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A Reforma e a Contra-Reforma Religiosa

“Durante a Idade Média, os povos europeus cristãos reconheciam a Igreja Católica como a
única autoridade espiritual existente, não havendo salvação da alma fora dela.
A Igreja vinha concentrando, ao longo dos anos, um imenso poder não apenas espiritual,
mas também material e político.
Seus altos mandatários, o papa, os cardeais e os bispos estavam mais preocupados em
exercer esse poder, em aumentar os seus domínios e sua influência, do que oferecer conforto
espiritual às populações. (...)
Os papas viviam em constante conflito com os imperadores, todos procurando obter cada
vez mais poder político e econômico. Os príncipes, por seu lado, buscavam retirar da Igreja o
controle das imensas extensões de terras e outros bens. (...)
Na Europa do século XVI, era generalizada a necessidade de se encontrar algum apoio
firme num mundo que parecia estar se desfazendo, que muitos afirmavam estar perto do fim.
Durante algum tempo, a venda de indulgências promovida pela Igreja acalmou essa
situação. No entanto, isso se revelou uma prática por demais vergonhosa.
A Igreja Católica foi ficando cada vez mais desacreditada. Além da venda de indulgências,
comercializava-se qualquer objeto como um suposto valor religioso.
É nesse quadro, num Império Alemão descentralizado, dominado por muitos príncipes e
com grande parte de seu território pertencente à Igreja, que surge um movimento de caráter
religioso e político conhecido como Reforma. Martinho Lutero, membro da Igreja Católica de
Roma, inconformado com o vil comércio das coisas espirituais e angustiado com a salvação da
própria alma, acende o estopim de um conflito dividindo a unidade cristã que prevaleceu por toda
a Idade Média.”
VEIGA, Luiz Maria. A reforma protestante .2.ed.São Paulo : Ática, 1991.p.01-02.

O conjunto de transformações políticas, econômicas e socioculturais que passaram a ocorrer


no final da Idade Média e início da Idade Moderna, representam uma época de transição de um
período com características bem definidas, para um outro ainda em formação.
Já tivemos a oportunidade de estudar grande parte desses assuntos. Vamos agora procurar
compreender a questão religiosa, conhecida como Reforma e Contra-Reforma religiosa, que ocorreu
no final do século XV e início do século XVI.

“(...) A expressão Reforma da Igreja designa uma série de acontecimentos que romperam a
unidade da Igreja Católica e dão origem a novas religiões (luteranismo, anglicanismo,
calvinismo...). Por Contra-Reforma, entendemos o conjunto de medidas que a Igreja Católica
tomou para tentar deter esse processo de rompimento, modificando em parte seus dogmas e sua
estrutura interna.”
SEFFNER, Fernando. Da Reforma à Contra-Reforma : o cristianismo em crise. 3. ed. São Paulo : Atual, 1983. p. 03.

Causas da Reforma

O texto introdutório nos apresentou uma síntese das causas que levaram às reformas
religiosas, contudo as questões apresentadas pelo autor estão mais centralizadas nas questões
políticas e econômicas; entretanto, não estavam restritas a elas, vejamos:

► Políticas – Conflitos entre papas e monarcas em torno de questões relacionadas ao controle


do poder político. Muitos monarcas procuravam fazer uso da religião para se tornarem fortes
polticamente. Os papas, por sua vez, afirmavam que a Igreja, além de deter o poder espiritual,
possuía a autoridade sobre o temporal (político). Segundo eles, os reis só poderiam governar com a
autorização e o acordo dos papas.

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O desenvolvimento de uma consciência nacional, a partir da formação das monarquias
nacionais, colocou a população contra o domínio e a influência excessiva da Igreja nos assuntos
internos de seus estados. A sua intervenção era tida pela população como um entrave ao
desenvolvimento econômico, pois a Igreja mantinha uma estrutura política baseada nos antigos
moldes feudais (aqueles que combatem, aqueles que rezam e aqueles que trabalham).

