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História para

vestibular medicina
5ª edição • São Paulo
2019

C H
3
CIÊNCIAS HUMANAS
HISTÓRIA
e suas tecnologias
Eduardo Antônio Dimas e Tiago Rozante
© Hexag Sistema de Ensino, 2018
Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2019
Todos os direitos reservados.

Autores
Eduardo Antônio Dimas
Tiago Rozante

Diretor geral
Herlan Fellini

Coordenador geral
Raphael de Souza Motta
Responsabilidade editorial, programação visual, revisão e pesquisa iconográfica
Hexag Sistema de Ensino

Diretor editorial
Pedro Tadeu Batista

Editoração eletrônica
Arthur Tahan Miguel Torres
Bruno Alves Oliveira Cruz
Claudio Guilherme da Silva Souza
Eder Carlos Bastos de Lima
Fernando Cruz Botelho de Souza
Matheus Franco da Silveira
Raphael de Souza Motta
Raphael Campos Silva

Projeto gráfico e capa


Raphael Campos Silva

Foto da capa
pixabay (http://pixabay.com)

Impressão e acabamento
Meta Solutions

ISBN: 978-85-9542-091-5

Todas as citações de textos contidas neste livro didático estão de acordo com a legislação, tendo por fim único e exclusivo o
ensino. Caso exista algum texto, a respeito do qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à disposição
para o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforços para identificar e localizar os titulares dos direitos sobre
as imagens publicadas e estamos à disposição para suprir eventual omissão de crédito em futuras edições.
O material de publicidade e propaganda reproduzido nesta obra é usado apenas para fins didáticos, não representando qual-
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2019
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CARO ALUNO

O Hexag Medicina é referência em preparação pré-vestibular de candidatos à carreira de Medicina. Desde 2010, são centenas de aprovações nos
principais vestibulares de Medicina no Estado de São Paulo, Rio de Janeiro e em todo Brasil. O material didático foi, mais uma vez, aperfeiçoado e seu conteúdo
enriquecido, inclusive com questões recentes dos relevantes vestibulares de 2019.
Esteticamente, houve uma melhora em seu layout, na definição das imagens, criação de novas seções e também na utilização de cores.
No total, são 103 livros, 24 cadernos de Estudo Orientado e 6 cadernos de aula.
O conteúdo dos livros foi organizado por aulas. Cada assunto contém uma rica teoria, que contempla de forma objetiva e clara o que o aluno
realmente necessita assimilar para o seu êxito nos principais vestibulares do Brasil e Enem, dispensando qualquer tipo de material alternativo complementar.
Todo livro é iniciado por um infográfico. Esta seção, de forma simples, resumida e dinâmica, foi desenvolvida para indicação dos assuntos mais abordados nos
principais vestibulares, voltados para o curso de medicina em todo território nacional.
O conteúdo das aulas está dividido da seguinte forma:
TEORIA
Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos, de cada coleção, tem como principal objetivo apoiar o estudante na resolução de questões propos-
tas. Os textos dos livros são de fácil compreensão, completos e organizados. Além disso, contam com imagens ilustrativas que complementam as explicações
dadas em sala de aula. Quadros, mapas e organogramas, em cores nítidas, também são usados, e compõem um conjunto abrangente de informações para o
estudante, que vai dedicar-se à rotina intensa de estudos.
TEORIA NA PRÁTICA (EXEMPLOS)
Desenvolvida pensando nas disciplinas que fazem parte das Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias. Nesses
compilados nos deparamos com modelos de exercícios resolvidos e comentados, aquilo que parece abstrato e de difícil compreensão torna-se mais acessível
e de bom entendimento aos olhos do estudante.
Através dessas resoluções é possível rever a qualquer momento as explicações dadas em sala de aula.
INTERATIVIDADE
Trata-se do complemento às aulas abordadas. É desenvolvida uma seção que oferece uma cuidadosa seleção de conteúdos para complementar o
repertório do estudante. É dividido em boxes para facilitar a compreensão, com indicação de vídeos, sites, filmes, músicas e livros para o aprendizado do aluno.
Tudo isso é encontrado em subcategorias que facilitam o aprofundamento nos temas estudados. Há obras de arte, poemas, imagens, artigos e até sugestões
de aplicativos que facilitam os estudos, sendo conteúdos essenciais para ampliar as habilidades de análise e reflexão crítica. Tudo é selecionado com finos
critérios para apurar ainda mais o conhecimento do nosso estudante.
INTERDISCIPLINARIDADE
Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é elaborada, a cada aula, a seção interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares de
hoje não exigem mais dos candidatos apenas o puro conhecimento dos conteúdos de cada área, de cada matéria.
Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abrangem conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão, como biologia e química,
história e geografia, biologia e matemática, entre outros. Neste espaço, o estudante inicia o contato com essa realidade por meio de explicações que relacio-
nam a aula do dia com aulas de outras disciplinas e conteúdos de outros livros, sempre utilizando temas da atualidade. Assim, o estudante consegue entender
que cada disciplina não existe de forma isolada, mas sim, fazendo parte de uma grande engrenagem no mundo em que ele vive.
APLICAÇÃO NO COTIDIANO
Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico é o seu distanciamento da realidade cotidiana no desenvolver do dia a dia, dificultando o
contato daqueles que tentam apreender determinados conceitos e aprofundamento dos assuntos, para além da superficial memorização ou “decorebas” de
fórmulas ou regras. Para evitar bloqueios de aprendizagem com os conteúdos, foi desenvolvida a seção “Aplicação no Cotidiano”. Como o próprio nome já
aponta, há uma preocupação em levar aos nossos estudantes a clareza das relações entre aquilo que eles aprendem e aquilo que eles têm contato em seu
dia a dia.
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES
Elaborada pensando no Enem, e sabendo que a prova tem o objetivo de avaliar o desempenho ao fim da escolaridade básica, o estudante deve
conhecer as diversas habilidades e competências abordadas nas provas. Os livros da “Coleção vestibulares de Medicina” contêm, a cada aula, algumas dessas
habilidades. No compilado “Construção de Habilidades”, há o modelo de exercício que não é apenas resolvido, mas sim feito uma análise expositiva, descre-
vendo passo a passo e analisado à luz das habilidades estudadas no dia. Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a apurá-las na sua
prática, identificá-las na prova e resolver cada questão com tranquilidade.
ESTRUTURA CONCEITUAL
Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Geramos aos estudantes o máximo de recursos para orientá-los em suas trajetórias. Um deles
é a estrutura conceitual, para aqueles que aprendem visualmente a entender os conteúdos e processos por meio de esquemas cognitivos, mapas mentais e
fluxogramas. Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo da aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos principais conteúdos
ensinados no dia, o que facilita sua organização de estudos e até a resolução dos exercícios.
A edição 2019 foi elaborada com muito empenho e dedicação, oferecendo ao aluno um material moderno e completo, um grande aliado para o seu
sucesso nos vestibulares mais concorridos de Medicina.
Herlan Fellini
SUMÁRIO
HISTÓRIA
HISTÓRIA GERAL
Aulas 19 e 20: Reforma e Contrarreforma 7
Aulas 21 e 22: Antigo Regime: absolutismo e mercantilismo 21
Aulas 23 e 24: Revoluções Inglesas do século XVII e Revolução Industrial 41
Aulas 25 e 26: Iluminismo e Independência dos Estados Unidos 59

HISTÓRIA DO BRASIL
Aulas 19 e 20: Regência (1831-1840) e Segundo Reinado: política interna (1840-1889) 81
Aulas 21 e 22: Segundo Reinado: política externa e economia 105
Aulas 23 e 24: Crise do império 131
Aulas 25 e 26: República da Espada 149
Abordagem de ALTA IDADE MÉDIA, BAIXA IDADE MÉDIA
e RENASCIMENTO nos principais vestibulares.

FUVEST
O tema das reformas religiosas se concentra em suas repercussões políticas e econômicas. Sobre o
Absolutismo, o vestibular foca nas relações sociológicas que o sustentou, como os vínculos entre
comerciantes, reis e nobres. Já a Revolução Industrial é um assunto extremamente recorrente,
exigindo a compreensão das transformações materiais e sociológicas por ela engendradas. Por fim,
o tema do Iluminismo é cobrado como um conjunto de ideias antimonárquicas, utilizando-se de
fragmentos de autores clássicos do período nos enunciados.

LD
ADE DE ME
D
UNESP
U

IC

Esse vestibular exige compreensão do contexto do surgimento e propagação das reformas religiosas,
FAC

INA

1963

além do conteúdo intrínseco a cada vertente protestante. Os temas Absolutismo e Mercantilismo


BO
T U C AT U

são muitas vezes cobrados, exigindo atenção especial do candidato. Já sobre a Revolução Industrial,
é necessário focar-se nas transformações sociais e materiais por ela engendradas. Por fim, o tema do
Iluminismo é cobrado por meio de textos, bem como a Independência dos EUA.

UNICAMP
As reformas religiosas são cobradas em termos do conteúdo de cada vertente: luteranismo, anglicanismo
e calvinismo, principalmente. Esse vestibular exige capacidade de interpretação de texto e domínio das
principais características do Absolutismo e do Mercantilismo. Já o tema da Revolução Industrial também
é de caráter interpretativo, mas com enfoque nítido nas mudanças cotidianas originadas pelo advento
da urbanização.

ENEM/UFMG/UFRJ
Aborda, por meio de textos, as principais transformações sociológicas e materiais oriundas da Revolução
Industrial, exigindo do candidato a capacidade de interpretação textual aliada a conhecimentos prévios
e um pouco aprofundados sobre o assunto.

UERJ
Esse vestibular utiliza muitos textos e imagens em seus enunciados. O tema da reforma religiosa cobra
conhecimentos específicos às vertentes básicas do protestantismo. O Absolutismo e o Mercantilismo
são cobrados por meio de textos, o que exige boa interpretação do candidato. As Revoluções Inglesa e
Industrial exigem compreensão de suas causas econômicas e políticas. Por fim, o Iluminismo é abordado
por meio de seus principais ideólogos.
19 20
Reforma e Contrarreforma

Competências Habilidades
1, 2, 3, 4, 5 e 6 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,
10, 11, 12, 13, 14, 15,
16, 17, 18, 19, 20, 22,
23, 24, 25, 26, 27 e 28

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-
H8
-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferen-
tes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favo-
recendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
A crise da Igreja Medieval
e a Revolução Espiritual da Época Moderna
O mundo passou por grandes
transformações na transição da Ida-
de Média para a Idade Moderna, com
especial destaque para a Europa,
onde ocorreram o Renascimento Co-
mercial e Urbano, o desenvolvimento
do capitalismo, o fortalecimento das
monarquias nacionais e o Renasci-
mento Cultural. Estas transformações
geraram modificações na visão de
mundo dos homens e criaram uma
realidade que se desconectava da
Igreja Católica, alicerçada em bases
medievais, as quais condenavam, por
“John Wycliffe entrega a tradução da Bíblia aos padres”. Quadro de William Frederick Yeames. exemplo, o lucro e a usura, elementos
fundamentais do capitalismo nascen-
te, gerando atritos com a burguesia. Havia problemas de relacionamento entre a Santa Sé e os reis absolutistas
que não mais admitiam interferência em seus estados nacionais.
O desenvolvimento do capitalismo e dos Estados Nacionais provocavam um natural enfraquecimento do
poder da nobreza, que passou a cobiçar as terras da Igreja como alternativa de reforçar seu poder. O comportamen-
to de membros do clero passou a ser alvo de críticas contundentes com o objetivo de contestar a Igreja Católica,
enfraquecendo-a e abrindo espaço para a quebra de sua hegemonia.
Os humanistas do Renascimento criticavam o comportamento do clero, dentre os quais podemos destacar
Erasmo de Roterdã, Dante Alighieri e Thomas Morus. No final do século XIV, ocorreram movimentos contestadores
da Igreja Católica que sinalizaram para as transformações que viriam a ocorrer. As calamidades que assolaram o
período provocaram novas demandas espirituais da população e refletiram o despreparo da Igreja para atendê-las.
Os principais críticos da Igreja Romana foram o inglês John Wycliffe, ligado à Universidade de Oxford, e o boêmio
John Huss, da Universidade de Praga. Ambos teóricos eruditos, denunciaram a riqueza do clero como violação
dos preceitos cristãos e atacaram a base da autoridade eclesiástica ao argumentar que a Igreja não controlava o
destino do indivíduo. Afirmavam que a salvação dependia não de se tomar parte nos rituais da Igreja ou receber
seus sacramentos, mas de aceitar o dom da fé concedido por Deus.
A reforma religiosa foi responsável pela quebra da unidade cristã ocidental e o fim da hegemonia da Igreja
Católica na Europa, bem como pelo surgimento de novas igrejas integradas às novas realidades para a burguesia
e os monarcas absolutistas.

Reforma: definição e fatores


Denomina-se Reforma o movimento de revolução espiritual da época moderna, uma profunda revisão reli-
giosa e política que, no século XVI, deu origem ao protestantismo. Nesse processo, uma parte dos Estados católicos
europeus rompeu com a Igreja Católica. Numa visão geral, o protestantismo foi um movimento religioso e doutri-
nário que marcou a passagem do feudalismo para o capitalismo.

9
Uma das causas importantes da Reforma foi o motivou o declínio da autoridade papal, pois o rei e a na-
chamado humanismo evangelista, crítico da Igreja da ção passaram a ser vistos como mais relevantes.
época e defensor de uma renovação para aproximá-la A ascensão da burguesia é outra causa não
do cristianismo primitivo. Em 1509, Erasmo de Roter- menos importante da Reforma. A burguesia precisava
dã, em seu famoso livro Elogio da Loucura, traçou o mudar os dogmas da Igreja Católica que proibiam o lu-
retrato da Igreja daquele momento: uma religião de cro e a usura. Ela precisava de uma nova religião, que
pompa, rica, cujos representantes ostentavam um luxo justificasse seu amor pelo dinheiro e incentivasse novas
sem par; uma Igreja cheia de vícios, de abusos e ocio- atividades ligadas ao comércio.
sidade. Havia um enorme abismo entre o que a Igreja Na ideologia católica, a única forma de riqueza
pregava e o que fazia. Os membros da alta hierarquia legítima era a terra. O dinheiro, o comércio e as ativi-
do clero viviam luxuosamente, totalmente alheios ao dades bancárias eram práticas pecaminosas, indignas
povo. O voto de castidade era habitualmente esquecido, de um cristão. Trabalhar para satisfazer as necessidades
causando escândalo entre a população. Vendiam-se as era justo, mas fazê-lo para lucrar, que é a essência do
relíquias sagradas (objetos supostamente tocados por capital, era pecado.
Cristo, Maria ou santos) e cargos eclesiásticos, práticas A doutrina protestante, criada pela Reforma,
conhecidas como simonia. pregava exatamente o oposto destas ideias. A riqueza,
materializada principalmente no dinheiro, era um dom
de Deus. A doutrina estabelecida pela Reforma estava
perfeitamente adequada aos anseios da nova classe
burguesa, que se encontrava em fase de expansão.

Reforma no Sacro Império


Romano-Germânico:
o Luteranismo
“A venda de indulgências”. Pintura de Augsburg, c. 1530.

Mas o comércio de indulgências foi o abuso As origens da Reforma


que promoveu maior reação. As indulgências eram do-
cumentos vendidos pela Igreja e assinados pelo papa, A reforma religiosa teve início no Sacro Impé-
que absolviam o comprador de alguns pecados come- rio Romano Germânico, em parte da atual Alemanha,
tidos, diminuindo o tempo de sua pena no purgatório. sob a liderança de Martinho Lutero (1483-1546).
Outra importante razão que impulsionou o movimento Filho de camponeses, nascido na Saxônia, cursou fi-
reformista foi a formação das monarquias nacionais. Na losofia na Universidade de Erfurt, quando se tornou
época do feudalismo, a Europa se apresentava fragmen- monge, ingressando na Ordem de Santo Agosti-
tada em inúmeros pequenos feudos, em que as relações nho, em 1505. Em 1512 doutorou-se em teologia e
com as regiões vizinhas eram pouco comuns. As pessoas
passou a lecionar na Universidade de Wittenberg.
de então não tinham uma consciência muito clara de na-
Lutero se incomodava com o comportamento de
cionalidade, isto é, não se imaginavam habitantes de um
integrantes do clero e com o apego aos bens materiais
país. Nos séculos XV e XVI formaram-se nações com um
por parte da Igreja. Discípulo de Santo Agostinho, cri-
rei que exercia total autoridade sobre os limites do territó-
ticava o comércio de indulgências, defendendo que a
rio. As pessoas que aí habitavam falavam a mesma língua
e tinham consciência de sua nacionalidade. A Igreja, por salvação seria alcançada pela fé, acreditando que
possuir terras e propriedades espalhadas por toda a Eu- as boas obras não eram capazes de afastar o homem do
ropa, passou a ser considerada uma potência estrangeira. pecado. Suas ideias eram pregadas na Universidade de
Lentamente começou a se formar uma reação contra as Wittenberg e entraram em rota de colisão com a Igreja.
possessões eclesiásticas e a arrecadação de impostos ou Em 1517, foi lançada na Europa, pelo Papa Leão
taxas pelo clero, que os remetia para Roma. Essa situação X, uma campanha de venda de indulgências para arreca-

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dar fundos para a construção da Basílica de São . Tal fato
incomodou Lutero profundamente, que reagiu, publican-
do suas 95 teses – fixando-as na porta da Catedral de
Wittenberg – contra a venda de indulgência, propondo
alterações na doutrina religiosa, mas ainda sem manifes-
tar um rompimento absoluto com a Igreja.
Estas foram enviadas posteriormente ao papa,
provocando reações da Igreja. Inicialmente Lutero foi
convocado a se retratar, sob pena de ser considerado
herege. Por se negar a obedecer a referida retratação,
Lutero foi excomungado através da Bula papal Exsurge
Domini, que o mesmo queimou em praça pública, ratifi-
cando seu rompimento com a Igreja Católica.
Em virtude de sua excomunhão, Lutero teve que
ser julgado por um tribunal secular. Para proceder o jul-
Martinho Lutero
gamento, foi convocada a Dieta de Worms, em 1521,
pelo imperador do Sacro Império Romano Germânico, Carlos V, católico devoto e aliado do papa. Quando solicitado
a se retratar, Lutero respondeu: “Se eu não estiver convencido de erro pelo testemunho das Escrituras ou pela razão
clara (...) não posso retratar-me, nem me retratarei, de coisa alguma, pois não é seguro nem honesto agir contra a
própria consciência. Deus me ajude. Amém”. Pouco depois desse confronto com o imperador, Lutero escondeu-se
para não ser preso.

“Lutero na Dieta de Worms”. Pintura de Anton von Werner (1843-1915).


Neste período, Lutero não estava sozinho. Contava com grande apoio da nobreza alemã, interessada no
enfraquecimento e nas terras da Igreja. Vale lembrar que à época, no Sacro Império Romano Germânico, existiam
inúmeros pequenos principados, governados por uma nobreza interessada em diminuir a influência do imperador
e do papa em seus territórios, submeter a Igreja e expropriar-lhe os bens.
Refugiado sob a proteção do Duque Frederico da Saxônia, em Wartburg, Lutero traduziu a Bíblia do latim para o
alemão, retirando algumas partes que a compunham.

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A revolta camponesa anabatista do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cris-
to, como os católicos acreditam;
de Thomas Müntzer (1524-1525) §§ o contato direto entre Deus e o fiel por meio
das orações, sendo dispensável o clero como
A reforma luterana começou a atrair seguidores,
“intermediário”;
oriundos das diversas classes sociais. Camponeses ana-
§§ o livre exame, ou seja, o direito de todo cristão in-
batistas miseráveis se uniram em torno de Thomas Münt-
terpretar as palavras da Bíblia segundo sua própria
zer exigindo as terras da Igreja, a supressão das obriga-
consciência, equivalendo à emancipação da vonta-
ções servis (em espécie ou trabalho) e a devolução das
de individual, no plano da ideologia religiosa.
terras comunais. Lutero condenou veementemente estes
camponeses, referindo-se a eles como perturbadores da A ética religiosa luterana apresentava poucos
ordem e que deveriam ser tratados como cães raivosos. atrativos para a burguesia, uma vez que condenava o
Comprometido com os interesses da nobreza, Lutero deu dinheiro e o comércio, associando-os ao demônio.
total apoio ao massacre imposto aos pobres miseráveis O luteranismo expandiu-se basicamente no Sa-
que ousaram contestar sua situação deplorável. cro Império e nos países escandinavos (Suécia, Dina-
marca e Noruega), regiões essencialmente rurais, pouco
A Paz de Augsburgo (1555) desenvolvidas em termos comerciais.

Em 1529, na Dieta de Spira, o imperador Car- O Calvinismo


los V proibiu a difusão da doutrina Luterana no Sacro
Império Romano Germânico, o que provocou protestos A Reforma na Suíça
entre seus seguidores que passaram a ser chamados de
A Suíça havia se tornado independente do Sa-
protestantes. Dali em diante, os conflitos se tornaram cro Império Romano Germânico em 1499, mas ainda
inevitáveis, especialmente quando os príncipes alemães apresentavam forte integração no início do século XVI.
criaram a Liga Militar de Smalkalde. Assim, as teses luteranas foram rapidamente difundidas
As lutas só foram encerradas em 1555, com a pelo país, com destaque para Ulrico Zuinglio (1489-
Paz de Augsburgo, que estabeleceu que a escolha 1531), que era seguidor de Lutero. Suas pregações
da religião em cada região do Sacro Império Romano atraíram seguidores que se envolveram em uma Guerra
Germânico caberia a seus respectivos príncipes (cujos Civil (1529-1531) na qual o próprio Zuinglio foi morto.
régio ejus religio). Assim sendo, o norte do Sacro Impé- O conflito foi encerrado com a Paz de Kappel, que esta-
rio tornou-se protestante, e o sul, católico. Com isso, a beleceu a liberdade religiosa no país.
unidade da Igreja romana acabava de se romper.

A doutrina luterana
Na Confissão de Augsburgo, exposta por
Melanchton – que fora monge junto com Lutero – em
1530, encontram-se os fundamentos do luteranismo:
§§ a salvação não se alcança pelas obras, mas sim
pela fé, pela confiança na misericórdia de Deus;
§§ o culto simples – somente salmos e leitura da
Bíblia – em língua nacional;
§§ a manutenção de dois (batismo e eucaristia) dos
sete sacramentos do catolicismo;
§§ durante a eucaristia acredita-se apenas na pre-
sença (consubstanciação) de Jesus no pão e no vi-
nho, e não na transformação (transubstanciação) Calvino

12
Aproveitando-se da liberdade religiosa implantada na Suíça, o francês João Calvino – que havia sido per-
seguido na França por ser um seguidor da Reforma – lançou, em 1534, a obra Instituição da Religião Cristã, na
qual suplicava ao rei suíço proteção aos protestantes franceses e expunha sua doutrina religiosa, embasada na ideia
de predestinação. Assim como Lutero, Calvino condenou o celibato e a maioria dos sacramentos.
Suas ideias e pregações conquistavam cada vez mais adeptos, transformando Genebra, cidade na qual Cal-
vino conquistou prestígio e poder, regulando a vida das pessoas, através de um órgão chamado Consistório, que
vigiava disciplina moral e normas de comportamento, que iam das vestimentas a hábitos que deviam ser seguidos.
O Consistório era tão rigoroso e rude como a Inquisição Católica, abolindo músicas, festas, bares e o jogo,
além de promover execuções na fogueira, como a do médico Miguel de Servet, preso e queimado em Genebra por
defender princípios considerados pecaminosos por Calvino.

A doutrina calvinista

A religião calvinista se baseou, fundamentalmente, no luteranismo: aboliu todos os sacramentos, menos o


batismo e a eucaristia; defendeu que Cristo se encontra presente apenas espiritualmente na eucaristia; acabou com o
culto dos santos e das imagens e permitiu o livre exame da Bíblia. O calvinismo, entretanto, radicalizou o luteranismo.
Calvino, exatamente como Lutero, partia da salvação pela fé, e da desvalia de obras. O homem, segundo
Calvino, era uma criatura miserável, corrompida e cheia de pecados, portanto, não merecedor da graça divina.
Somente a fé poderia salvar-lhe a alma. Mas essa salvação, para Calvino, dependia somente da vontade divina.
Esta era a ideia de predestinação. Deus de antemão, nos predestinou: a minoria é eleita à salvação, enquanto a
maioria é condenada à eterna maldição.

13
Os princípios calvinistas agradaram aos segmen-
tos burgueses do país, pois favoreciam os interesses
capitalistas, ao criar uma nova visão sobre trabalho e
riqueza. Baseado na predestinação, o calvinismo justifi-
cava a riqueza , a usura, estimulava o trabalho – iden-
tificado como um dos sinais de salvação, e o lucro, na
medida em que acúmulo de capitais era visto como
cumprimento de um dever dado por Deus à burguesia.
Além disto, criou modelos de comportamento para os
trabalhadores, que deviam ser honestos, submissos e
conformados, devendo cumprir da melhor e mais efi-
ciente forma a função que lhes foi dada por Deus.
A doutrina calvinista foi a que melhor se ade-
quou aos princípios burgueses e capitalistas. Conside-
rada a teologia do capitalismo, foi a ética reformista
que mais se expandiu, atingindo diversos países. Na Rei Henrique VIII
França, seus fiéis ficaram conhecidos como huguenotes; Na verdade, o soberano inglês aproveitou as
na Inglaterra, como puritanos; na Escócia, como presbi- questões relacionadas a seu casamento para acabar
terianos; e na Holanda como reformados. Países como com o poder da Igreja Católica na Inglaterra que, de
a Dinamarca e a Holanda adotaram o calvinismo como certa forma, concorria com o poder do rei. O Parlamento
religião oficial após a sua independência. aprovou o Ato de Supremacia, em 1534, colocan-
do a Igreja sob a autoridade do rei. Estava nascendo a
Reforma na Inglaterra: Igreja Nacional Inglesa – a Igreja Anglicana, que tinha
como chefe supremo o monarca inglês. Os bens da Igre-
o Anglicanismo ja Católica foram confiscados, passando para as mãos
da nobreza. Assim, os barões ingleses viram suas terras
A reforma religiosa na Inglaterra teve um caráter aumentadas a ponto de facilitar a expansão da criação
extremamente político. Conduzida pelo rei Henrique VIII,
de ovelhas, num momento em que a lã começava a ser
levou à formação de uma igreja nacional que serviu de
procurada pelas manufaturas de tecidos.
instrumento de consolidação do absolutismo real no país.
O sucessor de Henrique VIII foi seu filho Eduar-
O poder econômico da Igreja Católica e sua in-
do VI, que manteve a reforma no país, aproximando-se
fluência na Inglaterra fugiam do controle o Estado.
da doutrina Calvinista. Após sua morte prematura, em
A Igreja acumulava riquezas através de tributos
1553, foi sucedido pela irmã Maria Tudor, que casou
impostos à população e o clero ampliava cada vez mais
com Felipe II, rei da Espanha e católico fervoroso, rea-
seus domínios e suas rendas oriundas das vastas terras.
proximando o trono inglês da Santa Sé e perseguindo
Esta situação provocava um forte sentimento antipapal
violentamente os protestantes e calvinistas. A rainha
nos meios políticos do país.
Maria Tudor morreu em 1558, sendo sucedida por Eli-
Em 1530, o rei inglês Henrique VIII solicitou a
sabeth I, que era filha de Ana Bolena e Henrique VIII.
anulação de seu casamento com Catarina de Aragão
A Igreja Romana considerava a rainha Elisabeth
ao Papa Clemente VII, pois desejava se casar com Ana
bastarda e fruto do pecado cometido pelo pai, o que
Bolena, sob a justificativa de sua esposa não lhe dar um levou ao rompimento definitivo, quando a nova rainha
filho homem para herdar o trono. Diante da negação retomou a Reforma Anglicana, consolidando-a. Em
papal, o rei deu início a um processo de ruptura com a 1563, o Parlamento britânico aprovou a Confissão dos
Igreja Católica na Inglaterra. Ignorando a decisão papal, 39 artigos, definindo o cânone Anglicano. Adotou-se a
Henrique VIII casou-se, em 1533, com Ana Bolena. O doutrina calvinista mantendo, porém, a hierarquia epis-
papa Clemente VII excomungou-o. copal e a formalidade do catolicismo no culto.

14
A reação da Igreja Católica: §§ A reafirmação dos dogmas católicos, como o
princípio da salvação pela fé e boas obras, funda-
a Contrarreforma1 mentado na epístola de São Tiago; a intercessão
dos santos e da Virgem Maria; o celibato clerical;
A reforma religiosa foi responsável pela quebra a infalibilidade do papa; a hierarquia eclesiástica
da unidade cristã no Ocidente e levou à perda, por parte e a infalibilidade do casamento;
da Igreja Católica, do controle da doutrina religiosa cris- §§ O combate à corrupção do clero, com a proibição
tã, com o surgimento de novas igrejas, sob orientação da venda de indulgências e de cargos eclesiás-
doutrinária, especialmente luterana e calvinista. A Igreja ticos, além da obrigatoriedade dos clérigos fre-
também via reduzido seu espaço e seu poder político, quentarem seminários antes de sua ordenação;
além de perder importantes áreas territoriais e bens que §§ Reativação do Tribunal do Santo Ofício ou Santa In-
foram confiscados em regiões reformadas. quisição, com o objetivo de julgar e punir as heresias;
A situação descrita anteriormente gerou a ne- §§ A criação do Index Librorum Prohibitorum, uma lista
cessidade de uma reação por parte de Igreja Católica, de livros cuja leitura estava proibida aos católicos,
no movimento chamado Contrarreforma. A expansão dentre eles alguma obras de autores renascentistas
do protestantismo foi um grande estímulo para que a e de orientação religiosa protestante e calvinista.
Igreja Católica fizesse uma análise profunda de suas §§ A busca de novos fiéis, através do estímulo à
doutrinas, estruturas e processos de formação, que a atuação de ordens religiosas, especialmente no
levaram a uma reestruturação da Santa Sé, fundamen- recém-descoberto continente americano.
tada no princípio de moralização do clero e da reorgani-
No tocante à busca de novos fiéis, merece des-
zação das estruturas eclesiásticas.
taque a atuação da Companhia de Jesus ou Ordem
dos Jesuítas, fundada em 1534 por Inácio de Loyola. A
Ordem era caracterizada pela rígida disciplina e respeito
pela hierarquia, lembrando uma organização militar, o
que fez com que ficassem conhecidos como “soldados
de Cristo”. Primorosos educadores, os jesuítas funda-
ram e organizaram escolas em diversas regiões, espe-
cialmente no continente americano onde sua atuação
foi destacada, sobretudo na catequese dos nativos.

Index Librorum Prohibitorum


A Contrarreforma teve início em 1545, quando o
Papa Paulo III convocou o Concílio de Trento. Inicial-
mente foram convidados a participar teólogos protes-
tantes e calvinistas, sem atuação marcante. O referido
Concílio ocorreu e o clero católico teve a oportunidade
de reavaliar a estrutura da Santa Sé, tomando algumas
decisões importantes, que iriam nortear a sua atuação
junto aos fiéis, entre as quais podemos destacar:

1. O termo “Contrarreforma” está em desuso pois dá a ideia incorreta que


a reforma católica só ocorreu por consequência da reforma protestante. O padre jesuíta Antônio Vieira catequizando os índios.

15
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR

Filme Lutero

Após quase ser atingido por um raio, Martim Lutero (Joseph Fiennes) acredita ter
recebido um chamado. Ele se junta ao monastério, mas logo fica atormentado
com as práticas adotadas pela Igreja Católica na época. Após pregar em uma
igreja suas 95 teses, Lutero passa a ser perseguido. Pressionado para que se
redima publicamente, Lutero se recusa a negar suas teses e desafia a Igreja
Católica a provar que elas estejam erradas e contradigam o que prega a Bíblia.
Excomungado, Lutero foge e inicia sua batalha para mostrar que seus ideais
estão corretos e que eles permitem o acesso de todas as pessoas a Deus.

Filme A outra

Anne (Natalie Portman) e Mary (Scarlett Johansson) são irmãs que foram
convencidas por seu pai e tio ambiciosos a aumentar o status da família
tentando conquistar o coração de Henry Tudor (Eric Bana), o rei da Inglaterra.
Elas são levadas à corte e logo Mary conquista o rei, dando-lhe um filho
ilegítimo. Porém, isto não faz com que Anne desista de seu intento, buscando
de todas as formas passar para trás tanto sua irmã quanto a rainha Catarina
de Aragão (Ana Torrent).

Filme Elizabeth – A era de ouro

Inglaterra, 1585. Elizabeth I (Cate Blanchett) está quase há três décadas no


comando da Inglaterra, mas ainda precisa lidar com a possibilidade de traição
em sua própria família. Simultaneamente, a Europa passa por uma fase de
catolicismo fundamentalista, que tem como testa-de-ferro o rei Felipe II (Jordi
Mollá), da Espanha. Apoiado pelo Vaticano e armado com a Inquisição, Felipe
II planeja destronar a “herege” Elizabeth I, que é protestante, e restaurar o
catolicismo na Inglaterra. Preparando-se para entrar em guerra, Elizabeth busca
equilibrar as tarefas da realeza com uma inesperada vulneabilidade, causada por
seu amor proibido com o aventureiro Sir Walter Raleigh (Clive Owen).

16
LER

Livros
A Reforma Protestante - Coleção O Cotidiano da
História - Luiz Maria Veiga

Durante a Idade Média, os povos europeus cristãos


reconheciam a Igreja Católica como a única autoridade
espiritual existente. No entanto, o alto clero havia
acumulado tanto poder que passou a se preocupar mais
com as questões terrenas do que com as espirituais. Era
comum encontrar religiosos envolvidos com nepotismo,
corrupção, luxúria, o que deixava a Igreja cada vez mais desacreditada perante
a população. Em 1517, no entanto, o Catolicismo sofreu um grande abalo.
Naquele ano, o monge alemão Martinho Lutero criticou duramente essas práticas
vergonhosas e desencadeou um processo de reforma religiosa que provocou
um verdadeiro cisma na Igreja Católica. Estava nascendo o Protestantismo,
uma religião que obrigou os católicos a mudarem sua postura para recuperar o
prestígio junto a seus fiéis. Conteúdo histórico:
§§ Panorama socioeconômico e político da Alemanha no século XVI;
§§ Relações entre religião, sociedade, política e economia alemãs;
§§ Lutero e o estopim da Reforma religiosa;
§§ Müntzer e a repressão às revoltas camponesas;
§§ Abalo na unidade e na autoridade da Igreja Católica;
§§ Limites da Reforma Luterana.

17
INTERDISCIPLINARIDADE

Em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, Weber discorre sobre a relevância da reforma protestante
para a formação do capitalismo moderno, de modo que relaciona as doutrinas religiosas de crença protestante, para de-
monstrar o surgimento de um modus operandi de relações sociais, que favorece e caracteriza a produção de excedentes,
gerando o acúmulo de capital.
Há de se dizer, então, que o mundo, outrora dominado pela religião católica, era também concebido a partir da
cultura por ela promulgada. Isso quer dizer que o modo de vida pregado no catolicismo, era propagado para além dos
limites da Igreja, perpassando a vida dos sujeitos. Entretanto, o catolicismo condenava a usura e pregava a salvação das
almas através da confissão, das indulgências e da presença aos cultos. Desta forma, o católico enxergava o trabalho como
modo de sustentar-se, mas não via prescrição em também divertir-se, buscando modos de lazer nos quais empenhava seu
dinheiro, e produzido apenas para seu usufruto. Menos temerário ao pecado que o protestante, e impregnado pela proibi-
ção da usura, o católico pensava que pedir perdão a seu Deus seria suficiente para elevar-se ao “reino dos céus”. Assim,
seguindo esta cultura religiosa, a acumulação de bens não encontrou caminhos amplos, e permaneceu adormecida.
Contudo, com o advento do protestantismo, a doutrina – e, portanto, a cultura – católica modificou-se, e a salva-
ção passou a ser, para alguns, não mais passível de ser conquistada, mas sim uma providência divina, em que o trabalho
era meio crucial para glorificar-se. Para o protestante, o trabalho enobrece o homem, o dignifica diante de Deus, pois é
parte de uma rotina que dá às costas ao pecado. Durante o período em que trabalha, o indivíduo não encontra tempo de
contrariar as regras divinas: não pratica excessos, não cede à luxúria, não se dá à preguiça: não há como fugir das finalida-
des celestiais. E, complementando toda a doutrina protestante, ainda é crucial pontuar que nesta religião não há espaço
para sociabilidade mundana, pois todo o prazer que se põe a parte da subserviência a Deus, fora considerado errado e
abominável. Assim, restava a quem acreditava nestas premissas, o trabalho e a acumulação, já que as horas estendidas
na produção excediam as necessidades destes religiosos, gerando o lucro.
Portanto, quando se fala em uma concepção tradicional de trabalho, trata-se da concepção católica, que não acu-
mulava e pensava o trabalho como meio de garantir subsistência. Já a concepção que vê o trabalho como fim absoluto
é a protestante, que enxerga no emprego de esforços produtivos a finalidade da própria existência humana, interligada
com os propósitos providenciais de Deus.

Max Weber

18
Estrutura Conceitual
REFORMA E CONTRARREFORMA

1 REFORMA

Quando Consequência
Passagem da Idade Média para a Moderna Quebra da unidade cristã na
(transição do feudalismo para o capitalismo) Europa ocidental

Fatores
◊ Abusos e imoralidades do clero
◊ Venda de indulgências
◊ Simonia
◊ Surgimento do capitalismo
◊ Crítica católica aos juros e usura
◊ Formação das monarquias nacionais
◊ Crítica ao poder da Igreja nos territórios

LUTERANISMO CALVINISMO ANGLICANISMO


Origem: Sacro Império Origem: Suíça Origem - Inglaterra
Romano-Germânico Fundador: João Calvino Fundador - Henrique VIII
(Alemanha) (1534) ◊ 1534 - “Ato de Supremacia”
Fundador: Martinho Lutero Doutrina: ◊ Rompe com a Igreja Católica
◊ 1517 - “95 Teses de Lutero” ◊ Salvação por predestinação ◊ O rei se torna chefe da Igreja
◊ 1529 - Proibição do ◊ Valorização do trabalho e ◊ Confisco dos bens da Igreja
luteranismo do lucro Doutrina
◊ 1555 - Paz de Augsburgo ◊ Consistório - código ético e ◊ Manutenção da hierarquia
Doutrina moral rígido eclesiástica
◊ Salvação pela fé Locais: ◊ 7 sacramentos católicos
◊ Dois sacramentos: batismo ◊ Suíça: calvinismo ◊ Uso da língua inglesa
e eucaristia ◊ França: huguenotes em cultos
◊ Consubstanciação ◊ Inglaterra: puritanos
◊ Livre interpretação da Bíblia ◊ Escócia: presbiterianos
Local: norte da Alemanha
◊ Reação da Igreja Católica à reforma
2 CONTRARREFORMA ◊ Revisão da doutrina

◊ Reafirmação dos dogmas católicos


◊ Proibição da venda de indulgências e simonia
Concílio de Trento ◊ Reativação da inquisição
◊ Index: livros proibidos
◊ “Companhia de Jesus” (1534) - expansão da fé católica
19
21 22
Antigo Regime:
absolutismo e mercantilismo

Competências Habilidades
1, 2, 3, 4, 5 e 6 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,
10, 11, 12, 13, 14, 15,
16, 17, 18, 19, 20, 22,
23, 24, 25, 26, 27 e 28

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-
H8
-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferen-
tes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favo-
recendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
O Estado Moderno

Luís XIV e sua família, retratados como deuses romanos. Jean Nocret (1670). Nessa imagem é possível perceber o rei Luís XIV retratado como uma
figura mitológica, como um deus mesmo. A centralização política de seu reinado, em que o rei era a encarnação do poder e do Estado, chegou ao ápice
durante a Idade Moderna. A ele é atribuída a afirmação: “O Estado sou eu”.

