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A BÍBLIA NA ÍNDIA - A VIDA DE IEZEUS CHRISTNA

Luis Jacolliot

Prefácio

As nações perecem pelas suas ilusões, pela contemplação, pelos privilégios da


sua casta e pelo seu despotismo religioso.

A Espanha acaba de revolta-se contra os sírios e a água benta... Antes de


julgar, esperemos!

A Itália não pode chegar a realizar sua unidade.

Roma se prepara para condenar em um concílio geral todas as conquistas do


espírito moderno, livre arbítrio, liberdade de consciência, independência dos
poderes civis, etc...

A excomunhão pretende rejuvenescer seus impotentes rayos, e doblegar


embaixo sua ascendência sobre os imperadores, reis e povos.

Os prelados ingleses tentam em nome de Lutero estabelecer a unidade no


dogma, o que lhes daria poder, e prescrever a Colenso.

Inglaterra asfixia os gemidos da Irlanda.

Os sectários de Omar lutam em nome de Alá para proibir as reformas que


poderiam salvar a Turquia e assassinam aos cretense.

A Polônia desapareceu, o sabre moscovita tem cumprido a predição de um


Koscinsko moribundo.

O Czar da Rússia é papai.

Contudo! Entre nas igrejas, nos templos, nas mesquitas, em todas as partes se
coloca sob a égide de Deus a intolerância e as perseguições.

Não é como o fanatismo da Idade Média, pois a fé está morta, é a hipocrisia


que agita e esquadrinha os arsenais do passado para encontrar armas com as
quais ainda podem inspirar medo aos povos, obrigá-los a dobrar seus joelhos
aos povos da ignorância e do esquecimento

Sim, mas a liberdade é uma árvore vigorosa e jovem, e quanto mais lhe cortam
seus ramos, mas força adquirirá no futuro.

Somente a França possui a igualdade, sua seiva é sempre vivaz e poderosa;


avança, pois, sem tremores, sem revolução à pacífica conquista de suas
instituições livres.

Os tremores tem produzido até o presente somente paradas, divisões e medo à


liberdade.
Mas, por que em meio a todos estes ruídos que rodeiam de Norte a Sul, de
Leste a Oeste, parece duvidar alguma vez? ...O que entorpece seu avanço?...
que teme?...

É que a jovem geração, a França nova, não está aqui para renegar as
impotências de um passado, cuja volta no deseja, e para seguir atrevidamente
a bandeira, que avançando um passo mais, lhe assegurará a vida livre no
interior e o respeito no exterior.

Adiante, pois!

O tempo dos agitadores e dos tribunais religiosos passaram. Sabemos o que


valem as oligarquias clericais a quem se levanta um pedestal, e com quanta
facilidade, no dia seguinte ao êxito, se revolvem contra os princípios daqueles
que lhes tinha elevado.

Já não os aguentaremos mais as cadeiras de curul.

E visto que começamos a andar... ajudemonos leal e valorosamente no


progresso.

Na presença da intolerância que levanta a cabeça e de todas estas lutas


religiosas que dividem a Europa, venho a explicar-lhes a vida de um povo que
foi grande entre todos, pois sua civilização, suas leis e sua moral e cujos
sacerdotes tinham aprofundado o mistério da morte.

Venho a fazê-los saber de que maneira a humanidade, depois de haver-se


lançado até as mais elevadas regiões da critica filosófica e da razão livre, no
antigo pais da Índia, tem sido escravizada e afogada pelo altar que tem
substituído a vida inteligente, o embrutecimento, a impotência e a fantasia.

O concílio vai se reunir, todos os inimigos da liberdade se aproximam para a


luta suprema, e me levanto para fazer saber de onde provém sua origem, seus
livros santos e sua revelação. Me levanto para dizer ao governo e a França:

"Cuidado com os herdeiros dos brahmanes índios."

Também eles começaram na pobreza e na abnegação e têm acabado na


opulência e no despotismo.

Escuta o que o missionário Dubois tem escrito sobre os antigos brahmanes:


com segurança que não se pode tachar de suspeito:

"A justiça, a humanidade, a boa fé, a compaixão, o desinteresse, todas as


virtudes, enfim, lhes eram familiares, tinham ensinado aos outros com
palavras e exemplos: daí resulta que os hindus professem, ao menos no
terreno especulativo, quase os mesmos princípios de moral que nós."

Assim foi como conquistaram e prepararam os povos para ouvir a divina


palavra de Christna, aos quais converteram em degraus para alcançar o
poder, e quando os rajás, que haviam feito toda sorte de sacrifícios, quiseram
emancipar-se de sua tutela, não se levantaram mais que para voltar a serem
escravos. Terrível ensinamento do passado e que o futuro há de saber
aproveitar!

Envolvamos de respeito o altar que sustenta a imagem do Criador; rechacemos


o altar que erigiu esta sentença:

Dominação dos governos e sujeição aos povos.

**

A Índia é o berço do mundo, é dali que a mão comum, irradiando seus filhos
até as regiões mais ocidentais , nos tem deixado para sempre em sinal de
nossa origem, seu idioma e suas leis, sua moral, sua literatura e sua religião.

Por mais que os emigrantes se introduzam nas frias e nebulosas regiões do


Norte, atravessem a Pérsia, a Arábia e o Egito, longe dessa terra de sol que os
deu vida; em vão esquecerem o ponto de partida, sua pele continuará
bronzeada ou se tornará na mais branca ao contato com as neves do Ocidente;
civilizações fundadas por eles, esplêndidos reinos caíram para não deixar em
pé mais do que algumas ruínas, alguns restos de colunas esculpidas; novos
povos renasceram das cinzas dos primeiros, novas cidades ocuparam o sitio
das velhas, sem transtornos nem invasões, nem revoluções, nada poderá
barrar o signo oriental

A ciência admite hoje como verdade que já não necessita demonstração, que
todos os idiomas da antiguidade tenham nascido no Extremo Oriente; graças
ao trabalhos dos indianistas, nossas línguas modernas encontraram ali suas
raízes e suas bases.

Faz muito tempo que o malogrado Bournouf dizia em um curso a seus alunos:
"Mais e melhor compreenderemos o grego e o latim desde que estudemos o
sânscrito!"

Não é de hoje que se atribui a mesmo origem às línguas eslavas e germânicas.

Manú foi inspirado nas legislações egípcias, hebraicas, gregas e romanas, e


seu espirito informa ainda a organização inteira de nossas leis européias.

Cousin há dito em alguma ocasião:

"A história da filosofia da Índia é o resumo e o compêndio da história filosófica


do mundo."

Mas ainda há mais:

As tribos emigrantes com suas leis, seus usos, seus costumes e seu idioma
levaram igualmente sua religião, e conservaram um piedoso recordar dos
deuses da pátria que não deviam voltar a ver, daqueles deuses do seu lar
doméstico consumido antes de partir para sempre.
Também, elevando-se até o manancial, encontramos na Índia todas as
tradições poéticas e religiosas dos povos antigos e modernos. O culto de
Zoroastro e os símbolos do Egito, os mistérios de Eleusis e as sacerdotisas de
Vesta, a Gênesis da Bíblia e suas profecias, a moral do filósofo Samos e os
sublimes ensinamentos do filósofo de Betleem.

Este livro está destinado a vulgarizar todas essas verdade que hoje só se
manifestam na elite da ciência, verdades que muitos tem entrevisto sem
dúvida, sem atrever-se a manifestá-las.

Na história da revelação religiosa, transmitida a todos os povos, expurgada em


todo o possível das fábulas que a ignorância e a sede de dominação dos levitas
añadió em todos os tempos.

Não me ocultem os ódios que vou desencadear, mas os aguardo sem temor. Já
hoje ninguém é condenado a ser devorado pelas chamas como em tempos de
Miguel Servin, de Savonarola e de Felipe II da Espanha, e o livre pensamento
pode manifestar-se em um pais livre. É tudo o que eu queria dizer ao leitor
que abre estas páginas.

Ecos da Índia

Antiga Índia, berço do gênero humano, Saúde! Saúde!, anciã de peitos


poderosos, a quem nem a obra dos séculos, nem as ferozes invasões tem
conseguido ainda arrancar no povo da memória! Olha para ti, pátria da fé, do
amor, da poesia e da ciência!... Oh! Quão desejaria que teu passado poderia
ser mais tarde... nosso porvir!

Tenho vivido no fundo de tuas misteriosas selvas, esforçando-me em


compreender a linguagem de tua grandiosa natureza, e o vento da noite
murmurando entre as folhas dos tamarindos deixava escutar estas três
mágicas palavras: Zeus, Jehová, Brahma.

Tenho interrogado aos brahmanes e aos sacerdotes sob os arcos dos templos e
das pagodes antigos.

E me têm respondido:

"Viver é pensar, pensar é estudar a Deus que é todo e está em tudo."

Tenho escutado as lições dos doutores e dos sábios, e diziam:

"Viver é saber... saber é investigar profundamente o poder celeste em todas


suas formas sensíveis e inumeráveis manifestações."

Tenho-me acercado de filósofos e perguntado:

"Que fazeis, pois, aqui desde que faz mais de seis mil anos e que livro é este
que folheias continuadamente em cima de seus joelhos?"

E então sorrindo, deixando ouvir estas palavras:


"Viver é ser útil a si mesmo e aos demais; viver consiste em ser bom e
aprendemos a ser úteis e bons neste livro que folheamos, onde se fala a
palavra de eterna sabedoria, o princípio dos princípios revelado a nossos pais."

Tenho ouvido cantar os poetas... ao amor; os perfumes, as flores e a beleza, os


inspiram, também, ensinamentos divinos.

Tenho visto os faquires sorrirem ante a dor em um leito de espinhos e sobre


carvões incandescentes... A dor lhe fala de Deus.

Tenho chegado até os originários do Ganges, e milhares de hindus se


ajoelhavam ante o sol nascente nas orlas do rio sagrado, e a brisa me
transmitia estas palavras:

"O arroz torna-se verde na planície, encurva-se ao peso do fruto, demos graças
ao que nos tem dado."

Entretanto, apesar desta fé ardente e crenças arraigadas, apesar dos


ensinamentos sublimes dos brahmanes, dos sábios, dos filósofos e dos poetas,
tenho visto seus filhos, pobre velha mãe hindu, decrépitos, debilitados,
embrutecidos pelas mais baixas e odiosas paixões entregar-se sem queixa a
um punhado de marcadores que os oprimem, teu sangue, tuas riquezas, tuas
filhas virgens e tua liberdade.

Quem de vocês tem ouvido gritos roncos, queixas inexpressáveis surgir pela
noite no rincão das selvas, nas orlas dos rios, nos grandes pântanos desertos
ou no caminho sombrio, etc... Era por acaso a voz dos tempos passados que
vinha chorar a civilização extinguida, a grandeza perdida? Era acaso o exterior
supremo dos sipaio metralhados em horrível confusão com suas mulheres e
filhos no dia seguinte a um levantamento, por alguns indivíduos como levitas
encarnados, que desta maneira se vingavam de haver tido tanto medo? Seriam
por ventura os sollozos dos ternos meninos, esmagando em vão os pés gelados
de suas mães mortas de fome?

Ai! Quantas e quantas horríveis misérias me tem sido dado contemplar!

Um povo que sorri com indiferença sujeita a uma mão de ferro que lhe mata,
colorindo-se de flores nos dias de fome, para morrer com elegância igual ao do
atleta romano cavando alegremente com suas próprias mãos a tumba de suas
glórias antigas, de suas recordações e de sua independência.

A que influência funesta, me dizia, se deve a causa de semelhante


decomposição?... É devido simplesmente a ação dos séculos que as nações
estão destinadas, a semelhança do homem, a morrer na decrepitude?

Porque as sãs e puras doutrinas das primeiras idades, porque os sublimes


ensinamentos dos Vedas tem produzido tal resultado?

E sempre ouvia aos brahmanes, aos sábios, aos filósofos e aos poetas
discorrer sobre as grandes virtudes sociais, a imortalidade da alma e da
Divindade...
Mas acabei por compreender!... Agora! Isto só era uma lição... e vi com tristeza
que estes povos haviam mudado o espírito de suas sublimes crenças por um
fanatismo vazio, o livre arbítrio e a vontade do homem livre pela cega e
estúpida obdiência do escravo.

Oh! Então quis levantar o véu que ocultava o passado, chegar até a origem
desta nação moribunda que sem forças para o amor e igualmente para o ódio,
sem entusiasmos para a virtude nem para o vício, se assemelha a um ator a
quem se obrigasse a representar seu último ato diante de um público
impassível.

Que época tão esplêndida pude então estudar e compreender! Hice falar a
tradição cobiçada no fundo dos templos, vasculhe as ruínas e os monumentos,
interrogue aos vedas, estes livros cuja existência se conta por milhares de
anos, onde a juventude estudiosa ia aprender a ciência da vida muito antes de
que Tebas, a das cem portas, ou Babilônia, haveriam de começar a surgir de
seus cimentos.

Escute os murmúrios das antigas poesias que se cantavam ao pés de Brahma,


quando os pastores do alto Egito e da Judéia ainda não haviam nascido...
Quis comentar as leis de Manú que os brahmanes aplicavam sob os pórticos
dos templos, muitos séculos antes que as Tábuas da lei hebreu houvessem
descido entre raios e tronos das alturas do monte Sinai.

Entretanto, a Índia apareceu ante meus olhos em toda sua energética e


potente originalidade. Segui em sua marcha progressiva e ascendente, na
irradiação de suas luzes sobre o universo inteiro. A vi impondo seus usos e
costumes, suas leis e sua religião ao Egito, a Pérsia, a Grécia e a Roma. Vi
Djeminy e a Veda-Vyasa preceder a Sócrates e proceder ao filho da virgem de
Beetlém.

Foi a época de grandeza devida ao livre pensamento e à razão.

Depois assisti a decadência... princípio do envelhecimento para este povo que


havia iluminado o mundo e que havia sabido imprimir a suas doutrinas e a
sua moral um selo tão impecável que nem a ação destruidora do tempo, que
depois arrastou à tumba Babilônia e Nínive, Atenas e Roma, tem podido
fazermos esquecer.

Vi os brahmanes e os sacerdotes prestar o auxílio de suas palavras, a


autoridade santa dos vedas, da divina escritura ao despotismo estúpido dos
reis e esquecendo-se de sua origem, afogar a Índia sob uma teocracia
corrompida, que com suas divisões de castas, seus indignos sacrifícios às mais
vergonhosas paixões, seu embrutecimento sistemático das massas, houveram
rapidamente feito aniquilar em proveito próprio as glórias do passado que lhe
avergonhavam... a liberdade que tinham echado à terra.

E então compreendi muito melhor por que este povo depois de mais de dois
mil anos de servicissitude religiosa, carecia sempre de forças para rechaçar a
seus verdugos... e pedir-lhe contas, limitando-se a dobrar a cabeça sob a
odiosa dominação dos comerciantes ingleses, implorando prostado de joelhos
todas as manhãs e todas as noites a este Deus... em cujo nome seus
brahmanes e seus sacerdotes o haviam morto!...
Chandernagor, 25 de fevereiro de 1868.

PRIMEIRA PARTE

A Índia antes dos tempos antigos.

Primeiro Capítulo

A Índia civiliza o mundo com seu idioma, seus usos, suas leis e suas tradições
históricas

Quando o europeu põe pela primeira vez seus pés no solo da Índia, chega
levando em si estranhos prejuízos, orgulhoso do passado e da civilização das
regiões onde nasceu; crê, este homem forte do Ocidente, que leva aos
povoados que vai visitar a mais elevada moral, a mais racional das filosofias, a
mais pura religião; depois em presença dos impotentes esforços tentados por
missionários de todos os cultos e que contam somente com alguns párias
entre seus adeptos, deixa escapar com desdém as palavras de embrutecimento
e fanatismo, regressa a sua pátria depois de haver visto algumas cerimônias
que não compreende, algumas costas e faquires, espécies de Simeones
estilistas cujas flagelações e tormentos o enchem de asco.

Se um destes desgraçados iluminados tem-se incorporado com aflição às


grades de um templo dedicado à Vishnu e a Shiva, para implorar uma esmola,
lhe têm encarado com piedade ao mesmo tempo em que murmuram os artigos
de nosso código contra os vagabundos, entretanto, visitando Roma tomara que
tenham deixado cair algum óbolo na débil mão do bem aventurado José Labre,
este, faquir no Ocidente.

Muito poucos são os viajantes que tem procurado compreender a Índia, muito
poucos os que tem se dignificado a realizar os esforços necessários para
iniciar-se nos esplendores de seu passado; estudando só a superfície não terão
visto nada de mais ali; até têm chegado a declarar que não havia nada, com a
segurança de uma crítica muito pouco razoável para não ser vítima da
ignorância.

Para que serve o sânscrito? Perguntava Jacquemont, glorioso com esta saída,
compôs e forjou um Oriente convencional que seus sucessores tem copiado,
que todas as bibliotecas tem comparado e que constitui ainda hoje em dia a
fonte de todos os erros que constituem as três quartas partes da bagagem dos
conhecimentos da Europa sobre este país.

Entretanto, que riquezas ocultas dignas de se por em evidência! Quantos e


quantos tesouros de literatura, da história, de moral e de filosofia para dar a
conhecer ao mundo!

Os trabalhos dos Strange, dos Colbrook, dos William, dos Jone, dos Weber,
dos Lassen e dos Bournouf tem apontado um pouco de luz sobre estas coisas,
confiemos em que uma numerosa sucessão de indianistas os seguirá e que se
chegará a reconstituir completamente uma época que não tem nada o que
invejar a nossa quanto a sua grandeza e civilização e ter iniciado o mundo
inteiro em todos os grandes princípios da legislação, filosofia, de moral e de
religião.
Por desgraça, é quase impossível remontar-se à origem deste misterioso pais,
sem habitá-lo, penetrar em seus usos e costumes, e principalmente sem um
conhecimento profundo do sânscrito, o antigo idioma, e do tamul, o idioma
sábio atual, os quais unicamente podem guiá-los através deste obscuro
emaranhado e pô-los em condições de trabalhar com fruto.

Farei um reparo a muitos tradutores e orientalistas, uma vez que admiro seus
profundos conhecimentos, e é por não terem vivido na Índia, carecem de
exatidão em sua expressão, não conhecem o sentido simbólico dos cantos
poéticos, as plegaris e as cerimônias e consequência deles é o incorrer com
certa frequência em erros materiais, seja de tradução, seja de apreciação.

Não tenho visto mais que os trabalhos de ilustres ingleses, como William
Jones e de Colbrook, ser admitidos pelos brahmanes como a interpretação
exata de suas obras, e se fundaram para considerá-los como tais, já que os
ditos sábios haviam vivido entre eles, aproveitando seus conhecimentos e eles
por último os haviam comprovado. Poucos escritores, com efeito, são tão
nebulosos e obscuros como os escritores hindus. É-se obrigado a separar seus
pensamentos de uma multidão de expressões poéticas, de digressões e de
invocações religiosas, que em verdade em nada contribuem para esclarecer o
assunto tratado. Por outra parte, o sânscrito, para cada variedade de imagens
e idéias possui uma quantidade inumerável de expressões diversas, que não
têm equivalente em nossas línguas modernas, e não podendo traduzir-se mais
que com a ajuda de circunlóquios, demandam e exigem profundos
conhecimentos, que só podem adquirir-se sobre o terreno, dos usos, costumes,
leis e tradições religiosas destes povos cujas obras se traduzem e estudam
suas origens.

Todos os conhecimentos adquiridos na Europa não servem para conhecer


profundamente a Índia antiga; é necessário começar como um menino que
aprende a ler, e a colheita se apresenta muito distante para os com vontade
débil.

Mas de outra parte, que espetáculo tão esplêndido se desponta ante vossos
olhos, e que recompensa para aquele que não se desanima!

Escritores, sábios que amais a Índia, vinde a viver com o hindu sob o Pandal;
venha estudar sua anciã língua, assistireis a suas cerimônias, a suas preces,
a seus cantos; alunos de teologia, estudarás Brahma e seu culto. Os doutores
e os brahmanes os ensinarão os Vedas e as leis de Manú; retirarás as mãos
cheias de todos os mais antigos monumentos da literatura. Depois visitareis
todos os edifícios que ainda permanecem em pé, oriundo dos primeiros
tempos, e que em sua simbólica arquitetura representa a grandeza extinguida
ante a decadência que nada pode detonar, pois, é a lei do destino, inexorabile
fatum.

