização e tentar reviver o mundo colonial; reconduzir ao trono as famílias reais subjugadas por Napoleão e
resgatar o absolutismo.

100
No Brasil, com a morte da rainha-mãe, D. Maria I (1816), D. João foi, em 1818, aclamado rei com o título de
D. João VI. Mas em Portugal, era representado pela Regência do governo militar britânico de William Carr Beresford, pro-
vocando o descontentamento da população e o acirramento da oposição ao governo do marechal inglês.

Aclamção do rei D. João VI - Jean-Baptiste Debret

Assim, os burgueses que defendiam uma Monarquia Constitucional começaram a se sentir fortalecidos. Entre 1817-
1818, ocorreu o primeiro levante burguês de cunho liberal e, em 1820, teve início a Revolução Liberal do Porto, a qual
reivindicava a volta de D. João VI para Portugal, a assinatura e o juramento de fidelidade à Constituição que seria feita,
transformando, assim, o país numa Monarquia Constitucional.
Quanto ao Brasil, os liberais portugueses resolveram que todas as concessões feitas aos colonos deviam ser anu-
ladas, uma vez que defendiam a recolonização do Brasil. Obrigado a voltar, sob ameaça de perder o trono luso, D. João VI
deixava o Reino Unido do Brasil rumo a Lisboa no dia 25 de abril de 1821. Ele transferiu a sede da Coroa para Portugal,
deixou um dos seus filhos, D. Pedro, como príncipe regente do Brasil.
No entanto, as exigências dos revoltosos portugueses que continuaram a pressionar para que o Brasil vol-
tasse à sua condição de colônia e que o regente voltasse para Portugal, precipitariam a independência do Brasil,
garantindo o trono para os Bragança.

101
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR
pCilboad
rPageNumber
Vídeo Marquês de Pombal

Fonte: Youtube

Vídeo 1808 - A Família Real no Brasil


Fonte: Youtube

Vídeo Ep. 01 - A Fuga dos Reis - 1808, A Corte no Brasil


Fonte: Youtube

Vídeo Chegada da Família Real Portuguesa - Dom João no Brasil

Fonte: Youtube

102
ACESSAR LER

Sites Livros
Período pombalino e família real portuguesa

historiadomundo.uol.com.br/idade-moderna/periodo-pombalino.htm
www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=28
brasilescola.uol.com.br/historiab/dom_joao.htm
www.revistadehistoria.com.br/secao/reportagem/vinda-da-familia-real-pauta-quase-a-
metade-dos-enredos-do-carnaval-carioca
www.historiadasartes.com/nobrasil/arte-no-seculo-19/missao-francesa/

LER

Livros
D. João carioca - Lilia Moritz Schwarcz

Há quem diga que D. João gostou tanto do Brasil que por aqui
foi ficando. Mesmo depois que os franceses foram expulsos de
Portugal, que aconteceu o Congresso de Viena, que a paz foi
decretada e a guerra chegou ao fim, o príncipe português preferiu
não voltar a ocupar o seu trono em Portugal.

1808 - Laurentino Gomes

A fuga da família real portuguesa para o Rio de Janeiro ocorreu


num dos momentos mais apaixonantes e revolucionários do
Brasil, de Portugal e do mundo. Guerras napoleônicas, revoluções
republicanas, escravidão formaram o caldo no qual se deu a
mudança da corte portuguesa e sua instalação no Brasil.

A longa viagem da biblioteca dos reis - Lilia Moritz


Schwarcz

1º de novembro de 1755, dia de Todos os Santos. A população de


Lisboa se apronta para viver mais um pacato dia de feriado, sem
imaginar o mal que vinha da terra.

103
LER

Livros
Debret e o Brasil - Pedro Correa do Lago

O livro apresenta um catálogo raisonné da obra brasileira de Jean-


Baptiste Debret, o artista estrangeiro que pintou o Brasil no século XIX.

OUVIR

Músicas
200 Anos da Corte Real, nos Jardins da Família
Imperial – Unidos da Tijuca (samba-enredo 2008)

O Quinto Império: de Portugal ao Brasil, uma utopia na


História – Mocidade Independente (samba-enredo 2008)

João e Marias – Imperatriz Leopoldinense (samba-enredo 2008)

104
INTERDISCIPLINARIDADE

Terremotos em Lisboa (Geografia)


No dia 1º de Novembro de 1755, a cidade de Lisboa foi acometida por um devastador terremoto. Estima-
se que o sismo atingiu magnitude entre 8,7 e 9 graus na escala Richter, o que justifica a morte de mais de 90 mil
portugueses. Para se ter uma ideia da dimensão, a população de Lisboa era de 300 mil habitantes.
Prédios inteiros e inúmeras residências foram completamente destruídos. Houve, ainda, um tsunami de
aproximadamente 20 metros de altura, que agravou ainda mais a situação dos habitantes. As ondas de choque do
sismo foram sentidas por toda a Europa e norte da África. As cidades marroquinas de Fez e Meknès sofreram danos
e perdas consideráveis. Os maremotos originados pela movimentação tectônica varreram locais desde o norte da
África até o norte da Europa.
Hoje, com tecnologia disponível, cientistas descobriram uma fratura tectônica em formação no litoral português,
o que justificaria os constantes abalos sísmicos na região. Isso significa que, daqui a uns 200 milhões de anos, o oceano
Atlântico poderá vir a desaparecer e as massas continentais da Europa e América a juntar-se num novo supercontinente.

105
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 9 - Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socio-


econômicas em escala local, regional ou mundial.

Para se estudar a história brasileira, devemos ir para além dos eventos internos. É fundamental
inserir a conjuntura política, econômica e social nacional dentro das Relações Internacionais.
No caso do período colonial, isso é mais do que necessário, pois o Brasil sequer se constituía
como uma nação soberana, isto é, era rebaixado à condição colonial. Dessa forma, a imple-
mentação de normas econômicas e sociais da coroa portuguesa era diretamente conectada à
sua situação dentro do jogo de forças das relações internacionais.
O aluno, para ter uma visão mais ampla e correta da realidade nacional, deve procurar
o contexto internacional concomitante ao momento histórico estudado. A Habilidade 9
exige a destreza do aluno para tal. Cada vez mais, não somente no ENEM, esse tipo de
habilidade é cobrado.

Modelo
(Enem) Eu, o Príncipe Regente, faço saber aos que o presente Alvará virem: que desejando promo-
ver e adiantar a riqueza nacional, e sendo um dos mananciais dela as manufaturas e a indústria,
sou servido abolir e revogar toda e qualquer proibição que haja a este respeito no Estado do Brasil.
Alvará de liberdade para as indústrias (1º de Abril de 1808). In: Bonavides, P.; Amaral, R. Textos
políticos da História do Brasil. Vol. 1. Brasília: Senado Federal, 2002 (adaptado).

O projeto industrializante de D. João, conforme expresso no alvará, não se concretizou. Que carac-
terísticas desse período explicam esse fato?
a) A ocupação de Portugal pelas tropas francesas e o fechamento das manufaturas portuguesas.
b) A dependência portuguesa da Inglaterra e o predomínio industrial inglês sobre suas redes de comércio.
c) A desconfiança da burguesia industrial colonial diante da chegada da família real portuguesa.
d) O confronto entre a França e a Inglaterra e a posição dúbia assumida por Portugal no comércio internacional.
e) O atraso industrial da colônia provocado pela perda de mercados para as indústrias portuguesas.

106
Análise Expositiva

Habilidade 9
A “liberdade industrial” ocorreu num contexto em que a dependência de Portugal frente à
Inglaterra aumentou, fruto do apoio desta última na transferência da Corte para o Brasil. A
Inglaterra era um país que se industrializava em um processo de quase 40 anos, produzia
em grande escala e ainda recebeu uma série de privilégios de D. João VI, com a Abertura dos
Portos e posteriormente com os Tratados de 1810. Dessa forma, o predomínio de produtos
ingleses no Brasil minou qualquer possibilidade de desenvolvimento da indústria local.
Alternativa B

Estrutura Conceitual

Escassez de Ouro
no Brasil Dependência Inglesa

Crise Econômica
Portuguesa
Depotismo Esclarecido

Criação das Companhias


de Comércio: Grão-Pará
Mínimo de 1500Kgs e Maranhão/Pernambuco
de ouro por ano e Paraíba
do Brasil REFORMAS
POMBALINAS
(1750 - 1777)
Nova Capital: Industrialização
Rio de Janeiro de Portugal
(1763)

Brasil: Confisco de bens


Vice-Reino dos Jesuítas

107
Era Napoleônica Bloqueio Continental Portugal Desrespeita

Fuga da Corte ao Brasil Ameaça de Napoleão

Imprensa, Biblioteca Abertura dos


e escolas (RJ e BA) Portos (1808)

PERÍODO
Industrialização JOANINO
do Brasil Tratados de 1810:
(1808 - 1821) Porto de SC aos
ingleses
Taxa de Importação
Inglaterra (15%)
Liberdade
Portugal (16%)
Comercial
Resto do
Brasil: Mundo(24%)
Reino Unido (1815)

Banco do Modernização do
Brasil Rio de Janeiro
Domínio Inglês
Caminho para
a Emancipação

108
15 16
Processos de independência
do Brasil e da América
espanhola
Competências Habilidades
1, 2, 3, 5 e 6 1, 2, 4, 5, 7, 8, 9,
10, 11, 13, 14, 15,
22, 24 e 29

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-
H8
-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferen-
tes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favo-
recendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
Processo de independência do Brasil
A Revolução Liberal do Porto e as Cortes de Lisboa
Em 1820, em Portugal, a burguesia lusa finalmente consegue se desvencilhar da ocupação inglesa mantida por
Lord Beresford, dando início à revolução liberal e convocando extraordinariamente as Cortes Constituintes de Lis-
boa para a elaboração da primeira Constituição portuguesa.
Com o controle do poder e nos limites do “liberalismo” à portuguesa, a burguesia lusa, ainda predominan-
temente mercantilista, propõe-se a reformar a administração pública e recuperar a economia do Reino, exigindo
para tanto algumas medidas imediatas, como o regresso do soberano à Metrópole, seu juramento à futura Consti-
tuição e a recolonização do Brasil em favor dos interesses maiores do comércio português.
Depois de algumas hesitações, D. João VI partiu a 25 de abril de 1821, deixando D. Pedro como regente no
governo do Brasil. Abriu-se um momento decisivo no processo de separação.
O caráter recolonizador das Cortes gerou a reação anticolonialista dos brasileiros. Porém, a burguesia por-
tuguesa não permitiria que ocorresse a separação. O Brasil proporcionava-lhes produtos tropicais, couro, ouro e
madeira a baixo preço, que abasteciam tanto o comércio interno como a exportação com altos lucros. Para os
traficantes lusos, o comércio de escravos representava um negócio fundamental e a garantia de elevados lucros.
Por isso, o liberalismo português mostrava-se adaptado ao colonialismo e aos propósitos de que nada tinham a ver
com ele, uma vez que, como dizem alguns estudiosos, tratava-se de um liberalismo “fora de lugar”.
Por outro lado, a aristocracia rural brasileira não podia admitir a volta ao status colonial. Não permitiria mais
poderes discricionários nem espoliações realizadas em nome da Coroa portuguesa e de sua pesada carga fiscal.
Crescia o sentimento emancipacionista. A presença da Corte de D. João VI no Brasil havia solapado os
alicerces do sistema colonial. Já estava inadequado à nova realidade econômica e política da Europa e da América
do Norte, bem como não tinha mais sustentação interna. Os grupos anticolonialistas haviam se fortalecido e seus
ideais, propagados e popularizados.
Ante a ação das Cortes e a regência de D. Pedro, formaram-se três grandes agrupamentos políticos no Brasil.
§§ o Partido Português, formado principalmente por militares reinóis e por comerciantes portugueses radi-
cados nas cidades brasileiras mais importantes, beneficiários da antiga política mercantilista e defensores
da política recolonizadora das Cortes.
§§ o Partido Brasileiro, formado por grandes proprietários de terras e escravos, altos funcionários da burocra-
cia governamental e comerciantes brasileiros e ingleses. Liderado por José Bonifácio, o Partido Brasileiro era a
força mais importante no processo de independência e caracterizava-se pelo conservadorismo. Seus compo-
nentes temiam que a luta pela independência se fizesse acompanhar por mudanças na estrutura econômico-
-social do país, o que implicaria principalmente a extinção do escravismo. Ilustravam-lhes algumas ideias
liberais, adaptadas às suas necessidades, como sérias restrições à democracia, voto censitário – imposição de
certas condições sociais e um patamar mínimo de renda para se ter direito ao voto. Um dos pontos fundamen-
tais do programa era manter a unidade nacional com um governo fortemente centralizado no Rio de Janeiro;

José Bonifácio - “o Patriarca”

111
§§ O grupo dos Radicais Liberais, liderado por Em desespero, as Cortes de Lisboa tomaram
Gonçalves Ledo, defendia que a independência medidas radicais: declararam ilegítima a Assembleia
fosse acompanhada por reformas – abolição Constituinte reunida no Brasil; o governo do príncipe foi
da escravatura, estabelecimento de um sufrágio declarado ilegal e o príncipe foi convocado a regressar
amplo e mais autonomia das províncias. Faziam imediatamente a Portugal.
parte desse grupo: profissionais liberais, peque-

© Wikimedia Commons
nos comerciantes, artesãos e padres.
Embora com divergências de ideias e programas,
o grupo dos Brasileiros e dos Radicais Liberais uniram-
-se nos anos de 1821 e 1822, lutando pela mesma
causa: a independência e pelo poder. Terminaram por
influenciar o príncipe regente para que fosse o líder do
movimento pela independência.
Era importante que houvesse um posicionamento
claro do príncipe. José Clemente Pereira levou a D. Pedro
um abaixo-assinado, no dia 9 de janeiro de 1822. Pres-
sionado pelo presidente do Senado e da Câmara, compro-
meteu-se diante do povo a permanecer aqui. Essa decisão,
solenizada no “Dia do Fico” (9 de janeiro de 1822), repre-
sentou a escolha de um caminho sem retorno.

