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Necessidades educativas

infantis e educação inclusiva


Desenvolvimento social e lógico-
-matemático da criança

Denise Cristina Ferreira Gomes


Cíntia Gomide Tosta
Denise Rodovalho Scussel
Fernanda Sousa Freitas
Mônica Corrêa Avelar
Neire Márcia da Cunha
Selma Aparecida Ferreira da Costa
© 2016 by Universidade de Uberaba

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser


reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio,
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por escrito, da Universidade de Uberaba.

Universidade de Uberaba

Reitor
Marcelo Palmério

Pró-Reitor de Educação a Distância


Fernando César Marra e Silva

Editoração
Produção de Materiais Didáticos

Capa
Toninho Cartoon

Edição
Universidade de Uberaba
Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário

Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central UNIUBE

N28 Necessidades educativas infantis e educação inclusiva:


desenvolvimento social e lógico-matemático da criança / Denise
Cristina Ferreira Gomes ... [et al.]. – Uberaba : Universidade de
Uberaba, 2016.
340 p. : il.

Programa de Educação a Distância – Universidade de Uberaba.


ISBN

1. Educação de crianças. 2. Educação inclusiva. I. Gomes,


Denise Cristina Ferreira. II. Universidade de Uberaba. Programa de
Educação a Distância.

CDD 372
Sobre as autoras
Denise Cristina Ferreira Gomes

Especialista em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade


Católica de Minas Gerais – PUC-MG. Especialista em Docência
Universitária e Licenciada em Ciências, pela Universidade de Uberaba ─
Uniube. Licenciada em Matemática pela Universidade Presidente Antônio
Carlos ─ UNIPAC. Atualmente é professora de Matemática e Ciências em
um colégio particular, atua também com elaboração de material didático
de Matemática para os anos iniciais do Ensino Fundamental e para o
ensino superior.

Cíntia Gomide Tosta

Mestre em Psicologia e Especialista em Educação pela Universidade


Federal de Uberlândia – UFU. Graduou-se em Direito e Pedagogia.
Atua com gestão escolar e como pesquisadora dos processos de
aprendizagem e desenvolvimento principalmente relacionados ao
grafismo infantil. É docente no curso de formação e pedagoga e
pesquisadora do Arquivo Público de Uberaba.

Denise Rodovalho Scussel

Mestra em Educação pela Universidade de Uberaba – Uniube. Graduada


em Pedagogia com habilitação em Supervisão, Administração e
Educação Especial. Gestora e docente do curso de Pedagogia da
Universidade de Uberaba ─ Uniube.

Fernanda Sousa Freitas

Especialização em Matemática pela Universidade do Grande Rio ─


Unigranrio. Especialização em Supervisão Escolar pelas Faculdades
Integradas Jaguarepaguá ─ FIJ. Graduação em Licenciatura Plena em
Matemática pela Universidade do Grande Rio ─ Unigranrio. Professora
do Ensino Fundamental e Médio da rede pública estadual. Professora
de cursos para concursos.

Mônica Corrêa Avelar

Graduada em Pedagogia pela Universidade de Uberaba – Uniube.


Especialista em Psicopedagogia Institucional pela Universidade
Federal de Uberlândia – UFU; em Metodologia do Ensino Superior e
em Supervisão Pedagógica pela Faculdade do Noroeste de Minas –
FINOM. É docente do curso de Pedagogia a Distância da Universidade
de Uberaba – Uniube.

Neire Márcia da Cunha

Graduada em Geografia e pós-graduada em Psicopedagogia pela


Fundação Municipal de Ensino Superior – Fumesu. Trabalha como
assessora pedagógica, na Secretaria de Educação de Uberaba ─ Semec,
no Departamento de Inclusão Educacional e Diversidade. É docente do
curso de Pedagogia a Distância da Universidade de Uberaba – Uniube.

Selma Aparecida Ferreira da Costa

Graduada em Letras Português/Espanhol pelas Faculdades Associadas


de Uberaba – Fazu. Possui curso de Aperfeiçoamento em Alfabetização
e Dificuldades de Aprendizagem pelo Centro de Capacitação e Formação
Profissional de Uberaba. Atua há dezesseis anos na Educação Básica
em escolas municipais de Uberaba.
Sumário
Apresentação............................................................................................................. ..IX

