Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Luis Jacolliot
Prefácio
Contudo! Entre nas igrejas, nos templos, nas mesquitas, em todas as partes se
coloca sob a égide de Deus a intolerância e as perseguições.
Sim, mas a liberdade é uma árvore vigorosa e jovem, e quanto mais lhe cortam
seus ramos, mas força adquirirá no futuro.
É que a jovem geração, a França nova, não está aqui para renegar as
impotências de um passado, cuja volta no deseja, e para seguir atrevidamente
a bandeira, que avançando um passo mais, lhe assegurará a vida livre no
interior e o respeito no exterior.
Adiante, pois!
**
A Índia é o berço do mundo, é dali que a mão comum, irradiando seus filhos
até as regiões mais ocidentais , nos tem deixado para sempre em sinal de
nossa origem, seu idioma e suas leis, sua moral, sua literatura e sua religião.
A ciência admite hoje como verdade que já não necessita demonstração, que
todos os idiomas da antiguidade tenham nascido no Extremo Oriente; graças
ao trabalhos dos indianistas, nossas línguas modernas encontraram ali suas
raízes e suas bases.
Faz muito tempo que o malogrado Bournouf dizia em um curso a seus alunos:
"Mais e melhor compreenderemos o grego e o latim desde que estudemos o
sânscrito!"
As tribos emigrantes com suas leis, seus usos, seus costumes e seu idioma
levaram igualmente sua religião, e conservaram um piedoso recordar dos
deuses da pátria que não deviam voltar a ver, daqueles deuses do seu lar
doméstico consumido antes de partir para sempre.
Também, elevando-se até o manancial, encontramos na Índia todas as
tradições poéticas e religiosas dos povos antigos e modernos. O culto de
Zoroastro e os símbolos do Egito, os mistérios de Eleusis e as sacerdotisas de
Vesta, a Gênesis da Bíblia e suas profecias, a moral do filósofo Samos e os
sublimes ensinamentos do filósofo de Betleem.
Este livro está destinado a vulgarizar todas essas verdade que hoje só se
manifestam na elite da ciência, verdades que muitos tem entrevisto sem
dúvida, sem atrever-se a manifestá-las.
Não me ocultem os ódios que vou desencadear, mas os aguardo sem temor. Já
hoje ninguém é condenado a ser devorado pelas chamas como em tempos de
Miguel Servin, de Savonarola e de Felipe II da Espanha, e o livre pensamento
pode manifestar-se em um pais livre. É tudo o que eu queria dizer ao leitor
que abre estas páginas.
Ecos da Índia
Tenho interrogado aos brahmanes e aos sacerdotes sob os arcos dos templos e
das pagodes antigos.
E me têm respondido:
"Que fazeis, pois, aqui desde que faz mais de seis mil anos e que livro é este
que folheias continuadamente em cima de seus joelhos?"
"O arroz torna-se verde na planície, encurva-se ao peso do fruto, demos graças
ao que nos tem dado."
Quem de vocês tem ouvido gritos roncos, queixas inexpressáveis surgir pela
noite no rincão das selvas, nas orlas dos rios, nos grandes pântanos desertos
ou no caminho sombrio, etc... Era por acaso a voz dos tempos passados que
vinha chorar a civilização extinguida, a grandeza perdida? Era acaso o exterior
supremo dos sipaio metralhados em horrível confusão com suas mulheres e
filhos no dia seguinte a um levantamento, por alguns indivíduos como levitas
encarnados, que desta maneira se vingavam de haver tido tanto medo? Seriam
por ventura os sollozos dos ternos meninos, esmagando em vão os pés gelados
de suas mães mortas de fome?
Um povo que sorri com indiferença sujeita a uma mão de ferro que lhe mata,
colorindo-se de flores nos dias de fome, para morrer com elegância igual ao do
atleta romano cavando alegremente com suas próprias mãos a tumba de suas
glórias antigas, de suas recordações e de sua independência.
E sempre ouvia aos brahmanes, aos sábios, aos filósofos e aos poetas
discorrer sobre as grandes virtudes sociais, a imortalidade da alma e da
Divindade...
Mas acabei por compreender!... Agora! Isto só era uma lição... e vi com tristeza
que estes povos haviam mudado o espírito de suas sublimes crenças por um
fanatismo vazio, o livre arbítrio e a vontade do homem livre pela cega e
estúpida obdiência do escravo.
Oh! Então quis levantar o véu que ocultava o passado, chegar até a origem
desta nação moribunda que sem forças para o amor e igualmente para o ódio,
sem entusiasmos para a virtude nem para o vício, se assemelha a um ator a
quem se obrigasse a representar seu último ato diante de um público
impassível.
Que época tão esplêndida pude então estudar e compreender! Hice falar a
tradição cobiçada no fundo dos templos, vasculhe as ruínas e os monumentos,
interrogue aos vedas, estes livros cuja existência se conta por milhares de
anos, onde a juventude estudiosa ia aprender a ciência da vida muito antes de
que Tebas, a das cem portas, ou Babilônia, haveriam de começar a surgir de
seus cimentos.
E então compreendi muito melhor por que este povo depois de mais de dois
mil anos de servicissitude religiosa, carecia sempre de forças para rechaçar a
seus verdugos... e pedir-lhe contas, limitando-se a dobrar a cabeça sob a
odiosa dominação dos comerciantes ingleses, implorando prostado de joelhos
todas as manhãs e todas as noites a este Deus... em cujo nome seus
brahmanes e seus sacerdotes o haviam morto!...
Chandernagor, 25 de fevereiro de 1868.
PRIMEIRA PARTE
Primeiro Capítulo
A Índia civiliza o mundo com seu idioma, seus usos, suas leis e suas tradições
históricas
Quando o europeu põe pela primeira vez seus pés no solo da Índia, chega
levando em si estranhos prejuízos, orgulhoso do passado e da civilização das
regiões onde nasceu; crê, este homem forte do Ocidente, que leva aos
povoados que vai visitar a mais elevada moral, a mais racional das filosofias, a
mais pura religião; depois em presença dos impotentes esforços tentados por
missionários de todos os cultos e que contam somente com alguns párias
entre seus adeptos, deixa escapar com desdém as palavras de embrutecimento
e fanatismo, regressa a sua pátria depois de haver visto algumas cerimônias
que não compreende, algumas costas e faquires, espécies de Simeones
estilistas cujas flagelações e tormentos o enchem de asco.
Muito poucos são os viajantes que tem procurado compreender a Índia, muito
poucos os que tem se dignificado a realizar os esforços necessários para
iniciar-se nos esplendores de seu passado; estudando só a superfície não terão
visto nada de mais ali; até têm chegado a declarar que não havia nada, com a
segurança de uma crítica muito pouco razoável para não ser vítima da
ignorância.
Para que serve o sânscrito? Perguntava Jacquemont, glorioso com esta saída,
compôs e forjou um Oriente convencional que seus sucessores tem copiado,
que todas as bibliotecas tem comparado e que constitui ainda hoje em dia a
fonte de todos os erros que constituem as três quartas partes da bagagem dos
conhecimentos da Europa sobre este país.
Os trabalhos dos Strange, dos Colbrook, dos William, dos Jone, dos Weber,
dos Lassen e dos Bournouf tem apontado um pouco de luz sobre estas coisas,
confiemos em que uma numerosa sucessão de indianistas os seguirá e que se
chegará a reconstituir completamente uma época que não tem nada o que
invejar a nossa quanto a sua grandeza e civilização e ter iniciado o mundo
inteiro em todos os grandes princípios da legislação, filosofia, de moral e de
religião.
Por desgraça, é quase impossível remontar-se à origem deste misterioso pais,
sem habitá-lo, penetrar em seus usos e costumes, e principalmente sem um
conhecimento profundo do sânscrito, o antigo idioma, e do tamul, o idioma
sábio atual, os quais unicamente podem guiá-los através deste obscuro
emaranhado e pô-los em condições de trabalhar com fruto.
