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HISTÓRIA DO CRISTIANISMO I

AULA 4: PERÍODO MEDIEVAL:


AS ORIGENS DO PAPADO E ANTECEDENTES DA REFORMA

APRESENTAÇÃO
Finalizando o período medieval, nesta aula você aprenderá sobre a origem da figura papal e
seu poder religioso e político, concentrando em Roma a supremacia da igreja. Você também
compreenderá o conceito de Renascimento e conhecerá o contexto de transformações políticas
e culturais na Europa que influenciaram o cristianismo e antecedem a reforma.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
• Compreender como se estabeleceu o poder papal;
• Compreender a influência da Renascença na história do cristianismo, através da
transformação de crenças, valores materiais e espirituais e do comportamento do homem
no fim da era medieval.

META
Apresentar os eventos e contexto que caracterizam o período medieval na história do
cristianismo.
HISTÓRIA DO CRISTIANISMO I 2

1 ORIGEM DO PAPADO

Na Idade Média, o poder papal conquistou um expressivo poder religioso e político.


Veremos neste tópico que, principalmente por intermédio do papa Hidelbrando, os imperadores
tiveram que se submeter ao pontificado.

1.1 GREGÓRIO I - O GRANDE

Entre os anos 313 e 590, cada bispo da igreja estava num mesmo “pé de igualdade em
relação aos demais, no entanto com Gregório I a Igreja torna-se Católica Romana, em que o
bispo de Roma passou a ter a supremacia sobre os demais bispos. Gregório nasceu em uma
família aristocrática por volta de 540. Recebeu uma educação jurídica e também estudou latim.
Ele também tinha familiaridade com os escritos de Agostinho, Jerônimo e Ambrósio.
Em 573 foi escolhido para ser prefeito da cidade de Roma, todavia, logo depois disso,
abriu mão da fortuna que herdara do pai, abriu sete mosteiros e se tornou monge. Em
conformidade com Gregório, viver uma vida ascética, como era a vida dos monges, era uma
maneira de glorificar a Deus. Em 590, ele se tornou o novo bispo da cidade de Roma.
Os historiadores da igreja consideram Gregório o primeiro papa e teólogo medieval do
Ocidente. No período em que foi bispo de Roma, a igreja prosperou em razão das habilidades
administrativas de Gregório, não obstante, ele se recusava ser chamado de “papa universal”,
pois preferia o título “servo dos servos”. Apesar disso, ele destacava a primazia de Roma em
relação às outras igrejas do império. Foi um profícuo escritor de obras teológicas, de modo que
fazia suas elaborações através de cartas e, conhece-se cerca de 850 delas. Gregório morreu
em 604, mas sua influência ainda foi sentida por muitos séculos.
Gregório também dedicou boa parte de suas obras para tratar de assuntos relacionados
à salvação e, mais uma vez procurou ler e interpretar os escritos de Agostinho. Contudo, para
muitos o discurso de Gregório não era de todo coerente. Quando ele queria falar a respeito da
soberania de Deus, que alcança os homens, que estão mortos no pecado, Gregório citava
Agostinho. Entretanto, quando ele queria chamar as pessoas a viver uma vida de piedade e
negação do pecado, ele se parecia muito com o discurso pelagiano.

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Gregório aceitou a doutrina da graça de Agostinho, em forma simplificada, e a


transmitiu à Idade Média. Ensinou que o amor e a graça de Deus precedem a
ação do homem. O mérito não precede a graça, uma vez que a vontade humana
é incapaz de fazer o bem. A graça preparatória transforma a vontade. Na
realização daquilo que é bom, a graça coopera com o livre arbítrio. O bem,
portanto, pode ser atribuído tanto a Deus como ao homem, a Deus por causa de
sua graça preveniente, e ao homem por causa de seu livre-arbítrio. O objetivo da
graça é o de produzir boas obras, que podem ser recompensadas. A ideia de
mérito e recompensa é pressuposto fundamental aí, bem como na teologia
medieval em geral (HAGGLUND, 2003, p. 124).