Parte I Necessidades educativas infantis e educação inclusiva........... 1

Capítulo 1 Necessidades educacionais especiais: O que são? Por


quê? Como trabalhar?........................................................... 3
1.1 Compreendendo a história das necessidades educacionais especiais ................. 5
1.1.1 Fase da fundação (1800-1930) ..................................................................... 5
1.1.2 Fase de transição (1930-1936) ...................................................................... 6
1.1.3 Fase de integração (1963-1980) ................................................................... 7
1.1.4 Fase contemporânea (1980-atualidade) ....................................................... 7
1.2 Conceituação e descrição de dificuldade de aprendizagem,
distúrbio e deficiência .............................................................................................. 9
1.2.1 Conceituação ................................................................................................. 9
1.2.2 Descrição.......................................................................................................12
1.3 Causas.....................................................................................................................22
1.3.1 Lesão cerebral................................................................................................25
1.3.2 Alterações no desenvolvimento cerebral ......................................................26
1.3.3 Desequilíbrios neuroquímicos........................................................................26
1.3.4 Hereditariedade .............................................................................................27
1.3.5 Influências ambientais ...................................................................................27
1.4 Propostas pedagógicas ..........................................................................................30
1.4.1 Primeiro passo ..............................................................................................31
1.4.2 Conhecendo as necessidades fundamentais da criança na educação
infantil ............................................................................................................34
1.4.3 A importância do estudo das funções cognitivas segundo Feuerstein para a
prática pedagógica .....................................................................................37
1.4.4 O trabalho pedagógico com os distúrbios e com a deficiência intelectual ...40
1.5 Conclusão................................................................................................................47

Capítulo 2 Interesses e necessidades de crianças superdotadas e


talentosas............................................................................ 55
2.1 Uma breve visão histórica da superdotação ......................................................... 57
2.2 Desmitificando conceitos.........................................................................................59
2.2.1 Aspectos de notável desempenho e elevada potencialidade de crianças
superdotadas e talentosas .......................................................................... 62
2.2.2 Perfis individuais em relação à superdotação/talento ................................. 68
2.3 Identificando os mais capazes .............................................................................. 68
2.3.1 Testes de inteligência (Q.I.)........................................................................... 68
2.3.2 Técnica da autoidentificação ....................................................................... 69
2.3.3 Observação com base em checklist............................................................. 69
2.4 Aspectos emocionais e comportamentais das altas habilidades/superdotação.... 77
2.5 Aspectos pedagógicos das altas habilidades/superdotação e talentos ............... 80
2.5.1 Formas de atender aos alunos superdotados/talentosos no contexto
educacional ........................................................................................................... 81
2.5.2 Estratégias pedagógicas para a modificação do conteúdo curricular ......... 82
2.5.3 O atendimento oferecido pelas salas de Atendimento Educacional
Especializado (AEE) – salas de recurso....................................................... 88
2.6 A superdotação, os distúrbios e as dificuldades de aprendizagem ........................... 88
2.7 Como trabalhar com os alunos superdotados em sala de aula? Qual é o
papel da escola?.................................................................................................... 93
2.8 Conclusão............................................................................................................... 98

Capítulo 3 Da teoria da mediação à prática da intervenção


pedagógica....................................................................... 105
3.1 A mediação pedagógica e a aprendizagem......................................................... 106
3.2 Os processos de aprendizagem........................................................................... 108
3.3 A função da intervenção pedagógica....................................................................110
3.4 Modificabilidade cognitiva estrutural......................................................................111
3.5 Intencionalidade da ação ......................................................................................113
3.6 Mediação................................................................................................................114
3.7 Prática pedagógica................................................................................................116
3.8 Os dez mandamentos da aprendizagem..............................................................118
3.9 Teoria e prática pedagógica.................................................................................. 122
3.10 Promovendo o desenvolvimento de forma integral............................................ 126
3.10.1 Pressupostos teóricos de Wallon.............................................................. 126
3.10.2 O movimento e o pensamento ................................................................. 128
3.10.3 Emoção e afetividade............................................................................... 129
3.11 Postulado............................................................................................................ 130
3.12 Conclusão........................................................................................................... 131

Parte II Desenvolvimento social e lógico-matemático da criança...... 139

Capítulo 4 Os jogos e o conhecimento lógico-matemático: caminho


para o Desenvolvimento e resolução de problema.......... 141
4.1 Vamos refletir sobre o ensino da matemática?................................................... 144
4.2 O homem e a aprendizagem do conhecimento lógico-matemático ................... 146
4.3 A relação entre as fases do desenvolvimento humano e o uso do material
concreto ................................................................................................................ 149
4.4 Há muito tempo o homem já jogava..................................................................... 153
4.5 O conhecimento lógico-matemático e o desenvolvimento do raciocínio............. 154
4.6 Os jogos como estratégia no ensino-aprendizagem............................................ 160
4.7 Relação entre lúdico e jogos................................................................................ 166
4.7.1 Jogando com as crianças na educação infantil.......................................... 169
4.7.2 Jogando com as crianças dos anos iniciais do Ensino
Fundamental............................................................................................... 171
4.8 Um jeito diferente de ver a matemática................................................................ 175
4.9 Conclusão............................................................................................................. 180