Farei um reparo a muitos tradutores e orientalistas, uma vez que admiro seus
profundos conhecimentos, e é por não terem vivido na Índia, carecem de
exatidão em sua expressão, não conhecem o sentido simbólico dos cantos
poéticos, as plegaris e as cerimônias e consequência deles é o incorrer com
certa frequência em erros materiais, seja de tradução, seja de apreciação.
Não tenho visto mais que os trabalhos de ilustres ingleses, como William
Jones e de Colbrook, ser admitidos pelos brahmanes como a interpretação
exata de suas obras, e se fundaram para considerá-los como tais, já que os
ditos sábios haviam vivido entre eles, aproveitando seus conhecimentos e eles
por último os haviam comprovado. Poucos escritores, com efeito, são tão
nebulosos e obscuros como os escritores hindus. É-se obrigado a separar seus
pensamentos de uma multidão de expressões poéticas, de digressões e de
invocações religiosas, que em verdade em nada contribuem para esclarecer o
assunto tratado. Por outra parte, o sânscrito, para cada variedade de imagens
e idéias possui uma quantidade inumerável de expressões diversas, que não
têm equivalente em nossas línguas modernas, e não podendo traduzir-se mais
que com a ajuda de circunlóquios, demandam e exigem profundos
conhecimentos, que só podem adquirir-se sobre o terreno, dos usos, costumes,
leis e tradições religiosas destes povos cujas obras se traduzem e estudam
suas origens.
Mas de outra parte, que espetáculo tão esplêndido se desponta ante vossos
olhos, e que recompensa para aquele que não se desanima!
Escritores, sábios que amais a Índia, vinde a viver com o hindu sob o Pandal;
venha estudar sua anciã língua, assistireis a suas cerimônias, a suas preces,
a seus cantos; alunos de teologia, estudarás Brahma e seu culto. Os doutores
e os brahmanes os ensinarão os Vedas e as leis de Manú; retirarás as mãos
cheias de todos os mais antigos monumentos da literatura. Depois visitareis
todos os edifícios que ainda permanecem em pé, oriundo dos primeiros
tempos, e que em sua simbólica arquitetura representa a grandeza extinguida
ante a decadência que nada pode detonar, pois, é a lei do destino, inexorabile
fatum.
A vida de várias gerações apenas bastaria para ver somente as obras que a
Índia antiga nos tem legado sobre a história, moral, poesia, filosofia, religião,
ciências diversas e medicina; pouco a pouco cada um relacionará sua obra;
também a ciência possui a fé que transborda as montanhas e torna capazes
aos que inspira, dos enormes sacrifícios.
A idéia dominante em todo este livro, e que quiçá seja esta a ocasião de
manifestar, é a seguinte:
De igual maneira que nossa atual sociedade tropeça a cada passo com as
lembranças da antiguidade, assim como nossos poetas tem copiado Homero,
Virgílio, Sócrates, Eurípedes, Plauto e Terencio, assim como nossos filósofos
tem-se inspirado em Sócrates, Pitágoras, Aristóteles, Platão; nossos oradores a
Demostenes ou a Cícero, que nossos médicos estudam ainda Hipocrates e que
nossos códigos se inspiram em Justiniano.
É hora de acabar com estes pressupostos que nos fazem imaginar os antigos
alcançando quase espontaneamente as idéias filosóficas, religiosas e morais
mais elevadas; com estes pré-julgamentos, que em sua cândida admiração,
tudo explicaram com a ajuda da intuição de alguns grandes homens no
terreno científico, artístico e literário; e no terreno religioso com a ajuda da
revelação.
E porque temos perdido durante séculos o fio que une a antiguidade à Índia. É
este o motivo por que continuemos adorando o fetiche, sem querer ouvir nada
do que poderia diminuir sua importância?
Por acaso, nós, rompendo com o passado não temos esquecido as ciências
ocultas da Idade Média por medo da experimentação, da comparação?
Quem sabe, encontraríamos nela o segredo desse passado que nos escapa.
Apresento uma idéia que creio verdadeira, a apoio com as provas que tenho
podido falar, tanto dos trabalhos dos sábios orientalistas como em minhas
pobres investigações; outros aprofundaram o tema, espero melhor e mais
fundo; entretanto, tenho aqui o primeiro golpe da enchada.
O que me resta fazer é dizer tudo; não busco o ruído do escândalo, professo o
mais profundo respeito por todas as crenças que, sem dúvida, creio no direito
de não compartilhar, dada a inteira independência de meu pensamento.
Os investigadores que tem tomado o Egito como campo de seus trabalhos, que
esquadrinham este pais até os cimentos, querem fazer-nos crer, eles também,
que tudo nos tem vindo do pais de sua predileção. Há alguns que chegam a
pretender que a Índia tem copiado do Egito, suas cartas, seu idioma e suas
leis, quando pelo contrário, o Egito não é mais que uma emanação hindu.
Dispõem de tudo: os estímulos dos governos; o apoio das sociedades, dos
sábios; mas, paciência! A luz brilhará por completo, se a Índia está muito
distante para as falhas de valor, se seu sol mata, se o sanscrito é demasiado
difícil para poder fazer com ele algo de charlatanismo, se não existe um
pressuposto para transportar os blocos de pedra rajadas, no entanto, em
mudança há um pequeno número de fiéis para os quais a Índia constitui um
culto, que trabalham sem trégua, não em aprofundar fossos e remover a areia,
e sim em compreender os livros.
Outros escritores cegos por sua admiração para a tocha helênica, queriam
encontrá-la em todas as partes e se entregaram a peregrinas teorias.
Isto é pouco, mais ou menos tão verdadeiro e tão lógico como se sustentar que
a invasão dos sarracenos sob Carlos Martel tenha tido alguma influência sobre
os costumes dos galos antes da conquista romana.
Finalmente, desafio a quem quer que seja que me assinale a influência grega.
Alexandre, para a Índia, não foi mais do que um feito brutal, ilhado,
circunscrito, exagerado pela tradição helênica que nem os hindus se dignaram
a mencionar em sua história. Sentiria incomodar não mais que minimamente
um escritor cujo talento admiro sinceramente, mas não posso deixar ao menos
de dizer-lhe que isto é uma fantasia nascida do azar da pluma, um paradoxo
incapaz de sustentar nem a aparência de discussão. E com razão estranho
que um indianista distinguido, M. de Mesmil, creio, tenha se preocupado em
contestar-me seriamente.
O que vou dizer sem dúvida não ensinará nada de novo aos especialistas
nestas matérias, mas não se esqueça que ocasionando talvez uma idéia nova,
me volto a todos os descobrimentos que puderem corraborá-la, como objetivo
de vulgarizá-los e fazer conhecer às massas que tem carecido de tempo e
meios para dedicar-se a semelhantes estudos, aquela civilização extraordinária
das primeiras cidades que ainda não temos sobrepujado.
Que campo tão novo e vasto se oferece à investigação humana! É fácil então,
elevando-se até a origem, coma a ajuda da antiga civilização hindu, ir
seguindo passo a passo a todos os povos desde sua infância até sua idade
adulta, assinalar a cada um sua linhagem, dissipar as trevas da história, e de
idêntica maneira aos filósofos que hoje consideram para cada idioma a porção
têm pedido emprestado ao sanscrito, determinar para cada costume, para
cada tradição a porção que provêm dos costumes e tradições hindus.
Repito, a inteligência séria, que não pode dar crédito a antiga fábula criando
quase sem transição uma civilização sem par, deve forçosamente buscar em
outra sociedade mais antiga os segredos do passado.
Livres sois, aqueles que os contentais com ilusões poéticas e com a revelação,
de crer em Hércules, Feseo, Jasão, Osíris, no bom Apis, na mata incendiada,
em Moisés e na origem sagrada dos Hebreus; para mim, é mister outro
critério; e sem respeito de classe algum, rechaço todas estas pueris invenções.
Não posso, certamente, em uma obra que abrange tantas matérias, que se
limita, por dizê-lo assim, a dar uma idéia geral, entrar em comparações
filológicas demasiado extensas; entretanto, a título de prova, apresentarei
algumas tiradas do sânscrito.