Observe que ao mesmo tempo em que Gregório fala da graça divina, ele também fala do
mérito humano. Para ele, poderia haver uma interpretação errônea de Agostinho e, as pessoas
entrarem em um estado de “graça barata”, como se os homens não fossem também
responsáveis por seus atos. Logo, ele dizia que as orações, as penitências, as boas obras, as
missas eram maneiras de se alcançar o favor divino.
Conforme Gregório, o estilo de vida a agradar a Deus é o monástico, sendo o prazer
físico um pecado. As relações sexuais, mesmo dentro dos limites do casamento são um pecado,
a não ser que fossem para fins de procriação e, mesmo assim, se tal ato gerar algum tipo de
prazer carnal, pode implicar em culpa aos que praticam. Consoante Gregório, o penitente
perfeito é aquele que abandona todos os tipos de prazer e torna-se um monge. Nesse sentido,
embora ele tenha citado Agostinho e falado em graça, Gregório deu muita ênfase ao esforço
humano para agradar a Deus. Essa concepção viria a ser um dos fatores que contribuíram para
o surgimento da Reforma Protestante, a qual enfatizou a superioridade da graça divina em
relação ao mérito humano.

1.2 INVESTIDURA SECULAR

Um dos grandes papas medievais foi Hidelbrando (1015-1085). Quando assumiu, o


papado estava enfraquecido, porém reuniu formas para fazer de Roma o maior poder da Europa
durante a Idade Média. Hidelbrando subdividiu sua política eclesiástica em duas vertentes: i)
erigiu esforços no sentido de tirar o controle externo da Igreja. Até então cabia aos imperadores
decidir quem seria o pontífice.
Hidelbrando trabalhou para constituir um colégio de cardeais que tiveram a
responsabilidade de escolher os papas. A partir daí, o chefe da Igreja passou a ser escolhido

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pelo referido colégio, com a mínima interferência do monarca; ii) Hidelbrando também não
concordava com o modo como os bispos eram escolhidos. Na maioria das vezes, eles eram
indicados pelos reis; tal prática ficou conhecida como “investidura secular”, pelo fato de o bispo
ter sido investido de certos símbolos do seu cargo pelo governador, que era uma pessoa leiga
(Nichols, 2004, p. 95). Hidelbrando julgava inconcebível que os oficiais da Igreja fossem
escolhidos pelas autoridades civis. Caberia à Igreja fazer essas escolhas. Ao assumir o papado,
Hidelbrando empreendeu grandes esforços no sentido de acabar com a investidura secular.
O imperador Henrique IV foi contrário à ideia de terminar com a investidura secular e
promoveu uma série de resistências. Em razão disso, o monarca foi excomungado por
Hidelbrando e também deposto de seu trono. Henrique tinha muitos inimigos entre os súditos,
de modo que sua excomunhão da Igreja fortaleceu as revoltas que aconteciam dentro dos
limites do império. Esse quadro enfraqueceu o imperador e por essa ocasião foi obrigado a se
humilhar diante do papa, para que ao fim de um ano ficasse livre da excomunhão. Nos anos
subsequentes, permaneceu a “queda de braço” entre a coroa e a Igreja, até que em 1122 foi
selado um compromisso: os bispos seriam eleitos pelo clero e, caberia ao papa investi-los em
seus cargos ministeriais, e não o imperador. Também, Hidelbrando incentivou o fim do
casamento para aqueles que desejavam se tornar clérigos da Igreja.

1.3 INOCÊNCIO III

Outro nome de destaque no período medieval foi Inocêncio III. As realizações desse
pontífice de elevar a supremacia papal foram ainda maiores se comparadas com aquelas
empreendidas por Hidelbrando. De extrema habilidade política, Inocêncio III fez e desfez
imperadores, baseando-se na premissa de que cada um dos monarcas só havia chegado ao
poder por intermédio da vontade divina. De acordo com Nichols:

Obrigou o rei Filipe da França e o rei João, da Inglaterra, a prestar-lhe obediência.


E a causa do conflito com Filipe foi este ter repudiado a esposa por causa de
outra mulher. E na Inglaterra a luta foi por causa do Arcebispo de Cantuária
(Canterbury). A arma que lanço mão contra esses reis foi o interdito, que
consistia na suspensão de todos os serviços religiosos nesses países. As igrejas
ficavam fechadas. Os sacramentos, considerados universalmente pelo povo
como meios de salvação, não podiam ser ministrados. Os mortos ficavam
insepultos. Levantou-se um clamor público na França e na Inglaterra que os reis
tiveram de se submeter ao papa (NICHOLS, 2004, p. 100).