Capítulo 5 Alfabetização matemática I............................................... 187


5.1 Alfabetização matemática: um estudo em prol do desenvolvimento infantil ...... 189
5.1.1 Raciocínio lógico-matemático e construção do conhecimento ................. 191
5.2 A construção do conceito de número .................................................................. 207
5.2.1 A construção do conceito de número: número, numeral e algarismo ....... 208
5.2.2 Representações sobre números: estruturas lógico-matemáticas.............. 210
5.2.3 Representações sobre quantidades: contagem ........................................ 235
5.2.4 Representações sobre sistemas: leitura e escrita de numerais ................ 238
5.3 A alfabetização matemática e o desenvolvimento da autonomia intelectual,
afetiva, social e motora da criança...................................................................... 240
5.4 Conclusão............................................................................................................. 241

Capítulo 6 Alfabetização matemática II.............................................. 249


6.1 Alfabetização matemática: ampliando nossos estudos ...................................... 251
6.1.1 Sistemas de numeração ............................................................................ 251
6.1.2 Como as crianças entendem sistemas de numeração? ........................... 254
6.1.3 Sistemas de numeração na sala de aula .................................................. 258
6.2 Aritmética e PCNs: os campos conceituais ......................................................... 262
6.2.1 Campo aditivo ............................................................................................ 266
6.3 Campo multiplicativo ............................................................................................ 282
6.3.1 Estruturas multiplicativas............................................................................ 283
6.3.2 PCNs e campo multiplicativo...................................................................... 285
6.4 Conclusão ............................................................................................................ 290

Capítulo 7 A condição social humana e a construção da moral na


perspectiva de Jean Piaget................................................ 297
7.1 Relembrando: a relevância do social e da cultura para Wallon, Vygotsky e Piaget...303
7.1.1 A relevância do social para Wallon............................................................. 305
7.1.2 A relevância do social para Vygotsky ......................................................... 306
7.1.3 A relevância do social para Piaget.............................................................. 308
7.2 Moral e ética: conceitos historicamente construídos........................................... 309
7.2.1 A construção da moralidade sob a teoria piagetiana: retomando e
avançando essa reflexão............................................................................ 313
7.2.2 Aprofundando a reflexão sobre o papel do professor no desenvolvimento
moral do aprendiz, na perspectiva piagetiana ........................................... 320
7.3 Conclusão............................................................................................................. 326
Apresentação
Este livro constitui-se de duas partes. A Parte I se refere ao componente
curricular Necessidades educativas infantis e educação inclusiva, que
se subdivide em três capítulos: “Necessidades educacionais especiais:
o que são? Por quê? Como trabalhar?”; “Interesses e necessidades de
crianças superdotadas e talentosas” e “Da teoria da mediação à prática
da intervenção pedagógica”.

A leitura desses capítulos nos levará a refletir sobre os alunos que


apresentam necessidades educacionais especiais e que, tantas vezes,
devido às incompreensões, tornam-se estigmatizados. o olhar atento de
um educador poderá mudar o destino de muitos alunos, pois, ao afastar-
-se de uma visão preconceituosa, saberá buscar estratégias diferenciadas
em seus planejamentos, fazendo das diferenças um rico recurso didático
para o planejamento de suas aulas.

No primeiro capítulo, a autora faz uma abordagem sobre as necessidades


educacionais especiais, levando-nos a perceber a diversidade de
situações que um professor pode enfrentar em sala de aula. Com o
advento do princípio de inclusão e a valorização de um ambiente de
aprendizagem heterogêneo, necessário se faz que o professor saiba
diferenciar distúrbio de dificuldade de aprendizagem, bem como saiba
identificar também as possíveis deficiências de seus alunos. Após uma
primeira análise de sua turma, o professor poderá se perguntar: o que
fazer? Qual é o melhor caminho para o preparo de minhas aulas?
Veremos, então, que não existe uma fórmula única, mas sim, que cada
um e cada momento são únicos no trabalho de um educador.

Já o segundo capítulo aborda os interesses e as necessidades de crianças


super-dotadas e talentosas. Como verdadeiras joias, necessitam de um bom
trabalho para que seus talentos brilhem e alcancem todos à sua volta. Mas
se, ao contrário, esse trabalho direcionado aos interesses e às capacidades
delas não for realizado, poderão frustrar-se, desmotivar-se com os estudos
ou, até mesmo, serem vítimas de rotulações preconceituosas no ambiente
escolar. Você saberia como lidar com um aluno superdotado? A leitura desse
capítulo o auxiliará a lidar com tal situação.
X UNIUBE

O terceiro e último capítulo da Parte I trata sobre a mediação pedagógica.