Se é para o bem de todos e felicidade geral da na- Cortes de Lisboa, óleo sobre tela de’ Oscar Pereira da Silva.
ção, estou pronto, diga ao povo que eu fico A crise institucional chegava a um limite que apon-
D. Pedro I
tava para a separação final. Em agosto de 1822, D. Pedro
viajou para São Paulo. Tentava acalmar a província, agita-
A reação portuguesa não se fez esperar. A de-
da pela “bernarda”1 de Francisco Inácio. Esse movimento
cisão de D. Pedro teve reflexos internos e externos. As
havia destituído Martim Francisco e abalado o prestígio
Cortes acirraram os decretos recolonizadores e as tro-
dos Andrada. Enquanto D. Pedro estava em São Paulo, a
pas metropolitanas sediadas no Brasil movimentaram-
maçonaria decidiu pela separação do Brasil de Portugal.
-se contra o regente D. Pedro.
A chegada do navio-correio trazendo notícias restritivas à
Essas atitudes aceleraram os seguintes aconte-
autonomia do Brasil precipitou os acontecimentos.
cimentos.
José Bonifácio enviou um mensageiro ao encontro
§§ Instituição do decreto do “Cumpra-se”. As
de D. Pedro, no Ipiranga, em São Paulo, quando voltava de
leis portuguesas, doravante, só seriam acatadas
Santos. Os relatórios dos irmãos Andrada, de Lisboa e do Rio,
após receberem a aprovação de D. Pedro.
e a carta de D. Leopoldina convenceram-no a imediatamente
§§ Convocação do Conselho de Procuradores Ge-
proclamar a independência. Era 7 de setembro de 1822.
rais das Províncias do Brasil no Rio de Janeiro.
As margens do Ipiranga encontrava-se uma comiti-
§§ O regente D. Pedro aceita o titulo de Defensor
va formada às pressas em Santos, composta de seis ou sete
Perpétuo do Brasil oferecido pela maçonaria.
membros, todos sobre lombos de mulas. Seriam estas as
§§ Licença de desembarque apenas para as tro-
únicas testemunhas da suposta proclamação de D. Pedro:
pas portuguesas que jurassem obediência ao
“Independência ou Morte”.
regente.
§§ Nomeação de diplomatas brasileiros em países
europeus e nos EUA. 1. Em maio de 1822, São Paulo se levanta. Acontece a “bernarda” (revolta)
de Francisco Inácio de Sousa Queirós, homem com grande força política no
§§ Viagem de D. Pedro a Minas, onde acalmou os Oeste da província. Pertencia às famílias governantes de Sorocaba, ferrenhas
ânimos mais exaltados. opositoras dos Andradas e favoráveis ao príncipe, desde que tutelado pelas
Cortes. D. Pedro viajou para São Paulo com o intuito de enfrentar a revolta
§§ Convocação de uma Assembleia Geral e Cons- (Eduardo Schnoor, Sudeste leal.)
Disponível em: <revista dehistoria.com.br>.
tituinte. Acesso em: 28 fev. 2015.

112
© Wikimedia Commons
A tela de Moreaux representa o exato mo-
mento em que o príncipe D. Pedro I proclama a Inde-
pendência do Brasil. Tal qual uma estátua equestre,
imóvel no gesto que procura dar imortalidade ao
acontecimento datado. Com a mão direita erguida,
o futuro imperador segura e agita o chapéu bicor-
ne. O artista joga luz em D. Pedro e em seu cavalo,
elevando ligeiramente a real figura, com o objetivo
de destacá-las das demais. Ao fundo, estariam os
bosques que margeiam o Rio Ipiranga. No entan-
to, a obra deve muito mais à imaginação do que à
realidade. Era fato que as pinturas acadêmicas de-
veriam inspirar moralmente mais do que pretender A Proclamação da Independência. Óleo sobre tela de François-René Moreaux
(1844), a pedido do Senado Imperial. (Museu Imperial de Petrópolis).
retratar a realidade objetivamente.
Nesse caso, no entanto, o modo idealizado como a cena é retratada é quase constrangedor. O ambiente
pouco se parece com o Brasil, não fossem as poucas palmeiras devidamente sombreadas no fundo da tela. A
luminosidade do céu é também bastante rebaixada, a exemplo de outros pintores de formação acadêmica e de
origem francesa, que manifestavam igual dificuldade em retratar o azul luminoso dos trópicos.
A população que rodeia D. Pedro I também contribui para o aspecto idealizado do quadro. Os elementos do
Exército assemelham-se a estátuas, imóveis, enquanto o povo movimenta-se muito: os figurantes congratulam-se,
acenam, trocam abraços, correm... sempre de forma a saudar o ato memorável de D. Pedro.
Não há negros muito menos indígenas na representação pretensamente às margens do Ipiranga. Os outros
personagens que compõem a cena – um menino que corre, as mulheres com seus véus negros a cobrirem os
ombros, homens com bombachas e meninas com saias abauladas – assemelham-se à população rural da Europa
devidamente transposta para os trópicos por Moreaux.
Com o intuito de evitar a imagem de um Império escravocrata, os cativos ficaram afastados da pintura.
Também não seria possível enfatizar a ideia de um monarca “civilizado” se ele aparecesse cercado de mestiços e
negros. É possível reconhecer na representação um país branco, até italiano, à semelhança dos casamentos reais
promovidos pela monarquia brasileira.
Adaptado de: SCHWARCZ, Lilia. Reino da imaginação. Disponível em: <revistadehistoria.com.br>. Acesso em: 10 dez. 2014.

O Império de D. Pedro I consolidaria a hegemonia Ciente dos riscos que corria, a aristocracia ru-
dos latifúndios; o regime de trabalho escravo esvaziaria o ral brasileira aproximou-se do jovem príncipe regente
ideal republicano; refutaria o federalismo e optaria por uma D. Pedro com o objetivo de convencê-lo das vantagens
forma unitarista, com o poder centralizado no Rio de Janeiro. de sua permanência na Colônia.
Na passagem da Colônia para Império, observa-se Em 1822, o rompimento com a Metrópole ocor-
certa singularidade. O processo começou com o ato da aber- reu simbolicamente no famoso episódio no dia 7 de se-
tura dos portos logo após a chegada da família real ao Brasil, tembro, com o grito de independência, às margens
em 1808. Com esse ato, a própria Coroa portuguesa extin- do riacho Ipiranga, em São Paulo, mas a permanência
guia o pacto colonial. Ao transformar a colônia em sede do de D. Pedro I em terras colonias, contrariando as ordens
poder metropolitano, criava uma situação inusitada: embora de Lisboa, em 9 de janeiro de 1822, é o ato definitivo do
pertencendo a Portugal e devendo inteira submissão à Coroa rompimento dos laços da Colônia com Portugal.
portuguesa, a Colônia era a sede do poder metropolitano. A data de 7 de setembro só seria defendida como
O projeto político da independência do Brasil foi marco da independência por representantes paulistas
resultado, em primeiro lugar, dessa situação particular durante as reuniões da Assembleia Constituinte de 1823
e das contradições entre os interesses da elite agrária e, apesar de dissolvida por D. Pedro I, a data proposta foi
brasileira e do projeto português de recolonização do oficializada, o que foi um ganho para a provícia de São
Brasil, expresso na Revolução Liberal do Porto. Paulo, desejosa de reconhecimento político.

113
O fato de a Independência ter sido realizada pelo herdeiro da Coroa portuguesa foi o fator fundamental para
que a estrutura agroexportadora se mantivesse e mantivesse principalmente a escravidão, uma mancha no espírito
liberal dos protagonistas desse processo. Na verdade, a manutenção da escravidão negava qualquer desejo liberal.
É possível associar a Independência do Brasil aos interesses externos, com a destacada atuação da Inglaterra,
uma vez que ela ambicionava a ampliação dos mercados consumidores para seus produtos manufaturados. Ressalte-
-se ainda que a maior parte da população não participou do processo de independência do Brasil, uma vez que ele foi
tão somente um acordo entre os detentores do poder econômico e político que continuariam a sê-lo no futuro Império.
A Independência brasileira foi sui generis no contexto americano. O Brasil foi o único país, com exceção do México,
a adotar a monarquia como forma de governo. O processo de rompimento com a Metrópole foi liderado por um represen-
tante das elites dominantes, portanto, por um defensor dos seus interesses e os de outros países, como os da Inglaterra, por
exemplo, que não precisava, nem desejava, o apoio popular.
O liberalismo da Independência brasileira era essencialmente econômico, não político nem social. O que explica
a marginalização popular e a manutenção da escravidão. Os lideres políticos queriam evitar convulsões sociais, bem
como perda dos seus privilégios sociais, políticos e econômicos.
Os grupos dominantes temiam também que a América Portuguesa se fragmentasse politicamente, como ocorria
na América Espanhola. Em razão disso, firmaram um acordo com o Príncipe Regente através do qual a monarquia apro-
veitaria o aparelho burocrático já instalado, manteria um governo centralizado e afastaria os grupos sociais indesejados
das decisões políticase manteria D. Pedro I como monarca, desde que isso fosse conveniente aos interesses da elite
branca dominante do Brasil.
Essa posição levou ao rompimento definitivo com Portugal, mas aprofundou a dependência externa, principal-
mente da Inglaterra, à qual o Brasil recorria constantemente em busca de empréstimos a juros altíssimos. A título de
reiteração, a autonomia política não alterou as velhas estruturas coloniais – latifúndio agrário-exportador, escravidão,
exclusão social, miséria, analfabetismo e precárias condições de existência.

Comitiva numerosa e arrumada, só anos depois, e nada de cavalos: mulas para aguentar o caminho. Para pio-
rar, dificilmente o futuro imperador estaria animado para qualquer ato heroico. Uma diarreia o atormentava desde
a saída de Santos, por conta de seus excessos à mesa no dia anterior, e obrigava a comitiva a parar a todo instante.
As cores da independência, portanto, tinham um tom bem diferente da paleta escolhida por Pedro Américo. De
certa forma, essa fantasiosa versão oficial acompanha o próprio mito da independência brasileira. “Tudo indica
que aquele episódio, romanceado, não aconteceu”. Diretora do Museu Paulista, a historiadora Cecília Helena de
Salles Oliveira e autora do livro O brado do Ipiranga, ressalta que a separação de Portugal aconteceu de fato em
junho de 1822, quando foi convocada uma Assembleia Constituinte. Em setembro, Dom Pedro veio a São Paulo
especialmente para pedir apoio dos produtores locais.
Disponível em: <ultimosegundo.ig.com.br/1822>. Acesso em: 10/12/2014..
© Wikimedia Commons

Independência ou morte. Óleo sobre tela, de Pedro Américo (1888). (Museu Paulista USP, São Paulo)

114
A independência da América espanhola
América colonial espanhola no século XVIII
A Independência das colônias espanholas na América foi um processo que resultou na fragmentação dos antigos vice-
reinos e na criação de diferentes países. Entre as motivações comuns e particulares, o domínio espanhol foi contestado
nos territórios do México à atual Argentina. A compreensão da formação das nações latino-americanas está na
conjugação entre as influências externas e os aspectos específicos de cada localidade. Por essa razão, é necessário
relacionar os acontecimentos desencadeados no início do século XIX com as questões locais e com os processos vividos
pelos Estados Unidos e pela Europa. Entre os processos comuns aos diferentes países que surgiram estão a Crise do
Antigo Regime europeu e a circulação das ideias liberais que chegaram às Américas. Nesse contexto, o Iluminismo e os
exemplos revolucionários norte-americano e francês tiveram importante influência na América hispânica.
O processo histórico vivenciado na América pode ser dividido em dois momentos: primeiro, a ruptura com o
Antigo Regime, o caminho para a modernidade política e econômica; segundo, a desintegração do grande conjunto
que constituía as colônias espanholas em diversos países.
O processo de independência das colônias espanholas foi construído por episódios dos dois lados do Atlântico.
Na Espanha, a invasão das tropas de Napoleão Bonaparte, imperador francês, e a deposição e a substituição do rei
Fernando VII por seu irmão, José Bonaparte, provocaram contestações lá e na América.