Minerva - Deusa igual entre aos romanos, mas revestindo-se ademais com os
atributos do valor. Em sânscrito: Ma-nara-va, que alenta e sustem aos fortes.
Plutão - Deus dos infernos. Em sânscrito: Plushta, aquele que marca com o
ferro.
Na Ásia, toda a dinastia dos Jerjes e dos Artajerjes é de origem hindu. Todos
os nomes das praças fortes, cidades, regiões, são sânscrito quase puro. A
continuação vão alguns exemplos.
Brahma, também chamado Zeus-pitri, Deus pai, passa a ser Júpiter e sem esta
última palavra pode descompor-se no grego, sem perder seu sentido, é devido
a que este idioma tem conservado em quase toda sua pureza as duas palavras
sânscrita que a formam, Zeus e pitri, em grego, Zeus e pai.
Protha-guru e Ananga-guru se transformam em Protágoras e Anaxágoras, é
dito, que estas palavras não são nomes próprios, e sim qualitativos aplicados a
nomes que se tem distinguidos na filosofia e na ciência; e Pitagoras, derivados
de Pitha-guru, revela ainda melhor sua origem oriental, difundindo na Grécia
o sistema hindu da metempsícosis.
Já lhes tenho dito mais acima: outros aprofundarão estes vestígios; existe em
tudo isto um imenso campo para pesquisa para os investigadores e os
eruditos, e eu não o houvera sequer roçado, se não houvera considerado com
razão, que atribuindo à Índia a revelação bíblica, era indispensável
demonstrar com grandes ações notáveis, que este crédito que pedimos à Índia
não estava isolado, e que todos os povos antigos e modernos eram devedores a
aquele país na origem de seu idioma, de suas tradições históricas, de sua
filosofia e de sua legislação.
O que tenho indicado a respeito dos nomes dos heróis e semideuses da antiga
Grécia, se aplica por igual ao nomes dos povos modernos dos quais também
tem apresentado algumas etimologias, tais como os breti, os tirrenos, os
samnitas, os celtas, os belgas, os noruegueses, os alemães, os valacos, os
moldavos, etc... A unidade de raça de todos estes povos, sua origem comum,
adquire então caráter indiscutível, e é nas superfícies planas que se estendem
ao pé do Himalaia onde a mais inteligente das duas raças que povoam o globo,
quer dizer a raça branca, teve seu origem.
Aceitando esta opinião, a auréola fabulosa que rodeia a mãe de todos os povos
da antiguidade, sobre as quais a história se reduz à conjecturas desprovidas
de fundamento, se explica por si mesma e se faz possível esclarecer a
obscuridade do passado.
Das diversas comparações que acabo de fazer, resulta que todos os heróis da
antiga Grécia, assim como os diversos feitos heróicos que os tem
acompanhado, só são lembranças da Índia, conservadas e transmitidas pela
poesia e tradição, e que mais tarde, depois de haver perdido de vista sua
origem hindu e transformados sua primitiva linguagem, os primeiros poetas
gregos os tem de novo cantado e celebrado como pertencentes a origem de sua
própria história.
"A fábula, o filho do rei Alexandre, é uma antiga invenção dos sírios, que
viveram em outro tempo sob Nino e sob Belo."
Assim, a cada passo, e quanto mais se estudava aos antigos, mais se deixava
persuadir da verdade desta proposição que eu já tinha indicado; a saber: que
a antiguidade tem tido uma antiguidade que lhe tem inspirado, e a tem
ajudado a alcançar rapidamente aquele alto grau de civilização artística,
filosófica e literária que por sua vez fecundou o gênio moderno.
Por que não lhes envia a Índia para estudar suas origens e traduzir livros?
Somente ali se encontrará a verdade.
Por que não se decidem a fechar esta escola de Atenas que não tem razão de
ser, que é incapaz de prestar hoje o menor serviço, para substitui-la por uma
escola de sânscrito que fundada em Pondicheri ou em Karikal, no sul da Índia,
prestaria em pouco tempo, à ciência eminentes serviços?
Em apoio a tese de que a Índia tem dado tudo ao mundo civilizado, vou expor
rapidamente os pontos culminantes da legislação hindu, legislação que
voltaremos a encontrar por inteiro em Roma, a qual foi legada pela Grécia e
pelo Egito, que haviam bebido nas primeiras fontes.
Não podemos apresentar aqui, como nos estudos das origens das línguas,
mais que alguns sucintos dados, e entende-se; este volume inteiro não
bastaria para elucidar tamanho assunto.
Em todas as legislações, as matérias mais importantes do direito são:
Acharemos nesse estudo, que estas divisões tem passado iguais do direito
hindu ao direito romano e ao francês, e que a maioria daquelas disposições
particulares estão ainda hoje em dia em vigor.
As leis hindus foram codificadas por Manú, mais de três mil anos antes da era
cristã, copiadas por toda a antiguidade, e principalmente Roma, que só não
deixou um direito escrito, como tem sido mais tarde tomadas como base para
todas as legislações modernas, que se tem inspirado no direito Justiniano.
Vejamos e comparemos:
O matrimônio, segundo a lei hindu, se verifica pela doação de uma mulher que
o pai outorga, e a aceitação pelo marido, com a ajuda da cerimônia da água e
do fogo.
A união das mãos, assim como a preparação, outro dos ritos sacramentais de
Roma, só são cópias das prescrições do legislador Manú.
"A miúde, diz a lei em 17 no mesmo título, justas causas fizeram aumentar
prazos dos noivados, não só durante um ano ou dois, como às vezes três ou
quatro e até mais."
Escuta o que diz a lei romana (leg. I3, § I, lib. III): Item si alteri sponsa, alteri
nupta sit, ex setentia edicti punitur.
Não é isto ainda tudo; o espirito hindu informa o direito romano até naqueles
enlaces que as legislações modernas, excetuando o Brasil, não tem querido
reconhecer; o concubinato tolerado, regulamentado em Roma é uma
instituição procedente da Índia que os romanos aceitaram por respeito a
tradição: os costumes puros e rígidos dos primeiros tempos não haviam
podido jamais induzir-lhes a quem sancionaram os amores livres.
"O marido pode ser abandonado por sua mulher, se é criminoso, impotente,
degradado ou atacado por lepra, ou depois de uma ausência prolongada em
países estrangeiros."
Assim pois, nesta seção tão importante do direito, que é o fundamento das
sociedades e das nações vemos então a Índia dar lições das quais se tem
aproveitado todos os povos. Prosseguimos o curso destas comparações que
apesar de serem sumarias, não deixam de ser seguras e comprovatórias.
"O chefe de família, diz Gibelin, tinha em sua mão e a titulo de dono a sua
mulher, seus filhos e seus escravos." Ainda na atualidade, o filho não pode
adquirir nem possuir nada que não seja para seu pai.
A lei hindu admite antes de tudo a tutela legítima dos ascendentes; logo a dos
agnados e dos cognados, e por último a tutela designada, assim como a
intervenção do conselho da família e da autoridade pública, para a
conservação do indivíduo e bens do menor.
"Adoto um filho a fim de ter quem possa realizar sobre minha tumba as
cerimônias sagradas, perpetuar minha raça, e transmitindo meu nome por
uma cadeia não interrompida de descendentes, revestir-lhe até certo ponto
com a imortalidade."
Não é possível ler sem admiração esta passagem de Manú (lib. III, sloca 55 e
seguintes).
"As mulheres devem estar rodeadas de atenções e regalias por parte de seus
pais, irmãos, maridos e os irmãos de seus maridos, quando desejam alcançar
grande prosperidade.
"Em todos os sítios em que as mulheres vivem afligidas, a família não tarda
em extinguir-se; mais quando são amadas, respeitadas e rodeadas de
cuidados e atenções, a família aumenta e prospera em todas as
circunstâncias.
"As casas maldita pelas mulheres às quais não lhes tenham oferecido os
homens devidos, vem a ruína cair sobre elas e destruí-las, como feridas por
um poder oculto e misterioso.
"Em todas aquelas famílias em que o marido vive em harmonia com sua
mulher, e esta com aquele, a felicidade está assegurada para sempre."
