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Introdução

Como bem foi definido na apresentação de Os Contos de Cantuária, Geoffrey


Chaucer foi “o primeiro nome da literatura inglesa de grandeza universal”⁽¹⁾.
Viveu no séc. XIV, quase no fim da Idade Média. E foi nesse cenário, já nos
últimos cinco anos de sua vida, que Chaucer produziu essa obra extraordinária
em termos de informações sociais da Europa medieval, obra que condensa os
diversos tipos de grupos sociais, suas relações entre si e a hierarquia social da
época. Agora, com relação ao contexto geral que existia na época em que a
obra foi escrita, também conseguiu aglutinar de forma sábia em uma só palavra
Paulo Vizioli, na apresentação do livro, afirmando que “a época de Chaucer,
portanto, se encerra com uma nota de pessimismo”⁽²⁾. Pessimismo pelo
anticlericalismo que nascia na Inglaterra, pelo descrédito da população pobre
com a grande instituição religiosa que arrogava ser a detentora dos mais
sublimes valores, mas que na prática era corrupção e mentira, pelas epidemias
e pelas mortandades geradas por elas, pela violência nas estradas e pela
desordem geral.
Nada como uma boa dose de Os Contos de Cantuária para compreender os
meandros orgânicos da sociedade da época, seus pormenores, suas
especificidades e particularidades. Chaucer de maneira geniosa soube ler
como um mestre observador os diversos tipos sociais, com riqueza de detalhes
e requinte na criação das personagens. Já quanto ao conto escolhido,
preferimos escolher, sem muito nos aprofundar sobre o conteúdo dos outros
vinte e três contos, o Conto do Magistrado, pois nos pareceu a melhor opção
com relação ao eixo temático pré-escolhido. Quando lemos Vizioli defini-lo
como um conto que representava “a tradição das então populares ‘histórias de
esposas caluniadas’”⁽³⁾, reparamos que poderia ele conter as informações
necessárias para uma boa reflexão da situação da mulher no Medievo, como
assim nos exige o eixo temático. Ao refletirmos sobre os eixos temáticos não
tivemos dúvida sobre qual escolher. Escolhemos A Mulher e o Medievo. Essa
escolha está relacionada à crescente reflexão que ocorre hoje na sociedade
moderna sobre diversas questões relacionadas diretamente ao considerado
“sexo frágil”, que há muito vem demonstrando de que de frágil não tem nada.
Seja a violência contra a mulher ou os seus direitos históricos alcançados, tudo
nos leva a pensar que alguns paradigmas precisam ser destruídos, e em seus
lugares, novos paradigmas surgirem, como a igualdade entre os sexos e o fim
absoluto da misoginia. É nessa atmosfera e com essas ideias na cabeça que
como uma forma de homenagem e também de reflexão autocrítica que
decidimos dissertar sobre as mulheres e suas angústias históricas. E também
porque é sempre oportuno falar e refletir sobre a Idade Média, esse período
histórico tão querido por muitos historiadores. Bom, sem mais delongas, depois
de com coragem termos dado início com a introdução, prosseguimos agora
abordando a reflexão central de todo o trabalho, sua razão de ser, que é a
contínua luta das mulheres pela igualdade entre os sexos.

Check up geral – Como estava o Medievo

Ao nos debruçarmos sobre o texto, notamos sem muito esforço que o


magistrado, quem relata o conto, aparenta ser um homem religioso. Conforme
vai narrando o conto, intercala-lhe opiniões de caráter extremamente religioso,
crenças que influenciam diretamente sobre seus atos e decisões não só suas
mas também dos personagens do texto. Isso nos indica o quanto a religião
cristã era forte no subconsciente coletivo da população medieval. Decisões de
vida ou morte eram tomadas baseando-se em convicções religiosas, reinos
eram guiados por visões proféticas e casamentos arranjados via o sacramento
do matrimônio. É interessante notar o contraste bizarro sobre uma sociedade
altamente religiosa e ao mesmo tempo extremamente pervertida e corrupta.
Sabendo dessa influência religiosa avassalante sobre a sociedade, surge
então no relato uma figura feminina alva, pura, que reuni em si toda virtude da
moral e dos valores da fé cristã, essa figura é Constância, representante de
valores como quietude, bondade e santidade. Notamos isso quando lemos a
passagem abaixo:

[...] E lá ficou sozinha a bela Constância, tão meiga e tão


humilde, sempre quieta em seu quarto, a acompanhar o
avanço da gravidez e a esperar a vontade de Cristo. ⁽⁴⁾
Poderíamos dissertar sobre diversos aspectos do Medievo tendo como ponto
de análise somente Os Contos de Cantuária, mas uma coisa que já nos está
explícita é o quão religiosa era a Idade Média.
Usando uma linguagem de historiador para deixar o texto mais técnico e para
sofisticar o trabalho, o século XIV integra um período chamado de Baixa Idade
Média, período esse caracterizado principalmente pela crise do sistema feudal,
pelo surgimento da burguesia como componente social de peso, pelo
desenvolvimento tecnológico agrícola, pelo vertiginoso crescimento
populacional seguido de epidemias, pelas cruzadas e pelo nascimento das
universidades na Europa. Agora que já foi dado um razoável panorama da
Idade Média de Chaucer, vamos nos esforçar para introduzir nosso tema
principal de maneira substanciosa e apoiado por citações do conto a se
analisar. Prossigamos então...

A Mulher Medieval – Objeto Histórico de Cobiça Sexual

Constância, a “moça pura” de quem já mencionamos, é a protagonista de O


Conto do Magistrado, e em toda a trama, sofre perseguições e assédios
sexuais idênticos aos que ainda hoje, na considerada sociedade altamente
civilizada ocorrem. De início, é vítima de uma tara louca do Sultão da Síria,
como comprovamos no trecho a seguir:

[...] Entre outras coisas, os comerciantes falaram-lhe


especialmente da senhora Constância, elogiando tanto a sua
grande nobreza, e com tantos pormenores, que o soberano,
perdido em devaneios, ficou a imaginar os seus encantos, nada
mais desejando ou pretendendo que amá-la pelo resto de seus
dias. ⁽⁵⁾

E por essa, com o perdão da expressão, “paixonite aguda”, o sultão submete


todo os seus súditos a aderirem a uma outra fé religiosa, a uma outra tradição,
motivado apenas por esse sentimento amoroso. Até aí tudo bem, poderíamos
argumentar que o Sultão é só um amante platônico, o problema é que a bela
Constância será obrigada a se desposar com ele por causa de tradições
políticas que envolvem matrimônios reais. Voltando ao ponto central da
reflexão explorada, que é a mulher medieval como vítima de assédio e
submissão sexual contrastando sempre com a mulher contemporânea,
Constância é dada em casamento ao Sultão, mas acaba no decorrer da história
indo parar em outro lugar, onde novamente sofre assédio, só que desta vez de
forma grave, quase lhe tirando a vida. Vejamos o trecho a seguir:

[...] Satã, que está sempre à espreita para nos apanhar, vendo
a perfeição de Constância, tratou logo de imaginar um modo de
castigá-la por suas obras. Para isso, fez que um jovem
cavaleiro, que vivia no mesmo local, sentisse por ela um amor
tão ardente, uma paixão tão voluptuosa, que lhe pareceu que ia
morrer se não satisfizesse imediatamente o seu desejo. Ele a
cortejou, mas sem qualquer proveito; de modo algum ela
aceitava pecar. Despeitado, resolveu vingar-se, levando-a a
uma morte ignóbil. ⁽⁶⁾

Outro tarado, só que desta vez um cavaleiro. Nesse trecho vemos claramente
a influência religiosa da época na interpretação dos fatos, aonde o principal
causador para o magistrado que relata o conto não é propriamente o jovem
cavaleiro, mas Satã, que o induz. Deixando porém essa questão e fixando-nos
na atitude do jovem cavaleiro degenerado, vemos que Constância
rotineiramente corria perigo por causa dessa obsessão sexual na qual sofria.
Obsessão que vinha de todos os lados, desde um sultão desvairado, passando
por um cavaleiro lunático representante da nobreza até um ladrão estuprador
como veremos no próximo trecho, analisemos:

[...] Muita gente, por curiosidade, descia do castelo para olhar o


barco e sua tripulante. Uma noite, porém, o camareiro-mor do
castelão, um ladrão que renegara nossa crença, veio ali
sozinho, – que Deus o castigue! – e disse que, por bem ou por
mal, Constância teria que dormir com ele. A infeliz, em seu
desespero, pôs-se a gritar; também seu filhinho gritava. Mas a
Virgem Maria a salvou, pois, quando o malvado se atracou com
ela, que resistia com todas as suas forças, ele escorregou e
caiu no mar, e lá morreu afogado, como merecia. Assim Cristo
manteve Constância imaculada!⁽⁷⁾