© François Gérard/Wikimedia Commons

José Bonaparte

Com a presença de um “usurpador” no trono da Espanha, os colonos passaram a se sentir livres para rom-
per os laços de obediência com a Metrópole. É necessário compreender a força do poder absolutista na Espanha:
a vinculação do poder e do Estado dão-se na figura do Rei, concepção essa também viva na América. Personalista
como era, a ausência do rei Bourbon foi usada para romper com uma monarquia ilegítima.
Esse exercício de soberania do rei foi transferido para a sociedade americana, que deixou de discutir sua
condição política. O direito de desfrutar da igualdade de representação política, em face da Espanha, foi deter-
minante, graças à força das ideias liberais naquela região. Esse debate sobre a igualdade produziu os elementos
necessários para a ruptura definitiva com a Monarquia espanhola, mesmo depois da restauração dos Bourbon.
Ao longo do século XVIII, vinha sendo alimentado um grande descontentamento nas colônias por causa
das reformas empreendidas pela dinastia espanhola. As dificuldades impostas às praticas comerciais e a interfe-
rência dos interesses da Coroa espanhola nas aspirações da população local geraram crescente descontentamento.
As elites hispano-americanas discordavam das amarras impostas pelo Antigo Sistema Colonial e da impossibilidade
de expandir seus negócios, principalmente com a florescente Inglaterra, que, por sua vez, via na independência das

115
colônias latino-americanas a chance de aumentar o mercado para sua crescente produção industrial. Para as elites
criollas, a separação da Metrópole significava, além de poder gerir seus negócios sem nenhuma intermediação, a chance
de ampliar o seu poder local, passando a dirigir diretamente os territórios. No entanto, a insatisfação das elites locais
e sua rebeldia não implicavam mudança das estruturas sociais ou da participação de outros extratos sociais, como
os indígenas e trabalhadores livres.
O liberalismo econômico defendia a liberdade comercial, a livre concorrência e o incremento manufatureiro
como base para o crescimento e o desenvolvimento capitalista, ao que se opunham as Coroas Ibéricas, uma
vez que continuavam envolvidas nas práticas mercantilistas e colonialistas, continuavam presas às práticas do
capitalismo comercial.
Na América espanhola, a elite criolla era formada por descendentes de espanhóis nascidos em território
americano. Sua prática política era pautada pelas discussões sobre a representatividade das colônias diante da
Metrópole à liderança das revoltas.
Para compreender por que as revoltas contra a dominação e a exploração colonial eclodiram ao longo do
século XIX, é necessário compreender as mudanças ocorridas no século XVIII.
Durante o governo dos Bourbon, a Espanha já não obtinha os mesmos lucros com suas colônias, como
nos séculos XVI e XVII. A crise abatia-se sobre a Metrópole que, preocupada com a diminuição da rentabilidade
das colônias e carente de recursos para sustentar seus custos, adotou um plano de modernização administrativa
e econômica. Conhecidas como bourbônicas, essas reformas tinham uma inspiração iluminista de racionalidade
administrativa e visavam impulsionar a economia local, bem como ampliar os controles da Metrópole espanhola
sobre suas colônias.
Durante o governo de Carlos III (1716-1788), as medidas tomadas compreendiam os seguintes aspectos.
§§ Mudança na estrutura administrativa colonial
por meio da criação de novas divisões administrativas,
Vice-reino do Rio da Prata
dando origem, em 1717, ao Vice-Reino de Nova
© Wikimedia Commons

Granada – Colômbia, Panamá e parte do Equador – e,


em 1776, ao Vice-Reino do Rio da Prata – Argentina,
Uruguai, Paraguai e parte da Bolívia. Foram criadas
ainda três novas Capitanias Gerais: Venezuela, em 1773;
Cuba – Caribe e Flórida, em 1777; e Chile, em 1778.
As capitanias eram territórios considerados estratégicos
para a Coroa espanhola a fim de viabilizar a
descentralização administrativa. Em razão disso, foram
criadas novas Intendências, que eram distritos menores
com unificação de competências administrativas,
financeiras e militares, além de poderes sobre os
municípios. Essa maior divisão política visava ao maior
controle sobre os administradores e à diminuição
do poder dos vice-reis, bem como da administração
deles sobre as respectivas áreas. A substituição
dos corregedores, governadores e alcaides por
administradores espanhóis era uma demonstração de
que a Metrópole acreditava já existir um sistema político
arraigado na América que precisava ser quebrado. Essa
atitude provocou o descontentamento dos criollos, que
tradicionalmente ocupavam parte significativa desses
cargos. Ao substituí-los por pessoas da confiança da
Coroa, o governo Bourbon minava o poder dos criollos
e aumentava o seu próprio sobre a região.

116
§§ Ação contra a Igreja – os primeiros habitantes das colônias espanholas a se voltarem contra as reformas
de Carlos III foram os jesuítas. Além do controle que detinham sobre a educação, tinham muito poder
administrativo e político nas regiões coloniais, o que lhes foi tirado pelas reformas administrativas. Em 1767,
os jesuítas foram expulsos da América e seus bens confiscados, numa tentativa da Coroa de impor o seu
poder a setores da Igreja. A expulsão dos jesuítas desagradou os habitantes locais, que viam os padres como
a aliados tradicionais e interpretaram a atitude como um ato de perseguição religiosa.

© Anton Raphael Mengs/Wikimedia Commons

Carlos III

§§ Abertura dos exércitos aos criollos – com a intenção de controlar as colônias, foi iniciada uma
expansão militar e permitida a participação dos criollos em altas patentes. Essa medida acabou produzindo
a “americanização” dos exércitos reais, com a participação de soldados e oficiais criollos. Tudo indicava que
estava sendo criado o exército hispano-americano sob a liderança criolla durante as lutas pela independência.
§§ Medidas econômicas – as mudanças ocorridas internamente nas colônias espanholas americanas, como o
aumento populacional, o incremento das áreas agrícolas de cacau e tabaco que passaram a produzir açúcar,
a expansão da exploração mineradora, criaram uma situação em que a França e a Inglaterra passaram a
pressionar a Espanha pra que ela revisse sua política colonial, convencendo-a da necessidade de promover
algumas mudanças que preservassem seu império colonial. A primeira discussão teve como alvo o monopólio
colonial e a promoção da sua liberalização. Feitas várias modificações, enfraqueceram-se laços coloniais entre
a Espanha e suas colônias americanas: direito do comércio colonial com alguns portos espanhóis (1764) e,
mais tarde, com mais treze portos (1778); abolição de sistema de frotas (1798); liberdade de comércio entre
os Vice-Reinos de Nova Granada e o Peru (1768) e, mais tarde, com os Vice-Reinos de Nova Espanha e do
Rio da Prata. Paulatinamente, os portos coloniais americanos foram sendo abertos para o comércio com a
Espanha e, em seguida, para os portos internacionais (1797), com vistas a burlar o bloqueio inglês. A Espanha
foi obrigada a abrir os portos das suas colônias aos navios neutros e, assim, quebrar o monopólio colonial,
o que favoreceu a penetração dos navios, de mercadorias e de ideias dos Estados Unidos. Essa abertura
favoreceu o desenvolvimento de um intenso contrabando como forma de driblar e burlar as imposições
tributárias da Metrópole espanhola. Resultado dessas práticas: certa prosperidade geral e desenvolvimento
econômico, social e demográfico das colônias. A produção local foi incrementada na medida em que os
mercados foram incrementados e ampliados. Com o crescimento da oferta e das demandas coloniais cada vez
mais diversificadas a Metrópole foi ficando mais e mais incapaz de satisfazer as necessidades de suas colônias
americanas, além de continuar a ser um fardo econômico e fiscal.

117
As guerras de independência: a luta pela autodeterminação
A invasão da Espanha pelas tropas francesas de Napoleão Bonaparte, em 1807, provocou uma grande efervescência
política nas colônias. Os cabildos – conselhos municipais formados pelos habitantes mais importantes das cidades,
com poderes administrativos e jurídicos que regulavam a vida dos habitantes e fiscalizavam as propriedades públi-
cas – tiveram um papel destacado nas discussões sobre os vínculos políticos entre a Colônia e a Metrópole. Foram
eles o esteio político e militar para o processo de independência, bem como para a organização administrativa das
novas nações que surgiram. As Juntas Governativas (1808-1814) formadas a partir dos cabildos e da infiltração dos
criollos, foram se organizando até conseguirem expulsar os espanhois e exercer o poder político.
A Espanha, por sua vez, reagiu contra a presença napoleônica. Enquanto o exército francês ocupava-se em
sufocar os levantes contra eles, em Cádiz, ocorreu um importante fato político. Com a ausência do rei considerado
legítimo, formou-se a Junta Central, composta por militares, clérigos e intelectuais, que tomou para si a responsabi-
lidade pelo poder e convocou a reunião extraordinária das Cortes, em setembro de 1810, quando escreveram uma
Constituição. Para participar das Juntas, as Colônias americanas enviaram apenas 30 representantes. Essa desigual-
dade representativa dos americanos em relação a outras regiões espanholas agravou o descontentamento dos colo-
nos. Em 1812, a Espanha tinha a Constituição de Cádiz com características liberais. Ao reassumir o trono, em 1813,
Fernando VII recusou-se a jurar fidelidade à Constituição e revogou as leis promulgadas pelas Juntas Governativas.
Com isso, teve início um processo de perseguição implacável aos liberais espanhóis e aos da colônia americana, para
desafio das lideranças coloniais que recrudesceram a articulação dos projetos políticos visando a independência. A
ruptura com a Metrópole era iminente: nada mais os unia à Espanha.
As guerras de independência aconteceram basicamente entre 1810 e 1825 e tiveram como líderes membros
da elite criolla, como Hidalgo, Bolívar, San Martín, O’Higgins, Sucre e Belgrano, e mestiços, como Morelos. Dentre os
líderes, Simon Bolívar e José de San Martín foram os mais célebres. Defensores da liberdade para as colônias, ambos
percorreram quase toda a América Espanhola. Bolívar, o Libertador, partiu da atual Venezuela, onde nasceu, levan-
do sua luta, centrada nas ideias de liberdade, aos povos sul-americanos que “deveriam se unir para se tornarem
fortes”. San Martín partiu de Buenos Aires em direção ao interior da atual Argentina, depois para o Chile e Peru.

México e América Central


© Wikimedia Commons

O Vice-Reino da Nova Espanha corresponde à parte do território do


México atual, localizado na América do Norte, e de terras que mais
tarde foram incorporadas ao Sudoeste dos Estados Unidos (Texas, Novo
México e Califórnia). Era a principal unidade política e econômica do
mundo colonial espanhol. Cerca de um terço da população americana
sob domínio espanhol habitava aquela região no início do século XIX.
A divulgação das notícias a respeito da deposição de Fernando VII, em
1808, pelas tropas napoleônicas, foram o estopim para o acirramen-
to dos conflitos políticos na Cidade do México entre os peninsulares
(espanhóis de nascimento), denominados realistas, e os criollos (espa-
nhóis nascidos na América), chamados autonomistas. Os peninsulares
não queriam confrontar as novas autoridades que assumiram o poder,
propunham que a colônia deveria continuar submissa à Metrópole. Os
criollos, ao contrário, defendiam que o vice-rei José de Iturrigaray assu-
misse provisoriamente o governo da Nova Espanha.
Hidalgo

118
A disputa, na verdade, estava entre uma proposta de autonomia defendida pelos criollos e outra, de subor-
dinação e manutenção da vinculação colonial à Espanha, defendida pelos chapetones. A proposta de subordinação
acabou vencendo a disputa contra os autonomistas criollos.
Mas o sentimento de revolta e as condições propícias aos conflitos estavam disseminadas pelo território das
colônias. No interior do México, os criollos começaram, em 1810, um movimento contra os absolutistas espanhóis.
Em Guanajuato, as condições econômicas e sociais, aliadas ao desejo de mais autonomia, alimentaram um levante
em que criollos, índios e mestiços associaram-se. Naquela região, mais especificamente na cidade de Dolores, em
16 de setembro de 1810, índios e mestiços – sob a liderança do padre Miguel Hidalgo – fizeram um levante
contra os tributos e a opressão econômica, para “defender a religião” e abolir o domínio peninsular. A data do
início da revolta ficou conhecida como O Grito de Dolores. O padre Hidalgo liderou uma marcha com mais de
60 mil indígenas, e a revolta espalhou-se por toda a região da Intendência de Guanajuato. O discurso de Hidalgo,
cada vez mais radical, defendia a independência, a devolução de terras aos indígenas e não os proibia de cometer
saques, pois estavam sofrendo as consequências de uma prolongada seca. Em pouco tempo, a revolta tornou-se
uma luta dos indígenas contra os brancos (peninsulares e criollos), o que levou os criollos deixarem de apoiar o
movimento. As disputas findaram em 1811, com o fuzilamento de Hidalgo e de membros do exército rebelde.
Outra liderança religiosa foi o padre José Maria Morelos y Pavén, um mestiço que liderou, ao lado de
Ignácio Lopez Rayón, as forças rebeldes pelo interior do México até 1815. Seu programa era mais definido que
o de Hidalgo: independência, proclamada em 1813; governo constitucional, com divisão de poderes; respeito à
propriedade privada; e fim de leis que impediam o avanço das classes pobres. Morelos ambicionava o apoio dos
criollos por um modelo político liberal, incluindo a formação de uma Assembleia Constituinte, instalada em 1814. A
volta de Fernando VII ao poder possibilitou aos realistas, defensores do rei espanhol, perseguirem os constituintes
e, em uma dessas operações, Morelos foi preso e executado (em 1815).
O ambiente de tensão política persistiu no México e na América Central. Além do ambiente interno, os
conflitos entre liberais e conservadores na Espanha tinham influências no México. Em 1821, foi promulgado
o Plano de Iguala, que defendia os princípios liberais da Constituição de Cádiz. O plano tinha por objetivo
estabelecer a base constitucional para um Império Mexicano Independente. Seus fins eram: estabelecer o ca-
tolicismo como religião nacional do México; proclamar a independência do México; e tornar a igualdade social
efetiva para todos os grupos étnicos e sociais do país.
O idealizador do Plano de Iguala, assinado na cidade de Iguala, atual Guerrero, Agustín de Iturbide, de-
monstrou habilidade política, reunindo diversos grupos em torno de sua proposta. Em 1821, tornou-se imperador,
marcando a ruptura política definitiva com a Espanha. © Wikimedia Commons