Grande e charmosa época que por desgraça da Índia tem hoje um pouco
esquecida! Mas, a quem corresponde a culpa se não é a estas brutais e
estúpidas invasões, que desde séculos se disputam aquele território tão fértil e
charmoso?
Os direitos reais não são menos dignos de admiração que os direitos pessoais;
estão formados com uma excelência de intuitos e tal retidão de crítica que os
mais diferentes legisladores modernos não os tem sobrepujado. Estes direitos
que Roma recopilou, são, com ligeiras variantes, os nossos.
"Assim é que as divisões dos bens, diz Gibelin, segundo sua natureza, sua
origem, seus possuidores e em uma palavra o direito da propriedade, são na
Europa outras tantas tradições da lei oriental."
Ao lado destas incapacidades que podem terminar por meio de uma mudança
de estado, a maior idade do menor, a liberdade do escravo, por exemplo, a lei
estabelece outras que tem por fundamento uma situação particular das
pessoas. Digesto de las leys indias¸ vol. II, p. 193 e Manú: "O contrato
celebrado por um homem embriagado, insensato, imbecil ou outra pessoa
cujas faculdades mentais estão gravemente alteradas, ou por um velho cuja
debilidade se abusa ou de toda outra pessoa sem capacidade, é externamente
nula."
"O que é dado pela força, possuído pela força é declarado nulo."
Como nos encontramos muito distantes dos bárbaros costumes dos tempos
primitivos onde tudo se resolvia pela violência e força, quanta admiração não
deve causar-nos um povo que na época em que a fábula bíblica queria
questionar a criação do mundo, já havia chegado a este extraordinário grau de
civilização manifestado por estas leis tão simples e tão práticas.
Que ninguém se engane: o melhor juízo que se pode formular sobre o estado
das nações é que ele se baseia sobre o estado de seu direito escrito.
Não nos estenderemos agora sobre os detalhes dos contratos, que só seriam
compreendidos em seus detalhes e consequência pelas pessoas conhecedoras
do direito; nos bastará manifestar, remetendo às fontes a quem aqueles
estudos podem interessar, que a fiança, a penhor, o aluguel, o arrendamento,
a anticrese e a hipoteca de origem hindu, tem passado sucessivamente ao
direito romano e às nossas leis, iguais, sem mais mudanças que aqueles que
forçosamente aporta às nações o predomínio do direito civil sobre o religioso.
"O credor pode transferir de imediato a seu próprio credor e este tão logo a um
terceiro que o libere, a penhora entregue por seu doador para a seguridade da
divida, com o título que a estabelece mas fazendo menção de todas as
circunstâncias do transferencia que admite e consente."
"Se o credor recusa aceitar uma dívida quando o devedor lhe oferece
pagamento, faz-se a consignação do total das dividas, espécies, frutos ou
mercadorias ou ganho em mãos de uma terceira pessoa destinada a este fim, e
os interesses deixaram de correr tão pronto se já verificado a consignação.
Este procedimento se chama libertação.
Texto hindu: Catyayana. "O que se empresta a titulo gratuito não produz
interesse."
Código civil: Art. 187. "O empréstimo das coisas de uso é essencialmente
gratuito."
Texto hindu: Catyayana. "Se a coisa perece por vício próprio, o emprestatario,
não é responsável, a menos que haja culpa por sua parte."
Código civil: Art. 1884. "Se a coisa se deteriora somente pelo uso mesmo que
tenha sido pedida em empréstimo, e sem nenhuma culpa por parte do
emprestatario, este não é responsável pela sua deteriorização."
Direito romano: "Quod vero senectute contigir, vel morbo, vel vi latronum
ereptum est, aut quid simile accidir, decindum est nihil eorum esse imputandum
ei que ommadatum accipit, nisi aligua culpa intervenait."
Texto hindu: Catayayana: "Quando uma coisa tem sido emprestada para um
uso determinado ou por um certo tempo e é reclamada antes de cumprir o
prazo ou sem que haja terminado o indicado uso da coisa, o tomador do
empréstimo não pode ser obrigado a restituí-la."
Código civil: Art. 1888. "O emprestador não pode retirar a coisa emprestada
até que tenha terminado o prazo contratado, ou em direito de contrato, até
que tenha servido para o uso para que havia sido devido em empréstimo."
Direito romano: "Adjuvari quippe nos, non decipe beneficio oportet."
Código civil: Art. 1915. "Depósito em geral é o ato pelo qual se recebe coisas de
outrem, com obrigação de guardá-la e restitui-la."
Texto hindu: Vrihaspati. "O depositário que permite que a coisa depositada se
destrua por sua negligência, quando conserva seus próprios bens com muito
maior cuidado, estará obrigado a pagar seu valor de acordo com os
interesses."
Código civil: Art. 1927. "O depositário deve dedicar à custódia da coisa
depositada os mesmo cuidados que emprega na custódia das coisas de seu
pertence."
Direito romano: "Nec enim salva fide minorem us quam suis rebus diligentiam
prætabit."
Texto hindu: Yajuuawalcya. "O depositário não devolverá o que tem sido
destruído pelo rei, pela Providência ou pelos ladrões. Mas se foi perdido,
quando ocorre do objeto não ter sido restituído depois de tê-lo pedido, deve
devolver o valor do depósito e pagar uma multa legal.
Código civil: Art. 1929. "O depositário não responde em nenhum caso dos
acidentes de força maior, a menos que tenha tido ocasião de devolver o objeto
depositado."
Direito romano: "Si depositum quoque eo die deposisti actum sit periculo ejus,
apud quem depositum fuerit, est si judicii accipiendi tempore potuit, id reddere
reus, nec reddidit."
Código civil: Art. 1930. "Não pode utilizar a coisa depositada sem o
consentimento expresso ou tácito do depoente."
Texto hindu: Id. "O que tem sido encerrado em um cofre e entregue em mãos
do depositário sem haver-se declarado o conteúdo, deve ignorá-lo e devolvê-lo
no mesmo estado que lhe foi entregue."
Código civil: Art. "Não deve de modo nenhum procurar conhecer os objetos que
lhe tenham sido depositado, se lhe foram entregues em um cofre fechado ou
lacrado."
Código civil: Art. 1932. "O depositário deve devolver a coisa de um modo
idêntico ao que o recebeu."
Texto hindu: Manú. "Se o depósito cai em poder de ladrões ou é atacado por
traças, ou arrastado pela água ou consumido pelo fogo, o depositário não esta
abrigado a restituí-lo, a menos que o deteriorou ou a perda provenha dele."
Código civil: Art. 1933. "O depositário só está obrigado a devolver a coisa
depositada no estado em que se encontra no momento da restituição. As
deteriorações ocorridas por causas naturais, são a cargo do depoente."
Direito romano: "Quod vero senecture contigit, vel morbo, vel vi latronum
ereptum est, nihil eorum esse imputandum, nisi aligua culpa interveniat."
Código civil: Art. 1936. "Se a coisa depositada tem produzido frutos que tem
sido percebidos pelo depositário, está obrigado a restitui-los."
Direito romano: "Hanc actionem bonæ fidei esse dubitari non oportet. Et ideo,
et fructus in hanc actionem venire, et omnem cuasam, et partam dicendum
est ne nuda res veniat."
Texto hindu: Vrihaspati. "A coisa depositada deve ser restituído ao mesmo que
o depositou."
Código civil: Art. 1837. "O depositário só deve restituir a coisa depositada a
quem a entregou."
Texto hindu: Manú. "O depositário não pode ser objeto de reclamação por
parte de nenhuma pessoa quando restitui ao herdeiro do depoente falecido."
Código civil: Art. 1939. "Em caso de morte natural ou civil da pessoa que
tenha constituído o depósito, a coisa deposita só pode ser entregue ao
herdeiro.
Texto hindu: Manú. "No local em que se constitui o depósito, ali deve ser
restituído."
Código civil: Art. 1943. "Si o contrato não especifica o lugar da restituição, esta
deve verificar-se no mesmo lugar em que se constituiu o depósito."
