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Venha conhecer, nesta aula de História da Igreja Medieval, "o santo dos novos
tempos", que viu cair o Império Romano e nascer a gloriosa Idade Média.
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A Idade Média é o período de mil anos que vai de 476, queda do Império
Romano do Ocidente, até 1453, ano da tomada de Constantinopla pelos
turcos otomanos e derrocada do Império Bizantino. Neste período, o
pensamento cristão foi muito importante, influenciando a sociedade como um
todo e lançando as bases da civilização ocidental, hoje em franca decadência.
Impressionado com o que ouvia e lamentando a vida dissoluta que levava até
então, Agostinho vive uma dramática luta interior:
“Mas logo que esta profunda reflexão tirou da profundeza de minha alma, e
expôs toda minha miséria à vista de meu coração, caiu sobre mim enorme
tormenta, trazendo copiosa torrente de lágrimas. (...) E embora não com estes
termos, mas com o mesmo sentido, muitas coisas te disse como esta: E tu,
Senhor, até quando? Até quando, Senhor, hás de estar irritado! Esquece-te
de minhas iniquidades passadas! Sentia-me ainda preso a elas, e gemia, e
lamentava: Até quando? Até quando direi amanhã, amanhã? Por que não
agora? Por que não pôr fim agora às minhas torpezas?' Assim falava, e
chorava oprimido pela mais amarga dor do meu coração. Mas eis que, de
repente, ouço da casa vizinha uma voz, de menino ou menina, não sei, que
cantava e repetia muitas vezes: 'Toma e lê, toma e lê'. E logo, mudando de
semblante, comecei a buscar, com toda a atenção em minhas lembranças se
porventura esta cantiga fazia parte de um jogo que as crianças costumassem
cantarolar; mas não me lembrava de tê-la ouvido antes. Reprimindo o ímpeto
das lágrimas, levantei-me. Uma só interpretação me ocorreu: a vontade divina
mandava-me abrir o livro e ler o primeiro capitulo que encontrasse. (...)
Depressa voltei para o lugar onde Alípio estava sentado, e onde eu deixara o
livro do Apóstolo ao me levantar. Peguei-o, abri-o, e li em silêncio o primeiro
capítulo que me caiu sob os olhos: 'Não caminheis em glutonarias e
embriaguez, não nos prazeres impuros do leito e em leviandades, não em
contendas e rixas; mas revesti-vos de nosso Senhor Jesus Cristo, e não
cuideis de satisfazer os desejos da carne'. Não quis ler mais, nem era
necessário. Quando cheguei ao fim da frase, uma espécie de luz de certeza
se insinuou em meu coração, dissipando todas as trevas de dúvida." [4]
Com aquela página das Escrituras aberta, começa a ser escrita uma nova
página da história. A conversão de Santo Agostinho não mudou somente a
sua vida, mas toda a história da Igreja e da própria humanidade. Na vigília
pascal próxima, ele, seu filho Adeodato e seu amigo Alípio são batizados por
Ambrósio. Depois, Agostinho volta para a África. Neste ínterim, morrem seu
filho e sua santa mãe, Mônica, com a qual ele tem uma grande experiência
mística em Óstia.
Sobre esta cultura será moldada a Europa cristã. Sobre este gigante
intelectual se edificam os mil anos de Idade Média, durante os quais a Igreja
resgata o Ocidente da barbárie e das verdadeiras trevas que até hoje
ameaçam a humanidade: o afastamento de Deus e de Sua vontade.
Roma não resistiu aos ataques dos bárbaros porque estava tomada pela
corrupção dos costumes. O Império já não era mais formado por tropas
destemidas e organizadas, mas por pessoas entregues aos prazeres da
comida, da bebida e da luxúria. Não foi, pois, muito difícil para os povos
estrangeiros vencerem aquela corja dissoluta e se fixarem na Europa, que se
foi descristianizando completamente.