No entanto, o Império de Agustín teve curta duração: sua atuação


centralista traía os pontos que o Plano de Iguala apresentava. Iturbide foi de-
posto, exilado e, no retorno ao México, executado. Em 1824, com uma nova
Constituição, o México estabeleceu uma república federativa, renunciando
ao centralismo que provocara disputas acirradas. O modelo federalista aten-
dia às demandas sociais e políticas regionais, consagrando o autonomismo
criollo.
Na América Central, os anseios de independência eram mais
econômicos que políticos, visando a uma maior autonomia comercial.
Após a vitória de Iturbide, os cabildos começaram a declarar sua inde-
pendência. Em 1823, formaram as Províncias Unidas da América Cen-
tral como forma de fortalecimento geopolítico. Em face da tentativa de
domínio da Guatemala sobre os demais, a união começou a desinte-
grar-se, originando as regiões autônomas da Guatemala, Nicarágua,
Honduras, El Salvador e Costa Rica. Esse processo de separação foi
concluído somente em 1888. Morelos

119
Mapa do México, após a independência (1824)

Adaptado de <http://pt.wikipedia.org>
Território da
Upper California
Alta Califórnia ESTADOS UNIDOS
Territory DA AMÉRICA
UNITED STATES
OF AMERICA

Território do
New Mexico
Novo México
Territory
Ter

Ilha Sonora e
r

Ilha Anjo da
itó

Sinalca
Archangel
Island
Guadalupe Guarda
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Chihuahua eT
Ilha
da

dos Cedros
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fór

Nuevo
nia

Leon GOLFO DO MÉXICO


Durango
Tamaulipas
Zacatecas
San
Luís de
Ilha Marias
Potosí Distrito de
Tuxpan
Guanahuato Ilha Cozumel
Jalisco Querétaro Vera Cruz
Território
Tlaxcala de Yucatán
Territory
Tlaxcala
Território de D.F
Colima Michoacán Puebla de
Ilha Revilagigedo Colima
Territory
Revillagigedo Los Angeles Tabasco
Islands México
Oaxaca
Chiapas
Estado Interno do Ocidente
Estado Interno do Norte FEDERAL
REPÚBLICAREPUBLIC
FEDERATIVAOF
DE
CENTRAL AMERICA
CENTROAMÉRICA
Estado Interno do Oriente

Ilha Clipperton

ESCALA

0 km 200 km 400 km

GRAN COLÔMBIA

Províncias unidas da América Central (1823-39)


Disponível em: <http://professormarcianodantas.blogspot.com>

120
América do Sul
Os processos políticos de independência na América do Sul tiveram a atuação destacada de lideranças políticas e
militares. As duas principais lideranças Simon Bolívar e José San Martín, ambos militares, atuaram em duas grandes
frentes: Bolívar percorreu o Vice-Reino da Nova Granada, o Vice-Reino do Peru e a Capitania-Geral da Venezuela;
San Martín, o Vice-Reino do Prata, passando pela Capitania Geral do Chile até o Vice-Reino do Peru.

Campañas Libertadoras

Disponível em: <https://www.educ.ar>

A campanha de Bolívar
© Ricardo Acevedo Bernal/Wikimedia Commons

Simon Bolívar teve uma importante participação nas indepen-


dências da Colômbia (1819), da Venezuela (1821), do Equador
(1830) e da Bolívia (1825). A origem desses países não fazia par-
te do seu projeto, que visava à constituição de uma nação forte
e coesa, formada pela união dos povos de uma mesma língua.
As reivindicações do Vice-Reino de Nova Granada – atu-
ais territórios da Colômbia, do Panamá e do Equador – inserem-
-se no contexto dos acontecimentos na Espanha, em 1808. A
região apresentava uma realidade bastante diversificada entre
as regiões que a compunham – o que fazia com que suas reivin-
dicações fossem voltadas para mais liberdade comercial. A eco-
nomia exportadora de produtos agrícolas, sobretudo do cacau,
determinava o anseio das elites econômicas em não comerciali-
zar apenas com a Espanha. Simon Bolívar

121
Independência do Vice-reino de Nova Granda e da Capitania Geral da Venezuela
A Venezuela tornou-se uma Capitania Geral, em 1777,
graças à sua posição geográfica privilegiada. É a região
da América do Sul mais próxima da Europa e dos Estados
Unidos, bem como está de frente para o Caribe, o que
permitia a circulação de informações e mercadorias com
áreas de colonização francesa, inglesa e holandesa nas
Antilhas. Essa condição geográfica foi um aspecto bastan-
te considerável no processo das lutas de independência.
Em 1806, ocorreu uma primeira tentativa de
independência num movimento liderado por Francisco
de Miranda. Com receio, no entanto, de que se repe-
tissem os acontecimentos ocorridos no Haiti, a própria
elite criolla aliou-se ao exército realista. Mas, em 1810
foi instalado um congresso, eleito num pleito em que
apenas os homens com emprego autônomo e renda
poderiam votar, excluindo, dessa forma, a maioria da
população. Em 5 de julho daquele ano, foi proclamada
a independência da Venezuela. A “primeira república”
tinha uma característica federalista: as diversas provín-
cias que a constituíam tinham grande poder de decisão
e autonomia, unindo-se num sistema federado apenas
para tratar de temas comuns.
O federalismo foi duramente criticado por Bolívar e Miranda, que viam nele um instrumento fragilizado.
Algumas províncias, como Maracaíbo e Guayana, em pouco tempo passaram a defender os interesses da Espanha,
agravando a situação política de tal modo que a república não sobreviveu.
Em 1812, Simón Bolívar foi obrigado a se refugiar em Cartagena (território da atual Colômbia). A situação
em Nova Granada era de disputa entre federalistas, que defendiam a autonomia das diversas províncias, e centra-
listas, defensores de um poder unitário centralizado. Bolívar buscou apoio em Nova Granada para a independência
da Venezuela. Em 1813, em Caracas, liderou o movimento contra o domínio espanhol. A “Segunda República”
também não resistiu e, em 1814, Bolívar e seus seguidores voltaram para Nova Granada.
Nesse refluxo das lutas, Bolívar refugiou-se nas Antilhas, onde elaborou uma Carta que ficou conhecida
como “Carta da Jamaica”, na qual aborda as condições das lutas dos patriotas contra os espanhóis. Depois da
carta de Bolívar, seus seguidores voltaram para Nova Granada.

Eu desejo, mais do que qualquer outro, ver formar-se na América a maior nação do mundo, menos por sua exten-
são e riquezas do que pela liberdade e glória.

Em Nova Granada, por três anos seguintes, algumas mudanças importantes levaram à vitória dos defen-
sores da independência: a abertura dos exércitos para a participação de índios, negros e mestiços, a centralização
dos exércitos nas mãos de Bolívar e a adoção de uma nova estratégia militar. O exército deveria arregimentar todas
as forças favoráveis à independência, já que existiam outros grupos imbuídos na mesma luta, e abrir mão da con-
quista de Caracas dominada pelos realistas. Nas planícies, onde se encontravam os exércitos, poderiam preparar-se
melhor para obter importantes vitórias e enfrentar as tropas fiéis à Espanha.

122
Em 1819, o exército de Bolívar cruzou os Andes demonstrava a fragilidade do Vice-Reino do Prata e a
e entrou na cidade de Bogotá. A vitória ganhou adeptos incapacidade, por parte da Coroa espanhola, de garantir
que se uniram à iniciativa de Bolívar. A República da segurança aos habitantes da cidade. A luta para expulsar
Colômbia composta por três regiões principais: Vene- os ingleses proporcionou aos criollos mais consciência
zuela, Nova Granada e Quito, que estava sob domínio do seu papel político e militar. Coube a eles, liderados
espanhol. A repercussão da vitória na Colômbia abriu por um oficial de origem francesa, Santiago de Liniers,
caminho para negociações e mais apoio ao exército bo- a expulsão dos ingleses. Bastante militarizada, a cidade
livariano, que libertou a Venezuela em 1821. de Buenos Aires experimentava a possibilidade de gerir
O novo desafio era em direção ao Sul da Colômbia seus próprios rumos e, em atenção aos interesses dos
e à Região de Quito, onde o general Sucre conseguiu comerciantes locais, obter mais autonomia comercial e
sufocar as forças aliadas da Espanha, em 1822. Ao mesmo política. A economia portenha baseava-se no seu porto,
tempo, Bolívar se dirigiu para o Sul de Quito, formando a porta de entrada para a região do Baixo Peru e principal
Grã-Colômbia. A unidade bolivariana não duraria muito ponto de escoamento da produção agrícola do interior.
tempo. Em 1830, a Venezuela e o Equador separaram-se Durante as discussões sobre a legitimidade do
da Colômbia, garantindo os interesses de chefes locais, de governo de Bonaparte na Espanha, Buenos Aires jurou
agora em diante conhecidos como caudilhos. lealdade ao rei Fernando VII, mas recusou fidelidade
à Junta Central. Nesse imbróglio, a cidade, em 1810,
A campanha de San Martín declarou-se cabildo abierto, ou seja, em sessão
congressual para que se expressasse a “vontade do
© Francois Joseph Navez/Wikimedia Commons

povo”, representada por cerca de 450 notáveis. O vice-


rei, que não tinha apoio suficiente, entregou o cargo e
o poder ficou nas mãos do cabildo, que, dessa forma,
iniciava uma nova fase política, desencadeada pelo
que ficou conhecido como a “Revolução de Maio”.
A junta afirmou a igualdade básica entre indígenas
e descendentes de espanhóis e esboçou a adoção
de princípios liberais, como a separação dos poderes,
presentes nas Constituições liberais escritas em 1813. O
novo governo, liderado por Cornélio Saavedra, presidente
da Junta e representante de setores tradicionais, contava
com a participação de líderes como Mariano Moreno
(líder radical) e Manuel Belgrano (militar moderado), mas
José de San Martín
enfrentava resistências.
O libertador da porção meridional do continente foi Para conter as diferenças entre os grupos políticos
José de San Martín, que nasceu em 1778, na atual e mesmo a oposição de outras regiões que entendiam
província de Corrientes (Argentina). Filho de militar ser a Revolução de Maio a manifestação de um
espanhol, San Martín viveu na Metrópole com a família movimento regional, o líder Saavedra adotou a fórmula
e lá seguiu a carreira do pai, integrando o exército que ficou conhecida como “máscara de Fernando”. Ou
espanhol. Os episódios da invasão napoleônica e da seja, a Junta exercia o poder, supostamente em nome
luta pela liberdade motivaram San Martín a retornar a de Fernando VII, que, no período, era prisioneiro de
Buenos Aires, em 1812, unindo-se ao exército local em Bonaparte, mas na prática expressava a vontade dos
suas lutas pela independência. diferentes líderes que a compunham.
Após sucessivas juntas de governo e disputas in-
ternas foi declarada, em 1816, a independência das Pro-
As independências da Argentina, víncias Unidas do Rio da Prata, na cidade de Tucumán.
Chile e Peru A consolidação da independência, no entanto,
exigiu muitas batalhas. As lideranças do interior, por
Entre 1806 e 1807, a cidade de Buenos Aires sofreu exemplo, voltaram-se contra Buenos Aires, que, ao esta-
duas tentativas de invasão inglesa. Essa situação belecer liberdade comercial, poderia asfixiar a economia

123
interiorana. Como Buenos Aires era uma cidade Usando Valparaíso, no Chile, como base, em
portuária, poderia comprar produtos de outras áreas; 1820 San Martín e seu exército partiram de barcos
o interior, por sua vez, não teria para quem vender para tomar a cidade de Lima, então capital do Vice-
seus produtos. Na verdade, todos queriam a liberdade Reino do Peru. Após cercar a cidade, finalmente em
comercial, mas não sabiam como enfrentá-la. julho de 1821, San Martín entrou em Lima e proclamou
Em 1813, San Martín passou a integrar o exército. a independência do Peru no dia 28 de julho daquele
Estava em curso a libertação do Peru. Os governantes ano, apoiado pelo general Sucre.
da cidade de Buenos Aires voltavam-se à Europa. A Para evitar revoltas, San Martín assumiu o
manutenção da região nas mãos dos realistas poderia governo e adotou medidas liberais, como o fim da
asfixiar economicamente a pretensão de liberdade da escravidão, a abolição de trabalhos compulsórios
região do Prata. impostos aos índios (a mita), criação de escolas e da
As lutas na região do Alto e Baixo Peru não biblioteca pública de Lima. San Martín assumiu o
ocorreram como os portenhos supunham. Havia título de “protetor”, concentrando em suas mãos o
muito mais resistência leal à Espanha do que se poder político e militar.
pensava. Foi nesse instante que a figura de San
Martín ganhou destaque. Estrategista, elaborou O encontro de Bolívar com San
um plano para a libertação do Peru a partir da Martín e a Batalha de Ayacucho
consolidação da unidade territorial, como nas
vitórias em Santa Fé (1813), do estabelecimento A libertação da América do Sul estava quase consolidada.
das bases militares na região da província de Um dos últimos obstáculos era a região de Guayaquil
Cuyo para prosseguir em direção ao Chile e (Equador). No dia 26 de junho de 1822 os dois líderes,
depois ao Peru. A proposição de San Martín era
Bolívar e San Martín, encontraram-se na cidade de
de que a revolução não seria vitoriosa enquanto
Guayaquil. Um desentendimento entre os comandantes
o Peru, realista, não fosse liberado, considerando
já havia ocorrido anteriormente. Bolívar pretendia unir
sua independência fundamental para a liberdade
Guayaquil à Grã-Colômbia; San Martín se opunha,
de todo o continente.
dizendo que a escolha deveria ser da população local.
As campanhas de Chacabuco (1817) e de
O encontro entre os dois não tem nenhum registro
Maipú (1818) consolidaram a independência do Chile,
significativo. O que se sabe é que, após o encontro, sem
tendo Bernardo O’Higgins, militar e político chileno,
a presença de testemunhas das conversas, San Martín
assumido o poder.
retirou-se para Lima e pediu seu desligamento político e
© José Gil de Castro/Wikimedia Commons

militar do governo do Peru, que ficou nas mãos de Sucre.