Texto hindu: Vrihaspati. "Que o depositário guarde o objeto com cuidado e que
o entregue ao primeiro requerimento do depoente."
Código civil: Art. 1943. "O depósito deve ser entregue de pronto ao reclame."
Direito romano: "Est autem apud Julianum... scriptum, eum qui rem
deposuit, stratim posse depositi actionem agere. Hoc enim ipso dolo facere
eum qui suscepit quod reposcent rem non dat."
Texto hindu: Manú. "Aquele que não devolve um depósito depois de tê-lo
recebido, é declarado infame pela lei."
Código civil: Art. 1945. "O depositário infiel não desfruta do beneficio da
cessão."
Que ensinamento para nós e que prova quase material em favor da cronologia
oriental, que menos ridícula que a nossa (baseada em fábulas, apoiada nos
tempos heróicos e nas tradições bíblicas, cópias por sua vez de obras mais
antigas) admite para a formação deste mundo uma época em harmonia com a
ciência!
Sobre aquele terreno esplêndido, sob aquele sol de fogo, em meio de uma
vegetação sem igual, procurando para o corpo todas as satisfações e à alma
todos os sonhos, o progresso só tem podido mover-se lentamente, até nos
tempos primitivos em que seus habitantes eram jovens e cheios de força.
Assim é que pode assegurar-se que nossos séculos do Norte, de marcha febril
e ativa não devem representar entre eles muitos milhares de anos.
Certo é que não há nisto nenhuma idéia nova que queira reivindicar o mérito
como meu. Interrogue a história, e seus resultados modernos os dirão que ela
tem descoberto sua origem e que se esforça em investigar as provas que
podem relacionar-se com ela; registre os escritos de todos os grandes
orientalistas, e principalmente os de Humboldt, este colosso da ciência, e
vereis que sua preocupação constante tem sido o de afirmar as nossas origens
sua verdadeira antiguidade e de lutar contra os tristes legados da Idade Média,
que escravizando o pensamento, tem retardado por muito tempo a marcha das
inteligências até uma ciência do passado mais racional e mais livre.
A filosofia hindu, o mesmo que sua religião, se apoia nos Vedas ou Escrituras
Santa. Desde o aspecto da autenticidade, os Vedas tem prioridade sem dúvida
alguma sobre as obras mais antigas, estes livros sagrados, que segundo os
brahmanes, contém a palavra de Deus revelada a suas criaturas, desfrutavam
de honra na Índia muito antes que a Pérsia, a Ásia Menor, o Egito e a Europa
fossem colonizadas e habitadas.
Se, como já tinha indicado antes, os Vedas são o único lugar em que brilha a
chama do gênio brahmânico, se a filosofia da Índia teve sua origem no
santuário dos templos, como mais tarde na Grécia, é preciso sair dos mistérios
que reconheciam análoga origem. Não tardaria em mostrar-se independente e
chegado a seu desembaraço, se espera da autoridade da Santa Escritura e do
dogma religioso para avançar apoiada somente no livre exame e na razão.
É em sua totalidade o sistema de Pirrón; sem dúvida este filósofo grego que
havia viajado pela Índia, havia tirado de suas relações com os brahmanes o
princípio de que a exceção de Deus mesmo, todo o demais é ilusão.
"Quando o soberano poder divino, diz Manú, teve concluida a obra da criação
foi absorvida no espírito de Deus e assim sucedeu a uma época de energia
uma outra de repouso."
Mais adiante e com maior atenção nos ocuparemos desta idéia da Trindade e
indicaremos de onde todas as religiões sem distinção a retiraram.
Esta foi na Índia a época da fé ardente, época em que toda ciência, toda
filosofia, toda moral se fazia derivar de um texto da Escritura Santa. Já se
compreende que voltaremos a tratar esse assunto, por ocasião dos estudos
religiosos, sobre todas as questões tratadas por Djeminy e Veda-Vyasa e que
dividiram depois deles os filósofos cristãos.
Nós temos criado um pequeno mundo para nosso uso, cuja idade apenas
chega a seis mil anos e criado em seis dias, e não se querem abandonar estas
idéias; isto responde a tudo e nos dispensa de pensar.
As Sastras não são as únicas obras que reivindicam uma antiguidade tão
distante. Segundo os filósofos hindus, as leis de Manú foram também
reveladas no Crida-Yonga ou idade primeira. O Sourya-Sidanta se remonta a
vários milhões de anos, e a respeito deste assunto, Halled, o tradutor dos
Sastras, faz notar que nenhum povo possui anais de uma autoridade tão
incontestável como aqueles que nos tem transmitido os antigos brahmanes, e,
em apoio a sua preposição, faz menção de um livro escrito há mais de quatro
mil anos que explica a história do gênero humano remontando-se a vários
milhões de anos atrás.
Esta cronologia não tem nada de exagerada para os hindus, pelo contrário
concorda logicamente com suas crenças, que consideram a matéria existente
na eternidade de Deus.
Que outra nação existe que tenha tido mais idéias, removido mais questões e
discutido maior número de problemas? O desenrolar do pensamento, a
marcha progressiva das ciências, não tem prejudicado em nada as
especulações filosóficas daqueles homens tão afastados de nós.
"O Ganges que corre, diz Sama-Veda, é Deus; o mar que ameaça é ele; o vento
que sopra é ele; a tempestade que estala é ele. De igual maneira que em toda a
eternidade o mundo esteve no espirito e Brahma, também tudo o que existe
hoje é sua imagem."
Manú, antes de convidar Brighon para que revele a seus discípulos, os Maha-
Richis, suas imortais leis, começa por explicar-lhes os atributos da divindade e
os mistérios da criação. De igual maneira o autor de Maha-Barata, revela um
majestoso linguajar, pela boca do divino filho de Ardjouna, todas as sublimes
idéias do deísmo hindu. E os Sastras, dos quais já temos feito menção,
conduzem o leitor ao conhecimento da inteligência suprema, que tudo tem
criado e ordenado com liberdade e poder infinitos.
Argumento análogo ao empregado por Leucippe, Lucrecio, etc., que Deus para
criar devia tirar o mundo do nada, e que não é possível tirar nada do nada.
1 - O movimento plástico;
2 - O movimento de desunião;
Como esposa de Shiva, Deus que preside a destruição, mas para renovar e
regenerar, é Parvady.
"Brahma é as vezes o verdugo e a vítima, de tal sorte que o sacerdote que oficia
todas as manhãs nas cerimônias de Sarvameda, sacrifício universal e simbólico
da criação, ao apresentar sua oferenda a Deus, se identifica com o sacrificador
divino, que é Brahma. Melhor dito, é Brahma, vitima em seu filho Christna, que
tem vindo a morrer na terra para salva-nos, realizando ele mesmo o sacrifício
solene."
As almas daqueles cujo coração e mão não tem sido manchadas por nenhum
crime, nenhum pecado, são as únicas que se reúnem e se identificam, uma
vez livres de sua forma corporal, com a divindade, e onde o sentimento
particular se confunde com a beatitude geral, entretanto as almas culpadas,
depois de haver-se expiado suas faltas no inferno, sofrem distintas emigrações
e só entram na natureza espiritual de Brahma depois de haverem sido
purificadas de suas culpas.
A alma que volta a animar em novo corpo, diz o Vedanta, perde sua forma
primitiva, e de igual maneira que a gota de água que atravessa o ar para ir a
dar força e vida às plantas sobre as quais, penetra no embrião animal ao qual
vivifica e anima.
Como se vê, a eternidade da aflição é um dogma que os filósofos hindus não
admitem, e com razão cremos nós; o crime, qualquer que seja, pode e deve ao
tempo, não admitindo as sucessivas emigrações, expiar-se pelo castigo, até
que a alma purificada possa ser julgada digna de uma felicidade sem limites
por sua reunião com o Grande-Todo, na sua universal sabedoria.
Eco fiel das doutrinas do Oriente, Platão sustentava idênticas idéias a respeito
dos futuros destinos da alma, sobre a vida que virá; pensava que era um raio
emanado da suprema inteligência e que ela devia voltar ali, e a faculdade de
absorver-se era considerada, segundo ele, como uma recompensa das boas
ações e não a concedia às almas impuras.