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Por volta do ano 1200, a Igreja dominava quase que a totalidade do continente europeu.
Entretanto, uma série de esforços foi feita no sentido de ampliar ainda mais o poder e conquistar
a Terra Santa. Tais esforços resultaram em guerras contra os muçulmanos que dominavam
aquele território e como já vimos anteriormente, ficaram conhecidas como Cruzadas.

2 ANTECEDENTES DA REFORMA

O período a ser estudado neste tópico diz respeito a uma época de transformações na
Europa, as quais vão influenciar significantemente o cristianismo. O final da Idade Média,
também chamada de Baixa Idade Média, é caracterizado por crises na Igreja, principalmente
em razão de problemas do clero. Conceituaremos o Renascimento, além de personalidades
que criticaram os rumos da Igreja nesse período. Houve destacados pré-reformadores, de
maneira que, neste tópico, falaremos de dois deles: Guilherme de Ockham e João Wycliffe.

2.1 O RENASCIMENTO

No período entre 1350 e 1500 ocorreu um movimento na Europa denominado de


Renascimento; a Itália, o seu verdadeiro centro e coração. Entre 1350 e 1450, muitos cientistas,
poetas, sábios e artistas viveram nas cidades italianas. Pessoas de todas as partes da Europa
iam estudar ali, a fim de aprender coisas novas e inteligentes. Os renascentistas desejavam a
volta às glórias culturais do passado clássico da Grécia e de Roma. Para eles, a Idade Média
era uma “Idade das Trevas” onde pouco se realizava em se tratando de cultura. Segundo os
pensadores da Renascença era preciso uma redescoberta do passado da Europa o qual fora
obscurecido pela civilização durante a Idade Média.
O artista Rafael destacava em suas pinturas os grandes filósofos gregos. Por
conseguinte, a Renascença foi um “renascimento” da sabedoria clássica. A prova mais evidente
das realizações da Renascença foi sua arte. Na arquitetura, na música, na gravura, na
escultura, na pintura e na poesia deixou um imenso número de criações que durante séculos
moldaram o conceito de beleza. Um dos nomes que se destaca durante o período renascentista
foi Leonardo da Vinci – pintor, engenheiro, arquiteto, cientista e escultor. A arte dessa época
dava uma ideia nova da excelência humana. O homem passou a ser visto como criatura de

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maior potencial aqui na Terra. A pintura do artista Michelangelo A Criação de Adão, por
exemplo, Adão é retratado como uma figura heroica e gigantesca; o homem começa a ser
retratado como o centro.
O Renascimento trouxe transformações nos padrões de comportamento, das crenças,
das instituições, dos valores materiais e espirituais, pois os renascentistas inclinavam-se a uma
visão mais individualista da vida. O desejo humano era de que ele próprio manipulasse seu
destino, que agora não mais se encontrava nas mãos de Deus. Aos poucos, a visão teocêntrica
foi substituída por uma visão mais antropocêntrica. A ideia era de que o homem podia ser a
medida de todas as coisas.
Os pensadores renascentistas também são chamados de humanistas, contudo, não
significa que todos eles eram antirreligiosos ou antropocêntricos; havia humanistas bíblicos, os
quais diziam que o homem tem o direito de desenvolver sua personalidade, de modo a tornar-
se um ser pensante. Esses humanistas bíblicos davam valor à leitura de documentos bíblicos
nas línguas originais; eles colocavam em prática o método do humanismo para estudar a Bíblia.
Na perspectiva dos humanistas deve-se lidar com as Escrituras levando em consideração que:
a) Existia uma primazia das Escrituras sobre seus comentaristas, ou seja, o texto bíblico
precisa ser lido diretamente e, não através de enciclopédias e comentários;
b) Deve-se ler as Escrituras a partir de seus originais. Antigo Testamento (hebraico e
aramaico); Novo Testamento grego;
c) Foram elaborados manuais e gramática de Grego, para facilitar a leitura do texto bíblico
direto do original;
d) Foram desenvolvidas técnicas para se determinar qual tradução era mais fiel às
Escrituras;
e) Era preciso ler os textos bíblicos e sentir a mesma sensação que os primeiros cristãos
sentiam;
f) Os leigos biblicamente instruídos trariam renovação à igreja.

Foi também durante o período do Renascimento que foi impresso o primeiro livro na
Europa – a Bíblia. A ênfase no estudo, na autonomia do pensamento humano contribuiu,
inclusive, para deflagrar os movimentos reformadores, entre os quais a ruptura impulsionada

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por Martinho Lutero. Destacaremos dois nomes relevantes para a história da igreja durante o
período da Renascença: Guilherme de Occam e John Wycliffe.

