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MANAUS
2016
PABLO SOARES PEREIRA DOS SANTOS
MANAUS
2016
S252c Santos, Pablo Soares Pereira dos
Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária: Pollyanna Batalha da Rocha – CRB 11/759 - Biblioteca
Central Universidade Nilton Lins.
RESUMO
O casamento passou uma grande mudança na Idade Média. Deixou de ser apenas
um acordo entre famílias, transformando-se em um sacramentado pela Igreja.
Substituindo costumes antigos por novos ritos tendo uma participação ativa do clero.
Com um novo conceito de casamento, os papéis do homem e da mulher também
foram gradativamente (ré)definidos. O exame sobre o casamento e os papéis do
homem e da mulher nos provérbios de Ramon Llull, escritos por volta do ano de
1302, período em que o Livro dos Mil Provérbios foi escrito, nos revelam aspectos
importantes sobre a família no período medieval. A obra traz uma série de
ensinamentos que visão orientar a sociedade da época na maneira de agir e
pensar. Os provérbios presentes no livro especialmente os que se referem à mulher
demonstram de maneira visível a forma como o homem e a mulher deveria se tratar
dentro de uma relação conjugal. O livro também aborda outras áreas da sociedade
medieval como o cavaleiro, o príncipe o prelado, demonstrando, assim, ser uma
ótima fonte para se trabalhar não só sobre o casamento, mas, também para outros
temas de interesse de historiadores.
1 INTRODUÇÃO
Ramon Llull filósofo, missionário cristão e novelista medieval, nasceu por volta
de 1232 no reino de Palma de Maiorca uma pequena ilha situada na Espanha. A
região onde nasceu e viveu por pelo menos 22 anos, era uma área de abundancia
cultural. Muçulmanos, judeus e cristãos tinham uma área de forte encontro cultural.
Devido a essa forte influência mista Ramon Llull pode desenvolver um pensamento
com características de ambas as culturas. Se casou aos 22 anos com uma jovem da
corte Blanca Picany, com a qual teve dois filhos, deixou a família para trás e abraçou
a vida de pregação. Durante suas peregrinações escreveu obras como O Livro da
Intenção, Livro das Maravilhas, Livros dos Gentios e dos Três Sábios e até mesmo
uma autobiografia chamada Vida e Coetânea, totalizando mais de 200 obras
conhecidas entre essas o Livro dos Mil Provérbios, a fonte desse trabalho.
Ramon Llull buscou durante sua vida de peregrinação uma forma de difundir
os princípios cristãos através da persuasão, como ele mesmo adverte “combata
falsa crença com argumentos” (Llull, 1302). Dessa forma, grande parte de suas
obras são voltadas ao dever missionário, o restante frisa a importância das virtudes,
e de como elas podem levar o homem conquistar o paraíso.
A proposta desse trabalho é estudar o casamento nos provérbios de Ramon Llull
por volta do ano de 1302, período em que o Livro dos Mil Provérbios de autoria do
mesmo foi escrito. A obra traz uma série de ensinamentos que visão orientar a
sociedade da época na maneira de agir e pensar. Os provérbios presentes no livro
especialmente os que se referem à mulher demonstram de maneira visível a forma
como o homem e a mulher deveria se tratar dentro de uma relação conjugal. O livro
também aborda outras áreas da sociedade medieval como o cavaleiro, o príncipe o
prelado, demonstrando, assim, ser uma ótima fonte para se trabalhar não só sobre
o casamento, mas, também para outros temas de interesse de historiadores.
Durante o trabalho veremos como a família é a base da sociedade cristão, e que
na Idade Média era primordial e vista pela Igreja como uma forma de controlar o
comportamento sexual.
É seguindo as migalhas deixadas por Ramon Llull, buscando compreender as
pistas deixadas pelo caminho, que esse trabalho visa entender alguns aspectos do
casamento. Como sua função na sociedade, o papel na escolha de um pretendente
por parte do homem e da mulher, a sexualidade e a fidelidade. A saber trazer ao
6
campo histórico um trabalho que tenha como fonte a obra do autor Ramon Llull, pois
mesmo existindo produções acadêmicas que utilizam seus textos, ele atualmente é
pouco conhecido no campo de história, ganhando mais destaque na filosofia.
Uma pergunta e necessária ser feita aos profissionais históricos. É preciso
Incentivar outros historiadores a conhecer e trabalhar com os textos de Ramon Llull?