É por ventura possível que a luz se fará mais completa? Que inteligência, até a
mais parcial, poderia negar a influência que a Índia tem exercido sobre o resto
do mundo e principalmente sobre a antiguidade, por sua língua, sua
legislação e sua filosofia? Seria mister, cremos, ter simplesmente desarmado o
espírito de negação, para atrever-se a sustentar, em presença de semelhantes
pontos de contato, melhor dito de semelhantes cópias, que Grécia e Roma não
devem nada a Índia, e que se tem desenvolvido à civilização que conhecemos
por sua própria iniciativa, suas próprias forças e seu gênio.
Admitimos com facilidade que Roma tenha sido inspirada pela Grécia, Grécia
pela Ásia Menor e Egito; porque sobretudo em presença de provas tão claras
como as que acabamos de apresentar, não seguir igual raciocínio, que
conserva igual força lógica e aceitar e considerar a Índia como a iniciadora dos
povos antigos? Não há nisto paradoxo nem teoria especulativa mais ou menos
engenhosa, mas sim uma verdade que se abre, que todos os grandes
indianistas tem aceito desde muito tempo, e que não será rechaçada, cremos,
mais que pelos homens de certo partido, porque é um argumento demasiado
evidente a favor de idênticas origens das tradições e revelações religiosas em
todos os povos.
Se a Índia é, com efeito, o berço da raça branca, a mãe das diferentes nações
que cobrem a Asia, parte da África e Europa, se como prova desta filiação,
encontramos, por igual na antiguidade que nos tempos modernos, sinais
indestrutíveis que delatam esta origem, que este país nos tem legado com sua
língua, sua legislação, sua literatura, suas ciências morais e filosóficas, não se
convertem em um feito evidente que as tradições religiosas, que se tem
transformado e purificado sob a ação do tempo e os esforços do pensamento
livre, devem ter procedido igualmente dali, pois o que os povos emigrantes e
colonizadores conservam mais preciosamente são as lembranças, como laço
benigno entre a nova pátria e antiga, onde descansam as cinzas dos que não
hão de voltar mais?
CAPITULO II
Por último, o libertador da casta dominada dos hebreus funda uma nova
sociedade, se chama Moisés.
Manú, Moisés, Minos, Moisés, estes quatro nomes regem por inteiro o mundo;
aparecem no berço de quatro povos distintos, vindo a desempenhar o mesmo
papel, rodeados de análoga auréola misteriosa, os quatros povos legisladores e
grandes sacerdotes, os quatro fundando sociedades sacerdotais e teocráticas.
Que hajam procedido uns aos outros, que Manú haja sido seu precursor,
sobre isto não pode haver a menor duvida, em presença da semelhanças dos
nomes e da identidade das instituições que tenham criado.
Manés, Minos, Moisés não derivam da mesma raiz sânscrita? Estas palavras
não revelam uma origem única e indubitável, cujas diferenças, pequenas por
certo, de pronúncia e de escrita, podemos atribuir às línguas egípcia, grega e
hebréia, que os três apoderam-se destes nomes primitivo de Manú? Não
deviam necessariamente escrevê-los com mudanças apropriados a seu gênio e
às suas formas particulares?
Por este caminho vamos poder remontar-nos às origens únicas das revelações
e de todas as tradições religiosas.
Isto é ver, nos mitos de todas as classes que rodeiam a infância da maioria das
nações e que a história se tem acostumado a anotar piedosamente, sem
acautelar-se que armazenava ridículos preconceitos e os concedia
autenticidade, em lugar de combatê-los energicamente e relegá-los ao domínio
da fantasia e da poesia.
Com este auxílio é como os ambiciosos têm escravizado e dominado aos povos
nos tempos antigos; e ainda hoje em dia com a ajuda destas lembranças
fabulosas pretendem sujeitá-los.
Uma nova era apareceu; a idéia religiosa tentou a regeneração pela moral, o
livre exame e a razão. Mas o filósofo cristão se converteu prontamente em um
revolucionário para seus sucessores, que saíram das catacumbas para sentar-
se sobre tronos, e a partir deste momento se dedicaram sem trégua a
substituir esta sublime palavra: "Meu reino não é deste mundo" por esta
outra, que ameniza abrir-se ao passo e fazer caminho: "O mundo inteiro é
nosso reino".
Tenhamos aquela fé que agradece a Deus a razão que nos tem dado;
rechacemos a fé que converte a Deus em instrumento para sujeitar a razão.
Isto é o que significa os quatro nomes de Manú, Manés, Minos e Moisés; este
são os ensinamentos que deduzo do passado e que me ensina a história
desprovida da fantasias, prejuízos e superstições, história que devíamos fazer
estudar a nossos filhos, em lugar desta ciência convencional que se pavoneia
nos tempos heróicos e fabulosos, eleva altares aos assassinos da humanidade
e preconiza os sortilégios, as pitonisas, os milagres, Deus, o diabo e a
revelação.
CAPITULO III
Não posso ouvir sem indignação falar da grande voz da história, do juízo da
história, da imparcialidade da história etc. E quando examino de perto esta
grande voz, esse juízo, esta imparcialidade, todas estas palavras sonoras,
enfim, com as quais se satisfaz a admiração da multidão, e que os hábeis
exploram audazmente em proveito próprio.
A história, julgando desde o alto e com imparcialidade, está ainda por nascer;
por agora não é mais que uma alcova complacente e servil de todas as causas
e de todas as opiniões.
Bruto apunhala seu benfeitor, e a história não tem bastantes palavras para
louvar o virtuoso cidadão.
Que significa esta indigna comédia? Por que estes ramos de laurel e louvor
para uns e esta santa indignação para os outros? Por que não tens o valor, tu
a quem se chama a mestra dos povos e dos reis, de fustigar aos assassinos de
todas as épocas, e de rechaçar como meio de traição, o punhal e o veneno?
Será que o famoso princípio de que o fim justifica o meio, procede de ti?
Quem te paga esta obra tenebrosa de baixeza é imoral? É isto tudo o que
podes e deves ensinarmos?
Ah!, Entretanto teu herói não é completo; achas uma sombra no quadro:
Alexandre se embriagava e matava Clito. E, esquecendo os milhares de
homens a quem este louco cavou a tumba, te dignas dar-lhe uma pequena
lição de moral, demonstrando em distintas ocasiões, que se houvera sido mais
sóbrio não havia morto seu amigo.
Por que? Porque ao fim são vencidos junto com suas hordas indisciplinadas
que não tinham tentado fundar nada.
Aplaudir aos audazes afortunados, injuriar aos audazes que fracassam, elevar
sobre o pináculo da glória aos destrutores de nações e esquecendo as vítimas,
considerar com conquistadores ao triunfaram e como aventureiros aos que
sucumbem, esta é tua missão. -Vamos, pois! não nos fale de tua
imparcialidade, de tua grandeza, aduladora das sortes propícias, vil escrava do
firme êxito!
César, que destruiu, não é para ti maior que Verningetorix que defendeu a sua
pátria, e tem sabido acaso sujeitar teus juízos à eterna lei moral que aprecia o
feito pelo mesmo, rachaça o crime porque é crime e não incorrerá jamais na
debilidade de desculpá-lo, pela intenção e o fim que se propõe?
Que tem feito com esta grande idéia da divindade? Quando não a negas por
completo, a mescla tão intimamente com as covardias e debilidades da espécie
humana, que em verdade não se sabe se é preferível que não te ocupes dela.
Sabes por que a humanidade luta tão penosamente desde séculos para
alcançar o bem e a fraternidade universal que deve constituir a única ambição
do porvir? É que tu, anciã narradora de espírito débil, não tem tido o valor de
separar a nossa origem de todas as fábulas, e de todas as superstições que a
rodeiam; e que o homem que formas está obrigado a empregar as energias de
sua idade madura em estirpar, antes de poder marcar até adiante, todos os
erros que teu ensinamento o tenha legado.