2.2 GUILHERME OCCAM

Guilherme nasceu na Inglaterra, por volta de 1285 e, estudou teologia na Universidade


de Oxford. Ainda jovem entrou para a ordem franciscana. Na época, era costume os estudantes
de teologia escreverem um comentário a respeito da obra Sentenças do teólogo medieval Pedro
Lombardo. Sentenças era uma série de declarações oficiais tiradas das Escrituras, dos pais da
Igreja e de Agostinho. Porém, o comentário escrito por Occam foi considerado suspeito, de
modo que tal escrito foi intimado a comparecer em um sínodo de bispos e teólogos da Inglaterra.

Em 1324, é denunciado à Cúria de Avinhão e sofre um primeiro procedimento


inquisitorial como suspeito de heresia. Este processo se prolongou por quatro
anos, período em que uma comissão de seis teólogos examinou suas teses, mas
não foi considerado herege. Mesmo assim, em 1328, foi chamado à Cúria
pontifícia para explicar sua doutrina e se desculpar de sua defesa feita em favor
do imperador contra o papa (FRANGIOTTI, 1992, p. 102).

Em seguida, surgiu uma questão relacionada à pobreza onde os franciscanos se


envolveram. A ordem dos franciscanos defendia que a Igreja precisava voltar aos ideais de
pobreza, conforme ensinara São Francisco de Assis, mas a Igreja não aceitava. Como
franciscano, Occam tomou posição contra o Papa João XXII. Esse grupo do qual Occam fazia
parte, argumentava que Cristo não possuía nada em propriedade, sendo assim, os religiosos e
o papa não deviam ter nada. Disseram ser a igreja uma nova Babilônia e o papa um anticristo.
Profetizavam a chegada de uma igreja governada por pessoas realmente “espirituais” e que
fosse democrática.
Em 13 de abril de 1328, o grupo redigiu um documento contra o papa, o qual ordenou à
excomunhão de todos os envolvidos. A partir desse momento, Occam deu início a uma atividade
política, ao passo que ele faz isso como um teólogo. Quando recusa a plenitude do papa, ele
nega que seja por direito divino ter o papa poder sobre as coisas temporais. Admite apenas que
tal poder existe porque o mesmo foi conferido pelos fiéis. Occam também ficou conhecido fora
do ambiente teológico por ter desenvolvido um princípio chamado de “Navalha de Occam”.
A Navalha de Occam, também conhecida como princípio da parcimônia. Occam
insistia que a simplicidade tem uma virtude teológica e também filosófica. Sua

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navalha eliminava todas as hipóteses que não eram absolutamente essenciais.


Essa abordagem teve implicações significativas para a teologia da justificação.
Os primeiros teólogos medievais (incluindo Tomás de Aquino) haviam
argumentado que Deus era obrigado a justificar a humanidade pecaminosa
mediante um “hábito de graça” – em outras palavras, uma entidade sobrenatural
intermediária, infundida por Deus na alma humana, que permitia ao pecador ser
declarado justificado. Occam descartou essa ideia, considerando-a irrelevante e
desnecessária e declarou que a justificação era a aceitação direta de um pecador
por Deus. Estava aberto o caminho para uma abordagem mais personalista da
justificação associada ao início do período da Reforma (MCGRATH, 2007, p.
133).

O princípio básico da “Navalha de Occam” consiste em afirmar não existir duas


causalidades para as coisas – uma espiritual e uma natural. Por exemplo, se uma lei da
natureza explicava por que uma árvore caiu em uma floresta, não faz sentido dizer que foi o
demônio que derrubou a árvore. Occam não considerava a teologia uma ciência, pois suas
doutrinas não podem ser todas elaboradas por meios lógicos. De acordo com ele, a base da
teologia são as Escrituras. Entretanto, embora ele acreditasse que teologia e filosofia fossem
diferentes, ele usava argumentação filosófica em seu pensamento teológico. Ele cria que a
única autoridade é a Escritura, de modo que até mesmo as palavras da Bíblia foram inspiradas
por Deus.