A resposta é sim. Temos o Instituto de Ciência e Filosofia Ramon Llull com sede na
cidade de São Paulo que vem traduzindo com grande eficiência obras do autor, para
que aqueles que tenham interesse possam conhecê-lo melhor. Mais devido à pouca
divulgação muito historiadores vem perdendo uma fonte rica em conteúdo. Assim
sendo a necessidade de historiadores que venham a trabalhar com essas traduções
como forma de compreender um período histórico único que é a Idade Média, se
torna cada vez mais necessário visto que o número de traduções vem aumentando.
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2 DESENVOLVIMENTO
1
MACEDO, Jose Rivair. A Mulher na Idade Média. 2015 p. 23
2
LEITE, Eduardo Silva. Casamento Nas Epístolas De São Jerônimo. 2013 p. 88
3
BASCHET, Jerome. A Civilização Feudal: do Ano 1000 A Civilização da América. p. 448-449.
8
Após a consagração do casamento pela Igreja ela criou uma série de ritos e
princípios sagrados para controlar e dar um único objetivo central a essa instituição:
a procriação. O clero passou a ter uma participação mais ativa e importante nos
acordos de união entre homem e mulher, visto que antes eram apenas firmados
entre as famílias. Georges Duby afirma que o clero pouco a pouco assumiu a
responsabilidade de realizar o matrimonio:
Último ponto: os sacerdotes se intrometem pouco a pouco no
cerimonial do casamento para sacralizar seus ritos, especialmente os
das núpcias, acumulando em torno do leito nupcial as formulas e os
gestos destinados a expulsar o satânico e a conserva os cônjuges na
castidade. (Duby, 2011, p. 19).
4
DUBY, Georges. Idade média, idade dos homens: Do amor e outros ensaios. p. 14-15.
5
DUBY, Georges. Idade média, idade dos homens: Do amor e outros ensaios. 2011 p. 19, 23.
9
sociedade ainda colocava valores como ouro, prata, terras e status sociais em
primeiro lugar. O Livro dos Mil Provérbios mantinha uma posição contra esses
propósitos, “Quem é rico pelo mal é mais pobre que rico”10, e continua, “Bons
costumes são grandes riquezas”11. Ainda assim a honra vinha apenas a ser uma
consequência positiva do casamento. O sentimento de amor como um requisito para
a escolha da parceira não fazia parte do mundo medieval. O casamento arranjado,
muitas vezes ainda quando os noivos eram crianças, não dava a oportunidade para
que tal sentimento chegasse a florescer. Algo interessante que na forma de trato do
casal após o casamento, a mulher se referia ao seu marido como “sênior” ficando
evidente os aspectos feudais12. Isso não significa que não houvesse em algumas
poucas ocasiões a presença de tal sentimento e que também não ocorresse após a
união dos noivos e sua convivência o nascimento de tal afeto. Entretanto é difícil ao
historiador chegar a um argumento aceitável, pois notadamente a forma de amor
presente na Idade Média é um assunto debatido até hoje. Porém em um
comportamento social esse sentimento não era priorizado e outros quesitos eram
colocados em primeira opção até porque a decisão e a escolha não eram tomadas
pelos noivos.
Georges Duby explica em seu livro Idade Média Idade Dos Homens, que o
filho mais velho primogênito era responsável por garantir um bom casamento aos
irmãos e uma boa negociação para suas irmãs quando a presença do patriarca já
não era possível.
Todos os responsáveis pelo destino da família, isto e, todos os
homens que detém algum direito sobre o patrimônio e, a frente deles,
o mais velho, a quem aconselham e que fala em nome deles
consideram consequentemente como seu direito principal, casar os
jovens e calos bens. Ou seja, por um lado ceder as moças negociar
da melhor maneira possível seu poder de procriação e as vantagens
que elas podem legar a sua prole: por outro ajudar os rapazes a
encontrar esposas. (Duby, 2011, p. 15).
13
MACEDO, Jose Rivair. A Mulher na Idade Média. 2015 p. 22-23
14
DUBY, Georges. Idade média, idade dos homens: Do amor e outros ensaios. 2011 p. 14
15
AMARAL, Jéssica Fortunata do. O Casamento Na Idade Média: A Concepção De Matrimônio No Livro Da
Intenção (C.1283) E Nos Exempla Do Livro Das Maravilhas (1288-1289) Do Filósofo Ramon Llull. 2013 p. 4
12
Jessica Fortunata traz a ideia de que, nas famílias mais pobres, a mulher
possuía um pouco mais de autonomia e em muitos casos a oportunidade de
escolher um marido16. Porém tal ideia e questionável visto que as famílias mais
pobres não possuíam muitos bens, além disso uma camponesa não possuía
autoridade dentro do seu lar. O responsável pela família se colocava em posição de
alerta a possível perda ou diminuição do pouco que ele possuía pelo casamento de
uma das mulheres da casa. Por isso a mulher era vista por sua família como um bem
a se negociar, e arranjar-lhe um casamento tão logo chegue a idade aceitável, se
tornava uma prioridade. A escolha de um marido pela família da noiva apegava-se a
interesses como a união de famílias, acordos de paz e vários outros fatores que não
envolvesse a obtenção de riquezas. Ao contrário do homem, que via o casamento
como uma oportunidade de obter mais posses e privilégios, o da mulher era visto
como um possível prejuízo. A família tratava de negociar o poder de procriação, os
dotes e as habilidades.