Ao longo da leitura você terá a oportunidade de refletir sobre a
importância de uma intervenção pedagógica mediada para um pleno
desenvolvimento cognitivo infantil, que ocorre tanto em espaços formais
quanto em espaços informais de educação. Você refletirá também sobre
os conhecimentos necessários ao educador mediador da aprendizagem.
As argumentações das autoras estão pautadas em Vygotsky, Feuerstein,
Wallon, entre outros autores.

A Parte II do livro se refere ao componente curricular Desenvolvimento


social e lógico-matemático da criança, que se subdivide em quatro
capítulos: “os jogos e o conhecimento lógico-matemático: caminho para
o desenvolvimento e resolução de problemas”; “Alfabetização matemática
I”; “Alfabetização matemática II” e “A condição social humana e a
construção da moral na perspectiva de Jean Piaget”.

No primeiro capítulo da Parte II, você terá a oportunidade de observar


o quanto os jogos contribuem para o desenvolvimento infantil, pelo fato
de se constituírem em estratégias interessantes para a resolução de
problemas do cotidiano.

Na sequência, estudaremos os capítulos “Alfabetização matemática


I e II”. Neles, a autora aborda a filosofia, a lógica, o raciocínio lógico-
matemático e, principalmente, como seu conhecimento se processa.
Veremos a importância de sabermos utilizar a matemática no meio social
no qual estamos inseridos. o aprendizado da matemática é um processo
contínuo e que, da mesma forma como nos aprimoramos na arte de ler
e escrever, também nos aprimoramos no aprendizado da matemática.
A autora enriquece suas argumentações com uma série de exemplos
práticos que o professor poderá utilizar ao planejar suas aulas de maneira
a auxiliar seus alunos na construção do conceito de número.

Finalizaremos nosso estudo abordando uma questão fundamental


para os seres humanos com o capítulo “A condição social humana e a
construção da moral na perspectiva de Jean Piaget”. Nesse capítulo, você
terá a oportunidade de compreender que a moralidade é um resultado de
um longo processo inconcluso de construção sócio-histórica e o quanto é
importante pensar sobre esse assunto no âmbito da esfera escolar.
Parte I

Necessidades educativas infantis e educação


inclusiva
Capítulo
Necessidades educacionais
especiais: O que são? Por
1
quê? Como trabalhar?

Denise Rodovalho Scussel

Introdução
É muito condizente, sobretudo em nossa profissão, o convite de
Lacerda (2001, p. 143) “Uma iluminação indireta pode revelar
detalhes que até à resplandecente luz do sol escaparam. Portanto:
olhe sempre de outros jeitos. O profissional docente é o sujeito da
educação que sempre deve procurar diferentes formas e diferentes
focos de compreender e surpreender aqueles com os quais se
relaciona e interage, em seu contexto de vida.

Após os estudos realizados referentes ao projeto político-


-pedagógico, às relações que o homem estabelece ao aprender
e às diferentes teorias que defendem as formas diversas de
condução da aprendizagem, é chegada a hora de conversarmos
a respeito das necessidades especiais que surgem na escola e,
mais intimamente, na sala de aula. Então, vamos aprofundar nosso
conhecimento em relação à aprendizagem humana. Acredito que
possivelmente esse assunto já tenha lhe causado interesse e até
mesmo sido estudado em sua sala de aula, caso já trabalhe na área.

Neste capítulo, iremos abordar o caminho histórico das dificuldades


de aprendizagem; explicar as terminologias utilizadas para a
descrição de casos de dificuldade de aprendizagem, distúrbios
e deficiências, bem como a diferenciação entre eles; analisar as
práticas que os educadores estão utilizando em seus contextos
escolares e refletir sobre aquelas que são mais convenientes entre
os diferentes casos.
4 UNIUBE

Esse estudo vem ao encontro das necessidades do profissional


docente e gestor que está na escola esforçando-se para fazer
o melhor dentro das possibilidades e entraves que encontra. o
estudo também tem como finalidade chamar o educador para
desenvolver um trabalho de observador e investigador constante,
pois somente com essa análise investigativa, fundamentada na
teoria e em uma prática reflexiva, é que teremos o avanço não só
do aluno com necessidades especiais, mas de todos os alunos.

Objetivos
Neste capítulo, estudaremos as necessidades educacionais especiais
inerentes aos seres humanos. Após o estudo deste capítulo,
esperamos que você seja capaz de:

• c ompreender o estudo histórico das necessidades educacionais


especiais e os desdobramentos ocorridos de acordo com cada
época;
• d
iferenciar as terminologias utilizadas para a descrição de casos
de dificuldade de aprendizagem, distúrbios e deficiências;
• c ompreender as práticas pedagógicas utilizadas nos contextos
escolares e refletir sobre aquelas que são mais convenientes
entre os diferentes casos;
• i dentificar as diferentes necessidades educacionais especiais
das crianças e dos jovens considerando-os o eixo central para
a atuação pedagógica.