Fiel à sua palavra, Clóvis começa a aprender as verdades da fé, a fim de ser
batizado. Daniel-Rops escreve que o rei franco, “ao escutar a narrativa da
Paixão, exclama excitado: 'Ah! Se eu tivesse estado lá com os meus
francos!...'" [4]. Pacientemente, por meio da catequese e de seus prodígios de
taumaturgo, São Remígio vai instruindo o coração de Clóvis, até que, na
solenidade do Natal, provavelmente no ano de 496, ele é batizado.
Conheça um pouco da vida deste grande pontífice e pastor de almas, nesta aula
de nosso curso de História da Igreja Medieval.
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No ano de 540, na cidade de Roma, nasce um dos Papas mais influentes de
toda a Idade Média: São Gregório Magno. Sua natividade acontece durante
um curto período de paz após a Guerra Gótica, que marcou a empresa do
Império Bizantino para recuperar a Itália, então sob o domínio dos
ostrogodos. O sucesso da campanha é devido ao famoso general Belisário,
que, após submeter os vândalos no norte da África, sobe para a Península
Itálica e a liberta da mão dos bárbaros.
Gregório, então, renuncia à sua vida pública e à herança que ganhara dos
pais para fazer-se monge, fundando uma fraternidade monástica no monte
Célio, uma das sete colinas de Roma.
Depois, o Papa Gregório tem que enfrentar o drama da peste bubônica, que
aflige o seu rebanho. Convicto de que a doença é um castigo de Deus e que
só a Sua misericórdia pode solucionar o problema, o Santo Padre recorre às
armas espirituais para vencê-la. Com o ícone de Nossa Senhora, sob o título
de Salus Populi Romani, ele faz inúmeras procissões pela cidade de Roma,
invocando ao Senhor a cura de seu povo.
“Quando era ainda monge no Célio, Gregório atravessara certo dia um dos
mercados de Roma, onde os traficantes expunham escravos à venda. Entre a
mercadoria humana, na sua maior parte de origem oriental, morena e de
baixa estatura, chamaram-lhe a atenção três jovens de bom aspecto, brancos
e louros, com os olhos azuis e tez rosada, como a raça inglesa os produz aos
vinte anos. 'Donde vêm estes homens?, perguntou o monge ao negociante. -
Da Bretanha. - Cristãos ou pagãos? - Pagãos. - Que pena é que figuras tão
cheias de luz estejam em poder do príncipe das trevas! E de que raça são? -
Anglos – Anglos? Anjos (Angli? Angeli), deveríamos dizer, e herdeiros do Céu
como os Anjos! - E de onde vêm? - De Deira. - Pois bem, da ira (de ira) serão
mandados para a misericórdia de Cristo. E quem é o seu rei? - Aella. - Cada
vez melhor; cantarão, pois, Aleluia...' Verdadeiro ou falso, o episódio referido
até nos seus trocadilhos proféticos pelo biógrafo do santo, João Diácono,
anunciava uma grande intenção. Tendo acolhido os três anglos entre os
monges do Célio, Gregório decidiu que os irmãos dos seus protegidos
deveriam ser chamados a ter assento entre os anjos. E, mal eleito Papa,
consagrou-se a essa tarefa." [7]
De fato, ainda durante o seu pontificado, São Gregório instruiu e enviou, para
evangelizar o território da atual Inglaterra, Agostinho de Cantuária, o qual
obteve grande sucesso em seus esforços e, hoje, é venerado como santo e
invocado como “apóstolo dos ingleses".
Carlos, o grande
Os esforços de Carlos Magno valeram-lhe, ainda por parte de seus
contemporâneos, o título de “pai da Europa". Após a sua atuação política, o
Ocidente nunca mais seria o mesmo.
Para dar cabo a tudo isso, Carlos, obviamente, não age sozinho. Com ele,
ergue-se, por exemplo, o bem-aventurado Alcuíno (735-804), um monge
anglo-saxão e diretor da “escola catedral" de Iorque que, nos passos de São
Beda, o Venerável, oferece uma sólida contribuição teológica e espiritual à
obra desenvolvida por Carlos Magno. Além de ajudar a resolver problemas
disciplinares dos bispos da Espanha, Alcuíno também auxilia na condenação
da heresia do adopcionismo – que afirmava ser Cristo o “filho adotivo" de
Deus –, durante o Concílio de Frankfurt, em 794.