2.2.1 A TEOLOGIA DOS PRÉ-REFORMADORES

Durante os últimos anos da Idade Média, muitos grupos foram considerados heréticos
pela Igreja por denunciarem a corrupção do clero e proporem uma vida simples e igualitária, tal
como a dos primários cristãos. Criticava-se a ignorância dos clérigos, o seu mau uso em
benefício pessoal, ou sua vida mundana; padres que gostavam de beber, perseguir moças,
mais do que cumprir os seus deveres espirituais. Com toda a pompa em que viviam os bispos
e papas, parece que nunca houve dinheiro suficiente para as visitas pastorais e, como
consequência, era preciso distribuir empregos para recompensar os serviços. Quando o papa
começou a construir a Catedral de São Pedro, na cidade Roma, precisou arranjar maneiras de
arrecadar dinheiro. Um desses meios foi conceder licença a mais vendedores de indulgências,
pregadores que, em troca de uma contribuição aos fundos necessários à construção da basílica
de São Pedro, obteriam uma garantia papal de que seriam aliviados de um certo período de
tempo no purgatório.

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2.3 JOHN WYCLIFFE

Alguns pensadores cristãos dos séculos XIV e XV podem ser considerados como os
precursores da Reforma Protestante. Entre eles está John Wycliffe (1330 – 1384), professor em
Oxford, na Inglaterra, que assim como fez Occam, denunciou a corrupção papal. Para Wycliffe,
a igreja deveria ser governada pelo povo de Deus com seus representantes e não por uma
única estrutural clerical. Argumentava que qualquer um que tivesse fé poderia conseguir a
salvação eterna. Suas ideias sobre a salvação pela fé e não pela prática de boas obras, como
a compra de indulgências, foram fundamentais para a grande Reforma que ocorreria com
Lutero, no século XVI.
Além de ter escrito livros como Da Eucaristia e Sobre o Cargo Pastoral, Wycliffe defendia
a tradução do texto bíblico na linguagem popular, para que as pessoas tivessem acesso às
Escrituras. Wycliffe criticava abertamente os abusos praticados dentro da igreja pelos clérigos;
ele não tinha dificuldades em dizer que o papa era anticristão e maligno; chamou clérigos de
adúlteros da Palavra de Deus. Para ele, centralidade da fé cristã não era o papa, mas sim a
Bíblia.

A igreja verdadeira não é a instituição hierárquica da salvação. Essa igreja


verdadeira opõe-se à igreja impura, que é a igreja hierárquica, deformada; a lei
básica da igreja não é a lei do papa, mas da Bíblia; é a lei de Deus, ou de Cristo
(TILLICH, 1968, p. 189).

Wycliffe rejeitava a doutrina católica da transubstanciação. Segundo ela, quando o


sacerdote consagra o pão, sua substância se transforma no corpo de Cristo, ao passo que o
vinho se transforma no sangue de Cristo. Portanto, quem participa da ceia, come literalmente
do corpo de Cristo e bebe de seu sangue. A primeira vez que a palavra transubstanciação
aparece na Igreja foi em 1215, no Quarto Concílio de Latrão.
• O corpo e o sangue de Cristo;
• No sacramento do altar;
• Estão verdadeiramente contidos;
• Sob a espécie do pão e do vinho;
• Transubstanciados o pão no corpo • e o vinho no sangue pelo poder divino.

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Wycliffe chamou essa doutrina de fantasias infundadas, pois isso era uma forma de
idolatria a alimentos. Os elementos da ceia, mesmo depois de consagrados, não são santos,
todavia representam aquele que é Santo – Jesus. Em sua crítica à hierarquia, Wycliffe afirmava
que a principal responsabilidade do sacerdote era a de pregar o evangelho de Jesus Cristo aos
homens. Como ele estava muito desiludido com os abusos e a corrupção clerical, defendia a
escolha dos ministros pela própria igreja, o que para a época era algo incomum. Foi ao ponto
de dizer, inclusive que o papado deveria ser extinto.
Wycliffe fez uma contundente defesa da supremacia das Escrituras, tendo em vista que
a Igreja na Idade Média considerava estar a tradição no mesmo nível de autoridade das
Escrituras. A grande maioria considerava a palavra papal como a palavra do próprio Deus. Em
seu livro Da Veracidade das Escrituras, Wycliffe destacou a supremacia das Escrituras, além
de sua infalibilidade e, a capacidade que ela possui de interpretar a si mesma. Ele também
frisou a iluminação que o Espírito Santo promove nos leitores, quando esses estudam e leem
os textos bíblicos.
Consoante o pré-reformardor, a igreja não precisava de um magistério oficial para
interpretar as Escrituras, ideia essa também ensinada pelos reformadores. Wycliffe também
rejeitava o ensino da época de que a salvação poderia ser adquirida mediante o mérito humano,
ao passo que a graça divina era o que efetuava a salvação humana. Os esforços de Wycliffe
deram resultado, pois seus escritos influenciaram João Hus.