Então estareis iniciados.

A Índia os apresentará como a mãe do gênero humano, como o berço de todas


nossas tradições.

A vida de várias gerações apenas bastaria para ver somente as obras que a
Índia antiga nos tem legado sobre a história, moral, poesia, filosofia, religião,
ciências diversas e medicina; pouco a pouco cada um relacionará sua obra;
também a ciência possui a fé que transborda as montanhas e torna capazes
aos que inspira, dos enormes sacrifícios.

Em Bengala existe uma sociedade cuja missão consiste em recolher e traduzir


os Vedas.

Se verá o conhecimento de onde Moisés e os profetas tomaram sua Santa


Escritura, e espero se reconstruirá o livro dos Reis, que se diz que está
perdido, mas que segundo minha opinião, não foi escrito nunca, porque o livro
faltou aos copistas da Bíblia e a tradição não bastou para reconstitui-lo.

Poderá objetar-se que desde o começo adianto idéias estranhas; paciência, as


provas de pronto se multiplicaram apoiando-se umas às outras.

A idéia dominante em todo este livro, e que quiçá seja esta a ocasião de
manifestar, é a seguinte:

De igual maneira que nossa atual sociedade tropeça a cada passo com as
lembranças da antiguidade, assim como nossos poetas tem copiado Homero,
Virgílio, Sócrates, Eurípedes, Plauto e Terencio, assim como nossos filósofos
tem-se inspirado em Sócrates, Pitágoras, Aristóteles, Platão; nossos oradores a
Demostenes ou a Cícero, que nossos médicos estudam ainda Hipocrates e que
nossos códigos se inspiram em Justiniano.

De modo análogo, a antiguidade também tinha possuído outra antiguidade


que tinha estudado, copiado e imitado; há algo mais simples e mais lógico?
Acaso todos os povos não procedem uns dos outros; que os conhecimentos
penosamente adquiridos por uma nação se circunscrevem e se limite a seu
território; é que talvez seja insensato pretender que a Índia de seis mil anos
atrás, de brilhante civilização, transbordando de povoações, havia impresso
sobre Egito, Pérsia, a Judéia, Grécia e Roma, uma marca tão duradoura e
indelével, vestígios tão profundos como as que estes últimos tem deixado entre
nós?

É hora de acabar com estes pressupostos que nos fazem imaginar os antigos
alcançando quase espontaneamente as idéias filosóficas, religiosas e morais
mais elevadas; com estes pré-julgamentos, que em sua cândida admiração,
tudo explicaram com a ajuda da intuição de alguns grandes homens no
terreno científico, artístico e literário; e no terreno religioso com a ajuda da
revelação.

E porque temos perdido durante séculos o fio que une a antiguidade à Índia. É
este o motivo por que continuemos adorando o fetiche, sem querer ouvir nada
do que poderia diminuir sua importância?

Por acaso, nós, rompendo com o passado não temos esquecido as ciências
ocultas da Idade Média por medo da experimentação, da comparação?

Atrevemo-nos a aplicar igual método experimental ao terreno do pensamento.

Homens de ciência, rechacemos a intuição, racionalistas, rechacemos a


revelação.
Eu pergunto a todos os que haviam feito um estudo particular sobre os
antigos, se vinte vezes ao menos não tem cruzado por seu cérebro a idéia de
que aqueles povos poderiam ajudar em ponto de vista que nos é desconhecido;
se vinte vezes não se tem dito a si mesmo estar desconcertado por algum
ponto escuro da história e da filosofia:

- Ah! Sim, a biblioteca de Alexandria não havia sido destruída!

Quem sabe, encontraríamos nela o segredo desse passado que nos escapa.

Existe um fato que sempre por um modo extraordinário tem chamada a


atenção.

Conhecemos mediante quais estudos tem-se formado nossos pensadores,


nossos moralistas e nossos legisladores.

Mas quais teriam sido os precursores do egípcio Menes, de Moisés, de Minos,


de Sócrates, de Aristóteles e de Platão?

Quem terá sido, por fim, o precursor de Cristo?

Não os terá tido, então contestarei.

Os contestadores que minha razão rechaça crê na espontaneidade da


inteligência, na intuição destes homens, que por outro lado, alguns pretendem
explicá-los por meio da revelação divina.

E então, separando-me deste nebuloso passado, somente aceito a crítica livre


e razoável, e me lanço pelo caminho, que ao menos segundo minha opinião,
deve conduzir-ma à verdade.

As nações só alcançam certo grau de esplendor depois de uma infância longa e


penosa, a menos que disponham, para abreviar o caminho, das luzes de
outros povos que os tinha precedido.

Vê quais foram, dentre as tantas sociedades modernas, até o dia em que a


caída de Constantinopla, nos deu a conhecer a antiguidade.

As emigrações hindus tem vindo prestar o mesmo serviço ao Egito, à Pérsia, a


Judéia, a Grécia e a Roma. Isto é o que pretendo demonstrar.

Na realidade, em verdade, não tenho a pretensão de lançar a luz tão


completamente como queria. A tarefa é superior as forças de um homem.

Apresento uma idéia que creio verdadeira, a apoio com as provas que tenho
podido falar, tanto dos trabalhos dos sábios orientalistas como em minhas
pobres investigações; outros aprofundaram o tema, espero melhor e mais
fundo; entretanto, tenho aqui o primeiro golpe da enchada.

O que me resta fazer é dizer tudo; não busco o ruído do escândalo, professo o
mais profundo respeito por todas as crenças que, sem dúvida, creio no direito
de não compartilhar, dada a inteira independência de meu pensamento.
Os investigadores que tem tomado o Egito como campo de seus trabalhos, que
esquadrinham este pais até os cimentos, querem fazer-nos crer, eles também,
que tudo nos tem vindo do pais de sua predileção. Há alguns que chegam a
pretender que a Índia tem copiado do Egito, suas cartas, seu idioma e suas
leis, quando pelo contrário, o Egito não é mais que uma emanação hindu.
Dispõem de tudo: os estímulos dos governos; o apoio das sociedades, dos
sábios; mas, paciência! A luz brilhará por completo, se a Índia está muito
distante para as falhas de valor, se seu sol mata, se o sanscrito é demasiado
difícil para poder fazer com ele algo de charlatanismo, se não existe um
pressuposto para transportar os blocos de pedra rajadas, no entanto, em
mudança há um pequeno número de fiéis para os quais a Índia constitui um
culto, que trabalham sem trégua, não em aprofundar fossos e remover a areia,
e sim em compreender os livros.

Antes de tudo, converterão em verdade estas palavras:

Estudar a Índia, é elevar-se a origens da humanidade.

Outros escritores cegos por sua admiração para a tocha helênica, queriam
encontrá-la em todas as partes e se entregaram a peregrinas teorias.

Esta opinião data de ontem:

M. Philarete Charles, em um livro que publicou sobre o Oriente, pretendia que


a consequência de alguns dos passos legendários que Alexandre em outro
tempo deu no extremo norte da Índia, a influência da Grécia se havia
estendido por todo o pais e havia vivificados as artes, a literatura, em uma
palavra, toda a antiga civilização brahmânica.

Isto é pouco, mais ou menos tão verdadeiro e tão lógico como se sustentar que
a invasão dos sarracenos sob Carlos Martel tenha tido alguma influência sobre
os costumes dos galos antes da conquista romana.

Semelhante opinião é sinceramente o resultado de falta de sentido histórico.

Na época de Alexandre, a Índia havia já saído do período de esplendor para


entrar na decadência, e seus grandes monumentos de filosofia, de moral, da
literatura e de legislação, contavam com pelo menos mais de dois mil anos de
existência.

Finalmente, desafio a quem quer que seja que me assinale a influência grega.

Alexandre, para a Índia, não foi mais do que um feito brutal, ilhado,
circunscrito, exagerado pela tradição helênica que nem os hindus se dignaram
a mencionar em sua história. Sentiria incomodar não mais que minimamente
um escritor cujo talento admiro sinceramente, mas não posso deixar ao menos
de dizer-lhe que isto é uma fantasia nascida do azar da pluma, um paradoxo
incapaz de sustentar nem a aparência de discussão. E com razão estranho
que um indianista distinguido, M. de Mesmil, creio, tenha se preocupado em
contestar-me seriamente.

Pretender hoje, carecendo de toda sorte de provas, quando nem sequer se


encontra nos Anais do Indostão o nome helenizado do vencido Poras, que
Atenas foi quem inspirou o gênio hindu, de igual maneira que ela deu a vida a
arte européia, é desconhecer a história da Índia, é fazer instrutor a mãe pelos
filhos, é, por fim, esquecer o sânscrito.

O sânscrito: esta é a prova irrefutável, a par que é a mais simples, da origem


das raízes européias e da maternidade da Índia.

O que vou dizer sem dúvida não ensinará nada de novo aos especialistas
nestas matérias, mas não se esqueça que ocasionando talvez uma idéia nova,
me volto a todos os descobrimentos que puderem corraborá-la, como objetivo
de vulgarizá-los e fazer conhecer às massas que tem carecido de tempo e
meios para dedicar-se a semelhantes estudos, aquela civilização extraordinária
das primeiras cidades que ainda não temos sobrepujado.

Se o sânscrito originou o grego e mesmo as demais línguas antigas modernas


(de imediato darei muitas provas), não tem podido ser levado a distintos países
senão por meio de emigrações sucessivas; seria absurdo imaginá-lo de outra
maneira, e a história, ainda que se limite a ir apalpando respeito ao particular,
nos inclina e ajuda a sustentar esta hipótese e não combatê-la.

Admitindo isto, e em presença de um idioma também perfeccionista, força-nos


reconhecer que os povos que o falavam alcançado um alto grau de civilização,
e que levando com eles o idioma da pátria mãe, têm necessária e fatalmente
conservado suas tradições históricas, religiosas, literárias e legislativas, quase
as mesmas da antiguidade, debilitadas e transformadas pelos tempos
modernos.

Que campo tão novo e vasto se oferece à investigação humana! É fácil então,
elevando-se até a origem, coma a ajuda da antiga civilização hindu, ir
seguindo passo a passo a todos os povos desde sua infância até sua idade
adulta, assinalar a cada um sua linhagem, dissipar as trevas da história, e de
idêntica maneira aos filósofos que hoje consideram para cada idioma a porção
têm pedido emprestado ao sanscrito, determinar para cada costume, para
cada tradição a porção que provêm dos costumes e tradições hindus.

Não se trata mais de tradições hindus importadas da Grécia pelos povos da


Ásia Menor que foram a colonizá-la, e que os escritores daquele país tem
aceitado como recordações de sua origem..

Separemos, pois, a história da poesia e da fantasia.

A maioria das nações da antiguidade, ainda que houvessem esquecido sua


filiação e as emigrações de seus antepassados, era nelas o pensamento
dominante que haviam-se originado no Oriente; Roma não atribuía a
colonização da Itália e sua fundação a dos Troianos vencidos e errantes nos
mares buscando asilo?

Repito, a inteligência séria, que não pode dar crédito a antiga fábula criando
quase sem transição uma civilização sem par, deve forçosamente buscar em
outra sociedade mais antiga os segredos do passado.

Livres sois, aqueles que os contentais com ilusões poéticas e com a revelação,
de crer em Hércules, Feseo, Jasão, Osíris, no bom Apis, na mata incendiada,
em Moisés e na origem sagrada dos Hebreus; para mim, é mister outro
critério; e sem respeito de classe algum, rechaço todas estas pueris invenções.

Não posso, certamente, em uma obra que abrange tantas matérias, que se
limita, por dizê-lo assim, a dar uma idéia geral, entrar em comparações
filológicas demasiado extensas; entretanto, a título de prova, apresentarei
algumas tiradas do sânscrito.

Quer saber qual é a origem de todos os nomes da Fábula e das Mitologias


gregas? Serei breve, ab uno disce omnes.

Hércules - Em sânscrito: Hara-Kala, herói das batalhas. Epíteto que


geralmente se da a Shiva, deus dos combates na poesia hindu.

Teseo - Em sânscrito: Tha-Saha, o sócio. Companheiro de Shiva segundo os


hindus.

Eaque - Juiz dos infernos na mitologia grega. Em sânscrito Aha-Ka, juiz


severo, adjetivo qualificativo que de ordinário acompanha o nome de Jama,
juiz dos infernos segundo os hindus.

Ariana - A desgraçada princesa abandonada por Teseo e que cometeu a falta


de ceder a um inimigo da família. Em sânscrito: Ari-Ana, seduzida por um
inimigo.

Rhadamante - Outro juiz dos infernos segundo a mitologia. Em sânscrito:


Radha-manta que castiga o crime.

Andromeda - Sacrificada por Netuno e socorrida por Perseo. Em sânscrito:


Andha-ramedha, sacrifício à paixão dos deuses das águas.

Perseu - Em sânscrito: Para-saha, socorro chegado a tempo.

Orestes - Célebre por seus furores. Em sânscrito: O-raksa-ta, entregue à


desgraça.

Pilades - O amigo de Orestes. Em sânscrito: Pula-da, que consola com a


amizade.

Ifigênia - A virgem sacrificada. Em sânscrito: Apha-gana, que morre sem


sucessão.

Centauro - Personagem da fábula, metade homem, metade cavalo. Em


sânscrito: homem-cavalo.

As divindades do Olimpo têm a mesma origem.

Júpiter - Em sânscrito: Zu-pitri, pai do céu, ou Zeus-pitri, do qual os gregos tem


formado a palavra Zeus e os hebreus Jeovah.

Palas - A deusa da sabedoria. Em sânscrito: Palasa, sabedoria que protege.


Atenas - Deusa da castidade entre os gregos. Em sânscrito: A-tanaia, sem
filhos.

Minerva - Deusa igual entre aos romanos, mas revestindo-se ademais com os
atributos do valor. Em sânscrito: Ma-nara-va, que alenta e sustem aos fortes.

Belona - Deusa da guerra. Em sânscrito: Bala-na.

Netuno - Em sânscrito: Na-pata-na, que domina o furor dos mares.

Poseidon - Outro nome grego de Netuno. Em sânscrito: Pasa-uda, que acalma


as águas.

Marte - Deus da guerra. Em sânscrito: Mri, que causa a morte.

Plutão - Deus dos infernos. Em sânscrito: Plushta, aquele que marca com o
ferro.

Alguns exemplos, agora, tomados os nomes de povos; não há melhor maneira


de demonstrar as emigrações do que por meio da etimologia dos nomes.

Os pelasgos - Em sânscrito: Palaça-ga, que avança infundando temor.

Os lelegos - Em sânscrito: Lala-ga, que avança infundando temor.

Como o sentido destas palavras se adapta ao gosto dos povos jovens e


guerreiros que gostam de aplicar a seus nomes relação com seus hábitos e
costumes!

Os helenos - Em sânscrito: Hele-na, guerreiros adoradores de Hela ou da Lua.


A Grécia também se chamava a Helada.

Os espartanos - Em sânscrito: Spardha-ta, os rivais.

E estas palavras sânscritas tem-se convertido passando a Grécia em nomes


dos homens célebres.

Pitágoras - Em sânscrito: Pitha-guru, o mestre da escola.

Anaxágoras - Em sânscrito Ananga-guru, o mestre da inteligência.

Protágoras - Em sânscrito: Prat-guru, o mestre distinguido em todas as


ciências.

Se da Grécia passamos à Itália, Galia ou Germânia e Escandinávia,


encontramos as mesmas relações, idênticas origens do sânscrito.

Os italianos - Nome que provém de Ítalo, filho do herói Tróia. Em sânscrito:


Itala, homem de classe baixa.

Os bretii - Em sânscrito: Bharata, povo da casta dos artesãos


Os tirrenos - Em sânscrito: Tyra-na, guerreiros velozes.

Os sabinos - Em sânscrito: Shaba-na, casta de guerreiros.

Os samnitas - Em sânscrito: Samma-ta, os desterrados.

Os galos - Em sânscrito: Ga-lata, povo que avança conquistando.

Os belgas - Em sânscrito: Bala-ja, filhos dos fortes.

Os sequanos - Em sânscrito: Saka-na, os guerreiros por excelência

Os sicambros - Em sânscrito: Su-kam-bri, os chefes bons da terra.

Os escandinavos - Em sânscrito: Skanda-nava, adoradores de Skanda, deus


dos combates.

Odin - O chefe das tribos emigrantes na llanuras do Norte. Em sânscrito:


Yodin, o chefe dos guerreiros.

Os suecos - Em sânscrito: Su-yodha, os bons combatentes

Noruega Em sânscrito: Nara-vaja, pais dos homens do mar.

O Báltico - Em sânscrito: Bala-ta-ka, a água dos conquistadores poderosos.

Os alemães - Em sânscrito: Ala-manu, os homens livres.

Os valacos - Em sânscrito: Vala-ka, da classe dos servidores.

Os moldavos - Em sânscrito: Mal-dha-va, homens da última casta.

A Irlanda, que os poetas denominam a verde Erin. Em sânscrito: Erin, roças


rodeadas de água salgada.

O Thane - Nome que se dava aos artigos chefes de clã na Escócia. Em


sânscrito: Tha-na, chefe dos guerreiros.

Na Ásia, toda a dinastia dos Jerjes e dos Artajerjes é de origem hindu. Todos
os nomes das praças fortes, cidades, regiões, são sânscrito quase puro. A
continuação vão alguns exemplos.

Ma - Divindade lunar das tribos da Ásia e de todo o extremo Oriente. Em


sânscrito: Ma, a Lua.

Artajerjes - Em sânscrito: Artha-xatrias, o grande rei. Não é verdade que de


igual modo o denominam os gregos?

A Mesopotânia - Região abundante em rios e correntes de água. Em sânscrito:


Madya-potama, terra no meio dos rios.

Castabala - Praça forte. Em sânscrito: Kastha-bala, a força impenetrável.


E Zoroastro, que introduziu na Ásia o culto ao Sol. Em sânscrito: Surya-stara,
que difunde o culto ao Sol.

Limitemo-nos a estes; seriam necessários muitos volumes para desenvolver


esta matéria com deveria sê-lo; estas resultam hoje em dia no terreno
científico e não é nenhuma surpresa fazer remontar ao sânscrito todas as
línguas antigas e modernas. A filiação é tão clara, tão precisa que não cabe a
mais ligeira dúvida.

Se tenho aludido, pois, a alguns nomes dos tempos heróicos e fabulosos,


assim como dos principais povos antigos e modernos, tenho por único objetivo
aclarar minha discussão com alguns exemplos.

Todos os nomes de heróis, guerreiros, deuses, filósofos, países e povos, não


podem decompor-se nas línguas as quais pertencem, e como seria absurdo
crê-los formados pelo acaso, a opinião mais sensata e racional é a de
relacionarmo-las com o sânscrito, que não só se explica em sua origem
gramatical, seja até também em seu sentido simbólico ou real, histórico ou
figurado.

Assim, as populações de origem hindu, Jônios, Dórios e outros, abandonam a


Ásia Menor para ir colonizar a Grécia, levam ali as recordações de seu berço,
todas as tradições que a poesia lhes tem conservado, sem dúvida
transformando-os, mas deixando-lhes uma marca tão especial que nos é
possível hoje em dia encontrá-las, apesar que os séculos, passando sobre elas,
as tenham fatalmente rodeado de obscuridade e esquecimento.

Entre as recordações destes colonizadores de uma terra nova, chamam a


atenção um primeiro lugar, as inumeráveis batalhas dos dias da guerra entre
os hindu e seus antepassados, como dizer, Shiva; esqueçam o nome deste
deus que não somente está adornado de atributos belicosos na mitologia da
alta Ásia, para conservar-lhe o qualificativo de Hara-Kala, que os poetas
hindus lhe aplicam como quando preside a guerra.

Hara-Kala, o herói das batalhas, se converte em Hércules; o novo povo que se


vai formando o faz seu sob este nome, é a fábula grega, igual que a Índia,
continuando a atribuir-lhe a matança de leões, serpentes, hidras e até exército
inteiros; não é outra coisa senão a tradição que se perpetua.