► Econômicas – Detentora de um enorme império econômico, a Igreja era maior proprietária


de terras na Europa Ocidental, detinha uma enorme concentração de bens, igrejas, abadias,
conventos, metais preciosos, jóias, entre outras riquezas. Os reis e nobres viam na Reforma a
possibilidade de tomar posse desses bens.
A burguesia, por sua vez, via na Reforma uma oportunidade de não mais pagar impostos à
Igreja Católica, os quais enriqueciam cada vez mais o clero. Como a Igreja condenava a usura
(cobrança de juros) e o lucro obtido acima do valor real das mercadorias, ela criava obstáculos para
as atividades comerciais e bancárias praticadas pela burguesia mercantil. Além do mais, a Igreja
Católica gozava da isenção de impostos sobre seus bens.

► Morais e religiosas – O dinheiro recolhido pela Igreja em forma de dízimo (o


correspondente a um décimo da renda de cada cristão) era usado para sustentar a igreja paroquial.
Contudo, a partir do Renascimento, além do dízimo, o número de impostos aumentou e tinha por
finalidade reunir fundos para a construção da igreja de São Pedro em Roma.

Com a mesma finalidade, a Igreja passou, ainda, a vender cargos eclesiásticos em larga
escala, prática que se tornou corrente, pois passou a representar uma importante fonte de renda para
a instituição.
Papas como Júlio II e Leão X tornaram-se grande mecenas, patrocinando as artes na Itália,
com o dinheiro arrecadado dos cristãos do norte da Europa.
A venda de relíquias (objetos tidos como sagrados e milagrosos) e de indulgências (perdão
concedido pelo papa aos pecados cometidos, mediante o pagamento), tornaram-se práticas correntes
durante longa data.

“O comércio e a veneração de artigos religiosos atingiu tal vulto que alguns críticos da
Igreja denunciavam o fato de que nada menos de cinco tíbias do jumento montado por Jesus
quando entrou em Jerusalém eram exibidas em diferentes lugares, sem contar as doze cabeças de
João Batista, inúmeras penas do Espírito Santo e inclusive um ovo exibido pelo arcebispo de
Mogúncia, além de espinhos da cruz de Cristo, pedaços do Santo Sudário ou o manto da Virgem
Maria, migalhas do pão que Jesus partiu na última ceia...”
SEFFNER, Fernando. Da Reforma à Contra-Reforma : o cristianismo em crise. 3. ed. São Paulo : Atual, 1993. p. 20.

A vida escandalosa de certos papas, como Alexandre VI que teve amantes e filhos, e de
muitos padres e monges que mantinham uma vida paralela à religiosa, vivendo com concubinas e
filhos, não era vista com bons olhos pelos cristãos, pois boa parte do dinheiro arrecadado pela Igreja
estava sendo destinado à manutenção dessas famílias e de concubinas.
A vida desregrada do alto clero desperdiçava vultosas somas para manter a opulência e o
luxo que os cercavam, assim como o envolvimento da Igreja em constantes guerras e crimes.

► Causas científicas e o espírito crítico dos humanistas – O aperfeiçoamento da imprensa,


realizado por Gutenberg, favoreceu a difusão das obras escritas, entre elas a Bíblia. A sua tradução
para outros idiomas deu a possibilidade para que muitos cristãos ou não-cristãos pudessem ter a
oportunidade de interpretá-la pessoalmente, tomando conhecimento direto dos ensinamentos do
cristianismo e reconhecendo as contradições praticadas pela Igreja da época.

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Os pensadores humanistas, como Erasmo de Rotterdam, Thomas Morus, Rabelais, entre
outros, passaram a criticar a Igreja no intuito de fazê-la reencontrar os verdadeiros princípios do
cristianismo. Não pretendiam, portanto, romper com ela, nem tampouco incentivar a criação de
novas religiões. Criticavam-na apenas com o objetivo de moralizar os seus costumes.