Esquema
1.1 Compreendendo a história das necessidades educacionais
especiais
1.2 Conceituação e descrição de dificuldade de aprendizagem,
distúrbio e deficiência
1.3 Causas
1.4 Propostas pedagógicas
1.5 Conclusão
UNIUBE 5

1.1 Compreendendo a história das necessidades educacionais


especiais

O início dos estudos das necessidades educacionais especiais partiu


do conceito que os estudiosos tinham de criança com lesão cerebral.
Somente a partir de 1963 é que os termos relacionados às necessidades
educacionais especiais ganham outras configurações e são oficializados.
Para melhor compreensão do assunto, Cruz (1999) organizou os
momentos históricos em quatro fases.

1.1.1 Fase da fundação (1800-1930)

A medicina, em especial a neurologia que primeiro se interessou pelo


tema e pela observação de pacientes com algum tipo de lesão cerebral,
observou que, de acordo com a especificação e localização cerebral das
funções tais como a linguagem, memória, personalidade e inteligência,
as reações dos pacientes eram totalmente diferentes.

Em 1860, Pierre Broca descobre que o lado esquerdo do cérebro funciona


de modo diferente do lado direito; e as desordens da fala e da linguagem
expressiva devem-se a danos ou lesões em uma área específica do
cérebro. Outro fato a ressaltar foi o de 1908, em que Carl Wernicke, em
pesquisa, assinala que a área temporal esquerda é responsável pela
compreensão verbal, tanto na compreensão como na associação de sons
e da linguagem escrita. Em 1917, com estudos de
James Hinshelwood, foi detectada a localização
distinta para a memória visual de tipo cotidiano, Girus angular
do hemisfério
para memória visual de letras e para memória esquerdo
visual de palavras, localizando-se estas últimas
Atua como conexão
no girus angular do hemisfério esquerdo. entre as regiões
auditivas e visuais,
centro básico da
Samuel Orton, em 1928, relata que todos os conversão do
indivíduos têm um hemisfério cerebral dominante estímulo visual-
e que o hemisfério dominante nos destros é o grafema em
unidades auditivas
esquerdo e, nos canhotos, o hemisfério cerebral equivalentes –
dominante é o direito. fonemas – ou seja,
o processo básico
da leitura.
Pode-se dizer que a história das pessoas com Fonte: Fonseca
necessidades educacionais especiais encontra (1995, p. 39).

suas heranças nos estudos neuropsicológicos de


6 UNIUBE

adultos que perderam a habilidade para falar, ler, escrever ou calcular


depois de sofrerem uma lesão cerebral. Tais investigações e teorias foram,
posteriormente, alargadas às crianças que apresentavam um desenvolvimento
aquém do esperado das habilidades acadêmicas em específico.

Essa fase da história foi muito importante para a ciência relacionada ao


desenvolvimento das capacidades e habilidades do homem, porém foi
também um período de estudos restrito ao grupo de teóricos e estudiosos
das ciências relacionadas à saúde.

1.1.2 Fase de transição (1930-1936)

Psicólogos e educadores começam a desenvolver instrumentos e


programas úteis para o diagnóstico e a recuperação de distúrbios
manifestados pelas crianças, no processo de aprendizagem. Podemos
dizer que algumas pessoas foram muito importantes para o estudo das
necessidades educacionais especiais nessa época, dentre elas, citamos:

• Werner (filósofo alemão);


• Strauss (antropólogo, filósofo e professor, considerado fundador da
antropologia);
• Marianne Frostig (realizou estudos voltados para o desenvolvimento
perceptivo e motor);
• Maslow (psicólogo americano);
• Lefèvre (neurologista que dedicou-se aos testes e programas
psicomotores);
• Myklebust (estudioso dos distúrbios de aprendizagem, ligados ao
desenvolvimento psicomotor) e outros.

Verificou-se que a maioria dos estudiosos destacados já não procedia do


campo da neurologia, passando a ter origem no campo da psicologia e da
educação, o que justifica a proliferação de produção de testes e programas de
recuperação, verificados nesta época. Também, nesta fase, as necessidades
educacionais especiais ganham outra visão, além da visão neurológica,
constatam-se a inferência da questão educacional, pois, na realidade, os
investigadores observavam uma variedade de problemas presentes em
crianças de inteligência normal, que pareciam intervir na aprendizagem.
UNIUBE 7

SAIBA MAIS

Essa fase foi muito importante para nós, educadores. Nessa época, o
espaço para educação começa a ganhar força!