Zeus-Deus, nome da trindade hindu, Brahma, Vishnu e Shiva, se tem


conservado sem transformação.

Tha-saha, companheiro de Shiva, se converte em Teseo.

Aha-ka, Radha-manta, Manarava, A-tanaya, Napatana, Balana, Palasa,


Andha-ra-meda, Ari-ana, se convertem em Eaque, Radamante, Minerva,
Athenaide, Netuno, Belone, Pallas, Andromêda e Ariana.

Brahma, também chamado Zeus-pitri, Deus pai, passa a ser Júpiter e sem esta
última palavra pode descompor-se no grego, sem perder seu sentido, é devido
a que este idioma tem conservado em quase toda sua pureza as duas palavras
sânscrita que a formam, Zeus e pitri, em grego, Zeus e pai.
Protha-guru e Ananga-guru se transformam em Protágoras e Anaxágoras, é
dito, que estas palavras não são nomes próprios, e sim qualitativos aplicados a
nomes que se tem distinguidos na filosofia e na ciência; e Pitagoras, derivados
de Pitha-guru, revela ainda melhor sua origem oriental, difundindo na Grécia
o sistema hindu da metempsícosis.

E assim, de muitos, todos os nomes da antiguidade fabulosa tem com as


palavras hindu os mesmos contatos de significância e de origem. Seria-me
fácil segui-los um a um, decompondo-os e indicar a etimologia e o sentido das
palavras, se este fosse o objetivo principal desse livro.

Já lhes tenho dito mais acima: outros aprofundarão estes vestígios; existe em
tudo isto um imenso campo para pesquisa para os investigadores e os
eruditos, e eu não o houvera sequer roçado, se não houvera considerado com
razão, que atribuindo à Índia a revelação bíblica, era indispensável
demonstrar com grandes ações notáveis, que este crédito que pedimos à Índia
não estava isolado, e que todos os povos antigos e modernos eram devedores a
aquele país na origem de seu idioma, de suas tradições históricas, de sua
filosofia e de sua legislação.

O que tenho indicado a respeito dos nomes dos heróis e semideuses da antiga
Grécia, se aplica por igual ao nomes dos povos modernos dos quais também
tem apresentado algumas etimologias, tais como os breti, os tirrenos, os
samnitas, os celtas, os belgas, os noruegueses, os alemães, os valacos, os
moldavos, etc... A unidade de raça de todos estes povos, sua origem comum,
adquire então caráter indiscutível, e é nas superfícies planas que se estendem
ao pé do Himalaia onde a mais inteligente das duas raças que povoam o globo,
quer dizer a raça branca, teve seu origem.

Aceitando esta opinião, a auréola fabulosa que rodeia a mãe de todos os povos
da antiguidade, sobre as quais a história se reduz à conjecturas desprovidas
de fundamento, se explica por si mesma e se faz possível esclarecer a
obscuridade do passado.

Das diversas comparações que acabo de fazer, resulta que todos os heróis da
antiga Grécia, assim como os diversos feitos heróicos que os tem
acompanhado, só são lembranças da Índia, conservadas e transmitidas pela
poesia e tradição, e que mais tarde, depois de haver perdido de vista sua
origem hindu e transformados sua primitiva linguagem, os primeiros poetas
gregos os tem de novo cantado e celebrado como pertencentes a origem de sua
própria história.

O Olimpo grego nasceu do Olimpo hindu. Jasão conquistando a velo de ouro,


é uma lenda que ainda na atualidade está nas bocas de todos os habitantes da
Índia, e a Ilíada de Homero só é um eco, uma débil recordação de Ramayana,
poema hindu no qual Rama vai, a frente de seus aliados, apoderar-se de sua
mulher Sita, roubada pelo Rei de Ceilão.

Os chefes se injuriam e insultam de igual maneira, lutam montados em carros


com armadilhas e flechas. Esta luta divide por igual os deuses e as deusas,
dos quais uns se declaram a favor do rei do Ceilão e outros são partidários de
Rama. Até a cólera de Aquiles depois do roubo de Briseida, pode encontrar sua
relação neste imenso poema. A imitação é flagrante, inegável chega até os
últimos detalhes. O epíteto de Boopis (olhos ao boi) que Homero aplica a cada
momento a Juno, constitui para o poeta a mais sublime das comparações,
pois, sem ser adorado como um Deus, o boi é na crença hindu o animal
adorado por excelência, e este epíteto não tem explicação em grego.

Entre os fabulistas antigos, a imitação é ainda mais notável, e pode afirmar-


se, sem temor que nos acuse de exagerados, que Êsopo e Babrias tenham-se
limitado a copiar através da Pérsia, da Síria e do Egito. Este último escritor,
ainda que grego, se encarrega, no princípio de seu segundo procemium,
reivindicar para o Oriente a glória da invenção desses engenhosos apólogos,
que sob formas ligeiras, ocultam profundos ensinamentos.

"A fábula, o filho do rei Alexandre, é uma antiga invenção dos sírios, que
viveram em outro tempo sob Nino e sob Belo."

Basta folhear as fábulas do hindu Pilpay, do brahmane Ramsamyayer, de


Êsopo, de Babrias e de Lafontaine, para notar que procedem umas às outras e
que os fabulistas gregos e modernos nem sequer tem tido o trabalho de
modificar a ação desses pequenos dramas.

Assim, a cada passo, e quanto mais se estudava aos antigos, mais se deixava
persuadir da verdade desta proposição que eu já tinha indicado; a saber: que
a antiguidade tem tido uma antiguidade que lhe tem inspirado, e a tem
ajudado a alcançar rapidamente aquele alto grau de civilização artística,
filosófica e literária que por sua vez fecundou o gênio moderno.

"Qual das coisas maravilhosas, escrevia M. Langlois, teremos que aprender


dos outros."

E se entretanto, os governos esgotam seu capital em escavações, em missões


científicas ao Egito, Pérsia, África e os sábios apuram seu talento construindo
sistemas apoiados em pedaços de colunas e em inscrições! Sem nenhum tipo
de dúvida, não resultam inúteis estes trabalhos, e muito temos adiantado na
ciência do passado, mais faltam demasiados dados na corrente da cadeia para
que possamos reconstitui-lo por inteiro.

Por que não lhes envia a Índia para estudar suas origens e traduzir livros?
Somente ali se encontrará a verdade.

Por que não se decidem a fechar esta escola de Atenas que não tem razão de
ser, que é incapaz de prestar hoje o menor serviço, para substitui-la por uma
escola de sânscrito que fundada em Pondicheri ou em Karikal, no sul da Índia,
prestaria em pouco tempo, à ciência eminentes serviços?

Em apoio a tese de que a Índia tem dado tudo ao mundo civilizado, vou expor
rapidamente os pontos culminantes da legislação hindu, legislação que
voltaremos a encontrar por inteiro em Roma, a qual foi legada pela Grécia e
pelo Egito, que haviam bebido nas primeiras fontes.

Não podemos apresentar aqui, como nos estudos das origens das línguas,
mais que alguns sucintos dados, e entende-se; este volume inteiro não
bastaria para elucidar tamanho assunto.
Em todas as legislações, as matérias mais importantes do direito são:

O matrimônio, a filiação, a pátria protestad, a adoção, a propriedade, as leis


referentes aos contratos, ao depósito, ao empréstimo, a compra e venda, às
sociedades, aos donativos e aos testamentos.

Acharemos nesse estudo, que estas divisões tem passado iguais do direito
hindu ao direito romano e ao francês, e que a maioria daquelas disposições
particulares estão ainda hoje em dia em vigor.

Nisto, não cabem comentários, não é possível a discussão, ali onde se


encontra o texto, só há lugar para uma afirmação.

As leis hindus foram codificadas por Manú, mais de três mil anos antes da era
cristã, copiadas por toda a antiguidade, e principalmente Roma, que só não
deixou um direito escrito, como tem sido mais tarde tomadas como base para
todas as legislações modernas, que se tem inspirado no direito Justiniano.

Vejamos e comparemos:

Compromisso de casamento (noivado) - matrimônios

O matrimônio, segundo a lei hindu, se verifica pela doação de uma mulher que
o pai outorga, e a aceitação pelo marido, com a ajuda da cerimônia da água e
do fogo.

Idênticas formalidades em Roma: Leg. 66 § I do Digesto de Justiniano. Virgini


in hortos de dusta... Die nuptiarum priusquan ad eum transiret, et priusquam
agua et igne acciperetur, id est nuptia celebrarentur... abtulit decem aureos
dono.

A união das mãos, assim como a preparação, outro dos ritos sacramentais de
Roma, só são cópias das prescrições do legislador Manú.

No matrimônio hindu, há que considerar duas etapas, a do comprometimento


(noivado) e a celebração; os comprometimentos/pedido sempre se tem
verificado muitos anos antes da celebração da cerimônia definitiva.

Iguais usos, idênticos períodos distintos, transportados a Roma.

"A palavra compromisso (spansalia), leg. 2, tít. I, 1. XXIII do Digesto, deriva da


palavra prometer (a spondendo) pois foi costume próprio dos povos antigos
estipular e fazer prometer uma futura esposa."

"A miúde, diz a lei em 17 no mesmo título, justas causas fizeram aumentar
prazos dos noivados, não só durante um ano ou dois, como às vezes três ou
quatro e até mais."

O consentimento textualmente exigido pela lei hindu, também o era em Roma.


Lei 2, tít. II, Sponsalia sicut muptioe sonsensu contrahentium fiunt.
Entre os hindus, a jovem esposa permanece com a família até a idade núbil; o
pai então envia uma mensagem ao esposo, manifestando-lhe que seus direitos
começaram e que pode apresentar-se para reclamar sua mulher.

O mesmo sucedia em Roma: In potestate manente filia, pater sponso nuntim


remittere potest (Leg. I0, de Sponsalibus).

A condução da mulher à casa de seu marido, constituía na Índia, igual que em


Roma a cerimônia final do matrimônio. Esta condução se realizava
acompanhada de cantos e festas.

Os matrimônios na lei de Manú, em linha direta, estão proibidos em todos os


graus até o infinito; na linha colateral até o sétimo em linha paterna, e até o
quinto em linha materna. No fim, o pai que na Índia casa sua filha com um
depois de havê-la prometida a outro, será tachado de infame.

Escuta o que diz a lei romana (leg. I3, § I, lib. III): Item si alteri sponsa, alteri
nupta sit, ex setentia edicti punitur.

Não é isto ainda tudo; o espirito hindu informa o direito romano até naqueles
enlaces que as legislações modernas, excetuando o Brasil, não tem querido
reconhecer; o concubinato tolerado, regulamentado em Roma é uma
instituição procedente da Índia que os romanos aceitaram por respeito a
tradição: os costumes puros e rígidos dos primeiros tempos não haviam
podido jamais induzir-lhes a quem sancionaram os amores livres.

Aqui só roçamos todas riquezas; que magníficos estudos críticos poderiam


resultar com um exame profundo e detido das admiráveis leis da antiga
filiação do gênero humano.

Só uma palavra mais, e teremos terminado com o matrimônio.

O divórcio, legalmente instituído na Índia, também o esteve em Roma.


Ouçamos ao legislador hindu enumerando os motivos pelos quais uma mulher
pode separar-se do marido.

"O marido pode ser abandonado por sua mulher, se é criminoso, impotente,
degradado ou atacado por lepra, ou depois de uma ausência prolongada em
países estrangeiros."

A lei romana não estabelece outras causas, a máxima desonra pessoal ou a


morte civil, a impotência, uma enfermidade contagiosa e a ausência.

Na Índia, como em Roma, a mulher adúltera está privada de seu dote; e o


marido não está obrigado a restitui-la.

Assim pois, nesta seção tão importante do direito, que é o fundamento das
sociedades e das nações vemos então a Índia dar lições das quais se tem
aproveitado todos os povos. Prosseguimos o curso destas comparações que
apesar de serem sumarias, não deixam de ser seguras e comprovatórias.

Filiação, pátria potestad, tutela e adoção


A regra Pater is est quem justœ nuptiœ demonstrant, considerada no direito
romano, como axioma, aceita pelo código francês, que diz em seu artigo 312:
"O filho concebido durante o matrimônio tem por pai o marido" este é dito por
Manú, na seguinte forma:

"O filho nascido em uma casa pertence ao marido da mulher."

A lei hindu divide os filhos, em filhos legítimos, naturais, incestuosos e fruto


do adultério. Os filhos naturais têm direito, ainda que pequeno, na sucessão
de seus pais; os incestuosos e filhos de adultério só podem reclamar
alimentos.

Estabelece logo a ação em desacordo com aquelas palavras: "Se segundo as


circunstâncias, fica demonstrado com certeza que o verdadeiro pai é outro e
não o marido, o filho é bastardo e fica privado de direitos na família. Por
último, disposição muito notável admite a legitimação do filho natural por
subsequentes casamentos.

Pode chegar-se a conclusão, sem temor de incorrer em erro, que todos os


princípios acima citados, adotados pela rei romana, regem ainda a questão no
direito francês, e na maioria das nações européias. Que admiração não deve
apoderar-se do pensador, do filósofo, do jurisconsulto, em presença deste
direito tão prudente, tão simples, tão prático, que cinco mil anos depois o
temos adotado, não descobrindo outro que o supere!

De igual maneira a filiação e a pátria potestad apresenta os mesmos pontos de


contato; tais como foram na Índia, tais como foram em Roma.

"O chefe de família, diz Gibelin, tinha em sua mão e a titulo de dono a sua
mulher, seus filhos e seus escravos." Ainda na atualidade, o filho não pode
adquirir nem possuir nada que não seja para seu pai.

Qualquer que seja a idade, diz o comentador hindu Catayayana, entretanto se


o pai está vivo, o filho não é nunca independente.

Quanto à tutela, são sempre os mesmos princípios admitidos no direito


romano e reconhecidos hoje. Pareceria na verdade, que em lugar de estudar a
Índia, estivéramos no terreno do direito moderno.

A lei hindu admite antes de tudo a tutela legítima dos ascendentes; logo a dos
agnados e dos cognados, e por último a tutela designada, assim como a
intervenção do conselho da família e da autoridade pública, para a
conservação do indivíduo e bens do menor.

Como concordância particular, assinalamos a disposição do legislador hindu


dando a preferencia a tutela do homem a da mulher, enquanto aja parentes do
sexo masculino. Concordância e aproximação mais notável ainda, a mãe perde
a tutela de seus filhos, se viúva voltar a casar sem o consentimento do
conselho da família.

Terminamos este breve estudo do direito pessoal na Índia com algumas


palavras a respeito da adoção. O direito hindu admite a adoção, desde que
para introduzir um filho em uma família que carece deles, seja um motivo de
agradecimento e respeito ao mesmo adotado. De igual maneira que em direito
romano, a adoção devia realizar-se com solenidade, em presença da família,
dos anciões, dos brahmanes e chefes da casta.

O direito francês, ao copiar estes princípios, tem querido revestir igualmente


neste ato uma solenidade e autenticidade pouco comuns, exigindo para que a
adoção seja permitida, a autorização de um tribunal de primeira instância e de
um conselho superior.

Realizada a adoção, o filho formava parte da família, com os mesmo títulos


que os outros que nasceram posteriormente. A mesma disposição
encontramos em direito romano e no direito francês.

Uridd’ha-Gantama, comentado por Nanda-Pandita, diz:

"Se existe um filho adotivo adornado de boas qualidades e um filho legítimo


nascido posteriormente, se dividirão por partes iguais a herança do seu pai."

Em Atenas, a fórmula de adoção era esta:

"Adoto um filho a fim de ter quem possa realizar sobre minha tumba as
cerimônias sagradas, perpetuar minha raça, e transmitindo meu nome por
uma cadeia não interrompida de descendentes, revestir-lhe até certo ponto
com a imortalidade."

Esta formula de adoção grega é reprodução da fórmula hindu do texto de


Manú:

"Eu que careço de descendentes varões, me apresso solícito em adotar um


filho, para a continuação das oferendas funerários e os ritos sagrados e para a
perpetuação de meu nome."

Façamos notar que a lei hindu foi a primeira em considerar o matrimônio


como um laço indissolúvel. Nem a morte lograr destrui-lo, pois nas castas em
que o matrimônio do viúvos era permitido, só o era no caso em que o defunto
não havia deixado filhos, era urgente procurar-lhe um filho que pudesse
realizar sobre sua tumba as cerimônias necessárias a sua salvação. Pois na
teologia hindu, o pai não chega a alcançar a mansão dos bem-aventurados
senão graças às cerimônias expiatórias de seu filho. O segundo marido
chegava ao matrimônio como meio; o filho que nascia dele não era considerado
como seu, correspondia ao defunto e herdava todos seus bens.

E há outra coisa que não admiraremos nunca o bastante, e que a antiquidade


desconhecia por completo: o respeito da mulher, elevada a altura de um culto.

Não é possível ler sem admiração esta passagem de Manú (lib. III, sloca 55 e
seguintes).

"As mulheres devem estar rodeadas de atenções e regalias por parte de seus
pais, irmãos, maridos e os irmãos de seus maridos, quando desejam alcançar
grande prosperidade.
"Em todos os sítios em que as mulheres vivem afligidas, a família não tarda
em extinguir-se; mais quando são amadas, respeitadas e rodeadas de
cuidados e atenções, a família aumenta e prospera em todas as
circunstâncias.

"Quando as mulheres são respeitadas, as divindades estão satisfeitas; mas


quando não as respeita, todos os atos de piedade se tornam inúteis.

"As casas maldita pelas mulheres às quais não lhes tenham oferecido os
homens devidos, vem a ruína cair sobre elas e destruí-las, como feridas por
um poder oculto e misterioso.

"Em todas aquelas famílias em que o marido vive em harmonia com sua
mulher, e esta com aquele, a felicidade está assegurada para sempre."

Esta veneração pela mulher produz na Índia uma época de cavalaria


aventureira, durante a qual vemos os heróis dos poemas hindus realizar feitos
tão altos que em comparação com os feitos dos Amadises, dos cavaleiros da
Távola Redonda e os paladinos da Idade Média estas resultam jogos de
criança.

Grande e charmosa época que por desgraça da Índia tem hoje um pouco
esquecida! Mas, a quem corresponde a culpa se não é a estas brutais e
estúpidas invasões, que desde séculos se disputam aquele território tão fértil e
charmoso?

A propriedade, os contratos, o depósito, o empréstimo, a compra e venda, as


sociedades, as doações e os testamentos.

Os direitos reais não são menos dignos de admiração que os direitos pessoais;
estão formados com uma excelência de intuitos e tal retidão de crítica que os
mais diferentes legisladores modernos não os tem sobrepujado. Estes direitos
que Roma recopilou, são, com ligeiras variantes, os nossos.

Em nossos dias, dois sistemas dividem os consultores jurídicos para explicar a


origem da propriedade. Uns admitem o direito de propriedade baseado
unicamente na lei natural. Os outros a consideram como uma necessidade
social e a fazem derivar da lei positiva.

O legislador hindu, a quem apresentamos o mesmo problema, o resolve dessa


maneira.

"Quando a ocupação está provada, mas não há nenhuma classe de título, a


compra-venda não pode admitir-se. O título e não a ocupação é essencial para
o apoio da propriedade, tal é a regra estabelecida." (Manú, lib. VIII, sl 200)

Este é o fundamento. A propriedade na Índia deriva pois da lei; e análoga idéia


informa o modo de ser de nossos códigos.

Ocupando-se da maneira de adquirir as coisas que ainda não são de ninguém,


ou daqueles que por sua natureza só tem dono acidentalmente, Manú, declara
que o campo cultivado é de propriedade daquele que tem cortado o bosque
para desmontá-lo e a gazela do primeiro caçador que a tenha ferido
mortalmente.

Estudando logo a natureza dos bens em si mesmos, a lei hindustânica os


divide em móveis e imóveis, distinção que as relações com os que os possuem
se dividem em coisas que não são de ninguém e em coisas comuns, em coisas
de domínio público e de domínio privado. A lei hindu dispõe que só essas
últimas podem ser objeto de comércio e das transações entre particulares.