Precursores da Reforma

Muito antes da Reforma Protestante ter ocorrido na Alemanha, membros da própria Igreja já
haviam tentado, sem obter êxito, sensibilizar a cúpula católica da necessidade de uma reestruturação
interna.
Durante a Baixa Idade Média (século XIV e XV), houve duas tentativas de reformas
religiosas por parte de dois teólogos dissidentes: John Wycliffe (1329-1384), na Inglaterra, e Jan
Huss (1369-1415), na Boêmia (atual República Tcheca). Wycliffe censurou os tributos cobrados
pela Igreja e o poder dos papas sobre os reis e governantes. Condenou, também, a posse das
riquezas mantidas pelo clero, a cobrança das indulgências, o culto dos santos e das relíquias. Para
ele, a única e legítima fonte para o cristão era a Bíblia (foi responsável por sua tradução para a
língua inglesa) e afirmava que somente por meio da fé, e não pela mediação da Igreja, o cristão
conseguiria a sua salvação.
Jan Huss foi influenciado pelas idéias de Wycliffe e traduziu a Bíblia para o idioma tcheco.
Assim como o seu precursor, atacou a Igreja por ser detentora de riquezas e poder, sendo, por esse
motivo, excomungado pelo papa Alexandre V e morto na fogueira como herege. Sua execução
provocou sangrentas guerras religiosas em seu país.
Os movimentos pré-reformistas na Inglaterra e na Boêmia prepararam o caminho para o
êxito da Reforma Protestante na Alemanha.

A Reforma na Alemanha
No século XVI, a Alemanha era uma unidade política formada por pequenos estados
independentes, os quais faziam parte do Sacro Império Romano-Germânico, governado por Carlos
V de Habsburgo, o imperador sagrado pelo Papa.
A unidade política desse império era bastante frágil, pois ele estava dividido em pequenos
territórios e cidades, governados por príncipes locais que deviam lealdade ao imperador.
A economia e a estrutura social eram atrasadas, agrárias e semifeudais e 1/3 das terras
alemãs pertenciam à Igreja Católica. Os príncipes locais ambicionavam tomar posse das
propriedades da Igreja, pois, dessa forma, poderiam reduzir o poder e a influência do Papa e do
imperador sobre os seus domínios, assim como a enorme carga de impostos aos quais estavam
submetidos.
O comércio de cargos eclesiásticos e a venda de indulgências realizados pela Igreja
funcionaram como estopim para a Reforma na Alemanha. O papa Leão X firmou um acordo com o
banqueiro Függer, autorizando-o a fazer a arrecadação proveniente das vendas das indulgências
mediante uma comissão de 1/3 do tal arrecadado. Os fundos iriam para a construção da nova
Basílica de São Pedro em Roma.
“O ponto de partida da Reforma foi o ataque feito por Lutero, em 1517, à prática que tinha
a Igreja de vender indulgências. A Igreja ensinava que certas pessoas vão diretamente para o céu
ou para o inferno, enquanto outras têm a sua entrada no céu retardada por um período passado no
purgatório; esse período de espera é necessário para os que haviam pecado muito nessa vida.
Naturalmente, as pessoas se preocupavam com o tempo que poderiam ter de passar no purgatório.
As indulgências reduziam esse tempo e eram concedidas pela Igreja aos que oravam, compareciam
à missa e por obras pias, inclusive doações de dinheiro à Igreja. Estas últimas eram as mais
controversas, pois davam a impressão de que as pessoas estavam literalmente comprando a sua
entrada no céu.”
“PERRY, Marvin. Uma história Concisa. Civilização Ocidental. São Paulo : Martins Fontes. s. d. p. 296.