1.1.3 Fase de integração (1963-1980)

Samuel Kirk, em 1965 (apud FONSECA, 1995), populariza o termo


dificuldade de aprendizagem (learning disability), com isso, surgem
métodos de avaliação e diagnóstico, bem como programas de intervenção
específica.

A partir do momento em que surge, oficialmente, o campo da dificuldade


de aprendizagem, e que ele se concretiza em sua área de atividade
própria, surgem interesses pelos possíveis problemas que podem surgir
no processo ensino-aprendizagem. Esse interesse foi manifestado em
diferentes formas por meio de publicações, programas universitários para
a formação de especialistas, associações de profissionais e disposições
legais para dotar, economicamente, serviços adequados que atendam
às crianças com dificuldades de aprendizagem a fim de que adquiram
habilidades escolares.

Mesmo que a educação tenha conseguido um espaço para discussão


e participação desse estudo, ele foi muito pequeno e restrito, pois se
acreditava que os professores não estavam aptos a discutir e a colaborar
com esse processo tão elaborado que é a construção do conhecimento
humano.

1.1.4 Fase contemporânea (1980-atualidade)

Alargam-se tendências para o diagnóstico e para a intervenção. Há


grande avanço nos trabalhos interdisciplinares entre os profissionais.
Nesse período, é possível estabelecer três quadros conceituais
relacionados às dificuldades de aprendizagem:

• Inicialmente, tem-se uma visão comportamental, nesse caso as


dificuldades de aprendizagens são explicadas por ações observáveis
8 UNIUBE

entre respostas dadas em situações específicas de aprendizagem e


os estímulos recebidos. Nessa perspectiva, a aprendizagem é vista
somente como sendo a relação entre o estímulo fornecido e uma
resposta ou recompensa, de alguma forma, é providenciada pelo
indivíduo, ou entre esta resposta e um reforço.

• Outra visão é a inatista, que dá ênfase ao aspecto cognitivo


da criança. Nessa perspectiva, as pessoas com dificuldades de
aprendizagem necessitam de um controle, de um programa ou
plano de ação; as crianças com dificuldades de aprendizagem são
aquelas que apresentam alterações nas capacidades de retenção
da informação na memória de trabalho, na seleção de informação
e/ou retém pouca informação na memória de longo prazo.
• E, finalmente, a perspectiva neuropsicológica, que procura relacionar
o conhecimento neurológico à bagagem do indivíduo dentro
da neurociência, com os aspectos psicológicos e os aspectos
educacionais. Essa abordagem acredita que a aprendizagem é
um comportamento complexo mediatizado por questões físicas,
emocionais, ambientais e pedagógicas.
É possível que você ainda esteja confuso(a) em relação ao que vem a
ser realmente uma dificuldade de aprendizagem, e se as necessidades
educacionais especiais estão relacionadas ou não com as dificuldades
de aprendizagem, bem como com as deficiências.

Vamos tentar conversar mais um pouco sobre isso e esclarecer o que


são essas terminologias e também o alcance delas na escola e na
aprendizagem. 

SAIBA MAIS

Visão comportamental: É o conjunto das teorias psicológicas (dentre


elas a análise do comportamento, a psicologia objetiva) que postulam o
comportamento como o mais adequado objeto de estudo da psicologia.
O comportamento geralmente é definido por meio das unidades analíticas
de respostas e estímulos. Historicamente, a observação e a descrição do
comportamento fez oposição ao uso do método de introspecção.

Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Behaviorismo>. Acesso em: 9 abr. 2012.


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Visão inatista: A visão inatista defende que os seres humanos nascem


programados biologicamente para falar, assim como os pássaros para voar.
Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_inatista>. Acesso em: 9 abr. 2012.

Memória de trabalho: Entende-se memória de trabalho ou memória de


curto prazo como um componente cognitivo ligado à memória, que permite o
armazenamento temporário de informação com capacidade limitada.
Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mem%C3%B3ria_de_trabalho>.
Acesso em: 9 abr. 2012.

1.2 Conceituação e descrição de dificuldade de aprendizagem,


distúrbio e deficiência

A grande finalidade desse tópico no estudo das necessidades educacionais


especiais vem ao encontro do documento do MEC (BRASIL, 2003, p.
18), elaborado para a Educação Infantil. Esse documento refere-se
à funcionalidade e à capacidade de uma pessoa. Essa funcionalidade
é concebida como uma interação dinâmica entre os estados de saúde
(doenças, distúrbios, lesões e traumas), que podem trazer limitações no
desenvolvimento, e os fatores contextuais. Logo, antes de antecipar a
realização de um diagnóstico precoce e, por isso mesmo indevido, todos os
aspectos do desenvolvimento, bem como o meio cultural que esse sujeito
está inserido, devem ser considerados e analisados profundamente.