2.4 JOHN HUSS

Enquanto Wycliffe enfrentava as autoridades eclesiásticas na Inglaterra, Huss era o


responsável pelo movimento pré-reformador na Boêmia, parte do que atualmente é a
Tchecoslováquia, ligada naquele tempo ao império Alemão. Tanto na Boêmia de Huss, quanto
na Europa de Wycliffe, uma reforma eclesiástica era necessária, pois a simonia, a pompa dos
prelados e a corrupção moral eram comuns. Gonzáles acredita que metade do território nacional
estava em poder da Igreja, enquanto a coroa possuía uma sexta parte. Durante esses anos,
muitas das ideias de Wycliffe influenciaram Huss, especialmente, aquelas que diziam respeito
à espiritualidade da Igreja.

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No entanto, ainda que seja verdade que as ideias de Wycliffe encontraram eco nas de
Huss, Gonzáles (1985, p. 94) comenta que isto não deve ser exagerado ao ponto de fazer do
reformador boêmio um mero discípulo do inglês. Huss nasceu na aldeia de Husinecz, no sul da
Boêmia. Estudou na Universidade de Praga e, em 1398, juntou-se ao corpo docente da
Faculdade de Letras, como preletor. Além disso, fez os votos de sacerdote. Nesse período,
converteu-se a Cristo, embora não sejam claros os pormenores.
Passados alguns anos, Huss foi nomeado reitor e pregador na capela de Belém, em
Praga, o centro do movimento da reforma tcheca, em 1402. Ali, ele pregou com dedicação a
reforma que tantos outros tchecos propugnavam desde os tempos de Carlos IV. Os sermões
de Huss atacavam os abusos dos clérigos, especialmente, a imoralidade e a luxúria do clero,
entre outras abominações. Sua teologia era uma mistura de doutrinas evangélicas e católico-
romanas tradicionais.
Huss pregava contra a veneração do papa, ressaltando uma forte fé cristocêntrica e
enfatizando a responsabilidade do indivíduo diante de Deus. Acreditava que somente Cristo
podia perdoar os pecados e esperava um dia de juízo vindouro. Enfatizava a pregação da
Palavra de Deus para a realização de uma transformação moral e espiritual na vida de seus
ouvintes. Sua eloquência e fervor eram tamanhos que, àquela capela onde pregava em pouco
tempo, transformou-se no centro do movimento reformador. Sua ousadia na palavra era
absolutamente notável, tanto que, Venceslau IV, rei da Boêmia, e sua esposa, a rainha Sofia,
acolheram-no por seu confessor e lhe deram o seu apoio.
Não devemos pensar que a nobreza olhava Huss com os olhos do rei, pois alguns o
encaravam com receio. Ao mesmo tempo em que pregava contra os abusos que havia na igreja,
Huss continuava sustentando as doutrinas geralmente aceitas, e nem mesmo seus piores
inimigos se atreviam a censurar a sua vida ou sua ortodoxia. As pregações e ensinos de Huss
exalavam a mensagem dos reformadores, tanto que em 1407, já era identificado com os
reformadores.
Em 1409, o papa Alexandre V autorizou o arcebispo de Praga a erradicar a heresia na
sua diocese. Quando o arcebispo pediu que Huss deixasse de pregar, ele se recusou e foi
excomungado em 1410. Huss, de igual modo, continuou a pregar contra a política e autoridades
papais. Foi citado pelo papa para comparecer perante o tribunal do Vaticano, todavia ignorou a
intimação, sendo por esse motivo excomungado.

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Em 1414, com a promessa de salvo-conduto, Huss viajou para o Concílio de Constança.