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Martinho Lutero (1483-1546)

Lutero era um monge da ordem católica dos agostinianos. Após ter passado alguns anos no
mosteiro, estudando o pensamento de Santo Agostinho, tornou-se professor de teologia. Admirava
os escritos e as idéias de Jan Huss, sobre a liberdade cristã e a necessidade de reconduzir o mundo
cristão à simplicidade da vida cristã dos primeiros apóstolos. Mesmo antes de entrar para o
convento, Lutero já se debatia com o sentimento do pecado, ao qual julgava estarem condenados
todos os cristãos. Ainda que monge, não via a possibilidade de alcançar a salvação de sua alma nem
mesmo pelo intermédio da Igreja.
Mediante a incansável leitura da Bíblia, Lutero encontrou, enfim, resposta para suas
angústias pessoais. A partir desse momento, passou a defender a tese que ficou conhecida como “A
doutrina da salvação pela fé.” – somente a fé em Deus torna possível a salvação do cristão,
pois ela é uma graça concedida aos homens por Deus; não é por meio de suas ações ou pela
compra de indulgências que o cristão será salvo. Somente por intermédio da leitura da Bíblia,
o cristão conseguirá encontrar o significado da fé e de sua vida na terra.
Portanto, ele que havia seguido as orientações da Igreja Católica, passou a opor-se aos seus
ensinamentos. Afirmava que não era por meio de jejum, pela compra de indulgências e outras
práticas religiosas que o cristão poderia alcançar a salvação da alma, mas, sim, pela fé em Jesus
Cristo, o qual era intermediário entre os homens e Deus.
Em 1517, Lutero afixou na porta da igreja do castelo de Wittenberg noventa e cinco teses
em que fazia duras críticas à venda das indulgências e ao sistema clerical dominante. Por meio de
suas teses, ele deu início à Reforma Protestante, pois, além de criticar a Igreja Católica, apontava os
princípios básicos daquela que viria a ser a nova religião de grande parte da população da
Alemanha, a saber:

► A salvação se obtém por meio da fé e não pela intermediação da Igreja.

► O sacerdócio é universal, não havendo mais necessidade de se manter a hierarquia


eclesiástica. O celibato do clero e a vida monástica deveriam ser extinto.

► Propõe a livre interpretação da Bíblia, pois só ela contém os princípios da fé, que levam o
cristão à salvação.

► Entre os sacramentos da Igreja, apenas o batismo e a comunhão são estritamente necessários


ao cristão.

► Os bens pertencentes à Igreja deveriam ser transferidos aos governantes, pois só eles
possuíam a supremacia da autoridade civil sobre qualquer outra autoridade, cabendo a eles a
defesa da fé e também a sua divulgação.

A repercussão das idéias de Lutero foi enorme. Rapidamente obteve o apoio de grande parte
dos príncipes, nobres e magistrados, pois esses também lutavam contra a tirania da Igreja. Contando
com esse apoio, Lutero passou a defender a criação de uma igreja nacional independente de Roma.
Propunha o fim das ordens religiosas, o casamento dos clérigos e medidas severas contra o luxo ex-
cessivo.

Em 1520, o papa Leão X lançou uma Bula condenatória contra Lutero forçando a sua retrata
Cão. Lutero queimou, em praça pública, essa Bula condenatória enviada pelo Papa. Prontamente a
Igreja o excomungou e passou a persegui-lo como herege.

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Carlos V, imperador do Sacro Império Romano-Germânico, pressionado pela Igreja,
convocou uma assembléia, a Dieta de Worms, com a presença de todos os governantes locais, no
intuito de julgar o “herege”. Lutero, que contava com o apoio de grande parte dos príncipes e boa
parte dos camponeses alemães, não foi punido, ao contrário, recebeu o apoio do príncipe da Saxônia
que o acolheu em seu castelo. Durante o seu exílio, fez a primeira tradução da Bíblia latina para o
alemão; escreveu ainda panfletos e cartas criticando a Igreja. Em 1521, foi definitivamente
excomungado pela Igreja Católica.