1.2.1 Conceituação

É sempre bom compreendermos a conceitualização e as diferenças entre


os termos dificuldade de aprendizagem, distúrbio e deficiência, pois ao
conhecê-los com maior propriedade, melhor será nossa posição e nossa
intervenção frente a eles.

1.2.1.1 Dificuldade de aprendizagem

A dificuldade de aprendizagem constitui uma inadequação de rendimento


acadêmico, não explicável pelo déficit cognitivo, pelo prejuízo sensorial
e físico ou pelo desajustamento emocional.
10 UNIUBE

As causas das dificuldades de aprendizagem são diversas e podem


ser relativas à capacidade básica para aprender, às técnicas de ensino,
aos recursos físicos, humanos ou didáticos, às estratégias de ensino, à
avaliação e, por último, a um meio social e escolar pouco estimulante.

As crianças com queixas de dificuldades de aprendizagem apresentam


as seguintes características:

• problemas de atenção;
• problemas emocionais decorrente do fracasso acadêmico;
• problemas de memória;
• dificuldades psicolinguísticas;
• dificuldades ou atrasos motores;
• dificuldades significativas na aquisição, compreensão e utilização
auditiva;
• dificuldades de linguagem oral, leitura, escrita e raciocínio lógico-
-matemático;
• inadequação didático-metodológica do processo ensino-
-aprendizagem.

1.2.1.2 Distúrbio de aprendizagem

O distúrbio de aprendizagem está relacionado a quadros de alterações


neurológicas, descartando causas que provocam deficiências ou
dificuldades. Referem-se às pessoas que possuem problemas
significativos de aquisição e uso das capacidades de compreensão e
expressão linguísticas e das operações lógico-matemáticas. Manifesta-
-se costumeiramente em uma ou poucas habilidades, sendo possível
a criança ser ótima em matemática e não conseguir ler e escrever
satisfatoriamente.

As causas advêm de disfunções cerebrais tanto de origem genética como


adquirida. As crianças apresentam comportamento “anormal” em relação
à aprendizagem e apresentam um cérebro anatomicamente “normal”.
As características dos distúrbios de aprendizagem comumente não
manifestam irregularidades em exames médicos.
UNIUBE 11

As crianças com queixas de distúrbios de aprendizagem podem


apresentar:

• distúrbio de leitura e escrita – dislexia;


• distúrbio na articulação da fala – dislalia;
• distúrbio na grafia – disgrafia;
• distúrbio na organização das palavras – disortografia;
• distúrbio na organização e no trabalho com números – discalculia.

1.2.1.3 Deficiência de aprendizagem

A deficiência de aprendizagem diz respeito a uma incapacidade


intelectual acentuada. Nesse grupo, geralmente estão crianças com
déficits cognitivos. Há, nesse grupo, um comprometimento geral nos
aspectos: motor, cognitivo e social. A aprendizagem está sempre atrasada
em comparação à dos alunos ditos normais.

Para que a criança seja considerada deficiente intelectual é necessário


que sua conduta esteja aliada a duas ou mais dificuldades adaptativas
que correspondem a:

• comunicação;
• autocuidado;
• vida familiar;
• vida social;
• autonomia;
• saúde e segurança;
• funcionalidade acadêmica;
• lazer;
• trabalho.

É preciso que você compreenda a necessidade do educador em se


aprofundar nos estudos de cada característica para, então, poder auxiliar
o aluno, bem como a família do mesmo. Não podemos rotular nossos
alunos com base em suspeitas e observações infundadas. As suspeitas
12 UNIUBE

e observações são de grande importância desde


Equipe que fundamentadas teoricamente e analisadas por
multiprofissional
uma equipe multiprofissional.
É uma equipe
composta por
diferentes
profissionais. 1.2.2 Descrição
Aqui, nesse caso,
enfatiza-se os
profissionais da
Dentro desse tópico, abordaremos as características
saúde e educação. e as causas das dificuldades de aprendizagem, dos
distúrbios e das deficiências. Acreditamos ser de
grande importância esse conhecimento, pois ele
poderá favorecer-lhe subsídios mais precisos para as suas observações
e atuações nas práticas pedagógicas.

1.2.2.1 Dificuldades de aprendizagem

As dificuldades de aprendizagens se manifestam de maneira tão sutil que


muitas vezes as crianças que apresentam essa característica passam
despercebidas no contexto de sala de aula e, consequentemente, não
recebem o devido cuidado.

CURIOSIDADE

Muitas crianças com dificuldades de aprendizagem têm a inteligência


superior, considerando a média. E em geral são capazes em algumas áreas
e em outras apresentam muitas dificuldades!