As origens do Estado Moderno


Na Baixa Idade Média, paralelamente à crise do feudalismo e à decadência da nobreza senhorial, ocorreu
o renascimento do comércio urbano e a formação da burguesia nos países do Ocidente europeu. As cidades, en-
tretanto, eram controladas pelos feudos; os burgueses, dominados pelos nobres; e o comércio à longa distância,
prejudicado pela estreiteza dos mercados locais. O particularismo feudal e os privilégios da nobreza tornavam-se
um entrave ao crescimento das cidades, à expansão dos negócios e ao enriquecimento da burguesia. Só a força e
a autoridade de uma monarquia centralizada poderiam, suprimindo a independência dos feudos e submetendo a
nobreza, promover a unificação territorial do país, impor a obediência à sua população e dar proteção à burguesia.
No final da Idade Média, essa situação levou à formação de uma aliança entre a burguesia e a realeza, que,
em vários países da Europa ocidental, substituiu a descentralização feudal pelo centralismo monárquico.
Na transição da Idade Média para a Idade Moderna, ocorreu o processo de formação dos Estados Moder-
nos, em contraposição aos estados feudais, marcados pelo predomínio político do poder local e diretamente ligado
à posse da terra. Os Estados modernos mantiveram as velhas estruturas feudais, como o predomínio político e
social da nobreza e do clero, que obtiveram privilégios fiscais e jurídicos, associadas a novos elementos, como a
centralização do poder político e práticas econômicas intervencionistas, que revelam o fortalecimento das monar-
quias nacionais.
A montagem da estrutura burocrática dos Estados modernos exigia vultosas quantias financeiras, o que
incentivava uma crescente necessidade de tributos diretamente arrecadados e administrados pelo governo central,
que controlava as atividades comercias mediante práticas intervencionistas, fundamentais para impulsionar o desen-
volvimento da acumulação de capital por meio do comércio e das atividades artesanais.

23
As características do O Absolutismo
Estado Moderno
Definição e características
Eram características do Estado Moderno: terri-
Uma das principais características do período
tório definido, moeda nacional, idioma comum, cen-
de surgimento dos Estados modernos foi a centrali-
tralização política, organização da burocracia estatal
zação do poder e da autoridade política na figura do
e exército nacional.
soberano. Chegou-se ao limite, inclusive, de associar
tal poder a algum desígnio divino, isto é, por uma
suposta linhagem sagrada.
Por absolutismo entenda-se o poder ilimitado,
incontestável e inquestionável. Os reis decretavam leis,
impunham tributos, definiam questões de justiça e co-
mandavam os exércitos. Superiores em relação a todos
os demais grupos sociais e gananciosos por mais e mais
prestígio passaram a disputar espaço no Estado moder-
no com a nobreza e a burguesia.
O Estado absolutista alimentava-se deste confli-
to, fortalecia-se com as disputas e oferecia concessões
aos dois lados: privilégios fiscais e jurídicos à nobreza e
protecionismo econômico e política econômica ditada
Exércitos nacionais da França e da Inglaterra em combate na batalha de
Azincourt, no norte da França, durante a Guerra dos Cem Anos, em 25 de pelo Estado para a burguesia.
outubro de 1415.
A formação das monarquias nacionais surgiu de Os teóricos do Absolutismo
um processo gradual de acumulação de poderes nas
Teóricos e pensadores fundamentaram o poder
mãos dos reis.. De início, os soberanos estabeleceram a
absolutista, justificaram sua origem e o comportamento
delimitação do território, no qual exerceriam sua autori-
autoritário dos reis, bem e acima de tudo o poder ili-
dade e influência. Os poderes locais da nobreza seriam
mitado que exerciam. Os principais teóricos do absolu-
submetidos à autoridade do monarca, que passou a im-
tismo foram Nicolau Maquiavel, Jacques Bossuet, Jean
por tributos e regras nacionais.
Bodin e Thomas Hobbes.
Outro instrumento de consolidação dos Estados
modernos foi a imposição de um idioma nacional, que §§ Nicolau Maquiavel (1469-1527) nasceu
deveria ser usado nos limites do território, onde o mo- em Florença, cidade italiana e importante pal-
narca mantinha sua autoridade, associado a origens, co do Renascimento Comercial. Sua obra mais
tradições e costumes comuns. destacada foi O Príncipe, dedicada ao gover-
Os monarcas impuseram moedas nacionais, nante de Florença, Lourenço de Médici. Nela,
fundamentais nas trocas comerciais e na arrecadação expressa sua concepção sobre o Estado Mo-
tributária. Para garantir a manutenção da autoridade derno. Defende um Estado forte e soberano
real, foram constituídos os exércitos nacionais, que sim- cujos interesses sobrepunham-se aos valores
bolizavam o poder dos reis expresso no monopólio da morais. Ao soberano cabe que seja ao mesmo
força pelo Estado. Esses exércitos nacionais eram disci- tempo “amado e temido”. O príncipe deve estar
plinados, remunerados e diretamente controlados pelos preparado para “fazer o bem, se possível, e o
reis, que os usavam para impor sua autoridade e garan- mal sempre que necessário” sem medir esforços
tir o respeito às suas ordens em todo o país, além de para impor sua vontade. A prioridade do príncipe
garantir a defesa do território contra inimigos externos. é manter seu poder, sem entrar no mérito dos

24
meios para tal fim. A reiterada lógica básica do §§ Jean Bodin (1530-1596) escreveu a obra Seis li-
pensamento de Maquiavel sintetiza-se na frase: vros da República. Renomado jurista, Bodin apre-
“os fins justificam os meios”. Maquiavel é consi- sentou a teoria da soberania: a “alma” perpétua e
derado o precursor da ciência política. absoluta de um Estado. Por meio dela justifica-se
e impõe-se a coesão política. O soberano estava
acima de tudo, de qualquer forma de sujeição, in-
clusive da lei, criada e revogada por ele e aplicada
a quem quer que fosse como bem lhe aprouvesse.
Guardião da ordem pública, pode fazer tudo para
preservá-la. A monarquia é o regime mais apro-
priado à natureza humana, defendia o jurista.
Como a família tem um só chefe e o céu apenas
um sol. Só um poder central pode dar harmonia
ao corpo político de um país.
§§ Thomas Hobbes (1588-1679), autor da obra
Leviatã – monstro mitológico todo poderoso que
governava o caos. Esse é poder do rei absolutis-
ta, para garantir a ordem social e manter o con-
Nicolau Maquiavel trole sobre a sociedade, constituida por homens
§§ Jacques Bossuet (1627-1704) foi um bispo maus, egoístas e mesquinhos.
francês que viveu na corte e participou da edu-
cação do futuro rei Luís XIV. Estabeleceu uma
teoria sobre o absolutismo na obra Política se-
gundo a Sagrada Escritura. À luz de princípios
religiosos e bíblicos, justificou a escolha do rei
como vontade direta de Deus assim como fez
com Saul, personagem do Antigo Testamento. O
poder do rei emana diretamente de Deus. Ser rei
era um chamado dele. Contestar o poder do rei
era desobedecer à vontade divina, portanto, era
crime e pecado. Caso o rei fosse cruel ou incom-
petente, restava ao povo rezar; a maldade de um
rei emana diretamente dos pecados do povo. Capa da edição original de Leviatã (1651).

O leviatã é um monstro bíblico. Na obra de Ho-


bbes é representado como um gigante coroado, cujo
corpo é formado de pequenos indivíduos aglomerados.
Sua imagem está acima do campo e das cidades. Nas
mãos, uma espada e um báculo, símbolos dos poderes
militar e religioso. Nas colunas de baixo, outros símbolos,
um forte, uma catedral, uma coroa, uma mitra, armas e
paramentos litúrgico, além das cenas de batalha e de um
concílio, simbolizando que todo poder (secular e religio-
“O rei vê de mais longe e de mais alto; deve acreditar- so) está nas mãos do soberano, único senhor absoluto.
-se que ele vê melhor, e deve obedecer-se-lhe sem Nas sociedades primitivas sem Estado nem leis,
murmurar, pois o murmúrio é uma disposição para a
sedição.” (Jacques Bossuet). os homens viviam em conflitos sociais, matando-se uns

25
aos outros por motivos banais, conflitos esses que comprometiam a própria existência da humanidade, fenômeno
que inspirou a célebre máxima do autor: “o homem é o lobo do próprio homem”. Num raro momento de lucidez
e em face de um sentimento de preservação da espécie, as sociedades organizaram-se em forma de Estado e
concederam-lhe poderes, a fim de que tivesse força suficiente para impor a ordem. Contra aquela situação de vio-
lência e anarquia, os homens firmaram um pacto – o “contrato social” –, renunciaram à liberdade e aos direitos em
troca da segurança oferecida pelo Estado, que deve reinar soberana e absolutamente sobre seus súditos. Portanto,
impõe-se que o Estado seja todo poderoso, um Leviatã, absolutista para que imponha a ordem social e preserve a
própria humanidade.

O absolutismo na França
Na França, o poder real estabeleceu-se lenta, mas progressivamente durante todo o século XVI. As guerras
de religião que abalaram o país nos fins do século XVI retardaram o avanço do absolutismo. Na segunda metade
do século XVII, no entanto, com Luís XIV, o absolutismo francês já se encontrava perfeitamente configurado.

As guerras de religião
Na segunda metade do século XVI, o calvinismo foi sendo introduzido na França e ganhando adeptos entre
parte da nobreza e, principalmente, da burguesia. Nessa época, governava a França o débil monarca Francisco II,
mas o poder era exercido de fato pelo duque de Guise, chefe da facção mais fanática dos católicos. Os huguenotes
– calvinistas – eram violentamente reprimidos pelos Guise, que viam no calvinismo um inimigo do poder central.
A tensão entre os dois grupos acabou se transformando em sangrentos conflitos durante o reinado de Carlos IX
(1560-1574).
Até que Carlos IX completasse a maioridade, a regência foi ocupada por sua mãe, Catarina de Médici, aliada
dos católicos e resolvida a exterminar os huguenotes. Em 1572, na fatídica Noite de São Bartolomeu (24 de
agosto), foram mortos cerca de 30 mil huguenotes.

“Massacre de São Bartolomeu” (1576), de François Dubois.

26
A dinastia Bourbon
O processo de consolidação do absolutismo na
França tem início com o rei Henrique IV, primeiro gover-
nante da dinastia Bourbon, que substituía a dinastia Valois.
No poder, Henrique IV promoveu a pacificação
entre católicos e protestantes mediante o Edito de
Nantes (1598), que concedia liberdade de culto e o di-
reito de admissão dos protestantes em cargos públicos.
Segundo a tradição da monárquica francesa, so-
mente um católico poderia assumir o trono. Henrique de
Navarra, que era protestante, só pôde ser coroado Hen-
rique IV depois de se converter ao catolicismo, oportu-
nidade em que supostamente teria dito a famosa frase: Luís XVIII, com Richelieu ao fundo.
“Paris bem vale uma missa.”
Luís XIV, o rei Sol
Com a morte de Luís XIII, em 1643, subiu ao trono
Luís XIV, sob a regência da rainha-mãe Ana d’Áustria e do
cardeal Mazzarino, que governou até 1661. Os aumentos
dos impostos decretados pela regência revoltaram a bur-
guesia e a nobreza, que se uniram nas chamadas frondas.
A morte de Mazzarino precipitou o governo de Luís XIV
(1661-1715), que se caracterizaria o mais emblemático
governo absolutista, o que levou ao extremo a ideia de
completa identificação entre o soberano e o Estado.
Preparado desde a infância por Mazzarino para o
Henrique IV exercício do poder real, Luís XIV sintetizou suas convições
absolutistas na frase: L’État c’est moi (O Estado sou eu).
No século XVII, o absolutismo consolidou–se
sob a dinastia dos Bourbon, com Luís XIII. Durante seu
governo, o absolutismo monárquico ganhou considerá-
vel impulso, graças à política de seu primeiro-ministro,
o cardeal de Richelieu, que, para fortalecer o poder
real, procurou controlar a nobreza e subordiná-la ao rei.
Desenvolveu a administração pública mediante um efi-
caz aparato burocrático, para, através dela, facilitar ao
rei a fiscalização das províncias.
No política exterior, o objetivo de Richelieu foi
tornar a França a maior potência europeia e enfraquecer
a Áustria, o que levou o país à luta, ao lado dos prín-
cipes protestantes alemães, contra a dinastia católica
austríaca dos Habsburgos, na Guerra dos Trinta Anos
(1618-1648). Fim da guerra, a França tornou-se a maior
potência militar do continente europeu. “Luís XIV” (1701), de Hyacinthe Rigaud.

27
Logo que assumiu o governo, afastou os ministros permanentes, esvaziou o Conselho – base do governo no
período anterior – e acumulou as funções deles. Nas províncias foram confirmadas as intendências, ligadas direta-
mente ao poder central, que também exerciam sua autoridade em matéria de justiça, finanças e política, além de
fiscalizar os oficiais detentores dos cargos públicos locais e supervisionar a arrecadação tributária.
No plano social, Luís XIV promoveu a ascensão da burguesia, da qual recrutou alguns ministros, como Col-
bert, das finanças. Para controlar a nobreza atraiu-a para a corte e ofereceu-lhe luxo, festas e pensões. O Palácio
de Versalhes, residência do rei, era cercado de 10 mil pessoas, entre cortesãos, soldados, lacaios etc.. Tornou-se
símbolo do absolutismo francês, cujo grande ideólogo foi Jacques Bossuet.

Construído durante o reinado de Luís XIV, o “rei Sol”, o Palácio de Versalhes foi modelo e foi utilizado de residência real na Europa.

No campo religioso, Luís XIV revogou e Edito de Nantes, em 1685, quando o protestantismo foi proibido.
Cerca de 150 mil pessoas viram-se obrigadas a abandonar o país. Em seguida deu um golpe na Igreja Católica,
submetendo-a à sua autoridade e obrigando o clero francês a pagar impostos ao rei. Essas medidas visavam rea-
firmar a autoridade real perante a população francesa.
A economia e as finanças estavam a cargo do ministro Jean-Baptiste Colbert, membro ligado à burguesia,
que governava junto ao monarca. Sua política mercantilista visava a autossuficiência do país com uma balança
comercial favorável. Para isso, Colbert lançou mão da concessão do monopólio de certos produtos a alguns fabri-
cantes bem-sucedidos; da vigilância estrita sobre todas as corporações de ofício; e da criação de manufaturas, de
propriedade da coroa, destinadas à produção e exportação de artigos de luxo, como cristais e tapeçarias.
A política externa de Luís XIV teve como principal característica as sucessivas guerras contra outros países
para preservar sua supremacia na Europa. Paralelamente aos gastos vultosos para a manutenção da corte, as fi-
nanças e a economia francesa foram arruinadas. Nos últimos anos do governo de Luís XIV e no reinado de Luís XV,
a crise do absolutismo só fez piorar e assumir proporções catastróficas no governo de Luís XVI, quando, em 1798,
o Antigo Regime foi destituído pela Revolução Francesa.

28
O Absolutismo na Inglaterra Morto Henrique VII, em 1509, o poder foi trans-
mitido ao seu filho Henrique VIII, cujos primeiros vinte

Na Inglaterra, a consolidação e o apogeu do abso- anos de reinado foram marcados pela continuidade da
lutismo ocorreram durante a dinastia Tudor (1485-1603), obra do pai, de um paulatino aumento do poder real.
que ascendera ao poder no final da Guerra das Duas Quando da Reforma Protestante, no entanto, a
Rosas (1455-1485). Nessa guerra civil, as duas mais po-
Inglaterra também foi envolvida e o processo de centra-
derosas famílias da nobreza inglesa – a família Lancaster,
lização do poder real acelerou-se. Henrique VIII utilizou
representada por uma rosa vermelha, e a família York, por
uma rosa branca – disputaram o poder. Os Lancaster, então de questões pessoais relacionadas ao seu casamento
no poder, representavam os interesses da velha nobreza para desencadear a Reforma anglicana, aumentar o
feudal; e os York, a nova nobreza aliada à burguesia. poder real e fazer praticamente desaparecer o poder
da Igreja Católica. Com o Ato de Supremacia, em 1534,
a questão da religião no país passou a ser atribuição
pessoal do rei, e os bens da Igreja Católica foram con-
fiscados, especialmente as terras dos mosteiros.

A dinastia Tudor
Sob Henrique VIII, o Parlamento foi astutamente
Terminada a guerra, Henrique Tudor, descenden- controlado. O monarca interferia nas eleições e lotava
te dos Lancaster, casou-se com Elizabeth, de York, unin- o legislativo com seus próprios apaniguados; adulava,
do sob sua direção as duas famílias. lisonjeava ou amedrontava seus membros, conforme
Quase todo o período inicial do governo dessa exigisse a situação, a fim de obter seu apoio.
dinastia foi de relativa tranquilidade. A preocupação
Em 1547 subiu ao poder Eduardo VI, filho de
dominante durante o reinado de Henrique VII foi a
Henrique VIII com sua terceira esposa, Jane Seymour.
reconstrução do reino. A autoridade do rei fortaleceu-
-se com certa facilidade, dada a fragilidade da nobreza Durante seu curto reinado (1547-1553), o poder na In-
e o apoio popular a um governo estável, depois de um glaterra esteve virtualmente nas mãos do Conselho Pri-
período de trinta anos de guerra. vado, órgão consultivo de confiança do rei e controlado
pelo protestante duque de Somersert.
Com a morte de Eduardo VI, em 1553, vítima
de tuberculose aos 16 anos, subiu ao trono sua irmã,
Maria Tudor (Maria I). Católica fanática, imprimiu ao
governo uma nova orientação religiosa: revogou o Ato
de Supremacia instituído por seu pai, Henrique VIII e
promoveu intensa perseguição aos anglicanos e calvi-
nistas (puritanos), o que lhe rendeu o apelido de Maria
“Sanguinária” (Bloody Mary). Seu reinado foi ponti-
lhado de assassinatos e execuções. Em 1554 casou-se
com Filipe II, rei da Espanha, tradicional concorrente e
Henrique VII
rival da Inglaterra. Esse fato provocou em toda a Ingla-
Essa autoridade, no entanto, sempre esbarra-
terra movimentos de repulsa contra a Igreja Católica e
va no Parlamento, notadamente quando se tratava de
questões financeiras. Para decretar novos impostos, o contra a Espanha. Maria I morreu em 1558 e deu lugar
rei era obrigado a convocar o Parlamento, que tradicio- à sua meia irmã, Elizabeth I, fruto do casamento de
nalmente poderia aceitar ou não suas propostas. Henrique VIII com Ana Bolena.

29
tráfico de escravos negros da costa da África para a
América. Houve também a busca de colônias, objetivo
que se concretizou com a fundação da primeira colônia
inglesa na América do Norte, a Virgínia.
Setores da nobreza passaram a produzir para
vender no mercado, dando origem à nobreza progres-
sista, a gentry, cuja finalidade básica era ampliar as
áreas de pastagem, o que a levou, com o apoio do go-
verno inglês, a cercar as terras comunais usadas pelos
camponeses pobres que foram expulsos da terra, por
Elizabeth I causa do crescimento dos rebanhos de ovelhas. A agri-

Elizabeth I representou poderoso estímulo cultura inglesa perdeu suas características de agricultu-

para o fortalecimento do poder real, quando o absolu- ra feudal – produção de subsistência – e transformou-

tismo na Inglaterra alcançou seu apogeu. Seu reinado -se em agricultura capitalista com interesses ligados

(1558-1603) é apontado como a Idade de Ouro da his- ao comércio. O resultado desse fenômeno, conhecido

tória inglesa. Uma das primeiras medidas de Elizabeth como “cercamentos” (enclosures) foi uma multidão

I foi reorganizar a religião na Inglaterra, tornando o de camponeses sem terra, famintos e miseráveis que se

anglicanismo a religião oficial. A política de persegui- concentravam nas cidades inglesas. Criavam-se assim
ções religiosas teve continuidade – embora em menor as condições favoráveis para o desenvolvimento do tra-
intensidade, agora voltada contra puritanos e católicos. balho assalariado e das manufaturas.
Durante todo o reinado de Elizabeth I, o Parla- Em 1601, pretendendo exercer mais controle so-
mento mostrou-se dócil e submisso. A Câmara dos Lor- bre os pobres ingleses, Elizabeth I assinou a famosa “Lei
des, ainda sob influência dos católicos, era o setor que dos Pobres” (Poor Law), que os obrigava a trabalhar em
poderia oferecer alguma resistência. Elizabeth I, com a “oficinas de caridade”, que abasteciam de mão-de-obra
habilidade política que lhe era peculiar, manobrou no barata todas as manufaturas inglesas.
sentido de promover uma lenta reforma nessa câma- Durante o reinado de Elizabeth I houve a tentativa
ra até dominá-la com membros fiéis ao anglicanismo e de invasão e domínio da Inglaterra pela chamada “Inven-
oriundos da nova nobreza. cível Armada” espanhola. Tomado de fúria em razão dos
Nesse período, a política econômica da Inglater- ataques ao comércio espanhol, por parte dos navios cor-
ra foi ditada pelas teorias mercantilistas. Por volta de sários ingleses, e frustrado pelo fracasso de seus planos
1570 desenvolveu-se a manufatura de tecidos de lã para trazer a Inglaterra de volta à fé católica, o rei Filipe
e ocorreu um incremento da exploração das minas de II da Espanha enviou, em 1588, uma poderosa esquadra
carvão. O comércio internacional desenvolveu-se inten- para destruir a esquadra da rainha Elizabeth I e invadir
samente, estimulando a construção naval. O avanço a Inglaterra. Mas o rei desconhecia as novas técnicas de
da pirataria, legitimada pelo Estado (os corsários), guerra naval ou do robusto patriotismo dos ingleses.
sobre o império colonial espanhol e português trouxe Uma combinação de perícia militar e de tempestades
enormes lucros. A formação de companhias regulamen- desastrosas (“Vento Protestante”) levou muitos de seus
tadas, como a Companhia Inglesa das Índias Orientais, 130 navios para o fundo do canal da Mancha. Os res-
organizou a exploração comercial e principalmente o tantes debandaram de volta à Espanha.

30
“Spanish Armada”, de James de Loutherbourg.

Em 1603, com a morte da rainha que não deixou herdeiros, iniciou-se o reinado da dinastia Stuart, caracte-
rizado pela crise do absolutismo e pelas revoluções inglesas do século XVII.

O Mercantilismo
Trata-se de uma política econômica dos Estados Modernos Europeus, política essa que acompanhou o perí-
odo de formação das monarquias nacionais e atingiu seu apogeu com a monarquia absolutista.

Objetivos
Práticas econômicas executadas pelo Estado nacional com o objetivo de auferir ganhos e promover o forta-
lecimento do Estado. No entanto, como contava com a burguesia para executar a política econômica, favorecia o
enriquecimento e, paralelamente, o ganho de poder dessa nova classe social.
A política econômica mercantilista foi a expressão da busca de poder e riqueza pelo Estado nacional. No
início da Idade Moderna, os Estados europeus viviam em lutas pelo domínio do comércio mundial e das colônias.
Os Estados nacionais necessitavam, entre outras razões, de formar exércitos e marinhas poderosos. Para fortalecer
o tesouro real com o aumento de impostos, era preciso desenvolver o comércio e as manufaturas. À medida que se
processava esse desenvolvimento, a burguesia, sua beneficiária, enriquecia.
O mercantilismo exprimia a aliança entre os Reis e a burguesia pela unificação e desenvolvimento do
poderio nacional. Foram as regulamentações mercantilistas, com seu rígido controle sobre a economia, que promo-
veram o processo de acumulação de capitais pela burguesia.

31
Características obrigar a colônia a adquirir produtos manufa-
turados da metrópole ao preço que ela determi-
A política econômica mercantilista executada nasse. A essa relação desigual entre metrópole
pelos países de então apresentava uma série de ca-
e colônia deu-se o nome de pacto colonial, me-
racterísticas comuns.
diante o qual a balança comercial ficava sempre
§§ Metalismo – a riqueza de um país media-se
favorável à metrópole.
pela quantidade de metais preciosos dentro de
suas fronteiras. Quanto mais ouro e prata hou- §§ Monopólios – graças ao pacto colonial, somen-
vesse no país, mais rico e poderoso ele seria. te a metrópole poderia comerciar com seus domí-
Com metais preciosos, os governos compravam nios. O monopólio era condição fundamental para
armas, contratavam soldados, construíam navios,
o desenvolvimento do comércio e das manufatu-
pagavam funcionários e custeavam as guerras.
ras, uma vez que constituía a única forma possível
Para acumularem os metais preciosos, era preci-
so não só impedir a saída de ouro e prata, mas de realizar grandes empreendimentos. Os capitais

provocar sua entrada. uniam-se para controlar com exclusividade um

§§ Balança comercial favorável – esse princípio ramo da produção manufatureira, o comércio de


mercantilista está intimamente ligado ao ante- uma localidade ou o comércio colonial. O mono-
rior. Consiste em vender mercadorias pelo maior pólio, no entanto, pertencia ao Estado que, em
valor possível para o exterior e comprar pelo me- troca de pagamento, transferia-o aos burgueses.
nor valor. O valor total das exportações deveria
§§ Intervencionismo estatal – visava o fortale-
sempre superar o das importações. Essa era uma
das formas de um país provocar a entrada de cimento do poder nacional. O Estado intervinha
metais preciosos e de se promover o metalismo. na economia mediante incentivo e proteção das
§§ Protecionismo – para manter uma balança manufaturas, altas tarifas alfandegárias e garan-
comercial favorável, o Estado nacional deveria tia dos monopólios, da fixação de uma política
incentivar as exportações observando uma série de controle sobre os salários, os preços e a qua-
de medidas: desvalorização da moeda, proibição
lidade das mercadorias.
da exportação de matérias-primas e, principal-
O renascimento da escravidão na época moder-
mente, desestímulo às importações, cujas tarifas
alfandegárias deveriam ser sobretaxadas e caras na movimentava grande quantidade de capitais, por isso
para o consumidor nacional. mesmo, era uma importante fonte de aceleração da acu-
§§ Sistema colonial (colonialismo) – com o mulação primitiva de capital, que, ao lado dos demais fa-
objetivo de fortalecer o Estado nacional e, con- tores, compunha a etapa de constituição do capitalismo.
sequentemente, o poder do rei, alguns países
lançaram-se nos séculos XV e XVI à conquista
de novas terras a fim de fazer crescer suas fon-
Tipos de mercantilismo
tes de riquezas. Essa era a função fundamental
A prática do mercantilismo na Europa ocidental
das colônias da América e da África: enriquecer
dos séculos XVI e XVII obedeceu às condições específi-
as metrópoles. Das colônias, as metrópoles po-
deriam retirar as mercadorias de que necessitas- cas de cada país mediante as quais cada um procurava

sem, metais preciosos e produtos tropicais, e ao aumentar a riqueza nacional e é característica prepon-
preço que quisessem. Paralelamente poderiam derante daquele mercantilismo adotado.

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Mercantilismo espanhol (Bulionismo)
No século XVI, a Espanha conquistou vasto im-
pério colonial. Grandes quantidades de ouro e prata
provenientes do Peru e do México chegavam à Metró-
pole, o que lhe trouxe duas graves consequências: de-
sinteresse pelas atividades industriais e agrárias, ocasio-
nando queda na produção; inflação generalizada,
resultado da alta vertiginosa do preço das mercadorias
em escassez, conhecida como Revolução dos Preços.
Obrigada a importar manufaturados, a Espanha transfe-
riu essa inflação para toda a Europa. “Exploração do México”. Mural, de Diego Rivera.

Mercantilismo francês (Colbertismo)


De acordo com as concepções de sua época, Col-
bert, ministro das finanças de Luís XIV, buscou fazer a
riqueza da França com a acumulação de metais precio-
sos obtidos de uma balança comercial favorável. Para
isso, procurou tornar o país economicamente autossufi-
ciente, proibiu ou inibiu as importações com elevadas
tarifas alfandegárias e incentivou as exportações de ar-
tigos de luxo – tecidos de seda, cristais, porcelana e ta-
peçaria. Sua política econômica também buscava acele-
rar o desenvolvimento industrial na França com a criação
das manufaturas reais e de grandes companhias comer-
“Um porto marítimo francês, no auge do mercantilismo” (1638),
ciais, a concessão de monopólios estatais, a subvenção de Claude Lorrain.
à produção de artigos de luxo e a conquista de colônias.

Mercantilismo inglês
No século XVII, o mercantilismo inglês era fundamentalmente comercial e industrial. A indústria têxtil era a
mais importante das atividades exportadoras do país. Em razão disso, o Estado proibiu a exportação de lã e elevou
as taxas aduaneiras para impedir a concorrência dos tecidos franceses e holandeses.
A ideia mercantilista de comprar barato e vender caro vigorou na Inglaterra de vários modos: ganhos no
frete, estímulo à indústria de construção naval e, principalmente, formação de grandes companhias de comércio
privilegiadas pelo Estado.

Mercantilismo dos Países Baixos


Por volta do século XVII, os Países Baixos eram o modelo do Estado capitalista. A partir de 1615, grandes
possessões espanholas na Ásia foram dominadas pela Holanda.
Na América, os holandeses ocuparam colônias na região das Antilhas, onde organizaram grandes planta-
ções de cana-de-açúcar. Além de dominarem intensamente o comércio colonial, os Países Baixos eram importantes
regiões manufatureiras de tecidos. Ali surgiram as primeiras instituições financeiras.

33
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR

Filme O Homem da Máscara de Ferro

No século XVII, o cruel Luís XIV (Leonardo DiCaprio) manda clandes-


tinamente para a masmorra o irmão gêmeo que ninguém sabe existir, para
tomar o poder. Mas o mosqueteiro Aramis (Jeremy Irons) descobre o segredo
e convence seus companheiros a salvar o prisioneiro.

Filme A Morte de Luís XIV

No ano de 1715, mais especificamente no mês de agosto, o monarca Luís XIV


(Jean-Pierre Léaud) começa a sentir dores na perna. Ele continua a exercer suas
funções nos dias seguintes, mas passa a ter sonos intranquilos, além de problemas
com alimentação e febre. Cada dia mais fraco, acompanhamos os lentos e últimos
dias da sua vida.

Filme Mary Stuart, Rainha da Escócia

Mary Stuart (Katharine Hepburn) assume o trono da Escócia para a repugnância


da Rainha da Inglaterra Elizabeth I (Florence Eldridge). Em meio a um grande
burburinho sobre seu possível marido, Mary escolhe o Lorde Darnley (Douglas
Walton) ao invés do Conde de Bothwell (Fredric March). Um golpe político leva à
guerra civil e a rainha escocesa deverá arcar com duras consequências.

Filme Vanity Fair

Vanity Fair (Feira das Vaidades ou A Feira das Vaidades) é um filme de drama e
romance de 2004, dirigido por Mira Nair, adaptado da obra homônima de William
Makepeace Thackeray (1847 - 1848). Esta versão, que é estrelada por Reese
Witherspoon como Becky Sharp, tem alterações substanciais, incluindo um final feliz.
O filme foi nomeado para o Leão de Ouro em 2004 no Festival de Veneza.

34
LER

Livros
Ivanhoe - “Sir” Walter Scott

Ivanhoe ou Ivanhoé é um romance do escritor escocês Walter Scott,


publicado em 1820. Narra a luta entre saxões e normandos e as
intrigas de João Sem Terra para destronar Ricardo Coração de Leão.
É considerado o primeiro romance histórico do Romantismo.

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INTERDISCIPLINARIDADE

Um dos componentes do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é o PIB per capita. Sendo o PIB (Y)
toda a riqueza produzida por um país em um ano, o indicador PIB per capita é a divisão do PIB pelo número de
habitantes desse país.
Ao observarmos a equação da Renda Nacional, ou PIB, vemos que há um componente (X–Z), que representa
a Balança Comercial da nação. Tal componente estava presente no mercantilismo, pelo que se denomina de Balança
Comercial Favorável (X>Z), que consiste em o Estado exportar (vender) mais do que importar (comprar), alcançando
um superávit e possibilitando, assim, o acúmulo de metais. Para alcançar este quadro, os estados elevavam as barreiras
alfandegárias, ou as tarifas/impostos sobre importações, tornando-as mais difíceis e as desestimulando; a esta prática nós
chamamos de Protecionismo.

Y = DA = C + I + G + X - Z
EM QUE:
Y = Renda Nacional
DA = Demanda Agregada
C = Consumo das Famílias
I = Investimento dos Empresários
G = Gastos do Governo
X = Exportações e Z = Importações

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CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 11 - Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.

A Habilidade 11 requer dos candidatos interpretação de textos, imagens e fontes documentais em


geral. No caso especificamente tratado, refere-se a um fragmento de uma obra biográfica que não
abre mão de discutir o ambiente histórico do músico biografado Mozart.
O aluno deve ater-se ao texto, além de compreender a estrutura sociológica e a estrati-
ficação política do período. Evidentemente, a obra trata do período do Antigo Regime, quando
havia uma estratificação social estamental da sociedade, que era dividida entre clero, nobreza e o
terceiro Estado (composto por servos, artesãos, artistas, burgueses etc.).
É muito comum, como fora dito, a presença de um texto de suporte para a construção da
questão. Cabe ao candidato interpretá-los à fim de assinalar a alternativa correta.

Modelo
(Enem) O que chamamos de corte principesca era, essencialmente, o palácio do príncipe. Os mú-
sicos eram tão indispensáveis nesses grandes palácios quanto os pasteleiros, os cozinheiros e os
criados. Eles eram o que se chamava, um tanto pejorativamente, de criados de libré. A maior parte
dos músicos ficava satisfeita quando tinha garantida a subsistência, como acontecia com as outras
pessoas de “classe média” na corte; entre os que não se satisfaziam, estava o pai de Mozart. Mas
ele também se curvou às circunstâncias a que não podia escapar.
Adaptado de: Norbert Elias. Mozart: sociologia de um gênio. Jorge Zahar, 1995, p. 18.

Considerando-se que a sociedade do Antigo Regime dividia-se tradicionalmente em estamentos:


nobreza, clero e terceiro Estado, é correto afirmar que o autor do texto, ao fazer referência à “clas-
se média”, descreve a sociedade utilizando a noção posterior de classe social, a fim de:
a) aproximar da nobreza cortesã a condição de classe dos músicos, que pertenciam ao terceiro Estado.
b) destacar a consciência de classe que possuíam os músicos, ao contrário dos demais trabalhadores manu-
ais.
c) indicar que os músicos se encontravam na mesma situação que os demais membros do terceiro Estado.
d) distinguir, dentro do terceiro Estado, as condições em que viviam os “criados de libré” e os camponeses.
e) comprovar a existência, no interior da corte, de uma luta de classes entre os trabalhadores manuais.

37
Análise Expositiva

Habilidade 11
A alternativa [C] é a única resposta possível, a partir da ideia de que o terceiro Estado era
formado majoritariamente pelas camadas populares que viviam em situação de pobreza, as-
sim como os músicos da corte, forçados a aceitar uma situação na qual os serviços eram pagos
com alimentação e moradia. No entanto, vale lembrar que a burguesia, inclusive os setores
mais ricos, também eram membros do terceiro Estado.
Alternativa C

Estrutura Conceitual

ANTIGO REGIME
ABSOLUTISMO E MERCANTILISMO

1 ABSOLUTISMO

Estado Moderno Características


◊ Aliança entre rei e burguesia
◊ Unificação territorial
◊ Controle do comércio
Processo gradual ◊ Cobrança de impostos
de centralização do séculos XVI-XVII ◊ Moeda nacional
poder monárquico ◊ Organização da burocracia estatal
◊ Exército nacional

Absolutismo Características
Rei com poder ilimitado e inquestionável ◊ Controle da religião
◊ Controle da nobreza
Teóricos ◊ Fortalecimento militar
Nicolau Maquiavel - O príncipe ◊ Colonialismo
Jacques Bossuet - Ligação divina ◊ Mercantilismo
Jean Bodin - Seis livros da República
Thomas Hobbes - Leviatã

38
ABSOLUTISMO NA FRANÇA

◊ Guerras religiosas
Dinastia Valois ◊ Católicos x Huguenotes

Dinastia Bourbon

◊ Edito de Nantes (1598)


Henrique IV ◊ Converte-se ao catolicismo

Luís XIII e primeiro-ministro ◊ Organiza burocracia estatal


Cardeal Richeliev ◊ Centraliza o poder

◊ Revoga o Edito de Nantes


◊ Submete a Igreja ao Estado
Luís XIV
◊ Aproxima-se da burguesia (colbertismo)
(o rei Sol) ◊ Custeia a nobreza
◊ Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

ABSOLUTISMO NA INGLATERRA
Antecedentes
Guerra das Duas Rosas (1455-1485)
Lancaster (Rosa Vermelha) York (Rosa Branca)
Velha nobreza Nova nobreza e burguesia
Henrique VII se casa com Elizabeth

DINASTIA TUDOR (1485-1603)


Henrique VII
◊ Submete o parlamento ao poder real
(1485-1509)

◊ Ato de Supremacia (1534)


Henrique VIII
◊ Controle do parlamento
(1509-1547) ◊ Início do absolutismo inglês

Maria Tudor ◊ Rainha católica


(1553-1558) ◊ Reprime puritanos e anglicanos

◊ Anglicanismo retorna como religião oficial


◊ Controla o parlamento
Elizabeth I ◊ Funda colônia na América do Norte
(1558-1605) ◊ Lei dos Cercamentos
◊ Vence a “Invencível” Armada Espanhola
◊ Estimula atividade corsária

MERCANTILISMO
2 Política econômica do Estado moderno europeu

Características Tipos de mercantilismo


◊ Metalismo ◊ Espanha: bulionismo
◊ Balança comercial favorável ◊ França: colbertismo
◊ Protecionismo ◊ Inglaterra: indústria têxtil e comércio
◊ Sistema colonial (Colonialismo) ◊ Países baixos: comércio e produção de tecidos
◊ Monopólio
◊ Intervenção estatal

39
23 24
Revoluções inglesas do século
XVII e Revolução Industrial

Competências Habilidades
1, 2, 3, 4, 5 e 6 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,
10, 11, 12, 13, 14, 15,
16, 17, 18, 19, 20, 22,
23, 24, 25, 26, 27 e 28

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-
H8
-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferen-
tes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favo-
recendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
Revoluções inglesas do século XVII: antecedentes
O Estado absolutista inglês e a política econômica mercantilista foram os principais responsáveis pelo grande
desenvolvimento econômico alcançado pela Inglaterra, ao lado da Reforma Anglicana, consolidada pelo Ato de Su-
premacia, em 1534, por Henrique VIII (1509-1547). Elisabeth I (1557-1603) deu continuidade à política de seu pai,
intensificando e ampliando as práticas mercantilistas. Enraizou a autoridade da Igreja Anglicana subordinada ao mo-
narca, bem como deu início à colonização da América, em 1584, com a fundação da colônia de Virgínia, por iniciativa
de Sir Walter Raleigh. A rainha incentivou ainda os negócios comerciais marítimos e a atividade corsária contra navios
espanhóis que transportavam metais preciosos extraídos de suas colônias na América.
A atividade corsária contra navios espanhóis levou à ira o rei Felipe II, que organizou uma frota naval em 1588
com os objetivos de derrotar a Inglaterra, destruir sua marinha e confirmar a hegemonia espanhola. A frota espanhola
ficou conhecida como “Invencível Armada” e contava com o apoio de navios portugueses, uma vez que o Estado lusi-
tano estava subordinado à Espanha em virtude da União Ibérica (1580-1640). Todavia, contra todos os prognósticos,
a Invencível Armada espanhola foi derrotada pela força britânica, que passou a ter a hegemonia dos mares.
O desenvolvimento econômico trouxe prosperidade para os grupos mercantis ingleses: burguesia comercial
e financeira, armadores, nobres enriquecidos com a política dos “cercamentos” e corsários. Todos esses ocupavam
cargos importantes, nomeados pelo próprio governo, e passaram a buscar maior participação política via Parlamento.
No seio desses grupos mercantis, crescia a religião puritana, mais sintonizada com os anseios burgueses. Já
entre a nobreza tradicional, prevaleciam o catolicismo e o anglicanismo.
Em 1603, com a morte da rainha Elisabeth I, deu-se o fim da dinastia Tudor, uma vez que a rainha não deixou
herdeiros. Em virtude do parentesco, o trono inglês foi entregue ao rei da Escócia, Jaime I, que deu início à dinastia Stuart.

Dinastia Stuart
O governo de Jaime I (1603-1625) foi marcado por conturbações políticas e religiosas, constantes atritos
com o Parlamento, com a burguesia puritana e com a nobreza católica.
O novo monarca inglês defendeu a implantação de um regime absolutista fundamentado na Teoria do
Direito Divino e se aliou à nobreza anglicana como forma de viabilizar seu fortalecimento político. Os resultados
foram intensos confrontos com o Parlamento, que o renegava por sua nacionalidade escocesa, violentas persegui-
ções a católicos e puritanos, que incentivaram a emigração dos puritanos para a América, a partir de 1603, e a
fundação das primeiras colônias de povoamento na região conhecida por Nova Inglaterra.

Jaime I

O sucessor de Jaime I, seu filho Carlos I (1625-1648), manteve e aprofundou a política instituída por seu pai,
intensificando os conflitos, especialmente com o Parlamento, majoritariamente burguês e puritano. Em razão des-
ses conflitos, notadamente da tentativa de limitar o poder do rei de implantar novos impostos, o monarca dissolveu
o parlamento em 1629. O Parlamento só foi reaberto em 1640, quando Carlos I o convocou com o intuito de obter
apoio para a aprovação de mais recursos para o exército, que lutava contra revoltosos presbiterianos escoceses.