San Martin regressou a Mendoza e exilou-se na Europa.
Com a saída de cena de San Martín, a Batalha
de Ayacucho, vencida pelos patriotas (separatistas) sob
o comando de Bolívar, em 9 de dezembro de 1824,
encerrou o processo das lutas de independência. O
momento seguinte foi marcado pelo reconhecimento
internacional de novos Estados e pelas negociações para
delimitar fronteiras e constituir as leis e o funcionamento
dos novos países. Todas essas definições transformaram-
se em um tratado diplomático, em 1879.
Em alguns casos, a situação fez surgir, ainda no
século XIX, grandes conflitos entre as jovens nações
hispano-americanas, como na Guerra do Pacífico
Bernardo O’Higgins Riquelme (Chillán, 20 de agosto de 1778; Lima, 24 (1879-1883) que opôs Chile ao Peru e Bolívia. Tal
de outubro de 1842) foi um militar e estadista chileno e figura militar
guerra acabou com a perda de território peruano para
indispensável no movimento de Independência do país. Considerado o “Pai
da Pátria”, foi também o primeiro chefe de estado do Chile independente. o Chile e perda do acesso boliviano ao oceano Pacífico.

124
A fragilidade do sonho de Bolívar
O sonho de Bolívar de um grande país sul-americano, forte e coeso, nunca se concretizou, nem econômica, nem
politicamente, não só na América do Sul, como em toda a América Latina. Em 1826, Simon Bolívar convocou uma
reunião de representantes das nações americanas no Congresso do Panamá.
O objetivo era discutir mecanismos de cooperação entre os países, abolição da escravidão e fundação da
grande nação. A escolha do Panamá era simbólica: seria a oportunidade de irradiar o novo centro do mundo, recu-
perando a imagem de um eldorado que projetaria as Américas em busca um novo recomeço. No entanto, não houve
resultados práticos do Congresso do Panamá.
Contra Simon Bolívar pesava a Doutrina Monroe. Com o slogan: “América para os americanos”, tal doutrina
foi lançada pelo presidente estadunidense James Monroe em 1823, como uma resposta ao projeto europeu recolo-
nizador defendido no Congresso de Viena (1815). Essa doutrina defendia a autodeterminação dos povos e, portanto,
não apoiava o projeto unitarista de Bolívar na América do Sul e Central. Na verdade, o projeto bolivariano era uma
ameaça ao desejo de expansão política dos EUA sobre as demais áreas americanas.
Ao final de 1826, Bolívar regressou à Venezuela, agitada por movimentos separatistas, em relação à Grã-Colôm-
bia. Não conseguindo preservar os laços entre as regiões que ajudou a libertar do domínio espanhol, Bolívar enfrentou
contestações e, até mesmo, um atentado, renunciando em março de 1830. Doente, saiu de Bogotá em direção ao mar, no
caminho inverso ao de suas batalhas militares. Morreu na cidade de Santa Marta, aos 47 anos de idade.

As independências de Uruguai, Paraguai e Bolívia


Independência das colônias espanholas na América

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125
Uruguai

A história do Uruguai liga-se à história da Argentina pela rivalidade em virtude das disputas comerciais,
ao mesmo tempo em que ambas são a porta de entrada para o rio da Prata, que dá acesso ao interior do
continente. A independência do Uruguai confundiu-se com as lutas argentinas, pois assim como Buenos
Aires, a cidade de Montevidéu foi invadida pelos ingleses em 1807. Com os movimentos portenhos de
1810, o território conhecido como Banda Oriental (à direita do rio da Prata) dividiu-se. Aos poucos, os
grupos ligados à Espanha venceram a disputa interna, e os derrotados, liderados por José Gervásio Artigas,
apoiavam Buenos Aires por causa do rompimento com a Metrópole espanhola. O caminho do Uruguai, que
fazia parte do Vice-Reino do Prata, foi a negação da unificação perseguida por Buenos Aires, bem como a
procura de um rumo próprio. Nesse contexto de divisão, Portugal invadiu a Província Oriental, em 1816,
pois desejava acesso ao rio da Prata e temia a propagação das ideias de independência por sua Colônia
brasileira. Em 1821, o Uruguai foi incorporado ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Com a inde-
pendência do Brasil (1822), a Província Cisplatina, região incorporada, enfrentou novos distúrbios e, em
1825, teve início um levante que contou com a ajuda dos argentinos. Em 1828, houve o estabelecimento
do Estado Oriental do Uruguai, livre dos domínios tanto brasileiro como argentino e garantido pela Grã-
-Bretanha, que desejava o mercado local para seus produtos.

Paraguai

A região do atual Paraguai também pertencia à vice-província do Prata. No entanto, não se juntou a Buenos
Aires no rompimento com a Metrópole, manifestando apoio à Espanha em um primeiro momento. Pouco de-
pois, em virtude das ameaças argentinas, buscou uma forma de convívio com esse país. Retirou seu apoio à
Metrópole e proclamou sua independência em 1811; não reconhecendo a Junta portenha e estabelecendo sua
própria junta governativa. No entanto, tropas portenhas foram enviadas para reprimir os paraguaios. Em meio
às preocupações de Buenos Aires com as batalhas para chegar ao Peru, o Paraguai aproveitou-se da situação
e conseguiu vencer as forças da futura Argentina. Assumiu o poder no Paraguai José Gaspar Francia que, com
o apoio de pequenos proprietários, obteve o título, em 1813, de “Ditador supremo” e, depois, “Ditador perpé-
tuo”. Francia exerceu o poder até 1840.

Bolívia
Boa parte do território da Bolívia integrava o Vice-Reino do Prata, região que despertava grande interesse
em Buenos Aires por causa da prata. Até 1816, os realistas impediram o domínio desse território pelos por-
tenhos. As disputas entre realistas e portenhos fez com que os bolivianos passassem a alimentar o desejo de
um governo independente. Como os portenhos já haviam desistido de dominar a região em razão de suas
outras campanhas contra o Peru, criou uma situação favorável para os embates que os indígenas e mestiços
travavam contra os representantes espanhóis.
O clima de guerra civil na região e o receio de um levante que se espalhasse por outras áreas le-
varam a uma intervenção das tropas peruanas. Em 1825, o general Sucre ajudou a derrotar os partidários
da Espanha e promoveu a independência nomeando o novo país de Bolívia, em homenagem ao líder da
independência, Simon Bolívar.
Bolívar escreveu a Constituição do país, que tinha entre seus princípios o republicanismo e garantias para o
governante em caso de desordens políticas e militares, além do princípio do cargo vitalício. O general Antônio José
de Sucre assumiu o poder.

126
O caudilhismo Em 1802, Napoleão Bonaparte enviou um exér-
cito para derrotar Louverture, mas sem sucesso. Assi-
O fenômeno político conhecido como caudilhismo (do nam um tratado de paz, mas Louverture foi traído, preso
espanhol, caudillo) surgiu após as lutas de Indepen- e acabou morrendo em Paris, no cárcere.
dência e pode ser definido como uma prática de lide- O movimento emancipacionista foi retomado por
ranças políticas que exerciam bastante influência sobre Jean-Jacques Dessalines, Henri Cristophe e Alexandre Pétion,
determinadas regiões ou mesmo sobre todo o país. Atri- que conquistaram a independência do Haiti em 1804.
bui-se o surgimento dos caudilhos a um suposto “vazio Os ideais de liberdade e igualdade como direitos
de poder” deixado pela Coroa espanhola e antes da essenciais do homem, base do liberalismo político, in-
estruturação dos Estados independentes. fluenciaram sobremaneira os processos de independên-
Os caudilhos, em geral, eram militares ou gran- cia das colônias americanas. No Haiti, colônia francesa, a
des fazendeiros. Não tinham uma proposta política úni- força de tais ideias foi ainda mais contundente, em razão
ca. Expressavam uma liderança baseada em seu prestí- do poder da proposta de abolição da escravatura, feita
gio pessoal, que podia ter sido obtido em campanhas por revolucionários franceses na Constituição de 1793,
militares ou por sua liderança carismática. Adversários durante a fase da Convenção (1792-1794).
políticos eram perseguidos e os princípios políticos va- Para uma sociedade colonial na qual era muito
riavam conforme a vontade do caudilho. Entre os prin- forte a presença de mestiços e negros libertos ou escra-
cipais caudilhos do século XIX, podemos identificar o vos, tais ideias foram muito impactantes.
argentino Juan Manuel Rosas, o paraguaio José Gaspar Essa imensa massa, que participou da luta pelo
Francia e o mexicano Porfírio Diaz. poder travada entre grandes proprietários coloniais
adeptos das ideias da revolução e aqueles ainda leais
A independência do Haiti (1804) ao antigo regime francês, não aceitou a revogação do
fim da escravidão, definida na Constituição francesa
© Wikimedia Commons

de 1795, durante o período do Diretório (1795-1799)


e reafirmado por Napoleão, em 1802. Esses indivíduos
assumiram, então, a direção da luta pela manutenção da
liberdade conquistada e encaminharam um movimento
pró-independência da colônia. A participação ativa de
escravos e libertos foi um fato singular do processo de
independência do Haiti, o que não havia acontecido, na
mesma dimensão, em nenhuma das demais colônias
americanas.
O perigo do “haitianismo”, isto é, de uma revolu-
ção negra assombrou as consciências das classes domi-
nantes das regiões escravocratas americanas durante todo
o século XIX, o que levou o Haiti a não ter sua independên-
cia reconhecida por nenhuma grande nação.
Toussaint-Louverture

Em 1789, Santo Domingo (ex-Hispaniola, hoje Haiti) era uma


colônia francesa, com 60 mil habitantes (80% de escravos
negros). Em 1791, parte da população branca foi massacra-
da num levante de escravos. O escravo liberto Toussaint-
-Louverture liderou esse movimento emancipacionista,
enfrentando tropas francesas que vieram em socorro dos
brancos. Toussaint-Louverture saiu vitorioso, aboliu a escravi-
dão e deu uma Constituição à colônia.

127
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR
pCilboad
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Vídeo Independência do Brasil | Nerdologia 168

Fonte: Youtube

Vídeo Independência, o quadro famoso e a construção

Fonte: Youtube

Filme Independência ou morte

Independência ou Morte é um filme brasileiro, lançado em setembro de


1972, dirigido por Carlos Coimbra e produzido pela Cinedistri.

128
ACESSAR LER

Sites LivrosIndependência das Américas


educacao.globo.com/historia/assunto/independencia-das-americas/independencia-da-
america-espanhola.html
www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/as-independencias-nas-americas-
portuguesa-e-espanhola-distanciamentos-e-aproximacoes-b6bvxduoo73orizvdbovvtzda
brasilescola.uol.com.br/historiab/independencia-brasil.htm
dpedroiv.pt/cronologia/1822#datas

LER

Livros

1822 - Laurentino Gomes

Nesta nova aventura pela História, Laurentino Gomes, o autor do best-


seller ‘1808’, conduz o leitor por uma jornada pela Independência do
Brasil.

Titilia e o Demonão - Paulo Rezzutti

Cartas do imperador Dom Pedro I para a marquesa de Santos, que se


imaginavam desaparecidas, foram encontradas, quase dois séculos
depois, pelo autor, num arquivo dos Estados Unidos, e revelam aspectos
insuspeitados da vida sexual e política na corte imperial.