Durante o tempo em que passo refugiado na Saxônia, a Reforma religiosa por ele pretendida
escapou de seu controle, assumindo conotações políticas e socioeconômicas. Os príncipes tomaram
posse das terras da Igreja, os camponeses, liderados pelo sacerdote luterano, Thomas Münzer,
revoltaram-se em 1524 contra a exploração da Igreja e dos príncipes. Thomas Münzer, discípulo
de Lutero, distanciou-se deste mais tarde, pregando sua própria doutrina de reforma, a qual além de
condenar o clero e a Igreja Católica, opunha-se aos príncipes, ricos e poderosos, identificados por
ele como inimigos de Cristo. Lutero, que recebia a proteção dos príncipes, condenou a revolta dos
camponeses. O seu líder, Thomas Münzer, foi decapitado e, com ele, grande número de revoltosos
foram massacrados por um forte exército de cavaleiros organizado pelos príncipes locais.

Em 1529, uma nova assembléia foi convocada pelo imperador – a Dieta de Speyer –
procurando desta vez impor o catolicismo aos príncipes luteranos e afastar Lutero do Sacro Império.
Esses príncipes protestaram contra as manobras políticas do imperador e se retiraram da assembléia;
a partir desse episódio, passaram a ser conhecidos como “protestantes” (termo que se estendeu
depois a outras seitas reformadas não luteranas).

Somente a partir de 1555, com a Paz de Augsburgo, é que a questão foi finalmente
resolvida. Ali se estabeleceu que cada príncipe poderia optar em suas terras pela religião que melhor
lhe conviesse. Com isso, a Alemanha ficou dividida em duas facções: uma, com predominância
protestante (ao norte) e outra, católica (ao sul).

A Reforma Protestante e as idéias de Lutero chegaram a outros países, como Dinamarca,


Suécia, Noruega, os quais foram, sucessivamente, rompendo com a doutrina católica e promovendo
a reestruturação das novas doutrinas religiosas.

A Reforma em outros países da Europa

França e Suíça

A medida que o luteranismo ganhava força e se espalhava entre outros países da Europa,
aumentavam as discordâncias entre os postulados defendidos por Lutero, multiplicando-se, assim,
as interpretações.
Antes de receber forte influência luterana, a França já havia tentado em várias ocasiões
promover reformas religiosas. Elas, entretanto, não obtiveram êxito, pois o catolicismo naquele
Estado era bastante forte e tinha apoio da monarquia.
Jean Calvino (1509-1564) foi um dos teólogos franceses que aderiram ao movimento
reformista luterano. Perseguido juntamente com outros reformistas, refugiou-se na Suíça. Nesse
país, outro líder religioso Ulrich Zwingli, aliado aos interesses da burguesia, já defendia maior
liberdade do que aquela oferecida por Lutero. Perseguido, Zwingli lutou até a morte; suas pregações
abriram caminho para a chegada do calvinismo ao país.
No início Calvino foi o seguidor das idéias de Lutero; contudo, com o tempo, acrescentou a
elas idéias mais radicais. Durante a sua permanência na Suíça, redigiu uma síntese de sua doutrina –
Instituição da Religião Cristã. Como Lutero, Calvino reconhecia a autoridade da Bíblia e,