43
poder, ele proclamou a queda da monarquia e a instala-
ção do regime republicano. O rei Carlos I foi preso e exe-
cutado, selando a vitória da Revolução Puritana (1649).

Cromwell e o Exército de Novo Tipo


Com a participação de Cromwell, o Parlamento
formou o Exército de Novo Tipo, que conseguiu derro-
tar as forças realistas.
Carlos I
O elmo arrendondado deu origem ao apelido
Reaberto o Parlamento, ocorreram fortes mani- dos membros do Exército de Novo Tipo.
festações dos deputados contra as ações do rei e sua Oliver Cromwell auxiliou na formação de um
insistência com a política absolutista. Os deputados exército como defesa do Parlamento, no contexto da
tentaram ainda obrigar o rei a assinar a Petição dos Guerra Civil Inglesa, também conhecida como Revolu-
Direitos rejeitado pelo monarca em 1629. Segundo o ção Puritana. O chamado Exército de Novo Tipo (New
documento, os cidadãos adquiriam garantias contra no- Model Army) era uma inovação na organização das
vos impostos e prisões arbitrárias. Novamente, Carlos I tropas em relação aos exércitos feudais.
tentou fechar o Parlamento. Dessa vez, no entanto, foi Os membros desse exército também eram co-
impedido pelos deputados e pela população de Londres. nhecidos como cabeças redondas (round-heads) em
decorrência do elmo (capacete) de metal de formato
arredondado usado pelos soldados.
Revolução puritana ou guerra
civil inglesa (1642-1649)
O desfecho da situação criada por Carlos I mobi-
lizou os cavaleiros, e os “cabeças redondas”. Cavaleiros
foi a denominação dada às tropas reais, composta de ca-
tólicos e principalmente de anglicanos ligados à nobreza A escolha de oficiais e cavaleiros baseava-se no
tradicional, que defendiam o regime absolutista. Já os mérito, não nos títulos de nobreza, o que proporcio-
“cabeças redondas” eram constituídos por parlamen- nava à organização maior participação popular. Os
tares, burgueses, puritanos e uma pequena parcela da comitês que tomavam as decisões franqueavam ao
nobreza mais progressista todos ligados aos interesses soldados certa abertura. Com essa estrutura militar,
os soldados tiveram mais contato com as questões
do capitalismo comercial.
políticas, o que contribuiu para a formação de uma
No início da Guerra Civil, os “cabeças redondas”
consciência mais profunda sobre os motivos da luta.
contaram com o apoio de grupos radicais: os levellers
Disponível em: <mundoeducacao.com/historiageral/cromwell>.
(niveladores) e os diggers (cavadores). Os levellers pre-
tendiam “nivelar” as condições sociais na Inglaterra.
Defendiam a população pobre das cidades e do campo
e exigiam completa liberdade religiosa e igualdade ju-
rídica. Os diggers, por sua vez, opunham-se à proprie-
A República Puritana
dade privada do solo e exigiam que as terras da Coroa,
os terrenos comunais e ociosos fossem cultivados pelos
(1649-1658)
pobres. Ficaram assim conhecidos ao se instalaram num
A ascensão de Oliver Cromwell consolidou o re-
terreno não aproveitado onde puseram-se a preparar a
gime republicano na Inglaterra com o apoio do Parla-
terra (to dig: cavar) para a semeadura.
Liderados por Oliver Cromwell, os “cabeças re- mento majoritariamente puritano. O novo regime nascia
dondas” obtiveram seguidas vitórias que propiciaram a com o apoio do exército e da burguesia e com compro-
vitória na Guerra Civil. Com a ascensão de Cromwell ao misso de consolidar o capitalismo britânico.

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Ainda em 1649, o Exército da jovem República Desde 1653 até sua morte, Cromwell governou
viu-se ameaçado por uma rebelião católica na Irlanda, como um verdadeiro ditador. Dividiu a Inglaterra em 12
favorável ao retorno do absolutismo. Cromwell esma- províncias e entregou o governo de cada uma delas a
gou essa rebelião com mão de ferro, confiscou as terras um militar. Dissolveu quatro parlamentos nesse período.
dos católicos irlandeses e entregou-as aos protestantes. Eliminou grupos radicais, executou os principais líderes
Foi também impiedoso com as tentativas de separação niveladores, dizimou os cavadores e promoveu uma
por parte da Escócia. violenta repressão contra os católicos irlandeses. Sua
Extremamente poderoso e com grande prestígio política também foi marcada pelo puritanismo radical,
entre os militares e puritanos fanáticos, Cromwell desen- a ponto de criar uma espécie de política dos costumes,
cadeou uma onda de “nacionalismo” extremado. Fez de que proibia os bailes e qualquer atitude considerada
si mesmo a imagem desse “nacionalismo”, declarando- mundana, em preparação às medidas disciplinares de
-se, em 1651, Lorde Protetor da Comunidade Britânica
educação dos trabalhadores ingleses.
(Inglaterra, Escócia e Irlanda). Commoonwealth, a ideia
de comunidade britânica, foi retomada quase um século
depois, quando a Inglaterra montava seu império.
O retorno da dinastia
Stuart (1660-1688)
Com a morte de Oliver Cromwell, em 1658, seu
filho Richard, assumiu o cargo de Lorde Protetor. Sem o
reconhecimento do exército, não tinha condições polí-
ticas de continuar a exercer o poder. Foi destituído e o
Parlamento convocado a legitimar o poder dos generais.
Com o crescimento da mobilização das camadas popu-
lares, as elites assustadas começaram a articular a res-
tauração da monarquia. Em 1660, Carlos II, filho do rei
decapitado, Carlos I, por meio da Declaração de Breda,
prometeu governar mantendo a tolerância religiosa e
respeitando o Parlamento e as relações de propriedade.
Com apoio de Luís XIV, o rei Sol, da França, Carlos II
converteu-se publicamente ao catolicismo, provocando
o descontentamento da população e a retomada da
luta por parte do Parlamento, que em 1679 aprovou o
Oliver Cromwell
Habeas Corpus, garantindo aos cidadãos segurança em
Em 1651 foram promulgados os Atos de Na- face dos supostos abusos do governo. Publicado o Ato
vegação cujos objetivos eram consolidar e incrementar de Exclusão, ficou impedido a qualquer católico exercer
o capitalismo comercial inglês, determinando que toda funções públicas, incluindo a de rei.
mercadoria comercializada nos portos ingleses fosse Em todos os níveis, a nação e o Parlamento viam
transportada por navios ingleses. Essa medida visava com desconfiança as tendências absolutistas de Carlos
fortalecer a marinha e o comércio naval da Inglaterra ao II, que muitas vezes havia repetido a frase do francês Ja-
mesmo tempo que limitava a participação econômica cques Bossuet: “Os reis são, com justiça, chamados de
e o poder mercantil dos holandeses. Isso desencadeou Deus...“. Na Inglaterra, em virtude das condições polí-
uma guerra entre Inglaterra e Holanda, entre os anos ticas do Parlamento, os reis sempre gozaram do poder
de 1652 a 1654, da qual a Inglaterra saiu vencedora,
absolutista sem se declararem como tal, ao que os histo-
consolidando sua hegemonia naval.
riadores chamaram de “absolutismo consentido”.

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A Revolução Gloriosa
(1688-1689)

Carlos II
Com a morte de Carlos II (1685), subiu ao trono
seu irmão, o católico Jaime II, que procurou novamente
conduzir o país para o catolicismo, fortalecendo seu po-
der mediante o absolutismo, em prejuízo do Parlamento.
Puniu com rigor quem se revoltava contra o seu
governo, negando-lhes o direito de Habeas corpus. Des-
respeitou o Ato de Exclusão, nomeando católicos para Guilherme III e Maria Stuart.

funções importantes no governo. Em virtude de proble-


mas como esses, a Inglaterra passou a viver uma situação Entretanto, em acordo secreto com Guilherme
de agravante convulsão social em face das aspirações de Orange1, príncipe da Holanda e genro de Jaime II,
absolutistas mais pretensiosas que as de Carlos II alimen- o Parlamento, dominado pela burguesia puritana, mo-
tadas por Jaime II. bilizou-se contra o rei, visando entregar o poder a Gui-
lherme. As tropas abandonaram Jaime II e em junho de
1688 Guilherme de Orange era feito rei com o nome de
Guilherme III. Esse episódio ficou conhecido na história
como Revolução Gloriosa.
Sem derramamento de sangue e representando
um compromisso de classe entre os grandes proprietários
rurais e a burguesia inglesa, a Revolução Gloriosa margi-
nalizava o povo, além de mostrar que, para acabar com o
absolutismo, não era necessária a eliminação da figura do
rei, desde que ele aceitasse submeter-se às decisões do
Parlamento. Representando a transição política de uma
Jaime II monarquia que insistia em se autoproclamar absolutista
A burguesia inglesa temia a perda do seu poder e para uma Monarquia parlamentar, a Revolução Gloriosa
o desencadeamento de uma rebelião armada que levasse inaugurava a atual política inglesa, cujo poder real está
a situação como a que chegou o governo ditatorial de submetido ao Parlamento. A partir de então, passou a
Oliver Cromwell. A esperança era que o rei morresse, e prevalecer na Inglaterra o princípio de que “o rei reina,
uma de suas filhas protestantes assumisse o poder. Mas mas não governa”.
o rei teve um filho homem, o que garantiria a sucessão Preocupado com qualquer possibilidade de ser
católica ao trono. Os problemas prometiam continuar. restaurada a autoridade absoluta do rei, o Parlamento
promulgou, em 1689, a Declaração de Direitos (Bill
of Rights), que foi aceita pelo rei em 1689 e marcou

1. Guilherme de Orange, príncipe protestante da Holanda, era casado com a


também protestante Maria Stuart, filha mais velha de Jaime II

46
o fim do choque entre rei e Parlamento. Essa declara-
ção eliminava a censura política e reafirmava o direito
A Revolução Industrial
exclusivo do Parlamento de estabelecer impostos e de
apresentar livremente petições. O recrutamento e a ma-
nutenção do exército somente seriam admitidos com a
aprovação do Parlamento. As reuniões parlamentares e
as eleições seriam regulares; o orçamento anual seria
votado pelo Parlamento; as contas reais seriam contro-
ladas por inspetores e os católicos seriam afastados da
sucessão. Em 1694 foi criado o Banco da Inglaterra,
com o que se organizou o tripé fundamental para o de-
senvolvimento do capitalismo na Inglaterra: Parlamen-
to, Tesouro e Banco da Inglaterra.

“Ferro e carvão” (1855-1860), de William Bell Scott.

Definição
As alterações no sistema produtivo a partir da
segunda metade do século XVIII e o surgimento de má-
quinas alteravam as relações dos trabalhadores com
a fabricação de produtos; suas relações com o ato do
trabalho ficaram conhecidas como Revolução Industrial.
A industrialização também contribuiu para a crise
do Antigo Regime, uma vez que as antigas divisões entre
clero, nobreza e povo não correspondiam à nova ordem
econômica. Mas fundamentalmente porque com as condi-
Declaração de Direitos (Bill of Rights) ções impostas pela industrialização nascente havia de ser
institucionalizado um aparato político e jurídico que desse
Com a Revolução Gloriosa, a burguesia inglesa
sustentação às novas condições de classe, de trabalho e
libertava-se do Estado absolutista, que com seu perma-
de acumulação e reprodução do capital. A burguesia, fun-
nente intervencionismo, benéfico numa determinada damental em diversos episódios políticos na vida europeia
fase de constituição do capitalismo, tornava-se agora desde o Renascimento Comercial, também se tornara uma
uma barreira para a continuidade da acumulação e in- classe social mais complexa, formada por grandes proprie-
cremento do capitalismo. Aliada à aristocracia rural, a tários, “financistas”, pequenos produtores e comerciantes.
burguesia, passou a exercer diretamente o poder polí- Surgiram os proletários – vendedores da força
tico pelo Parlamento, caracterizando a formação de um de trabalho – sem os quais as fábricas, mesmo com as
Estado liberal, adequado ao desenvolvimento do capi- máquinas, não tinham como funcionar; em contrapar-
talismo e que, conjugado a outros fatores, permitiria o tida, as distâncias sociais e econômicas entre eles e os
pioneirismo inglês na Revolução Industrial em meados industriais – donos das condições e dos meios de pro-
do século XVIII. dução – aumentavam. As áreas urbanas, onde passou a

47
se concentrar a população trabalhadora das sociedades para tingir, mais tarde, para tecer e, finalmente, para fiar.
industriais, tiveram um rápido crescimento, que ocorreu Surgiram assim verdadeiras fábricas, nas quais os traba-
de forma não planejada e deram origem a diversos pro- lhadores eram assalariados e não tinham mais controle
blemas sociais. sobre o produto de seu trabalho, uma vez que já não
Portanto, ao falar de Revolução Industrial, não se controlavam os meios de produção. A produtividade do
trata de um ato isolado: é um fenômeno que ultrapassa trabalho aumentou por causa da divisão social da pro-
recortes temporais e espaciais e tem desdobramentos dução, isto é, cada trabalhador realizava uma etapa na
que vão além de seu ponto inicial – fala-se em várias elaboração de um produto.
revoluções industriais em razão de impactos significati- A maquinofatura foi a etapa final. Nela, o
vos no sistema de produção causados pela introdução trabalhador estava submetido ao regime de funciona-
de novas tecnologias, em períodos diferentes. mento da máquina e à gerência direta do supervisor.
Com a introdução da máquina e a perda total da inde-
pendência dos trabalhadores consolidava-se o que se
Os antecedentes: artesanato denominou Revolução Industrial.
e manufatura
O pioneirismo inglês: fatores
Em meados do século XVIII, a Inglaterra era uma
grande potência econômica europeia formada em sua
expansão comercial e ultramarina. Graças ao processo
da acumulação primitiva do capital (acumulação
inicial historicamente determinada) obtida pelas ativi-
dades mercantis e da política econômica mercantilista,
a partir do grande aumento do consumo que exigiu
mais celeridade da produção, os ingleses tiveram neces-
sidade de investir em novas formas de produção a partir
da sua experiência com as manufaturas.
Nesse novo modo de produção, nas indústrias, as
máquinas, as instalações e o capital pertenciam a poucos,
O artesanato desenvolveu-se no fim da Idade aos chamados capitalistas; e uma grande massa de traba-
Média, com o Renascimento Comercial e Urbano, e defi- lhadores, que ao longo do processo de concentração dos
nia-se pela produção independente, na qual o produtor capitais nas mãos de alguns foram perdendo sua indepen-
tinha os meios de produção: instalações, ferramentas e dência, na medida em que perderam primeiro a matéria-
matéria-prima. Trabalhando em sua própria casa, o ar- -prima e depois, os instrumentos de trabalho, restando-lhes
tesão, sozinho ou com sua família, realizava todas as apenas a força de trabalho que eles vendem parcelada-
etapas da produção, da preparação da matéria-prima ao mente, apresentando-se no mercado para uma ação de
acabamento final. troca entre “iguais”: porque ambos portadores de merca-
A manufatura representou um estágio mais avan- doria a qual trocavam através de um ato de vontade: um
vende trabalho e outro compra. Em razão disso, o mercado
çado. Foi resultado da ampliação do consumo, o que levou
passou a ser o lugar privilegiado das relações capitalistas.
muitos artesãos a aumentarem sua produção, bem como
Nele, as relações sociais e jurídicas ganharam concretude.
muitos comerciantes a se dedicarem à produção. Nesse
Homens livres juridicamente desfrutavam do estatuto de
caso, o comerciante manufatureiro distribuía a matéria
cidadãos, vão livremente ao mercado para realizarem um
-prima para que os artesãos trabalhassem em suas ca- ato de vontade: trocar mercadorias. No entanto, o que não
sas, recebendo pelo trabalho um pagamento previamen- ficava transparente na troca capitalista era a desigualdade
te combinado. Gradativamente, o comerciante penetrou das trocas. Enquanto um troca sua força de trabalho, ex-
na produção. Primeiro, reuniu alguns artesãos mais es- pressa em horas trabalhadas, por uma determinada quan-
pecializados para dar acabamento aos tecidos, depois, tidade em dinheiro, outro, o dono do capital, paga-lhe.

48
O domínio inglês no comércio marítimo foi da introdução de novas técnicas na produção agrícola,
consolidado no século XVII com a adoção dos Atos de que permitiram o aumento significativo das colheitas e
Navegação de 1650 e 1651. Tomadas durante o go- da consequente oferta de alimentos.
verno de Cromwell, essas medidas asseguravam que
qualquer produto importado pelos ingleses só poderia
ser transportado por seus próprios navios ou pelas em-
barcações dos países que tivessem vendido a mercado-
ria. Outra medida concedia estímulos e empréstimos à
construção naval inglesa. Os Atos de Navegação tiveram
forte impacto no principal concorrente inglês da época,
a Holanda, que sucumbiu diante do poderio britânico.
Tratados comerciais que abriram mercados para os
produtos manufaturados britânicos foram essenciais para
a sua expansão econômica. Utilizando-se da persuasão di-
plomática e da força naval, os ingleses diversificavam seus
Charge ilustra a dominação do patrão sobre uma família operária
mercados e fontes de importação. Com isso, acelerou-se a Disponível em: <mundoeducacao.com/historiagéral>
produção manufatureira que procurava obter maiores lu-
cros com as negociações internacionais e com as colônias. Em outras palavras, havia uma grande popula-
Foi o caso do grande impacto na economia portuguesa com ção disponível para ocupar os postos de trabalho nas
o Tratado de Methuen, de 1703. Por ele, Portugal e suas fábricas que surgiram na Inglaterra: um grande volu-
colônias, dentre elas o Brasil, comprariam tecidos ingleses me de mão de obra a preço muito baixo satisfazia
e exportariam vinhos com impostos reduzidos, numa troca os interesses dos capitalistas que passavam a investir
muito vantajosa para os exportadores ingleses. na indústria, esperando obter grandes lucros.
No início do século XVIII, a Inglaterra consolida- Acrescente-se, aos fatores, o crescimento das
va-se como a principal economia europeia e, pratica- rotas comerciais inglesas que sustentava um mercado
mente, não vislumbrava, em médio prazo, ameaças ao consumidor em constante expansão.
seu poderio. O sistema financeiro inglês também acom- No campo político, desde a Revolução Glorio-
panhou esse desenvolvimento e passou a disponibilizar sa de 1688, prevalecia o princípio do liberalismo político
capitais para o financiamento de novas atividades não e econômico. O Parlamento tomava medidas que estimu-
mercantis. A atividade industrial configurou-se rapida- lavam a abertura econômica e reforçavam o papel dos
mente como a mais importante do país. Ela requeria no- burgueses como líderes dos processos econômicos. A
vas fontes de matéria-prima e de energia, que eram en- adoção do livre comércio, da não intervenção estatal nos
contradas em profusão no subsolo inglês, como carvão negócios ficou conhecida pela expressão laissez-faire.
e ferro; o algodão para as tecelagens era proveniente O estabelecimento de princípios naturais e ra-
das áreas coloniais, como os atuais Estados Unidos, e a cionais para explicar o mundo, de acordo com o pensa-
lã era encontrada nos campos britânicos e nas colônias. mento iluminista, impulsionou o surgimento da ciência
Por outro lado, os cercamentos (enclosures), a econômica, com o trabalho de Adam Smith (1723–
introdução de cercas em áreas rurais para criação de
1790). Foi um grande crítico da política mercantilista
ovelhas, matéria-prima da produção fabril de tecidos
que preconizava o controle das relações comerciais pelo
de lã, foram responsáveis pelo êxodo rural de milhares
Estado e defendia que a riqueza de uma nação estava
de pequenos proprietários que perderam suas terras. A
política de cercamentos iniciada no século XIII intensifi- associada aos interesses das pessoas; portanto, a livre
cara-se no século XVII graças à transformação das áreas iniciativa seria mais importante que a ação estatal
fundiárias comuns em propriedades privadas. A massa para promover o desenvolvimento econômico.
camponesa migrou para as cidades, sem emprego e sem Em poucos anos, com a ajuda do Parlamento
ocupação. Nesse período, houve crescimento demográ- que criou medidas de proteção para as novas invenções,
fico em virtude da diminuição da ocorrência de pestes e incrementou-se a indústria têxtil em expansão. A má-

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quina a vapor difundia-se rapidamente, e os teares A invenção da máquina de fiar por James Har-
mecânicos e hidráulicos, também inventados no últi- greaves, em 1767, permitiu a um só artesão fiar de 8 a
mo quartel do século XVIII, acoplados a ela, garantiram 80 fios de uma só vez, mas os fios eram finos e quebra-
mais eficiência e produtividade. diços. A water frame, inventada por Richard Arkwright,
No campo religioso, a ética calvinista estimu- em 1769, era muito econômica, porque era movida a
lava a acumulação de capital na medida em que trans- àgua, e seus fios eram finos e resistentes. Solucionado
formava o lucro, a poupança, a usura e o trabalho em o problema da fiação, um novo desequilíbrio apareceu:
virtudes, em pontes para a salvação. A burguesia calvi- sobravam fios e os artesãos não davam conta de tecer.
nista inglesa, portanto, procurava promover, na prática Com a invenção do tear mecânico por Edmund Cartwri-
econômica, as virtudes preconizadas por Calvino, como ght, em 1875, reequilibrou-se novamente a relação en-
a vida regrada, disciplinada, longe dos vícios, a dedica- tre fiação e tecelagem na indústria têxtil.
ção ao trabalho e a obediência. Ao legitimar e estimular Os novos industriais implantaram as unidades fa-
a acumulação de riquezas e enaltecer o trabalho, a ética bris em áreas próximas às minas de carvão e bem servidas
puritana também contribuiu para o advento da Revolu- de água corrente. Inicialmente, usou-se o carvão vegetal
ção Industrial na Inglaterra. para mover as máquinas a vapor. Mas os altos custos e o
processo lento de retirada das madeiras e suas transforma-

Características da ções em carvão não atendia às necessidades de energia


das indústrias. Em pouco tempo, na década de 1780 foi in-
Revolução Industrial troduzido maciçamente o uso do carvão mineral e métodos
de se purificar o ferro, dando-lhe caráter industrial.
As fibras de algodão vieram a ser as mais usadas
na fabricação de tecidos para as roupas. No início da
produção, os fabricantes esbarraram em um grande pro-
blema técnico para conseguir clarear as sementes das
bolas de algodão. Porém, em 1793, o problema foi re-
solvido com a construção de uma máquina que clareava
o algodão 50 vezes mais rápido do que se 50 pessoas
executassem essa tarefa simultaneamente.

A máquina a vapor não se limitou à esfera indus-


trial. Por volta de 1780, o vapor foi aplicado para mover
veículos. Em 1805, o norte-americano Robert Fulton
Tear mecânico revolucionou os meios de transporte ao apresentar os

50
navios a vapor. As viagens marítimas podiam ser impul-
sionadas por motores, sem dependerem exclusivamente
O crescimento das cidades e as
dos ventos ou de remos. As viagens fluviais ganhavam precárias condições dos operários
novo impulso, encurtando distâncias e trazendo mais
rapidez ao transporte. Em 1850, a Europa tinha duas grandes cidades:
Na década de 1820, um grupo de empresários Londres, com 2,3 milhões de habitantes, e Paris, com um
ingleses decidiu construir uma ferrovia, ligando Liver- milhão de pessoas. Mas elas não ofereciam boa qualida-
pool a Manchester, e instituiu um prêmio para quem de de vida para seus moradores. Uma minoria de indus-
apresentasse o melhor protótipo para uma locomotiva. triais e banqueiros habitava as regiões nobres da cidade.
A maioria da população, entretanto, sobrevivia
O ganhador, em 1829, foi um engenheiro de minas de
precariamente em habitações inóspitas, alimentação e
nome George Stephenson. Sua locomotiva, Rocket, foi
higiene precárias. Em Londres, comprimiam-se milhares
capaz de puxar um trem por mais de 15 quilômetros,
de famílias operárias em cubículos imundos, sujeitas ao
numa média de velocidade de 10 quilômetros horários.
frio e à intensa fuligem das fábricas. Além dos migran-
A ferrovia foi inaugurada em 1830.
tes rurais, haviam chegado à capital inglesa centenas
As primeiras linhas férreas foram utilizadas para de milhares de irlandeses em busca de trabalho. Doen-
levar produtos de empresas de mineração e metalúrgi- ças e epidemias alastravam-se pela cidade, matando as
cas para embarcações. Anos mais tarde, os investidores pessoas enfraquecidas em virtude do seu baixo poder
interessaram-se em construir linhas para o transporte de compra e das exaustivas jornadas de trabalho a que
de pessoas – eram ferrovias pequenas que circulavam eram submetidas. A fumaça da queima do carvão torna-
em grandes centros, como Londres. va o ar das cidades industriais irrespiráveis, agravando
A introdução das ferrovias teve um impacto ainda mais as já precárias condições de vida.
enorme na economia industrial em expansão. O trans-
porte de mercadorias em maiores volumes e de forma
mais rápida agilizava a distribuição e a comercialização
daqueles bens. Todas as transformações ocorridas a
partir da década de 1760, como as alterações na in-
dústria têxtil, as invenções e o uso do ferro e do carvão
ficaram conhecidas posteriormente como a Primeira Re-
volução Industrial.

Locomotiva Rocket Trabalho infantil e feminino na indústria têxtil e nas minas de carvão.

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Um dos grandes problemas que a Revolução Industrial impôs ao operariado foi o ritmo de trabalho intenso
e com longas jornadas, sem garantias legais. Recrutavam-se homens, mulheres e crianças para os postos nas
fábricas. Na Inglaterra, predominava o trabalho feminino e infantil na indústria têxtil. As crianças começavam
a trabalhar a partir dos cino anos de idade em alguns casos.
Em 1835, as indústrias têxteis inglesas empregavam cerca de 26,5% de homens, 30,5% de mulheres e
43% de adolescentes e crianças. Naquele período, na indústria ou nas minas de carvão, as mulheres recebiam o
equivalente à metade dos salários dos homens e as crianças, apenas um quarto.
Inicialmente, sem organização política e sem lideranças, os operários e os artesãos empobrecidos reagiram
de forma espontânea à superexploração capitalista. Suas manifestações eram lideradas por artesãos empobrecidos,
que viam nas máquinas a causa de sua miséria, passando então a destruí-las.

Ludistas destroem máquina de tear. Desenho (1812).


Entre 1811 e 1812, um artesão empobrecido, Ned Ludd, “organizou” o Ludismo – movimento que além
de destruir as máquinas passou a perseguir e atacar os capitalistas. Em razão disso, o Parlamento inglês criou uma
lei punindo com a pena de morte a destruição das máquinas.
O movimento operário inglês amadureceu politicamente com o surgimento do Cartismo, iniciado em 1838,
como consequência da marginalização política e das péssimas condições de vida dos trabalhadores. Liderados por
Willian Lovett, os operários redigiram uma carta (Carta do Povo) ao Parlamento inglês em que reivindicavam: sufrágio
universal e secreto masculino; remuneração aos políticos, para que operários pudessem ser deputados, e eleição anual
do Parlamento.

52
LER

Livros

Old Morality - Sir Walter Scott

Romance de Walter Scott, narra a queda do Rei James VII e a série de


conflitos religiosos e políticos que precederam esse evento histórico.

Tempos Difíceis - Charles Dickens

Neste clássico da literatura, Charles Dickens trata da sociedade inglesa


durante a Revolução Industrial usando como pano de fundo a fictícia e
cinzenta cidade de Coketown e a história de seus habitantes.

53
ASSISTIR

Filme Cromwell, o Homem de Ferro

Na primeira metade do século XVII, a Inglaterra se encontra em ple-


na crise econômica e ideológica, o povo está afundado em miséria e o Rei
acaba de fechar o parlamento. Descrente do Estado absolutista, o puritano
Oliver Cromwell (Richard Harris) irá lutar contra o Rei e seus abusos de po-
der, desencadeando uma guerra civil na Inglaterra.

Filme Morte ao Rei

O filme aborda os desdobramentos da Revolução Puritana na Inglaterra, que


culminou na condenação e decapitação do rei Carlos I, enfocando a relação
entre o general Fairfax e Oliver Crommwel.

Filme Tempos Modernos

Um operário de uma linha de montagem, que testou uma “máquina


revolucionária” para evitar a hora do almoço, é levado à loucura pela
“monotonia frenética” do seu trabalho. Após um longo período em um
sanatório, ele fica curado de sua crise nervosa, mas desempregado. Ele deixa
o hospital para começar sua nova vida, mas encontra uma crise generalizada
e equivocadamente é preso como um agitador comunista, que liderava uma
marcha de operários em protesto. Simultaneamente uma jovem rouba comida
para salvar suas irmãs famintas, que ainda são bem garotas. Elas não têm
mãe e o pai delas está desempregado, mas o pior ainda está por vir, pois ele
é morto em um conflito. A lei vai cuidar das órfãs, mas enquanto as menores
são levadas, a jovem consegue escapar.

54
INTERDISCIPLINARIDADE

A partir das modificações de Watt, os motores a vapor passaram a movimentar as primeiras locomotivas,
barcos, fábricas, além de fundições e minas de carvão. e, dessa forma, constituíram a base da Revolução Industrial.
Um típico motor a vapor de pistão, amplamente empregado nas locomotivas, funcionava a partir de um
válvula corrediça, responsável por permitir que o vapor em alta pressão entrasse em qualquer lado do cilindro. Para
a válvula deslizar, é necessária uma haste de comando, geralmente conectada a uma ligação com uma cruzeta. O
vapor é depois liberado na atmosfera pela chaminé. Esse fato explica duas coisas sobre locomotivas a vapor:
§§ a água é constantemente perdida com a descarga de vapor, razão pela qual sempre vemos grandes torres
de água presentes nas estações, empregadas no reabastecimento do trem, ainda preservadas em antigas
estações ou mesmo nos filmes de época.
§§ o som característico de uma locomotiva a vapor advém da válvula que abre o cilindro para liberar a descarga
de vapor, que escapa em pressão muito alta, fazendo o assovio característico quando o vapor sai.
Numa locomotiva a vapor, a cruzeta normalmente se liga à haste motriz, e daí às hastes de acoplamento,
responsáveis pelo acionamento das rodas da locomotiva, os quais se conectam a uma das três rodas motrizes. As
três rodas são conectadas por hastes de acoplamento de modo que girem em uníssono, juntas.

55
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 10 - Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância


da participação da coletividade na transformação da realidade histórico-geográfica.

A Habilidade 10 requer a compreensão das dinâmicas históricas oriundas da participação dos


movimentos sociais. Presentes durante todas as sociedades, os movimentos sociais adquiriram
também fundamental importância no período subsequente à Revolução Industrial, permeando
a integridade dos séculos XIX e XX. Fruto do descontentamento das classes operárias, tais mo-
vimentos buscaram melhorias na qualidade de vida, nos salários e na participação política dos
trabalhadores.
A prova do Enem exige a compreensão – para além do conteúdo específico da reivindicação
de cada movimento social – da dinâmica histórica por eles imposta – sejam suas conquistas ou,
simplesmente, seus legados imateriais na coletividade.

Modelo
(Enem) A Revolução Industrial ocorrida no final de século XVIII transformou as relações do ho-
mem com o trabalho. As máquinas mudaram as formas de trabalhar, e as fábricas concentraram-se
em regiões próximas às matérias-primas e grandes portos, originando vastas concentrações huma-
nas. Muitos dos operários vinham da área rural e cumpriam jornadas de trabalho de 12 a 14 horas,
na maioria das vezes em condições adversas. A legislação trabalhista surgiu muito lentamente ao
longo do século XIX e a diminuição da jornada de trabalho para oito horas diárias concretizou-se
no início do século XX.
Pode-se afirmar que as conquistas no início desse século, decorrentes da legislação trabalhista,
estão relacionadas com:
a) a expansão do capitalismo e a consolidação dos regimes monárquicos constitucionais.
b) a expressiva diminuição da oferta de mão de obra, devido à demanda por trabalhadores especializados.
c) a capacidade de mobilização dos trabalhadores em defesa dos seus interesses.
d) o crescimento do Estado, ao mesmo tempo que diminuía a representação operária nos parlamentos.
e) a vitória dos partidos comunistas nas eleições das principais capitais europeias.

56
Análise Expositiva

Habilidade 10
A questão refere-se às conquistas do início do século XX. Podemos considerar que as primei-
ras conquistas, restritas à Inglaterra, e aquelas que gradualmente se seguiram em diferentes
países foram frutos das pressões exercidas pelos trabalhadores, muitas vezes organizados em
sindicatos ou partidos políticos. Vale lembrar que, em muitos países do mundo, essas con-
quistas são incompletas ou apenas existem formalmente, mas não na prática.
Alternativa C

Estrutura Conceitual
REVOLUÇÃO INGLESA DO SÉC. XVII
E REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

I Revolução Inglesa
Contexto: disputa entre poder absolutista e parlamento

Dinastia Tudor Elizabeth I (1533-1603)

Dinastia Stuart Jaime I (1603-1625)


(reis escoceses) ◊ Fortalece o absolutismo
◊ Disputas com o parlamento
◊ Persegue católicos e puritanos
(fuga para as 13 colônias)
Carlos I (1625-1648)
◊ 1629 - Fecha o parlamento
◊ 1640 - Reabre para votação de mais impostos
(deputados querem aprovar “Petição dos Direitos”)
◊ 1642 - Ameaça fechar o parlamento

Tropas Parlamentares
Revolução Puritana ou Tropas Reais (Cabeças redondas)
Guerra Civil Inglesa Católicos e anglicanos
da nobreza tradicional
X Burguesia mercantil, nova
nobreza, levellers (grupo
(1642-1648) radical urbano), diggers
(grupo radical rural)

1648 - Decapitação de Carlos I

57
A República Puritana Oliver Cromwell
(1649-1658) ◊ Ditadura militar
◊ Comunidade britânica Commonwealth
◊ Dissolve quatro parlamentos
◊ Fortalece a Marinha
◊ Atos de Navegação (1651)
Retorno dos Stuart Carlos II (1660-1685)
(1660-1688) ◊ Tensão com o parlamento
◊ Parlamento aprova habeas corpus e
Ato de Exclusão (1679)

Jaime II (1685-1688)
◊ Tendência absolutista
◊ Revoga habeas corpus
Revolução Gloriosa ◊ Acordo do parlamento com Guilherme de Orange
(1688-1689) (genro de Jaime II)
◊ Hegemonia do parlamento sobre o poder real
◊ 1689 - Declaração dos Direitos (Bill of Rights)
◊ Consolidação do poder burguês

II Revolução Industrial

Antecedentes

Artesanato Manufatura Indústria Moderna

Características
◊ Mudanças técnicas e aumento produtivo (máquina à vapor)
◊ Relações sociais e jurídicas burguesas
◊ Propriedade privada
◊ Trabalhadores vendem força de trabalho (proletários)

O Pioneirismo Inglês
◊ Acumulação primitiva de capitais ◊ Cercamentos
◊ Consolidação da classe burguesa ◊ Iluminismo inglês (liberalismo econômico)
◊ Domínio inglês sobre o comércio ◊ Desenvolvimento tecnológico
◊ Matéria-prima (carvão, ferro, algodão) ◊ Indústria têxtil
Migração de trabalhadores para as cidades
Produção de matéria-prima
Consequências
◊ Crescimento urbano desenfreado
◊ Proliferação de doenças Resistência dos trabalhadores
◊ Exploração do trabalho
◊ Jornadas exaustivas ◊ Ludismo
◊ Concentração de renda ◊ Cartismo (Carta do Povo)
◊ Expansão do liberalismo econômico ◊ Sindicatos (Trade-unions)
◊ Progresso material sem precedentes

58
25 26
Iluminismo e independência
dos Estados Unidos da América

Competências Habilidades
1, 2, 3, 4, 5 e 6 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,
10, 11, 12, 13, 14, 15,
16, 17, 18, 19, 20, 22,
23, 24, 25, 26, 27 e 28

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-
H8
-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferen-
tes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favo-
recendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
Frontispício da Encyclopédie (1772), desenhado por Charles-Nicolas Cochin e gravado por Bonaventure-Louis Prévost. Esta obra está carregada de
simbolismo: a figura do centro representa a verdade – rodeada por luz intensa (o símbolo central do Iluminismo). Duas outras figuras à direita, a razão
e a filosofia, estão a retirar o manto sobre a verdade.

Iluminismo
Introdução
O século XVIII foi marcado pela consolidação do sistema capitalista, tendo como elemento central a Revolu-
ção Industrial, bem como a ratificação da burguesia, que atingia uma maturidade econômica e social em busca da
delimitação de seu espaço nos seus respectivos países, superando definitivamente velhos entraves feudais.
O Iluminismo ou Ilustração é a expressão do pensamento da burguesia. Ocorreu primeiro onde o capitalis-
mo estava consolidado como – Inglaterra e França.

Origens do Iluminismo
Apesar de alcançar o auge no correr do século XVIII, parece não haver dúvida de que os primeiros passos do
surgimento desse pensamento filosófico, político, social e econômico, que afetaria a cultura ocidental de modo geral,
foram dados durante os cem anos anteriores. Trata-se uma de série de acontecimentos importantes entre 1400 e 1600:
as Grandes Navegações, as descobertas marítimas, a ascensão da burguesia, o Renascimento Cultural e a Reforma.
As origens do movimento iluminista estavam na Revolução Científica, do século XVII, período em que
ocorreram grandes progressos na filosofia e na ciência (Física, Química, Matemática e Mecânica), com destaque
para o crescente desenvolvimento e difusão do método experimental.
As bases do pensamento no século XVIII assentavam-se nas ideias geradas no século anterior. René Descar-
tes, John Locke e Isaac Newton foram precursores das teorias do chamado Século das Luzes, como ficou conhecido
o século XVIII.