Do mesmo modo que a ciência tem empregado séculos e séculos para fazer
mover a terra, porque o plugo a um iluminado fazer parar o sol; de mesmo
modo, com a lenha acesa, os mistérios de Isis ou de Eleusis, as revelações nas
cumes das montanhas rodeadas de raios e tronos, os sortilégios e as milagres
que tenha recolhido sem atrever-te a mudar, a razão moderna não pode
avançar com plena independência, sujeita como está, às vezes, por todas estas
ilusões do passado que tem partidários enraizados e que não se podem vencer
em um dia.
A história que merecerá o nome de tal, será aquela, que baseada na justiça
eterna, a moral eterna e a eterna verdade, rechaçando toda composição, toda
transação de consciência, julgará com igual severidade, pesará em idêntica
balança, julgará com igual severidade, os atos do débil e do forte, as faltas dos
povos e dos reis, os crimes dos aventureiros e dos conquistadores.
Até o presente, a moral da história não se tem elevado por cima deste.
Cartucho não tendo chegado a reunir mais que uma quadrilha de trezentos
homens, é um ladrão.
Alexandre ter podido reunir e arrastar atrás de si mais de cem mil pillos* ; é
um grande gênio.
César ter pisoteado as leis de seu país; ter triunfado; é um grande homem.
Depois, destruamos por sua base todos os seus mitos, a todos os mistérios, a
todos os milagres que não tem explicação física, meios de dominação
inventados na infância dos povos e que se tem muito cuidado em não renovar
na época de maturidade; separemos-nos de todas as intolerância religiosas
que convertem ao divino e ao revelado em instrumentos do poder, para seguir
só as luzes da consciência e da razão.
CAPÍTULO 4
Divide et impera.
Vamos ver qual foi a origem de todas as socieddes antiguas que a copiaram
mais ou menos servilmente ou, melhor dizendo, que conservaram a tradiçao
levada aos cantos do globo pelas sucessivas emigrações.
Tiveram imitadores constantes e depois deles pode dezir-se, com a história dos
povos na mão, que Deus se converteu em instrumento dócil do sacerdote.
Segundo eles:
Seu pé, por último, produziu o Sudra, de fato, o artesão, o criado, o escravo de
outras castas.
Tchatrías tem por dever o governo, seguindo a lei de Deus, com o apoio dos
sacerdotes e proteger o povo.
Vaysias foi obrigado a cultivar a terra, cuidar do gado, tecer telas, fabricar
todosos objetos necessarios à vida, comercio e pagar os impostos.
Enquanto Sudras, criado por último, teve que resignar-se , segundo temos
dito, à obdiência e a escravidão.
Cada homem, e isto foi regra inflexivel, não pode nem por serviços prestados,
nem por atos brihantes, nem por nenhum outro motivo sair da casta em que
tenha nascido, e desde então não restando-lhe nenhuma ambição, nenhuma
esperança de uma situação melhor lhe era oferecida como estímulo à sua
energia; o hindu, cujos passos e cujos movimentos desde o nascimento à
morte, eram contados, regulamentos por costumes e leis, se entregou àquela
vida de sonhos, supertições religiosoas, de fanatismo e de materialismo que é
o que o guia, ainda hoje em dia, e que é o que lhe faz rechaçar toda mudança
como um mal, todo progresso com um delito.
Depois a India tinha sido a terra clássica das invasões , e seus povos se
tinham submetido sempre sem murmurar ao novo jugo a que lhes sujeitava, e
quiças até contemplavam com certa satisfaçao a queda das elevadas castas
que por tão longo tempo os haviam dominado.
Não há dúvida, alude William Jones, que as leis de Manú tais com as
conhecemos e que não contem mais que dois mil seiscentos e oitenta slocas,
não podem ser a obra atribuída à Soumati, que provalvemente é a que se
designa com o nome de Vridda-Manava ou antigo Código de Manú, e que não
tenha podido ser reconstituir-se por inteiro., ainda que numerosas passagem
deste livro tenham sido conservados pela tradição e citados com frequência
pelos comentadores.
Não se pode rezar, comer ou divertir-se mais que com as gente de sua própria
condição, sob pena de degradação.
Esta proibição alcançava com igual riogr aos brahmanes e aos reis assim
como os da baixa realeza. Se concebe que ainda era mais urgente a
necessidade de que o mal exemplo não viria de cima.
"Se vende sal, carne ou laca, incorre em degradação; se vende leite, entra
imediatamente a formar parte da casta dos sudras."
"Se vende outras mercadorias nemos degradantes, o sétimo dia passa a ser
Veysias."
"O brahmane antes deverá mendigar que entregar-se ao mais ligeiro trabalho
manual e baixar ao nível do artesão."
"O brahmane que cai em miséria, deve admitir e receber de quem quer que
seja; pois segundo a lei não pode acontecer que a pureza perfieta seja
manchada.
O comentador Collouca Batta, disse que Adjigarta atou a seu filho a um poste
para oferece-lo em holocasto ao Senhor, mas este, satisfeito de sua obediência
deteve seu braço. Voltaremos a nos ocupar desta lenda que achará seu lugar
nas origens bíblicas."
O mesmo aconteceu para os reis e as demais castas; nada foi tão igualmente
igualado a um crime como a tentativa de mudar de situação, castigada neste
mundo com a degradação e a infâmia, e em outro pela emigraçao das almas
manchadas com este delito aos corpos dos animais mais imundos.
Brahma, essência pura divina, não tardou muito tempo em carecer de altares,
e as suplicas de mortais debieron para chgar a ele, dirigir-se aos seres
inferiores cujar imagens poblaron as pagodas e os tempos, e que Buda tentou
mais tarde derrubar por meio de uma reforma que não carece de analogia com
a planejada por Lutero na Idade Média.
Este foi o golpe mais terrivel à antiga sociedade hindu, o último golpe a esta
obra de decadência e decrepitude e cujos efeitos muito prontamente teremos
ocasião de estudar.
e imaginou por fim esta famosa máxima que depois tenha logrado tão grande
êxito:
Que não há nada mais agradável a Deus que que crer sem compreender;
inclinar-se sem saber; levar no atrio de seus templos uma inteligência, melhor
dito, o exame e a crença razonada."
Vamos ver de imediato o Egito, Judeis, Grécia, Roma, toda a antiguidade, por
fim, copiar a sociedade brahmânica em suas castas, suas teorias, suas
opiniões religiosoas e adotar suas Brahmanes, seus sacerdotes, seus levitas
como haviam já adotado o idioma, a legislação e a filosofia da antigasociedade
dos Vedas, de onde sseus antepassados haviam partido par ir a espacir pelo
mundo todas as grandes idéias de prmitiva revelação.
CAPITULO V
Dessa forma não admitiram nunca que o homem pudesse ser privado de sua
liberdade corporal, e por idêntico título que pudesse ser privado de sua
liberdade moral, ou seja, da faculdade de pensar.
Daí nasceu um sistema penal, que apesar de haver exercido sua influência na
antiguidade, não foi adotado em igual medida por todas as nações daquela
época, e tenha desaparecido por completo dos códigos modernos.
As penas aplicadas pelo antigo direito indostânico posterior aos dos Vedas
são:
1 - A morte
4 - Agressões e tormentos.
5 - As purificações e os sacrifícios.
6 - A multa.
Eram castigados para serem colocados de uma casta superior e passar a outra
inferior:
As falsas acusações.
O levantamento de um depósito.
O adultério.
O abandono de seus filhos e de seus pais e de seus amigos na adversidade.
Toda solicitação dirigida a uma ama de leite para que inflija seu voto de
castidade.
A venda de uma propriedade, vasos, móveis, frutos ou qualquer outras coisas
consagrada aos templos.
A ação de apagar com malícia o fogo sagrado que deve arder sem trégua no
santuário das pagodes.
O recusar alimentos e socorros a seu pais, a sua mãe, a seus irmãos e irmãs
caídos na miséria.
O mais terrível de todos estes castigos era a expulsão total de toda casta. A
morte e os tormentos mais atrozes era preferido.