"Assim é que as divisões dos bens, diz Gibelin, segundo sua natureza, sua
origem, seus possuidores e em uma palavra o direito da propriedade, são na
Europa outras tantas tradições da lei oriental."

As leis hindustânicas são a origem do nosso direito atual assim como do


direito romano, as reservas para a família, a limitação, as doações, os
contratos não só em sua essência, seja também em suas divisões, todos
aqueles princípios, em uma palavra, que nosso direito civil tem reduzido a sua
mais simples e justa expressão, pela fusão das leis romanas e dos costumes
germânicos, é dizer, pela reunião das duas tradições hindus que tem vindo a
povoar o Norte e o Zênite, de um lado pela Rússia, os países escandinavos e a
Germânia, e pelo outro lado pela Pérsia, Egito, Grécia e Roma.

Na Índia toda transmissão de propriedade sob qualquer título, oneroso ou


gratuito, deve estar rodeada das formas próprias da doação, isto é, da entrega
do dinheiro e de água acompanhados de grãos e ervas, tila e cusa.

O dinheiro era entregue pelo vendedor ou doador ao comprador ou


destinatário, para finalmente satisfazer-lhe, se a propriedade não tinha valor
suficiente. A água se lançava, como no matrimônio, em sinal de doação; o
dinheiro e as verbas eram entregues como parte e produto da propriedade em
sinal de tradição.

Não duvidamos que todas as formulas romanas referentes a solenidade dos


contratos e aos costumes dos povos do Norte para a tradição pela água e terra,
pela verba e dinheiro, provêm todas elas da influência do direito hindu.

Seremos ainda mais concisos a respeito de alguns extremos da legislação


hindu que ainda nos falta tratar, apesar de que em rigor já temos dito o
bastante para chegar às conclusões que pretendemos deduzir desta sumária
exposição das origens sânscrita e dos princípios gerais do direito
hindustânico.

Não obstante algumas palavras sobre os contratos, as doações e os


testamentos não sejam talvez mal acolhidas pelo leitor. De fato, as diversas
maneiras de consumar-se as doações, sejam entre vivos, seja por causa da
morte, são de modo mais evidente, se é possível, copiados em seus princípios e
em seus efeitos pelo direito romano e pelas legislações modernas.

Como princípio necessário e indispensável para a validade dos contratos, o


legislador identifica a capacidade dos contratantes.
As mulheres sob a autoridade do marido, as crianças, os escravos e os que
sofrem interdição, são incapazes de contratar.

Incapacidade absoluta para as crianças e os escravos, relativa para a mulher


que pode contratar com a autorização de seu marido e para ele que sofre
interdição que fica submetido a autorização do curador.

Anotemos, de pronto, a coincidência notável com a lei francesa, onde a mulher


hindu, faltando-lhe a autorização marital, pode questionar sua incapacidade
por meio da autoridade judicial.

Ao lado destas incapacidades que podem terminar por meio de uma mudança
de estado, a maior idade do menor, a liberdade do escravo, por exemplo, a lei
estabelece outras que tem por fundamento uma situação particular das
pessoas. Digesto de las leys indias¸ vol. II, p. 193 e Manú: "O contrato
celebrado por um homem embriagado, insensato, imbecil ou outra pessoa
cujas faculdades mentais estão gravemente alteradas, ou por um velho cuja
debilidade se abusa ou de toda outra pessoa sem capacidade, é externamente
nula."

Manú ainda acrescenta:

"O que é dado pela força, possuído pela força é declarado nulo."

Isto não parece um comentário ao código de Napoleão feito a quatro ou cinco


mil anos de distância?

Como nos encontramos muito distantes dos bárbaros costumes dos tempos
primitivos onde tudo se resolvia pela violência e força, quanta admiração não
deve causar-nos um povo que na época em que a fábula bíblica queria
questionar a criação do mundo, já havia chegado a este extraordinário grau de
civilização manifestado por estas leis tão simples e tão práticas.

Que ninguém se engane: o melhor juízo que se pode formular sobre o estado
das nações é que ele se baseia sobre o estado de seu direito escrito.

Não nos estenderemos agora sobre os detalhes dos contratos, que só seriam
compreendidos em seus detalhes e consequência pelas pessoas conhecedoras
do direito; nos bastará manifestar, remetendo às fontes a quem aqueles
estudos podem interessar, que a fiança, a penhor, o aluguel, o arrendamento,
a anticrese e a hipoteca de origem hindu, tem passado sucessivamente ao
direito romano e às nossas leis, iguais, sem mais mudanças que aqueles que
forçosamente aporta às nações o predomínio do direito civil sobre o religioso.

Ainda há mais: se descessemos até os detalhes, encontraríamos que todas as


causas aceitas pela leis romanas e francesas para a extinção das obrigações
haviam sido previstas e aplicadas pelo direito hindustânico.

Assim a inovação, o desconto da dívida, a cessão de bens, a compensação, a


confusão, a perda de objetos específicos, as ações de anulação, de rescisão, de
possessão e de petição são admitidas na Índia e produzem os mesmo efeitos
que entre nós.
A quem corresponde o mérito da propriedade? Segundo minha opinião, é
indiscritível.

Ouça o texto de Smitri-Chandrica instituindo a substituição:

"O credor pode transferir de imediato a seu próprio credor e este tão logo a um
terceiro que o libere, a penhora entregue por seu doador para a seguridade da
divida, com o título que a estabelece mas fazendo menção de todas as
circunstâncias do transferencia que admite e consente."

Outro texto de igual obra, sobre as ofertas e a consignação.

"Se o credor recusa aceitar uma dívida quando o devedor lhe oferece
pagamento, faz-se a consignação do total das dividas, espécies, frutos ou
mercadorias ou ganho em mãos de uma terceira pessoa destinada a este fim, e
os interesses deixaram de correr tão pronto se já verificado a consignação.
Este procedimento se chama libertação.

Vamos ocupar-nos, para dar idéia do admirável trabalho de comparação a que


um jurisconsulto poderia entregar-se e principalmente para demonstrar ainda
de uma maneira mais evidente que as leis romanos e as nossas são cópias do
direito antigo da Índia, comparar, segundo Gibelin, os textos das três
legislações sobre o depósito e ao empréstimo de coisas que se consumem pelo
uso ou seja o comodato.

Texto hindu: Catyayana. "O que se empresta a titulo gratuito não produz
interesse."

Código civil: Art. 187. "O empréstimo das coisas de uso é essencialmente
gratuito."

Direito romano: "Commodata res tunc propie intelligitur, si nulla mercede


accepta vel constituta, restibi utenda data est."

Texto hindu: Catyayana. "Se a coisa perece por vício próprio, o emprestatario,
não é responsável, a menos que haja culpa por sua parte."

Código civil: Art. 1884. "Se a coisa se deteriora somente pelo uso mesmo que
tenha sido pedida em empréstimo, e sem nenhuma culpa por parte do
emprestatario, este não é responsável pela sua deteriorização."

Direito romano: "Quod vero senectute contigir, vel morbo, vel vi latronum
ereptum est, aut quid simile accidir, decindum est nihil eorum esse imputandum
ei que ommadatum accipit, nisi aligua culpa intervenait."

Texto hindu: Catayayana: "Quando uma coisa tem sido emprestada para um
uso determinado ou por um certo tempo e é reclamada antes de cumprir o
prazo ou sem que haja terminado o indicado uso da coisa, o tomador do
empréstimo não pode ser obrigado a restituí-la."

Código civil: Art. 1888. "O emprestador não pode retirar a coisa emprestada
até que tenha terminado o prazo contratado, ou em direito de contrato, até
que tenha servido para o uso para que havia sido devido em empréstimo."
Direito romano: "Adjuvari quippe nos, non decipe beneficio oportet."

Texto hindu: Catayayana: "Mas quando os interesses do proprietário podem


resultar comprometidos por uma necessidade imperiosa da coisa emprestada,
o emprestatário poderá ser compelido a restituí-la antes do tempo estipulado,
este ato é um depósito."

Código civil: Art. 1915. "Depósito em geral é o ato pelo qual se recebe coisas de
outrem, com obrigação de guardá-la e restitui-la."

Direito romano: "Depositum est quod custodiendum alicui datum est."

Texto hindu: Vrihaspati. "O depositário que permite que a coisa depositada se
destrua por sua negligência, quando conserva seus próprios bens com muito
maior cuidado, estará obrigado a pagar seu valor de acordo com os
interesses."

Código civil: Art. 1927. "O depositário deve dedicar à custódia da coisa
depositada os mesmo cuidados que emprega na custódia das coisas de seu
pertence."

Direito romano: "Nec enim salva fide minorem us quam suis rebus diligentiam
prætabit."

Texto hindu: Yajuuawalcya. "O depositário não devolverá o que tem sido
destruído pelo rei, pela Providência ou pelos ladrões. Mas se foi perdido,
quando ocorre do objeto não ter sido restituído depois de tê-lo pedido, deve
devolver o valor do depósito e pagar uma multa legal.

Código civil: Art. 1929. "O depositário não responde em nenhum caso dos
acidentes de força maior, a menos que tenha tido ocasião de devolver o objeto
depositado."

Direito romano: "Si depositum quoque eo die deposisti actum sit periculo ejus,
apud quem depositum fuerit, est si judicii accipiendi tempore potuit, id reddere
reus, nec reddidit."

Texto hindu: Id. "Se o depositário utiliza a coisa sem o consentimento do


proprietário, será castigado e obrigado a pagar o preço da coisa de acordo com
os interesses."

Código civil: Art. 1930. "Não pode utilizar a coisa depositada sem o
consentimento expresso ou tácito do depoente."

Direito romano: "Qui rem depositam, invito domino, sciens prudeusque, in


usus convertit, etiam furti delicto succedit."

Texto hindu: Id. "O que tem sido encerrado em um cofre e entregue em mãos
do depositário sem haver-se declarado o conteúdo, deve ignorá-lo e devolvê-lo
no mesmo estado que lhe foi entregue."
Código civil: Art. "Não deve de modo nenhum procurar conhecer os objetos que
lhe tenham sido depositado, se lhe foram entregues em um cofre fechado ou
lacrado."

A respeito desta questão, Manú assinala:

"No caso em que se trate de um depósito selado, o depositário que queira


evitar responsabilidade deve restituí-lo ao depositante sem alterar o selo."

Código civil: Art. 1932. "O depositário deve devolver a coisa de um modo
idêntico ao que o recebeu."

Texto hindu: Manú. "Se o depósito cai em poder de ladrões ou é atacado por
traças, ou arrastado pela água ou consumido pelo fogo, o depositário não esta
abrigado a restituí-lo, a menos que o deteriorou ou a perda provenha dele."

Código civil: Art. 1933. "O depositário só está obrigado a devolver a coisa
depositada no estado em que se encontra no momento da restituição. As
deteriorações ocorridas por causas naturais, são a cargo do depoente."

Direito romano: "Quod vero senecture contigit, vel morbo, vel vi latronum
ereptum est, nihil eorum esse imputandum, nisi aligua culpa interveniat."

Texto hindu: Vrihaspati. "Qualquer que sejam as vantagem que o depositário


obtenha do objeto depositado, deve restituí-las junto com a coisa."

Código civil: Art. 1936. "Se a coisa depositada tem produzido frutos que tem
sido percebidos pelo depositário, está obrigado a restitui-los."

Direito romano: "Hanc actionem bonæ fidei esse dubitari non oportet. Et ideo,
et fructus in hanc actionem venire, et omnem cuasam, et partam dicendum
est ne nuda res veniat."

Texto hindu: Vrihaspati. "A coisa depositada deve ser restituído ao mesmo que
o depositou."

Código civil: Art. 1837. "O depositário só deve restituir a coisa depositada a
quem a entregou."

Texto hindu: Manú. "O depositário não pode ser objeto de reclamação por
parte de nenhuma pessoa quando restitui ao herdeiro do depoente falecido."

Código civil: Art. 1939. "Em caso de morte natural ou civil da pessoa que
tenha constituído o depósito, a coisa deposita só pode ser entregue ao
herdeiro.

Texto hindu: Manú. "No local em que se constitui o depósito, ali deve ser
restituído."

Código civil: Art. 1943. "Si o contrato não especifica o lugar da restituição, esta
deve verificar-se no mesmo lugar em que se constituiu o depósito."
Texto hindu: Vrihaspati. "Que o depositário guarde o objeto com cuidado e que
o entregue ao primeiro requerimento do depoente."

Código civil: Art. 1943. "O depósito deve ser entregue de pronto ao reclame."

Direito romano: "Est autem apud Julianum... scriptum, eum qui rem
deposuit, stratim posse depositi actionem agere. Hoc enim ipso dolo facere
eum qui suscepit quod reposcent rem non dat."

Texto hindu: Manú. "Aquele que não devolve um depósito depois de tê-lo
recebido, é declarado infame pela lei."

Código civil: Art. 1945. "O depositário infiel não desfruta do beneficio da
cessão."

Há necessidade de se continuar por mais tempo estes estudos e estas


comparações, e pode a luz surgir de modo mais resplandecentes, sobretudo se
se tem em conta os séculos que nos separam daquela época e das
transformações inevitáveis que todas as coisas tem experimentado?

Estas aproximações, estas comparações poderiam fazer-se em todo o direito;


encontraríamos constantemente a legislação hindustânica, racional, filosófica,
completa e digna em todos os pontos dar nascimento ao direito escrito no
mundo.

A compra e venda, as doações, os testamentos, cujos princípios gerais temos


visto, apresentariam em seus detalhes igual filiação lógica, os mesmos pontos
de contato, os mesmos pontos de contato, iguais bases iluminadas pelo mais
estrito bom sentido.

Manancial de todas as leis modernas sobre a propriedade, apenas


descobriríamos algumas insignificantes mudanças derivadas da diversidade de
costumes, de clima, civilização e que demonstram mais e melhor aquela
influência, pois as legislações antigas e modernas se separam das da Índia
somente no que os costumes novos têm imperiosamente exigido outras
disposições.

O legislador Manú, cuja existência é evidente, se remonta a mais de três mil


anos antes da era cristã; os brahmanes atribuem uma origem mais antiga
ainda.

Que ensinamento para nós e que prova quase material em favor da cronologia
oriental, que menos ridícula que a nossa (baseada em fábulas, apoiada nos
tempos heróicos e nas tradições bíblicas, cópias por sua vez de obras mais
antigas) admite para a formação deste mundo uma época em harmonia com a
ciência!

Já não estamos naqueles tempos em que existia o perigo de ir parar na


fogueira por contradizer um texto da Bíblia ou de Aristotéles. Mas é preciso
reconhecer que a Idade Média, durante sua tutela, nos tem legado uma
inumerável quantidade de opiniões e idéias prontas, das quais nos é muito
difícil despojarmos.
Em vão a ciência, com timidez ao princípio, com atrevimento logo, tem-se
convertido na demolidora de todos estes preconceitos, sua marcha é lenta, e
de tal maneira que o homem não pode chegar a esquecer por completo os
contos que tem alegrado seu berço, de maneira idêntica carecem as nações
ocidentais de forças para rechaçar algumas fábulas dos séculos passados,
ainda que, precisa dizê-lo, também se encontram sem forças para corraborá-
las.

Existe certo número de idéias que se discutem livremente ante um reduzido


número de pessoas, as quais nos fariam ruborizar e crê-las fazendo exame de
consciência; pois o homem só, consigo mesmo, exige argumentos sérios para
convencer-se.

Agitá-las e discuti-las em público e vereis gritar a cem vozes: "Honra, justiça!


"Não se pode tocar nisto! Exclamam por toda parte. - E porque? - respeita isto,
respeito aquilo. - Outra vez, porque?" Estamos enamorados das coisas antigas
e nos repugna mudar nossos velhos vestidos.

Se se aceita a afirmação, por exemplo, de que a cronologia que faz remontar a


criação do mundo a seis mil anos atrás, se torna um absurdo sem sentido.
Que tempestade não se desencadeiam em certos campos! Por pouco
ameaçados com um faca, torna-se necessário apresentar argumentos
matemáticos, quando eles se crêem no direito de só opor fábulas e textos
sagrados!

Desprendamo-nos de todo este impedimento de tímidas crenças e então nos


tornaremos dirigentes que não exige de si mesmo, povos ocidentais, os últimos
aparecidos, querer determinar orgulhosamente a origem do mundo com ajuda
de nossas lembranças que datam de muito tempo, e destruir com um só risco
de uma pena a civilização e a história dos povos orientais que nos tem
precedido em alguns milhares de anos sobre a terra. Mais lógicos que nós,
estes povos, que poderiam contentar-se com sua antiguidade, se consideram
eles mesmos saídos de outros povos que lhes tem precedido e que uma série
de cataclismas semelhantes a aquele, do qual todas as nações atuais guardam
a lembrança, os tenham feito desaparecer do globo.

Seja o que for, é preciso admitir, em presença destas leis admiráveis


organizando a sociedade, a família, a propriedade, revelando, seja dito em uma
palavra, a mais avançada civilização, que este progresso, nem mais nem
menos que nós, a Índia não o tem podido realizar em um dia, e que tem sido
mister para esse século.

Foi preciso passar, como todas as nações primitivas, antes de chegar a um


sistema de leis escritas, codificadas, por um direito consuetudinário,
transmitido pela tradição, reunindo-se pouco a pouco em coleções de
sentenças ditadas pelos doutos e os juizes, até o momento em que a divisão
dos costumes e a diversidade das sentenças os haviam obrigado, igual aos
romanos, e como a nós mesmos nos sucedeu unificar a legislação, a criar a lei.

Alguns séculos tem conduzido às nações antigas e modernas a este estado,


graças as luzes asiáticas, que tem vindo a dirigí-las e a abreviar sua época de
gestação. Mas quão distante não deverá ser para os orientais, ainda
admitindo, segundo sua opinião, que eles, igual a nós, tem tido predecessores
cujas pegadas tem seguido!

Sobre aquele terreno esplêndido, sob aquele sol de fogo, em meio de uma
vegetação sem igual, procurando para o corpo todas as satisfações e à alma
todos os sonhos, o progresso só tem podido mover-se lentamente, até nos
tempos primitivos em que seus habitantes eram jovens e cheios de força.
Assim é que pode assegurar-se que nossos séculos do Norte, de marcha febril
e ativa não devem representar entre eles muitos milhares de anos.

A medida que me adianto nestes estudos comparativos, não posso livrar-me de


uma admiração profunda e misteriosa e mais se incrusta em meu ânimo a
crença de que todos os povos procedem uns dos outros tão fatal e
necessariamente como os filhos procedem de seus pais, como os anéis
inferiores de uma cadeia derivam dos anéis superiores e que ainda esteja
algumas vezes interrompida esta filiação, isto é, estes laços que os unem, é
fácil enlaçar uns aos outros com ajuda de investigações conscientes e livres de
preconceitos.

Certo é que não há nisto nenhuma idéia nova que queira reivindicar o mérito
como meu. Interrogue a história, e seus resultados modernos os dirão que ela
tem descoberto sua origem e que se esforça em investigar as provas que
podem relacionar-se com ela; registre os escritos de todos os grandes
orientalistas, e principalmente os de Humboldt, este colosso da ciência, e
vereis que sua preocupação constante tem sido o de afirmar as nossas origens
sua verdadeira antiguidade e de lutar contra os tristes legados da Idade Média,
que escravizando o pensamento, tem retardado por muito tempo a marcha das
inteligências até uma ciência do passado mais racional e mais livre.

Sem duvida todos os grandes espíritos de nossa época estão persuadidos


destas verdades, mas é necessário condensa-las, fazê-las sensíveis para todos,
fazê-las acessíveis às massas, pois só então e quando saem do domínio dos
privilégios é quando germinam e produzem frutos.

Algumas palavras sobre a filosofia hindu, e terei terminado com os princípios


gerais sobre o idioma, a legislação e a filosofia que creio deviam ser tratados
antes de entrar em uma série de provas mais especiais que seguirão por
último aos estudos sobre as origens religiosas da Bíblia e do inovador
cristianismo.