61
René Descartes (1596–1650) O filósofo inglês dá continuidade à lógica con-
tratualista de Hobbes e defende que o Estado seria
legitimado por um consentimento entre governantes e
governados. No entanto, o rompimento desse contrato
pelo governante para obtenção de vantagens particu-
lares ou pela não preservação dos direitos naturais do
homem, poderia levá-lo à destituição, no que se opõe às
ideias propostas por Hobbes. Sua teoria política influen-
ciou a Revolução Gloriosa (1688–1689), que pôs fim ao
absolutismo na Inglaterra, a independência dos Estados
René Descartes
Unidos (1776) e os teóricos da Revolução Francesa.
A maior contribuição de Locke para a filosofia
O filósofo e matemático francês René Descar- foi sua teoria do conhecimento, em que rejeita a dou-
tes, autor das Meditações metafísicas e do Discurso trina das ideias inatas defendida por Descartes. Os ho-
sobre o método, é considerado o fundador da doutrina mens não nascem com algumas ideias já formadas. A
racionalista moderna, assim como do método racio- percepção sensorial é elemento básico para aquisição
nal. Descartes afirmava que, na filosofia, era necessá- do conhecimento. O empirismo – cuja base é a expe-
rio partir de alguns axiomas – verdades indiscutíveis rimentação – de Locke fundamenta-se no princípio de
que não precisam ser demonstradas – para depois, que as ideias derivam de duas fontes: a sensação e a
mediante o método matemático da dedução, atin- percepção da operação na própria mente. Ora, como só
gir verdades mais amplas. Para chegar a um axioma, é possível pensar com ideias e como essas ideias pro-
Descartes recorreu ao princípio da dúvida sistemática. cedem da experiência, conclui-se que nada no conhe-
Deve-se a ele também a introdução de um conceito cimento pode ser anterior à experiência. Essa teoria de
mecanicista do universo, segundo o qual todo o mun- que o homem vem ao mundo com a mente sem nenhu-
do material, orgânico e inorgânico, podia ser definido ma ideia preconcebida é conhecida como tábula rasa.
em razão da extensão e do movimento.
Isaac Newton (1642–1727)
John Locke (1632–1704)

Isaac Newton

John Locke
Deve-se a Isaac Newton uma mudança radical na
visão do mundo. Físico, matemático e filósofo inglês, orga-
Autor da obra Segundo tratado sobre o governo nizou provas de que o mundo seria regido por leis mecâni-
civil, John Locke é um dos precursores do movimen- cas físicas invariáveis. Leis essas determináveis e cognoscí-
to iluminista. Defende a ideia de que os homens são veis. Determiná-las e conhecê-las é papel da ciência.
portadores de direitos naturais, como a vida, liberdade, Seu princípio da gravidade, “matéria atrai matéria
propriedade e resistência contra governos tirânicos. Tais na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado
direitos devem ser garantidos pelo Estado. das distâncias”, revolucionou as concepções e ideias da

62
época. A filosofia de Newton não excluía a ideia de Deus, Defendiam ainda a individualidade. As pesso-
mas negava sua intervenção no cotidiano do universo, o as têm identidade própria e não são meros integrantes
qual funcionaria por leis próprias sem necessidade de uma de uma coletividade. Defendiam a liberdade de pen-
samento e expressão, sem a tutela da religião ou do
intervenção divina que zelasse por seu movimento.
Estado, para que os homens pudessem expressar suas
concepções sem barreiras; a tolerância religiosa e
Princípios básicos do Iluminismo filosófica, o respeito por ideias diferentes; a proprie-
dade privada, o livre comércio e a livre iniciativa
O pensamento iluminista tinha abrangência filo- econômica – o liberalismo econômico. Os iluministas
sófica, social, econômica e política e expressava os inte- defendiam o racionalismo e o empirismo como fontes do
conhecimento, bem como a percepção de que o mundo é
resses da burguesia do século XVIII. Eram elementos bá-
regido por leis naturais cuja compreensão era alcançada
sicos seus a liberdade, a igualdade, a tolerância, o
mediante o estudo da ciência.
progresso e o homem (estabelecimento de um novo
pensamento antropológico), com ênfase para o racio-
nalismo. A razão foi colocada por eles como o único Principais filósofos iluministas
princípio verdadeiro para se atingir o conhecimento.
Barão de Montesquieu (Charles de
Os iluministas estabeleceram a crítica sistemática
ao absolutismo, ao poder real ilimitado, ao conceito de
Secondat, 1689–1755)
direito divino dos reis e aos privilégios da nobreza e do
clero. Suas propostas consistiam na limitação do poder
real e no fim dos privilégios fiscais e jurídicos do Estado.
Combatiam também as práticas mercantilistas, baseadas
na intervenção estatal, no protecionismo, no colonialismo
e nos monopólios que limitavam as relações comerciais e
econômicas. Os iluministas faziam ainda criticas à postu-
ra da Igreja católica e das religiões reformadas, que sus- Montesquieu

tentavam as práticas do Antigo Regime e contrariavam


Cartas persas (1721) e o O espírito das leis
o pensamento racional, defendendo dogmas, verdades
(1748) foram as obras principais de Montesquieu. Con-
incontestáveis e valores místicos e irracionais.
trário ao absolutismo monárquico, defendia a divisão de
Apesar das críticas feitas às religiões, o Ilumi-
poderes como forma de se evitarem os abusos resultan-
nismo não foi exatamente um movimento ateu. Deus
tes de sua concentração nas mãos do rei.
era visto como o criador do universo, inclusive das leis
Sua proposta de divisão de poderes, expressa
naturais que regem a vida, não sendo, porém, um ser
na monarquia constitucional, celebrizou-se com a teo-
pessoal, mas uma energia racional universal.
ria dos “freios e contrapesos”. Defendia a harmonia e
Os pensadores iluministas defendiam, ainda, a autonomia entre os poderes que constituem o Estado:
limitação do poder real através de um sistema cons- Executivo, Legislativo e Judiciário.
titucional; a igualdade fiscal e jurídica; a não in- Em O espírito das leis, Montesquieu afirma: “É
tervenção do Estado no campo econômico; a uma verdade eterna: qualquer pessoa que tenha o poder
universalidade dos direitos, ou seja, sua extensão a tende a abusar dele. Para que não haja abuso, é preciso
todos os seres humanos, independentemente de barrei- organizar as coisas de maneira que o poder seja contido
ras nacionais, religiosas ou étnicas. pelo poder”.

63
Voltaire (François-Marie Jean-Jacques Rousseau (1712–1778)
Arouet / 1694–1778)

Rousseau

Autor de Do contrato social (1762), Rousseau


Voltaire
fez críticas ferozes ao absolutismo e à propriedade pri-
vada, o que levou a burguesia a rejeitar suas ideias.
Ferrenho crítico do clero Voltaire era dotado de
Apesar de considerar a aparição da propriedade
forte espírito anticlerical. Acusava-o de hipocrisia, de falta
privada um mal, Rousseau a reconhecia como inevitável.
de escrúpulos, de usura e preguiça à custa dos impostos A solução que propunha era a limitação da proprieda-
pagos pela burguesia, de omissão por não contribuírem de: “para melhorar o estado social, é preciso que todos
para o bem da coletividade. Era um grande defensor da tenham o suficiente e que ninguém tenha demasiado”.
igualdade jurídica, da liberdade de pensamento, de ex- Suas teorias foram amplamente aceitas entre a peque-
pressão e de associação religiosa. A britânica Evelyn Be- na burguesia (artesãos e pequenos comerciantes), os
atrice Hall, sua biógrafa, sintetiza a defesa da liberdade camponeses e as camadas de trabalhadores mais mi-
pelo filósofo na frase: “posso até não concordar com suas seráveis que sonhavam com um mundo em quetodos
fossem pequenos proprietários.
palavras, mas lutarei até a morte por seu direito de dizê-
Em sua obra defende a ideia de que os homens
-las”, atribuída erroneamente a Voltaire.
são livres e devem se libertar de suas correntes, na medida
As teorias defendidas por Voltaire foram muito
em que são todos iguais. Lança as bases da democracia
bem aceitas pelas camadas burguesas da França. Ape- atual ao defender a ideia de que as leis devem corres-
sar de radicais, suas ideias não podiam ser consideradas ponder aos interesses dos cidadãos, à vontade geral
populares, pois Voltaire nutria um profundo desprezo dos indivíduos. Dessa maneira, estabelece o princípio de
pelas camadas mais pobres da população. soberania popular.
Contrário ao absolutismo, Voltaire, entretanto, Em Discurso sobre a origem da desigualdade
era favorável ao regime monárquico, desde que ele se entre os homens (1755), defende a tese da bondade
natural dos homens, pervertidos posteriormente pela
mostrasse sensível aos interesses e direitos da burgue-
civilização. Consagra em sua obra a tese da reforma
sia. Inspirou com suas obras os chamados déspotas es-
necessária da sociedade corrompida.
clarecidos. Trocou correspondência com alguns deles e
Rousseau ainda criticou a opulência de muitos fi-
chegou a viver na corte de Frederico II, da Prússia. lósofos da época, corrompidos nos saloons. Defendeu a
Entre suas obras constam Dicionário filosófico educação das crianças para o progresso da sociedade e
(1764), Cartas inglesas (1734), Zadig (1748), Cândido foi perseguido durante boa parte da sua vida. Suas ideias
(1759), Tratado sobre a Intolerância (1763). influenciaram a fase mais radical da Revolução Francesa.

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Enciclopédia Teorias econômicas
Organizada por Jean Baptiste d’Alembert (1717– As ideias iluministas também se desenvolveram
1783) e Denis Diderot (1713–1784), a Enciclopedia foi no campo econômico, com destaque para a crítica ao
elaborada entre os anos de 1751 e 1780. Compreende mercantilismo e às praticas intervencionistas que limita-
35 volumes com a colaboração de vários pensadores
vam o livre comércio.
e filósofos. Com o objetivo de reunir o conhecimento
De maneira geral, os iluministas defendiam o
da época centrado nos ideais iluministas, os filósofos
lema: “Laissez faire, laissez passer, le monde va de lui-
pretendiam divulgar o conhecimento racional e criar o
-même” (Deixai fazer, deixai passar, que o mundo anda
“cidadão esclarecido”.
por si mesmo). E que a economia fosse regida por leis
Capa da Enciclopédia naturais sem os empecilhos do mercantilismo.
O Iluminismo deu origem a duas correntes eco-
nômicas: fisiocratismo e liberalismo econômico.

Fisiocratismo

Quesnay

De origem francesa, a corrente fisiocrata teve


como principais defensores François Quesnay (1694–
1774), Vincent de Gournay (1712–1759), Honoré Mira-
beau (1749–1791) e Jacques Turgot (1727–1781).
A palavra fisiocracia vem do grego fisio, natu-
reza, e cratos, riqueza. Para os fisiocratas, a riqueza
deveria vir da natureza; portanto, as atividades econô-
(Disponível(Disponível em: <cienciahoje.uol.com.br>.)
em: <cienciahoje.uol.com.br>.)
micas mais importantes de um país eram as atividades
Instrumento de difusão das ideias Iluministas, a “naturais”, como agricultura, mineração e pecuária. Ao
Enciclopédia pretendia abranger todos os conhecimen- contrário do que pensavam os mercantilistas, para os
tos filosóficos e científicos da época, criticando os valo- fisiocratas o comércio era considerado uma atividade
res do Antigo Regime. Contou com cerca de 300 cola- estéril, já que não passava de uma troca de riquezas.
boradores e reuniu a elite intelectual francesa do século Os fisiocratas contestavam as práticas mercantilis-
XVIII, dentre os quais Montesquieu e Voltaire. Rousseau tas e o intervencionismo estatal, defendendo a liberdade
colaborou, escrevendo artigos a respeito de economia econômica. São dessa escola as origens do liberalismo
política e música. econômico, especialmente, o princípio do Laissez-faire.

65
Liberalismo econômico O Iluminismo foi uma ideologia burguesa do sé-
culo XVIII, cujas origens provêm dos lugares em que a
O liberalismo econômico desenvolveu-se na Ingla- burguesia estava mais consolidada, portanto, a Inglater-
terra, incorporando fundamentos do fisiocratismo e ado- ra, com a consolidação do capitalismo, e a França, com
tando alguns princípios fundamentais, como existência de as crescentes contradições feudais. Apesar das contradi-
leis naturais que regem a economia – lei da oferta e da ções feudais ou do próprio capitalismo em outros países
procura; a livre concorrência e livre cambismo; a defesa da europeus, a burguesia não tinha poder suficiente para
propriedade privada; a liberdade de contrato; e o combate promover questionamentos à ordem vigente. Neles teve
ao mercantilismo. origem o despotismo esclarecido.
Tratava-se da tentativa de reformar o Estado
absolutista pelo próprio Estado, à medida que se
conciliava absolutismo e ideais iluministas, notada-
mente o liberalismo. Sem abalar o próprio poder, os
déspotas (soberanos absolutos) puseram em prática
algumas reformas, influenciados pelo espírito libe-
ral do século XVIII expresso pela filosofia iluminista.
Dentre eles, destacaram-se:
Adam Smith
§§ Frederico II, da Prússia, “aboliu as torturas apli-
O grande destaque do liberalismo clássico foi o cadas aos presos em seu país [...] incentivou as
britânico Adam Smith (1723–1790), autor de Teoria letras, as artes e as ciências [...] e dirigiu pessoal-
dos sentimentos morais (1759) e A riqueza das nações mente a reforma de Berlim, capital da Prússia na
(1776). Esta marca a criação da economia como ramo época” (BOULOS JR, 2011);
independente do pensamento e lança seus fundamentos. §§ Marquês de Pombal, “principal ministro do rei D.
Segundo Smith, a riqueza nacional provém do trabalho e José I [...] Valendo-se de seu enorme poder, de-
a economia é regulada pela lei de oferta e demanda, que cretou a emancipação dos indígenas na América
não deve sofrer interferência estatal para regulamentar os portuguesa, a abolição da escravidão africana e
preços dos produtos, por exemplo. A intervenção gover- a fundação da Imprensa Régia, em Portugal”
namental retarda o progresso econômico e reduz o valor (Idem, ibidem);
real da produção anual proveniente da terra e do trabalho §§ Conde de Aranda, presidente do Conselho de Mi-
assalariado. Se as pessoas, no entanto, perseguem seus nistros na Espanha durante o reinado de Carlos
próprios interesses – em busca da melhoria de sua condi- III, reorganizou o exército e as universidades e
ção, favorecem a expansão econômica e beneficiam toda expulsou os jesuítas;
a sociedade. Smith defende especialmente a livre concor- §§ José II, da Áustria, adotou a tolerância religiosa, mas
rência. É considerado o “pai” do liberalismo econômico. manteve intocados o militarismo e a servidão (Idem,
Despotismo esclarecido ibidem); e
§§ Catarina II, da Rússia, “mandou construir escolas,
fundou hospitais, dirigiu a reforma da capital (São
Petersburgo) e combateu a corrupção nos meios
civis e religiosos” (Idem, ibidem).

Catarina II, a Grande

66
Independência dos Estados Unidos
Introdução
A Independência dos Estados Unidos tem peculiar importância porque comprovou ao Antigo Regime
que as ideias iluministas eram viáveis. À época acreditava-se que as colônias não teriam capacidade de se
autogerirem e de que nação alguma conseguiria expandir-se sem a gerência da Metrópole. Não foi isso que
aconteceu com a experiência republicana da Idade Moderna, a Revolução Puritana Inglesa de 1640? Essa forma
de governo foi um fracasso, tanto que levou o parlamento britânico a incentivar a introdução da monarquia
constitucional liberal quando da Revolução Gloriosa, de 1688.
Outra peculiaridade da independência das 13 colônias era a crença de que a economia local não teve tempo
de gerar a riqueza que seria utilizada no financiamento das batalhas de independência. A mentalidade econômica
da época apostava numa riqueza resultado do acúmulo de ouro próprio do decadente mercantilismo metalista.

A colonização inglesa da América do Norte: as treze colônias


As Treze Colônias

Fonte:Atlas
Fonte: Atlashistórico
históricoescolas.
escolas.Rio
Riode
deJaneiro:
Janeiro:FAE,
FAE,1997.
1997.

As treze colônias inglesas da América do Norte eram divididas em três áreas: as do Norte (Nova Inglaterra)
eram as de Massachusetts, New Hampshire, Rhode Island e Connecticut; as do Centro eram as de Pensilvânia, New
York, New Jersey e Delaware; e as do Sul, Virgínia, Maryland, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia. As colônias
do Centro-Norte tinham sido colonizadas por povoamento, o que as aproximava do Iluminismo. No final do século
XVIII, a população aproximava-se dos 1,2 milhão de habitantes. As do Sul eram colônias de exploração com cerca de
980 mil colonos. As colônias do Sul eram mais ricas que as da Nova Inglaterra no período da independência.

67
Como a economia mercantilista dava importância excessiva ao comércio das especiarias tropicais, escas-
sas nas treze colônias, o governo inglês não se preocupou em implantar uma grande exploração colonial, como
Portugal e Espanha promoveram na América Latina. Essa relação política da Inglaterra com sua Colônia fora
dos padrões mercantilistas típicos da época foi denominada de negligência salutar e permitiu que os colonos
obtivessem maior grau de autonomia.
A economia das colônias conseguiu mais lucros e mais experiência financeira ao se relacionar direta-
mente com regiões do Caribe, Europa e África sem a interferência do poder britânico. Esses contatos em forma
de triângulos comerciais eram feitos com as colônias inglesas, que exportavam peixe, madeira e gado para as
Antilhas, de quem compravam açúcar, melaço e rum para revenda na Europa, onde compravam mercadorias
manufaturadas. Da África compravam-se negros, revendidos como escravos nas Antilhas ou nas colônias do Sul,
a troco do rum como moeda.
Comércio triangular

As colônias da Nova Inglaterra e as do Centro tinham mais identidade com a ideologia da Ilustração, uma vez
que contavam, entre sua população, com exilados intelectuais, críticos do absolutismo europeu, bem como fugitivos
protestantes. A Pensilvânia representou esse ideal de liberdade, cujo eixo central foi a tolerância entre cristãos, que não
foram perseguidos pelo governo local de Penn. Os calvinistas buscavam mais liberdade econômica no intuito de gerar
riquezas, sinal de salvação. Outro avanço econômico era o trabalho livre assalariado que aumentava a produtividade
do trabalhador em relação à do escravo, bem como contribuía com a formação de um mercado consumidor mais ativo.
Dentre eles, no entanto, existiram os servos temporários (indentured servants) que trabalhavam sem renda
para seus “patrões”, pelo período de quatro a sete anos, a fim de ressarci-los do pagamento de suas passagens
da Europa para a América. Nesse conjunto de colônias havia um incipiente parque manufatureiro urbano, que
contribuiu para a constituição do capitalismo e o desenvolvimento da burguesia.
No interior das colônias havia policultura e pequenas e médias propriedades camponesas, origem de uma
classe média rural não atrelada à intervenção do Estado. Essa pequena burguesia rural juntava-se à dinâmica bur-
guesia em busca da ampliação do mercado, numa atitude própria do liberalismo clássico. Ressalvado, no entanto,
ficava o protecionismo, indispensável naquele momento para a criação e desenvolvimento de um mercado interno.
As colônias do Sul caracterizaram-se por uma ocupação diferente da ocorrida no Centro-Norte (o que repercu-
tiu na introdução da forma administrativa de Confederação logo após a independência.) Estabeleceu-se nessa área a
plantation, organização bastante semelhante à plantation brasileira, sem o monopólio comercial, no entanto, e sem

68
a complementaridade do Pacto Colonial. Esse modelo possui duas línguas oficiais, a inglesa e francesa, sendo
produtivo mercantilista, baseado na grande propriedade essa última predominante em Quebec; outros locais que
rural, permitiu a criação de uma poderosa aristocracia, passaram a ser dominados pelos ingleses são parte do vale
chamada de homens bons e criollos, na América Latina. do rio Mississipi (Luisiana) e a do rio Ohio, por isso cidades
As colônias do sul estavam, portanto, voltadas para fundadas por franceses como New Orleans e Detroit foram,
o mercado externo, a monocultura do algodão, do fumo posteriormente, incorporadas aos EUA.
e do anil sustentava a economia local. Como o sul não se A Inglaterra, na Guerra dos Sete Anos, buscou
integrava às colônias do centro e do norte, não se inte- ajuda dos colonos para derrotar os franceses, o que não
gravam, a expressão “mercado externo” não se relaciona foi difícil, pois os norte-americanos já pretendiam ocupar
apenas com a Europa e o Caribe, mas também com as de- terras próximas aos Apalaches. Em troca do apoio, a co-
mais colônias inglesas. Outro fato marcante da plantation roa britânica prometeu ceder terras aos colonos que lu-
é o uso do trabalho negro escravo na economia sulista, tassem sob a liderança militar de George Washington. No
depois expandido para o baixo Mississipi, sendo uma eco- entanto, os britânicos não cumpriram o trato, ludibriando
nomia típica do período mercantilista que vai se tornando os colonos. Esse fato gerou um profundo ressentimen-
obsoleta com o tempo, em virtude nas novas exigências da to dos pioneiros em relação ao parlamento inglês, o que
economia capitalista em fase de estabelecimento pleno. A contribuiu para o início do processo que desembocou
produção agrícola de algodão era escoada facilmente do na independência das treze colônias. A não doação das
terras prometidas aos norte-americanos, que prejudicava,
centro-sul para a Inglaterra, o que, somado à “negligência
de fato, a sua expansão foi observada logo após a vitória
salutar”, provocou um enriquecimento da oligarquia sulis-
contra a França em 1763 e ficou oficializada com o Pacto
ta, que superava o capital da burguesia nortista.
de Quebec de 1774, quando se confirmou a orientação
Convém salientar que o grau de integração en-
de que o povoamento do Canadá seria independente ao
tre as colônias era pequeno, pois não havia um gover-
das treze colônias, pois o parlamento britânico tinha pla-
no central metropolitano dentro das colônias, como no
nos para a colonização do Canadá, visando à exploração
Brasil, em que Salvador desempenhou esse papel. Essa
econômica da região por meio do extrativismo, além de,
característica administrativa foi negativa para a insurrei-
também, manter distante os seus habitantes da influên-
ção dos colonos, que só conseguiram realçar suas pre-
cia liberal dos colonos norte-americanos.
tensões emancipatórias após a convocação do segundo
congresso da Filadélfia. Mesmo assim, a integração entre
os novos Estados, após a independência, foi rarefeita,
Leis inglesas e o fim da negligência salutar
pois optaram em se guiar pela confederação, e não pela
No intuito de buscar capital para pagar as dívidas
federação, que possibilitaria maior integração, como foi o
contraídas com a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), a
caso do Brasil. Somente após a Guerra da Secessão, que Inglaterra iniciou uma política de aumento excessivo da
ocorreria em meados do século XIX, é que os Estados exploração sobre as treze colônias por intermédio de
Unidos constituiriam um governo central que teria, em leis que se assemelhavam ao Pacto Colonial, o qual, se
vários aspectos, um poder maior do que os dos estados. implantado, destruiria a relativa liberdade econômica
dos colonos, ou seja, seria o fim da “negligência salu-
As causas da independência tar”. Essa política destruiu a convivência, relativamente
amigável, entre as Treze Colônias e a Coroa Britânica.
No século XVIII, a economia britânica entrou em Entre as principais praças políticas de oposição estavam
choque com a francesa e o governo inglês passou a buscar as colônias do centro-norte, como a de Massachusetts,
áreas em várias partes do globo terrestre que pertences- devido à maior expansão do ideal iluminista entre seus
sem aos Bourbons, como aquelas localizadas nas Índias habitantes. É interessante observar que, como a implan-
Orientais e na América do Norte. Esse atrito ocasionou a tação dessas leis de exploração inglesa se deu em todas
Guerra dos Sete Anos (1756-1763). A Inglaterra ven- as treze colônias, a reação dos colonos foi a de se uni-
ceu a França e usurpou desta o Canadá, por isso este país rem contra a Coroa britânica, o que os fortaleceu.

69
A Lei do Açúcar (Sugar Act), de 1764, pode ser um indicativo da tentativa britânica de implantação do mono-
pólio comercial próprio do Pacto Colonial mercantilista, aumentando excessivamente os impostos alfandegários, con-
traditoriamente, pois o parlamento inglês era liberal. A Lei do Açúcar proibiu as treze colônias de comprarem açúcar
e melaço das Antilhas, que eram baratos e de excelente qualidade em relação ao de beterraba inglês que os colonos,
nesse momento, estavam forçados a comprar. A Lei do Açúcar provocou grandes prejuízos, pois os americanos não
podiam continuar a prática do comércio triangular. O lucro proveniente do comércio de derivados da cana-de-açúcar
era tão elevado que a coroa inglesa já buscava controlá-lo desde 1733, com a Lei do Melaço (Molasses Act).
Também em 1764, foi implantada a Lei da Moeda (Currence Act), que proibiu a emissão de moeda pelos colonos,
o que provocou uma crise econômica com a elevação dos preços de produtos agrícolas, que era a base da economia sulista.
A Lei do Selo (Stramp Act), criada em 1765, impunha aos colonos a obrigatoriedade de selar ou carimbar
os inúmeros papéis ou documentos de circulação na Colônia, pagando um imposto para a Coroa. Como os ame-
ricanos ficaram surpresos com tal medida, as treze colônias fizeram um ensaio de união através do Congresso da
Lei do Selo, em Nova Iorque, que declarou a ilegalidade do tributo, já que ele foi criado pelo parlamento inglês
sem a representação de colonos, provocando o boicote dos colonos às mercadorias inglesas, o que forçou os
comerciantes ingleses a exigirem o recuo do parlamento em relação a tais medidas, sendo atendido em parte. A
influência das ideias iluministas está claramente presente na reivindicação dos colonos de terem representação e
direito de votarem as propostas inglesas referentes à Colônia. Outro problema originou-se quando o governo inglês
criou a Lei do Aquartelamento ou Alojamento, de 1765, que consista na exigência inusitada de que os colonos
deveriam pagar a estadia dos soldados ingleses em território americano nas missões militares de repressão sobre
os próprios colonos, que obviamente intensificaram mais ainda as rebeliões.
A política de exploração britânica continuou em 1767, com as Leis Towshend, que consistiam, novamente, em
exigir que os colonos pagassem taxas à Inglaterra quando importassem mercadorias vendidas pela própria Inglaterra
como chá, papel, corantes e vidro, o que provocou novo boicote norte-americano e o recuo inglês, exceto sobre o chá.
A Lei do Chá (Tea Act) de 1773 foi o estabelecimento do monopólio do comércio desse produto à popula-
ção americana pelo governo inglês, que o cedeu à Companhia das Índias Orientais. Com a imposição do monopólio,
os colonos não podiam comercializar livremente e, consequentemente, os preços cresceram. É importante notar que
o chá é um produto, ainda hoje, muito utilizado pelos americanos, que viram seus hábitos alimentares prejudicados
pela atitude inglesa. Como consequência, os americanos vestiram-se de índios e invadiram uma flotilha de navios
ingleses em 1773, no porto de Boston, que possuía um milionário carregamento de chá, o qual foi jogado ao mar.
Essa atitude foi um aviso ao parlamento inglês de que os colonos preferiam se abster de usar o chá a ter que ceder
ao monopólio comercial, e de que o fato de o chá ter sido lançado ao mar e de não ter sido levado ao consumo
do colono mostrava que eles não eram ladrões, nos cidadãos que queriam ver respeitado o seu direito à liberdade.
Essa rebelião, marcante na história americana, foi denominada de Festa do Chá de Boston (Boston Tea Party).

The destruction of tea at Boston harbor. Litografia. 1773.

70
A reação inglesa à Festa do Chá de Boston foi a
promulgação, em 1774, das Leis Intoleráveis ou coerciti-
vas, em que a Inglaterra fechou o porto de Boston, ocupou
Massachusetts e cobrou altíssimas indenizações. Nesse
momento histórico, os americanos estavam sufocados pelo
fim da “negligência salutar” e passaram a trilhar um cami-
nho de enfrentamento legal ou militar com os britânicos, o
que desembocou na luta pela soberania norte-americana.

Processo de independência
À medida que a exploração inglesa mostrava-se Thomas Jefferson
mais abusiva, os colonos influenciados e liderados por
ideólogos como Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, Sa-
muel Adams, Thomas Paine e Charles Dickson passaram
a querer legalizar suas críticas, bem como articular uma
integração política entre as treze colônias para que o par-
lamento britânico recuasse de suas pretensões. Essas arti-
culações geraram os Congressos da Filadélfia, a partir dos
quais a independência das colônias americanas tornou-
-se viável, bem como a estrutura do futuro parlamento:
estava nascendo o país Estados Unidos da América.
O Primeiro Congresso da Filadélfia, em 1774,
ainda tentou manter as colônias como parte integrante
do território inglês, desde que a Metrópole passasse a George Washington
respeitar as aspirações dos colonos, aceitasse os repre-
sentantes da Colônia e suas decisões no Parlamento em
Londres, numa clara visão iluminista. Mas a Inglaterra
não aceitou tais propostas, reconhecimento explícito de
igualdade de direitos entre a Metrópole e as colônias.
De volta à Pensilvânia, os colonos, imbuídos do pensa-
mento de separação, agravado por um conflito ocorrido
em Lexington, que gerou mortes norte-americanas, fo-
mentaram o ódio contra os ingleses.
Foi nesse ambiente que o Segundo Congresso
da Filadélfia, em 1776, foi realizado e suscitou textos,
como o Common Sense, de Thomas Paine, que clamava
pela revolta armada como um direito pela liberdade Benjamin Franklin
republicana e cidadã contra um governo despótico. A
independência deixou de ser um ideal discutido em De início, os colonos eram simplesmente pessoas
mesas acadêmicas e passou a ser uma luta real. Os com reivindicações pacíficas voltados para a agricultura e o
representantes da Virgínia elaboraram um documento comércio, sem experiência e estrutura militar para enfrentar
de intendência, redigido por Thomas Jefferson e assina- o poderio militar do Império inglês. Formou-se então o exér-
do pelas outras doze colônias. Tratava-se da Declara- cito continental, contando basicamente com voluntários e
ção de Independência, em 4 de julho de 1776. seu comandante-geral foi entregue a George Washington.

71
Consequentemente, eles seriam derrotados e o projeto de independência tornava-se cada vez mais distante, segundo o
próprio líder do exército dos colonos o general George Washington. Entretanto, após a incipiente vitória de Saratoga, a
luta pela independência tomou novos rumos. Benjamin Franklin conseguiu atrair os franceses para a causa dos colonos
americanos, uma vez que o trono francês dos Bourbons ainda nutria ódio aos ingleses desde a derrota de Paris, na primeira
Guerra dos Sete Anos (1756-1763). Outro motivo do apoio francês era a disseminação das ideias iluministas. A França
transportou para o território americano um contingente militar de 7,5 mil soldados liderados por La Fayette, que, além de
promover batalhas vitoriosas, colaborou decisivamente com a estruturação do exército americano em moldes profissionais
muito além do voluntarismo momentâneo dos colonos. Além dessas contribuições militares extremas, as forças continentais
contariam com apoio de milícias independentes - grupos de colonos que se armavam por conta própria e lutavam de maneira
heterodoxa. A mais conhecida e atuante dessas milícias foi a comandada pelo fazendeiro Benjamin Martin (conhecido como
a “Raposa Vermelha”), que criou inúmeras e inusitadas táticas de guerrilhas contra os ingleses. Ele está retratado no filme:
“O Patriota”de Mel Gibson. A Espanha também entrou na guerra. A Inglaterra estava invadindo áreas de influência ibérica
nas Antilhas. Resultado: a Inglaterra sofreu sua última derrota em 1781, na batalha de Yorktown. Em 1783 em Paris, legalizou
a independência dos Estados Unidos mediante o Tratado de Versalhes.

Washington atravessando o Rio Delaware. Retrato. 1851. Emanuel Leutze.

Com a separação instituída, o líder militar George Washington foi indicado pelo parlamento para ser o
primeiro presidente dos Estados Unidos. A declaração de independência redigida por Thomas Jefferson tornou-se a
espinha dorsal da Constituição de 1787. Adotou ideias iluministas como a República, o presidencialismo, a divisão
dos três poderes e o voto censitário. Contudo, as diferenças gritantes entre o liberalismo do Centro-Norte e a pode-
rosa plantation do Sul definiram a Confederação e os novos estados mantinham-se independentes uns dos outros.
Cada região tinha a liberdade de se estruturar da maneira que lhes fosse conveniente. Os estados burgueses do
Centro-Norte fortaleceram o trabalho livre, as manufaturas e o protecionismo. Os do Sul mantiveram a monocultura
agrícola, principalmente algodoeira, e a exploração do trabalho escravo. São duas estruturas que vão se confrontar
na Guerra da Secessão, no século XIX. Com a vitória do Norte, a escravidão e a confederação serão proibidas e a
integração será fortalecida pelo poder central graças à instituição da federação.

Consequências
A independência dos EUA serviu para inspirar a aristocracia latino-americana a buscar a separação das
metrópoles ibéricas. Os colonos puritanos passaram a desfrutar de mais liberdade, principalmente no Centro-Norte,
para constituir uma sociedade baseada em costumes conservadores, defensores da acumulação de riqueza material
como sinal de salvação. Segundo o sociólogo Max Weber, ela servia à ideologia capitalista e alimentou os ideais
dos nortistas que venceram o Sul na Guerra da Secessão, no século XX, conquistaram o Oeste, instituíram o Destino
Manifesto e a Doutrina Monroe em apoio às independências latino-americanas.

72
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR

Filme O último dos Moicanos (1992)

No meio da luta entre franceses e ingleses pelas terras norte ameri-


canas, Michael Mann insere um toque de romance e dirige Daniel Day-Lewis
impecavelmente. Fora isso, é notável perceber o trabalho detalhado em rela-
ção à escolha da trilha sonora (que faturou o Oscar, naquele ano).

Filme O Patriota

Benjamin Martin (Mel Gibson) foi o herói de um violento conflito. Desde o


término da guerra ele renunciou à luta, vivendo em paz com sua família.
Quando os ingleses levam a guerra da independência americana para
dentro de sua casa, Benjamin não vê outra saída a não ser pegar nas
armas novamente, desta vez acompanhado por seu filho idealista (Heath
Ledger), e liderar uma brava rebelião em uma batalha contra o implacável
e equipado exército britânico.

73
LER

Livros
Cândido (ou o otimismo) - Voltaire

Romance de Voltaire, no qual o grande pensador do iluminismo


francês tematiza questões como a liberdade e a democracia.

Adaptação em português do clássico da literatura francesa, com lingua-


gem acessível para o público jovem. Sátira do credo otimista dos filósofos Leibniz
e Rousseau, Cândido é uma fábula, inspirada no terremoto de Lisboa de 1755,
e demonstra as calamidades que recaem sobre o homem. As desventuras do jo-
vem Cândido começam quando ele é expulso do castelo do Barão da Vestfália,
por ter sido surpreendido namorando Cunegundes, a filha do barão, seu protetor.
Pangloss, tutor do herói, é a personificação do otimismo, e Cândido, em meio às
desgraças que lhe sucedem a partir da expulsão, tenta pôr em prática as lições
aprendidas com o mestre.

OUVIR

Músicas
- Jimi Hendrix – A Star Spangled Banner
- Soundgarden – Fourth of July

74
INTERDISCIPLINARIDADE

Charles de Montesquieu (1689 – 1755) se debruçou no legado do filósofo grego Aristóteles para criar a obra
“O Espírito das Leis”. Neste livro, o referido pensador francês aborda um meio de reformulação das instituições
políticas através da chamada “teoria dos três poderes”. Segundo tal hipótese, a divisão tripartite poderia se colocar
como uma solução frente aos desmandos comumente observados no regime absolutista.
Mesmo propondo a divisão entre os poderes, Montesquieu aponta que cada um destes deveriam se equilibrar
entre a autonomia e a intervenção nos demais poderes. Dessa forma, cada poder não poderia ser desrespeitado
nas funções que deveria cumprir. Ao mesmo tempo, quando um deles se mostrava excessivamente autoritário ou
extrapolava suas designações, os demais poderes teriam o direito de intervir contra tal situação desarmônica. Neste
sistema observamos a existência dos seguintes poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
O Poder Executivo teria como função observar as demandas da esfera pública e garantir os meios cabíveis
para que as necessidades da coletividade sejam atendidas no interior daquilo que é determinado pela lei. Dessa
forma, mesmo tendo várias atribuições administrativas em seu bojo, os membros do executivo não podem extrapolar
o limite das leis criadas.
Por sua vez, o Poder Legislativo tem como função congregar os representantes políticos que estabelecem a
criação de novas leis. Dessa forma, aos serem eleitos pelos cidadãos, os membros do legislativo se tornam porta-
-vozes dos anseios e interesses da população como um
todo. Além de tal tarefa, os membros do legislativo con-
tam com dispositivos através dos quais podem fiscalizar
o cumprimento das leis por parte do Executivo. Sendo
assim, vemos que os “legisladores” monitoram a ação
dos “executores”.
Em várias situações, podemos ver que a simples
presença da lei não basta para que os limites entre o
lícito e o ilícito estejam claramente definidos. Em tais
ocasiões, os membros do Poder Judiciário têm por fun-
ção julgar, com base nos princípios legais, de que forma
uma questão ou problema serão resolvidos. Na figura
dos juízes, promotores e advogados, o judiciário garante
que as questões concretas do cotidiano sejam resolvi-
das à luz da lei.
Países como Brasil e Estados Unidos adotaram
tais prerrogativas de Montesquieu em seu arranjo polí-
tico e em suas premissas constitucionais, por exemplo.

75
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 14 - Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e


interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca das instituições
sociais, políticas e econômicas.

A Habilidade 14 é recorrentemente cobrada pelo Enem. O contexto intelectual de uma época é


comumente apresentado por meio de fragmentos de textos escritos por grandes intelectuais. Por
esse motivo, o conhecimento prévio dos grandes intelectuais do Ocidente é cobrado pela prova. O
aluno deverá ser capaz de compreender a principal reivindicação política de cada autor, inserindo-
-a no contexto histórico e em sua posição social.
Questões inseridas nessa habilidade são comumente interdisciplinares com filosofia
e sociologia, o que força o estudante a compreender as principais vertentes de pensamento
abordadas por tais disciplinas.

Modelo
(Enem) O texto abaixo, de John Locke(1632-1704), revela algumas características de uma deter-
minada corrente de pensamento.
“Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua pró-
pria pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão dessa liberdade, por
que abandonará o seu império e sujeitar-se ao domínio e controle de qualquer outro poder?
Ao que é óbvio responder que, embora no estado de natureza tenha tal direito, a utilização do
mesmo é muito incerta e está constantemente exposto à invasão de terceiros porque, sendo todos
senhores tanto quanto ele, todo homem igual a ele e, na maior parte, pouco observadores da equi-
dade e da justiça, o proveito da propriedade que possui nesse estado é muito inseguro e muito
arriscado. Estas circunstâncias obrigam-no a abandonar uma condição que, embora livre, está
cheia de temores e perigos constantes; e não é sem razão que procura de boa vontade juntar-se
em sociedade com outros que estão já unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da
vida, da liberdade e dos bens a que chamo de propriedade.”
(Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1991.)

Do ponto de vista político, podemos considerar o texto como uma tentativa de justificar:
a) a existência do governo como um poder oriundo da natureza.
b) a origem do governo como uma propriedade do rei.
c) o absolutismo monárquico como uma imposição da natureza humana.
d) a origem do governo como uma proteção à vida, aos bens e aos direitos.
e) o poder dos governantes, colocando a liberdade individual acima da propriedade.

76
Análise Expositiva

Habilidade 14
John Locke pode ser considerado precursor do ideário iluminista. Um dos pontos fundamen-
tais de sua filosofia considera que a origem do governo significa uma superação do estado de
natureza, por meio do estabelecimento de um “contrato” entre governantes e governados,
em que os direitos naturais (vida, bens e direitos) são preservados.
Alternativa D

Estrutura Conceitual
ILUMINISMO E
INDEPENDÊNCIA DOS EUA

I Iluminismo
Movimento filosófico - expressão do capitalismo

Antecedentes
Expoentes:
◊ Revolução Científica do século XVII René Descartes
◊ Método experimental John Locke
Isaac Newton

Princípios do Iluminismo
◊ Valores: liberdade, igualdade, tolerância e progresso ◊ Crítica ao colonialismo e mercantilismo
◊ Supremacia da razão humana ◊ Liberdade de expressão
◊ Crítica ao absolutismo ◊ Defesa da propriedade privada
◊ Crítica ao dogma religioso ◊ Individualismo

Expoentes
Montesquieu (1698-1755) Rousseau (1712-1778)
◊ Defesa da monarquia constitucional ◊ Crítica à concentração da propriedade privada
◊ Divisão dos três poderes (executivo, ◊ Defesa da soberania popular
legislativo e judiciário) ◊ “O homem nasce bom, mas a sociedade o
corrompe.”
Voltaire (1694-1778)
◊ Crítica ao absolutismo
◊ Crítica à dominação intelectual da Igreja

77
◊ Divulgação das ideias iluministas
Enciclopédia ◊ Sistematização do conhecimento

◊ Crítica ao mercantilismo
Economia ◊ Defesa das leis naturais da economia

Fisiocratismo Liberalismo
◊ A riqueza vem da terra ◊ Oferta e procura
◊ Crítica à interferência do Estado ◊ Livre concorrência
◊ Defesa da propriedade privada
◊ Livre iniciativa (Adam Smith)

Despotismo Esclarecido
Reformas do Estado Absolutista
◊ Frederico II da Prússia
◊ Marquês de Pombal, em Portugal ◊ Conde de Aranda, na Espanha
◊ Catarina II da Rússia ◊ José II da Áustria

II Independência dos EUA


As treze colônias (colonização inglesa)
◊ Comércio
Colônias do Norte e Centro-Norte ◊ Colônias de povoamento ◊ Manufatura
◊ Liberdade religiosa

◊ Colônias de exploração ◊ Negligência salutar


Colônias do Sul (plantation) ◊ Comércio triangular

Causas da ◊ Guerra dos Sete Anos (1756-1763) - Inglaterra × França


independência ◊ Leis inglesas e fim da negligência salutar

1764 - Lei do Açúcar


1764 - Lei da Moeda
1765 - Lei do Selo
- Lei do Aquartelamento
1767 - Lei Townshend
1773 - Lei do Chá
- Festa do Chá de Boston

Processo de independência Consequências


◊ Influência nas colônias ibéricas
◊ 1776 - Segundo Congresso da Filadélfia ◊ Força dos puritanos no Norte
◊ “Declaração de Independência” é aprovada Vitória na Guerra de Secessão
◊ George Washington lidera exército voluntário (1861-1865)
◊ Apoio da França e Espanha ◊ Conquista do Oeste
◊ Constituição de 1776 ◊ Destino Manifesto
◊ Doutrina Monroe

Ideias iluministas 3 poderes


Estados do Norte: liberais
Constituição Republicana Voto Censitário
Estados do Sul: escravistas
Presidencialista Federalista

78
Abordagem de HISTÓRIA DO BRASIL nos principais vestibulares.

FUVEST
Aborda aspectos das inúmeras revoltas que eclodiram no Brasil durante o período regencial
(1831-40). Também costuma realizar abordagens sobre o café no Segundo Reinado e a crise que
derrubou o regime imperial brasileiro, com certa predileção pela questão servil (abolição). Utiliza
inúmeras fontes para elaborar suas questões, entre as quais textos introdutórios, mapas, charges,
fotografias, tabelas e gráficos.

LD
ADE DE ME
D
UNESP
U

IC

Aborda aspectos sociais, como os conflitos existentes no período regencial (1831-40) e as


FAC

INA

1963

manifestações sociais a favor da abolição no Brasil. Também faz uma abordagem do ciclo
BO
T U C AT U

econômico cafeeiro e a sua relação com os imigrantes no país nessa época. Normalmente,
elabora questões com uso de textos médios ou grandes como auxílio para a pergunta, propondo
alternativas concisas.