As meninas eram levadas a se casar muito cedo, por cerca dos doze,
quinze anos de idade, o que dificultava muito mais a realização do
desejo que pudessem ter de não se casar com determinado noivo.
Prevalecendo a imposição do pai. As moças eram educadas
aprendendo a bordar, ter cuidado com as crianças (bebês), deviam
ser doces, tímidas, modestas, castas, discretas, prendadas e
religiosas. Eram educadas para ser esposas. (Fortunata, 2013, p. 6).
16
AMARAL, Jéssica Fortunata do. O Casamento Na Idade Média: A Concepção De Matrimônio No Livro Da
Intenção (C.1283) E Nos Exempla Do Livro Das Maravilhas (1288-1289) Do Filósofo Ramon Llull. 2013 p. 4
13
17
Ibid., p.7
18
Ibid., p.7
19
AMARAL, Jéssica Fortunata do. O Casamento Na Idade Média: A Concepção De Matrimônio No Livro Da
Intenção (C.1283) E Nos Exempla Do Livro Das Maravilhas (1288-1289) Do Filósofo Ramon Llull. 2013 p. 7
14
20
Ibid., p.18
21
MACEDO, Jose Rivair. A Mulher na Idade Média. 2015 p. 22
22
Ibid., p.18
15
23
Ibid., p.18
24
Ibid., p.18
16
25
Ibid., p. 36
26
Ibid., p. 18
27
Ibid., p. 18
17
O Livro dos Mil Provérbios também aborda como o marido deve tratar sua
esposa no seguinte provérbios temos, “Antes alimenta tua mulher com amor que
com pavor”28. A mulher na Idade Média é considerada fraca e por isso dever ser
submissa ao marido e servi-lo29. O marido tinha tanto poder sobre sua mulher, que
poderia usar de violência e agressões para controlar a ação de sua esposa, buscava
através do medo mantê-la submissa30. Ao homem era desonroso possuir em casa
uma esposa que não fosse obediente, dessa forma, o livro ensina que o homem
deve manter a obediência e o respeito de sua esposa através do amor e não através
do medo e da violência. Esse amor em uma concepção Luliana deveria ser o
sentimento de gratidão e respeito por sua parceira.
A mulher recai a responsabilidade de cuidar da casa dos filhos e atender as
necessidades do marido, deve evitar ao máximo sair do ambiente familiar, visitas ao
convento ou a Igreja também eram permitidos porem a regra era sempre se manter
no ambiente privado. Maria Filomena explica essa relação da mulher com o lar:
A sociedade feudal foi, sem dúvida, patriarcal e, para muitos autores,
estaríamos falando de uma época histórica na qual as mulheres
estavam obrigadas a circular exclusivamente na esfera privada. E,
ainda assim, estaríamos falando de uma circulação somente
permitida dentro dos limites da casa paterna, da casa marital ou do
convento. (Nascimento, 1997, p. 85).
No casamento era dever tanto do homem como da mulher manter sua família
seguindo os princípios sagrados, se manterem forte e firme em suas obrigações
matrimoniais.
3.1 O LIVRO DOS MIL PROVÉRBIOS E SUA RELAÇÃO COM O
CASAMENTO
A forma como os provérbios representam o sexo feminino no livro demonstra
a posição de seu autor, que irão acompanhar as ideias difundidas sobre a mulher
nesse período. Ramon Llull defendia as teorias propostas pelo clero, porém,
percebe-se uma posição leve como um defensor ainda que discreto de um marido
amoroso com a esposa.