A filosofia hindu, o mesmo que sua religião, se apoia nos Vedas ou Escrituras
Santa. Desde o aspecto da autenticidade, os Vedas tem prioridade sem dúvida
alguma sobre as obras mais antigas, estes livros sagrados, que segundo os
brahmanes, contém a palavra de Deus revelada a suas criaturas, desfrutavam
de honra na Índia muito antes que a Pérsia, a Ásia Menor, o Egito e a Europa
fossem colonizadas e habitadas.

"Não é possível, afirma o célebre indianista Guillermo Jones, recusar aos


Vedas a honra da mais remota antiguidade. Mas em que época foram
compostos? Quem é seu autor? Por mais que retrocedamos aos tempos mais
antigos e interroguemos os anais antigos do gênero humano, nos é impossível
resolver estas questões, nada nos dizem a respeito nesse particular.
Alguns autores fazem remontar sua composição aos primeiros períodos depois
do cataclisma; mas segundo os brahmanes são anteriores à criação; tem sido,
segundo afirma Sama Veda, formados da alma daquele que existe por si
mesmo, e é Brahma quem os tem revelado aos homens.

Os Vedas são em número de quatro: o Ritch-Veda, o Sama-Veda, o Yadjon-


Veda e o Atharva-Veda. Só alguns fragmentos destes livros tem sido
traduzidos e entregues ao conhecimento dos sábios; antes escasso, uma
tradução inglesa, devida aos cuidados da Sociedade Asiática de Calcutá,
permitirá lê-los e estudá-los em seu conjunto.

Se, como já tinha indicado antes, os Vedas são o único lugar em que brilha a
chama do gênio brahmânico, se a filosofia da Índia teve sua origem no
santuário dos templos, como mais tarde na Grécia, é preciso sair dos mistérios
que reconheciam análoga origem. Não tardaria em mostrar-se independente e
chegado a seu desembaraço, se espera da autoridade da Santa Escritura e do
dogma religioso para avançar apoiada somente no livre exame e na razão.

Também se divide a filosofia hindu em sistema ortodoxo e em sistema


heterodoxo.

Entre os mais célebres autores da filosofia ortodoxa, ou melhor dito da teologia


brahmânica, figuram na primeira linha Djeminy e Richana Divipayana-Uyasa,
este último comumente conhecido com o nome de Veda-Uyasa porque dizem
que reuniu as folhas soltas dos quatro Vedas.

Djeminy pertencia a seita dos Saniassys ou mendigos, levava o bastão e a


bacia e as roupas amarelas. Uyasa, parece que se dedicou um pouco mais às
coisas terrenas e gozou na Índia fama de poeta pelo menos igual a que teve
como filósofo. William Jones fala dele com veneração.

As obras destes dois autores que tem sustentado a filosofia escolástica da


Índia, são conhecidas, a de Djeminy sob o nome de Pouroa-Mimansa e a da
Vyasa sob o nome de Onttara-Mimansa ou Vedanta.

Não só tem tido por objeto comentar os Vedas e determinar-lhe o sentido,


como também Djeminy estuda o aspecto casuístico; e o trabalho de Vyasa
contém uma dialética do gênero de Aristóteles, com uma psicologia na qual o
autor faz chegar o asceticismo e o idealismo até o ponto de negar a existência
de um mundo material.

É em sua totalidade o sistema de Pirrón; sem dúvida este filósofo grego que
havia viajado pela Índia, havia tirado de suas relações com os brahmanes o
princípio de que a exceção de Deus mesmo, todo o demais é ilusão.

O Pourva-Mimansa oferece ademais uma grande afinidade com o dogma


misterioso do filósofo de Samos, que Platão havia adotado em parte.

Segundo Djeminy, tudo é harmonia no universo, tudo é um concerto perpétuo;


o mesmo Deus é um sonho harmonioso, e todos os seres por ele criados, não
são mais que modificações do primitivo sonho.
Deste sistema de sonhos deriva naturalmente o dos números, aos quais
atribui o Mimansa um poder misterioso. Os números um e três são o símbolo
da Trindade na unidade, o signo dos três atributos da divindade: criação,
conservação e transformação pela destruição.

Em igual sentido o sacerdote de Menfis, no Egito, explicando ao iniciado o


número três, dizia que a morada primeira tinha criado a Dyada , a qual tinha
engendrado a Triada e que esta é a que brilha na natureza inteira.

O número dois significa a natureza andrógina, o agente e o paciente, a


potência geradora base de todas as lendas sagradas, fontes de onde os
mitógrafos tinham sacado esta imensa variedade de fábulas, ritos e símbolos.

"Quando o soberano poder divino, diz Manú, teve concluida a obra da criação
foi absorvida no espírito de Deus e assim sucedeu a uma época de energia
uma outra de repouso."

Mais adiante e com maior atenção nos ocuparemos desta idéia da Trindade e
indicaremos de onde todas as religiões sem distinção a retiraram.

Os autores dos dois Mimansa tem igualmente discorrido sobre as questões


mais abstratas, a eficácia das obras, Karma. A Graça, Isvara-parasada; a Fé,
Sradha e o Livre exame, suscitou muito antes que Abailard e Guillermo de
Champeaux, a questão dos nominais e dos universais.

Esta foi na Índia a época da fé ardente, época em que toda ciência, toda
filosofia, toda moral se fazia derivar de um texto da Escritura Santa. Já se
compreende que voltaremos a tratar esse assunto, por ocasião dos estudos
religiosos, sobre todas as questões tratadas por Djeminy e Veda-Vyasa e que
dividiram depois deles os filósofos cristãos.

Os Sastras e o Maha-Barata, que professam iguais doutrinas, se perdem na


noite dos tempos. Se é necessário apoiar-se na cronologia dos brahmanes,
segundo os cálculos do sábio orientalista Halled, devem ter o primeiro mais de
sete milhões e o segundo mais de quatro milhões de anos de antiguidade,
cronologia que choca de frente com todas nossas idéias européias sobre esta
matéria.

Semelhantes coisas excitam com facilidade o riso, sobretudo na França, país


de espírito superficial e também de afirmação.

Nós temos criado um pequeno mundo para nosso uso, cuja idade apenas
chega a seis mil anos e criado em seis dias, e não se querem abandonar estas
idéias; isto responde a tudo e nos dispensa de pensar.

Alguns apoiando-se na ciência, tem pretendido, desde algum tempo, mudar


estes seis dias em seis épocas. A margem é ampla, milhares de anos podem
deslizar-se entre cada época; esta opinião dá a mão ao Oriente.

Mas preste atenção e ouvireis de todas as partes os partidários do passado


lançar raios sobre esta vanguarda escolhida e manchá-la com o lodo hissope
Ah! Cuidado com o ultramontanhismo, se não queremos terminar, como os
hindus, na desmoralização e no embrutecimento.

As Sastras não são as únicas obras que reivindicam uma antiguidade tão
distante. Segundo os filósofos hindus, as leis de Manú foram também
reveladas no Crida-Yonga ou idade primeira. O Sourya-Sidanta se remonta a
vários milhões de anos, e a respeito deste assunto, Halled, o tradutor dos
Sastras, faz notar que nenhum povo possui anais de uma autoridade tão
incontestável como aqueles que nos tem transmitido os antigos brahmanes, e,
em apoio a sua preposição, faz menção de um livro escrito há mais de quatro
mil anos que explica a história do gênero humano remontando-se a vários
milhões de anos atrás.

Esta cronologia não tem nada de exagerada para os hindus, pelo contrário
concorda logicamente com suas crenças, que consideram a matéria existente
na eternidade de Deus.

Que outra nação existe que tenha tido mais idéias, removido mais questões e
discutido maior número de problemas? O desenrolar do pensamento, a
marcha progressiva das ciências, não tem prejudicado em nada as
especulações filosóficas daqueles homens tão afastados de nós.

Legislação, moral, metafísica, psicologia, tudo têm estudado e aprofundado.

Quando se estudam os monumentos de sua literatura, quando se abrem estes


vastos depósitos filosóficos em que resplandecem por todas as partes as luzes
primordiais que tão alto falam em favor de uma civilização tão elevada, nos
sentimos comovidos ante esta majestosa imagem da divindade, que o poeta, o
historiador, o legislador e o filósofo sem cessar colocam sob os olhos do
homem, invocando sua crença na providência imediata.

Só depois de haver elevado seu espírito até Deus, só depois de haver-lhe


tributado a veemência de seu coração agradecido é quando entram na
matéria. As doutrinas, as teorias, as noções sublimes destes sábios nos
produzem profunda admiração pelas crenças e pela fé que elas resplandecem.

"O Ganges que corre, diz Sama-Veda, é Deus; o mar que ameaça é ele; o vento
que sopra é ele; a tempestade que estala é ele. De igual maneira que em toda a
eternidade o mundo esteve no espirito e Brahma, também tudo o que existe
hoje é sua imagem."

Manú, antes de convidar Brighon para que revele a seus discípulos, os Maha-
Richis, suas imortais leis, começa por explicar-lhes os atributos da divindade e
os mistérios da criação. De igual maneira o autor de Maha-Barata, revela um
majestoso linguajar, pela boca do divino filho de Ardjouna, todas as sublimes
idéias do deísmo hindu. E os Sastras, dos quais já temos feito menção,
conduzem o leitor ao conhecimento da inteligência suprema, que tudo tem
criado e ordenado com liberdade e poder infinitos.

Mas, depois destas primeiras idades de fé ardente, de crenças indiscutíveis, de


imediato ascende o culto da razão pura, que sem desejar a antiga revelação,
não quiz admiti-la sem submetê-la ao livre exame.
Desta liberdade nasceram ferozmente os mais diversos sistemas, e ao lado dos
espiritualistas, apareceram os ascéticos, cujas teorias foram renovadas na
antiguidade pelos pirronianos, e em nossos dias pelos discípulos de Montaigne
e de Kant, sem que a esses últimos lhes corresponda a glória de haver
acrescentado um só argumento.

A filosofia Sankya, que tem por fundador Kapila, desconhece formalmente a


criação divina; sustenta que não há provas da existência de uma causa
espiritual que tenha dado nascimento ao universo; que por outra parte não
esta demonstrada nem pelos sentidos, nem pelo raciocínio, isto é, nem por
percepção nem por indução, dois dos três critérios pelos quais se alcança o
conhecimento das coisas. Pois a natureza da causa e do efeito sendo a mesma,
resulta que o que não existe não pode por nenhuma operação possível de uma
causa, receber a existência.

Argumento análogo ao empregado por Leucippe, Lucrecio, etc., que Deus para
criar devia tirar o mundo do nada, e que não é possível tirar nada do nada.

Entretanto, Kapila reconhece uma força plástica inerente à natureza, um ser


procedente dela, atributo especial da matéria, e que é o manancial de todas as
inteligências individuais.

Da ação oposta, da qualidade criadora e da qualidade destruidora, surge a


força motriz ou o movimento, que está dotado igualmente de três qualidades
distintas.

1 - O movimento plástico;

2 - O movimento de desunião;

3 - O movimento ou força de inércia.

Estas são as sutilezas a que se lança a imaginação oriental daqueles tempos


antigos.

Os filósofos hindustânicos se entretêm no imenso exame destas três


qualidades ou atributos inseparáveis da natureza, que se infiltram
necessariamente em tudo o que existe. Não são puros acidentes da natureza,
diz Gantama em seu tratado de filosofia, mas constitui em sua essência e
formam parte de sua composição.

A primeira é a presença de todo o bom e a ausência de todo o mal.

A última é a ausência de todo o bem e a presença de todo o mal.

A do centro participa das outras duas.

Fixemo-nos em que a doutrina dos Sastras oferece uma analogia admirável


com os sistemas de um grande número de filósofos da antiguidade.
Empédocles admitia como princípio das coisas quatro elementos, mas ao
mesmo tempo reconhecia o princípio da amizade e da discórdia.
Platão dizia que o amor era o mais poderoso dos deuses, o verdadeiro criador,
e que havia nascido do caos.

Os estóicos tinham a crença em uma substância única produtora, segundo


eles, dos quatros elementos, e o filósofo de Stagirira admitia um quinto da
qual fazia derivar a origem da alma.

A força ou o movimento, segundo Sastras, unindo-se com o tempo e a


bondade, formaria a matéria, a pequena substância, o Maha-Bonda, o choque
de impulsões contrárias na matéria produz este elemento sutil, celeste,
luminoso, chamado Agasa, fluído puro, elétrico, espalhado pelo espaço e que
dá a vida.

Assim o amor é a mãe universal, a causa primeira, a suprema geradora do


universo.

Como esposa de Brahma sem construir, irrevelada, habitando segundo a


expressão do Maha-Barata, no lenço negro, é Bavahmy.

Como esposa de Brahma, descendendo da inação a ação, manifestando-se


pela criação, animando a matéria, é Bavahmy.

Como esposa de Vishnu, conservador e preservador, é Latchoumy.

Como esposa de Shiva, Deus que preside a destruição, mas para renovar e
regenerar, é Parvady.

Brahma é considerado pelos Vedas como sacrificando-se pela criação. Não


somente Deus tem se encarnado como sofreu para regenerar-nos e conduzir-
nos à nossa origem divina, também se imolou para dar-nos a existência.

Sublime idéia, que se fala, diz M. de Humbolt, em todos os livros sagrados da


antiguidade.

Daí, segundo a expressão dos antigos livros santos:

"Brahma é as vezes o verdugo e a vítima, de tal sorte que o sacerdote que oficia
todas as manhãs nas cerimônias de Sarvameda, sacrifício universal e simbólico
da criação, ao apresentar sua oferenda a Deus, se identifica com o sacrificador
divino, que é Brahma. Melhor dito, é Brahma, vitima em seu filho Christna, que
tem vindo a morrer na terra para salva-nos, realizando ele mesmo o sacrifício
solene."

Estas últimas linhas oferecem pontos delicados e dignos de comparação... Não


é esta a ocasião de ocupar-nos dele, só tratarei este assunto com muitas
provas no capítulo especial que lhe dedicarei, isto é, com a imparcialidade de
um espírito livre que só busca verdades científicas, sem preocupar-se com os
ódios que poderei despertar.

Quando o regulador dos mundos viu a superfície da terra esmaltada de


encantadores flores, os campos e as pradarias cobertas de vegetação, e a
natureza brilhante em força e juventude espalhar todos seus tesouros pelo
globo, enviou o Espirito Santo, o Verbo, seu primeiro ato, que criou ao homem
e aos animais.

Deus se apresentou, dizem os Sastras, provisto de uma variedade de formas e


de uma multiplicidade de órgãos, imagem clara de sumo poder e da suprema
sabedoria, que nenhum espírito pode apresentar-se, e cuja extensão ninguém
tem podido medir nem sondar sua profundidade.

Dotou o homem de cinco sentidos, o tato, a vista, o olfato, o gosto, o ouvido e


um sexto admitido por todos os filósofos hindus, chamado Mamas, que é o
agente da união dos sexos.

Os sectários de Buda, que foi o reformador, o Lutero de autoridade teocrática


entre os brahmanes, e cujos princípios se difundiram no Norte da Alta Ásia,
na Tartária, na China e até o Japão, não admitiam o sexto sentido, nem o
quinto elemento. É um dos muitos pontos sobre os quais se diferenciam dos
ortodoxos.

A filosofia sankya o define: "um órgão por afinidade, participando das


propriedades dos outros e que serve por sua vez à sensação e à ação."

É sabido que Aristóteles admitia por igual este sexto sentido.

A opinião dos antigos estava dividida a respeito da alma dos animais; os


platônicos lhes concediam razão e entendimento, mas em grau inferior ao
homem; os peripatéricos só lhes reconheciam a sensação.

Os Sastras não só prometem ao homem a imortalidade no céu, mas também


proclamam a imortalidade da alma e a existência de outra vida para os
animais.

Sem dúvida este é o princípio do qual deriva a metempsicosis, que da Índia, de


onde no princípio foi admitida, passou mais tarde ao resto da Ásia e Grécia.

Estas mesmas obras consideram as almas individuais como emanação da


alma suprema do universo, como uma porção da essência divina; vão fundir-
se, atingindo o momento de sua decomposição, no selo de Deus, igual que a
gota de água que a chuva arrasta sobre a areia de volta ao imenso oceano, ou,
para servi-me de bela comparação dos Vedas: são chispas que voltam ao lar
imortal do qual tem descendido.

As almas daqueles cujo coração e mão não tem sido manchadas por nenhum
crime, nenhum pecado, são as únicas que se reúnem e se identificam, uma
vez livres de sua forma corporal, com a divindade, e onde o sentimento
particular se confunde com a beatitude geral, entretanto as almas culpadas,
depois de haver-se expiado suas faltas no inferno, sofrem distintas emigrações
e só entram na natureza espiritual de Brahma depois de haverem sido
purificadas de suas culpas.

A alma que volta a animar em novo corpo, diz o Vedanta, perde sua forma
primitiva, e de igual maneira que a gota de água que atravessa o ar para ir a
dar força e vida às plantas sobre as quais, penetra no embrião animal ao qual
vivifica e anima.
Como se vê, a eternidade da aflição é um dogma que os filósofos hindus não
admitem, e com razão cremos nós; o crime, qualquer que seja, pode e deve ao
tempo, não admitindo as sucessivas emigrações, expiar-se pelo castigo, até
que a alma purificada possa ser julgada digna de uma felicidade sem limites
por sua reunião com o Grande-Todo, na sua universal sabedoria.

Eco fiel das doutrinas do Oriente, Platão sustentava idênticas idéias a respeito
dos futuros destinos da alma, sobre a vida que virá; pensava que era um raio
emanado da suprema inteligência e que ela devia voltar ali, e a faculdade de
absorver-se era considerada, segundo ele, como uma recompensa das boas
ações e não a concedia às almas impuras.

Deste rápido esboço podemos concluir que as reminiscências da filosofia


hindu, que se encontram a cada passo na doutrina professada pelos homens
ilustres da Grécia, são prova evidente que do Oriente lhes havia vindo a
ciência, e que muitos deles sem foram duvida ali para fortificar seu gênio,
apagando sua sede de ciência nos mananciais originais e primitivos.

É por ventura possível que a luz se fará mais completa? Que inteligência, até a
mais parcial, poderia negar a influência que a Índia tem exercido sobre o resto
do mundo e principalmente sobre a antiguidade, por sua língua, sua
legislação e sua filosofia? Seria mister, cremos, ter simplesmente desarmado o
espírito de negação, para atrever-se a sustentar, em presença de semelhantes
pontos de contato, melhor dito de semelhantes cópias, que Grécia e Roma não
devem nada a Índia, e que se tem desenvolvido à civilização que conhecemos
por sua própria iniciativa, suas próprias forças e seu gênio.

Admitimos com facilidade que Roma tenha sido inspirada pela Grécia, Grécia
pela Ásia Menor e Egito; porque sobretudo em presença de provas tão claras
como as que acabamos de apresentar, não seguir igual raciocínio, que
conserva igual força lógica e aceitar e considerar a Índia como a iniciadora dos
povos antigos? Não há nisto paradoxo nem teoria especulativa mais ou menos
engenhosa, mas sim uma verdade que se abre, que todos os grandes
indianistas tem aceito desde muito tempo, e que não será rechaçada, cremos,
mais que pelos homens de certo partido, porque é um argumento demasiado
evidente a favor de idênticas origens das tradições e revelações religiosas em
todos os povos.

Se a Índia é, com efeito, o berço da raça branca, a mãe das diferentes nações
que cobrem a Asia, parte da África e Europa, se como prova desta filiação,
encontramos, por igual na antiguidade que nos tempos modernos, sinais
indestrutíveis que delatam esta origem, que este país nos tem legado com sua
língua, sua legislação, sua literatura, suas ciências morais e filosóficas, não se
convertem em um feito evidente que as tradições religiosas, que se tem
transformado e purificado sob a ação do tempo e os esforços do pensamento
livre, devem ter procedido igualmente dali, pois o que os povos emigrantes e
colonizadores conservam mais preciosamente são as lembranças, como laço
benigno entre a nova pátria e antiga, onde descansam as cinzas dos que não
hão de voltar mais?

CAPITULO II

MANÚ - MANÉS - MINOS - MOISÉS


Um homem dá a Índia leis políticas e religiosas, e se chama Manú.