UNICAMP
Aborda temas referentes à exploração econômica no período imperial (1822-89), no qual o
destaque fica para a cultura cafeeira no Sudeste do país. Aborda também os aspectos que
levaram à derrocada de D. Pedro II e ao advento da República, em 1889. Utiliza textos breves
ou pequenas introduções, além de algumas imagens na elaboração de suas questões, e coloca
alternativas relativamente longas.

ENEM/UFMG/UFRJ
Aborda, com enorme constância, a luta por direitos sociais, dando grande ênfase à questão
abolicionista. Também costuma discutir o conceito de cidadania e as relações políticas na
República Velha (1889-1930). Utiliza textos, mapas, gráficos e imagens de forma mesclada na
elaboração de suas questões.

UERJ
Realiza abordagens históricas em suas questões, que propõem aos candidatos uma reflexão
sobre temas com pertinência contemporânea, como o preconceito e a desigualdade social,
temáticas muito ricas nessa época da história brasileira. Utiliza textos, mapas, gráficos e imagens
de forma mesclada na elaboração de suas questões.
19 20
Regência (1831-1840) e
Segundo Reinado: política
interna (1840-1889)
Competências Habilidades
1, 2, 3 e 5 1, 9, 10, 11, 13,
14, 15 e 22

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômi-
H8
co-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos difer-
entes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia,
favorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
Período Regencial (1831-1840)
Com a abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, teve início o Período Regencial, que se estendeu até o
Golpe da Maioridade, em 1840, quando, com a antecipação da maioridade de D. Pedro II, iniciou-se o Segundo Reinado.
O período regencial é um dos mais conturbados da história política do Brasil, marcado por séria crise
econômica, instabilidade política e revoltas em várias províncias, que ameaçavam a unidade do território brasileiro.
Apesar das dificuldades, as elites nacionais assumiram o controle do poder político e afastaram definitivamente o
risco de recolonização do Brasil, consolidando o Estado nacional.
A Regência foi necessária porque, segundo a Constituição de 1824, o imperador era considerado menor de
idade até os 16 anos, e caso o trono ficasse vago por qualquer motivo, o governo deveria ser exercido por uma regên-
cia da qual deveria pertencer o parente mais próximo do Imperador com mais de 25 anos. Caso esta exigência não
pudesse ser atendida, o país deveria ser governado por uma regência trina e permanente escolhida pela Assembleia
Geral até que o Imperador completasse a maioridade. Como o herdeiro do trono brasileiro D. Pedro II contasse apenas
com cinco anos de idade no momento da abdicação de seu pai, fez-se necessária a instalação da regência.

Regência trina provisória (1831)


A abdicação de D. Pedro I ocorreu num momento em que a Assembleia Geral estava em recesso e os dep-
utados e senadores estavam fora do Rio de Janeiro, em suas respectivas províncias. Em virtude das dificuldades de
comunicação, agravadas pelas distâncias entre as províncias, especialmente, as do Norte e Nordeste, era impossivel
a rápida presença dos políticos para que a Assembleia Geral pudesse se reunir e escolher a regência permanente.
Assim, para que o país não ficasse sem governo, os deputados e senadores que estavam no Rio de Janeiro organizaram,
em caráter de urgência, uma Regência Trinta Provisória, que governaria o país até a Câmara eleger a regência permanente.
Os regentes foram escolhidos segundo o critério político de contemplar os partidos políticos existentes e as forças
armadas. Desse modo, foi escolhido um liberal, o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro; um conservador, o
senador José Joaquim Carneiro de Campos, o marquês de Caravelas; e um militar, o general Francisco de Lima e Silva.

Da esquerda para a direita: Nicolau de Campos Vergueiro; José Joaquim Carneiro de Campos; e Francisco Lima e Silva.
As principais medidas adotadas por essa Regência P rovisória nos dois meses e meio em que esteve no poder foram:
§§ Reintegração do Ministério Brasileiro que havia sido demitido por D. Pedro I;
§§ Anistia aos prisioneiros políticos;
§§ Obrigação de estrangeiros deixarem o Exército;
§§ Suspensão do Poder Moderador, que era exclusivo do imperador; e
§§ Aprovação da Lei da Regência, que proibia os regentes de dissolver a Câmara, decretar guerra ou conceder
títulos de nobreza.

83
Regência trina permanente (1831-1835) Em 1831, foi criada a Guarda Nacional, com
o objetivo de combater os distúrbios que ameaçavam a
ordem vigente. Era subordinada ao Ministério da Justiça
e responsável pela manutenção da ordem pública, cujos
membros eram dispensados do serviço militar obrigatório,
o que enfraqueceu o Exército nacional, pois também re-
tirava deles a exclusividade de manutenção da ordem.
A Guarda Nacional era, ainda, constituída por província
e estava subordinada ao governador provincial. Essa
situação permitiu que a guarda tivesse suas funções
desvirtuadas, tomando o caráter de milícia, tornando-se
uma força paramilitar comandada por membros da elite
agrária que compravam a patente de coronel e obtin-
ham a permissão de recrutar e armar sua milícia. Dessa
forma, a Guarda Nacional servia como instrumento de
poder das oligarquias agrárias e de defesa de seus inter-
esses, especialmente da grande propriedade rural.
O enfraquecimento do Exército era uma forma
João Bráulio Muniz, José da Costa Carvalho e Francisco Lima e Silva. de limitar suas posições cada vez mais revolucionárias,
Para a formação da Regência Trina Permanente pois grande parte dos militares pertencia à classe média
foram adotados critérios de caráter econômico, geográf- e, em geral, apoiavam medidas descentralizadoras e
ico e político, pois eram todos moderados. Representan- muitas vezes defendiam ideias republicanas.
do a elite agrária nordestina, o deputado pela Bahia, Em 1832, o ministro Feijó entrou em atrito com
José da Costa Carvalho, marquês de Monte Alegre; o deputados e senadores que se opunham ao aumento
deputado maranhense João Braulio Menezes e pelo dos seus poderes. Tentou destituir José Bonifácio de
Sul e Sudeste o senador pelo Rio de Janeiro, general Andrada do cargo de tutor de D. Pedro II, acusando-o
Francisco de Lima e Silva, Barão de Barra Grande, rep- de conspiração, por ser ele do partido restaurador. Os
resentando também o exército como responsável pela desentendimentos levaram à renúncia de Feijó do cargo
manutenção da ordem política e social do país. de Ministro da Justiça.
Ao padre Diogo Antonio Feijó, deputado moderado, Também em 1832, foi criado o Código de Pro-
coube a pasta de Ministro da Justiça, para a qual exigiu e
cesso Criminal, através do qual foram ampliados os
recebeu dos regentes autonomia de ação, para poder en-
poderes dos municípios que teriam mais autonomia ju-
frentar os motins que pipocavam, principalmente no Rio de
diciária, com os juízes de paz eleitos pela população
Janeiro, e as agitações políticas e sociais do período.
local e com a instituição do júri para julgar a maioria
dos crimes e dos habeas corpus.

Correntes políticas
Esse período também foi marcado pelo surgi-
mento dos primeiros partidos políticos do Brasil, orig-
inados nos grupos políticos que existiam no Primeiro
Reinado: os partidos português, brasileiro e liberais rad-
icais. Os partidos surgidos na Regência foram Liberais
Batalhão de Fuzileiros da Guarda Nacional (1840-1845)
Disponível em: <multirio.rj.gov.br/historia>. Moderados, Liberais Exaltados e Restauradores. Poste-

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riormente, esses partidos vão passar por transformações, levando ao surgimento dos partidos liberal e conservador,
os mais importantes durante o Segundo Reinado (1840-1889).

Liberais Moderados ou Chimangos


§§ Principal força política que controlava o governo na época.
§§ Composto pela aristocracia rural, especialmente do Sudeste, e grandes comerciantes.
§§ Monarquistas e escravistas que não admitiam a volta de D. Pedro I.
§§ Defesa do voto censitário.
§§ Defesa de um forte controle do poder imperial sobre as províncias (centralizadores).
§§ Ligados à Sociedade Defensora da Liberdade e da Independência Nacional.
§§ Apoiados pelos jornais A Aurora Fluminense, Astrea e O Sete d’Abril.

Liberais Exaltados,Farroupilhas ou Jurujubas


§§ Proprietários rurais de regiões periféricas à influência do Rio de Janeiro e elementos das camadas médias urbanas.
§§ Defesa do regime republicano e extinção do Poder Moderador.
§§ Federalismo (autonomia provincial).
§§ Pregação de alguns ideais democráticos como o voto universal.
§§ Ligados à Sociedade Federal.
§§ Jornais: A Malagueta, A Trombeta dos Farroupilhas e O Grito dos Oprimidos.

Restauradores ou Caramurus
§§ Portugueses, descendentes de portugueses e burocratas ligados ao antigo governo de D. Pedro I.
§§ Contrários a qualquer reforma política (conservadores).
§§ Absolutistas.
§§ Objetivo básico: volta de D. Pedro I.
§§ Clube político: Sociedade Militar.
§§ Jornais: O Caramuru, O Caolho e O Tamoio.

Partido Liberal (Luzias)


§§ Profissionais liberais urbanos e agricultores ligados ao mercado interno.
§§ Descendentes políticos; autonomia para províncias (federalismo).
§§ Contra o poder moderador e o senado vitalício.

Partido Conservador (Saquaremas)


§§ Burocratas do Estado; grandes comerciantes e fazendeiros ligados à exportação.
§§ Defesa do fortalecimento do poder executivo e maior centralização.
§§ Diminuir autonomia das províncias.

Primeiro Reinado Part. Brasileiro Part. Português


Part. Liberal Exaltado Part. Liberal Moderado Part. Restaurador
Período Regencial
(1831-1840) Progressistas Regressistas

Part. Liberal Part. Conservador


Segundo Reinado
Part. Liberal Part. Conservador
(1840-1889)

85
O Ato Adicional (1834) Uma parcela significativa dos membros do Parti-
do Liberal Moderado, o mesmo do Regente, não apoia-
Em 1834, com o objetivo de minimizar os conflitos va seu governo. A divergência provocou uma divisão no
regionais e em atenção aos interesses dos grupos locais, a partido. Os feijosistas apoiavam-no na tentativa de criar
fim de acalmar as agitações sociais e políticas, foi realizada um novo partido, o Partido Progressista, sem êxito. Os
uma reforma na Constituição de 1824: o Ato Adicional demais, conservadores, formaram o partido Regressista,
de 1834, aprovado pela Lei no 16, em 12 de agosto. que fez forte oposição a Feijó.
Ele introduziu mudanças significativas na Constitu-
ição de 1824: extinguiu o Conselho de Estado, órgão que
assessorava o governo imperial, substituído pela criação
das Assembleias Legislativas Provinciais, com pode-
res para legislar a respeito da organização local no que se
referisse às questões de caráter civil, judiciária, eclesiástica,
educacional, funcionalismo, polícia e economia, proporcio-
nando mais autonomia para as províncias. O presidente da
província, ou seja, o chefe do Poder Executivo, continuava
a ser indicado pelo imperador ou regente.
A Regência Trina Permanente foi substituída por
uma Regência Una, eletiva e temporária da qual o re-
gente seria eleito por voto censitário e direto para um
mandato de 4 anos.
O Ato Adicional estabeleceu, ainda, transfor-
mação da cidade do Rio de Janeiro como Município Diogo Antônio Feijó, regente único de 1835 a 1837.
Miguelzinho Dutra (1810-1870).
Neutro, onde ficaria a corte, definindo como sede da
Província do Rio de Janeiro a cidade de Niterói. O mandato de Feijó estenderia-se até 1839, uma vez
As medidas e mudanças desencadeadas pelo que o mandato do Regente Uno era de quatro anos. Todavia,
Ato foram consideradas uma “experiência republi- diante das dificuldades econômicas e políticas que seu gov-
cana” no Brasil, levando o período a ser considerado erno enfrentava e com a saúde seriamente comprometida,
um avanço liberal. Feijó resolveu renunciar ao mandato em 1837.
No mesmo ano foram marcadas eleições para
a escolha do novo regente, na qual foi eleito por uma
Regência Una de Araújo Lima
pequena diferença de votos o padre Diogo Antonio (1837-1840)
Feijó, que representava as oligarquias agrárias sulistas,
Pedro de Araújo Lima, representante dos regres-
concorrendo pelo partido Liberal Moderado. sistas, assumiu inteiramente o cargo de Regente Uno
após a renúncia do padre Feijó e foi efetivado no cargo
Regência Una de Feijó (1835-1837) em 1838, após vencer as novas eleições regenciais.
O governo de Araújo Lima caracterizou-se pelo
Na chefia do governo, o paulista Feijó enfrentou conservadorismo, justificado como necessário para con-
muitos problemas: revoltas nas províncias (Cabanagem, ter as revoltas cada vez mais graves que agitavam o
Sabinada e Farroupilha) crise econômica; divergências país e ameaçavam a unidade do território nacional. O
com a Igreja Católica – uma vez que o governo defendia liberalismo do Ato Adicional era apontado como prin-
a extinção de ordens eclesiásticas e do celibato cleri- cipal responsável pelas agitações do período e a volta
cal, mais autonomia para os membros do clero; falta de à centralização era vista como necessária para resta-
apoio político; e divisão interna no partido. belecer a ordem no país.

86
Araújo Lima nomeou Bernardo Pereira de Vascon- entre o grupo palaciano que gozava de grande intimi-
celos para Ministro da Justiça, o que significou um grande dade junto ao jovem herdeiro do trono. Em 22 de julho
ganho para os adeptos da grande discussão que era tra- de 1840 a proposta foi levada ao jovem herdeiro por
vada na Câmara dos Deputados e no Senado a respeito uma comissão, que o consultou se aceitava ascender ao
da interpretação do Ato Adicional, que foi transformada trono imperial. O regente Araújo Lima chegou a propor
e aprovada como a Lei de Interpretação do Ato Adi- que a maioridade lhe fosse concedida no próximo dia 2
cional, em 1840. Na prática, a nova lei anulava várias de dezembro, quando completaria 15 anos. D. Pedro de
medidas descentralizadoras do Ato Adicional. Alcântara respondeu que queria a antecipação de sua
O controle do sistema judicial exercido pelas As- maioridade imediatamente.
sembleias Provinciais passou a ser exercido pelo poder
central; as câmaras municipais e as assembleias provinci-
ais tiveram suas competências redefinidas e as províncias
perderam sua autonomia. As medidas conservadoras e
centralizadoras continuaram, como a reconstituição dos
Conselhos de Estado e, finalmente, o governo central
voltou a ter todo o poder administrativo e judiciário em
suas mãos. Por isso esse período ter sido definido como
Regresso Conservador ou "Duplo regresso".

Coroação de D. Pedro II. Óleo sobre tela.


François-René Moreaux (1807-1860).

O Golpe da Maioridade pôs fim ao Período Regen-


cial e marcou o início do Segundo Reinado, que duraria
até 1889, quando foi proclamada a República no Brasil.

Versos: Golpe da mariodidade


"Queremos D. Pedro II,
Ainda que não tenha idade.
A nação dispensa a lei.
viva a maioridade!"

"Por subir Pedrinho ao trono,


Não fique o povo contente;
Não pode ser coisa boa
Pedro de Araújo de Lima Servindo com a mesma gente".

Mas os Progressistas/Liberais não se deram por


vencidos. Contrários à centralização do regime, funda- Revoltas regenciais
ram o Clube da Maioridade cujo objetivo era antecipar
a maioridade de D. Pedro II, permitindo sua imediata Os movimentos sociais desse período da História
ascensão ao trono e afastando os Regressistas/Con- do Brasil mostram a inquietação dos diferentes segmentos
servadores do poder. Iniciaram então a Campanha da sociais e das elites dominantes por motivos diversos. Havia
Maioridade, que cresceu e ganhou adeptos em todas as quem desejasse reformas mais profundas, especialmente
províncias, especialmente no Rio de Janeiro, até mesmo após a abdicação de D. Pedro I, pois o centralismo que

87
vigorava no I Reinado era incompatível com o interesse de A rebelião contava com aproximadamente
diferentes grupos sociais, desde os marginalizados como 600 participantes, o que corresponderia hoje a 24 mil
os escravos, que expressaram sua insatisfação na revolta homens; portanto, foi uma grande revolta que durou
dos Malês; aos proprietários de terras no Sul, insatisfeitos apenas algumas horas: noite do dia 24 para 25 de
com a política fiscal e econômica adotada pelo governo janeiro de 1835 em que os revoltosos ocuparam al-
levando a Revolução Farroupilha. gumas ruas de Salvador. O movimento negro reper-
cutiu no Império, permanecendo por longo tempo na
memória das classes dominantes da Bahia e da Corte,
que tomaram diversas medidas para impedir que outro
movimento similar ocorresse.

“Mestres muçulmanos forma-


ram a liderança do movimento da re-
volta [...] e, durante o levante, seus
seguidores ocuparam as ruas usando
vestimentas islâmicas e amuletos con-
tendo passagens do Alcorão, sob cuja
proteção acreditavam estar de corpo
fechado contra as balas e espadas dos
soldados.”
João José Reis. "Nos achamos em campo a tratar da liber-
dade: a resistência negra no Brasil". In: MOTA, Carlos G.
(Org.) Viagem incompleta (1500-2000). vol.1. 2.ed. São
Paulo: Senac, 2000. p. 241

Levante dos Malês (Bahia, 1835)


A repressão aos envolvidos foi violenta e exemplar
O movimento foi a mais importante revolta de como era de se esperar das autoridades a um movimento
escravos da história da Bahia. Os malês eram negros de escravos. Os envolvidos foram condenados a penas de
muçulmanos africanos. O nome malê vem de imalê, que prisão simples, prisão de trabalho, açoites, morte e de-
significa muçulmano na língua iorubá, e são conhecidos portação para a África. Dos 16 condenados à morte por
na Bahia como nagô. Outros grupos mais islamizados fuzilamento, 12 conseguiram a comutação da pena.
também participaram da revolta. Foi uma revolta contra
a escravidão como tantas outras ocorridas no Brasil. Cabanagem (Grão-Pará, 1835-1840)
A economia do Grão-Pará baseava-se no extra-
tivismo de drogas do sertão, de madeira e na produção
de cacau e arroz à custa da exploração da mão de obra
indígena, uma vez que o número de escravos era re-
duzido na Província. Havia ainda um pequeno comér-
cio controlado por portugueses e seus descendentes.
A maioria da população era composta por mestiços,
brancos pobres e índios destribalizados que viviam de
forma miserável em casas de palafitas, razão pela qual
os rebeldes eram chamados de cabanos.

Negro de origem muçulmana.


Viagem Pitoresca e História do Brasil. Debret.

88
Esta era uma região marcada pela miséria, pela exclusão social e pela fome, terreno propício, portanto, para
as revoltas da população que provocavam constantes levantes no interior e na capital Belém.

Fonte: <guiadoestudante.abril.com.br>.
No início de 1835, os revoltosos tomaram o poder na capital da Província chefiados pelo fazendeiro Félix
Clemente Malcher, que entrou em atrito com cabanos mais radicais e jurou lealdade ao Império. Malcher foi deposto
e executado pelos rebeldes. O poder passou para Francisco Pedro Vinagre, quando se intensificou a repressão ao
movimento por parte do Governo Regencial.
Em 21 de fevereiro, Vinagre foi derrotado pelas forças regenciais, mas outro líder, Eduardo Angelim, conseguiu
arregimentar cerca de três mil homens e atacar Belém, em 14 de agosto de 1835. Derrotou as forças fiéis ao governo
regente e foi aclamado presidente da Província pelos cabanos da República Independente do Pará. A partir disso, a
Cabanagem espalhou-se pela região.
À medida que a participação dos extratos mais pobres e desfavorecidos da sociedade aumentava, os grupos
dominantes afastavam-se do movimento, temendo o radicalismo das massas, enfraquecendo o governo rebelde e
facilitando a ação das tropas repressoras.
Os conflitos estenderam-se até 1840, caracterizados pela violência crescente praticada por ambos os lados,
mas principalmente o das tropas legalistas. Já no início do Segundo Reinado, a província foi finalmente pacificada.
No início da revolta, a província do Pará contava com 100 mil habitantes, dos quais entre 30 e 40 mil morreram
durante a guerra, uma porcentagem enorme (30% a 40%) e impensável nos dias atuais.
Além da implantação de uma República, do desejo de uma reforma agrária e da luta contra desigualdades, os rebel-
des não tinham um programa político definido e não mantiveram a unidade necessária contra a repressão governamental.
A Cabanagem foi o único movimento genuinamente popular do Período Imperial em que camadas populares
tomaram e mantiveram por certo período o poder em uma província.

Sabinada (Bahia, 1837-1838)


A Sabinada, liderada pelo médico, Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, teve início em setembro de 1837,
como resultado da insatisfação de segmentos sociais médios de Salvador com a realidade da província esquecida
pelo poder central e atravessando séria crise econômica.

89
Revoltados com o centralismo político regencial A revolta teve início quando o vaqueiro Rai-
e a imposição de presidentes à província, atual governa- mundo Gomes, ligado aos “bem-te-vis”, e alguns com-
dor do Estado, os revoltosos proclamaram a República panheiros atacaram a cadeia para libertar seu irmão
Bahiense, que se separaria do Império Brasileiro provi- preso e acusado de assassinato. Alguns soldados re-
soriamente até que D. Pedro II alcançasse a maioridade
uniram-se a eles e iniciaram uma marcha que receberia
e assumisse o trono.
adesão por onde passasse, notadamente de mulatos,
Os grandes proprietários rurais baianos não
escravos, quilombolas, chefiados pelo negro Cosme e
apoiaram a revolta e auxiliaram a repressão governa-
mental ao movimento, que acabou sufocado. Casas por artesãos, dentre eles Francisco dos Anjos Ferrei-
foram incendiadas e rebeldes atirados às fogueiras. As ra, de cujo ofício – fazer e vender balaios – derivou o
estatísticas apontam para mais de 2 mil mortos. O líder, nome da revolta.
o médico Sabino, foi degredado para Goiás, de lá foi O movimento não tinha objetivos bem definidos,
para Mato Grosso, onde morreu algum tempo depois. uma vez resultado da insatisfação das camadas popu-
Porém, vale a lembrança de que, os revoltosos lares com a pobreza e a miséria vigentes e da falta de
baianos auxiliaram na fuga de Bento Gonçalves do
compromisso das autoridades. Mesmo desorganizados,
chamado Forte do Mar (atual Forte de São Marcelo),
os rebeldes conseguiram tomar a cidade de Caxias, pro-
e que este fugitivo foi grande líder da Revolução Far-
movendo saques e ataques a várias vilas.
roupilha, ocorrida no Sul do Brasil e , com duração de
dez anos (1835-1845). Luis Alves de Lima e Silva, futuro barão de Cax-
ias, foi nomeado presidente da província, em 1840, pro-
movendo forte repressão aos revoltosos. Quando ascen-
Balaiada (Maranhão, 1838-1840)
deu ao trono, D. Pedro II concedeu anistia aos rebeldes
Nas primeiras décadas do século XIX, a econo- que ainda restavam e pôs fim ao movimento (1841).
mia maranhense enfrentava uma séria crise em virtude
principalmente da concorrência norte-americana na pro- Revolução Farroupilha (Rio Grande do
dução e exportação de algodão. A retração econômica
agravava a fome e a miséria de grande parte da popu-
Sul e Santa Catarina, 1835-1845)
lação local.
O poder político da província era disputado por O mais longo movimento revolucionário ocorrido no
liberais (“bem-te-vis”) e conservadores, que frequente- Brasil teve inicio no Rio Grande do Sul e, posteriormente,
mente recorriam à violência para alcançar seus objeti- estendeu-se para Santa Catarina, onde foram proclamadas,
vos. Era comum a impunidade pelos crimes políticos, o respectivamente, as Repúblicas de Piratini e Juliana.
que agrava a violência de ambas as partes. A instabili-
dade política e social favorecia as constantes fugas de
escravos para quilombos que, para sobreviver, saqueav-
am as fazendas.

Pintura de 1893 que homenageia a carga de cavalaria farroupilha. Rep-


resentações posteriores transformaram essa bravura em característica
dos gaúchos. Museu Júlio de Castilhos.

Fabricantes de balaios, século XIX. Disponível em: <revistadehistoria.com.br>.

90
A Guerra dos Farrapos foi motivada pela insat- Santa Catarina, em 1839. Inicialmente tomaram a cidade
isfação dos estancieiros, criadores de gado, e dos char- de Laguna e proclamaram a Republica Juliana. Em Lagu-
queadores com os altos impostos cobrados pelo poder na, Giuseppe conheceu e apaixonou-se por Anita Garib-
central. No Rio Grande do Sul, o conflito foi agravado aldi, habilidosa amazona que chegou a lutar ao lado das
pelo imposto sobre o charque, dificultando a concor- tropas republicanas.
rência com o charque platino, pela excessiva central-
ização política do Império, que nomeava presidentes
para a província sem consultar, e não raro sem agradar
os vários setores da elite local. Os revoltosos queriam
mais autonomia provincial e o direito de escolher gov-
ernantes mais sensíveis aos problemas da região e com-
prometidos com a solução deles. Por isso, a revolta foi
encabeçada pelos grandes estancieiros, charqueadores,
comerciantes e representantes da cúpula militar
rio-grandense, interessada em atender os interesses
dessa elite, com caráter separatista, republicana, sem
preocupação social e divergências entre os farroupilhas.
Aqueles preocupados com questões sociais e econômi-
cas, inclusive a abolição da escravidão, confrontavam-se
com os defensores de seus interesses pessoais.
Embora determinasse a criação das Assembleias
Legislativas Provinciais, o Ato Adicional de 1834 não
resolveu o problema das insatisfações gaúchas, uma
vez que o presidente da província continuava a ser no-
meado pelo governo central da Regência. Já na primeira
reunião da Assembleia Gaúcha, em 1835, houve sérias Giuseppe Garibaldi, Bento Gonçalves e Davi Canabarro.
divergências entre os deputados estancieiros, liderados
por Bento Gonçalves, e o presidente nomeado para a Em 1840, ao mesmo tempo em que teve início o
província, Antonio Rodrigues Braga. Segundo Reinado, a Revolução Farroupilha perdia força,
Insatisfeitos, os estancieiros formaram uma declinava, bem como agravavam-se as discordâncias entre
tropa que atacou Porto Alegre, depôs o presidente da os revoltosos. Define-se então sua divisão em dois grupos:
província e proclamou a República Rio-grandense ou os “majoritários”, progressistas, de um lado e os “mi-
República de Piratini, nomeando Bento Gonçalves para noritários“, conservadores, de outro, favoráveis ao status
presidente. A República gaúcha estimulou a criação de quo do Rio Grande do Sul como província do Império.
gado e a exportação do charque e de couro. Entre os anos de 1841 e 1842 o poder de de-
A resposta do Governo Regencial foi imediata: cisão do conflito passou para as mãos dos conservador-
enviou tropas para a região que venceram os rebeldes es. Em 1842, Luiz Alves de Lima e Silva foi nomeado
em batalha próxima a Porto Alegre, prenderam Bento pelo Imperador Presidente e comandante de armas da
Gonçalves e conduziram-no a uma prisão na Bahia. província com a determinação de que conseguisse a paz
Lá foi ajudado pelos rebeldes da Sabinada, conseguiu na região e a reintegração do Rio Grande do Sul e Santa
fugir da prisão e retornar ao Rio Grande do Sul, onde Catarina ao Império. Com esse objetivo em mente, Cax-
reassumiu presidência da República de Piratini. ias traçou uma estratégia dúbia, oscilando entre violen-
A partir de 1837, as forças rebeldes passaram a tos combates e concessões aos rebeldes.
contar com a ajuda do revolucionário italiano Giuseppe A posição social de prestígio e o poder econômi-
Garibaldi, que, auxiliado pelo estancieiro Davi Canabarro co das lideranças rebeldes fizeram o Império tratar a
e seus homens, conseguiram estender a revolução até revolução Farroupilha de maneira diferente dos outros

91
movimentos populares. Apesar de combater o movi-
mento, Caxias procurava uma solução negociada, aten-
dendo várias reivindicações dos rebeldes, o que não foi
feito com outros movimentos populares.
O conflito foi finalizado a partir de um acor-
do entre as lideranças imperiais e rebeldes, firmando,
em 28 de fevereiro de 1845, o Acordo de Ponche
Verde, que estabelecia:

§§ anistia dos envolvidos gaúchos;


§§ incorporação dos farrapos ao exército nacional;
§§ permissão para escolher o presidente de província;
§§ devolução de terras confiscadas durante a guerra;
§§ proteção ao charque gaúcho da concorrência
externa com sobretaxa sobre o charque impor-
tado; e
§§ libertação dos escravos envolvidos.

É importante lembrar que o Governo Imperial era


contrário à libertação dos escravos do exército republi- O jovem Pedro, aos doze anos de idade. Félix Émile Taunay (1837).

cano. Todavia, firmou-se a promessa de libertação deles §§ Estruturação (1840-1850) – período de


que os rebeldes não aceitavam quebrar. A solução foi consolidação do governo marcado pela pacifi-
enviar soldados negros para outras regiões, onde foram cação das revoltas que surgiram na regência
trucidados pelas forças imperiais. Dessa maneira reduz- e no próprio Segundo Reinado, criação de leis
iu-se o número de escravos alforriados na região. voltadas para o equilíbrio e a ordem internas e
estruturação de dois grandes partidos (Liberal e
Segundo Reinado Conservador).
§§ Apogeu (1850-1870) – fase de prosperi-
(1840-1889) dade e desenvolvimento econômico, realizações
modernizantes e surto industrial, resultado das
Graças ao Golpe da Maioridade, em julho de 1840,
grandes rendas geradas pela exportação de café.
D. Pedro II tornou-se Imperador do Brasil com apenas 14
O Império envolveu-se ainda em questões na
anos. Era o início do Segundo Reinado, graças ao hábil
Região Platina e na Guerra do Paraguai (1864–
golpe dos liberais que desejavam retomar o controle do
poder central, do qual foram afastados desde a ascensão 1870), vencendo-as todas, apesar de a última

do regente Araújo Lima. Por intermédio da figura do Imper- deixar-lhe grandes sequelas.

ador, na qual se conjugavam prestígio e poder e por meio §§ Declínio (1870-1889) – crescimento dos mov-

da restauração do poder Moderador, visavam a conseguir imentos Abolicionista e Republicano, bem como
resgatar a estabilidade política do Império, controlando as de prestígio do Exército. O Império envolveu-se
rebeliões que ameaçavam a integridade do território. em questões que solaparam importantes bases
Didaticamente, o estudo do Segundo Reinado de sua sustentação, o que contribuiu para sua
pode ser dividido em três fases: queda e para a Proclamação da República.

92
Política interna do Segundo Reinado Em 1853, por iniciativa de Honório Hermeto
Carneiro Leão, o Marquês do Paraná, foi formado o
O Segundo Reinado caracterizou-se pela disputa gabinete da Conciliação, composto por liberais e con-
política e alternância à frente dos ministérios e gabine- servadores. A conciliação caracterizou-se pela alternân-
tes entre os partidos Liberal e Conservador. Este últi- cia política pacífica entre liberais e conservadores, que
mo era adepto de mais centralização política. Fora isso, adotavam a mesma política no governo e na oposição.
eram poucas as divergências ideológicas entre os dois
partidos, que representavam basicamente os mesmos
Partidos políticos
grupos sociais: grandes proprietário rurais, comerci- Há uma frase famosa, atribuída ao político
antes e funcionários públicos ávidos pelo poder. pernambucano Holanda Cavalcanti que diz: “nada se
O primeiro ministério foi formado por D. Pedro II, assemelha mais a um ‘saquarema’ do que um ‘luzia’ no
em 1840, e composto por políticos do Partido Liberal re- poder”. “Saquarema” era o apelido dos conservadores
sponsáveis pelo Golpe da Maioridade. Ficou conhecido e deriva do município fluminense de Saquarema, onde
como Ministério dos Irmãos, uma vez composto pelos os principais chefes do partido possuíam terras e tor-
irmãos Antonio Carlos e Martim Francisco de Andrada; naram-se famosos pelos desmandos eleitorais. “Luzia”
os viscondes de Suassuna e Albuquerque, a família Cav- era o apelido dos liberais, em alusão à Vila de Santa
alcanti e os irmãos Aureliano e Antonio Coutinho. Luzia, em Minas Gerais, onde ocorreu a maior derrota
As primeiras eleições do Segundo Reinado re- deles durante as Revoltas Liberais de 1842.
alizaram-se ainda em 1840. No poder, os liberais uti-
lizaram a coação, a fraude e a violência para garantir
a vitória dos deputados de seu partido e a maioria das
cadeiras no Congresso. Em virtude dos acontecimentos,
essas eleições ficaram conhecidas como as “eleições
do cacete”. Passados dois anos dos fatos, os in-
cidentes levaram D. Pedro II a anular as eleições e a
dissolver o gabinete liberal, nomeando outro composto
pelos conservadores. No poder, eles restauraram o Con-
selho de Estado (Órgão do Poder Moderador extinto na
Regência), o Código de Processo Criminal, modificado
em 1841, e todo o aparelho judicial e administrativo foi
novamente concentrado pelo poder imperial. As práticas
eleitorais assentadas nas fraudes e na violência continu-
aram por todo o Segundo Reinado, sempre procurando
favorecer o partido que estava no poder.
Os liberais revoltados com a saída do poder e
com a anulação das “eleições do cacete”, passaram a
fomentar revoltas em algumas províncias, conhecidas
como Revoltas Liberais de 1842. Eclodiram movimen-
D. Pedro I representado como o Poder Moderador entre os partidos
tos em São Paulo, sob a liderança do ex-regente Feijó Liberal e Conservador. Gravura de Henrique Fleiuss (1824-1882)
e do senador e ex-regente provisório Nicolau Pereira
de Campos Vergueiro. Em Minas Gerais, o movimento Embora as diferenças entre os partidos Liberal
teve início na cidade de Barbacena, liderado por Teófilo e Conservador não fossem marcantes, seus programas
Otoni. Reprimidos por Luis Alves de Lima e Silva, suas apresentavam pontos que os distinguiam.
lideranças foram presas e anistiadas em 1844, quando Os liberais defendiam mais autonomia provincial,
um gabinete liberal ascendeu novamente ao poder. Justiça eletiva, separação da política e da justiça, redução

93
do poder moderador, eleição direta nas cidades maiores, tado, que representava o país no exterior e resguardava
Senado temporário, abolição da Guarda Nacional, liber- internamente o sistema com o poder de demitir o pri-
dade de consciência, de educação, do comércio e da in- meiro-ministro, dissolver o parlamento e convocar novas
dústria. A composição social dos liberais contava com eleições. Daí a frase: "O rei reina, mas não governa".
profissionais liberais, comerciantes e donos de terras de No Brasil, o Imperador utilizava-se do Pod-
São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, notadamente. er Moderador para nomear o primeiro-ministro e os
Os conservadores defendiam fortalecimento do demais ministros para depois convocar eleições. Se o
poder central e moderador e controle centralizado da primeiro-ministro fosse Conservador, procurava-se a
magistratura e da polícia. Coube a eles imprimirem o tom qualquer custo garantir a vitória dos conservadores; se
e definirem o conteúdo político ao Estado Imperial. Os fosse Liberal, fazia-se o mesmo para garantir a maioria
conservadores eram, em geral, donos de terras e buro- liberal no Legislativo. Por funcionar de maneira diferente
cratas. do modelo clássico inglês, o parlamentarismo brasileiro
Tanto liberais quanto conservadores não tinham era chamado de “parlamentarismo às avessas”. Daí a
problemas em mudar de lado ou defender propostas frase:"O rei reina, governa e administra".
que lhes interessassem pessoalmente, o que criou um Funcionamento do parlamentarismo no Brasil
perfil ideologicamente frouxo e de pouca convicção
para os partidos do período.
O denominador comum dos partidos era a
manutenção da estrutura escravista de produção e a
alienação das massas do processo político. Resguar-
dados os privilégios, evitar-se-ia a ascensão social dos
menos favorecidos, mantendo a estrutura quase intacta.
Os dois partidos alternavam-se no poder, defendendo
os interesses comuns e lutando pelo exercício do poder
político.
Revolução Praieira (Pernambuco, 1848)
A pacificação do país após o fim da Guerra dos
A situação de Pernambuco, os movimentos lib-
Farrapos, em 1845, fez o Sul voltar a fazer parte da erais ocorridos em 1848 ("Primavera dos povos") na
nação. No fim da década de 1840, o Império estava su- Europa e a excessiva centralização política do Império
ficientemente calmo e assentado no revezamento dos podem ser consideradas as principais causas da Rev-
partidos no poder. olução Praieira.
Predominavam na província, a concentração de
O parlamentarismo “às avessas” terras e a exclusão social e política da maioria da popu-
Em 1847 foi criado o cargo de Presidente do lação. Cerca de um terço dos engenhos concentrava-se
Conselho de Ministros – primeiro-ministro –, que for- em poder da família Cavalcanti, o que bem atesta uma
malizava a implantação do sistema Parlamentarista no trovinha popular da época:
Brasil. As razões para a implantação do novo sistema
Quem nascer em Pernambuco,
foram a pouca idade e inexperiência do Imperador D. deve ser desenganado
Pedro II e a influência inglesa no Brasil. ou há de ser Cavalcanti
Entretanto, o parlamentarismo brasileiro fun- ou há de ser cavalgado...
cionava de maneira diferente do britânico. No sistema
britânico, o povo elegia os membros do Parlamento, e o O restante das melhores terras estava em pod-
partido que obtivesse mais votos ganhava o direito de er das famílias Rego Barros, Souza Leão e Albuquerque
indicar o primeiro-ministro, que, por sua vez, indicava os Maranhão. A concentração fundiária provocava miséria
demais ministros. Além disso, o primeiro-ministro torna- e dependência da maioria da população. O comércio
va-se Chefe de Governo, enquanto o rei era Chefe de Es- na província era controlado por portugueses, que se re-

94
cusavam a oferecer trabalho a brasileiros, agravando a Foram travados combates em Recife, Olinda e no
exclusão social na região. interior com constantes derrotas dos rebeldes, numa das
A política pernambucana era controlada pelos quais morreu Nunes Machado. Pedro Ivo e Borges da Fon-
Cavalcanti, que comandavam tanto o Partido Liberal seca decidiram atacar a Paraíba, onde o último foi morto e
quanto o Conservador, garantindo sua perpetuação o primeiro ofereceu resistência até ser preso em 1850. Con-
no poder. Os liberais mais radicais revoltados com hecido como “Capitão da Praia”, Pedro Ivo foi levado para
a situação fundaram um novo partido para se opor o Rio de Janeiro, de onde conseguiu fugir em um navio com
aos latifundiários. Como a sede do novo partido fica- destino à Europa. Faleceu logo depois de o navio zarpar.
va situada no prédio do jornal Diário Novo, na Rua Foi concedida liberdade de imprensa na provín-
da Praia, no Recife, o partido ficou conhecido como cia. Em 1852, os rebeldes presos foram anistiados, en-
partido da Praia, e seus membros como os praieiros. cerrando definitivamente o movimento e inaugurando
Suas ideias comportavam propostas do socialismo um período de paz e estabilidade no Segundo Reinado.
utópico, do nacionalismo e do liberalismo.

A rebelião começou em Olinda e logo se alastrou pelo interior da província.

O movimento praieiro eclodiu, em novembro


de 1848, quando o liberal Antonio Pinto Chichorro da
Gama foi demitido da presidência de Pernambuco e
substituído pelo conservador Herculano Pena. Os prin-
cipais líderes foram o próprio Chichorro da Gama, o
capitão Pedro Ivo Veloso, os deputados Nunes Machado
e Felix Peixoto de Brito, o jornalista e proprietário do
Jornal Diário Novo, Antonio Borges da Fonseca, autor
do “Manifesto ao Mundo”, que trazia as principais
reivindicações dos revoltosos: República; federalismo;
voto universal; liberdade de imprensa; nacionalização
do comércio; extinção do Senado vitalício e do Poder
Moderador; independência dos poderes; garantia de
emprego para os brasileiros; expulsão dos portugueses;
e reforma do Poder Judiciário de forma a assegurar os
direitos individuais dos cidadãos.
O programa não trazia proposta de grandes
mudanças nas estruturas sociais, como abolição da es-
cravatura ou limites ao latifúndio, mesmo porque era
liderado por membros da elite revoltados com o autori-
tarismo e o centralismo do Império e na província.