Com a morte de Adriano I, em 795, é eleito o Papa São Leão III. Como,
apesar de romano, Leão “não descendia de uma linhagem ilustre como o seu
predecessor", apressou-se um “golpe de Estado" contra o Sumo Pontífice:
Outra querela religiosa que agitou o Oriente nessa época foi a controvérsia
das imagens. O imperador Leão III, o Isáurio, embora seja considerado
“salvador do Império Bizantino" – de fato, ele conseguiu deter o avanço dos
árabes sobre Constantinopla, dispersando o exército naval com uma
inteligente e poderosa arma chamada de “fogo grego" –, é, ao mesmo tempo,
o responsável pela destruição generalizada de ícones sagrados em todo o
Império. Depois de lidar com teólogos e patriarcas defensores da iconoclastia,
Leão III manda quebrar o que vê pela frente: mosaicos, ícones, imagens e
tudo o mais que, de algum modo, represente o sagrado. A onda iconoclasta
foi bastante forte no século VIII, não deixando praticamente nenhum vestígio
vivo da arte bizantina, a não ser em regiões do Ocidente com influência
oriental, como as regiões de Ravena e Sicília, na Itália.
Contra esta heresia, que perdurou durante todos os anos 700, lutaram
homens como São Germano de Constantinopla, São João Damasceno e os
santos Papas Gregório II e Gregório III, mas foi apenas com Irene de Atenas,
mulher de Leão IV (neto de Leão III, o Isáurio), que a ortodoxia triunfou e a
iconoclastia foi finalmente fulminada. Em 787, a imperatriz convocou o II
Concílio de Niceia, no qual se definiu:
“De fato, quanto mais os santos são contemplados no ícone que os reproduz,
tanto mais os que os contemplam são levados à recordação e ao desejo dos
modelos originais e a tributar-lhes, beijando-os, respeito e veneração; não, é
claro, a verdadeira adoração própria de nossa fé, reservada só à natureza
divina, mas como se faz para a representação da cruz preciosa e vivificante,
para os santos evangelhos e os outros objetos sagrados, honrando-os com a
oferta de incenso e de luzes segundo o piedoso uso dos antigos. Pois 'a
honra prestada ao ícone passa para o modelo original', e quem venera o
ícone venera a pessoa de quem nele é reproduzido." [6]
Com isso, a Igreja recordava que Deus, invisível, não só se faz “visível" no
homem, criado à Sua imagem e semelhança, mas principalmente no Verbo
encarnado, em que o próprio Deus assume uma forma humana e pode,
portanto, ser representado.
“Quando o culto das imagens foi legitimado em 787 pelo segundo Concílio de
Nicéia, Carlos Magno e o seu clero franco saíram a campo simultaneamente
contra Bizâncio e contra Roma. A tradução latina das decisões conciliares
parecia-lhes equívoca, e além disso os germanos sempre tinham manifestado
uma certa desconfiança quanto à representação da figura humana, acentuada
pela profunda influência do Antigo Testamento. Carlos convidou os seus
teólogos a compilarem tratados contra o Concílio – que foram publicados sob
o seu nome: Livros carolinos –, (...) e a reunir em Frankfurt, em 794, um
concílio antiniceniano... Foi só em fins do século IX – e depois de alguns
excessos iconoclastas, principalmente na Turíngia – que a doutrina ortodoxa
sobre esta questão triunfou totalmente no Império franco." [7]
No século XVI, esses escritos de Carlos contestando Niceia serão
redescobertos por protestantes calvinistas e usados para ressuscitar a
iconoclastia, heresia defendida até hoje pelos evangélicos.
Para resistir aos bárbaros nórdicos – muito mais cruéis que os que fizeram
cair o Império Romano –, muitos monges e bispos encastelaram os próprios
mosteiros e ambientes eclesiásticos, copiando o modelo feudal vigente na
Europa. Isso fez o poder temporal mesclar-se ao da Igreja, de várias formas.