O legislador egípcio recebe o nome de Manés.

Um cretense se transfere ao Egito para estudar suas instituições com as quais


querem dotar seu pais, e a história conserva sua lembrança com o nome de
Minos.

Por último, o libertador da casta dominada dos hebreus funda uma nova
sociedade, se chama Moisés.

Manú, Moisés, Minos, Moisés, estes quatro nomes regem por inteiro o mundo;
aparecem no berço de quatro povos distintos, vindo a desempenhar o mesmo
papel, rodeados de análoga auréola misteriosa, os quatros povos legisladores e
grandes sacerdotes, os quatro fundando sociedades sacerdotais e teocráticas.

Que hajam procedido uns aos outros, que Manú haja sido seu precursor,
sobre isto não pode haver a menor duvida, em presença da semelhanças dos
nomes e da identidade das instituições que tenham criado.

Em sânscrito, Manú significa o homem por excelência, o legislador.

Manés, Minos, Moisés não derivam da mesma raiz sânscrita? Estas palavras
não revelam uma origem única e indubitável, cujas diferenças, pequenas por
certo, de pronúncia e de escrita, podemos atribuir às línguas egípcia, grega e
hebréia, que os três apoderam-se destes nomes primitivo de Manú? Não
deviam necessariamente escrevê-los com mudanças apropriados a seu gênio e
às suas formas particulares?

Temos aqui, sabendo-o seguir, o filho de Dédalus que deve guiar-nos em


nossas investigações através das civilizações antigas e no imenso campo de
exploração do qual saldaram multidão de provas convenientes a favor da
paternidade da Índia e de sua influência direta sobre as nações dos tempos
antigos.

Por este caminho vamos poder remontar-nos às origens únicas das revelações
e de todas as tradições religiosas.

Quando fazemos demonstrar que Manés o egípcio, Minos o cretense e Moisés o


hebreu só são os continuadores de Manú, já não poderá negar que a
antiguidade não foi mais que uma emanação da Índia, mais fácil será realizar
a tarefa que nos temos imposto, de fazer derivar da alta Ásia as origens da
Bíblia, e de demonstrar que a influência e as lembranças de pátria
continuando-se através das idades, Jesus Cristo veio regenerar o mundo novo,
seguindo o exemplo da Iezeus-Crhistna, que havia regenerado o mundo antigo.

No umbral da cada civilização que se funda, aparecem homens que mais


inteligentes que seus semelhantes, se impõe às massas já com um fim de
dominação ou de progresso; sozinho contra todos, na época em que a força
brutal é a lei suprema, o meio que têm de obter o poder que pretendem
fundar, é buscar o apoio na idéia do Ser Supremo, abandonada pelo Criador
na consciência de todos, e então se rodeiam de uma misteriosas auréola,
ocultam sua origem, se intitulam profetas ou enviados celestes, e para fazer-se
aceitar mais facilmente, acudem às fábulas, aos prodígios, aos sonhos, às
revelações obscuras que somente eles pretendem explicar, o mesmo que todos
os fenômenos físicos, que se convertem em seus mãos em hábeis
manifestações da cólera celeste que podem suscitar ou apaziguar a vontade.

Isto é ver, nos mitos de todas as classes que rodeiam a infância da maioria das
nações e que a história se tem acostumado a anotar piedosamente, sem
acautelar-se que armazenava ridículos preconceitos e os concedia
autenticidade, em lugar de combatê-los energicamente e relegá-los ao domínio
da fantasia e da poesia.

Com este auxílio é como os ambiciosos têm escravizado e dominado aos povos
nos tempos antigos; e ainda hoje em dia com a ajuda destas lembranças
fabulosas pretendem sujeitá-los.

Manú, unindo-se aos brahmanes e aos sacerdotes para originar a primitiva


sociedade dos Vedas, tenha sido o ponto de partida da decadência e ruína de
seu país, e afogá-lo sob o peso de uma teocracia egoísta e corrompida.

Seu sucessor Manés, sujeitando o Egito à dominação dos sacerdotes,


preparava a imobilidade e o esquecimento.

E Moisés, prosseguindo com igual êxito o papel despótico de seus


antecessores, não tem sabido fazer de sua nação, chamada tão pomposamente
o povo de Deus, mais que um rebanho de escravos, muito disciplinado pelo
jugo, e constantemente levado em escravidão pelos povos estrangeiros
vizinhos.

Em Atenas e em Roma, se produziram, é certo, alguns relâmpagos de


liberdade do pensamento, alguns esforços de independência; mas rodeados de
nações embrutecidas e em plena decadência, deviam usufruir a sorte comum,
e sucumbiram porque não tiveram forças para lutar contra a corrupção geral.

Uma nova era apareceu; a idéia religiosa tentou a regeneração pela moral, o
livre exame e a razão. Mas o filósofo cristão se converteu prontamente em um
revolucionário para seus sucessores, que saíram das catacumbas para sentar-
se sobre tronos, e a partir deste momento se dedicaram sem trégua a
substituir esta sublime palavra: "Meu reino não é deste mundo" por esta
outra, que ameniza abrir-se ao passo e fazer caminho: "O mundo inteiro é
nosso reino".

Os tempos brahmânicos, sacerdotes e levitício na Índia, no Egito e na Judéia


não tem nada que opor-se as fogueiras da inquisição, às matanças dos
Vandois e a São Bartolomeu, para a qual Roma cantou um Te-Deum de alegria
em São Pedro.

Henrique da Alemanha, imperador e rei, permanecendo três dias com os pés


na neve, a cabeça inclinada sob a mão estúpida de um sacerdote fanático, não
tem tido igual entre os sectários de Brahma, de Isis ou de Jeová. Atenção,
pois!
O 89 tem vindo dar o sinal da luta entre aqueles que seguindo a lei de Deus,
marcham adiante a conquista do progresso e da liberdade, e aqueles que
pretendem servi-se da lei de Deus para destruir a liberdade e o progresso.

Nada de debilidades de nenhuma classe, olhemos para atrás e pensemos se


queremos acabar como as nações da antiquidade.

Tenhamos aquela fé que agradece a Deus a razão que nos tem dado;
rechacemos a fé que converte a Deus em instrumento para sujeitar a razão.

Isto é o que significa os quatro nomes de Manú, Manés, Minos e Moisés; este
são os ensinamentos que deduzo do passado e que me ensina a história
desprovida da fantasias, prejuízos e superstições, história que devíamos fazer
estudar a nossos filhos, em lugar desta ciência convencional que se pavoneia
nos tempos heróicos e fabulosos, eleva altares aos assassinos da humanidade
e preconiza os sortilégios, as pitonisas, os milagres, Deus, o diabo e a
revelação.

Antes de estudar a influência política e religiosa de Manú sobre a Índia, Egito,


Judéia, Grécia e Roma, não posso resistir ao desejo de assentar as bases de
um processo contra a história, que será preciso cedo ou tarde, falar, se
desejamos regenerá-la, convertê-la conforme a humanidade e as outras
aspirações até o porvir.

Aqui só exponho idéias gerais.

Os qualificará de loucura caso queira.

Os admitirá quem pense falar algumas verdades.

CAPITULO III

O QUE SIGNIFICA AS LIÇÕES DA HISTÓRIA

A história, tal como a conhecemos, da maneira que se ensina a aqueles que se


quer fazer homens, não é uma ciência, é um vulgar engano, um instrumento
da qual se servem as paixões de uns e de outros para aumentar ou diminuir
as coisas, negar ou atenuar os feitos, prontos tanto a elevar o escudo como
arrastar pelo lodo certos homens, criar influências fictícias, rechaçar outras
sérias e verdadeiras, a favor dos tempos, dos partidos e das ambições
triunfantes ou vencidas.

Não posso ouvir sem indignação falar da grande voz da história, do juízo da
história, da imparcialidade da história etc. E quando examino de perto esta
grande voz, esse juízo, esta imparcialidade, todas estas palavras sonoras,
enfim, com as quais se satisfaz a admiração da multidão, e que os hábeis
exploram audazmente em proveito próprio.
A história, julgando desde o alto e com imparcialidade, está ainda por nascer;
por agora não é mais que uma alcova complacente e servil de todas as causas
e de todas as opiniões.

Harmodius e Aristogiton assassinam Hiparco em nome da liberdade dizem


uns; porque o príncipe havia seduzido a sua irmã dizem outros e a história os
concede glória..

Bruto apunhala seu benfeitor, e a história não tem bastantes palavras para
louvar o virtuoso cidadão.

Volto algumas folhas do livro, deixo transcorrer alguns séculos, e Jaime


Clemente, Ravaillac e Louvel são pela mesma história assinalados com ferro
rubro com o selo da ignorância e da reprovação.

Que significa esta indigna comédia? Por que estes ramos de laurel e louvor
para uns e esta santa indignação para os outros? Por que não tens o valor, tu
a quem se chama a mestra dos povos e dos reis, de fustigar aos assassinos de
todas as épocas, e de rechaçar como meio de traição, o punhal e o veneno?

É em vão que buscas teus princípios, não pode achá-los.

Será que o famoso princípio de que o fim justifica o meio, procede de ti?

Tentado estaria em crê-lo, vendo-te sem pudor de classe alguma já admirando


ou elogiando o mesmo feito como considerando-o indigno e depreciavel para as
idades futuras.

Quem te paga esta obra tenebrosa de baixeza é imoral? É isto tudo o que
podes e deves ensinarmos?

Um louco revoluciona a Ásia; durante quinze anos arrasta como séquito os


depojos de vinte povos vencidos e dizimados; deixa profundas pegadas de sua
passagem sobre a terra pelo ferro, o fogo e a devastação, e tu em presença de
tantas ruínas e de tantas misérias, só tem cantos de triunfo por este nome
maldito, que se converte, graças a tuas estúpidas adulações de Alexandre
Magno.

Ah!, Entretanto teu herói não é completo; achas uma sombra no quadro:
Alexandre se embriagava e matava Clito. E, esquecendo os milhares de
homens a quem este louco cavou a tumba, te dignas dar-lhe uma pequena
lição de moral, demonstrando em distintas ocasiões, que se houvera sido mais
sóbrio não havia morto seu amigo.

Depois, sempre com a mesma lógica, Atila, Tamerlan, Gengis-Khan, são


considerados por ti, imparcial história, como azotos devastadores e monstros
sedentos de sangue.

Por que? Porque ao fim são vencidos junto com suas hordas indisciplinadas
que não tinham tentado fundar nada.

Aplaudir aos audazes afortunados, injuriar aos audazes que fracassam, elevar
sobre o pináculo da glória aos destrutores de nações e esquecendo as vítimas,
considerar com conquistadores ao triunfaram e como aventureiros aos que
sucumbem, esta é tua missão. -Vamos, pois! não nos fale de tua
imparcialidade, de tua grandeza, aduladora das sortes propícias, vil escrava do
firme êxito!

César, que destruiu, não é para ti maior que Verningetorix que defendeu a sua
pátria, e tem sabido acaso sujeitar teus juízos à eterna lei moral que aprecia o
feito pelo mesmo, rachaça o crime porque é crime e não incorrerá jamais na
debilidade de desculpá-lo, pela intenção e o fim que se propõe?

Que tem feito com esta grande idéia da divindade? Quando não a negas por
completo, a mescla tão intimamente com as covardias e debilidades da espécie
humana, que em verdade não se sabe se é preferível que não te ocupes dela.

Sabes por que a humanidade luta tão penosamente desde séculos para
alcançar o bem e a fraternidade universal que deve constituir a única ambição
do porvir? É que tu, anciã narradora de espírito débil, não tem tido o valor de
separar a nossa origem de todas as fábulas, e de todas as superstições que a
rodeiam; e que o homem que formas está obrigado a empregar as energias de
sua idade madura em estirpar, antes de poder marcar até adiante, todos os
erros que teu ensinamento o tenha legado.

Do mesmo modo que a ciência tem empregado séculos e séculos para fazer
mover a terra, porque o plugo a um iluminado fazer parar o sol; de mesmo
modo, com a lenha acesa, os mistérios de Isis ou de Eleusis, as revelações nas
cumes das montanhas rodeadas de raios e tronos, os sortilégios e as milagres
que tenha recolhido sem atrever-te a mudar, a razão moderna não pode
avançar com plena independência, sujeita como está, às vezes, por todas estas
ilusões do passado que tem partidários enraizados e que não se podem vencer
em um dia.

A história que merecerá o nome de tal, será aquela, que baseada na justiça
eterna, a moral eterna e a eterna verdade, rechaçando toda composição, toda
transação de consciência, julgará com igual severidade, pesará em idêntica
balança, julgará com igual severidade, os atos do débil e do forte, as faltas dos
povos e dos reis, os crimes dos aventureiros e dos conquistadores.

Até o presente, a moral da história não se tem elevado por cima deste.

Cartucho não tendo chegado a reunir mais que uma quadrilha de trezentos
homens, é um ladrão.

Alexandre ter podido reunir e arrastar atrás de si mais de cem mil pillos* ; é
um grande gênio.

O contestável de Borbón tem levantado a bandeira da revolução contra seu rei;


não tendo obtido êxito, é um traidor.

César ter pisoteado as leis de seu país; ter triunfado; é um grande homem.

Que perversão tem de produzir na inteligência semelhantes estudos!


Nós, os que sonhamos em um porvir de concordância, de trabalho, de paz e de
liberdade, induzir a nossos filhos o ódio a este passado corrompido,
separamos deles a prostituta da história que só tem sabido humilhar-se ante a
força brutal, os traidores favorecidos pela sorte e os destruidores de nações.
Ensinemo-lhes que aqueles que lançam uns povos contra outros, como fizeras
no cio ou com gladiadores pagos, são seres malditos, escória da humanidade a
quem é preciso assinalar com a nota da infâmia.

Esperamos fazer-lhes distinguir entre os heróis defensores do solo pátrio, do


lar doméstico, daqueles vulgares ambiciosos que convertem em trono um
campo de matança... Ensinemo-lhes que não existe um Deus dos exércitos, e
que os cantos triunfantes de um Te-Deum e de Hasannah, quando vinte ou
tinta mil homens tem sido degolados na véspera, só são manifestações
bárbares e ímpias, e que o Ser Supremo, cuja bondade iguala a seu poder,
deve voltar a cabeça para não ouvi-los.

Depois, destruamos por sua base todos os seus mitos, a todos os mistérios, a
todos os milagres que não tem explicação física, meios de dominação
inventados na infância dos povos e que se tem muito cuidado em não renovar
na época de maturidade; separemos-nos de todas as intolerância religiosas
que convertem ao divino e ao revelado em instrumentos do poder, para seguir
só as luzes da consciência e da razão.

Desta maneira teremos aprofundado o verdadeiro risco do porvir, arremessar a


semente e preparar a colheita..

Que se sepa, o momento é solene... É necessário romper sem vacilações, sem


olhar para trás, com um passado que até o presente, não tem sido poderoso
mais que para a destruição, se não queremos das às gerações futuras mais
um exemplo de civilizações caídas pela corrupção e a teocracia.

CAPÍTULO 4

LIGA DE MANU E DOS SACERDOTES PARA CONFISCAR EM SEU PROVEITO


A SOCIEDADE PRIMITIVA DOS VEDAS. CRIAÇÃO DAS CASTAS.

Divide et impera.

Os vedas criaram por meio da revelação religiosa uma época de fé ardente,


ainda que o livre arbítrio e a razão estiveram em prestígio nos primeiros povos
da India, devia preparar o terreno para a obra da dominação brahmanica ou,
dito em outros termos, dos sacerdotes; dominação que se estabeleceu naquela
antiga região a continuação da vinda de Cristna, que veio cumprir a palavra de
Deus e resgatar a humanidade das faltas cometidas por seus antecessores.

Verdade é que se existiu no mundo uma sociedade, uma civilização


energeticamente constituida, destinada a desafiar os séculos e a sobreviver a
invasões de diversas classes, foi a sociedade brahmanica, viva ainda hoje em
dia apesar da perda do seu antigo prestígio e de sua potência política.
Como havia sabido fazer aptos aos homemes para a obediência e ao respeito,
não permitindo que seu livre arbítrio realizar nenhum ato de vida pública ou
privada., regulamentando até o direito de comer ou de vestir, havia suprimido
para sempre estes dois adversários tão majestosos para todo poder despótico,
como são a vontade e a liberdade.

De onde procedem estes brahmanes que falavam as mais charmosas e


perfeccionada lingua que existia no mundo , que tão aprofundado e registrado
em todos os sentidos o problema da vida, e não tenham deixado nada para
inovar aos investigadores da antiguidade e dos tempos modernos no domínio
das ciências morais, filosóficas e literárias? De onde procedem estes homens
que depois de haver estudado tudo e haver duvidado de tudo, que derrubaram
todo o existente e o reconstruirom, chgaram em última análise a relacionar-se
com Deus com a fé mais apurada, consequentes com seus principios ao
levantar uma sociedade teocrárica que não tem tido igual, e , depois de mais
de cinco mil anos, resiste a toda invocação, todo progresso, orgulhaosa de
suas instiutuicõe, de suas crencas e de seu imobilidade?

Vamos ver qual foi a origem de todas as socieddes antiguas que a copiaram
mais ou menos servilmente ou, melhor dizendo, que conservaram a tradiçao
levada aos cantos do globo pelas sucessivas emigrações.

Segundo uns, os bramanes foram invasores guerreiros que sujeitaram a India


sob suas leis; segundo outros, os brahmanes foram os descendentes , os
sucessores do inovador Christna, que utilizaram as grandes lembranças
deixados por este último ao povo para confiscar em seu proveito a tradição
religiosa e fechar as bases de seu poder. A segunda destas duas opiniões
parece ser a mais verdadeira e mais conforme com a lógica dos fatos.

Se, de fato, a domincação brahmânica houvera sido o resultado de uma


invasão brutal, o novo poder que foi fundado sem depreciar completamente a
influência religiosa, havia sido sem duvida, mais feudal e ao menos os chefes
das tribus invasoras, ao fazer-se reis, não haviam jamais consentido em
relegar-se a um segundo plano e ser somente os vasalos e os servidores de
seus sacerdotes.

Este poder sacerdotal tem havido e podido se estabelecer a merce do poderio


habilmente explorado da ideia religiosa sobre as conciências; sem isto não
haveria sido aceito nem pelos chefes nem pelo povo que não deviam obter
nenhuma vantagem pela sua escravitude.

Os brahmanes compreenderam a necessidade de atribuir uma origem diniva a


sociedade que haviam conseguido dominar; também, conservando para eles a
tradição da Escritura Santa sobre o Genesis e a criação do homem, fizeram
desempenhar um papel conveniente à Brahma o que devia assegur-lhes para
sempre sua superioridade.

Tiveram imitadores constantes e depois deles pode dezir-se, com a história dos
povos na mão, que Deus se converteu em instrumento dócil do sacerdote.

Segundo eles:

Da boca de Brahma saiu o Brahmane, de fato o sacerdote.


De seu braço saiu Tchatrias ou o Rei;

De seus musculos saiu Vaysias ou o comerciante ou o labrador;

Seu pé, por último, produziu o Sudra, de fato, o artesão, o criado, o escravo de
outras castas.

Aos brahmanes lhes foi reservada o ensinamento dos Vedas ou Escritura


Santa, a celebração dos sacrifícios e a vigilância dos Reis.

Tchatrías tem por dever o governo, seguindo a lei de Deus, com o apoio dos
sacerdotes e proteger o povo.

Vaysias foi obrigado a cultivar a terra, cuidar do gado, tecer telas, fabricar
todosos objetos necessarios à vida, comercio e pagar os impostos.

Enquanto Sudras, criado por último, teve que resignar-se , segundo temos
dito, à obdiência e a escravidão.

Cada homem, e isto foi regra inflexivel, não pode nem por serviços prestados,
nem por atos brihantes, nem por nenhum outro motivo sair da casta em que
tenha nascido, e desde então não restando-lhe nenhuma ambição, nenhuma
esperança de uma situação melhor lhe era oferecida como estímulo à sua
energia; o hindu, cujos passos e cujos movimentos desde o nascimento à
morte, eram contados, regulamentos por costumes e leis, se entregou àquela
vida de sonhos, supertições religiosoas, de fanatismo e de materialismo que é
o que o guia, ainda hoje em dia, e que é o que lhe faz rechaçar toda mudança
como um mal, todo progresso com um delito.