"Estes homens marcados com sinais borchornosas deve ser abandonados por
seus próprios parentes paternos e maternos e não merecem compaixão nem
atenção.
Não se deve comer com eles, nem sacrificar com eles, nem estudar com eles,
nem aliar-se com eles por meio do matrimônio, que andem pela superfície da
terra em estado miserável, separados e excluídos da todos os deveres sociais."
Esta expulsão da casta, era política, religiosa e podia ser ditada pelo príncipe
ou seus mandatários, fazendo justiça e aplicando a lei civil, ou pelo sacerdote,
juiz religioso, pronunciando suas sentenças sob o pórtico das pagodes e dos
templos em presença do povo reunido.
Desse sistema penal, desta expulsão completa de toda casta, provem este ser
desgraçado, desonrado para sempre que se chama pária, e que ainda hoje em
dia é para todos os hindus de casta, um objeto repugnante, repugnância que
até as inteligências mais cultivadas não podem dominar.
E para que esta desonra fosse indelével, para que aquele que a mereça não
possa subtrair-se à ela marchando à um país distante que o ocultaria, o
culpado era marcado com ferro incandescente, na frente, e na espádua,
segundo os crimes que havia cometido.
A água, o fogo, e o arroz, deviam ser recusados pelo homem de casta, sob pena
de degradação,
Serão necessários talvez séculos para destruir este prejuízo, que apesar do
desaparecimento do antigo direito civil e religioso, não tem perdido, segundo
acabamos de dizer, sua força entre as povoações.
Quando não tiver mais que uma pequena soma, comprará de novo algumas
poucas provisões que venderá como antes em alguma esquina de uma rua ou
sobre um pedra do mercado até que cheque de novo para ele a hora do
descanso.
Tal foi aquele espantoso, sistema penal, com cuja ajuda os brahmanes
souberam conservar as castas na linha que estavam atrás de cada uma, e
domina-las à todas, pelo medo a prescrição, obrigando-as a respeitar sua
despótica autoridade.
Vamos ver o que esta organização legou por sua vez aos diferentes povos da
antiguidade, e que desastrosa influência tiveram para Egito, Judéia, e até para
Grécia e Roma, estas divisões de casta, esta propensão pela degradação moral
é indelével do culpado e de sua descendência, este predomínio constante em
fim sobre os povos e as instituições da Alta Ásia, do sacerdote egoísta e
dominador, deste exportador hábil da idéia religiosa, por meio da obscuridade,
das profecias, dos milagres e das mentiras.
O Egito por sua posição geográfica tinha de necessariamente ser uma das
primeiras regiões colonizadas pelas emigrações da Índia, um dos primeiros
povos que recebeu a influência daquela antiga civilização, cujos raios tem
chegado até nós.
Certo é que não poderiam apresenta-los todos dentro dos estreitos limites que
me tem imposto, já podendo ver, que até sujeitando-me aos princípios gerais,
cada capítulo desta obra se converteria facilmente em um volume, se todos os
assuntos que nele se trata, todas as questões que nele suscitam, foram
desenvolvidas com a extensão que poderia dar-lhe.
Que foi o governo do Egito, referindo-se as épocas antigas? Uma cópia idêntica
da Índia, sob a inspiração do mesmo legislador, Manu ou Manés, cujas leis
haviam sido conservadas pela tradição emigrante, e serviram para fundar no
novo país uma sociedade semelhante a da pátria mãe.
Depois dele vem o rei, a quem o sacerdote quer deixar reinar, mas com a
condição de que só reinará mercê à suas inspirações e conselhos.
Depois, mais abaixo encontramos, como na Índia, o comerciante, encarregado
de acrescentar a fortuna das primeiras castas, de satisfazer seu luxo, seus
caprichos, seus vícios e enfim, o artesão ou trabalhador que tem que ser
operário, criado, escravo...
E que grande número de diversão devia oferecer-lhes a morte daquele boi, que
eram obrigados a repreendê-los para que o dogma de sua imortalidade não
sofra nenhum ataque!
Entretanto, os sacerdotes egípcios não encontraram uma raça de reis tão dócil
nem maleável como a dos Tacharias, que nunca tentaram rebelar-se contra a
autoridade dos brahmanes.
Assim é como sob a mão dos sacerdotes e dos reis, o antigo Egito se
encaminhou passo a passo até a ruína e esquecido depois da queda de seu
governo teocrático; não estando preparado e não tendo com que substitui-lo,
só tinha o recurso de morrer.
Desta maneira, pondo cara a cara aqueles dois antigos países para fazer
paralelo, a Índia e o Egito, vemos o mesmo governo, as mesmas divisões de
castas, iguais instituições produzir idêntico resultado é impedir a estes povos
o papel que puderam desempenhar na história do porvir.
Acaso não se vê que o Egito de Manés, o Egito sacerdotal não teve mais
instituições idênticas a das Índias na primeiras idades, que esquecendo pouco
a pouco a tradição de havia recebido, sacudiu por meio de seus reis a
dominação dos sacerdotes e que a partir de Psaméticus derrubou a idéia
teocrática pura para substituí-la com a idéia monárquica, que adiante ia a
dominar as novas civilizações? Acaso não sabemos que as divisões de castas
foram abolidas em tempo de Ptolomeu?
O mérito do Egito consiste nisto, mas seria um erro atribuir-lhe outros. Foi a
primeira nação que na anatiguidade teve a força de derrubar o governo do
sacerdote que se havia originado no extremo Oriente sem poder evitar apesar
dele a caída que a influência deletéria e corrompida que aquele último o havia
preparado.
Seja suficiente haver indicado estes pontos de contato que, segundo nossa
opinião, explicam o Egito antigo pela Índia e a influência brahmânica, e
levantam por meio lógico na medida do possível, uma ponta de obscuro velo
que oculta a origem de todos os povos.
CAPÍTULO VII
MINOS E A GRÉCIA
A prova mais irrefutável da influência da Índia sobre a Grécia esta no fato,
sobre a qual já nos temos ocupado extensamente, de que o sânscrito ter
formado a língua deste pais.
Minos tem uma origem indubitavelmente asiática; a história grega o fez vir do
Oriente à Creta, e onde o povo, maravilhado com sua sabedoria, o pediu leis.
Viajou então ao Egito, cujas instituições estudou, recorreu à Ásia, à Pérsia, e
às fronteiras dos hindus interrogando as tradições e as legislações antigas,
depois regressou para dar aos cretenses seu livro da lei, que pouco depois, foi
adotado pela Grécia inteira.
Se Roma não tivesse vindo, com sua invasão brutal, secar a força e a vida
daquela admirável região, faria muito tempo que todos os problemas de
progresso e liberdade, para os quais a Europa não tem terminado ainda de
agitar-se e revolucionar-se, haveriam sido resolvidos pelos filhos da Helada,
por estes descendentes da livre e primitiva sociedade indostânica.
Ainda que os sacerdotes e a família dos Eumolpides, encarregados do culto de
Ceres, que foram uma casta de levitas, houvessem também gozado na Grécia
de uma grande influência, principalmente no período antigo, parece que
jamais chegaram a conquistar em proveito próprio o governo da nação, e a
este deve principalmente atribuir-se o desenvolvimento considerável do
espírito humano neste pequeno pais, que havia tentado estabelecer nela o
reinado da democracia e da liberdade em uma época em todos os despotismos
políticos e religiosos se davam a mão para sujeitar o mundo.
Por que foi preciso que a segunda corrente de emigração pelo Himalaia e as
planície do Norte, que trouxe à Europa as tribos escandinavas, germanas e
eslavas, detida sem dúvida pela aridez do solo e os rigores de um clima novo
para eles, não pudesse alcançar a civilização tão rapidamente como as nações
do equador, e um dia menos esperado se precipitara sobre elas para destruí-
las?
E o mundo novo repousou mais de quinze séculos sob um poder nem menos
sacerdotal nem menos tirânico que o da antiguidade, antes de voltar a falar as
grandes lembranças, as grandes verdades sociais e políticas legadas pela
Grécia.