"A secularização dos bens da Igreja, essa doença do século IX, continua e
ultrapassa em gravidade o que se viu no tempos dos merovíngios.
Generaliza-se o preenchimento dos cargos eclesiásticos pelos poderes civis,
prática já muito cara a Carlos Magno. Chega-se, pois, ao cúmulo daquele erro
que há cinco séculos vinha ameaçando continuamente a sociedade cristã: a
intromissão do poder civil na Igreja e a sistemática confusão entre os dois
poderes." [1]
A questão das investiduras leigas – como ficou chamada a nomeação de
cargos eclesiásticos por chefes políticos –, por exemplo, fez que monges,
bispos e inclusive Papas ficassem submissos a reis, imperadores e nobres,
em um período que ficou conhecido por saeculum obscurum (expressão
cunhada pelo Cardeal Barônio, discípulo de São Filipe Néri). De fato, o século
X foi marcado pela nefasta influência de famílias romanas na eleição dos
Sumos Pontífices. Nessa época – provavelmente mais do que em qualquer
outra –, a corrupção do mundo entrou com força na Igreja. Papas praticavam
a simonia, davam de ombros para a disciplina do celibato, morriam
assassinados e, muito preocupados com maquinações políticas, praticamente
não interferiam nos assuntos da Igreja. O bispo de Roma era mais um senhor
feudal e chefe político que propriamente um líder espiritual.
O primeiro superior de Cluny foi São Bernão. Como seu sucessor, foi eleito
Santo Odão. Desde pequeno, Odão fôra consagrado pelo pai a São Martinho
de Tours. Com problemas para ter filhos, ele prometeu a Deus que, se aquele
nascesse, educá-lo-ia para a vida religiosa. A promessa funcionou, pois o
menino nasceu, mas, com o passar do tempo, o seu pai acabou por
esquecer-se do compromisso que tinha feito. Embora fosse muito temente a
Deus, o jovem Odão cresceu sendo formado para a cavalaria. Quando uma
doença o prostrou, o pai recobrou a consciência de sua antiga promessa e
comunicou-a ao filho, que imediatamente deixou tudo para fazer-se monge.
Na vida monacal, sua santidade refulgia com força, principalmente nos
milagres que Deus operava por suas mãos.
Outro santo abade de Cluny, considerado o maior de todos, foi São Hugo.
Nos séculos XI e XII, praticamente não havia um concílio em que não
estivesse presente. Influenciou na eleição de Papas – foi pai espiritual de São
Gregório VII, por exemplo –, na solução de heresias – como a de Berengário
de Tours –, na luta contra a simonia e na implantação do celibato. Foi graças
à sua ação – e a de outros abades, como Odilão e Pedro, o Venerável – que
se construiu em toda a Europa uma verdadeira "rede" de mosteiros
reformados.
Cruzadas
Na Baixa Idade Média, homens de todos os lugares da Europa saíram de suas
casas e partiram rumo ao Oriente, dispostos a salvarem suas almas e
defenderem a Terra Santa.
Descubra, nesta 9.ª aula de História da Igreja Medieval, o que foram realmente
as Cruzadas e por que elas se tornaram um dos principais cavalos de batalha
dos inimigos da Igreja Católica.
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É farto o material a respeito das Cruzadas. São duzentos anos de história,
envolvendo múltiplos eventos diferentes. Não bastasse isso, trata-se de um
tema polêmico. Principalmente por ocasião dos Ataques de 11 de Setembro –
antes dos quais o próprio Osama Bin Laden havia declarado uma
" jihad contra judeus e cruzados" [1] – o exame histórico das Cruzadas voltou
à tona. Afinal, o que foram realmente as Cruzadas: guerras injustas e
violentas dos cristãos contra os muçulmanos ou, ao contrário, uma história
épica, romântica e incriticável – como pintam outras pessoas?
Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Para um exame acurado acerca das
Cruzadas, deve-se prescindir de preconceitos ou reducionismos e partir a
uma investigação rigorosa dos fatos e documentos históricos. Antes de tudo,
importa dizer que essa visão negativa sobre esse período histórico não foi
criada pelos árabes – como pensa, por exemplo, o presidente dos Estados
Unidos, Barack Obama –, mas surgiu justamente no Ocidente, por obra de
pensadores iluministas e anticlericais. Agora, essa mentira é creditada por
terroristas islâmicos, que a usam como justificativa para uma "vingança".
A verdade é que as Cruzadas não foram uma "guerra santa". Esse conceito –
que está ligado a jihad – é muçulmano. O islamismo, de fato, expandiu-se
principalmente por guerras e investidas políticas. Na religião cristã, por outro
lado, não existe tal coisa, pois a guerra é sempre um mal. Existe sim – e a
genialidade de Santo Agostinho e de Santo Tomás de Aquino ajudou a
elaborar este pensamento [2] – a chamada "guerra justa", que acontece
quando se esgotam todas as alternativas de conciliação.
Por isso, a Igreja sempre estimou os cruzados. Ela enxergava como autêntica
caridade que eles saíssem de suas casas e da tranquilidade de seus lares
para enfrentarem o desconhecido e o imprevisível e defenderem Jerusalém.
Os que se decidiam a partir à Terra Santa eram, pois, assinalados com a
Cruz, tinham suas espadas abençoadas – sob a prece de que não
derramassem sangue inocente – e, enfim, partiam em peregrinação. É com
este sentido heroico de doação que aconteceram as Cruzadas.
Mas, por que estes militares se apresentam para viver uma vida religiosa?
Certamente não se pode entender a sua opção, sem saber que se tratam,
sobretudo, de homens de fé. Depois de uma vida cheia de percalços e
pecados, eles queriam expiar as suas faltas do passado e diminuir as penas
do seu purgatório. Seu projeto militar e espiritual, todavia, não é contraditório:
o combate que travavam contra os inimigos externos, como soldados, eles
agora deviam combater contra os vícios internos, como religiosos.
Ordens mendicantes
Da vida mística e contemplativa de Domingos e Francisco o que se originou não
foi um bando de hippies revolucionários, mas uma legião de homens
profundamente religiosos, os quais, inconformados com o pecado e com a
mentalidade mundana, devolveram vitalidade à Igreja e deram um novo impulso
à evangelização de toda a Europa.
À época, a Igreja não parecia preparada para lidar com a expansão das duas
heresias. Enquanto os sacerdotes diocesanos não levavam vida exemplar, os
monges permaneciam encerrados em seus mosteiros, em uma estrutura
praticamente rígida e sem flexibilidade alguma. É com São Domingos de
Gusmão († 1221) e São Francisco de Assis († 1230), fundadores da Ordem
dos Pregadores e da Ordem dos Frades Menores, respectivamente, que os
religiosos poderão deslocar-se de cidades em cidades, atravessando
fronteiras para ensinar e pregar a fé católica. Santo Tomás de Aquino (†
1274), por exemplo, passou por Nápoles, Roma, Orvieto, Paris e Colônia;
Santo Antônio de Pádua († 1231), por sua vez, tendo nascido em Portugal,
girou todo o norte da Itália, França e Alemanha, pregando contra os hereges.
É essa mobilidade que vai se opor à expansão dos cátaros e albigenses, no
período da Baixa Idade Média.
Francisco não era ecologista. Em seu amor pela Criação, o santo de Assis
combateu com eficácia a heresia cátara, que dizia ser ruim o mundo material.
Ao chamar as criaturas de "irmãs", apontava para a existência do grande pai,
que é Deus, associando a bondade existente no mundo material à bondade
divina. Francisco não era, pois, um panteísta idólatra ou algo parecido. Tinha
fé católica e conhecia muito bem a distinção entre o Criador e as Suas
criaturas.