95
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR

Vídeo Balaiada - uma história de amor e fúria

Fonte: Youtube

Vídeo Revolta dos Malês-180 Anos

Fonte: Youtube

Vídeo O Brasil por Eduardo Bueno - A Sabinada

Fonte: Youtube

Filme O Tempo e o Vento

O filme retrata uma história de 150 anos da família Terra Cambará e da


oponente família Amaral, a partir da perspectiva da personagem Bibiana.
A história de lutas entre as duas famílias começa nas Missões e vai até o
final do século XIX. O longa metragem apresenta também o período de
formação do estado do Rio Grande do Sul e a disputa de território entre
as coroas portuguesa e espanhola.
96
ASSISTIR

Filme O Cônego – Senderos da Cabanagem

Uma ficção inspirada em fatos históricos cuja trama tem por base a
experiência vivida pelo Cônego Batista Campos no período preparatório
a eclosão da revolução cabana que teve seu desfecho em 7 de janeiro de
1835 com a tomada de Belém. Seguindo a trilha do Cônego, o espectador
será levado ao encontro com Lavor Papagaio, Manoel Vinagre e diversos
homens e mulheres que por sua condição social e ímpeto revolucionário
passariam com a alcunha coletiva de Cabanos.

Filme A Casa das Sete Mulheres – O Filme

Ambientada na década de 1830, durante a Revolução Farroupilha no Rio


Grande do Sul, a trama conta a história da Guerra dos Farrapos a partir da
visão das mulheres da família do líder dos revolucionários, Bento Gonçalves
(Werner Schünemann). Durante os dez anos que durou o conflito, Ana
Joaquina (Bete Mendes), Maria (Nívea Maria), Manuela (Camila Morgado),
Rosário (Mariana Ximenes), Mariana (Samara Felippo), Caetana (Eliane
Giardini) e Perpétua (Daniela Escobar) se refugiaram em uma estância para
esperar a volta dos homens. O diário de Manuela conduz a narrativa.

Filme Netto Perde Sua Alma

Antônio de Souza Netto, general brasileiro, é ferido durante a Guerra


do Paraguai (1861-1866) e recolhido ao Hospital Militar de Corrientes,
na Argentina. No hospital, o general percebe que coisas estranhas
acontecem ao seu redor. Um paciente, o capitão de Los Santos, acusa o
cirurgião de amputar suas pernas sem necessidade. Nessa mesma noite,
Netto recebe a visita de um antigo camarada, o sargento Caldeira, ex-
escravo.

97
ACESSAR

Sites Período Regencial - Segundo Reinado

www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/rev_norte.html
mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiadobrasil/periodo-regencial.htm
sala19.wordpress.com/2009/08/06/o-segundo-reinado-brasileiro-1840-1889-a-politica-
interna/
histfacil.blogspot.com.br/2009/09/segundo-reinado-politica-interna.html

OUVIR
Músicas
- Revolta dos Malês – Rafael Pondé
- Céu Farroupilha – Mariê Nunes
- Hino Rio-Grandense
- Cabano – Ligia Saavedra

98
LER

Livros

O período das Regências - Marco Morel

Esse volume apresenta o momento-chave que foi o período das


Regências para a construção da nação brasileira, quando, ao
custo de muitas vidas e despesas, garantiu-se a independência
e o caminho de uma ordem nacional ao mesmo tempo próspera
e desigual.

A Casa das Sete Mulheres - Letícia Wierzchowski

Um envolvente romance histórico sobre a Revolução Farroupilha


de 1835 e sete mulheres da família de Bento Gonçalves,
comandante das tropas revolucionárias.
O livro descreve as aventuras de sete gaúchas da família do
general Bento Gonçalves, chefe da revolução que pretendia
separar o Sul do resto do país.

Rebelião Escrava no Brasil - João José Reis

Na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835, em Salvador, enquanto


os católicos comemoravam, na igreja do Bonfim, a festa de Nossa
Senhora da Guia, negros africanos celebravam o Ramadã em
suas senzalas. A celebração evoluiu para uma revolta, da qual
não participaram exclusivamente muçulmanos, mas que foi por
eles concebida e liderada.

A Noite dos Cristais - Luís Fulano de Tal

A partir de um relato encontrado na Guiana Francesa, escrito


pelo negro Gonçalo, conhecemos a história dessa personagem
que viveu na primeira metade do século XIX, foi escravo em um
engenho de Pernambuco e conseguiu fugir para a Guiana, depois
de dez anos.

99
INTERDISCIPLINARIDADE

O desejo de autodeterminação dos povos, muito fortalecido no momento de vacância do trono nacional, faz
com que eclodam inúmeras revoltas pelo Brasil. Algumas de cunho extremamente social (Cabanagem e Balaiada),
desejavam alcançar melhores condições de vida, além de conseguirem auxílio do governo federal, o qual negli-
genciava tais populações. Outras revoltas tiveram caráter político, buscando autonomia frente à instabilidade da
regência, e novamente desejando a autodeterminação.
Ainda deve ser ressaltada a revolta dos negros Malês, escravos muçulmanos que desejavam a liberdade
e, apesar de massacrados em uma noite, expuseram uma questão que estaria na pauta de discussões nos anos
seguintes: a abolição da escravidão.

Jean Baptiste Debret, Negro de Origem Mulçulmano,


Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil.

100
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 13 - Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças
ou rupturas em processos de disputa pelo poder.

A Habilidade 13 é muito cobrada em questões da história brasileira. Isso porque a nossa história
é recheada de manifestações políticas e profundamente marcada pela atuação de movimentos
sociais. O período tratado especificamente aqui, a Regência (1831-1840), foi notadamente mar-
cado pelas diversas manifestações que colocaram a unidade territorial brasileira em xeque. No
geral, as questões do Enem não exigem conhecimentos específicos de cada manifestação, mas
uma contextualização geral desse período.

Modelo
(Enem) Após a abdicação de D. Pedro I, o Brasil atravessou um período marcado por inúmeras
crises: as diversas forças políticas lutavam pelo poder e as reivindicações populares eram por mel-
hores condições de vida e pelo direito de participação na vida política do país. Os conflitos repre-
sentavam também o protesto contra a centralização do governo. Nesse período, ocorreu também a
expansão da cultura cafeeira e o surgimento do poderoso grupo dos"barões do café", para o qual
era fundamental a manutenção da escravidão e do tráfico negreiro.
O contexto do período regencial foi marcado:
a) por revoltas populares que clamavam a volta da monarquia.
b) por várias crises e pela submissão das forças políticas ao poder central.
c) pela luta entre os principais grupos políticos que reivindicavam melhores condições de vida.
d) pelo governo dos chamados regentes, que promoveram a ascensão social dos "barões do café".
e) pela convulsão política e por novas realidades econômicas que exigiam o reforço de velhas realidades sociais.

101
Análise Expositiva

Habilidade 13
O período regencial é normalmente entendido como “de crise”, perceptível pelas grandes re-
beliões que ocorreram nas diversas regiões do Brasil, levadas a cabo pelas camadas excluídas
do poder, agravadas pela exclusão econômica e social em alguns casos.
Apesar de sabermos que o tráfico não permanecerá por muito tempo, ele ainda existiu por
quase 20 anos após a abdicação de D. Pedro I. A Lei de 1831 do ministro Feijó não foi cum-
prida, dada a tendência da elite tradicional em manter o braço escravo na lavoura (situação
que se modificou, em grande parte, fruto das pressões inglesas).

Alternativa E

Estrutura Conceitual
PERÍODO REGENCIAL
1831 (abdicação de D. Pedro I ) / 1840 (golpe da maioridade)

Características
◊ Disputas partidárias pelo poder
◊ Revoltas nas províncias
◊ Ameaça à unidade territorial
◊ Manutenção da grande propriedade escravocrata

Correntes Políticas

Primeiro Partido Brasileiro Partido Português


Reinado

Partido Liberal Partido Liberal Partido


Exaltado Moderado Restaurador
Período
Regencial
Partido
Partido Liberal Progressistas Regressistas
Restaurador

Segundo
Partido Liberal Partido Conservador
Reinado

102
Regência
Mecanismo Constitucional

Regência Trina
◊ Suspende o poder moderador
Provisória (1831)

Regência Una ◊ Criação da Guarda Nacional


Permanente (1831-1834) ◊ Ato Adicional (à constituição) de 1834
Medidas liberais
Autonomia provincial
Cria a Regência Una

Regente Feijó
◊ Avanço liberal
(1834-1837)
Crise institucional
Crise econômica
Revolta
1837 - Renúncia

Regente Araújo Lima


◊ Regresso conservador
(1837-1840)
Limita poder do Ato Adicional
Retorno do poder Moderador

Golpe da Maioridade
(1840)

Revoltas Regenciais

Revolta Quando Província Ambiente Quem


Malês 1835 Bahia Urbano (Salvador) Escravos negros islâmicos
Belém e Interior Elite, comerciantes, libertos,
Cabanagem 1835-1840 Grão-Pará
da Província índios, escravos negros
Sabinada 1837-1838 Bahia Urbano (Salvador) Setores médios
Rural
Balaiada 1838-1841 Maranhão Pobres livres e escravos
(Sul do Maranhão)
Rio Grande Interior do RS e
Farroupilha 1835-1845 Elite
do Sul Porto Alegre

103
21 22
Segundo Reinado: política
externa e economia

Competências Habilidades
1, 2, 3, 4 e 5 1, 4, 7, 8, 9, 10,
14, 15, 16, 18 e
22

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômi-
H8
co-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos difer-
entes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia,
favorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
Política externa do Segundo Reinado
Durante o Segundo Reinado, a política externa brasileira foi marcada pela aproximação mais estreita
entre o Brasil e a Inglaterra, aumentando a dependência em relação ao capital britânico, especialmente após a
Guerra do Paraguai, apesar do rompimento de relações diplomáticas entre os dois países em virtude da Questão
Christie (entre 1863-1865).
Naquele período, o Brasil consolidou sua hegemonia na América do Sul, em meio a diversos conflitos na
Região Platina, destacando-se a Guerra do Paraguai, que atingiu diretamente o Império e contribuiu significativa-
mente para sua posterior queda.

Dom Pedro II, Imperador do Brasil, em 1850. François René Moreaux


(1807-1860). Museu Imperial, Rio de Janeiro (RJ).

A Questão Christie (1861-1865)


O incidente diplomático que envolveu o Brasil e a Inglaterra provocou o rompimento das relações entre
ambos, em 1863, foi resultado da absoluta falta de habilidade política do embaixador inglês no Brasil, William
Christie, que transformou questões sérias em um escândalo diplomático. Os problemas começaram em 1861,
quando o navio inglês Prince of Walles que naufragou no litoral do Rio Grande do Sul, teve a carga saqueada e o
desaparecimento da tripulação. O embaixador exigiu uma indenização pela carga e uma investigação acompanha-
da por um oficial inglês para punir os responsáveis pelo saque. O Brasil admitiu, depois de muita relutância, pagar
a indenização, mas não, a interferência britânica nas investigações, contrariando o embaixador William Christie.

“Em um quadro de forte sentimento antibritânico havia décadas, Daryle Wiliams, professor da Universidade
de Maryland, nos Estados Unidos, mostrou que foi por denunciar as tentativas de burlar a proibição ao tráfico
negreiro e a escravização ilegal de africanos e seus descendentes na década de 1850 que Christie e outros diplo-
matas britânicos caíram em desgraça no país e fizeram com que os incidentes de 1863 ganhassem uma proporção
muito maior do que mereciam.”
Keila Grinberg. Departamento de História da Universidade Federal do Esta-
do do Rio de Janeiro. Disponível em: <cienciahoje.uol.com.br/colunas>.

107
Para agravar a situação, em 1862, oficiais da O Brasil envolveu-se em questões com o Uruguai
marinha britânica que serviam na fragata Fort foram e a Argentina, intervindo na política interna de ambos
presos no Rio de Janeiro por embriaguês e desordem. para garantir o poder a seus aliados com os seguintes
A prisão dos oficiais desagradou o embaixador Chris- objetivos: manter livre a navegação dos rios platinos,
tie, que exigiu a punição dos policiais brasileiros res- essenciais à comunicação com as províncias do Centro
ponsáveis por elas e voltou a reclamar a indenização -Oeste e Sudeste (principalmente o Mato Grosso); evitar
pela carga do navio naufragado. a reconstituição do Vice–reinado do Prata (Argentina,
Como o governo imperial recusava-se a atender Uruguai, Paraguai e Bolívia); e garantir sua hegemonia
as exigências do embaixador de punir os policiais bra- na Região Platina.
sileiros e protelava uma resposta pela indenização, em
represália, a Inglaterra ordenou o bloqueio naval aos A intervenção contra Oribe e Aguirre
portos do Rio de Janeiro. Aprisionou cinco navios bra-
(Uruguai, 1851-1854)
sileiros, fato que gerou grande manifestação popular
antibritânica no Rio de Janeiro e em algumas províncias. Logo depois da independência, o Uruguai viu-se
Temendo mais represálias ainda por parte dos ingle- mergulhado num período de intensa disputa política en-
ses, D. Pedro II procurou acalmar os ânimos dos ingleses e tre dois partidos: o Colorado, representante dos comer-
dos manifestantes brasileiros, pagando a indenização pedida ciantes de Montevidéu, chefiados por Frutuoso Rivera, e
(6.525 Libras e 19 cents em valores da época), mas rompeu o Blanco, liderado por Manuel Oribe, que representava
relações com a Inglaterra e submeteu o conflito à arbitra- os interesses dos pecuaristas do interior do país. Oribe
gem internacional do rei belga Leopoldo. O rei ouviu as duas contava com a ajuda do ditador argentino Juan Manuel
partes e concedeu parecer favorável ao Brasil, determinando Rosas enquanto o governo de Rivera, em Montevidéu,
que a Inglaterra pedisse desculpas oficiais pelo incidente. Em era ajudado pelo Brasil.
face da recusa britânica de se desculpar, o governo brasileiro Em 1851, o Brasil interveio no Uruguai para
rompeu relações diplomáticas com a Inglaterra, em 1863. derrubar Manuel Oribe, do Partido Blanco, e entregar
Para o governo de Londres ficou claro que era o poder ao Partido Colorado, comandado por Frutuoso
mau negócio a ruptura com o Brasil, país que dava Rivera e aliado brasileiro.
grandes vantagens aos ingleses pelas importações e Em 1864, os Blancos retomaram o poder no
empréstimos tomados. Em 1865, com a Guerra do Para- Uruguai, liderados por Atanásio Aguirre, que apoiou os
guai em curso, o governo britânico tomou a iniciativa de ataques de pecuaristas locais às fazendas gaúchas da
pedir desculpas formais e reatar relações com o Império fronteira e, posteriormente, recusou-se a pagar as inde-
brasileiro. Em seguida, banqueiros ingleses faziam um nizações exigidas pelo governo brasileiro. Tal recusa le-
grande empréstimo ao Brasil para financiar a guerra. vou tropas brasileiras, comandadas pelo general Mena
Barreto a invadirem o Uruguai, depor Aguirre e recolocar
As questões platinas os Colorados no poder com Venâncio Flores, que assinou
A Convenção de Paz, em 20 de fevereiro de 1865, aten-
dendo as exigências brasileiras, ao mesmo tempo em que
o Brasil devolvia ao Uruguai as terras sob seu controle.

A intervenção contra Rosas


(Argentina, 1852)
A ditadura de Juan Manuel Rosas iníciou na déca-
da de 1830, em meio à luta entre federalistas e unitários,
que durante longos anos ensanguentou a Argentina.
Os federalistas eram representantes das províncias
do interior do país e lutavam por mais autonomia provin-
cial e descentralização política. Os unitaristas defendiam
a centralização com a hegemonia comercial e política da
Mapa da bacia Platina região do porto de Buenos Aires sobre o restante do país.

108
A política do ditador argentino, que ameaçava a livre A guerra
navegação dos rios e a independência do Uruguai, contraria-
va os interesses do Brasil. Em razão disso, o governo imperial
Em maio de 1865, foi firmada uma aliança mi-
passou a ajudar os adversários de Rosas, liderados por Justo
litar entre Argentina, Brasil e Uruguai chamada Tríplice
José de Urquisa, governador da província de Entre Rios.
No ano de 1852, o Império brasileiro interveio Aliança e apoiada pela Inglaterra. No início da guerra, o
na Argentina e depôs o ditador Francisco Rosas, do par- exército paraguaio contava com cerca de 90 mil homens,
tido Federalista. Vitoriosos, os unitaristas assumiram o além de pólvora e armamentos fabricados em seu terri-
poder no país que passou a ser governado por Urquiza. tório, enquanto os exércitos da Tríplice Aliança contavam

Guerra do Paraguai (1864-1870) com mais ou menos 30 mil homens e dependiam total-
mente de armas e munições importadas da Inglaterra.
As causas da guerra Para reforçar o exército brasileiro, D. Pedro II convocou os
O estopim do maior e mais sangrento conflito na escravos prometendo a eles, bem como às suas esposas e
América do Sul teve início com o ato de represália do dita- filhos, a garantia da liberdade ao final da guerra.
dor paraguaio Solano Lopes ao Brasil contra a deposição de A Tríplice Aliança foi comandada inicialmente
seu aliado, Atanásio Aguirre, do Partido Blanco, no Uruguai. pelo presidente argentino Bartolomé Mitre. Sob seu
Em novembro de 1864, Lopez determinou a apreensão do
comando, os aliados venceram a batalha naval do Ria-
navio brasileiro Marquês de Olinda, que navegava pelo rio
chuelo, em junho de 1865, bloqueando a ofensiva Para-
Paraguai em direção ao Mato Grosso e não atendeu ao ul-
guaia. De lá em diante, todas as batalhas ocorreram em
timato brasileiro pela libertação do navio. Rompeu relações
com o Império brasileiro em dezembro de 1864 e atacou o território paraguaio.
sul do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul. No decorrer do conflito, as forças da Tríplice Aliança
A atitude paraguaia dava início à concretização cresceram, com predominância de aproximadamente dois
do sonho de Solano Lopes de criar o “Paraguai Mayor”, terços de brasileiros, entre 135 mil e 200 mil, para uma
de estender o território do país até o litoral do oceano população masculina estimada em 4,9 milhões, em 1865.
Atlântico, para abrir uma saída para o mar pelas terras
Em 1867, as tropas aliadas passaram a ser co-
brasileiras, uruguaias e argentinas.
mandadas por Luís Alves de Lima e Silva, o Barão de
No Brasil, a partir da década de 1960, havia Caxias. Naquele mesmo ano, Argentina e Uruguai re-
uma interpretação que culpava o imperialismo
tiraram-se da guerra alegando problemas econômicos,
britânico por fomentar a guerra a fim de destruir a
restando Brasil e Paraguai no confronto. Caxias reor-
suposta autonomia econômica do Paraguai. Por isso,
tanto o Brasil quanto a Argentina teriam sido meros ganizou e reaparelhou as tropas, comprou armas e ca-
fantoches a serviço do capitalismo britânico, que se nhões, filtros de água para evitar a epidemia de cólera
constituiria no único vencedor do conflito. e estendeu cabos telegráficos até a região do combate
Segundo o historiador Francisco Doratioto, a guer-
para facilitar as comunicações. Sob seu comando ocor-
ra fez parte do processo de consolidação dos Estados
nacionais da região. A livre navegação dos rios Paraná reram as vitórias brasileiras de Itororó, Avaí e Lomas Va-
e Paraguai era fundamental para o Império Brasileiro, lentinas. Em 1869, Assunção foi tomada e Solano López
única entrada para a Província de Mato Grosso. Desde retirou-se para o interior, de onde continuou a resistir.
sua independência, a Argentina tinha a aspiração de
Alegando problemas de saúde, Caxias solicitou seu des-
formar uma grande nação com a incorporação do Uru-
ligamento do comando das tropas e foi substituído pelo
guai (independente do Brasil em 1828) e do Paraguai,
cuja independência só foi reconhecida em 1852. Tra- genro de D.Pedro II, Gastão de Orleans, o Conde d’Eu.
tou-se, portanto, de uma relevante questão geopolítica. Perseguiu Solano López até Cerro Corá, onde, derrota-
(PRADO, Maria Ligia; PELLEGRINO, Gabriela. História da do, o ditador paraguaio suicidou-se e o conflito encer-
América Latina. São Paulo: Contexto, 2014, p. 68).
rou-se definitivamente em 1870.

109
Batalha naval do Riachuelo, de Victor Meirelles.

110
Consequências da guerra
profissionais liberais exigiam uma imediata solução
para a ‘questão servil’.
A guerra custou ao Paraguai consequências de-
O fim da guerra marcou o início do fim de um
vastadoras: dizimação quase total da sua população, eco-
modelo político e social. Ainda em 1870, fundou-se
nomia em ruínas, perda de parte de seu território para o
no Rio de Janeiro o Partido Republicano, cuja
Brasil e Argentina, que passaram a fazer ingerências em
versão mais aguerrida surgiria três anos depois, em
suas questões internas. Estima-se que 99% da popula- São Paulo. Era, em grande parte, a reação de uma
ção adulta masculina morreu e 55%, da feminina teve o elite política federalista e escravocrata – as filei-
mesmo destino. Mergulhado em grave crise econômica, ras republicanas foram engrossadas na medida em
converteu-se em um exportador de produtos de pouca que eram aprovadas as leis anticativeiro.”
importância e nunca mais conseguiu recuperar-se.
A vitória na guerra consolidou a hegemonia do
Brasil no continente, mas agravou sua situação econô-
mica, em virtude da elevação da dívida externa e do
aumento da dependência do país frente a Inglaterra. O
Exército saiu fortalecido. Grande parte de seus membros
assumiram posições abolicionistas e republicanas, pas-
sando a contestar o regime imperial.

ELIAS, Rodrigo. Brava gente.


Disponível em: <revistadehistoria.com.br>.

Mapa dos territórios perdidos pelo Paraguai na guerra.


Economia e sociedade
“Uma charge famosa de Ângelo Agostini, pub- As transformações na estrutura
licada em 1870, dá em parte a dimensão dos fatos.
Ela mostrava um soldado negro que retornava do socioeconômica brasileira
teatro de operações, vitorioso, fardado, com medal-
has no peito, e encontrava a mãe amarrada a um A partir dos anos 1850, o Brasil passou por um
tronco e sendo açoitada. Uma contradição havia conjunto de transformações econômicas e sociais em
emergido de maneira muito nítida – não era mais virtude da expansão cafeeira. Assim, foi assumindo de-
possível associar em uma mesma equação a exal- finitivamente a liderança das exportações, conjugada às
tação da nacionalidade e a existência do cativeiro. transformações do capitalismo internacional.
A oposição à escravidão, que já existia entre De fato, o café, embora um gênero agrário, exigiu
os próprios escravos, espalhou-se em outros setores um conjunto de ações que resultaram em uma moder-
da sociedade. Enquanto o governo imperial pon- nização do conjunto da população e em melhorias na
derava que a extinção do cativeiro era ‘questão de infraestrutura e no desenvolvimento do mercado interno
oportunidade’, como escreveu o próprio D. Pedro II, a
(bancos, portos, ferrovias, urbanização, iluminação, co-
imprensa, os estudantes e a esmagadora maioria dos
mércio). Os avanços só não foram maiores porque esbar-
ravam na mentalidade conservadora das elites agrárias

111
que tinham o poder. Mesmo assim, é possível observar Café: das origens à expansão
algumas iniciativas como as de Irineu Evangelista de Sou-
sa, o Barão de Mauá, que teve importância destacada no Originário da Etiópia, o café ganhou significati-
relativo surto industrial vivido naquele momento. va aceitação entre os povos árabes, que conheceram o
A propósito da mão de obra, a pressão dos in- produto por volta do século XV. Da Arábia, o produto foi
gleses pela abolição da escravidão recrudesceu, funda- introduzido na Europa em meados do século XVI, onde
mentalmente, porque a Inglaterra necessitava da libera- fez muito sucesso graças ao sabor e a propriedades es-
ção dos capitais investidos no tráfico para aplicação na timulantes e medicinais. Chegou à América por volta do
infraestrutura afim de que se expandissem os mercados século XVII e passou a ser produzido em larga escala na
consumidores dos produtos industrializados. Havia, ain- América Central, no Haiti, seu principal produtor.
da, a necessidade de que o trabalho assalariado se tor- No Brasil, o café chegou no início do século XVIII,
nasse a forma geral e dominante da exploração da força contrabandeado da Guiana Francesa pelas mãos do ofi-
de trabalho. Proibido o tráfico negreiro com a assinatura cial português Francisco de Melo Palheta, que trouxe as
da lei Eusébio de Queirós, em1850, os senhores de escra- primeiras mudas e instalou as primeiras grandes lavou-
vo sabiam que havia necessidade de pensar em alternati- ras no Rio de Janeiro, onde a cultura cafeeira alcançou
vas para a substituição do trabalho escravo e de elaborar grande desenvolvimento.
estratégias de como implementar o mercado de mão de O cafeeiro é uma planta perene; se bem tratada,
obra livre, parecendo a alternativa imigrantista como a produz continuamente por muitos anos. Os instrumen-
ideal para a resolução dos problemas da transição do tra- tos básicos de trabalho eram baratos. Em compensa-
balho escravo para o trabalho livre e assalariado. ção, além de ser uma planta frágil, sensível às geadas,
não produz imediatamente após o plantio, mas exigia
A economia cafeeira grandes e constantes investimentos de capitais. Dado o
Após a independência política, o Brasil manteve sua modelo agroexportador baseado na grande proprieda-
economia estruturada ainda em bases coloniais, com pre- de escravista, os pequenos proprietários ficaram de fora
dominância do latifúndio agrário-exportador e escravista, da possibilidade de cultivá-lo.
o que agravava a sua dependência externa. Ao longo do O capital investido no início da expansão cafeei-
Primeiro Reinado e do Período Regencial, a grande lavoura ra foi recolhido internamente, uma vez que os estrangei-
exportadora entrou em crise, provocando sérias dificulda- ros não se expunham ao risco de vir para um país que se
des econômicas: baixa arrecadação devido às baixas taxas debatia em profunda crise econômica. A situação não
alfandegárias praticadas em virtude dos acordos realizados foi a mesma da época açucareira, quando os capitais
com várias nações, especialmente a Inglaterra, em troca do flamengos foram responsáveis pelo financiamento.
reconhecimento da Independência brasileira. As somas iniciais investidas no plantio eram sig-
Com o desenvolvimento da lavoura cafeeira nificativas. Os pioneiros na implantação das culturas
transformada na principal base da economia nacional, o cafeeiras foram, em geral, os comerciantes da capital,
cenário da crise econômica começou a mudar já no final enriquecidos pela intermediação de compra e venda de
da Regência e, sobretudo durante o Segundo Reinado. produtos agrícolas. Comercializavam a própria produ-
ção e retinham a maior parte da renda gerada.
As condições gerais da economia favoreciam a la-
voura cafeeira. Havia mão-de-obra escrava ociosa graças à
decadência das minas. As terras continuavam à disposição
em larga escala e a baixo preço. A facilidade de obtenção
dos fatores de produção encorajou os investidores a tenta-
rem o café. Além disso, não havia grandes opções para in-
versões dos capitais obtidos no comércio. Ao mesmo tem-
O ramo de café, que passou a fazer parte da bandeira do Brasil Imperial, po, difundia-se o hábito de beber café. O produto brasileiro
atesta a importância do produto na economia nacional à época. ganhava os mercados da Europa e dos Estados Unidos.

112
Transporte de café por escravos. Gravura. Debret.

Na primeira metade do século XIX, a lavoura cafeeira expandiu-se no Vale do Rio Paraíba do Sul, em terri-
tórios do Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo e Minas Gerais, embora as principais culturas tenham sido nas
terras do extenso Vale do Paraíba, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nelas, a produção de café estruturou-se
nos moldes da plantation, caracterizada pelo latifúndio agrário-exportador escravista. Por volta da década de 1830,
o produto já se destacava em primeiro lugar das exportações brasileiras, representando aproximadamente 25%
delas. Nas décadas seguintes, essa porcentagem só aumentou.

Brasil – Exportação de mercadorias (% do valor dos oito produtos principais sobre o valor total da exportação)
Decênio Total Café Açúcar Cacau Erva-mate Fumo Algodão Borracha Couro e Peles

1821-1830 85,8 18,4 30,1 0,5 – 2,5 20,6 0,1 13,6

1831-1840 89,8 43,8 24,0 0,6 0,5 1,9 10,8 0,3 7,9

1841-1850 88,2 41,4 26,7 1,0 0,9 1,8 7,5 0,4 8,5

1851-1860 90,9 48,8 21,2 1,0 1,6 2,6 6,2 2,3 7,2

1861-1870 90,3 45,5 12,3 0,9 1,2 3,0 18,3 3,1 6,0

1871-1880 95,1 56,6 11,8 1,2 1,5 3,4 9,5 5,5 5,6

1881-1890 92,3 61,5 9,9 1,6 1,2 2,7 4,2 8,0 3,2

1891-1900 95,6 64,5 6,6 1,5 1,3 2,2 2,7 15,0 2,4

Explica-se o crescimento das exportações brasileiras graças à queda da produção haitiana, à difusão do
hábito de tomar café na Europa e nos EUA e à boa adaptação do produto ao solo e ao clima brasileiros, destaca-
damente na Região Sudeste.
Do Vale do Paraíba, a produção de café expandiu-se para o chamado Oeste Paulista, nas regiões das ci-
dades de Campinas, Rio Claro, Limeira, Itu, Ribeirão Preto, Catanduva e Franca. Nessas regiões, observava-se, entre
os produtores de café, uma mentalidade mais adequada às exigências do capitalismo dos meados do século XIX,
que procuravam integrarem-se cada vez mais às exigências do mercado externo e modernizar a produção.

113
Resultado: nas três últimas décadas do século XIX, a região do Oeste paulista tornou-se a principal área
produtora e exportadora de café do país e os fazendeiros da região passaram a amealhar mais poder econômico e
prestígio político, o que lhes favoreceria o predomínio político nacional.
Apesar da produção do Oeste Paulista seguir as linhas gerais da agricultura do Vale do Paraíba, como a
grande propriedade e várias técnicas de produção, os solos de terra roxa eram mais propícios e mais bem aprovei-
tados racionalmente para a lavoura cafeeira. Além disso, no Oeste Paulista foram introduzidas importantes moder-
nizações na produção – arado, máquinas e mão de obra livre imigrante, composta principalmente por italianos,
espanhóis e alemães.

A marcha do café

A imigração europeia para o Brasil


A necessidade de extinção do trabalho escravo impôs à classe dominante brasileira, particularmente aos
fazendeiros de café, o desafio de pensar como promover a passagem do trabalho escravo para o livre.
A aprovação de Lei Eusébio de Queirós, em 1850, trouxe como consequência imediata o tráfico interprovin-
cial de escravos da região Nordeste para o Sudeste, especialmente para os cafezais do Vale do Paraíba e do Oeste
paulista. Também houve a tentativas da criação de fazendas de procriação de escravos. Nessas fazendas buscava-se
a aquisição de novos escravos por meio de relações sexuais não consentivas pelas mulheres, sendo resultado comum
dessa prática, abortos e suicídios. Tal prática levou o Brasil a criar a Lei do Ventre Livre (1871), extinguindo o processo.
Ao perceberem a proximidade do fim da escravidão no Brasil, mesmo porque o tráfico interprovincial não
conseguira atender à demanda de escravos para os cafezais, os prósperos fazendeiros do Oeste paulista começa-
ram a pensar na possibilidade de importar trabalhadores brancos europeus para substituírem os escravos.

Trabalho de imigrantes nas lavouras de café.


Acervo do Museu da Imigração.

114
Paralelamente aos projetos em gestação de pro- da a preços mais altos que os regulares, gerando uma dívida
moção da imigração, duas semanas depois de aprovada crescente. Na hora do acerto de contas, praticamente tudo
a Lei Eusébio de Queirós, o governo fazia aprovar a Lei que caberia ao colono era utilizado para pagamento de suas
de Terras, de 1850, que determinava que as terras devo- dívidas. Como o contrato determinava que eles só pudessem
lutas (desocupadas) passariam para o controle do Estado, sair da fazenda após quitar todas as dívidas, os colonos eram
que poderia vendê-las. A Lei de Terras subiu o custo para obrigados a trabalhar anos e anos sem renda. Além disso,
a aquisição e regularização da terra de acordo com seu muitos fazendeiros, acostumados ao trato com os escravos,
objetivo: criar obstáculos para o acesso às terras pelas po- tinham dificuldades de entender que o trabalhador livre ti-
pulações pobres nacionais, principalmente os imigrantes. nha uma série de direitos. Assim, em geral os fazendeiros
A ideia de estimular a imigração europeia para o maltratavam os imigrantes como faziam com os escravos,
Brasil não era nova, uma vez que tinham sido realizadas al- não reconhecendo seus direitos, impondo lhes castigos físi-
gumas experiências durante o governo joanino e no Primeiro cos e privando-os da sua liberdade.
Reinado. Naquela época, os imigrantes europeus eram vistos Vários imigrantes que vieram para o Brasil manda-
como solução para duas questões: escassez de mão de obra vam cartas para a Europa denunciando a situação, o que
e desejo, disseminado entre a classe dominante da época, fez com que em determinados períodos os europeus se re-
de branqueamento da população brasileira. Produziram-se cusassem a vir para o Brasil. O governo prussiano chegou a
vários documentos com as contas de quantos anos seriam proibir, em 1859, o embarque de imigrantes para o Brasil.
necessários para os brasileiros tornarem-se brancos A crença O fracasso do sistema de parceria e a péssima
de que os trabalhadores assalariados eram mais produtivos imagem brasileira no exterior levaram o governo a inter-
que os escravos de fato era um argumento ideológico a fim ferir na imigração europeia, financiando a viagem dos
de fundamentar justificativas dos projetos imigrantistas. Vale imigrantes e interferindo na contratação deles pelos fa-
destacar que as teorias raciais do século XIX consideravam zendeiros. O custeio da viagem dos imigrantes foi uma
vitória dos imigrantistas paulistas, que conseguiram
o branco europeu uma raça superior, mais evoluída e de-
transferir para o conjunto da sociedade os custos com o
senvolvida. Em razão disso, os fundamentos das defesas a
financiamento da importação da mão de obra européia.
respeito do branqueamento da população brasileira como
Por meio de um decreto assinado por D. Pedro II, o Esta-
base para o desenvolvimento do pais.
do custeava as passagens e permitia que os fazendeiros
Pouco antes da publicação da Lei Eusébio de Queirós, se credenciassem para contratar os imigrantes, que só
em 1847, o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro poderiam ser levados para as suas fazendas depois de
criou o sistema de parceria com o intuito de trazer imigrantes acertado, diante de representantes do Império, os salá-
europeus para trabalhar nos seus cafezais na fazenda Ibica- rios e as condições de trabalho. O número de imigrantes
ba, no interior de São Paulo. O funcionamento do sistema cresceu consideravelmente com destaque para alemães,
era simples: mediante uma firma fundada pelo senador, a italianos, suíços, poloneses e japoneses.
Vergueiro e Cia., os imigrantes eram trazidos da Europa, re- O projeto imigrante paulista foi vitorioso e os
ceberiam um adiantamento em dinheiro a juros de 6% para fazendeiros puderam contar com uma relativa abun-
os custos de viagem de sua família e instalariam na terra que dância de mão de obra para substituir os escravos sem
receberiam para cultivar. Receberiam também determinado elevar os custos do trabalho e manter as taxas de lucro.
número de pés de café para cultivar e dividiriam os lucros da Imigração no Brasil (1820-1975)
venda com o dono da fazenda. Por volta de 80 famílias de
imigrantes oriundos da Alemanha e da Suíça foram trazidas
por Vergueiro para trabalhar em suas terras.
Aparentemente as condições do sistema eram bené-
ficas para os dois lados, mas a prática revelou-se diferente.
Os juros de 6% eram acumulativos e a dívida crescia mui-
to porque os pés de café só começam a produzir depois de
quatro anos de plantio. Durante esse tempo, os imigrantes
Fonte: www.Ibge.gov.br
eram obrigados a consumir produtos no armazém da fazen-

115
Parceria (fracasso) Colonato (sucesso)
Primeiro sistema introduzido (1847) Oeste Paulista (c, 1870), subvencionada pelo governo

Trabalho familiar camponês Trabalho familiar camponês

Colono dividia lucros e prejuízos e ficava com metade do produzido Camponês recebia dois salários: um fixo anual e outro por produtividade

Colonos endividavam-se (passagens, mantimentos, juros elevados) Governo paulista pagava as passagens

Permitida uma pequena roça ao imigrante Garantido um pedaço de roça para subsistência ou comércio

Fonte: PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. p. 190-191.

A questão da escravidão no século XIX


Por volta de 1880, ficava cada vez mais evidente que a abolição da escravidão estava iminente. O movimen-
to abolicionista tornou-se irresistível nas áreas cafeeiras, onde estava concentrada quase dois terços da população
escrava. Cada vez mais consciente de si mesmo e encontrando apoio em segmentos da população que simpatiza-
vam com a causa abolicionista, grande número de escravos fugiam das fazendas ou se tornavam mais rebeldes. A
escravidão tornou-se uma instituição difícil de se manter. Quase ninguém se opunha à ideia da abolição, embora
houvesse quem reivindicasse indenização para os fazendeiros pela perda de seus escravos.
No Parlamento, o único grupo que resistiu até o último minuto à abolição da escravidão foi o dos represen-
tantes dos fazendeiros das antigas áreas cafeeiras, para quem os escravos representavam um terço do valor de suas
hipotecas. Em maio de 1888 votaram contra a lei que aboliu a escravidão no Brasil.
As questões relativas à urgência de se extinguir o trabalho escravo estão no campo da economia, da polí-
tica e da sociedade
Os fazendeiros reagiram diferentemente nas diferentes áreas. Por volta de 1880, no entanto, a maioria deles
estava convencida de que a escravidão era uma causa perdida. Além disso, outros tipos de investimentos tinham se
aberto a eles: estradas de ferro. Com o preço dos escravos aumentando vertiginosamente, o custo de manutenção
deles parecia, em algumas áreas, igualar-se ou mesmo exceder o nível salarial local.
O desenvolvimento da sociedade brasileira durante a segunda metade do século XIX e o processo de
modificação das relações de produção proporcionaram mais diversificação social, que resultou no surgimento de
segmentos sociais não vinculados diretamente aos interesses dos proprietários agrícolas. Comerciantes, médicos,
funcionários, advogados, artesãos, engenheiros, jornalistas compunham setores sociais urbanos cujos interesses
levaram-nos a questionar a escravidão e a propor a abolição como condição para sua própria liberdade.
Os fazendeiros das áreas em expansão haviam encontrado na imigração a resposta para seus problemas de
extinção da escravidão e formação do mercado de trabalho baseado na força de trabalho livre. Numa sociedade
em que os homens precisam confrontar-se como juridicamente livres – condição do exercício da cidadania , se bem
desiguais por determinação do processo de produção, a escravidão desnuda a desigualdade e entranha o ato do
trabalho de negatividade: o ato do trabalhador pertencer a outrem e a dor do ato do trabalho pelo castigo.
Para que o Brasil pudesse transformar-se em uma Monarquia constitucional ou em uma República demo-
crática, havia que enfrentar a abolição da escravidão como pressuposto da sociedade democrática, ambição de
parcelas significativas da classe dominante e da “classe media” em formação. A abolição foi resultado de um
processo longo que serviu às conveniências da elite proprietária.

Surto industrial e processo de modernização


Em meados de 1850, o Brasil foi marcado por intenso desenvolvimento, caracterizado pelo surto industrial
e pela modernização, responsáveis pela montagem das primeiras fábricas brasileiras, com destaque para os setores
de tecelagem, fiação, alimentos e calçados. Construíram-se estradas de ferro na região Sudeste; barcos a vapor
passaram a ser utilizados em larga escala no transporte de mercadorias e passageiros; importaram-se máquinas

116
para beneficiamento do café; fundaram-se bancos, caixas econômicas, companhias de transportes urbanos, crédito
e seguro; introduziu-se também o trabalho livre assalariado dos imigrantes europeus; o mercado interno crescia e
diversificava-se. Creditam-se à Lei Eusébio de Queirós e à Tarifa Alves Branco, principalmente, os lucros provenientes
da exportação do café.

Lucros provenientes das exportações de café


A exportação de café gerou vultosos lucros para os cafeicultores e foi o principal responsável pelos constan-
tes superávits comerciais brasileiros a partir da segunda metade do século XIX.

Expansão das ferrovias brasileiras no século XIX

Adaptado de: CAMPOS, Flávio de; DOLHNIKOFF, Miriam. Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1998. p. 25.