Certo é que os brahmanes puseram a nação em condições de fácil governo,


incapaz de sacuridr o jogo e até sem forças para queixar-se; obtiveram durante
longo tempo honrarias, afeições , riquezas e respeito. Mas desde o dia em que
também os povos do Norte viram com inveja os esplendores e as riquezas da
India, desde o dia em que a invasão mongólica lonçou contra eles suas velozes
hordas, em vão tentaram defender-se, todos seus esforços resultaram
impotentes para fazer frente para a luta a este povo do qual haviam feito um
rebanho de escravos e que haviam atrofiado para poder dominá-lo. Só os
Tchatrias se fizeram matar, mas sem poder retardar a hora fatal da comum
caída. E os brahmanes, ao tempo que imploravam em seus pagodes a um
Deus impotente para salvá-los, vieram descre-se o prestígio de seu nome e de
seu poder político graças as mesmas precauções por eles para conservá-los.

Depois a India tinha sido a terra clássica das invasões , e seus povos se
tinham submetido sempre sem murmurar ao novo jugo a que lhes sujeitava, e
quiças até contemplavam com certa satisfaçao a queda das elevadas castas
que por tão longo tempo os haviam dominado.

Entre os escritores antigos, remontando-se a civilização dos Vedas, havia


Munú, o sublime e sagrado legsilador. Os povos haviam conservado sua
lembrança; haviam inscrito a cabeça de suas leis religiosas e políticas a
responsabilidade dos atos, a igualdade do homem, o livre arbítrio e a
liberdade; era perigoso conserva-los desta maneira, assim é que os brahmanes
fizeram primeiro foi falsificar esta obra reduzindo-a e adaptando-a a suas
novas doutrinas, dando o capcioso pretexto à aqueles que haviam podido
notar a alteração, de que o livro original esta destinado a ser estudado pelos
sábios e os hérois.

Lemos em um tratado de legislação de Narada, prefácio escrito por um de seus


adeptos, complacente com o poder brahmânico: "Manú havendo escrtio as leis
de Brahma em cem mil ‘slocas ou disticos’ que abarcaram oitenta livroa e mil
capítulos, entregou a obra a Narada, o prudente entre os prutendes, que o
compêndiou para o uso do gênero humano em doze mil versos, que entregou a
um filho de Bhrigou chamado Soumati, quem para maior facilidade dos
homens, os reduziu a quantro mil. Os martais só lêem o segundo compêndio
fieto por Soumati, entrementes os deuses do ciclo inferior e os músicos
celestes estudam o código primitivo."

Não há dúvida, alude William Jones, que as leis de Manú tais com as
conhecemos e que não contem mais que dois mil seiscentos e oitenta slocas,
não podem ser a obra atribuída à Soumati, que provalvemente é a que se
designa com o nome de Vridda-Manava ou antigo Código de Manú, e que não
tenha podido ser reconstituir-se por inteiro., ainda que numerosas passagem
deste livro tenham sido conservados pela tradição e citados com frequência
pelos comentadores.

Assim é como os brahmanes resumiram a Manú e o converteram em apoio a


suas novas doutrinas. O que lhes interessava em grande maneira era que as
castas nõa poderiam salvar a linha de demarcação trazida por eles, para forma
um povo que houvera podido reclamar sua indenpência. Para este fim não
somente proibiram o matrimônio entre castas distintas, mas também
associações, e reuniões de qualquer classe que fossem.

Não se pode rezar, comer ou divertir-se mais que com as gente de sua própria
condição, sob pena de degradação.

Manava-Dharma-Sastra, livro X, slocas 96 e 97: "Que o homem de baixo


nascimento que vive dedicando-se a ocupações próprias das classe superiores,
seja ao instante privado pelo rei de todo o que possui."

É preferível desempanhar as funções próprias de maneira defeituosa que


desempenhar perfietamentes as de outro, pois o que vive comprindo os
deveres de outras casta perde no ato a sua".

Esta proibição alcançava com igual riogr aos brahmanes e aos reis assim
como os da baixa realeza. Se concebe que ainda era mais urgente a
necessidade de que o mal exemplo não viria de cima.

Manava-Dharma-Sastra, livro X, slocas 91 e seguintes:

"Se o brahmane se converteu em comerciante de grãos em lugar de destiná-los


a sua alimentação e a oblações, que convertam ele e seus descendente no
corpo de um vermeimundo rodeado de excrementos de galo.

"Se vende sal, carne ou laca, incorre em degradação; se vende leite, entra
imediatamente a formar parte da casta dos sudras."
"Se vende outras mercadorias nemos degradantes, o sétimo dia passa a ser
Veysias."

"O brahmane antes deverá mendigar que entregar-se ao mais ligeiro trabalho
manual e baixar ao nível do artesão."

Da mesma obra, sloca 102 e seguintes:

"O brahmane que cai em miséria, deve admitir e receber de quem quer que
seja; pois segundo a lei não pode acontecer que a pureza perfieta seja
manchada.

"Ensinando a Santa Escritura, dirigindo os sacrifícios, recebendo presente nos


casos proibidos, os brahmanes não cometem nenhuma falta; ainda que sejam
desgraçados, são tão puros como a água e o fogo.

"Aquele que achando-se em perigo de morrer de fome, recebe alimento de


quem quer que seja, não ficará manchado pelo pecado como o sútil éter não se
mancha de barro."

"Adjigarta, esfomeado, esteve a ponto de fazer perecer a seu filho Saunahsepa;


entretanto, não foi culpado de nenhum crime, pois buscaba um alívio contra a
fome."

O comentador Collouca Batta, disse que Adjigarta atou a seu filho a um poste
para oferece-lo em holocasto ao Senhor, mas este, satisfeito de sua obediência
deteve seu braço. Voltaremos a nos ocupar desta lenda que achará seu lugar
nas origens bíblicas."

Vamadeva, que sabia distinguir perfeitamente o bem do mal, não se


convverteu em impuro por fazer desejado no momento em que falava
espremido pela fome, comer carne de animais imundos.

"O severo penitente Bharadwdja, atormentado pela fome, e achando-se só em


uma selva deserta com seu filhi, aceitou várias vacas do humilde artesão
Vridhon.

Viwamitra, que foi um personagem santo, falecendo de necessidade se decidiu


a comer a coxa de um galo que havia recebido de um coveiro."

Pode ver-se, depois destas passagens citadas, se a proibiçao de todo trabalho,


que lhes havia feito perder seu prestígio ante os olhos da multidão, foi
severamente formulada pelos brahmanes.

O mesmo aconteceu para os reis e as demais castas; nada foi tão igualmente
igualado a um crime como a tentativa de mudar de situação, castigada neste
mundo com a degradação e a infâmia, e em outro pela emigraçao das almas
manchadas com este delito aos corpos dos animais mais imundos.

A partir deste momento, a brilhante civilização da India se estaciona, a


ignorância se opedera das massas, que esquecendo-se de seus sentidos, se
entregam à mais desavergonhada corrupção, favorecida pelos sacerdotes, que
redunda em benefício de sua influência.
E somente os Brahmanes guardaram as antigas tradições filosóficas, religiosas
e morais que se converteram em matéria privilegiada de estudos para esta
casta e um meio para manter aos reis sob seu domínio por ele duplo prestígio
de respeito religioso e da ciência.

Ao culto religioso, simples e puro da revelação primitiva e dos Vedas, o


substituiram pela adoração à multidão de personagens que sob o nome de
devas ou anjos e santos, eram considerados os únicos como os agentes
imediatos entre Deus e suas criaturas, os outros como os brahmanes que
depois de haver vivido na terra praticando todas as vistudes, haviam ido ser
absorvidos no seio da divindade.

Brahma, essência pura divina, não tardou muito tempo em carecer de altares,
e as suplicas de mortais debieron para chgar a ele, dirigir-se aos seres
inferiores cujar imagens poblaron as pagodas e os tempos, e que Buda tentou
mais tarde derrubar por meio de uma reforma que não carece de analogia com
a planejada por Lutero na Idade Média.

Este foi o golpe mais terrivel à antiga sociedade hindu, o último golpe a esta
obra de decadência e decrepitude e cujos efeitos muito prontamente teremos
ocasião de estudar.

O sacerdode se ocultou no dogma e no misterio, pretendeu ser o único


guardião, o distribuidor da verdade em assuntos morais e religiosos, e
chamado em seu auxílio as leis civis que se entregaram servilmente a sua
disposição, afastou o livre pensamento e a razão, dobrou toda vontade, todo
tipo de liberdade sob a fé,

e imaginou por fim esta famosa máxima que depois tenha logrado tão grande
êxito:
Que não há nada mais agradável a Deus que que crer sem compreender;
inclinar-se sem saber; levar no atrio de seus templos uma inteligência, melhor
dito, o exame e a crença razonada."

Vamos ver de imediato o Egito, Judeis, Grécia, Roma, toda a antiguidade, por
fim, copiar a sociedade brahmânica em suas castas, suas teorias, suas
opiniões religiosoas e adotar suas Brahmanes, seus sacerdotes, seus levitas
como haviam já adotado o idioma, a legislação e a filosofia da antigasociedade
dos Vedas, de onde sseus antepassados haviam partido par ir a espacir pelo
mundo todas as grandes idéias de prmitiva revelação.

CAPITULO V

DE ONDE PROCEDE O PARIA, ESTE MACHO CABRÍO EMISSÁRIO DO


ORIENTE

A Índia antiga, se bem que reconhecia à sociedade o direito de castigar um dos


seus membros, pelas faltas ou crimes cometidos contra ela, não teve sobre
este direito as mesmas noções que os povos modernos, nem igual maneira de
aplicá-lo.

Segundo os legisladores brahmânicos algumas faculdades, essenciais à


natureza intelectual, não podem ser atacadas por este direito sem atentar à
obra divina, e subordinaram a estas idéias, que talvez não seram estudadas
sem interesse pelo pensador e pelo filósofo, toda repressão penal.

Dessa forma não admitiram nunca que o homem pudesse ser privado de sua
liberdade corporal, e por idêntico título que pudesse ser privado de sua
liberdade moral, ou seja, da faculdade de pensar.

Daí nasceu um sistema penal, que apesar de haver exercido sua influência na
antiguidade, não foi adotado em igual medida por todas as nações daquela
época, e tenha desaparecido por completo dos códigos modernos.

As penas aplicadas pelo antigo direito indostânico posterior aos dos Vedas
são:

1 - A morte

2 - Separar uma casta superior da outra inferior.

3 - Separação completa de toda casta.

4 - Agressões e tormentos.

5 - As purificações e os sacrifícios.

6 - A multa.

A prisão foi completamente desconhecida para aos legisladores primitivos, e,


quase consequente com seu princípio de que a mão do homem devia deter-se
ali onde começava a obra de Deus, não admitiram a legitimidade da pena de
morte mais que em pouquíssimos casos e quase somente para crimes relativos
a mesma essência de suas instituições políticas.

Estavam castigados pela separação completa de toda classe de casta:

- O assassinato de um brahmane ou de um tchatrias.

- O adultério cometido com a mulher de seu pai ou de seu diretor espiritual.

Eram castigados para serem colocados de uma casta superior e passar a outra
inferior:

O abuso dos licores fortes.

As falsas acusações.

Os falsos testemunhos, esquecer-se da Santa Escritura e o desprezo aos


Vedas.

O levantamento de um depósito.

O adultério.
O abandono de seus filhos e de seus pais e de seus amigos na adversidade.

A usura, a venda da propriedade alheia.

Viver de um ofício vergonhoso de mulher.

Os roubos de grãos, dinheiro e metais preciosos.

A morte de animais exceto em caso de legítima defesa.

A ação de receber presentes e comerciar com a justiça.

O ato de derrubar uma árvore, a qual a seiva não a havia abandonado e as


colheitas antes de sua maturidade.

A destruição das plantas medicinais.

A ação de fazer-se pagar para a administração dos sacramentos e o


ensinamento da Santa Escritura.

A venda de uma mulher e seu filho.

O comércio com mulher de sua casta mesmo de costumes licenciosos.

Esquecer do voto de castidade, pelo sacerdote, que o tenha pronunciado.

A morte por engano de um indivíduo de igual casta que a sua.

A castração de um boi ou de uma vaca.

O insulto dirigido a um dwidja (sacerdote sacrificador que tem colhido todos os


sacramentos.).

Eram castigados com o rebaixamento de casta:

A calunia contra os brahmanes e os tchatrias.

O assassinato de todo indivíduo de uma casta superior, de um amigo e de


uma mulher.

O roubo do tesouro dos brahmanes.

Todo comercio carnal com as irmãs do pai ou da mãe e com as mulheres de


classe mesclada (parias).

Com as esposas de um amigo, de um parente ou de um filho.

A ação de oficiar nos sacrifícios os homens de castas baixas.

Toda solicitação dirigida a uma ama de leite para que inflija seu voto de
castidade.
A venda de uma propriedade, vasos, móveis, frutos ou qualquer outras coisas
consagrada aos templos.

A venda de substâncias que podem ocasionar a morte.

A ação de apagar com malícia o fogo sagrado que deve arder sem trégua no
santuário das pagodes.

O assassinato involuntário de um tchatrias.

O ato de um homem de uma casta superior que se põe a serviço de um sudra.

A união carnal de dois indivíduos de um mesmo sexo.

O abuso de mandato dado em confiança.

O recusar alimentos e socorros a seu pais, a sua mãe, a seus irmãos e irmãs
caídos na miséria.

O aborto e toda provocação ao mesmo.

A união carnal com animais.

Os contatos impuros na pessoa das criança.

O assassinato premeditado, e com objetivo de maltratar animais úteis, tais


como o asno, a cavalo, o camelo, o elefante, o cabrito macho.

A negação da divindade, da vida futura, das recompensas e dos castigos que


pelas boas obras e as faltas devem merecer os homens depois de sua morte.

O ato de induzir ao rei em erro e fazê-lo cometer injustiças com relações


falsas.

A confusão introduzida nos sacrifícios pelos piedosos ermitões.

O ato de adicionar substancias impuras na manteiga clara, o azeite santo e a


água na qual o brahmane tem propagado suas preces e que serve molhar os
recém nascidos.

Os bordoadas e as torturas eram aplicados aos autores dos diferentes delitos e


faltas que acabamos de enumerar, quando a expulsão parcial ou total de toda
casta não parecia ser um meio suficiente de expiação, atendidas as
circunstancias agravantes que se podiam falar em causa.

Iguais motivos decidiam respeito a aplicação da multa.

As purificações e os sacrifícios só se aplicam às faltas ligeiras e que revestiam


particularmente um caráter religioso, tais como:

Alimentar-se de alimentos impuros e proibidos.


Não sujeitar-se ao aluno a à abstinência nas épocas prescritas.

A coabitação com sua mulher, durante certos dias de cada mês.

A ação de convidar a uma refeição um homem degradado.

O esquecimento da prece de noite e de manhã, e das oblações que deve


acompanha-la.

O ato de não realizar um sacrifício comemorativo cada ano no aniversário de


morte de seu pai ou de sua mãe.

A leitura de livros obscenos ou injuriosos para os brahmanes.

Os gestos e atitudes contrários aos bons costumes, realizados em público ou


diante das crianças.

Todo esquecimento, por último, ligeiro ou grave de sua dignidade, da dos


outros e de seus deveres religiosos.

O mais terrível de todos estes castigos era a expulsão total de toda casta. A
morte e os tormentos mais atrozes era preferido.

A perda da casta, era a perda das riquezas, de seus amigos, de todos os


direitos civis e políticos, não somente de sua própria pessoa, mas também de
seus descendentes nascidos posteriormente à condenação.

Ouça Manu anatematizando-lhes:

"Estes homens marcados com sinais borchornosas deve ser abandonados por
seus próprios parentes paternos e maternos e não merecem compaixão nem
atenção.

Não se deve comer com eles, nem sacrificar com eles, nem estudar com eles,
nem aliar-se com eles por meio do matrimônio, que andem pela superfície da
terra em estado miserável, separados e excluídos da todos os deveres sociais."

Esta expulsão da casta, era política, religiosa e podia ser ditada pelo príncipe
ou seus mandatários, fazendo justiça e aplicando a lei civil, ou pelo sacerdote,
juiz religioso, pronunciando suas sentenças sob o pórtico das pagodes e dos
templos em presença do povo reunido.

E de igual maneira que o culpado ia confessar seus crimes diante aos


tribunais civis, devia apresentar-se ante o tribunal religioso e fazer em alta voz
a confissão de suas faltas e de seus pecados, para que o sacerdote podia ditar
o castigo proporcional ao ato cometido.

Acordemos dessa passagem para voltar a encontra-lo mais adiante.

Desse sistema penal, desta expulsão completa de toda casta, provem este ser
desgraçado, desonrado para sempre que se chama pária, e que ainda hoje em
dia é para todos os hindus de casta, um objeto repugnante, repugnância que
até as inteligências mais cultivadas não podem dominar.

E para que esta desonra fosse indelével, para que aquele que a mereça não
possa subtrair-se à ela marchando à um país distante que o ocultaria, o
culpado era marcado com ferro incandescente, na frente, e na espádua,
segundo os crimes que havia cometido.

A água, o fogo, e o arroz, deviam ser recusados pelo homem de casta, sob pena
de degradação,

E desta maneira se formou dentro da mesma nação outra nação considerada


impura e colocada pelo legislador sob a besta imunda.

Serão necessários talvez séculos para destruir este prejuízo, que apesar do
desaparecimento do antigo direito civil e religioso, não tem perdido, segundo
acabamos de dizer, sua força entre as povoações.

Nas grandes cidades da Índia e sob a vigilância européia, que individualmente


se compraz em protegê-lo e em emendar o esquecido, à importância da lei
ainda que não se tenha atrevido em adoçar sua situação, empregado, por
outra parte, como homem de fatiga em muitas industrias, o pária deve sentir-
se menos miserável, hoje sua vida quase seria tranquila, com tanto que não
sai de seu bairro para ir misturar-se com as festas e recogijos hindus. Mas no
campo sua situação é sempre intolerável e digna de lástima.

Se vê um sacerdote dirigir-se até aquele que sai precipitadamente do Caminho


e a dez passos dali se cobre em pó em sinal de humilhação, por que não fazê-
lo assim, os servidores dos brahmanes lhe fariam morrer a pauladas.

Se é um homem de casta aquele a quem encontra, esta obrigado a ajoelhar-se,


sem levantar a cabeça nem mirá-la, até que tenha passado.

Se carece de fogo e alimentos, que busque ou roube; nenhuma casa hindu se


abrirá para ele, nenhuma não o dará um punhado de arroz nem lenha para
lareira.

Tenho visto estes miseráveis, a quem a miséria e a fome, havia convertido em


idiotas, semelhantes a esqueletos sem poder-se sustentar a penas, seguir pela
noite na obscuridade, as margens de um riacho ou veredas desertas, com a
esperança de encontrar algum animal morto... vil alimento, que ainda eram
obrigados a disputar com chacais e aves de rapina.

Coisa estranha, o pária está tão convencido de que é um ser inferior e


degradado que jamais tem procurado em nenhuma época subtrair-se a sua
condição pelo trabalho ou riqueza; é certo que por esse meio e com o tempo,
haveria talvez feito desaparecer o estigma que pesa sobre ele, pois o ouro é na
Índia um deus soberano, adorado ao menos com tanto fervor como na Europa.
Nada haveria de ser tão fácil para o pária como tentar a prova, por meio do
comércio com seus próprios irmãos.

Muitos possuem pequenas tendas ao ar livre, onde vendem somente aos


párias, não ha necessidade de dizê-lo, os objetos indispensáveis à sua
existência; a madeira, o coco, o azeite, o arroz e os pequenos grãos de curry;
por modesto que seja, este comércio poderia ser explorado e estender-se: com
habilidade e economia, o cesto de arroz poderia converter-se em saco, em
armazém etc. Haveria aqui seguramente as bases de uma revolução social em
proveito destes desgraçados que será por muito tempo impossível tentar por
outros meios.