Os argumentos do clero usados para imputar essa posição do sexo feminino
tinham como base uma exegese das escrituras sagradas, que colocava a mulher
28
Ibid., p. 18
29
Golf, Jacques Le e Schmitt, Jean-Claude Dicionário Temático do Ocidente Medieval, 2 Ed. 2006 p. 137
30
AMARAL, Jéssica Fortunata do. O Casamento Na Idade Média: A Concepção De Matrimônio No Livro Da
Intenção (C.1283) E Nos Exempla Do Livro Das Maravilhas (1288-1289) Do Filósofo Ramon Llull. 2013 p. 6
18
como um ser frágil, propício ao pecado e inferior ao sexo masculino. Ramon Llull
logo transpareceria em sua obra O Livro dos Mil Provérbios a superioridade
masculina.
A primeira explicação dada para apoiar esse pensamento é que, Eva tendo
sido criada a partir da costela de Adão é inferior, em contra partida ao homem criado
de um material escolhido por Deus logo isso o tornaria superior em nível de criação.
Na segunda explicação o homem é considerado mais forte contra o pecado pois a
mulher por ter sido tentada a comer do fruto pela serpente cede à tentação,
enquanto o homem se mantém firme na tentação dela, só pecando após a mulher
persuadi-lo, assim a mulher é herdeira da parte fraca do homem. O Livro dos Mil
Provérbios apoia tais afirmações vemos isso no seguinte proverbio onde ele expõem
o clero como sagrado e detentor da vontade de Deus, “O prelado é honrado pela
finalidade da prelazia”31 e continua, “Deus prega segundo as Suas condições e não
segundo as tuas”32. Temos assim o apoio a igreja e sua posição como representante
da vontade divina. José Rivair Macedo fala um pouco sobre a criação divina do
homem e da mulher:
Para alguns teólogos, Eva não teria sido feita a imagem e
semelhança de Deus, mas a partir de Adão; assim sendo,
consideraram-na mera projeção da criação divina. Essa distinção e
gradação entre o homem – dotado da imagem divina (imago) – e a
mulher – detentora apenas da semelhança divina (similitudo) -, para
eles constituía uma prova da “inferioridade natural” do sexo feminino.
(Macedo, 2015, p. 66).
31
Ibid., p. 16
32
Ibid., p. 15
19
33
Ibid., p. 18
34
Ibid., p. 18
35
Ibid., p. 18
36
Ibid., p. 18
37
MACEDO, Jose Rivair. A Mulher na Idade Média. 2015 p. 28
38
Ibid., p. 18
20
3 CONCLUSÃO
Para o Livro dos Mil Provérbios, o casamento é sagrado e instituído por Deus,
logo ele deve ser respeitado pelo conjugue que deve seguir os princípio cristãos
propagados pela Igreja Católica, mais especificamente pelos membros do clero. Pois
o casamento se tratando de uma lei divina poderia trazer sérios castigos do céu para
aqueles que não respeitassem o matrimonio e seu verdadeiro proposito que era
trazer a terra novos filhos de Deus e uma descendência ao homem.
A escolha de uma esposa deveria se manter dentro desse propósito e não
tendo como interesse o enriquecimento ou a busca por um status na sociedade, um
comportamento altamente difundido na Idade Média.
Outra ensinamento no livro é a importância do homem na liderança de sua
própria família, onde como patriarca do lar é responsável por manter protegido e
seguro contra as tentações os membros de seu lar especialmente sua esposa.
Nesse panorama a mulher também tem as suas responsabilidades destacadas pelo
livro que é ser fiel ao marido e obediente a suas ordens, buscando sempre se
manter firme contra as tentações que o mundo pode trazer.
Finalizando é importante lembrar que apesar de uma série de provérbios que
tendem a apoiar um marido mais complacente com a esposa, O livro ainda mantem
a ideia difundida na época de uma mulher inferiorizada perante o homem, tornando-
se claro esse pensamento durante a leitura do mesmo.
21
FONTE
LLULL, Ramon - O Livro dos Mil Provérbios 1302 - Tradução Ricardo da Costa e
Grupo de Pesquisas Medievais II - Apoio: Generalitat de Catalunya.
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REFERÊNCIAS
DUBY, Georges. Idade média, idade dos homens: Do amor e outros ensaios.1 Ed.
São Paulo: editora Schwarcz Ltda., 2011. Capítulo 1: Do Amor e do Casamento: O
casamento na sociedade da Alta Idade Média, páginas 10-17
Llull, Ramon. Felix, ou O Livros das Maravilhas Parte 1: Deus – Os Anjos – O céu -
Os Elementos – As Plantas – Os Metais - As Bestas. Tradução Ricardo da Costa. 1
Ed. São Paulo: Editora Escala, 2009.
MACEDO, Jose Rivair. A Mulher na Idade Média. 5 Ed. São Paulo: Editora Contexto.
2015