Os recursos gerados foram investidos pelo governo e pelos próprios cafeicultores. Modernização dos transportes
com a construção de estradas de ferro ligando áreas produtoras de café aos portos, modernização e construção de por-
tos para atender ao crescimento das exportações, modernização das cidades com iluminação a gás nas ruas e praças,
favorecimento do comércio e de outras atividades urbanas, estímulo à imigração europeia, foram ações de que o Estado
encarregou-se. Aos cafeicultores do Oeste paulista, particularmente, coube o investimento na produção e na mecaniza-
ção da agricultura, o trabalho dos imigrantes sob novas condições e as primeiras experiências do assalariamento.

Tarifa Alves Branco (1844)


Desde a Independência, o Brasil adotava taxas alfandegárias baixas para os produtos importados, reflexo
dos tratados de 1810, assinados entre Portugal e Inglaterra, em virtude da dependência brasileira ao capital estran-
geiro e da necessidade do Brasil de obter o reconhecimento externo da sua autonomia política. Em 1828, D. Pedro
I assinou um decreto que estabelecia taxas alfandegárias de 15% ad valorem para todos os produtos importados
pelo Brasil, o que contrariava os privilégios ingleses e rendia baixa arrecadação para o Estado, obrigando-o a elevar
os impostos para a população.
Este “liberalismo alfandegário” foi extinto em 1844 com a entrada em vigor da Tarifa Alves Branco, que
elevava as taxas alfandegárias brasileiras a dois patamares: 20% a 30% sobre o valor dos produtos importados
não produzidos no Brasil, com variação para alguns produtos especificados; 60% sobre o valor dos produtos im-
portados que foram produzidos no Brasil.

117
As novas taxas alfandegárias tinham por objeti- Em virtude da falta de ação eficaz do Brasil para
vo garantir o protecionismo alfandegário e o aumento reprimir o tráfico e em represália à Tarifa Alves Branco, o
da arrecadação do Estado brasileiro. Objetivo esse que parlamento inglês aprovou o Bill Aberdeen, em 1845,
foi alcançado. A maior parte da captação de recursos que dava à marinha inglesa a permissão para aprisionar
foi utilizada pelo Império em políticas públicas e no navios negreiros, prender os traficantes, libertar os ne-
desenvolvimento de mais fábricas no Brasil (destaque gros e afundar o navio utilizado no tráfico. Essa medida
para o empreendedorismo do Barão de Mauá), além da foi considerada arbitrária pelos brasileiros, pois afetava
concorrência com produtos estrangeiros.
a soberania do país em suas águas territoriais. Diante
Apesar de algumas modificações, a tarifa Alves
da situação, o governo brasileiro resolveu aprovar, em
Branco vigorou até o final do Segundo Reinado.
1850, a Lei Eusébio de Queirós, que determinava a
extinção definitiva do tráfico internacional de escravos.
Lei Eusébio de Queirós (1850)
Quadro do tráfico negreiro no Brasil
Desde os tratados assinados em 1810 entre In-
glaterra e Portugal, o Brasil era pressionado pela Ingla- Ano No de escravos
terra para extinguir o tráfico negreiro. Para reconhecer a 1849 54 000
Independência brasileira, em 1825, os ingleses exigiram 1850 23 000
a manutenção das tarifas alfandegárias em 15% e o
1851 3 000
compromisso do Brasil de extinguir o tráfico negreiro
em cinco anos. O resultado desse acordo foi a Lei An- 1852 700

titráfico de 1831, promulgada pela Regência Trina Per- Fonte: PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil, p. 152.

manente, mais conhecida como lei para “inglês ver”, ou


As consequências mais diretas dessa medida fo-
seja, o Brasil fazia de conta que proibia o tráfico, mas na
ram: a elevação dos preços dos escravos; o intenso tráfico
prática ele continuava a existir.
interprovincial de negros da região Nordeste para os ca-
fezais do Vale do Paraíba e do Oeste paulista; bem como
favorecimento do processo de modernização e do surto
industrial do período, na medida em que os recursos uti-
lizados na compra de escravos puderam ser investidos na
compra de máquinas, na infraestrutura e na modernização.

A importância do Barão de Mauá


O processo de modernização e o surto industrial
ocorridos no Segundo Reinado foram marcados pela atua-
ção destacada de um empresário empreendedor e visionário:
Irineu Evangelista de Sousa, o Barão e Visconde de Mauá.
Nascido no Rio Grande do Sul, em 1813, aos nove
anos foi levado para o Rio de Janeiro por um tio. Aos vinte
anos passou a trabalhar na firma britânica Casa Carru-
thers, que atuava no ramo de importação e exportação.
Chegou a se tornar sócio da empresa. Em 1839 foi à In-
glaterra, onde conheceu o sistema de fábricas e passou a
alimentar o desejo de trazê-lo para o Brasil.
Mauá fundou vários empreendimentos, com
destaque para o Estabelecimento de Fundição e Com-
panhia Estaleiro Ponta da Areia, que fabricava navios,
Como Ministro da Justiça (1848-1852), Eusébio de Queirós foi autor de
uma das mais importantes leis do Império. guindastes, peças, caldeiras para máquinas a vapor e

118
engenhos de cana-de-açúcar. Criou ainda a Companhia Fluminense de Transportes, a Companhia de Navegação a
Vapor do Rio Amazonas, a Companhia de Bondes do Jardim Botânico e a Companhia de Iluminação a Gás do Rio
de Janeiro. No final da década de1850, fundou o Banco Mauá, que chegou a ter agências em Londres, Paris, Nova
Iorque, Montevidéu e Buenos Aires. Construiu a Estrada de Ferro Barão de Mauá e instalou um cabo telegráfico
submarino ligando o Brasil à Europa.

Barão de Mauá fundou o Banco Mauá, MacGregor & Cia, com filiais em
várias capitais brasileiras, bem como em Londres, Nova Iorque, Buenos
Aires e Montevidéu.

O empreendedorismo de Mauá contrastava com a estrutura agrária da economia brasileira, dependen-


te dos interesses externos contrários à industrialização do Brasil. Além disso, algumas iniciativas governamentais
prejudicavam seus negócios, como a Tarifa Silva Ferraz, de 1860, que reduzia as taxas alfandegárias de produtos
como navios, ferramentas e armas.

Todavia, os principais fatores que frustraram as iniciativas de Mauá e impediram a efetiva industrialização do
período foram a falta de uma indústria de base, a concorrência britânica e o reduzido mercado consumidor interno.
Mauá decretou moratória (1875), após a falência de seu banco. Depois de vender quase todas as suas indústrias e bens
pessoais terminou a vida fazendo corretagem de café. Morreu aos 76 anos (1889).

119
O desenvolvimento das cidades
Durante a segunda metade do século XIX ocorreu o desenvolvimento dos centros urbanos no Brasil. O pro-
cesso de concentração urbana já havia sofrido um impulso significativo no início do século. Novas atividades urbanas,
desenvolvimento comercial, imigração estrangeira e reforma dos núcleos administrativos impulsionaram as cidades.
Com o advento do café, os centros urbanos tomaram seu maior impulso. Nos núcleos urbanos localiza-
vam-se as casas de exportações e as bolsas que estabeleciam o preço das sacas de café, além de agenciadores,
corretores, intermediários e armazéns de estoque.
Os fazendeiros não permaneciam todo o tempo em suas fazendas. Em confortáveis casas nas cidades,
passavam parte do ano desfrutando as comodidades dos serviços, o burburinho social e a projeção política. Nas
fazendas mantinham a velha residência senhorial, símbolo de seu status. Entretanto, já não mais se fixavam defi-
nitivamente lá. Gerentes e administradores cuidavam das contas e da produção.

Vista da Praça D. Pedro II, a partir do morro do Castelo. Rio de Janeiro. Foto: Marc Ferrez, c.1870.

O poder aquisitivo dessa camada social privilegiada refletia nas importações do Brasil. Entre 1839 e 1875, a
média de importações de calçados e vestuários atingiu 51,1% do total importado pelo país, enquanto os alimentos
ocuparam 20,3% do total importado; máquinas e carvão, apenas 3,8%. Tratava-se de uma queima de preciosas
divisas com produtos de consumo, divisas que poderiam ter custeado o desenvolvimento do país, mas que não
faziam parte das perspectivas das camadas dominantes.
As cidades tiveram os melhoramentos da época. As comunicações diminuíram a distância graças ao telégra-
fo. Portos desenvolveram-se graças às estradas de ferro e à melhoria das instalações portuárias. A alta concentra-
ção econômica e a diversificação das atividades e serviços proporcionaram trabalho para os bacharéis, funcionários
burocratas, liberais e artesãos. Segundo Heitor Ferreira Lima, a renda per capita nacional elevou-se no século XIX.
Em consequência desse crescimento geral, as classes sociais aumentavam e assumiam contornos mais nítidos.

Sociedade: o fim do domínio da aristocracia do açúcar


A independência do Brasil não havia trazido profundas transformações estruturais à sociedade. Grosso
modo, tudo estava como antes. Apenas o país havia alcançado a independência política. Os padrões de comporta-
mento e organização social e familiar moldavam-se pela velha sociedade colonial.

120
O café conseguiu fazer o que a separação de do século XIX, o agravamento das disputas internacio-
Portugal não conseguiu: alterou alguma coisa na socie- nais fez reviverem as velhas práticas do protecionismo.
dade brasileira. Era a gênese do capitalismo monopolista.
Durante a Colônia, os proprietários rurais ligados Os cafeicultores cariocas, mineiros e paulistas
ao açúcar e ao tabaco, sediados no Nordeste, detinham davam à sociedade imperial uma conotação mais bur-
as rédeas do poder. Sua preocupação consistia em criar guesa, europeia e moderna.
uma estrutura administrativa voltada para a facilitação de
suas exportações para o mercado mundial e a importação
de escravos a baixo preço. Esses fatores compunham as
seções dinâmicas do processo agroeconômico, uma vez
que os latifundiários já eram donos das melhores terras.
A participação política dos aristocratas escra-
vistas, sem visão alguma do conjunto político nacional,
girava em torno do controle das câmaras municipais.
Contudo, aliados aos interesses ingleses, realizaram a
independência política do país no início do século XIX.
O império nasceu para preservar a estrutura de
privilégios, na qual os aristocratas estavam instalados.
O Estado brasileiro foi articulado por uma buro-
cracia política que lançou as premissas da constituição
do Império. Os desentendimentos posteriores não assu- Henrique Dumont (1832-1892), filho de imigrantes franceses, foi considera-
do um dos três reis do café da sua época. Era pai de Alberto Santos Dumont.
miram caráter contestatório das estruturas sociais pelos
menos por parte da aristocracia rural.

As origens da coffee society


Durante o Segundo Reinado, o desenvolvimento
das culturas cafeeiras transferiu a hegemonia política do
Nordeste para o Centro-Sul. O eixo econômico do país já
havia se deslocado no Período Colonial. Todavia, desde
o renascimento agrícola, no final do século XVIII e início
do XIX, o Nordeste revela sua preponderância. Apenas a
presença física da capital estava no Centro-Sul.
A partir da terceira década do século XIX essa situa-
ção se inverteu. A capital do Império foi engolida pelas plan-
tações de café. A Corte imperial passou a ser formada pelos
fazendeiros de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
O centro agrário-exportador estava assentado defini-
tivamente na região Centro-Sul da nação. Novas necessida-
des faziam-se presentes. A aristocracia cafeeira apossou-se
do aparelho burocrático do Estado, transformando a máqui-
na administrativa em um instrumento de seu interesse.
Havia necessidade de adequar as arcaicas estru-
turas econômicas do país à nova realidade do capitalis-
mo mundial livre cambista. A concorrência econômica
entre as potências despontou em todo século. No final

121
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR

Vídeo Globo Repórter - A Imigração Italiana

Fonte: Youtube

Vídeo A Imigração em São Paulo

Fonte: Youtube

Vídeo Hospedaria do Imigrante - São Paulo

Fonte: Youtube

Vídeo Brasil Império - O ciclo do café brasileiro no século XIX

Fonte: Youtube

122
ASSISTIR

Vídeo “ENTRE RIOS” - a urbanização de São Paulo

Fonte: Youtube

Vídeo A ÚLTIMA GUERRA DO PRATA

Fonte: TV Escola

Vídeo Caminhos de Pedra - Tempo e Memória na Linha Palmeiro

Fonte: Youtube

Vídeo Andiamo In’merica - Os Italianos no Brasil


Fonte: Adoro Cinema

123
LER

Livros
Tijolo Sobre Tijolo: Os Alemães Que Construíram São Paulo
- Adriane Acosta Baldin

As grandes cidades são resultantes de complexos processos


históricos, econômicos, sociais e têm uma sólida base na geografia
natural e humana. Uma enorme quantidade de pessoas teve
participação ativa em sua formação, deixando sua marca no que foi
edificado e na cultura que as caracteriza.

O Café e a Imigração - Sônia Maria de Freitas

Este livro conta a história das mudanças na sociedade e na economia


brasileiras a partir da segunda metade do século XIX, depois da
transformação do café no principal produto de exportação brasileiro.
Aborda o processo de desenvolvimento econômico e social em
virtude da expansão da lavoura cafeeira e as transformações
ocorridas no campo e na cidade: a substituição da mão-de-obra
escrava pelo trabalho dos imigrantes, a expansão das ferrovias, da
indústria e da fronteira agrícola, a urbanização, os novos setores
sociais, o avanço tecnológico e a industrialização e intensificação da
vida artística e cultural.

A Guerra É Nossa - a Inglaterra Não Provocou a Guerra do


Paraguai - Alfredo da Mota Menezes

Este livro conta a história das mudanças na sociedade e na economia


brasileiras a partir da segunda metade do século XIX, depois da
transformação do café no principal produto de exportação brasileiro.
Aborda o processo de desenvolvimento econômico e social em
virtude da expansão da lavoura cafeeira e as transformações
ocorridas no campo e na cidade: a substituição da mão-de-obra
escrava pelo trabalho dos imigrantes, a expansão das ferrovias, da
indústria e da fronteira agrícola, a urbanização, os novos setores
sociais, o avanço tecnológico e a industrialização e intensificação da
vida artística e cultural.

124
LER

Livros
A Guerra do Paraguai - Luiz Otávio de Lima

Um épico latino-americano de interesse universal. Maior confronto


armado da história da América do Sul, a Guerra do Paraguai é uma
página desbotada na memória do povo brasileiro. Passados quase
150 anos das últimas batalhas deste conflito sangrento que envolveu
Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, o tema se apequenou nos
livros didáticos e se restringiu às discussões acadêmicas.

Maldita Guerra - Francisco Doratioto

Escrito em linguagem clara e objetiva, este livro é fruto de quinze


anos de pesquisas em arquivos e bibliotecas do Brasil, do Rio
da Prata e da Europa. Francisco Doratioto, graduado em história
pela USP e doutor em história das relações internacionais pela
Universidade de Brasília, viveu durante três anos no Paraguai, o que
lhe permitiu visitar locais e conhecer a memória oral ainda existente
sobre a guerra.

125
INTERDISCIPLINARIDADE

A entrada do Brasil na Guerra do Paraguai (1864-70) e o massacre da população guarani, demonstrando


que a política imperialista não ocorreu somente sobre populações africanas e asiáticas. Os números de mortos no
Paraguai após a guerra são assombrosos, levantando um questionamento sobre crimes contra a humanidade.

(Batalha do Riachuelo, importante vitória sobre os guaranis durante a Guerra do Paraguai)

Também cabe a análise da campanha governamental à vinda de imigrantes europeus para o Brasil, os quais
fugiam de instabilidades em suas terras natais em busca de melhor condição de vida. O Brasil nesse momento
mostrava novamente seu lado preconceituoso, pois buscava somente europeus para minimizar os efeitos da misci-
genação racial com os negros.
Ainda devemos lembrar que ocorreu a ocupação de boa parte das terras do sul do Brasil, as quais o gov-
erno tinha interesse em ocupar para garantir suas fronteiras, o que explica o grande número de descendentes de
alemães e italianos na região sul.
No mesmo período o Brasil passava por um surto industrial, impulsionado pelo fim do tráfico negreiro no Brasil
(1850), e vivia a “era Mauá”, na qual o senhor Irineu Evangelista de Souza investiu toda a sua fortuna na tentativa de
modernizar o país, investindo principalmente no setor de transportes (ferrovia) e comunicação (telégrafos).

(Primeiras locomotivas instaladas no Brasil, sonho frustrado de Mauá


e implantado por companhias estrangeiras)

126
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 14 - Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e in-


terpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca das instituições
sociais, políticas e econômicas.

O uso de fontes históricas das mais distintas é recorrente dentro da Habilidade 14. Em História do
Brasil, vemos muitos fragmentos de grandes obras brasileiras, como, neste caso, de O abolicion-
ismo, do político e intelectual Joaquim Nabuco. Ele, como tantos outros pensadores abordados
pelo vestibular, procura narrar e expressar seu ponto de vista acerca da questão da escravidão no
Brasil. O aluno deve compreender o contexto histórico vivido pelo autor, bem como seu posiciona-
mento diante do fato. Trata-se de uma análise da história brasileira por meio dos intelectuais que
a viveram ou a estudam. Para responder às questões desse gênero, o aluno deve ser perspicaz ao
interpretar a mensagem passada pelos fragmentos dados no enunciado.

Modelo
(Enem) TEXTO I
Já existe, em nosso país, uma consciência nacional que vai introduzindo o elemento da dignidade
humana em nossa legislação, e para qual a escravidão é uma verdadeira mancha. Essa consciência
resulta da mistura de duas correntes diversas: o arrependimento dos descendentes de senhores e
a afinidade de sofrimento dos herdeiros de escravos.
Adaptado de: NABUCO, J. O abolicionismo. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 12 out 2011.

TEXTO II
Joaquim Nabuco era bom de marketing. Como verdadeiro estrategista, soube trabalhar nos basti-
dores para impulsionar a campanha abolicionista, utilizando com maestria a imprensa de sua épo-
ca. Criou repercussão internacional para a causa abolicionista, publicando em jornais estrangeiros
lidos e respeitados pelas elites brasileiras. Com isso, a campanha ganhou vulto e a escravidão se
tornou um constrangimento, uma vergonha nacional, caminhando assim para o seu fim.
Adaptado de: COSTA e SILVA, P. Um abolicionista bom de marketing.
Disponível em: www.revistadehistoria.com.br. Acesso em: 27 jan. 2012.

Segundo Joaquim Nabuco, a solução do problema escravista no Brasil ocorreria como resultado da:
a) evolução moral da sociedade.
b) vontade política do imperador.
c) atuação isenta da Igreja católica.
d) ineficácia econômica do trabalho escravo.
e) implantação nacional do movimento republicano.

127
Análise Expositiva

Habilidade 14
Como ambos os textos deixam claro, Nabuco associou o “ter escravos” ao “constrangimento”,
deixando claro que, para a sociedade do Segundo Reinado, a escravidão era uma herança
moral vergonhosa.
Alternativa A

Estrutura Conceitual
SEGUNDO REINADO
1840 (Golpe da Maioridade) / 1889 (Proclamação da República)

Três Fases

Estruturação Apogeu Declínio


(1840-1850) (1850-1870) (1870-1889)

Política Interna

Sistema Político “Parlamentarismo às Avessas”

nomeia Imperador nomeia


Poder Moderador

Conselho de Estado Senado


(Órgão Consultivo) escolhe (Poder Legislativo)

organiza Presidente do
Conselho
Conselho de Ministros
de Ministros
(Poder Executivo)

Eleições
(Voto Censitário)
aprova Câmara dos Deputados
(Poder Legislativo)

elegem
128
Revolta
Revolução Praieira (Pernambuco - 1848)
Camadas populares e setores da elite
◊ Federalismo
◊ República
◊ Voto universal
Pautas ◊ Liberdade de imprensa
◊ Nacionalização do comércio
◊ Fim do Poder Moderador e do Senado vitalício
derrotada

Política Externa

Inglaterra Guerra do Paraguai


Questão Christie (1864-1870)
(1861-1865)
Motivo - Expansão Paraguaia
Tríplice Aliança × Paraguai
Questões Platinas (Brasil, Argentina e Uruguai)

Uruguai - Intervenção Consequências


contra Oribe e Aguirre
(1851-1854) ◊ Destruição do Paraguai
◊ Fortalecimento da influência brasileira
Argentina - Intervenção ◊ Aumento da dívida externa com Inglaterra
contra Rosas (1857) ◊ Fortalecimento do exército

Economia e Sociedade
◊ Expansão - Vale do Paraíba e Oeste Paulista
◊ Baixo custo produtivo
◊ Oferta de terras
Economia Cafeeira ◊ Expansão do mercado consumidor internacional
- Crise de exportação no ◊ Aumento da mão de obra assalariada imigrante
1º Reinado e Regência ◊ Modernização
- Café enquanto
alternativa
◊ Terras passam a ser vendidas
Estrutura fundiária ◊ Manutenção da grande propriedade
◊ Poucos proprietários
Lei de Terras (1850)

Mão de Obra ◊ Pressão inglesa para abolição


Lei Bill Aberdeen (1845)
Lei Eusébio de Queiroz (1850)
Escrava ◊ Comércio interno de escravos
Nordeste para Sudeste
◊ Força do movimento abolicionista
Exército e profissionais liberais

◊ Estímulo à imigração (governo)


◊ Expansão da mão de obra livre nas fazendas de café
(Oeste Paulista)
Imigrante Sistema de parceria (fracasso)
Sistema de colonato (sucesso)
◊ Tentativa de embranquecimento da população

129
◊ Tarifa Alves Branco (1844)
Modernização ◊ Surtos industriais
◊ Crescimento urbano

Consequências da ◊ Construção de portos e ferrovias


economia cafeeira ◊ Acumulação de capital
◊ Formação de bancos
◊ Novas elites

130
23 24
Crise do império

Competências Habilidades
1, 2, 3, 4 e 5 1, 7, 8, 10, 11,
13, 14, 15, 20,
21, 22, 23 e 25

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômi-
H8
co-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos difer-
entes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia,
favorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
Percebe-se que a partir da década de 1870, o
Império brasileiro passou a enfrentar uma propaganda
republicana organizada e efetiva, particularmente nas
províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo, perden-
do importantes apoios da suas bases de sustentação.
A crise política que afetava o Império foi provocada por
frações da classe dominante, que conseguiram se orga-
nizar e ansiavam por ter o poder político em suas mãos
para executarem, eles mesmos, o seu projeto político.
Essa situação tem relação direta com a modern-
ização pela qual o país passava e as transformações
econômicas resultantes, principalmente, a expansão da
“O rei, nosso Senhor e amo, dorme o sono da... indiferença. Os jornais,
lavoura cafeeira e o desenvolvimento de uma nova que diariamente trazem os desmandos desta situação, parecem produzir
mentalidade econômica, especialmente no Oeste Pau- em Sua Majestade o efeito de um narcótico. Bem aventurado, Senhor!
Para vós, o reino do céu, e para o nosso povo... o do inferno!”
lista. A vitória militar na Guerra do Paraguai fortaleceu o
(Angelo Agostini. Revista Illustrada, 5 fev.1887. Adaptado).
Exército, que exigia cada vez mais espaço e não era
atendido plenamente, o que colocava alguns militares
contra o Império.
O isolamento político do Império cresceu com a Questão Religiosa, que opôs setores da Igreja ao governo, e
a abolição da escravidão, que afastou grandes proprietários rurais escravistas e políticos conservadores do Império.
A perda das bases religiosas, militar e sociopolítica deu-se, segundo alguns historiadores, como resultado
do entendimento de que foi a monarquia que sucumbiu, mais por sua fragilidade do que pela força do Movi-
mento Republicano.
No entanto, embora tenha sido um movimento comandado por uma fração da classe dominante, o Movi-
mento conseguiu envolver setores da classe média nascente na sociedade a quem interessava o estabelecimento
de um novo estatuto político e jurídico que lhes garantisse o exercício da cidadania.

A questão religiosa
A Constituição de 1824 estabelecia o padroado (poder indicar pessoas a cargos na igreja) e o beneplácito
(direito de analisar qualquer decreto antes de entrar em vigor no Brasil, autorizando-o ou não), subordinando a
religião católica ao Estado cujos governos passariam a pagar os membros da Igreja como se fossem funcionári-
os públicos. Esses dispositivos constitucionais distanciavam o clero brasileiro de Roma. Uma parcela dos padres
passou a adotar posturas pouco condizentes com sua função: desrespeito ao voto de castidade; constituição de
família; acúmulo de riquezas; e participação ativa da política imperial.
Os conflitos entre o Estado imperial brasileiro e a Igreja tiveram inicio em 1848, com as novas diretrizes esta-
belecidas pelo papa Pio IX, condenando as “liberdades modernas” e defendendo o monopólio espiritual da Igreja. Em
1864, a Bula Syllabus papal proibiu católicos e membros do clero de participarem de sociedades secretas. No Brasil, à
medida que se aplicava diretamente à maçonaria, uma sociedade secreta que tinha padres, membros de irmandades
católicas e principalmente políticos e pessoas da elite brasileira como membros. Pelo dispositivo constitucional do
beneplácito, o Imperador proibiu a aplicação da bula papal no Brasil.
Nos anos de 1869-1870 realizou-se o Concilio Vaticano I, que proclamou a “infalibilidade” do papa e reafir-
mou seu poder. Apesar da atitude do Imperador e da resistência do Estado brasileiro ao poder papal, a Igreja passou
a exercitar mais disciplina e vigilância religiosas, reivindicando autonomia perante o Estado.

133
Desse modo, embora parte do clero brasileiro in- ra do Paraguai levou os militares a exigirem a valori-
sistisse em apoiar a decisão do Imperador, alguns bispos zação da instituição, que crescera e organizara-se.
resolveram seguir a orientação papal. Em 1872, o bis- Os oficiais do Exército eram geralmente originári-
po de Rio Janeiro suspendeu o padre Almeida Martins, os das camadas médias urbanas e não tinham recursos
que era maçom, por ter participado de uma cerimônia suficientes para arcar com a educação superior, razão pela
maçônica que homenageava o Visconde do Rio Branco qual seguiam a carreira militar que lhes oferecia estudos.
pela assinatura da Lei do Ventre-Livre. Sua visão política era geralmente progressista,
Ainda em 1872, os bispos de Olinda e Belém, contrária aos políticos tradicionais do Império, rea-
respectivamente D. Vital de Oliveira e D. Antonio de cionários. Com a Guerra do Paraguai, a base das tropas
Macedo, ordenaram que os padres que participassem passou a ser constituída de brancos pobres, mulatos,
da maçonaria em suas dioceses deveriam abandonar a escravos e ex-escravos, que, ao final da guerra, com o
sociedade ou seriam suspensos de suas ordens. Vários apoio de oficiais, passaram a lutar contra a escravidão.
padres recusaram-se a abandonar a maçonaria; foram Além disso, os militares de uma maneira geral
suspensos ou suas irmandades foram fechadas. entraram em contato com regimes republicanos duran-
O governo interveio em virtude da pressão do Vis- te a guerra e passaram a defender a implantação desse
conde do Rio Branco, que era maçom, e ordenou a prisão regime no Brasil. Fazia parte do discurso de desquali-
dos bispos e condenou-os a quatro anos de prisão com ficação do Império sua identificação com a escravidão
trabalhos forçados. A prisão dos bispos não foi bem vista e o atraso em oposição à República, vista como pro-
e considerada arbitrária pelos católicos, obrigando o Im- gresso porque era favorável à abolição, ganhando,
perador a intervir e transformar a pena em prisão simples. assim a simpatia dos militares. Nas escolas militares,
difundia-se e ganhava cada vez mais adeptos o posi-
tivismo, com cujas ideias os militares identificam-se e
consideravam-se os únicos capazes de “salvar” o Brasil
do atraso e da estagnação econômica e social graças à
ordem e à disciplina.
A filosofia positivista é uma corrente ideológica
cujos princípios foram elaborados pelo pensador francês
Auguste Comte. Tendo como referências a tradição ro-
mana e a experiência jacobina na Revolução Francesa
de 1789, Comte considerava ser a ditadura republicana
a melhor forma de governo para as condições de seu
Charge com a legenda, “Afinal... deu a mão à palmatória”.
Bordallo Pinheiro. 1875. tempo. Era contrário assim à República liberal, que se
baseia na ideia de soberania popular, cujo poder é ex-
Em 1875, os bispos foram anistiados, não sem a ercido em nome do povo por meio de um mandato. A
insatisfação da Igreja com o beneplácito. Desde então, ditadura republicana concebida por Comte implicava a
clérigos e fiéis católicos deixaram de prestar apoio ao ideia de um governo de salvação no interesse do povo.
governo de D. Pedro II, que via mais uma das bases de
sustentação política do Império fragmentar-se.

A questão militar
O crescimento numérico e o fortalecimento do
Exército brasileiro deram-se com a Guerra do Paraguai,
vencendo a posição secundária que passou a ocupar
desde a criação da Guarda Nacional pelo Ministro da
Regência Padre Diogo Feijó. A vitória brasileira na Guer- Oficiais brasileiros ao lado de um canhão (1886). Marc Ferrez.

134
Nos meios militares brasileiros, a ditadura repub- Em 1886, o coronel Cunha Matos percebeu irreg-
licana preconizada por Comte adquiriu a forma da def- ularidades na compra de fardamentos ao inspecionar um
esa de um Executivo forte e intervencionista, capaz de quartel no Piauí. Pediu o afastamento do comandante da
modernizar o país. Além disso, a atração dos militares unidade, capitão Pedro José de Lima, e o caso foi parar
brasileiros por essa ideologia pode ser explicada pelo na imprensa. O coronel Cunha Matos foi acusado de
fato de os positivistas defenderem a separação entre Ig- perseguição política. Ao se defender pela imprensa sem
reja e Estado, a formação técnica e a ciência como mei- a autorização do Ministro da Guerra, Cunha Matos foi
os de se promover o desenvolvimento da nação. Portan- advertido e condenado a 48 horas de prisão.
to, o positivismo possuía uma fórmula de modernização O caso repercutiu em todo o Brasil. No Rio Grande
conservadora que era muito atraente para os militares do Sul, o tenente-coronel Sena Madureira atacou nova-
do país. No entanto, a ideia republicana vencedora na mente o Ministro da Guerra pela imprensa, o que provocou
propaganda e no movimento republico foi uma mistura uma reunião de oficiais gaúchos, exigindo, do Marechal
das ideias de Comte e do liberalismo. Deodoro da Fonseca, mais autonomia para os militares que
ocupava os cargos de Comandante das Armas e Vice-pres-
idente da província. Deodoro foi convocado pelo Ministro
da Guerra a prestar esclarecimentos no Rio de Janeiro.
Na capital do Império, Deodoro foi festejado
pelos militares, que exigiam, pela imprensa, a revo-
gação das punições e da proibição das manifestações
dos oficiais. D. Pedro II não atendeu às exigências e
demitiu o Ministro da Guerra, Carlos Afonso de Assis
Figueiredo. Nem por isso, deixou de crescer a oposição
dos militares a seu governo.

A questão social: abolicionismo


“Amor como princípio, ordem como base e progresso como fim”.
Auguste Comte. Essas ideias inspiraram os militares que proclamaram a No final da década de 1870, o movimento em
República do Brasil em 1889.
prol da abolição da escravidão cresceu significativa-
Os militares brasileiros não admitiam a subor-
mente no Brasil. Foram fundados clubes e sociedades
dinação a políticos civis. Entraram em atrito constan-
abolicionistas que denunciavam as arbitrariedades da
temente nas chamadas Questões Militares. A primeira
escravidão e colhiam apoio junto a sociedade civil em
delas ocorreu em 1883, quando o tenente-coronel Sena
prol da libertação dos escravos.
Madureira, pela imprensa, criticou as reformas propos- O movimento abolicionista atuava de várias for-
tas pelo governo ao montepio militar, uma espécie de mas. Era comum a realização de rifas e leilões, além do
aposentadoria dos oficiais. Insatisfeito, o Ministro da reconhecimento de doações para a compra de escravos
Guerra Carlos Afonso de Assis Figueiredo proibiu mili- e concessão de alforria a estes. Na imprensa e na lit-
tares de se manifestarem pela imprensa. eratura, intelectuais criticavam a escravidão, lembran-
Em 1884, Sena Madureira prestou uma home- do a vergonha que era para o Brasil ser o único país
nagem na unidade que comandava, a Escola de Tiro de americano livre a possuir escravos e o atraso que isso
Campo Grande, no Rio de Janeiro, ao jangadeiro cea- representava. Caifazes atacavam fazendas para liber-
rense Francisco José do Nascimento – o Dragão do Mar, tar os negros das senzalas e jangadeiros cearenses e
como abolicionista, que havia liderado um grupo de ferroviários recusavam-se a transportar escravos.
jangadeiros que se recusaram a embarcar escravos para Homens como André Rebouças, Luis Gama, José
os navios. O Ministro da Guerra demitiu o tenente-coro- do Patrocínio e Joaquim Nabuco foram grandes ex-
nel e enviou-o para o Rio Grande do Sul. poentes sociais na luta pela abolição da escravatura.

135
Vale lembrar que a maioria dos soldados que atuavam na Guerra do Paraguai eram negros e grande parte
do Exército passou a defender abertamente a abolição, inclusive prestando homenagens a integrantes do mov-
imento abolicionista. De uma maneira geral, militares recusavam-se a caçar escravos fugitivos, não aceitando o
humilhante papel de capitão do mato.
Os grandes proprietários rurais estavam divididos: enquanto uma parcela dos fazendeiros nordestinos e
paulistas percebia a necessidade de adotar o trabalho livre em apoio à abolição, representantes das lavouras mais
tradicionais, como os donos de velhos engenhos nordestinos e os cafeicultores do Vale do Paraíba, eram contrários à
abolição. Receavam os prejuízos que teriam com a abolição da escravidão, perdendo o dinheiro que haviam aplicado
na compra dos escravos e não tinham capital para investir em projetos imigrantistas. Alguns fazendeiros até eram
capazes de aceitar a libertação dos escravos desde que fosse gradativa e o Estado se encarregasse de indenizá-los.

Emancipação: uma nuvem que não para de crescer. Ilustração de Ângelo Agostini. Capa da Revista Ilustrada, jan. 1880.

As leis abolicionistas
As pressões internas e externas levaram o governo imperial a assinar leis de caráter abolicionista, respon-
dendo à demanda dos abolicionistas e aos interesses dos proprietários escravistas.
Em 1871, foi assinada a Lei Visconde do Rio Branco, conhecida como Lei do Ventre-Livre, que declarava
livres os escravos nascidos a partir de setembro daquele ano. Os negros recém-nascidos poderiam ficar com seus
pais até completar oito anos, estando, portanto, sob a autoridade do senhor. Quando a criança atingisse tal idade,

136
o senhor poderia decidir se a libertaria a troco de uma
indenização do Estado ou usaria o trabalho do jovem
até que completasse 21 anos, quando então seria liber-
tado sem custos.
Apesar da repercussão inicial, a lei suscitou
várias críticas; não alterava a estrutura da escravidão,
beneficiando apenas os senhores de escravos. Em re-
sposta às críticas, o governo decretou em 1885 a Lei
Saraiva-Cotegipe, que libertava os escravos com mais
de sessenta e cinco anos de idade, por isso chamada Revista Illustrada. Ilustração de Ângelo Agostini. Crítica às medidas
Lei dos Sexagenários. Após muitas críticas a idade foi abolicionistas, Lei dos Sexagenários, que adiavam a solução definitiva.
Fundação Biblioteca Nacional.
reduzida para 60 anos. Disponível em: <revistadehistoria.com.br>.

A lei foi considerada desnecessária e alvo de severas e variadas críticas. Dificilmente um escravo chegava e
essa idade e, se chegasse, provavelmente não teria mais condições de trabalhar. Além disso, os escravos sexagenári-
os teriam de trabalhar de três a cinco anos para indenizar seu senhor.
Sem condições de manter a escravidão por mais tempo, o governo imperial acabou extinguindo totalmente
a escravidão no Brasil no dia 13 de maio de 1888, quando a Princesa regente Isabel sancionou a Lei Áurea.

Lei Áurea
Declara extinta a escravidão no Brasil
A princesa Imperial Regente, em nome de Sua majestade,
o Imperial, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do
Império que a Assembleia Geral decretou e ela sancionou a lei
seguinte:
Art. 1o. É declarada extinta desde a data desta lei a es-
cravidão no Brasil.
Art. 2o. Revogam-se as disposições em contrário.
Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhe-
cimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e
façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.
O secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio
e Obras Públicas e interino dos Negócios Estrangeiros, Bacha-
rel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de Sua Majestade o
Imperador, o faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do
Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67 o da Independência
e do Império. Princesa Imperial Regente. Rodrigo Augusto da Sil-
va Carta de lei, pela qual Vossa Alteza Imperial manda executar
o Decreto da Assembleia geral, que houve por bem sancionar,
declarando extinta a escravidão no Brasil, como nela se declara.
Para vossa Alteza Imperial ver. Chancelaria-mor do Império –
Antônio Ferreira Viana. Transitou em 13 de maio de 1888. José
Júlio de Albuquerque.

137
Consequências da abolição
A libertação dos escravos não foi acompanhada de políticas públicas que garantissem a integração dos negros
na sociedade e no mercado de trabalho; não foi elaborado um programa de inserção dos negros que contemplasse
educação, saúde, terras ou empregos. Como eles foram deixados à sua própria sorte, os ex-escravos tiveram dificul-
dade em se integrarem ao mercado de trabalho em parte pelo preconceito dos empregadores, cuja maioria dava
preferência ao empregado branco, em parte pelo tratamento de escravos que lhes dispensavam se empregados. Ao
ex-escravo sobrou a dificuldade de se submeter às regras impostas pelo patrão uma vez que o trabalho continuava
parecendo-lhe privação da liberdade. Essa foi a herança que os ex-escravos carregaram e que alimentaria o precon-
ceito contra eles e seus descendentes, eram preguiçosos, por isso socialmente exclusos. No Sudeste, particularmente
no Oeste paulista, o trabalho nas fazendas foi ocupado pelos imigrantes europeus, bem como nas cidades, de acordo
com a crença de que eles eram trabalhadores mais bem preparados para o trabalho industrial, o que necessariamente
não era verdade, uma vez que a maioria deles era proveniente de regiões rurais na Europa.
A abolição da escravidão não foi um golpe na economia do país. Os decadentes cafeicultores do Vale do
Paraíba e alguns grandes proprietários rurais, no entanto, que dependiam do trabalho escravo, não perdoaram o
governo. Reclamavam especialmente da indenização que nunca veio. Em represália passaram a engrossar as fil-
eiras do movimento republicano, retirando seu apoio político ao Império e sendo conhecidos depois disso como:
“Republicanos do 13 de maio”, em alusão a data da lei Áurea.

O movimento republicano (1870-1889)


O crescimento do movimento abolicionista estava vinculado aos avanços das ideias e da organização do
movimento republicano.
Vale lembrar que a classe mais prejudicada pela abolição, os barões do café na província do Rio de Janeiro
e no Vale do Paraíba, constituiu, junto à decadente aristocracia açucareira, a oligarquia dominante na política do
Segundo Reinado.
Os ideais republicanos não eram suficientemente representativos para se imporem como um movimento
político na época da independência e do período regencial, ao contrário do que ocorreu a partir da dissidência no
interior do Partido Liberal, em 1868, quando surgiu um movimento capaz de ganhar força política.
Em dezembro de 1870 foi publicado no Rio de Janeiro o Manifesto Republicano, que defendia o fed-
eralismo em oposição ao unitarismo que caracterizava o Império. Além disso, os republicanos defendiam o fim da
união Estado-Igreja e do Senado vitalício. As ideias republicanas logo ganhariam grande força nas províncias de
São Paulo e Rio Grande do Sul, além de na cidade do Rio de Janeiro.
Logo depois da publicação do manifesto, foram fundados partidos republicanos com expressão mais region-
al ou provincial, ao contrário dos partidos do Império fortemente unidos em âmbito nacional.

138
Em 1873, numa convenção na cidade de Itu, foi uação política estava diretamente associada ao modelo
fundado o Partido Republicano Paulista (PRP), que político vigente. Além disso, a participação dos escravos
capitaneou a propaganda republicana e veio a ser o naquele conflito contribuiu para mudar a visão sobre
mais forte da chamada Primeira República, dominado a escravidão por alguns militares que passaram a sim-
pelos grandes cafeicultores do Oeste paulista. patizar com a causa abolicionista. O avanço dessas ide-
ias comprometia muito a relação do Imperador com os
proprietários de escravos, que cobravam uma atuação
mais enérgica do Estado a fim de que não tivessem seus
interesses econômicos contrariados.

Retrato de Benjamin Constant.


Óleo sobre tela. 1890. Décio Villares.