Quando refletimos que Constância era filha de imperador, que possuía sangue
nobre e real e que mesmo assim viveu uma vida de assédios e tentativas de
estupro, o que acontecia então às mulheres camponesas pobres e miseráveis?
O que para nós, estudiosos de História já está claro, é que a “cultura do
estupro”, como foi recentemente chamada na mídia e na grande imprensa
persegue o gênero feminino desde tempos remotos. Este é sem dúvida um dos
paradigmas a serem pisados e destruídos pela evolução da nova consciência
que todos nós temos o dever de fazer surgir.
É bom que se fique claro que esta primeira abordagem feita foi inspirada num
trecho de Vizioli que retiramos da apresentação do livro, trecho que nos
conduziu a refletir sobre a questão sexual, e sempre, mesmo que de maneira
sutil, traçando paralelos com o presente, pois essa é a tarefa nobre
intransferível do ofício de historiador. Portanto, Paulo Vizioli, tradutor e
apresentador de Os Contos de Cantuária em língua portuguesa também pensa
assim:

[...] É através destes que o autor trata de alguns problemas que


até hoje são palpitantes, como a natureza do amor, a mulher
perante o sexo, e a vida conjugal.⁽⁸⁾

A Influência da Mulher Medieval – Rainhas e Poderosas

É interessante notar o quanto as mães dos reis e governadores ao longo da


história da humanidade tiveram influência sobre o poder e sobre os desfechos
políticos, isso desde os tempos bíblicos, como o famoso rei Salomão e sua
mãe Bate-Seba. O Primeiro Livro dos Reis, do Antigo Testamento, no capítulo
segundo, relata Adonias, filho de Davi, procurando a influência da mãe do rei
para alcançar benefício. E é de conhecimento geral que Bate-Seba sempre
influenciou no reinado de Davi, pai de Salomão. No caso do trecho de O Conto
do Magistrado, ou seja, mais de vinte séculos depois, algo semelhante ocorre
só que em circunstâncias diferentes. Essa mediação materna sempre colocou
as mulheres no poder, ora como mães e esposas influenciadoras, ora como
donas máximas do poder, ou seja, como rainhas. Vejamos o trecho em que nos
mostra a influência das mulheres diretamente no poder:
[...] O condestável chamou então um mensageiro e escreveu
para o rei, que se chamava Aella, transmitindo-lhe a boa nova,
além de outras notícias pertinentes. E o mensageiro,
apanhando a carta, pôs-se a caminho. Primeiro, cavalgou para
a corte da mãe do soberano, na esperança de ganhar alguma
coisa.⁽⁹⁾

Interessante notar que em um simples conto, temos dois exemplos claros das
mulheres manejando o destino de reinos e governos. Temos o caso acima
mostrado, onde a mãe do rei Aella, (rei este que por acaso teve a sorte de se
casar com a já conhecida Constância), conspirando contra o filho graças ao
acesso que possuía com os mensageiros e com toda a realeza. E temos o
próximo exemplo, este por sua vez bizarro, que se trata da personagem
Sultana, mãe do também já mencionado sultão da Síria, sim, isso mesmo,
aquele apaixonado tresloucado que por causa de seus caprichos sentimentais
submeteu todo um reino a uma outra cultura e religião. Vejamos Sultana, mãe
do sultão amalucado em ação mudando os rumos da História:

[...] Pois, para ser conciso, direi, numa palavra, que o Sultão e
todos os cristãos foram apunhalados e trucidados à mesa, com
exceção da senhora Constância. E tudo por obra da velha
Sultana, aquela maldita bruxa, – juntamente com os seus
comparsas, – para satisfazer a ambição de governar sozinha o
país. Não houve na Síria um convertido sequer, um seguidor
das ideias do Sultão, que não tivesse sido retalhado antes que
pudesse fugir.⁽¹⁰⁾

Bem, nesse trecho aí vemos como uma mãe toma o poder das mãos do filho
e se torna soberana de uma nação, simplesmente matando todo mundo. Nessa
reflexão proposta, buscamos demonstrar, mesmo que amadoramente, que ao
longo da história as mulheres mesmo tendo um papel secundário, submisso ao
homem, pensando em termos gerais, com relação ao poder central aonde são
tomadas as decisões que influenciam na vida de milhões de pessoas, elas
estão lá, sempre protagonizando com homens os destinos das civilizações.
Acreditamos sinceramente que isso merecia ser posto para reflexão histórica.