Francisco não era pacifista. Em seu famoso Cântico das Criaturas, o santo
lamenta a sorte "dos que morrerem em pecados mortais" e bendiz "os que ela
[a Morte] achar conformes à vossa santíssima vontade, porque a morte
segunda não lhes fará mal" [3]. Ao pregar a paz, Francisco queria reconduzir
os homens a Deus, empresa que só se podia concluir, após o pecado, por
meio de um verdadeiro combate. Tendo bem claras diante de si as realidades
sobrenaturais, ele também ordenava que fossem dadas punições espirituais e
até físicas aos frades de sua Ordem. Contemporâneo das Cruzadas, o frade
de Assis não só não as condenou, como participou da Quinta Cruzada, em
uma tentativa de converter à fé cristã o sultão Al-Kamil, sobrinho de Saladino.
Francisco não era pauperista. Ainda que tenha feito da virtude da pobreza a
sua esposa e esta possa com razão ser denominada a principal característica
do santo de Assis, o que ele pregava não tinha absolutamente nada a ver
com o igualitarismo desejado pelo marxismo.
Francisco não era como o jovenzinho hippie do filme Brother Sun, Sister
Moon ["Irmão Sol, Irmã Lua"] (Franco Zeffirelli, 1972). Profundamente
configurado a Cristo na Cruz, quando escreveu o seu Cântico das Criaturas,
Francisco de Assis já se encontrava com chagas dolorosas por todo o corpo,
sofria terrivelmente de artroses, tinha os olhos cauterizados por conta de uma
infecção e, além disso, só se movia se fosse carregado, posto que não
conseguia mais caminhar. Foi neste estado de sofrimento e penitência que o
Pai Seráfico cantou ao seu Criador, unido totalmente a Cristo "obediente até a
morte, e morte de Cruz" (Fl 2, 8).
A Inquisição
Quando o assunto é Inquisição, fogueiras, crueldades e os mais bizarros
instrumentos de tortura povoam o imaginário popular. Mas o que realmente
aconteceu nesses tribunais da Igreja?
As universidades
Bolonha, Oxford, Paris, Salamanca... Todas as grandes universidades da
Europa são filhas da Igreja Católica. Mas você sabe o que realmente
representou a fundação das universidades para a história humana? Como era a
educação na Antiguidade e começo da Idade Média? O que o sistema
universitário realmente trouxe de novo às pessoas?
Nesta aula de nosso curso de História da Igreja Medieval, Padre Paulo Ricardo
faz uma viagem pela história da educação e mostra como essa fundação tão
prestigiada da Igreja acabou se voltando contra sua própria mãe.
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Para fazer um juízo abalizado a respeito das universidades – as quais são
comumente apresentadas como uma grande façanha da Igreja Católica [1] –,
é importante adentrar a área da educação e retroceder alguns séculos na
história. Só assim se pode compreender o que significou realmente a sua
criação.
Tome-se como exemplo dessas escolas a Abadia de São Vítor [5], fundada
no século XII, por Guilherme de Champeaux († 1121), nos arredores de Paris.
Foi dela que surgiu o grande Hugo de São Vítor († 1141), elogiado por São
Boaventura como o maior dos teólogos [6].
Rapazes, ainda na flor da mocidade [7], saíam das universidades com seus
diplomas debaixo dos braços, autorizados a ensinar aos outros, sem se
preocuparem em aperfeiçoar a si mesmos ou cultivarem uma vida virtuosa. O
resultado disso foi que, desde o fim da Idade Média, o nível do conhecimento
começou a cair vertiginosamente. É do século XIV, por exemplo, o
nominalismo de Guilherme de Ockham († 1347) – que não passou de uma
ressurreição do sofismo – e é sob essa influência que o monge Martinho
Lutero († 1546) começará a Reforma Protestante, já na Idade Moderna.
Com relação à universidade nos dias atuais, cabe um conselho: quem quer
realmente estudar não deve contentar-se com um diploma. O fim do homem
sobre a terra é tornar-se sábio, e isto não se consegue senão com uma vida
sobrenatural. Porque a graça divina ilumina o ser humano e faz com que ele
enxergue a realidade através da fé, para muito além da luz natural da razão.