À medida que aumentavam em número, os re-


publicanos dividiam-se em dois grupos: históricos (evo-
lucionistas) e revolucionários. Os históricos, liderados
por Quintino Bocaiuva, estavam ligados aos cafeicul-
tores paulistas e eram chamados de evolucionistas por
pretenderem chegar à República por meio de reformas
graduais. Os revolucionários, ligados às camadas médi-
as urbanas, liderados por Silva Jardim, advogavam a luta
armada de caráter popular para derrubar o Império. As
ideias de Silva Jardim eram tidas como radicais e incomo- Proclamação da República. Henrique Bernardelli.
Acervo do Museu da República.
davam a direção do Partido Republicano, interessada na
mudança pacífica sem pôr em risco os anseios da classe
A relação do Trono com a Igreja também estava
dominante. Assim, no Congresso realizado em São Paulo,
desgastada após os episódios envolvendo a Igreja, o Es-
em maio de 1889, venceu a proposta de Bocaiuva.
tado e a maçonaria.
O grupo militar, distanciado da agitação par-
A condição de continuidade da monarquia pare-
tidária, tinha entre seus líderes o tenente-coronel Ben-
cia cada vez mais remota em razão da saúde do Imper-
jamin Constant, professor da Escola Militar, que, assim
ador e da questão de gênero da sucessora, a Princesa
como inúmeros militares, foram fortemente influencia- Isabel, a tal ponto que o fim do Império foi, no dizer de
dos pelas ideias positivistas. alguns historiadores, uma simples parada militar sem
tentativas de reação.
A Proclamação da República O ano de 1889 foi marcado por grandes agi-
tações políticas nos meios civis e militares brasileiros.
(1889) O movimento republicano crescia e a cada dia ganhava
mais adeptos, enquanto o Império fraquejava e D. Pedro
O mais longo governo brasileiro, sob o coman- II perdia bases políticas. O desgaste da monarquia de-
do de D. Pedro II, enfrentava sérias dificuldades para mandava reformas urgentes. Para efetuá-las, foi nomea-
manter a estabilidade, especialmente após a Guerra do do um novo presidente para o Conselho de Ministros, o
Paraguai, quando a percepção dos militares de sua at- Visconde de Ouro Preto.

139
Afiliado ao Partido Liberal, ele era consciente da difícil situação enfrentada pela monarquia e da neces-
sidade de reformas políticas urgentes para evitar seu fim. Apresentou à Câmara um projeto de reforma política
cujas principais medidas eram o fim do senado vitalício, a elaboração de um código civil e a concessão de mais
autonomia para as províncias.
Composto majoritariamente por membros do partido Conservador, o Legislativo não aprovou tais medidas.
No dia 17 de julho de 1889, a Câmara foi dissolvida e novas eleições legislativas foram convocadas. O impasse
aumentou a turbulência política no país e levou os republicanos militares e civis a tramarem um golpe de Estado
para derrubar D. Pedro II.
No dia 14 de novembro, o major Sólon Ribeiro plantou nos meios militares o boato de que o Visconde de
Ouro Preto tinha ordenado a prisão do marechal Deodoro da Fonseca e do tenente-coronel Benjamim Constant.
Em resposta, vários militares aquartelaram-se, enquanto Deodoro preparava uma reação. Liderando uma marcha
iniciada na madrugada do dia 15 de novembro, o marechal conduziu seus homens ao Ministério da Guerra, onde
se encontrava o Visconde de Ouro Preto, para exigir sua renúncia e não para derrubar a monarquia.
A marcha pela cidade do Rio de janeiro deu ao povo a impressão de uma parada militar, reflexo da falta
de participação popular no movimento expressa na famosa frase atribuída a Aristides Lobo, que dizia: “e o povo
assistiu bestializado...”.
Diante dos acontecimentos, o Visconde de Ouro Preto foi deposto e a República proclamada em meio a
gritos repetidos dos militares que acompanhavam Deodoro: “Viva a República!”. Ainda no dia 15 de novembro
de 1889, a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro reuniu-se sob liderança de José do Patrocínio e lavrou a ata
de proclamação da República.
D. Pedro II estava em Petrópolis e voltou imediatamente para o Rio de Janeiro, mas não conseguiu reverter
a situação. A república já era um fato consumado e o Segundo Reinado chegava ao fim.
O golpe republicano em 1889 foi resultado da conjugação de interesses convergentes entre cafeicultores,
classe média e militares, oportunidade em que mais uma vez a grande maioria da população esteve alijada do
processo político do seu país.

Proclamação da república. 1893. Óleo sobre tela. Benedito Calixto (1853-1927). Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo.

140
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR

Vídeo Proclamação da República #1

Fonte: Youtube

Vídeo Proclamação da República | Nerdologia 190

Fonte: Youtube

Vídeo La Cecilia, une commune anarchiste au Brèsil

Este filme de Jean-Louis Comolli, lançado em 1975, já está disponível em


DVD. “O Cecilia, no final do século 19, os anarquistas italianos, dez homens,
uma mulher, libertário, coletivista, emigrou para o Brasil para iniciar uma
comunidade sem liderança, sem hierarquia, sem patrões, sem polícia, mas
não sem conflitos, ou paixão. Esta utopia ontem convocou alguns dos temas
candentes da atualidade: o de uma organização não-repressivo, o da libertação
das mulheres ea luta contra a unidade familiar ... “Jean-Louis Comolli

142
ACESSAR

Sites Período Regencial - Segundo Reinado

www.ahistoria.com.br/crise-do-imperio-1870-1889/
www.colegioweb.com.br/segundo-reinado-governo-de-d-pedro-1840-1889/a-queda-do-
imperio.html
alunosonline.uol.com.br/historia-do-brasil/leis-abolicionistas-no-imperio.html
educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/questao-religiosa-igreja-e-estado-entram-
em-conflito.htm

OUVIR
Músicas
- Hino da Proclamação da República – Medeiros e
Albuquerque & Leopoldo Augusto Miguez
- Hino à Bandeira – Olavo Bilac & Francisco Braga
- Liberdade, Liberdade, Abre as Asas Sobre Nós – Imperatriz
Leopoldinense (samba-enredo 1989)
- Os Cinco Bailes da História do Rio – d. Ivone Lara
- 100 Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão – Beth Carvalho

143
LER

Livros
As Barbas do Imperador - Lilia Moritz Schwarcs

Misto de ensaio interpretativo e biografia de d. Pedro II, As barbas do


imperador, de Lilia Moritz Schwarcz, foi um marco na historiografia
brasileira, apresentando uma visão nova e reveladora de nosso passado.
O livro materializava o mito monárquico ao descrever, por exemplo, a
construção dos palácios, a mistura de ritos franceses com costumes
brasileiros, a maneira como a boa sociedade praticava a arte de bem
civilizar-se, a criação de medalhas, emblemas, dísticos e brasões, a
participação do monarca e o uso de sua imagem em festas populares.

1889 – Como Um Imperador Cansado, Um Marechal Vaidoso e


Um Professor Injustiçado... - Laurentino Gomes

Nas últimas semanas de 1889, a tripulação de um navio de guerra


brasileiro ancorado no porto de Colombo, capital do Ceilão (atual Sri
Lanka), foi pega de surpresa pelas notícias alarmantes que chegavam
do outro lado do mundo. O Brasil havia se tornado uma república.

Os Bestializados - José Murilo de Carvalho

1888: Abolição do trabalho escravo. 1889: Proclamação da República.


Neste livro, José Murilo de Carvalho convida-nos a revisitar o Rio de
Janeiro em suas primeiras encenações como Capital Federal. Cidade
Maravilhosa, se acrescentarmos ao belo, o terrível; ao cômico, o trágico;
à lógica, a loucura.

Essa Tal Proclamação da República - Edison Veiga

A República foi proclamada em 15 de novembro de 1889. Porém, você


sabe o que aconteceu meses antes do fim do Império? Com linguagem
irreverente, o autor revela os fatos que antecederam a expulsão de dom
Pedro II e da família imperial – como a ascensão da cafeicultura, a
promulgação da Lei Áurea, a Guerra do Paraguai, o baile da Ilha Fiscal,
a briga entre a maçonaria e a Igreja Católica, a revolta dos militares –,
apresenta os personagens que participaram da queda da Monarquia,
faz um panorama da sociedade brasileira do século XIX e conta a
história dos hinos e da bandeira nacional.

144
LER

Livros

A Proclamação da Republica - Descobrindo o Brasil - Celso


Castro

15 de novembro de 1889: um grupo de militares derruba a Monarquia e


“proclama” a República no Brasil. Nesse livro, o autor acompanha passo
a passo o golpe republicano e retrata seus protagonistas, desvendando
os motivos que os levaram à conspiração e narrando como se forjou um
dos momentos mais importantes da história brasileira.

O Abolicionismo - Joaquim Nabuco

Redigido em 1883, O Abolicionismo é um clássico do pensamento


político brasileiro. Nele não há apenas uma defesa apaixonada e
engenhosa da libertação dos escravos, mas um amplo programa de
reforma da sociedade imperial e uma corrosiva crítica de suas estruturas
e instituições.

A Abolição - Emília Viotti da Costa

Esta 8ª edição, revista e ampliada, do livro A Abolição, da professora


Emilia Viotti da Costa, aborda o processo de luta pela abolição da
escravidão no Brasil e desmistifica a imagem da abolição como doação
da Princesa Isabel em 1888 e não como exigência de um sistema
de produção. A autora relata os diversos momentos, personagens e
aspectos do processo abolicionista que libertou os brancos do fardo da
escravidão e abandonou os negros à sua própria sorte.

Da Senzala à Colônia - 5ª Ed. 2012 - Emília Viotti da Costa

Neste livro fundamental, a autora demonstra que a abolição dos


escravos no Brasil representou apenas uma etapa na liquidação da
estrutura colonial, mas golpeou duramente a velha classe senhorial e
coroou um processo de transformações que se estendeu por toda a
primeira metade do século XIX.

145
INTERDISCIPLINARIDADE

O fortalecimento das ideias republicanas e do positivismo de Augusto Comte vão ser determinantes à der-
rocada do II Reinado e à Proclamação da República. Tais ideologias vão ganhar espaço na jovem oficialidade do
exército brasileiro, e somadas as ideias abolicionistas, adquiridas pelos militares após a Guerra do Paraguai, vão
pressionar o monarca D. Pedro II até sua queda, em 1889.

(Caricatura de D. Pedro II ilustrada na “Revista Ilustrada”, representando um líder velho, cansado e desatento ao momento político nacional)

Deve-se entender ainda que a abolição, apesar de extinguir oficialmente a escravidão (1888), não acabou
com o sofrimento dos negros no Brasil, pois após a assinatura da lei Áurea, não houve nenhuma ação do governo
para integrar os negros como cidadãos, marginalizando-os. Essa camada da sociedade vive até os dias atuais re-
flexos dessa marginalização sofrida no início da República.
Também podemos analisar a produção literária da época, na qual temos autores como: Castro Alves atacan-
do a instituição escravista; Machado de Assis relatando suas observações de uma sociedade racista; José de Alencar
defendendo a manutenção do escravismo.

(Rara fotografia do momento após a assinatura da Lei Áurea (13 de maio de 1888),
na qual podemos observar a princesa Isabel ao centro)

146
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 11 - Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.

Fundamentais à historiografia, as fontes históricas assumem diversas formas, como relatos históri-
cos ou obras literárias – que, por muitas vezes, podem se confundir. O Enem, ciente disso, exige
dos estudantes algo além de uma simples memorização dos eventos históricos, mas também a
capacidade de interpretar registros escritos em tempos pretéritos. A Habilidade 11 requer a ca-
pacidade de interpretação de texto e a sua devida associação ao período histórico.

Modelo
(Enem) O texto abaixo foi extraído de uma crônica de Machado de Assis e refere-se ao trabalho de
um escravo.
“Um dia começou a guerra do Paraguai e durou cinco anos, João repicava e dobrava, dobrava e
repicava pelos mortos e pelas vitórias. Quando se decretou o ventre livre dos escravos, João é que
repicou. Quando se fez a abolição completa, quem repicou foi João. Um dia proclamou-se a repúbli-
ca. João repicou por ela, repicara pelo Império, se o Império retornasse.”
(ASSIS, Machado de. “Crônica sobre a morte do escravo João”, 1897.)

A leitura do texto permite afirmar que o sineiro João:


a) por ser escravo tocava os sinos, às escondidas, quando ocorriam fatos ligados à Abolição.
b) não poderia tocar os sinos pelo retorno do Império, visto que era escravo.
c) tocou os sinos pela República, proclamada pelos abolicionistas que vieram libertá-lo.
d) tocava os sinos quando ocorriam fatos marcantes, porque era costume fazê-lo.
e) tocou os sinos pelo retorno do Império, comemorando a volta da princesa Isabel.

147
Análise Expositiva

Habilidade 11
A narrativa enfatiza a atividade rotineira do escravo João, encarregado de tocar o sino sempre que
algum acontecimento importante ocorria no país. Ao apresentá-lo como personagem apático e de-
sinteressado quanto à relevância política que este ou aquele acontecimento poderia apresentar para
alterar a sua condição de escravo, Machado de Assis expõe, ironicamente, a falta de participação do
povo brasileiro nos eventos históricos que o afetam diretamente. Ou seja, o sineiro João tocava os
sinos quando ocorriam fatos marcantes apenas porque era costume fazê-lo.
Alternativa D

Estrutura Conceitual
CRISE DO IMPÉRIO
◊ Padroado e Beneplácito (1824)
Questão religiosa ◊ Bulla syllabus (1864)
D. Pedro II apoia
padre maçom e
perde apoio da Igreja
◊ Fortalecimento do Exército
◊ Ideologia progressista (positivismo)
Questão Militar ◊ Pensamento republicano
Tensões entre ◊ Pensamento abolicionista (ex-escravos no Exército)
militares e o governo
◊ Força do movimento abolicionista (Exército e camadas urbanas)
◊ Fuga de escravos das fazendas
Abolição ◊ Oeste Paulista - mão de obra livre
◊ Vale do Paraíba - barões do café querem indenização
Leis
1845 - Bill Aberdeen
1850 - Eusébio de Queiroz
1871 - Lei do Ventre Livre
1885 - Lei dos Sexagenários
1888 - Lei Áurea * Não há política de auxílio aos libertos
◊ 1870 - Manifesto Republicano
Movimento Republicano Força em SP, RJ e RS
(1870-1889) Mudança política sem afetar elite
◊ 1873 - Criação do Partido Republicano Paulista (PRP)

◊ Aliança entre cafeicultores, classe média e militares


Proclamação da ◊ Sem participação popular
República (1889) ◊ Sem mudanças estruturais
◊ Proclamada pelo marechal Deodoro da Fonseca
148
25 26
República da Espada

Competências Habilidades
1, 2, 3, 4 e 5 1, 9, 11, 13, 14,
15, 18, 22, e 24

C H
HISTÓRIA
Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômi-
H8
co-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos difer-
entes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia,
favorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
Introdução
Nestas próximas aulas vamos estudar a Primeira República no Brasil, tradicionalmente conhecida como
República Velha (1889–1930).
A República brasileira tem uma história marcada por golpes, rupturas e permanências sem quase ou nen-
huma participação popular direta. Os primeiros anos da república, que trazia expectativas para alguns segmentos
menos favorecidos da população, foram marcados por decepções, especialmente pelo projeto excludente da Con-
stituição de 1891, que excluía a grande maioria da população do direito ao voto, portanto, do exercício da cidada-
nia. O próprio equilíbrio entre os poderes proposto naquele projeto durou pouco, uma vez que Deodoro da Fonseca,
cujos interesses centralizadores encontravam resistências no Congresso, de maioria civil e de ideais federalistas,
optou pelo fechamento do poder legislativo, numa clara atitude golpista.
Embora, naquela fase, a atuação popular pelo voto fosse limitada, a República Velha presenciou vários
movimentos sociais que de alguma forma representavam uma reação ao latifúndio, à miséria e à repressão política
das oligarquias dominantes, como nos movimentos messiânicos de Canudos e do Contestado.
Como os dois primeiros presidentes brasileiros eram militares, convencionou-se chamar aquela fase de
República da Espada (1889–1894).
Apesar da grande instabilidade política e da ocorrência de alguns motins, inclusive militares, o período foi
marcado pela consolidação do regime republicano, do qual foram afastados os últimos resquícios monarquistas e
seus desejos de reação.

Governo provisório (1889–1891)

Primeira Bandeira Republicana, criada por Ruy Barbosa.


Vigorou entre 15 e 19 de novembro de 1889.

Proclamada a República em 1889, iniciou-se um governo provisório, com um ministério composto por re-
publicanos históricos, positivistas e militares, mas não revolucionários. Rui Barbosa (Fazenda), almirante Eduardo
Wandenkolk (Marinha), tenente-coronel Benjamin Constant (Guerra), Demétrio Nunes Ribeiro (Agricultura), Cam-
pos Sales (Justiça), Quintino Bocaiúva (Relações Exteriores) e Aristides Lobo (Interior) compunham o ministério.
As primeiras medidas do Governo Provisório foram os decretos de implantação do regime republicano e o
banimento da família imperial, publicados no Diário Oficial no dia seguinte à Proclamação. Ao receber a notícia
de que teria que deixar o Brasil em 24 horas, D. Pedro II não resistiu e embarcou com sua família para a Europa. O
embarque sem resistência frustrou os monarquistas que imaginavam poder reverter a situação, especialmente na
Bahia, onde a proposta de resistência previa até mesmo a separação da Província.

151
As câmaras municipais e assembleias legislativas
provinciais foram dissolvidas e seus presidentes desti- §§ Verde – escolhido por dom Pedro I como
tuídos. As províncias foram transformadas em estados. a cor do Império. Foi o tom da bandeira de

Para governá-los foram nomeados interventores. Adot- várias batalhas portuguesas na Europa, uma

aram-se ainda as seguintes medidas. forte associação com as lutas libertárias.

§§ Naturalização em massa de estrangeiros residentes §§ Amarelo – a partir de 1250, após a con-


quista da região do Algarve, o amarelo
no Brasil, que residiam no Brasil no dia 15 de no-
passou a figurar no brasão de armas de
vembro de 1889 e que não declarassem, no período
Portugal. Essa cor também representava os
de seis meses após entrar em vigor a Constituição, o
castelos conquistados dos mouros.
desejo de conservar a nacionalidade de origem.
§§ Azul e branco – muitos donatários de cap-
§§ Separação entre Estado e Igreja.
itanias hereditárias usavam a combinação
§§ Administração de cemitérios pelas prefeituras.
para representar seu território.
§§ O catolicismo deixou de ser a religião oficial no Brasil,
§§ Estrelas – presentes na bandeira, nas ar-
onde passou a haver livre culto de crenças religiosas.
mas e nos selos nacionais. As constelações
§§ Criação do registro civil para nascimento e falec-
representam os Estados brasileiros e o Dis-
imento das pessoas.
trito Federal e retratam o céu carioca no dia
§§ Instituição do casamento civil.
da Proclamação da República.
§§ Criação da bandeira da República, mantidas as
§§ Ordem e Progresso – trata-se da redução
cores da do Império.
de um lema positivista do filósofo francês
§§ Mudança do nome do país para República dos Estados Auguste Comte (1798–1857), que procla-
Unidos do Brasil, de caráter francamente federalista. ma: “O amor por princípio e a ordem por
§§ Reforma financeira de Rui Barbosa (Encilhamento). base, o progresso por fim”
§§ Promulgação da Constituição de 1891. Disponível em: <revistaescola.abril.com.br>. Acesso em:
7 mar. 2015.

Quando foi criada a bandeira nacional e o


que significam suas cores? Interessante notarmos que a própria bandeira da
República está simbolicamente marcada por continui-
dades e descontinuidades históricas trazendo até o pre-
sente uma série de superposições conflitantes.

A Constituição de 1891

Ainda não se parecia com a atual, a primeira ban-


deira brasileira foi criada em 19 de setembro de
1822 por decreto de D. Pedro I (1798–1834). Mas
foi em 1889, com a Proclamação da República, que
as armas do Império foram substituídas pela esfe-
ra azul, emblema republicano. O losango amarelo,
considerado único entre as bandeiras nacionais, foi
concebido pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret
(1768–1848), fundador da Academia de Belas Artes
do Rio de Janeiro. Muito além da associação com o
verde das matas e o amarelo do ouro, as cores da
bandeira têm profundo significado histórico.
Constituição de 1891.

152
Em 3 de dezembro de 1891, o Governo Provisório ulentas e opressivas contra a população. A Constituição
nomeou uma comissão para elaborar o projeto da Constitu- de 1891 era a expressão de uma República que, procla-
ição republicana, a ser submetido ao futuro Congresso Con- mada em 1889, não alterou a estrutura socioeconômica
stituinte. Foram elaborados três projetos, finalmente fundidos do Brasil, mas preservou o poder das oligarquias. Desse
em um e entregue ao governo em maio de 1890. A redação modo, apesar da adoção do sufrágio universal masculino,
final do projeto ficou sob a responsabilidade de Rui Barbosa. a grande maioria da população permaneceu à margem da
Em setembro foi eleito o Congresso Constitu- vida política, do pleno exercício da cidadania, portanto.
inte, que discutiu, emendou, votou e aprovou a primeira
Constituição republicana, em 24 de fevereiro de 1891, A crise do Encilhamento
cujo modelo foi a Constituição norte-americana. Pro-
Ocupado por Rui Barbosa, o Ministério da
punha para o Brasil uma república federativa, presi-
Fazenda do Governo Provisório tentou realizar uma
dencialista e liberal. O princípio federativo, defendido
reforma financeira com o objetivo de desenvolver a
desde o Império por grupos exaltados e republicanos e
industrialização do Brasil, reduzir a dependência em
incorporado ao primeiro decreto do Governo Provisório,
relação ao capital estrangeiro e aumentar o meio cir-
foi finalmente consagrado na Constituição, garantindo
culante – quantidade de moeda em circulação no país.
ampla autonomia aos estados, que passariam a:
À época, ela era incompatível com as novas realidades
§§ ter sua própria Constituição; do trabalho assalariado e do ingresso em massa de imi-
§§ eleger seus governadores; grantes no mercado de trabalho.
§§ criar orçamentos e impostos votados pelas as-
sembleias estaduais;
§§ contrair empréstimos no exterior; e
§§ organizar forças militares próprias.
À União caberia cobrar os impostos de impor-
tação, criar bancos emissores de moeda, organizar as
forças armadas nacionais e intervir nos Estados para
restabelecer a ordem, a fim de que se mantivesse a for-
ma republicana federativa, e em outras situações.
A Constituição estabeleceu os três poderes –
Executivo, Legislativo e Judiciário – “harmônicos e
independentes entre si”. O Poder Executivo seria exercido
por um presidente da República, eleito por um período de
quatro anos. Como no Império, o Legislativo foi dividido
em Câmara dos Deputados e Senado, mas os senadores
deixaram de ser vitalícios. Os deputados seriam eleitos
nos estados em número proporcional ao de seus habi-
Rui Barbosa
tantes, por um período de três anos. Os senadores teriam
um mandato de nove anos, três deles representantes por Para conseguir realizar seus objetivos, o Governo
adotou uma política de emissão monetária para garantir
estado e três, do Distrito Federal, capital da República.
a circulação monetária e o pagamento dos operários, bem
Para as eleições, fixou-se o sistema de voto direto
como para facilitar a concessão de créditos para a criação
e universal masculino e suprimiu-se o censo econômico
de empresas. As tarifas alfandegárias foram elevadas e a
(voto censitário). Foram considerados eleitores todos os entrada de matérias-primas no país foi facilitada.
cidadãos brasileiros maiores de 21 anos, com exceção O crédito e a emissão de dinheiro também facilit-
dos analfabetos, mendigos, praças militares e religiosos ados e também realizados por bancos privados levaram a
de ordens monásticas. uma especulação financeira desmedida. Empresas fantas-
Essa nova Constituição apresentava um caráter lib- mas vendiam desenfreadamente ações na bolsa de valores.
eral que não foi posto em prática pelas oligarquias rurais, Do noite para o dia, especuladores acumularam grandes
que continuavam cometendo uma série de práticas fraud- fortunas à custa do dinheiro de pessoas ludibriadas.

153
levar a não aceitação de um presidente civil, levando
a um golpe de Estado, caso Deodoro não fosse eleito.
Em face da pressão, Marechal Deodoro foi eleito com
pequena diferença de votos. Mas o vice escolhido foi o mare-
chal Floriano Peixoto, da chapa oposicionista, com mais votos
que o próprio Deodoro da Fonseca. Isso foi possível devido ao
fato da eleição ser feita com chapa aberta, ou seja, os eleitores
podiam votar no presidente e no vice de chapas diferentes.
Charge de Pereira Neto, publicada na revista Ilustrada em dezembro de

Governo de Deodoro
1890, satiriza a especulação financeira causada pelo Encilhamento.

da Fonseca (1891)
A vultosa emissão monetária que desvalorizava con-
stantemente o mil-réis provocou uma crise inflacionária que re-
fletia diretamente no aumento do custo de vida da população e
na alta constante dos preços, ao mesmo tempo em que prejudi- O primeiro presidente brasileiro, ex-chefe do Gov-
cava as empresas que importavam produtos e matérias-primas, erno Provisório, foi eleito indiretamente, a contragosto de
levando-as à falência e aumentando o desemprego. um Congresso pressionado pelo Exército, que evitou o uso
Na tentativa de socorrer empresas falidas e compen- da força e divergências entre o Executivo e o Legislativo.
sar a especulação financeira na bolsa de valores, o Governo Alvo de várias críticas, especialmente pelo au-
aumentava mais ainda a emissão monetária, aprofundando toritarismo, centralismo e pelas acusações de corrupção
a espiral inflacionária. A especulação e a inflação descontro- que envolviam membros do governo, Deodoro tam-
ladas deixaram clara a falência da política econômica de Rui bém era apontado como responsável direto pela crise
Barbosa, que ficou conhecida como Encilhamento. econômica e pela inflação herdadas do Encilhamento.
Essa desvalorização monetária favoreceu inicial-
mente os cafeicultores, que produziam gastando em mil-
réis e vendiam em moeda estrangeira valorizada. Todavia,
a instabilidade econômica prejudicava seus negócios in-
ternos e a proteção dada à indústria desagradava-lhes,
posicionando-os contra a política financeira do Governo
Provisório. Os importadores também exigiam estabilidade
cambial, uma vez que, com as constantes desvalorizações
da moeda nacional, as importações ficavam cada vez
mais caras e o mercado consumidor de produtos impor-
tados decrescia aceleradamente.

As eleições indiretas e a escolha


do primeiro presidente Deodoro da Fonseca
Sem o apoio da maioria do Legislativo, indis-
Como determinava a Constituição de 1891, logo
pensável para a administração pública, Deodoro dis-
depois de promulgada, a Assembleia Constituinte trans-
solveu o Congresso no início de novembro de 1891 e
formou-se em Congresso Nacional, que teve de escol-
decretou estado de sítio, para fortalecer o poder Ex-
her o primeiro presidente e o vice. Duas chapas foram
ecutivo, medida apoiada por todos os presidentes de
inscritas para a eleição: uma encabeçada pelo Marechal
províncias, exceto por Lauro Sodré, do Pará.
Deodoro da Fonseca e o Almirante Eduardo Wanden- Contestado por membros da Marinha, o estado de
kolk (vice); a outra, pelo cafeicultor Prudente de Moraes sítio levou-os a organizaram uma revolta – Primeira Revol-
e o Marechal Floriano Peixoto (vice). ta da Armada –, liderada pelo contra-almirante Custódio
Havia uma clara tendência no Congresso para de Melo, que obteve apoio de Eduardo Wandenkolk e do
a escolha de Prudente de Moraes. Entretanto, a forte vice-presidente Floriano Peixoto. Navios de guerra foram
pressão dos militares sobre os parlamentares, poderia posicionados na Baia da Guanabara com seus canhões

154
apontados para a cidade e foi enviada uma mensagem ao dencial de quatro anos e a assunção do vice-presidente
presidente Deodoro: se não renunciasse à presidência, o caso o presidente não pudesse concluir seu mandato e
Rio de Janeiro seria bombardeado pela Armada. caso já tivesse decorrido mais da metade de seu man-
A situação tornou-se insustentável para o pres- dato. Se faltassem mais de dois anos para que se com-
idente, que preferiu renunciar ao cargo, em 23 de no- pletasse o mandato, o vice-presidente deveria convocar
vembro de 1891. A presidência da República foi assu-
novas eleições (artigo 42, da Constituição de 1891).
mida pelo vice-presidente, o Marechal Floriano Peixoto.
A primeira contestação à permanência de Flo-
riano Peixoto na presidência foi um manifesto assina-
Governo Floriano Peixoto do por 13 generais, tornado público em abril de 1892,
que exigia o cumprimento da Constituição de 1891 e a
(1891–1894) convocação de eleições presidenciais, uma vez que De-
odoro renunciara com menos de um ano de mandato.
Logo que assumiu a presidência da República, A resposta do “Marechal de Ferro” foi a exon-
Floriano Peixoto determinou a reabertura do Congresso eração, afastamento e até a determinação da prisão de
Nacional, suspendeu o estado de sítio e destituiu todos alguns desses generais. Floriano alegava que o artigo em
os presidentes dos estados que apoiaram o golpe de questão deveria valer somente para o próximo presidente
Deodoro da Fonseca. a ser eleito pelo voto direto, uma vez que sua escolha e
a de Deodoro, respectivamente, os primeiros vice e presi-
dente, haviam sido feitas pelo Congresso, de acordo com
as disposições transitórias da Constituição de 1891.

A Segunda Revolta da
Armada (1893–1894)
Outra contestação à continuidade de Floriano
Peixoto na presidência da República constituiu a Segunda
Revolta da Armada (1893–1895), liderada pelo contra-al-
mirante Custódio de Melo, pela convocação de eleições
presidenciais, para as quais ele desejava candidatar-se.
Assim como haviam feito com Deodoro, o con-
Floriano Peixoto
tra-almirante Custódio de Melo estacionou navios de
Para aliviar os efeitos da crise econômica que o país
guerra na Baía de Guanabara e ameaçou bombardear o
atravessava, o novo presidente adotou medidas de incentivo
Rio de Janeiro caso Floriano não renunciasse. A resposta
à indústria, como a isenção de impostos para a importação do “Marechal de Ferro” foi diferente à de seu antecessor:
de máquinas, a concessão de empréstimos e financiamen- decretou estado de sítio e ordenou o deslocamento de
tos, bem como a adoção de tarifas alfandegárias protecion- tropas do Exército para o litoral para combater os rebel-
istas, que elevariam os preços dos produtos importados e des e defender a cidade. Os combates foram intensos e
incentivariam o consumo dos produtos nacionais. os revoltosos decidiram retirar-se da Baía de Guanabara,
Floriano Peixoto adotou ainda medidas de rumando em direção ao Sul do País, onde encontraram
grande alcance popular, como o tabelamento de preços à altura de Santa Catarina com membros da Revolução
de aluguéis e alimentos. O Presidente contava com o Federalista que vinham do Rio Grande do Sul.
apoio de setores militares e das oligarquias agrárias. Com uma esquadra formada de velhos navios ad-
Apesar de contar com o apoio de importantes quiridos nos Estados Unidos e Inglaterra e adaptados para
segmentos sociais e políticos, o mandato de Floriano o combate, Floriano iniciou em março de 1894 a ofensiva
sofria contestações em virtude de um dos artigos da final. Centenas de rebeldes, muitos deles vitimados pelo
Constituição de 1891, que estabelecia mandato presi- beribéri, abandonaram as armas e pediram asilo político
em navios portugueses ancorados no Rio de Janeiro.

155
Os combates foram intensos e violentos, com re-
latos de atrocidades praticadas pelos dois lados. Com o
apoio do Governo federal, as tropas castilhistas derro-
taram os federalistas, apesar de ainda restarem alguns
focos de resistência. Ainda sob a liderança de Gumer-
cindo Saraiva, os federalistas atribuíram sua derrota
ao apoio dado por Floriano Peixoto aos castilhistas, e
resolveram marchar em direção ao Rio de Janeiro com o
intuito de derrubar o Presidente da República.
Marechal Floriano Peixoto e a Revolta da Armada. Bico-de-pena. Angelo Quando os rebeldes gaúchos encontraram-se
Agostini. Revista D. Quixote, 29 jun. 1895. com os revoltosos da Armada, resolveram se unir na
luta contra Floriano Peixoto. Dominaram a cidade de
Revolução Federalista Desterro (atual Florianópolis), a capital de Santa Cata-
(Rio Grande do Sul, 1893–1895) rina, e posteriormente se dirigiram para o Paraná, onde
Custodio de Melo e Gumercindo Saraiva planejaram a
O poder político no Rio Grande do Sul era con- tomada da cidade de Lapa, que conseguiu resistir.
trolado pelo Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), O almirante Saldanha da Gama aderiu à revolta e
liderado por Júlio de Castilhos, o presidente do estado. com ele grande parte de marinheiros, que colocaram mais
Os membros do partido eram chamados “castilhistas” navios à disposição dos rebeldes. Para combatê-los, Flo-
ou “pica-paus”, em virtude das fardas azuis e quepes riano adquiriu navios de guerra junto aos EUA e à Inglat-
vermelhos de suas tropas. Como a Constituição gaúcha erra, muito caros e em péssimo estado de conservação, o
permitia reeleições ilimitadas para presidente do esta- que lhes rendeu apelido de “Esquadra de Papelão”.
do, Júlio de Castilhos usava a máquina pública estadual As tropas federais e a nova (velha) esquadra
para se reeleger indefinidamente. conseguiram derrotar os rebeldes, que tentaram fugir
A oposição aos castilhistas era liderada pelo Partido ou pediram asilo político a Portugal, o qual foi conce-
Federalista, que exigia alterações na Constituição gaúcha
dido. Em represália, Floriano Peixoto rompeu relações
que impedissem a reeleição para presidente do estado.
diplomáticas com os portugueses.
No início de 1893, os federalistas, liderados por
Contrariando temores de que continuaria por
Gumercindo Saraiva, pegaram em armas para tentar
meio da força na presidência da república, Floriano Peixo-
derrubar Júlio de Castilhos. Partiram da fronteira com
to convocou eleições para o seu sucessor no prazo legal
Uruguai e contavam com grande número de uruguaios
e passou regularmente a faixa presidencial para Prudente
em suas tropas, razão pela qual passaram a ser chama-
de Morais, que venceu as eleições, garantindo a ascensão
dos de “maragatos”, ou seja, estrangeiros.
dos cafeicultores ao comando do poder federal.
Essas revoltas ocorridas logo no início de nosso
Período Republicano deixam-nos claro que a chamada
“Proclamação da República”, tratou-se simplesmente
de um golpe comandado por alguns setores militares
e civis excluindo totalmente do processo significativos
segmentos da sociedade.

Júlio de Castilhos, fundador e líder do Partido Republicano


Rio-Grandense.

156
INTERATIVI
A DADE

ASSISTIR

Vídeo PANORAMA DA REPÚBLICA DA ESPADA

Fonte: Youtube

Vídeo Guerra da Degola’, resistência no Sul à Proclamação da ...

Fonte: Youtube

Filme Policarpo Quaresma - Herói do Brasil

Policarpo Quaresma, herói do Brasil é um filme brasileiro de 1998 dirigido por


Paulo Thiago, baseado na obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto,
adaptado por Alcione Araújo.

Filme O Sobrado

O sobrado é um filme brasileiro de 1956, do gênero drama, dirigido por Walter George
Durst e Cassiano Gabus Mendes , com roteiro de Durst, baseado na trilogia O Tempo
e o Vento, de Érico Veríssimo. Conta a história do cerco à residência (um sobrado)
de um líder político, com conflitos se desenrolando também entre os ocupantes
sitiados. As filmagens foram feitas nos Estúdios da Vera Cruz em São Bernardo do
Campo. Números musicais com canções do folclore gaúcho (“Canção da Esperança”,
“Fandango”, “Chula do sobrado” e “Nau da Catarineta”) com acordeão de Rielinho.
157
ACESSAR

Sites Período Regencial - Segundo Reinado


www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm
educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/encilhamento-politica-economica-tentou-
impulsionar-a-industrializacao.htm
www.historiadobrasil.net/resumos/revolta_armada.htm
www.todamateria.com.br/revolucao-federalista/

OUVIR

Músicas

- Sessenta e um Anos de República – Império Serrano


(samba-enredo 1951)

LER

Livros
Triste fim de Policarpo Quaresma - Lima de Barreto

Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922), filho de um tipógrafo da


Imprensa Nacional e de uma professora pública, era mestiço e foi iniciado nos
estudos pela própria mãe. Ainda estudante, começou a publicar seus textos em
pequenos jornais e revistas estudantis, incrementando mais tarde sua militância
na imprensa, lutando contra as injustiças sociais e os preconceitos de raça, de que
ele próprio era vítima.
Publicado inicialmente em folhetins no ano de 1911, Triste fim de Policarpo
Quaresma é um romance do período do pré-modernismo brasileiro.

158
INTERDISCIPLINARIDADE

A promulgação da primeira constituição da República (1891), a qual era mais includente do que a Consti-
tuição de 1824, pois acabava com o critério censitário do voto. Porém, não significava que a Carta de 1891 ampli-
aria muito o conceito de cidadania, pois o voto continuava restrito somente aos homens, com mais de 21 anos e
alfabetizados. Isso excluía as mulheres e boa parte dos homens, pois os alfabetizados no Brasil eram um número
pouco significante.

(Capa da primeira edição da Constituição de 1891, a primeira do período republicano


e que extinguiu o voto censitário e o poder moderador)

160
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES

Habilidade 2 - Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.

A produção da memória pelas sociedades humanas, principalmente no Ocidente, é em boa parte


feita pela construção de uma narrativa histórica. Normalmente, trata-se da escrita de uma história
nacional, que nem sempre busca a objetividade e a atenção aos documentos históricos. Isso, pois
a construção de uma memória nacional é fruto de disputas entre diversos grupos políticos, que
tendem a valorizar-se e a atacar os respectivos adversários.
A Habilidade 2 tende a exigir essa percepção dos candidatos. Eles devem ser capazes de
compreender as motivações e os resultados da produção, no caso, da história brasileira. Para tal,
o aluno corriqueiramente terá um texto ou imagem de base, para analisar, refletir e assinalar a
alternativa correta.

Modelo
(Enem 2017) O instituto popular, de acordo com o exame da razão, fez da figura do alferes Xavier
o principal dos Inconfidentes, e colocou os seus parceiros a meia ração de glória. Merecem, decerto,
a nossa estima aqueles outros; eram patriotas. Mas o que se ofereceu a carregar com os pecadores
de Israel, o que chorou de alegria quando viu comutada a pena de morte dos seus companheiros,
pena que só ia ser executada nele, o enforcado, o esquartejado, o decapitado, esse tem de receber
o prêmio na proporção do martírio, e ganhar por todos, visto que pagou por todos.
ASSIS, M. Gazeta de Notícias, n. 114, 24 abr. 1892.

No processo de transição para a República, a narrativa machadiana sobre a Inconfidência Mineira


associa:
a) redenção cristã e cultura cívica.
b) veneração aos santos e radicalismo militar.
c) apologia aos protestantes e culto ufanista.
d) tradição messiânica e tendência regionalista.
e) representação eclesiástica e dogmatismo ideológico.

161
Análise Expositiva

Habilidade 2
Os agentes proclamadores da República buscaram forjar novos heróis nacionais para legiti-
mar o novo regime. Dentre os heróis escolhidos estava Tiradentes, cuja figura, para ser exal-
tada, foi aproximada da imagem crística e colocada como defensora da soberania nacional.
Alternativa A

Estrutura Conceitual
REPÚBLICA DA ESPADA
1889 (Proclamação da República) / 1894 (Eleições Diretas)

Características
◊ Consolidação do Regime Republicano
◊ Militares no poder

◊ Intervenção nos Estados


◊ Expulsão da família real do Brasil
Governo Provisório
◊ Reforma financeira (encilhamento)
(1889-1891) ◊ Muda o nome do país (Estados Unidos do Brasil)
◊ Eleição de Assembleia Constituinte
◊ Liberal
◊ Princípio federativo
Constituição ◊ 3 poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário)
◊ Presidencialista
de 1891 ◊ Estado laico
◊ Voto direto, aberto e para homens brasileiros, alfabetizados, maiores de 21 anos
◊ Eleições indiretas para o próximo Presidente

Reforma financeira Crise


A crise do ◊ Emissão de papel moeda ◊ Inflação
“encilhamento” ◊ Expansão do crédito ◊ Especulação financeira

Pressão do
Eleições de 1891 Exército Marechal Deodoro da Fonseca (Presidente)
(Chapa Aberta) Marechal Floriano Peixoto (vice)

Governo Deodoro (1891) Governo Floriano Peixoto (1891-1894)


(Marechal de Ferro)
◊ Não tem apoio no congresso ◊ Combate à inflação
◊ Declara Estado de Sítio ◊ Setores militares querem novas eleições
◊ 1ª Revolta da Armada ◊ 2ª Revolta da Armada (1893-1894)
◊ Renúncia ◊ Revolução federalista (RS: 1893-1895)

162

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