Questões sobre gênero já na Idade Média


Em meio à leitura de O Conto do Magistrado, dopamos com uma fala curta
mas que trazia escondido consigo um pensamento retrógado e nocivo às
mulheres, a saber, o conceito de que ser mulher implica ser frágil. Quando
nosso narrador, o magistrado, que já sabemos se tratar de homem religioso e
de crenças contundentes sobre questões morais foi além do que deveria e
deixou transparecer um pensamento tipicamente misógino, não pudemos
deixar passar despercebido, mas antes, para sermos justos e razoáveis,
analisemos a fala em si:

[...] Oh Donegilda, não encontro em nossa língua palavras à


altura de tua maldade e prepotência! Por isso, eu passo o
encargo ao demônio, deixando que ele mesmo descreva a tua
traição! Fora, mulher masculinizada... Oh não, por Deus, isso é
pouco! Fora, espírito diabólico! Pois tenho plena certeza de
que, embora teu corpo esteja na terra, tua alma já se acha no
inferno!⁽¹¹⁾

Ops... Como assim “mulher masculinizada”? O que você quis dizer com isso
senhor magistrado? Bom, isso ele não poderá nos responder, mas fica claro
que o pensamento da época acerca de como uma mulher deveria ser, se
parecer, se vestir e se comportar já estava delineado. Quando o magistrado
que relata o conto faz essa afirmação, ele deixa escapar um pensamento que
beira à homofobia, pois vê na figura de Donegilda, mulher que embora má
tivesse atitudes firmes “como as de um homem”, algo que lhe provocasse
repulsa. Mas por que a repulsa? Será porque para ele as mulheres deveriam
viver confinadas aos aposentos de seus maridos e submissas como crianças
às suas vontades e desejos? Será que a opinião das mulheres, seu
engajamento político e sua influência sobre os homens de poder seria uma
ameaça ao império masculino vigente? Bom, somos simples historiadores,
difícil para nós comprarmos essa briga e tomarmos posição nesse ringue,
nossa função é apenas investigar como bons detetives o que realmente
acontecia no passado, e tendo em mãos as informações necessárias, ousamos
recriar cenários para que assim o processo de evolução humana possa ser
mais bem compreendido.
Parada Técnica

Gostaríamos de colocar na pauta de análise a vida e o cotidiano das mulheres


inglesas pobres não só da Inglaterra, mas de toda a Europa, mas infelizmente
há um silêncio estranho por parte de Chaucer em relação aos pobres. Isso
falamos embasados nesse trecho:

[...] Alguns críticos, para os quais a grandeza de um escritor


parece ser diretamente proporcional a seu grau de
engajamento político, gostam de frisar, a esse respeito, que, de
fato, toda a sociedade medieval está presente em Chaucer, –
menos as classes mais altas e as mais humildes. O que
querem sugerir com isso é que, como bom burguês, o autor,
por um lado, temia ofender a aristocracia, e, por outro, não
tinha simpatia pelos pobres.⁽¹²⁾

Na falta de informações, não poderíamos tentar especular sobre o vácuo,


portanto, preferimos discorrer sobre uma polêmica interessante que se segue.

As mulheres nos casamentos arranjados seriam relativizadas ao ponto de


se tornarem uma espécie de moeda política?

Em O Conto do Magistrado vemos como se dava as relações políticas de


maior grandeza, relações entre imperadores e sultões, onde a filha de um ia
morar na casa do outro, tendo que “aceitar com paciência as coisas
necessárias à satisfação daqueles que as desposaram com alianças” ⁽¹³ ⁾, em
outras palavras, ir pra cama com eles. Se fosse somente isso, tudo bem, mas
ainda tem a questão do dote, mas isso é uma outra história. Fiquemos na
questão política. O sultão por sua vez, aparentemente saiu-se bem no negócio,
vejamos:

[...] Pelos seus termos, o Sultão, os seus barões e todos os


seus demais súditos seriam batizados; depois disso, receberia
ele a mão de Constância, juntamente com certa quantia em
ouro (não sei precisar o montante), julgada suficiente garantia.
Ambos os lados juraram o acordo.⁽¹⁴⁾
Ora, se o Sultão saiu ganhando tanto assim, que tipo de negócio é esse? Não
podemos esquecer que para que esse bom negócio acontecesse o Sultão teria
que apostatar de sua fé islâmica, e não só ele, mas todos os súditos de seu
reino, tornando-se assim cristãos. Isso seria benéfico para o imperador, ou
seja, no fundo, no fundo, Constância serviu apenas como uma moeda de troca,
já que sua vontade não foi levada em conta em nenhum momento da
“transação comercial matrimonial”, se é que nos entendem...
Em resumo, sabemos que aqui foi apresentada a vida de apenas uma mulher
específica, a personagem Constância, e que ela não representa nem de longe
a média das mulheres que viviam naqueles dias. Porém, seu exemplo e os
acontecimentos que norteiam sua vida nos mostram que nem sempre estar no
topo da cadeia social poderia significar boa coisa. Talvez uma camponesa
plebeia pobre tenha se casado com o homem de sua vida enquanto uma filha
de imperador como era o caso de Constância tenha sido praticamente
negociada numa jogatina política.

Considerações finais

O que aprendemos com este trabalho? Aprendemos que o processo de


conquista de direitos das mulheres é uma luta que possui uma longuíssima
trajetória. Hoje, não vemos mais em nossos governos democráticos
estabelecidos filhas de presidentes sendo negociadas com chefe de outras
nações. Só de imaginar isso já beira a insanidade. Mas em O Conto do
Magistrado vemos que isso acontecia, era real. Talvez para nós, observadores
distantes, não saberíamos o que é estar na pele dessas mulheres que tinham
que se submeter a um matrimônio arranjado, tendo que manter relações
sexuais às vezes com homens que embora poderosos, as provocassem entejo.
Mas e a opinião da mulher? A opinião dela que se dane? Sim, naquela época a
opinião da mulher não valia nada nessas questões matrimoniais, era a lei do
mais forte que acabava decidindo quem ficava com as “fêmeas”.
Aprendemos também através dessa personagem ilustre que é a Constância,
que existe uma linha tênue entre confundir o bom comportamento da mulher de
maneira feminina característica de sua própria biologia, com fraqueza e
indefensabilidade. Pelo contrário, a mulher é forte, e para agradá-lo querido
professor, ainda colocaremos mais uma citação pois sei que o senhor nos pede
sempre citações, então, aí lá vai mais uma, referente à um trecho mostrando-
nos o quanto a mulher mesmo sendo feminina, é forte quando precisa ser:

[...] Muita gente, por curiosidade, descia do castelo para olhar o


barco e sua tripulante. Uma noite, porém, o camareiro-mor do
castelão, um ladrão que renegara nossa crença, veio ali
sozinho, – que Deus o castigue! – e disse que, por bem ou por
mal, Constância teria que dormir com ele. A infeliz, em seu
desespero, pôs-se a gritar; também seu filhinho gritava. Mas a
Virgem Maria a salvou, pois, quando o malvado se atracou com
ela, que resistia com todas as suas forças, ele escorregou e
caiu no mar, e lá morreu afogado, como merecia.⁽¹⁵⁾

Nessa cena vemos Constância, mulher pacata e piedosa se defendendo de


um ladrão estuprador, fazendo com que ele se desequilibrasse e morresse, ou
seja, ela mostrou-se forte sem deixar de ser feminina. Portanto, aprendemos
que ainda hoje existe o conceito de que as mulheres são o “sexo frágil”, o que
acaba incentivando valentões agressores de mulheres a continuarem
submetendo-as a estupros agressivos, ameaças, intimidações e assédios,
como aconteceu com Constância na Baixa Idade Média assim como ocorre
exatamente hoje, é só pararmos para assistirmos os noticiários policiais, que
mostram diariamente assassinatos bestiais de mulheres submetidas ao mesmo
nível de barbaridade e brutalidade que o ladrão estuprador iria impor sobre
Constância, caso ela não tivesse reagido e o matado.

Com exatamente quinze citações em cujas quais o texto orbita encerramos por
aqui professor, foi um prazer.

¹ Pág. 5 ⁹ Pág. 66
² Pág. 4 ¹⁰ Pág. 63
³ Pág. 8 ¹¹ Pág. 67
⁴ Pág. 66 ¹² Pág. 7
⁵ Pág. 61 ¹³ Pág. 66
⁶ Pág. 65 ¹⁴ Pág. 61
⁷ Pág. 68 ¹⁵ Pág. 68
⁸ Pág. 10

Bibliografia

* VIZIOLI, Paulo: Chaucer: Os Contos de Cantuária (trad.). São Paulo, T.A. Queiroz, 1988.

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