Um salvo-conduto representava para Huss que ele corria perigo. No entanto, Huss não
desejava perder a oportunidade de falar sobre a reforma. Como estava cônscio de que
compareceria diante de João XXIII e de sua cúria, antes de partir deixou um documento que
deveria ser lido no caso de sua morte. Seu caráter e devoção eram extraordinários. Afirmava,
neste documento, que seu pecado, imagine, era jogar xadrez! Huss foi recebido por João XXIII
com cortesia e este chamou o reformador para o consistório. Huss insistiu com o papa que
estava ali para expor sua fé diante do concílio e não em um recinto privado.
Naquele lugar mesmo, Huss foi formalmente acusado de herege. Não aceitou a
acusação e respondeu que preferia morrer a ser herege, e que o convencessem, pelas
Escrituras, de que o era; caso fosse, retratar-se-ia. No dia 5 de junho de 1415, Huss
compareceu diante do concílio, sendo levado para a assembleia acorrentado. Novamente foi
acusado de herege e de seguir as doutrinas de Wycliffe. O reformador concordou que tinha dito
que “Wycliffe era um verdadeiro crente, e que sua alma estava agora no Céu, e que não podia
desejar maior salvação para a sua própria alma do que a que estava gozando a alma de
Wycliffe”.
Huss tentou, sem sucesso, expor suas opiniões. A resposta de Huss foi firme: “- Apelo a
Jesus Cristo, o único Juiz Todo-Poderoso e totalmente justo. Em suas mãos eu deponho a
minha causa, pois Ele há de julgar cada um, não com base em testemunhos falsos e concílios
errados, mas na verdade e justiça” (KNIGHT, 1983, p 56).
No dia 6 de julho de 1415, Huss foi levado para a catedral de Constança. Onde depois
de um sermão sobre a teimosia dos hereges, pregado pelo bispo Lodi, Huss foi vestido de
sacerdote e recebeu o cálice, somente para que, em seguida, arrebatassem-lhe a ambos, em
sinal de que estava perdendo suas ordens sacerdotais. Tomaram o cálice de suas mãos, ao
que Huss respondeu: “- E eu entrego o meu espírito em tuas mãos, ó Senhor Jesus Cristo; a ti
entrego a alma que tu salvaste!”. Mais uma vez lhe pediram que se retratasse, e mais uma vez
ele negou com firmeza.
Chegado ao lugar de execução, não lhe foi permitido falar para o povo, mas a oração
que fez enquanto estava sendo amarrado ao poste, como relata González, chegou ao ouvido
de todos, dizendo: “- Senhor Jesus, por ti sofro com paciência esta morte cruel. Rogo-Te que
tenhas misericórdia dos meus inimigos” (GONZALES, 1985, 102).

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No último momento, ainda fizeram uma tentativa para induzi-lo a assinar uma retratação,
porém não conseguiram. De acordo com Anglin e Knight (1983, p. 103), Huss bradou: “- Tudo
o que escrevi e assinei foi com o fim de livrar as almas do poder do demônio, e livrá-las da
tirania do pecado; e sinto alegria em selar com o meu sangue o que escrevi e assinei”. Após
essa oração, acenderam a fogueira. Assim, o sofrimento do mártir acabara depressa. Enquanto
ainda orava a Deus, descaiu-lhe a cabeça sobre o peito e uma nuvem de fumaça o sufocou.
Dessa forma, João Huss, que tinha dado uma boa confissão, obteve a coroa do martírio e partiu
para estar com Cristo.

ATIVIDADE

Agora que você chegou até a metade da história, que tal uma pausa para consolidar o que
aprendeu até aqui? Vamos lá!

Destaque 3 principais acontecimentos da história o cristianismo no Período Romano e 3 no


Período Medieval.

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Para refletir e responder: Na sua opinião, em qual destes eventos o cuidado de Deus com a
igreja mais te chama a atenção e por quê?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta aula você pôde compreender a origem do papado, o domínio deste sobre os outros bispos
e a concentração desse poder em Roma. Vimos a decadência do clero e desvio do verdadeiro
evangelho.
Analisando o movimento renascentista, você pôde compreender as influências deste
movimento na fé crista, a partir de uma visão individualista do homem, sua excelência, potencial
e domínio do próprio destino, culminando em uma independência de Deus. No entanto, a
existência de humanistas bíblicos, embasados na ênfase no estudo e autonomia de
pensamento, proporcionaram um cenário favorável para a deflagração das reformas.

REFERÊNCIAS

FRANGIOTTI, Roque. História da teologia: período medieval. São Paulo: Paulinas,


1992.

HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. Porto Alegre: Editora Concórdia, 2003.

KNIGHT, A.; ANGLIN, W. História do cristianismo. 2. ed. Rio de Janeiro: CPAD,


1983.

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INSTITUTO WESLEYANO DE EDUCAÇÃO - CURSO MINISTERIAL TEOLÓGICO

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