As veias abertas da América Latina - Eduardo Galeano

A L&PM; relança As veias abertas da América latina, de Eduardo Galeano,


com nova capa, índice analítico e nova tradução de Sergio Faraco, um dos
mais importantes contistas do Brasil. Sobre essa versão, escreveu Galeano:
“Excelente trabalho de Sergio Faraco, melhora a não menos excelente
tradução anterior, de Galeno de Freitas. E graças ao talento e à boa vontade
destes dois amigos, meu texto original, escrito há quarenta anos, soa melhor
em português do que em espanhol”.
129
OUVIR
Músicas

- 7 de Setembro – Garotos Podres


- Dia do Fico – Beija-Flor (samba-enredo 1962)
- Independência ou Morte – Zé Di

130
INTERDISCIPLINARIDADE

Com Sociologia e Filosofia


A construção de novas diretrizes políticas após a independência nacional não significou a mudança nas estruturas
sociais vigentes no país. O novo governo, agora livre dos desmandos lusitanos, não se constituiu nada popular,
sendo desde o processo de independência até a outorga da Constituição de 1824, um governo elitista, defensor do
status quo que reinava no Brasil. A discussão do conceito de cidadania começa a ser válida aqui, onde o direito de
voto era extremamente excludente, podendo votar somente homens com muita renda, deixando, assim, o país nas
mãos de alguns poucos membros da tradicional elite agrária brasileira.
Além disso, as críticas ao autoritarismo de D. Pedro I, vigente durante todo o I Reinado, mantém as ideias
iluministas acesas em terras brasílicas, gerando inúmeros tumultos políticos, como a dissolução da Assembleia
Constituinte (1823) e a Confederação do Equador (1824).

131
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 9 - Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socio-


econômicas em escala local, regional ou mundial.

Para se estudar a história brasileira, devemos ir para além dos eventos internos. É fun-
damental inserir a conjuntura política, econômica e social nacional dentro das Relações
Internacionais. Durante a emancipação política nacional, o legado da colonização era
assombroso. Um Estado falido, uma inserção subalterna à economia mundial e a manu-
tenção da escravidão e do latifúndio.
A Habilidade 9 é recorrentemente cobrada em História do Brasil. Como sempre, o candi-
dato é impelido a ler e analisar fontes historiográficas para marcar a alternativa correta.

Modelo
(Enem) Após a Independência, integramo-nos como exportadores de produtos primários à divisão
internacional do trabalho, estruturada ao redor da Grã-Bretanha. O Brasil especializou-se na pro-
dução, com braço escravo importado da África, de plantas tropicais para a Europa e a América do
Norte. Isso atrasou o desenvolvimento de nossa economia por pelo menos uns oitenta anos. Éramos
um país essencialmente agrícola e tecnicamente atrasado por depender de produtores cativos. Não
se poderia confiar a trabalhadores forçados outros instrumentos de produção que os mais toscos
e baratos.
O atraso econômico forçou o Brasil a se voltar para fora. Era do exterior que vinham os bens de con-
sumo que fundamentavam um padrão de vida “civilizado”, marca que distinguia as classes cultas
e “naturalmente” dominantes do povaréu primitivo e miserável. (...) E de fora vinham também os
capitais que permitiam iniciar a construção de uma infraestrutura de serviços urbanos, de energia,
transportes e comunicações.
Paul Singer. Evolução da economia e vinculação internacional. In: I. Sachs; J. Willheim; P. S. Pinheiro
(Orgs.). Brasil: um século de transformações. São Paulo: Cia. das Letras, 2001, p. 80.

Levando-se em consideração as afirmações anteriores, relativas à estrutura econômica do Brasil


por ocasião da independência política (1822), é correto afirmar que o país:
a) se industrializou rapidamente devido ao desenvolvimento alcançado no período colonial.
b) extinguiu a produção colonial baseada na escravidão e fundamentou a produção no trabalho livre.
c) se tornou dependente da economia europeia por realizar tardiamente sua industrialização em relação
a outros países.
d) se tornou dependente do capital estrangeiro, que foi introduzido no país sem trazer ganhos para a
infraestrutura de serviços urbanos.
e) teve sua industrialização estimulada pela Grã-Bretanha, que investiu capitais em vários setores pro-
dutivos.

132
Análise Expositiva

Habilidade 9
O texto destaca a estrutura agrário exportadora do Brasil, organizada no período colonial e
que foi preservada após a independência. A manutenção de tal estrutura manteve a depen-
dência econômica, vinculando a economia do país aos interesses ingleses, em um contexto
marcado pela expansão da industrialização e de um modelo de capitalismo expansionista.
Desde a independência até o segundo reinado percebe-se a presença de interesses e capitais
ingleses no Brasil.
Alternativa C

Estrutura Conceitual
Revolução Liberal
do Porto (1820)

Regresso de D. João VI
a Portugal (1821)

D. Pedro, Príncipe
Regente do Brasil

Partido Português: Partido Brasileiro e


Recolonização do Brasil Radicais Liberais:
Independência do Brasil

Dia do Fico:
D. Pedro desobedece
a Portugal

Brasileiros decretam:
Portugal decreta:
D. Pedro defensor perpétuo
Recolonização e ilegalidade
do Brasil e convocam
de D. Pedro
Assembleia Constituinte

DECISÃO DE D. PEDRO:
PROCLAMAÇÃO DA
INDEPENDÊNCIA
(7/9/1822)

133
INDEPENDÊNCIA DA AMÉRICA ESPANHOLA

- Economia dependente - Chapetones (poder político)


- Prática dos monopólios - Criollos (poder econômico)
- Conflitos sociais - Mestiços (trabalhadores)

- Iluminismo
- Revolução Industrial Bloqueio Continental (1806)
- Independência dos EUA Deposição de Fernando VII
- Revolução Francesa Nomeação de José Bonaparte
- Era Napoleônica

Motivos para Independência


- Elites coloniais × metrópole
- Críticas ao escravismo
- Ambição da elite colonial
(Criollos)

Libertadores da América
- Simon Bolívar (Venezuela e Colômbia)
- José San Martin (Argentina, Paraguai e Uruguai)
- Sucre (Equador)
- Iturbide (México)

Antibolivaristas
Bolivarismo
- EUA
América espanhola - Brasil
unida em um país - Caudilhos

Fragmentação
político-territorial

134
17 18
Primeiro Reinado
(1822-1831)

Competências Habilidades
1, 2, 3, 5 e 6 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8,
9, 10, 11, 13, 14,
15, 22, 24 e 29

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-
H8
-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferen-
tes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favo-
recendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
As guerras de independência do Brasil (1822-1823)

Aclamação de D. Pedro I Imagem: Jean-Baptiste Debret

O processo de Independência do Brasil não foi pacífico, pois algumas províncias, como Bahia, Mara-
nhão, Grão-Pará, Piauí e Cisplatina, rebelaram-se e não reconheceram a autoridade do Imperador D. Pedro I.
O fato de essas províncias serem governadas por portugueses fez com que as autoridades quisessem se manter
fiéis às cortes e aos interesses portugueses.

Retrato de D. Pedro I. Óleo sobre tela. Benedito Calixto (1902).

A posição geográfica dessas províncias levaram as mesmas a creditar que a união com Portugal seria muito
melhor do que ser governado por um Estado que atenderia, prioritariamente, aos desejos dos grandes proprietários
do sul do Brasil. A exceção era a Cisplatina, a qual havia sido anexado ao Brasil em 1821 e não tinha real vínculo
com as tradições brasílicas, desejando sua autonomia frente ao Brasil.
Para conseguir impor sua autoridade, mantendo e consolidando a Independência do Brasil, e evitar a frag-
mentação do território, D. Pedro I lançou mão da força, enviando tropas fiéis a seu governo àquelas províncias.

137
No entanto, o Exército Brasileiro não era suficiente- Na Cisplatina, a resistência liderada por D. Álvaro
mente aparelhado e organizado, assim como não possuía da Costa Macedo foi a última a ser sufocada, em 1824,
uma Marinha capaz de enfrentar os navios portugueses pelas tropas sob o comando de Carlos Frederic Lecór.
que auxiliavam as províncias rebeldes. A solução foi recor- Naquela oportunidade, o Brasil enfrentava sérias
rer à compra de navios no exterior e contratar mercenários dificuldades econômicas, que obrigaram o governo a re-
estrangeiros para ocupar os postos de comando; ao mes- correr a empréstimos junto a banqueiros ingleses para
mo tempo foi feita a convocação da população para que suportar as despesas militares. Resultado: agravamento
se organizasse em milícias populares para ajudar na luta. da crise econômica do jovem Império e mais dependên-
Entre os estrangeiros contratados destacam-se os ingleses cia do capital estrangeiro, particularmente o inglês.
John Taylor, John Greenfell e James Norton; o escocês lorde
Cochrane; e o francês Pierre Labatut. O reconhecimento externo
A Bahia foi um dos principais focos de resistência,
onde as tropas portuguesas eram comandadas pelo general
da independência
Madeira de Melo. Após violentas batalhas e o cerco do porto
Para que o Brasil pudesse estabelecer relações
de Salvador por uma esquadra naval comandada por lorde
políticas e econômicas com o exterior era necessário
Thomas Cochrane, as tropas fiéis a D. Pedro I conseguiram a
que sua independência política fosse reconhecida por
rendição dos rebeldes no dia 2 de julho de 1823, marco da
outros países. Apesar de a Inglaterra mostrar-se interes-
vitória definitiva. A repressão no Pará foi comandada pelo
sada, esse foi um processo lento e difícil.
lorde Grenfell, subordinado de Cochrane, onde ocorreram
A principal questão em pauta era a falta de cre-
violentos embates entre os revoltosos e as tropas do Impé-
dibilidade internacional na Independência brasileira, em
rio, que culminaram com a prisão de mais de 250 pessoas no
virtude de ela ter sido conduzida pelo herdeiro do trono
porão de um navio, onde quase todos morreram asfixiados
português. O rompimento de D. Pedro com Portugal era
(há divergência quanto aos números). No Piauí, a resistência
para valer? Considerando que após a morte de D. João
foi organizada pelo governador major João José da Cunha
VI, ele acumularia os tronos brasileiro e português, reu-
Fidié, português, e a vitória das tropas brasileiras deram-se
nindo outra vez os países sob seu comando?
após a Batalha de Jenipapo, em março de 1823. Depois de
A maioria dos países europeus apoiava a postura
fugir do Piauí, Fidié foi ao Maranhão juntar-se a outro foco
política antiliberal e recolonizadora da Santa Aliança, que
de resistência à independência, quando foi derrotado por
previa a intervenção militar em países ou colônias eu-
tropas comandadas pelo lorde Cochrane.
ropeias onde ocorressem movimentos de caráter liberal.
Por outro lado, os países americanos não viam
com bons olhos a adoção do regime político monár-
quico no Brasil, bem como o governo de um príncipe
português. Também causava estranheza e o fato de vá-
rias províncias terem se rebelado contra ele e a falta de
participação popular no movimento de independência.
Boa parte da população do sul, a qual tinha maior
proximidade com a figura de D. Pedro I, o via com muita
ressalva, muito pelos inúmeros escândalos extra conjugais
nos quais o novo rei do Brasil constantemente estava en-
volvido. Sua aventura amorosa mais famosa foi com dona
Domitila de Castro Canto e Melo, a marquesa de Santos.
Os Estados Unidos foram o primeiro país a reco-
Lorde Cochrane, importante na consolidação da Independência, foi contra-
tado pelo imperador D. Pedro I para enfrentar a esquadra lusa. Aristocrata nhecer oficialmente a independência do Brasil, em 1824,
escocês, fora excluído da Marinha Britânica em razão de um escândalo em virtude da Doutrina Monroe, que defendia a “Amé-
ocorrido na Bolsa de Valores, em 1814.
Em seguida, tornou-se figura central da independência do Chile e do Peru. rica para os americanos”, ou seja, o direito à soberania e

138
autodeterminação dos povos americanos em oposição aos interesses antiliberais da Santa Aliança. Além disso, os EUA
ambicionavam reduzir a influência inglesa no continente e obter relações favoráveis com a ampliação seus mercados
consumidores e, consequentemente, sua importância política.
Embora a Inglaterra fosse a maior beneficiária da Independência brasileira, o reconhecimento oficial dependia
do reconhecimento de Portugal. Aos ingleses não interessava abalar o bom relacionamento diplomático e as alianças
políticas entre os dois países. Portugal ainda nutria a esperança de recuperar sua antiga Colônia, mas, pressionado pelo
Estado inglês, acabou aceitando negociar o reconhecimento da autonomia brasileira mediante algumas vantagens.
Em agosto de 1825, Portugal assinou o acordo de reconhecimento da Independência brasileira mediante
uma indenização de dois milhões de libras esterlinas e a concessão do título de Imperador Honorário do Brasil para
D. João VI como forma de homenageá-lo. O Brasil comprometia-se a não se unir a qualquer outra colônia portugue-
sa. Sem recursos financeiros para arcar com a indenização, O Brasil novamente recorreu aos banqueiros britânicos,
consolidando sua dependência econômica e aumentando ainda mais a dívida externa da jovem nação.
Em 1826, a Inglaterra reconheceu a Independência do Brasil, mas em troca procurou obter vantagens
econômicas exigindo a manutenção das tarifas alfandegárias preferenciais de 15% para os produtos ingleses e o
compromisso do governo brasileiro de extinguir o tráfico negreiro num prazo de cinco anos.
O reconhecimento de Portugal e Inglaterra foi seguido pelo de vários outros países, como Áustria e França,
que também buscaram obter vantagens econômicas ou alfandegárias. Em 1828, D. Pedro I estabeleceu que as
tarifas alfandegárias de 15% valeriam para qualquer nação, adotando uma política livre-cambista e sepultando,
definitivamente, as chances de sucesso da indústria nacional, incapaz de concorrer com as nações europeias.