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igualmente, sustentava a convicção de que a salvação é obtida somente pela fé e não pelas obras de
caridade, penitência e outras práticas defendidas pelo catolicismo; contudo, afirmava que a fé é um
dom de Deus, a salvação da alma de cada cristão depende da vontade de Deus, ou seja, o homem é
predestinado, tem o seu destino traçado desde o nascimento. “Deus tudo sabe, e tudo vê, sendo
assim, a ele cabe predestinar quem vai ser destinado à salvação e quem vai ser destinado à
condenação”. Diante desse postulado, a questão que se colocava era de saber quem era
predestinado à salvação ou à condenação. Calvino afirmava que cabia ao homem, por meio de seu
trabalho, demonstrar que era um eleito por Deus – a prosperidade econômica individual era
considerada por ele um dos sinais dessa predestinação. “O trabalhador é o que mais se assemelha a
Deus(...) Um homem que não quer trabalhar não deve comer...o pobre é suspeito de preguiça, o que
constitui uma injúria a Deus.”
A teoria da predestinação era, portanto, a base do pensamento de Calvino; as normas
comportamentais estabelecidas para seus seguidores foram bastante austeras e radicais; proibiam-se
jogos, bailes, teatros e uso de jóias. Aboliu de sua igreja as imagens de santos, o ritual das missas,
instituindo tão somente a leitura da Bíblia. Os únicos sacramentos por ele reconhecidos foram o
batismo e a comunhão.
A doutrina de Calvino foi criticada por muitos humanistas que condenavam a idéia de um
Deus tirano e vingativo; contudo amplamente aceita entre os burgueses, que encontraram nela um
alento às suas convicções no que diz respeito à valorização do trabalho, da poupança e do acúmulo
de capital, valores nem sempre aceitos pela Igreja Católica. Por isso, a doutrina calvinista teve
ampla difusão nos lugares em que o capitalismo se desenvolvia rapidamente, e onde a burguesia
lutava pelo poder, contra a Igreja e os senhores feudais. Na Escócia, foi organizada a Igreja
Presbiteriana, inspirada na doutrina de Calvino; no norte dos Países Baixos (Holanda),
organizou-se o movimento dos puritanos, o qual conquistou também boa parte da população na
Inglaterra; na França, os calvinistas ficaram conhecidos como huguenotes.

Inglaterra

Ao contrário dos movimentos iniciados por Lutero e Calvino, a Reforma na Inglaterra


assumiu um caráter mais político e econômico do que propriamente religioso.
Henrique VIII (1509-1547) foi quem liderou o movimento reformista nesse país. A
princípio, o rei se mostrou contrário à Reforma Luterana, tendo, por isso, recebido do Papa o título
de defensor da fé católica. Contudo, a monarquia inglesa ambicionava tomar posse das terras e das
riquezas da Igreja e diminuir sua influência sobre a população.
Henrique VIII pretendia também anular seu casamento com Catarina de Aragão, para se
casar com Ana Bolena, alegando a impossibilidade de ter um filho homem, com a sua esposa, o que
criava um problema com a questão sucessória em seu reino. Com a negativa do Papa, o rei
aproveitou a situação para romper com a Igreja Católica, fundando, então, a Igreja Anglicana. Em
1534, o Parlamento inglês aprovou o Ato de Supremacia, o qual reconhecia o rei como chefe
supremo da Igreja na Inglaterra. Por essa afronta à Igreja Católica, o rei inglês foi excomungado
pelo Papa. Em represália, o rei anulou o seu próprio casamento, unindo-se a Ana Bolena; Confiscou
os bens da Igreja Católica e vendeu-os aos nobres e aos burgueses.
Durante o reinado de Henrique VIII, a hierarquia e a doutrina da nova Igreja Anglicana não
sofreram grandes alterações em relação à Igreja Católica; coube aos seus sucessores promoverem,
posteriormente, as reformas. Durante o reinado de Maria Tudor (1553-1558), houve uma
tentativa de retorno ao catolicismo; porém, quando Elizabeth I (1558-1663) assumiu o poder, o
anglicanismo foi definitivamente incorporado como religião oficial da Inglaterra. A partir daquele
momento, estabelecia-se definitivamente o controle do rei sobre a nova religião, o culto foi
simplificado e liberou-se o casamento aos padres. Como Elizabeth estava mais preocupada com as
questões políticas do que com as religiosas, no intuito de agradar às várias facções religiosas do
país, manteve a estrutura hierárquica do catolicismo e elementos doutrinários do calvinismo.

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A Contra-Reforma - A Reforma da Igreja Católica

A Contra-Reforma foi a reação adotada pela Igreja Católica para conter o avanço do
protestantismo na Europa.
A proposta de reforma interna da Igreja, anteriormente rejeitada pelos papas, tornou-se
inadiável diante dos abalos promovidos pelos movimentos reformistas no norte da Europa. Antes
mesmo de se promover uma reforma mais ampla, algumas medidas foram adotadas para conter o
avanço das novas religiões e buscar a moralização da instituição. Novas ordens religiosas foram
criadas, entre elas a Companhia de Jesus (jesuítas), a qual exerceu um papel de vital importância
para a Igreja Católica. Coube a ela, entre outras coisas, combater as heresias e lutar para
restabelecer o catolicismo nas áreas perdidas para os protestantes. Muitos historiadores afirmam que
a Reforma Católica nunca teria sido bem-sucedida, sem a participação decisiva dos padres jesuítas.