É o que explica a magnitude de um Hugo de São Vítor, de um Santo Tomás
de Aquino († 1274) ou de um São Boaventura († 1274).
O Nominalismo de Ockham
Em meio às controvérsias filosóficas e disputas teológicas de que foi palco a
Idade Média, nenhuma corrente é tão importante para entender a decadência
intelectual de nossa civilização quanto o chamado "nominalismo".
Ditos esforços, todavia, trouxeram à tona o velho direito romano e, com ele,
todas as instituições pagãs ou abolidas ou aprimoradas pelo cristianismo. O
resultado foi uma sociedade profundamente religiosa arranjada por um
sistema completamente alheio à fé católica. As tensões entre o poder
sacerdotal e o braço real – amparado, agora, não só pela ganância do poder,
mas pelos novos intelectuais que faziam fama nas universidades – não
tardaram a fervilhar, atingindo o seu ponto culminante na virada do século
XIV, durante o pontificado do Papa Bonifácio VIII e o reinado de Filipe IV
(cognominado "o Belo"), rei da França.
Filipe, o Belo, porém, foi mais longe: convocou um concílio para depor o
Sumo Pontífice. Não conseguindo cumprir o seu intento, ele mesmo mandou
as suas tropas para a cidade de Anagni, onde se encontrava o Papa, a 7 de
setembro de 1303, e exigiu a renúncia pontifícia. Com os franceses,
encontravam-se membros da família Colonna, que, ante da resistência de
Bonifácio, insultaram-no e ameaçá-lo, em um episódio chamado Atentado de
Anagni. Mesmo com o povo conseguindo libertar Bonifácio das mãos de seus
perseguidores, o Papa, debilitado, não reinou senão por pouco mais de um
mês. A 11 de outubro de 1303, a Sé estava vacante. Alguns diriam que
Bonifácio VIII teria morrido de desgosto.
O cativeiro de Avignon. – Após a rápida e misteriosa morte de seu sucessor,
Bento XI, o conclave para eleger o novo Papa não conseguiu livrar-se das
influências da monarquia francesa: reunidos em território gálico, os cardeais
escolhem um francês, arcebispo de Bordeaux. Clemente V não só decide ser
coroado em Lyon, na própria França, como estabelece o seu trono na cidade
de Avignon, dadas as circunstâncias políticas desfavoráveis na Itália. A
decisão do Papa tinha caráter evidentemente temporário. Não havia por parte
de Clemente o animus manendi, i.e., a intenção de fixar residência em
Avignon. Com um território relativamente independente e o agravamento da
confusão na Cidade Eterna, todavia, o que deveria ser uma solução
passageira acabou se estendendo e, durante mais de 70 anos, com um
colégio cardinalício majoritariamente gálico – "em cento e trinta cardeais
criados entre 1305 e 1376, não haverá menos de centro e treze franceses" e
"por seis vezes estes cardeais franceses elegerão Papa um dos seus" [1] –, a
Igreja viverá o que ficou conhecido como o Cativeiro dos Papas em
Avignon (1309-1376). A expressão, retirada de um soneto do poeta
Francesco Petrarca [2], aludia ao exílio do povo de Israel na Babilônia (587
a.C. – 517 a.C.) e ilustrava a submissão da Igreja aos interesses da
monarquia francesa, bem como o descontentamento geral dos católicos com
aquele estado das coisas.
A princípio, não houve nenhum problema com a sua eleição: Urbano tomou
posse e foi coroado alguns dias depois. O seu espírito irascível, porém, não
demoraria a arranjar desentendimentos. Durante um consistório, o Papa
chegaria ao cúmulo de esbofetear um cardeal em público, aumentando ainda
mais a tensão que já existia no colégio cardinalício. Mais tarde, seu
temperamento iracundo faria Santa Catarina de Sena suplicar-lhe, "por amor
de Cristo crucificado", que ele moderasse as suas paixões. " Mitigate un poco
per l'amore di Cristo crocifisso quelli movimenti sùbiti, che la natura vi porge"
[4], ela escrevia.