Mas o pária não encontrará jamais em si mesmo a energia para estabelecer


tamanha luta, que de outra parte, não faria mais que preparar uma colheita
muito distante, e de cujos resultados só poderiam aproveitar-se seus
descendentes.

A única preocupação deste povo embrutecido, sua regra invariável, é vender


imediatamente suas pequenas mercadorias.

Tão prontamente tenha conseguido arrecadar a soma necessária para viver


vários meses sem fazer nada, livre e feliz vai tender a dormir ao sol ao largo
dos caminhos, sob a sombra dos coqueiros, só interrompendo para renovar de
vez em quando o betel que masca com voluptuosidade, ou comer um pouco de
arroz fervido sobre uma folha de banana.

Quando não tiver mais que uma pequena soma, comprará de novo algumas
poucas provisões que venderá como antes em alguma esquina de uma rua ou
sobre um pedra do mercado até que cheque de novo para ele a hora do
descanso.

Tratados como o foram os hebreus no Egito durante a Idade Média, os párias


não tem conhecido e temido um Moisés para elevá-los e conduzi-los à
liberdade sob céus clementes, e não saberiam jamais converter-se para o
comércio e a industria - nos judeus da Índia.

Tal foi aquele espantoso, sistema penal, com cuja ajuda os brahmanes
souberam conservar as castas na linha que estavam atrás de cada uma, e
domina-las à todas, pelo medo a prescrição, obrigando-as a respeitar sua
despótica autoridade.

Vamos ver o que esta organização legou por sua vez aos diferentes povos da
antiguidade, e que desastrosa influência tiveram para Egito, Judéia, e até para
Grécia e Roma, estas divisões de casta, esta propensão pela degradação moral
é indelével do culpado e de sua descendência, este predomínio constante em
fim sobre os povos e as instituições da Alta Ásia, do sacerdote egoísta e
dominador, deste exportador hábil da idéia religiosa, por meio da obscuridade,
das profecias, dos milagres e das mentiras.

!Divide, corrompe et impera!

Antiga divisa que os sacerdotes de Brahma transmitiram aos sacerdotes de


Menfis e de Eleusis, aos levitas e aos arúspices, e que talvez estejamos
ameaçados de ver elevar-se vencedora sobre a cabeça das nações modernas,
para empurra-las até a decadência e decrepitude, se não sabemos entabular
uma luta suprema e na hora certa borrar o livro do porvir pela mão da
Liberdade.
CAPITULO VI

MANES E SACERDOTES - SUA INFLUÊNCIA SOBRE O EGITO

O Egito por sua posição geográfica tinha de necessariamente ser uma das
primeiras regiões colonizadas pelas emigrações da Índia, um dos primeiros
povos que recebeu a influência daquela antiga civilização, cujos raios tem
chegado até nós.

Esta verdade nos chama ainda mais atenção quando se estudam as


instituições deste país, de tal maneira copiadas das da Alta Ásia, que se faz
impossível opinar de outra maneira, já que as prevenções e os prejuízos devem
desaparecer ante o conjunto imponente de provas que podem apresentar-se a
respeito desse assunto.

Certo é que não poderiam apresenta-los todos dentro dos estreitos limites que
me tem imposto, já podendo ver, que até sujeitando-me aos princípios gerais,
cada capítulo desta obra se converteria facilmente em um volume, se todos os
assuntos que nele se trata, todas as questões que nele suscitam, foram
desenvolvidas com a extensão que poderia dar-lhe.

O que me interessa principalmente demonstrar, é a similitude das instituições


civis e políticas de todos os povos da antiguidade, a unidade de iniciação com
a Índia como iniciadora, de igual maneira que demostrará mais adiante, a
unidade da revelação religiosa com a Índia para ponto de partida.

Que foi o governo do Egito, referindo-se as épocas antigas? Uma cópia idêntica
da Índia, sob a inspiração do mesmo legislador, Manu ou Manés, cujas leis
haviam sido conservadas pela tradição emigrante, e serviram para fundar no
novo país uma sociedade semelhante a da pátria mãe.

O nome de Manu ou Manés, já temos dito, não é um substantivo aplicando-se


a um homem determinado; sua significação sânscrita é: o homem por
excelência, pastores de homens da antiguidade, e que os tem sido concedido
em recompensa de seus serviços, ou que eles mesmos tem tido à glória ao
atribui-lo.

Também, como temos visto, o primeiro Manu, o da Índia, exerce sobre as


legislações antigas, a mesma influência que o Digesto de Justiniano sobre as
leis modernas.

Sob a direção deste legislador, o Egito foi naturalmente teocrático e sacerdotal;


teve, igual que a Índia, um culto e uma hierarquia imposta com igual
severidade e com o mesmo fim de dominação.

Em primeiro lugar se encontra o sacerdote, protetor e guardião de toda


verdade civil e religiosa, dominador dos reis e dos povos, emanação de Deus,
irresponsável de seus atos, por cima de todas as leis, assim como de todos os
homens.

Depois dele vem o rei, a quem o sacerdote quer deixar reinar, mas com a
condição de que só reinará mercê à suas inspirações e conselhos.
Depois, mais abaixo encontramos, como na Índia, o comerciante, encarregado
de acrescentar a fortuna das primeiras castas, de satisfazer seu luxo, seus
caprichos, seus vícios e enfim, o artesão ou trabalhador que tem que ser
operário, criado, escravo...

Os sacerdotes se reservaram o conhecimento exclusivo das ciências; e graças


aos fenômenos físicos que eles eram os únicos em compreender; os foi possível
dominar o espírito dos reis e da multidão. Se reservaram igualmente para eles
as sublimes noções sobre Deus e a Trindade, a obra da criação e a
imortalidade da alma, deixando à plebe adorar monstros, estátuas, imagens, e
ainda como na Índia, o boi, que com se sabe, foi também no Egito um animal
sagrado.

Tenho visto, na Índia, aos brahmanes rir dissimuladamente, quando um


piedoso e modesto hindu venha a ajoelhar-se ante ao rei do templo para
oferecer arroz e frutos.

Aqueles sacerdotes de Tebas e Menfis, nas profundidades de seus imensos e


sombrios templos que eram às vezes seus palácios. Quanto deviam sorrir de
lástima e desgosto, quando lhes era necessário abandonar seus elevados
estudos ou seus prazeres, para pescar, com grande pompa e para maior
alegria de um povo embrutecido, de sua força e de seu desprezo pela nação
servil que dominavam!

E que grande número de diversão devia oferecer-lhes a morte daquele boi, que
eram obrigados a repreendê-los para que o dogma de sua imortalidade não
sofra nenhum ataque!

Com quanto interesse conservaram durante séculos o depósito de seus


conhecimentos, origem de todo seu prestígio, c com que juramento terríveis
selavam àqueles a quem consentiram em iniciar!

Como a sociedade brahmânica, os sacerdotes egípcios impediram elevar-se


acima da classe em que cada um, por seu nascimento, se encontrava
colocado, imprimindo assim a suas instituições idêntico selo de inércia e
imobilidade.

O sistema penal foi o mesmo, e a repressão se exerceu pela degradação, ou


melhor, a expulsão total ou parcial da casta.

Daqui nasceu igualmente uma razão de não classificados e de párias, dos


quais nos ocuparemos em um capítulo especial, pois nossa opinião, obrigada
pela lógica dos fatos, é que esta raça de párias e não classificados deram
origem aos hebreus, regenerados por Manes, Moisés ou Moses.

Entretanto, os sacerdotes egípcios não encontraram uma raça de reis tão dócil
nem maleável como a dos Tacharias, que nunca tentaram rebelar-se contra a
autoridade dos brahmanes.

Seja que os descendentes de Osíris houveram acabado por ser demasiado


exigentes, seja que os Faraós houveram sonhado com uma independência que
devia adular sua ambição, seja que a mão do tempo quisesse atacar aquelas
antigas instituições, herdadas pelo bramanismo, para edificar outras mais
jovens, depois de alguns séculos deste sonho do qual para a Índia ainda não
tem chegado a hora dos sacerdotes e dos reis, que chamando a seu lado seus
partidários, se disputaram com a lança e a espada em poder que só foi o
prêmio do mais forte, e durante grandes anos o povo viu sobre sua cabeça,
suceder-se ao capricho do azar ou do êxito das batalhas, dinastias tão pronto
guerreiras como sacerdotais.

É a isto, sem duvida alguma, a que é necessário atribuir a desaparição da


antiga civilização egípcia da palco do mundo. O governo teocrático só havia
sabido fazer, como na Índia, escravos, e tão profundas raízes haviam fechado
as divisões de castas, que depois do triunfo definitivo dos reis, estes últimos
não souberam romper com as estreitas tradições do passado e regenerar seus
povos para apoiar-se neles. Se converteram como Sesostris em invasores
nômades, que levaram ao ferro e ao fogo os territórios vizinhos, mas não
conseguiram fundar nada, pois o poder despótico de um só será sempre
incapaz de avançar com o progresso, quando cada homem da nação estará
reduzido ao estado de roda em lugar de constituir uma individualidade.

Edificarás grandes edifícios de pedra, admiração dos séculos vindouros,


escavarás lagos, mudarás o curso dos rios, levantarás gigantescos palácios,
seguirão atrás de teu carro triunfante cem mil escravos conquistados na
guerra, a história servil e aduladora te trançará coroas; os brahmanes, os
levitas, os sacerdotes a quem haveria de satisfazer de honrarias e riquezas,
cantarão teus méritos, ti apresentarão aos povos colonizados como um
enviado de Deus que realiza sua missão; mas para o filósofo e o pensador,
para a história da humanidade, e não para a concórdia e a liberdade, que é o
fim destinado por Deus, e que cada nação tem de esforçar-se em alcançar. Só
haverá sido um ato brutal, fazendo compreender e demonstrando uma vez
mais a debilidade da natureza humana, e de que maneira as nações caem na
decadência.

Assim é como sob a mão dos sacerdotes e dos reis, o antigo Egito se
encaminhou passo a passo até a ruína e esquecido depois da queda de seu
governo teocrático; não estando preparado e não tendo com que substitui-lo,
só tinha o recurso de morrer.

Desta maneira, pondo cara a cara aqueles dois antigos países para fazer
paralelo, a Índia e o Egito, vemos o mesmo governo, as mesmas divisões de
castas, iguais instituições produzir idêntico resultado é impedir a estes povos
o papel que puderam desempenhar na história do porvir.

Em presença de semelhantes aproximações, ninguém virá, creio, negar ao


Egito uma origem puramente indostânica, ao menos admitir que a casualidade
haja feito germinar neste país uma civilização calcada sobre a do extremo
Oriente, ou, o que seria ainda mais absurdo que seja o Egito quem tenha
colonizado a Índia e Manu copiado a Manés.

Concebo que semelhante opinião possa germinar no espírito de pessoas


interessadas em negar ou que não conhecem a Índia; me limitarei a contesta-
lhes. Não tereis a vossa disposição mais que uma afirmação e esta frase trivial
que já tenha ouvido ser pronunciada: "Quem me assegura que não é a Índia
que tenha copiado o Egito?" e pedi que esta afirmação seja combatida com
ajuda de provas que não deixem a menor sombra de dúvida.
Para ser então completamente lógicos, deve-se à Índia o sanscrito, língua que
tem dado origem às demais, mas apresente-me uma folha de papiros, uma
inscrição de coluna, um baixo relevo de templo que venha a demonstrar-me
que nasceu no Egito.

Privada a Índia de todos os monumentos de literatura, de legislação, de


filosofia, que ainda permanecem em pé, conservados na língua primitiva
desafiando a ação do tempo e da mão dos profanos, mas indica-me quais
foram suas origens no Egito.

Destruída, não me oponho, esta grande corrente de emigração pelo Himalaia,


a Pérsia, a Ásia-Menor e a Arábia, de qual ciência tenha encontrado os sinais.
Mas mostra-me, faz-me ver o Egíto colonizador, espalhando a seus filhos por
toda a superfície do globo. Que língua, que instituições tem chegado ao mundo
que podemos hoje encontrar.

Acaso não se vê que o Egito de Manés, o Egito sacerdotal não teve mais
instituições idênticas a das Índias na primeiras idades, que esquecendo pouco
a pouco a tradição de havia recebido, sacudiu por meio de seus reis a
dominação dos sacerdotes e que a partir de Psaméticus derrubou a idéia
teocrática pura para substituí-la com a idéia monárquica, que adiante ia a
dominar as novas civilizações? Acaso não sabemos que as divisões de castas
foram abolidas em tempo de Ptolomeu?

O mérito do Egito consiste nisto, mas seria um erro atribuir-lhe outros. Foi a
primeira nação que na anatiguidade teve a força de derrubar o governo do
sacerdote que se havia originado no extremo Oriente sem poder evitar apesar
dele a caída que a influência deletéria e corrompida que aquele último o havia
preparado.

Ademais, se pudéssemos estudar e aprofundar este assunto com todos seus


detalhes e só falássemos estas grandes semelhanças nos princípios, que são a
base da existência das nações e são suficientes para apoiar facilidade da
unidade de Deus, admitida pelos sacerdotes de Menfis, que Knef, Fta e Fre,
que são os três deuses demiurgos, os três criadores por excelência, as três
pessoas da Trindade na teologia egípcia, nos animais, no ibis ou no boi por
exemplo, são superstições vinda da Índia por uma tradição cujo caminho é
fácil de seguir. A matéria ou lodo primitivo chamado Bouto pelos iniciados e
representado sob a forma fecundante de um ovo, não é mais que uma
lembrança dos Vedas e de Manu, que comparam ao germe de todas as coisas a
‘um ovo brilhante com o ouro’.

Seja suficiente haver indicado estes pontos de contato que, segundo nossa
opinião, explicam o Egito antigo pela Índia e a influência brahmânica, e
levantam por meio lógico na medida do possível, uma ponta de obscuro velo
que oculta a origem de todos os povos.

CAPÍTULO VII

MINOS E A GRÉCIA
A prova mais irrefutável da influência da Índia sobre a Grécia esta no fato,
sobre a qual já nos temos ocupado extensamente, de que o sânscrito ter
formado a língua deste pais.

De fato, todos os nomes das épocas fabulosas e heróicas dos deuses e


semideuses, todos os nomes dos povos que a Grécia nos tem transmitido, são
sânscrito quase puro; igualmente pode-se dizer que a maioria das palavra que
compõem esta língua e sua sintaxe tem a mesma origem e isto sem temer a
mais ligeira contradição, e se as discussões puderam ter lugar próprio, fácil
nos seria demonstrar que esta afirmação é simplesmente uma verdade
matemática, que como tal, pode energeticamente afirmar-se e provar-se.
Também só dedicaremos umas linhas ao legislador cretense, cuja obra escrita,
por outra parte, não nos tem chegado.

Minos tem uma origem indubitavelmente asiática; a história grega o fez vir do
Oriente à Creta, e onde o povo, maravilhado com sua sabedoria, o pediu leis.
Viajou então ao Egito, cujas instituições estudou, recorreu à Ásia, à Pérsia, e
às fronteiras dos hindus interrogando as tradições e as legislações antigas,
depois regressou para dar aos cretenses seu livro da lei, que pouco depois, foi
adotado pela Grécia inteira.

Provavelmente à continuação de suas viagens foi quando recebeu o nome de


Minos, cuja raiz em sânscrito, segundo temos dito, significa legislador, e se
concebe que em vista de suas peregrinações pelo Egito e Ásia, percebida a sua
origem oriental nos fora fácil aproximá-lo à Manu e Manés, e emitir a opinião,
corroborada pelos fatos, posto que se remontou às fontes primitivas para
instruir-se, que se inspirou nas obras de legisladores hindus e egípcios, e que
teve a grande honra de apropriar-se do título honorífico que a gratidão dos
povos havia concebido à seus antecessores.

Não repetiremos demasiado que as palavras Manu, Manés, Minos e Moisés


não são substantivos próprios, e sim títulos qualificativos levados, pelos
legisladores antigos, do mesmo modo que os reis da Índia levava o título de
Tchatrias ou Xchatrias, os da Pérsia o de Jerjes e os do Egito de Faraó.

Assim pois, dando-nos por satisfeito com as provas já expostas no primeiro


capítulo deste obra, não investigaremos se as festas gregas, as pitonisas e os
mistérios de Eleusis, tão habilmente explorados pelos sacerdotes, se se
relacionam, segundo nossa firme crença, com as festas, com os devadassis e
com os mistérios do brahmanismo; de igual maneira que a Grécia, que
experimentou em grau tão elevado a influência da língua, da filosofia e da
literatura hindu, separando-se rapidamente de sua origem fabulosa, de
imediato tomou a risa seu Olimpo, seus deuses esboçados em uma tradição
supersticiosa, e, como já tínhamos visto, marchar com passo seguro pelo
caminho que os Sastras lhe haviam preparado, a conquista da independência
do pensamento.

Se Roma não tivesse vindo, com sua invasão brutal, secar a força e a vida
daquela admirável região, faria muito tempo que todos os problemas de
progresso e liberdade, para os quais a Europa não tem terminado ainda de
agitar-se e revolucionar-se, haveriam sido resolvidos pelos filhos da Helada,
por estes descendentes da livre e primitiva sociedade indostânica.
Ainda que os sacerdotes e a família dos Eumolpides, encarregados do culto de
Ceres, que foram uma casta de levitas, houvessem também gozado na Grécia
de uma grande influência, principalmente no período antigo, parece que
jamais chegaram a conquistar em proveito próprio o governo da nação, e a
este deve principalmente atribuir-se o desenvolvimento considerável do
espírito humano neste pequeno pais, que havia tentado estabelecer nela o
reinado da democracia e da liberdade em uma época em todos os despotismos
políticos e religiosos se davam a mão para sujeitar o mundo.

Sabemos, com efeito, que a partir da caída de Hippias até as conquistas


macedônicas e romanas, Atenas oferece às nações modernas o exemplo de um
governo popular, no qual a liberdade supôs fazer frutificar todas as
esplendidas glórias, da literatura, da filosofia e das artes.

O cidadão nomeava pelo sufrágio universal seus archontes, seus magistrados e


seus funcionários, o direito de paz e o de guerra, o poder legislativo; a
discussão de todos os grandes interesses da república correspondiam às
assembléias gerais do povo, às quais todo homem livre devia levar, sob pena
de perda de seus direitos, o auxílio de sua palavra e seu voto.

Esta foi a primeira aparição da idéia nacional no mundo, substituindo aquela


servil obediência aos caprichos de um amo que até então havia dominado a
sociedade.

A Índia se estremece e morre sob o mando do sacerdote; o Egito, herdeiro


desta tradição, acaba por derrubar a teocracia para alojar-se nos braços dos
reis, e a Grécia, percebendo-se do Oriente e das dominações sacerdotais das
quais havia fugido para florescer na terra mais livre, alcança ainda outro
progresso, e substituindo o escravo pelo cidadão, funda o governo da nação
pela nação.

Daqui tem nascido todo o espirito moderno.

Assim, aquelas primeiras emigrações hindus pelo Sul, depois de haver


experimentado durante longo tempo a influência da revelação e do sacerdote,
haviam tentado pouco a pouco derrubá-los e vislumbrar o progresso pela
independência e razão.

Por que foi preciso que a segunda corrente de emigração pelo Himalaia e as
planície do Norte, que trouxe à Europa as tribos escandinavas, germanas e
eslavas, detida sem dúvida pela aridez do solo e os rigores de um clima novo
para eles, não pudesse alcançar a civilização tão rapidamente como as nações
do equador, e um dia menos esperado se precipitara sobre elas para destruí-
las?

Selvagens filhos das selvas, adoradores de Odin e de Skanda, aqueles povos


haviam guardado a lembrança legendária de sua origem; seus cantos e suas
poesias repletas de tradições orientais os prometiam que voltariam a encontrar
seu céu sem nuvens e sua origem; e em busca de Asgard, a cidade do sol,
encontraram ... Roma, e o mundo antigo desapareceu.

E o mundo novo repousou mais de quinze séculos sob um poder nem menos
sacerdotal nem menos tirânico que o da antiguidade, antes de voltar a falar as
grandes lembranças, as grandes verdades sociais e políticas legadas pela
Grécia.

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