Tio Sam protegendo os americanos contra os europeus. A placa diz: “Não ultrapasse – América para os americanos – Tio Sam”.
Disponível em: <i23.photobucket.com/albums>.

A Assembleia Nacional Constituinte (1823)


Embora tenha sido convocada em julho de 1822, antes, portanto, da Independência, a Assembleia Nacional
Constituinte veio a se reunir em maio de 1823. Das 19 províncias que compunham o Império, apenas 14 enviaram
seus deputados para a elaboração da Constituição.
Os deputados representavam diversos segmentos sociais: aristocracia rural, comerciantes, Igreja Católica, funcio-
nários públicos, militares e profissionais liberais. Dela participaram ainda os ex-inconfidentes José Resende Costa Filho e

139
o padre Manuel Rodrigues, que tiveram a pena de morte projeto constitucional para o Brasil. Apesar de ter
comutada para degredo e depois retornaram ao Brasil. Os adotado alguns pontos do Projeto da Constituição
irmãos Andrada, cuja participação no processo de Indepen- da Mandioca, a nova Constituição ficou pronta em
dência foi relevante, também fizeram parte ativa dela. 1824 e foi outorgada, imposta, por D. Pedro I, em
A abertura dos trabalhos foi feita pelo Imperador 25 de março com as seguintes características:
que citou as palavras do rei Luis XVIII na abertura da car- §§ monarquia hereditária constitucional;
ta constitucional francesa de 1814 para demonstrar suas §§ unitarismo, centralização do poder político;
intenções. Afirmou que aceitaria e juraria a Constituição províncias sem autonomia com presidentes no-
desde que ela fosse “digna do Brasil e de mim”. E foi meados pelo poder central; quatro poderes:
o que se viu, uma constituinte marcada por acalorados Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador.
debates entre os deputados pela distribuição das atri- §§ eleições eram realizadas indiretamente, com
buições e competências entre os poderes, pela defesa voto censitário e em dois níveis; eleitores ho-
da concentração de amplos poderes nas mãos do poder mens maiores de 25 anos (exceto para homens
executivo. D. Pedro e seus aliados defendiam que o impe- casados que votavam a partir dos 21 anos), com
rador tivesse a centralização política. renda mínima anual de 100 mil réis para os elei-
O projeto constitucional cujo relator foi Antônio
tores de paróquia (primeiro grau), e de 200 mil
Carlos de Andrada e Silva ficou conhecido como “Cons-
réis, para os eleitores de província (segundo grau);
tituição da Mandioca”, uma vez que:
candidatos a deputado e senador, renda mínima
§§ Estabelecia o voto censitário: a participação polí-
de 400 e 800 mil réis, respectivamente;
tica de acordo com uma renda anual equivalente
§§ senadores vitalícios; morto um senador, con-
aos alqueires de mandioca plantados.
vocavam-se eleições; a lista dos mais votados era
§§ Instituía que as eleições seriam indiretas e mantidas as
apresentada ao imperador que nomeava um deles;
bases econômicas coloniais, destacando-se a escravidão.
§§ religião católica adotada como oficial pelo Es-
§§ O Estado seria tripartite: Legislativo, Executivo
tado; proibidos templos e manifestações públicas
e Judiciário. Haveria um relativo predomínio do
de quaisquer outras religiões, apenas culto privado;
Legislativo sobre o Executivo: o Imperador não
§§ Padroado: Igreja católica subordinada ao Estado;
poderia vetar as decisões do Legislativo.
§§ Beneplácito: leis da Igreja só valeriam com a
§§ Portugueses não poderiam ocupar cargos públicos.
Descontente com o projeto, D. Pedro I desenten- autorização do imperador.
deu-se com os irmãos Andrada e vários outros deputados
constituintes e determinou o fechamento da Assembleia,
que permaneceu reunida sob protesto. Era noite do dia
11 para 12 de novembro de 1823, episódio que ficou
conhecido por “Noite da agonia”. Ao amanhecer, o
prédio estava cercado por tropas imperiais, a Constituin-
te foi dissolvida e vários deputados foram presos.
Embora tenha sido uma Constituinte marcada
pela predominância da elite agrária, os embates no seu
interior e seu desfecho deixaram claros os choques de in-
teresse e opiniões conflitantes no interior da classe domi-
nante no tocante às estruturas de governo da nova nação.

A Constituição de 1824
Depois de dissolver a Assembleia Constituin-
Alegoria do juramento da Constituição de 1824 (D. Pedro salva a
te de 1823, D. Pedro I nomeou um Conselho de índia, o Brasil da ameaça do absolutismo). Gianni. 1824. Fundação
Estado composto por dez membros com a função Biblioteca Nacional.
de elaborar, sob sua supervisão pessoal, um novo

140
A situação levou figuras como Cipiriano Barata e
Frei Caneca a se manifestarem publicamente contra D.
Pedro I e suas atitudes.
Cipriano Barata, veterano da Conjura dos
Alfaiates e da Revolução de 1817, foi chamado “o
homem de todas as revoluções”. Em 1823 dirigia um
de seus inúmeros jornais, A Sentinela da Liberdade na
Guarita de Pernambuco, em que atacava violentamen-
te o despotismo de D. Pedro e as ameaças de recolo-
nização. Em novembro, antes do início do movimento
revolucionário que pregava, foi preso e na prisão per-
maneceu até 1830.
Joaquim do Amor Divino, o carmelita Frei Ca-
neca, assim conhecido porque vendia canecas nas ruas
In: NOVAES, Carlos Eduardo; LOBO, César.
História do Brasil para principiantes: de Cabral a Cardoso, do Recife quando criança, havia participado também da
500 anos de novela. São Paulo: Ática, 1997. p. 147. Revolução de 1817. Logo depois da prisão de Cipriano
O Poder Legislativo seria exercido por deputados Barata fundou o Tifis Pernambucano, jornal que atacava
senadores e o Judiciário, pelos juízes de paz. O Poder Exe- a Carta outorgada, em especial seu caráter centraliza-
cutivo seria exercido pelo Imperador, Ministros de Estado dor, defendendo a necessidade de uma estrutura fede-
e Presidentes das Províncias. Já o Poder Moderador era ralista para o Brasil.
exclusivo do Imperador, com direito a intervir nos demais O movimento revolucionário teve início quando
poderes como ponto de equilíbrio político do Estado. De D. Pedro I destituiu Manoel Carvalho Paes de Andrade
fato simbolizava o autoritarismo do monarca. do governo de Pernambuco e nomeou para seu lugar
A Carta de 1824 não era democrática. Guardava Francisco de Paes Barreto. Em 2 de julho de 1824, Paes
os princípios do liberalismo, desvirtuados pelo excessivo de Andrade rompeu com o governo e proclamou o re-
centralismo do Imperador e manuteção da escravidão. gime republicano na província, contando com a adesão
Graças à distância entre o avanço da definição dos po- de liberais de províncias vizinhas: Paraíba, Ceará e Rio
deres e o cumprimento das suas determinações, não Grande do Norte.
passava de um Estado escravocrata cuja elite costuma-
va fazer suas próprias leis e o favoritismo marcava as
relações sociais e políticas. Mantinha-se a tradição au-
toritária. Era impossível o exercício do liberalismo real.

A Confederação do Equador (1824)


A dissolução da Assembleia Constituinte de 1823
e a outorga da Constituição de 1824 foram grandes
exemplos do autoritarismo de D. Pedro I e geraram gran-
de descontentamento em várias províncias, especialmen-
te em Pernambuco, que já havia liderado um movimento Bandeira da Confederação do Equador (nota-se a importância da
cana-de-açúcar e do algodão para a região, pois tais produtos tem
em 1817 em reação à presença da Corte portuguesa no seus ramos representados na bandeira)
Brasil e à situação da província e da Região Nordeste. Os rebeldes pregavam a implantação do regime
A crise econômica persistia, especialmente na agro- republicano, o federalismo, e a adoção provisória da
manufatura açucareira, atingindo os diversos segmentos Constituição da Grã-Colômbia (inspirada em Bolívar). O
sociais em Pernambuco. Além disso, os liberais, outrora em- nome escolhido para a jovem república nordestina foi
polgados com a independência, tiveram suas expectativas Confederação do Equador, em virtude de sua posição se-
frustradas pelas ações autoritárias do monarca brasileiro. tentrional próxima à linha imaginária do Equador. Houve

141
ainda a proibição provisória do desembarque de escravos
no porto de Recife e a questão abolicionista tornou-
A crise do Primeiro Reinado
-se o centro das discussões, provocando a insatisfação da
elite agrária e demais defensores da escravidão, o que os
afastou do movimento e o enfraqueceu.
A Guerra da Cisplatina (1825-1828)
O governo imperial organizou imediatamente
A posse da Região do Prata tinha grande sig-
uma violenta repressão contra Pernambuco e as demais
nificado geopolítico para o Brasil. Porém, a região da
províncias nordestinas envolvidas até derrotar comple-
Cisplatina não poderia continuar como um apêndice
tamente o movimento, em novembro de 1824. Muitos
do Império, e o uso da força militar não impediria a
foram presos e muitos rebeldes morreram em combate.
consolidação do ideal nacionalista de emancipação
Paes de Andrade conseguiu fugir do país e Frei Caneca
política. Acrescente-se a essa situação o fato de que de
foi preso e condenado à forca. Como os carrascos de
uma forma geral a independência da região era vista
Recife recusaram-se a enforcá-lo, o frei carmelita foi fu-
com simpatia pelos brasileiros.
zilado por ordem expressa de D. Pedro I.
Os líderes nacionalistas militares Juan Antônio
Outros envolvidos nas províncias do Ceará e Rio
Lavalleja e Fuctuoso Rivera arregimentaram os militares
Grande do Norte foram fuzilados. A repressão, além da
contra os contingentes brasileiros estacionados na Cis-
esperada, demonstrou a forma como o Imperador trata-
ria qualquer movimento que contestasse sua autoridade. platina. Os uruguaios reunidos constituíram um regime
republicano e decidiram pela incorporação à atual Argen-
tina, então chamada Província Unida do Prata. O Império
brasileiro declarou-lhes guerra num momento bastante
difícil para o país entrar em luta, pois a situação no Prata
era resultado da política expansionista de D. João VI e
não era popular, provocando críticas a D. Pedro I, acusado
de preferir a herança portuguesa de conquista ao verda-
deiro interesse nacional de harmonia e paz.
O clima de desentendimento entre o general Car-
los Frederico Lécor, comandante das forças terrestres,
e o marechal Felisberto Caldeira Brandt Pontes, Mar-
quês de Barbacena, comandante naval, levou D. Pedro
a entregar o comando à Brandt, em 1826. Buenos Aires
havia sido bloqueada e assolada pela fome. O comér-
cio internacional sofria perdas consideráveis. Ocorriam
ataques corsários de ambos os lados. Forças brasileiras
foram batidas. Algumas vitórias custaram muitas vidas e
muitos sacrifícios. As negociações falhavam e as tropas
brasileiras acumulavam novas derrotas.
Finalmente, a Inglaterra interveio, intermediando
a Convenção Preliminar de Paz, entre os representantes
do Brasil e das Províncias Unidas do Prata, entre os dias
de 11 a 27 de agosto de 1828. À Inglaterra interessava
a independência da província e o fim da guerra para
que garantisse as transações comerciais e a ampliação
dos mercados consumidores. Um país em cada margem
do rio do Prata assegurar-lhe-ia a livre navegação pelo
A execução de Frei Caneca. Óleo. Murilo La Greca. interior da América Latina e seu domínio comercial.

142
ARGENTINA

Artigas BRASIL
Rivera

Salto
Tacuarembó

Paysandú Melo

Mercedes

Montevideo

Maldonado

30 km

Por meio da Convenção Preliminar da Paz, Brasil e Argentina reconheciam a independência da Província
Cisplatina. Assinaram, em 28 de agosto de 1828, o Tratado do Rio de Janeiro, ratificado em 4 de outubro daquele
mesmo ano, reconhecendo a independência do Uruguai. Segundo esse Tratado, D. Pedro I renunciou a qualquer
direito sobre a Província Cisplatina e recuperou as terras das Missões. O Uruguai comprometeu-se a não se unir à
Argentina e, como Estado Independente, passou a se chamar Estado Oriental. Somente em 1918 adotou o atual
nome: República Oriental do Uruguai.
Os gastos militares que agravaram os problemas econômico-financeiros e a derrota sofrida na Guerra da
Cisplatina acabaram por comprometer e desgastar politicamente D. Pedro I.