"Talvez o pior dos lados sombrios dos italianos desta época foi a
desonestidade conjugal. Não há dúvidas de que a imoralidade fez terríveis
progressos em todas as grandes cidades e mesmo em muitas das pequenas
na época do Renascimento. As mais grosseiras desordens eram muito
freqüentes, principalmente entre as pessoas instruídas e de elevada classe. A
ilegitimidade dos filhos já não se considerava uma mancha, de maneira que
quase não se fazia mais diferença entre os filhos bastardos e os filhos
legítimos. Mesmo havendo honrosas exceções, a maioria dos príncipes
italianos do Renascimento estavam demasiadamente contaminados pela
corrupção moral.
(...)
"Quando o Papa Pio II visitou a cidade de Ferrara, em 1459, ele foi recebido
por sete príncipes, dos quais nem sequer um havia nascido de matrimônio
legítimo." [1]
Toda essa confusão política ao norte da Itália é o que explica, em parte, outro
fator importante para o desenvolvimento da Renascença: o florescimento da
cultura e da educação pagãs. De fato, em uma região com constantes
disputas de poder, frequentemente vencidas à base do medo e da violência,
demonstrações de virtù e de habilidade são muito importantes para que um
príncipe se afirme politicamente e construa em torno de si uma aparente
legitimidade. Foi o que começaram a fazer os governantes do norte da Itália,
que passaram a investir maciçamente na produção artística.
O que eles buscavam representar, contudo, não era a Beleza para iluminar a
inteligência, mas os exageros estéticos para impressionar os sentidos: nas
obras de arte, predominava o virtuosismo; na arquitetura, o luxo; nas obras
literárias, o exagero das formas. Tudo – novamente – não para buscar o Bem,
a Verdade ou a Beleza, mas simplesmente para fazer valer a fama, a vaidade
e a ostentação. Os palácios do norte da Itália chegavam a ser mais suntuosos
que as próprias cortes da França ou da Espanha, responsáveis pelo controle
de regiões muito maiores do continente europeu.
"O plano de Nicolau era fazer de Roma, centro da Igreja, um foco da literatura
e das artes, uma cidade de monumentos esplêndidos, possuidora da melhor
biblioteca do mundo, de modo a assegurar na Cidade Eterna um lar
permanente para o Papado.
Foi dito que o amor à fama constituiu o motivo preponderante a guiar Nicolau
em todas as suas ações, e que foi essa a verdadeira explicação para o
esplendor da sua corte, dos seus prédios, das suas bibliotecas e da sua
liberalidade para com os eruditos e artistas. Por essas palavras pronunciadas
às portas da eternidade, fica evidente que tal assertiva é falsa. Um homem de
cujo ódio a toda falsidade e hipocrisia tanto amigos quanto inimigos dão
testemunho, não teria mentido assim em seu leito de morte. Sem dúvida,
Nicolau não devia ter sido sempre e totalmente insensível às seduções da
fama, mas um desejo egoísta de sua própria glória nunca foi a sua principal
motivação." [2]
O paganismo entra na Igreja. – Documentos de valor histórico, portanto, não
deixam dúvidas sobre a sinceridade e retidão das intenções de Nicolau V à
frente da Igreja. O seu método, porém – exibir magnificência como
demonstração de poder –, fôra emprestado dos grandes déspotas
renascentistas do norte da Itália. Nicolau tinha consciência do risco de suas
ações: mesmo conhecendo a raiz pagã da Renascença, resolveu investir
nesse movimento artístico, acreditando que, talvez, trazendo os grandes
artistas renascentistas para o berço da Igreja, esta os evangelizaria,
cristianizando o Renascimento. O que aconteceu, no entanto, foi o movimento
inverso: foi a Renascença que paganizou os homens da Igreja, até que se
chegasse, por exemplo, à eleição de um Alexandre VI, cuja má conduta não
era senão um indicativo do espírito mundano que reinava no próprio clero da
época.