A Companhia de Jesus foi fundada por Inácio de Loiola em 1543. A ordem combinava a
tradicional disciplina monástica com especial dedicação ao ensino da teologia e à pregação dos
evangelhos, aplicados no ensino universitários e no trabalho missionário. Entre as regras internas
adotadas por essa congregação, destacam-se os votos de castidade, de pobreza e obediência
irrestrita ao Papa. Consideravam-se “Soldados de Cristo”, que combatiam pela glória de Deus.

Os jesuítas tornaram-se os principais defensores da fé católica contra a investida dos


protestantes na Europa. Eles foram responsáveis pela retomada do catolicismo nas áreas onde a
Igreja Católica havia perdido espaço para os protestantes, como na Polônia, no sul da Alemanha e
em outros países. Formados a partir de uma sólida base cultura, eram pregadores de grande
eloqüência e persuasão e exímios catequizadores, confessores e conselheiros espirituais de ministros
e reis. Com seu trabalho missionário, foram catequizar os povos na Índia, África, Japão e
ameríndios do recém-descoberto continente americano. Por meio da organização de missões ou
reduções no sul do continente americano (Argentina, Paraguai e o sul do Brasil), buscaram
converter esses povos à fé cristã. Em todos os lugares onde se fixaram, fundaram inúmeros colégios
dentro dos moldes dos valores cristãos (como, por exemplo, o colégio que deu origem à cidade de
São Paulo).

O dinamismo e a determinação dos jesuítas fizeram-se sentir, também, no Concílio de


Trento (1546-1563), do qual participaram ativamente e tornaram-se principais articuladores das
decisões tomadas pela Igreja.

O Concílio foi convocado pelo papa Paulo II em 1545, e tinha por objetivo principal
redefinir a doutrina da fé católica, perante os novos tempos. Para os que esperavam uma
“modernização” da Igreja, o resultado foi frustrante, pois o que ficou definido durante a concílio
serviu, em grande parte, apenas para ratificar a doutrina tradicional e reforçar a autoridade do Papa.
Eis algumas das medidas:

► Condenação das Reformas Protestantes.

► As fontes de fé são a Bíblia e as tradições cristãs do culto à Virgem Maria, aos santos, às
imagens e às relíquias sagradas.

► A Bíblia deve ser interpretada a partir das orientações do clero, dentro da tradição e dos
ensinamentos da Igreja.

► As boas obras são tão necessárias para a salvação quanto a fé.

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► Os dogmas da Igreja Católica são irrevogáveis.

► O latim permanece como língua oficial dos cultos religiosos.

► Manutenção do celibato para os religiosos.

► O casamento dos cristãos é indissolúvel.

► Proibiu-se o acúmulo de cargos eclesiásticos e a venda de indulgências, principais causas da


Reforma Protestante.

No intuito de reprimir os “abusos” cometidos pelos reformadores protestantes, o concílio


aprovou também medidas repressivas e coercitivas:

► Foi o criado o Index, relação dos livros proibidos aos fiéis, por serem contrários à doutrina
católica.

► Fortaleceram-se os tribunais inquisitórios para julgamento de hereges.

As medidas tomadas pela Contra-Reforma não foram suficientes para eliminar o avanço e o
surgimento de novas religiões decorrentes da Reforma Protestante. Em contrapartida, a Igreja
conseguiu compensar a perda dos fiéis na Europa, ao investir na evangelização das novas
populações das colônias recém-formadas pelos espanhóis e portugueses, no além-mar: América,
África e Ásia.

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