A crise econômica
A questão sucessória do trono português e a impopularidade de D. Pedro I
As dificuldades econômicas do Brasil aumentavam a cada dia. Algodão, açúcar, couros e fumo, exportações
brasileiras tradicionais, continuavam em declínio no mercado internacional, criando uma balança de comércio
deficitária. Como resultado da crise do comércio exterior, da indenização paga à Portugal pela independência e das
despesas com a Guerra da Cisplatina, a dívida externa tornava-se cada vez maior.
Outro fator que agravava essa crise era a pobreza do Estado, que padecia da crônica falta de recursos. As
rendas do governo central, dependentes em grande parte do imposto sobre produtos importados, eram insuficientes.
Além de lançar mão de empréstimos externos, o Império recorreu a uma intensa emissão de moeda, produzindo
uma inflação desenfreada.
Inicialmente, D. Pedro I foi considerado herói por ter rompido com Portugal e liderado o processo de Inde-
pendência do Brasil. No entanto, em pouco tempo, apenas seis anos, sua imagem desgastou-se, passando a ser
mal visto e criticado por suas atitudes autoritárias e provocando a perda de apoio político e de popularidade – seu
autoritarismo, expresso na dissolução da Assembleia Constituinte de 1823, na outorga da Constituição de 1824,
na violenta repressão à Confederação do Equador e nos constantes desmandos frente aos atos legislativos.

143
Também desagradavam e suscitavam críticas a A Guerra da Cisplatina (1825-1828) também
falta de atitudes concretas para resolver a crise econômi- contribuiu significativamente para a crescente impopula-
ca que afetava o país, agravada com a Guerra da Cispla- ridade do Imperador que insistiu numa guerra onerosa e
tina. Além disso, a exposição da vida pessoal do impera- desnecessária para evitar a independência da Província
dor, suas várias amantes, a publicização do seu romance Cisplatina. Posteriormente, em virtude das pressões ingle-
com a marquesa de Santos, Domitila de Castro, a quem sas, assinou um acordo concedendo a tal independência.
chegou a nomear camareira da imperatriz, continuava a A insatisfação contra o governo era constante-
afetar sua imagem de dirigente político e estadista. mente expressa na imprensa Malagueta e Aurora Flumi-
Outro fato que contribuiu para o desgaste do Im- nense, jornais que assumiram a postura de denunciar as
perador foi sua atuação na questão da sucessão do trono arbitrariedades do Imperador, fomentando a insatisfa-
português. Com a morte de D. João VI, em 1826, a Coroa ção popular. D. Pedro, por sua vez, ordenou o fechamen-
portuguesa seria herdada por D. Pedro I. Ele renunciou to de jornais, o espancamento e prisão de jornalistas e
ao trono luso em nome de sua filha mais velha, D. Ma- o impedimento da a investigação acerca do assassinato
ria da Glória. Como ela era menor de idade quando o do jornalista Líbero Badaró (1830), editor do jornal O
monarca falecera, ficou acertado que D. Miguel, irmão Observador Liberal.
de D. Pedro, assumiria o trono português como regente
até sua sobrinha atingir a maioridade. Naquele momento, O fim do Primeiro Reinado
os dois se casariam e assumiriam em definitivo o trono.
Descumprindo o acordo, D. Miguel usurpou o trono luso, Alvo de constantes críticas, D. Pedro resolveu re-
em 1828, e autoproclamou-se rei. A situação revoltou D. alizar uma viagem de visita a algumas províncias, onde
Pedro, que interveio e mobilizou a diplomacia brasileira, poderia manter contato com a população em busca da
ameaçando enviar tropas brasileiras a Portugal. Os brasi- melhoria de sua imagem. Outra medida neste sentido
leiros não aprovaram as atitudes de D. Pedro e defendiam foi a nomeação de um ministério composto somente por
que o monarca não podia usar recursos ou tropas nacio- brasileiros, reduzindo a influência política dos membros
nais para intervir em assuntos internos de Portugal. do Partido Português, o que desagradava a população.
D. Pedro I, porém, não desistiu da luta pelo trono
luso e, com apoio de tropas mercenárias, expulsou seu
irmão de Portugal, garantindo o trono a sua filha. No Bra-
sil, restava uma pergunta. De onde vinha o dinheiro para
tal luta em solo português? Seria do erário brasileiro?

Abdicação do imperador D. Pedro I. Aurélio de Figueiredo (1831).

A viagem começou por Minas Gerais, onde o


imperador foi recebido friamente: os sinos das Igrejas
tocavam um som fúnebre e várias casas tinham panos
pretos exibidos em suas janelas, demonstrando luto
pela morte do jornalista Libero Badaró. Insatisfeito e
contrariado, D. Pedro I resolveu voltar ao Rio de Janeiro.
Para animar o Imperador e manifestar seu apoio, os
portugueses prepararam uma festa de boas-vindas, no dia
Caricatura dos dois antagonistas portugueses: D. Pedro (à esquerda) e D. 13 de março. Sabendo da recepção, os brasileiros oposicio-
Miguel, amparados e instigados pelo rei francês Luís Filipe,
que representava o espírito liberal, e pelo czar Nicolau da Rússia, que
nistas foram ao local da festa, entrando em conflito com os
representava a Santa Aliança e o absolutismo. portugueses, na chamada Noite das Garrafadas.

144
Diante da situação e das críticas, D. Pedro I percebeu
que a nomeação de um ministério composto somente por
brasileiros não surtiu o efeito desejado e resolveu substituí-
-lo por portugueses – o ministério dos marqueses, no
dia 5 de abril de 1831. Essa medida provocou aumento das
manifestações contra o Imperador, que se viu politicamente
isolado e sem apoio popular.
D. Pedro I resolveu então, abdicar do trono bra-
sileiro no dia 7 de abril de 1831, em nome de seu filho D.
Pedro de Alcântara, que na época tinha apenas cinco anos de
idade. A medida pôs fim ao Primeiro Reinado e há quem veja
nela a consolidação da Independência do Brasil, afastando
definitivamente o perigo da recolonização.
O menino Pedro de Alcântara. Armand Julien Pallière. (c. 1830).

Usando do direito que a Constituição me concede, declaro que hei muito voluntariamente abdicado na pessoa de
meu muito amado e prezado filho o Senhor D. Pedro de Alcântara.
Boa Vista, 7 de abril de mil oitocentos e trinta e um, décimo da Independência e do Império.
D. Pedro I

145
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR
pCilboad
rPageNumber
Vídeo Primeiro Reinado (1822-1831)

Fonte: Youtube

Vídeo Império Brasileiro 1822 a 1889

Fonte: Youtube

Vídeo 10 Coisas que você não sabe sobre a Independência do Brasil

Fonte: Youtube

146
ACESSAR

Sites Constituição e império

planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm
mapa.an.gov.br
multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/noite_agonia.html
infoescola.com/historia/confederacao-do-equador/
mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiadobrasil/abdicacao-d-pedro-i.htm

LER

Livros
Dom Pedro, a história não contada - Paulo Rezzutti

O primeiro imperador do Brasil foi um personagem que entrou


nos livros de história e no imaginário do brasileiro, cercado por
uma aura, a um só tempo caricatural e enigmática.

Frei Joaquim do amor divino Caneca - Evaldo Cabral de Mello

Os textos reunidos neste livro mostram os passos que levaram Frei


Caneca, em pouco mais de três anos, da defesa de um governo
institucional ao desencanto com a política de D. Pedro I e, em
seguida, à busca de uma saída revolucionária com a Confederação
do Equador, em consequência da qual foi julgado e condenado
à morte.

José Bonifacio de Andrada e Silva - Jorge Caldeira

Este volume, organizado por Jorge Caldeira, traz os textos mais


importantes de José Bonifácio, pronunciamentos públicos,
correspondências e anotações, além de uma apresentação da vida
e da obra do autor, possibilitando uma visão acurada da relevância
deste formador do Brasil, o chamado ‘Patriarca da Independência’.

147
LER

Livros
A Noite das Garrafadas - Chico Castro

No dia 13 de fevereiro de 1831, os portugueses festejavam o


regresso da viagem de D. Pedro I a Minas Gerais. Em meio à
comemoração, brasileiros descontentes com atitudes do soberano
e inconformados com a influência dos portugueses na vida
administrativa do País investiram contra os lusitanos e usaram
pedras e garrafas como arma.

OUVIR

Músicas

Hino Nacional Brasileiro – Joaquim Osório Duque Estrada


Hino da Independência – Evaristo da Veiga

148
INTERDISCIPLINARIDADE

O Poder Moderador (Ciência Política)


O Poder Moderador foi idealizado através de um conceito do pensador suíço Henri-Benjamin Constant de
Rebeque, que afirmava de maneira convicta que o poder real, durante o período de monarquia constitucional,
deveria agir como um mediador neutro entre os três outros poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), e que seria
responsabilidade dele resolver os conflitos entre os três poderes instituídos e também entre as facções políticas.
A Constituição de 1824, em seu artigo 98, colocava que o Poder Moderador estava “delegado privativamente
ao imperador, como chefe supremo da nação, e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre
a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos.”. Muitos apontam que o
quarto poder simbolizaria tirania ao invés de estabilidade, uma vez que ele previa a dissolução de todo o legislativo,
caso o imperador achasse necessário.
Vê-se que no Segundo Reinado, alternando os dois partidos aristocráticos no poder, o Poder Moderador
assegurou ao País mais de quarenta anos de paz interna, liberdade de expressão e de imprensa, práticas eleitorais
(que se tornaram pouco fiéis ao desejo dos eleitores devido aos políticos da época), debates parlamentares e uma
organização representativa. Por outro lado, promoveu a conciliação das facções em torno e à custa dos empregos
do Estado e tutelou o sistema político nacional.

149
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 12 - Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.

A concepção sociológica subjacente a muitas questões do ENEM é de que as leis e o


Direito não são neutros. São frutos de amplos conflitos econômicos, sociais e culturais e
devem ser compreendidos como tal. Diante disso, a prova lança mão de fragmentos de
Constituições ou de livros de historiadores para fundamentarem suas questões.
No caso da história brasileira, o aluno deve compreender os embates relativos à redação
de nossas principais Constituições.
A Habilidade 12 requer que o aluno saiba como alguns grupos sociais são representados
ou sub-representados pelo Direito, em seus distintos momentos históricos.

Modelo
(Enem) Art. 92. São excluídos de votar nas Assembleias Paroquiais:
I. Os menores de vinte e cinco anos, nos quais não se compreendam os casados, e Oficiais milita-
res que forem maiores de vinte e um anos, os Bacharéis Formados e Clérigos de Ordens Sacras.
IV. Os Religiosos, e quaisquer que vivam em Comunidade claustral.
V. Os que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio
ou empregos.
Constituição Política do Império do Brasil (1824). Disponível em: https://
legislação.planalto.gov.br. Acesso em: 27 abr. 2010 (adaptado).

A legislação espelha os conflitos políticos e sociais do contexto histórico de sua formulação. A


Constituição de 1824 regulamentou o direito de voto dos “cidadãos brasileiros” com o objetivo de
garantir:
a) o fim da inspiração liberal sobre a estrutura política brasileira.
b) a ampliação do direito de voto para maioria dos brasileiros nascidos livres.
c) a concentração de poderes na região produtora de café, o Sudeste brasileiro.
d) o controle do poder político nas mãos dos grandes proprietários e comerciantes.
e) a diminuição da interferência da Igreja Católica nas decisões político-administrativas.

150
Análise Expositiva

Habilidade 12
A Constituição de 1824 foi imposta pelo imperador e reflete a elitização política. Seu componente
mais importante foi o voto censitário, ou seja, baseado na renda indivíduo. Dessa forma apenas
aqueles que tivessem renda proveniente da terra – os fazendeiros – ou do comércio (geralmente
indivíduos de origem portuguesa) tiveram garantidos o direito político de votar.
Alternativa D

Estrutura Conceitual
GUERRAS DE INDEPENDÊNCIA

Elites Bahia, Maranhão, Grão-Pará, Manutenção do


portuguesas Piauí e Cisplatina porto colonial

Ação militar
Mercenários
de D. Pedro I

Massacre e rendição Endividamento


dos inocentes
Compra de navios

RECONHECIMENTO EXTERNO DA INDEPENDÊNCIA

Estados Unidos Doutrina Monroe


(1824) “América para os americanos”

Portugal Indenização de
(1825) 2 milhões de libras

Inglaterra Fim da escravidão em 5 anos


(1826) e vantagens comerciais

ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1823

Voto Executivo, Legislativo


censitário e Judiciário
Constituição
da Mandioca
Eleições Submissão do imperador 151
indiretas ao Legislativo

Dissolução da Assembleia por


Portugal
(1825) 2 milhões de libras

Inglaterra Fim da escravidão em 5 anos


(1826) e vantagens comerciais

ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1823

Voto Executivo, Legislativo


censitário e Judiciário
Constituição
da Mandioca
Eleições Submissão do imperador
indiretas ao Legislativo

Dissolução da Assembleia por


D. Pedro (Noite da Agonia)

CONSTITUIÇÃO DE 1824
Centralização monárquica

Outorga de Voto censitário masculino


D. Pedro

Constituição
Eleições indiretas
de 1824

Estado católico

Executivo, Legislativo,
Judiciário e Moderador

Confederação do
Equador (1824)

Crise do Primeiro Reinado

Crise política Crise econômica

Autoritarismo do imperador Endividamento Público

Crise entre portugueses e brasileiros Guerra da Cisplatina (1828)

“Noite das Garrafadas” Indenização a Portugal

Renúncia de D. Pedro I

152

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