Como no exemplo de Smith e Strick (2001, p. 15) em que questiona:


Como uma criança pode saber tudo o que é possível
saber sobre dinossauros aos quatro anos, mas ainda
ser incapaz de aprender o alfabeto? Como um aluno
que lê aos três anos à frente do nível de sua série
entrega um trabalho por escrito completamente
incom-preensível? Como uma criança pode ler um
parágrafo em voz alta impecavelmente e não recordar
seu conteúdo cinco minutos depois? Não admira que
os estudantes sejam acusados frequentemente de
desatentos, não cooperativos ou desmotivados.
UNIUBE 13

Essa discrepância entre o que esperamos que a criança devesse fazer e o


que ela realmente faz com suas limitações é a marca das dificuldades de
aprendizagem. Como diz Smith e Strick (2001, p. 1), o que essas crianças
têm em comum é o baixo desempenho inesperado. Diversos autores
acreditam que algumas dificuldades de aprendizagem estão ligadas a
problemas neurológicos; o que não deixa de ser verdadeiro porém, já
foi percebido, por diferentes estudiosos, que os problemas mais comuns
que afetam essas crianças podem ou não estarem relacionados com
disfunções neurológicas. Tais problemas estão relacionados à percepção
visual, ao processamento da linguagem, às habilidades motoras finas e à
capacidade para focar atenção. É importante ressaltar que Smith e Strick
(2001) observaram em crianças e jovens que apresentam dificuldades
de aprendizagem:

• fraco alcance de atenção: a criança se distrai com facilidade e


não consegue focar atenção em apenas uma situação ou objeto;
• dificuldade para seguir instruções: as instruções não são
bem compreendidas ou assimiladas, então a criança pergunta
repetitivamente os comandos que lhe são fornecidos;
• imaturidade social: a criança age com se fosse mais nova do
que sua idade cronológica e prefere a companhia das crianças
menores;
• dificuldade com a conversação: dificuldade em encontrar as
palavras certas para se expressarem e, às vezes, apresentam
gagueira temporária até encontrarem a palavra que querem falar;
• inflexibilidade: teimosia em continuar fazendo aquilo que já testou
e que não deu certo; também nega apoio e auxílio;
• fraco planejamento e habilidades organizacionais: não
consegue estabelecer um cronograma de tempo e organização
para a realização das suas atividades;
• distração: perdem com frequência seus objetos, roupas,
esquecem de seus compromissos de realizar as tarefas;
• falta de destreza: desajeitadas, deixam cair tudo, esbarram nas
pessoas e objetos e geralmente têm a caligrafia muito ruim;
• falta de controle dos impulsos: dificuldade de esperar sua vez
nos momentos de falar e agir. Interrompe com frequência a fala
das pessoas.
14 UNIUBE

É possível afirmar que muitas crianças que apresentam dificuldades


de aprendizagem sofrem muito com esse comportamento e essas
manifestações. Por falta de informação e conhecimento, são mal
compreendidas pela escola e pela família. Contudo, acreditam, realmente,
que são incapazes e isso as levam a acreditar em rótulos desrespeitosos
(“desastrada”, “cabeça vazia”, “tartaruga”) que, muitas vezes, as pessoas
dão a elas. Com autoestima baixa e incompreendidas, muitas procuram
os caminhos da dependência química e o mundo do crime.

1.2.2.2 Distúrbios de aprendizagem

Para você compreender melhor, ressaltamos que os


Anatômica distúrbios estão intimamente ligados às disfunções
Adj. 1 relativo ou neurológicas. Essas disfunções podem ser de ordem
pertencente à anatômica ou de ordem fisiológica. Os distúrbios
anatomia, ex: traços
a. [...] 2 corporal, estão relacionados com as dificuldades acentuadas
físico lesão ex: de aprendizagem, dificuldades relacionadas às
a.[...].
Fonte: Houaiss e habilidades acadêmicas básicas de leitura, escrita,
Villar (2009, p. 127). ortografia, aritmética e linguagem (compreensão
Fisiológica e expressão). É importante excluir as causas
relacionadas aos déficits (deficiências) sensoriais,
Relativo à Fisiologia
─ s.f. [...] estudo deficiência motora, desvantagem ambiental e
das funções e do distúrbios emocionais e/ou psiquiátricos.
funcionamento
normal dos seres
vivos, esp. dos O parceiro ideal para auxiliar no diagnóstico dos
processos físico-
químicos que distúrbios é uma equipe multiprofissional como:
ocorrem nas médico, pediatra ou neurologista, psicólogo,
células, tecidos,
órgãos e sistemas fonoaudiólogo, psicopedagogo e professores.
dos seres vivos Em relação à parte pedagógica, a avaliação deve
sadios, biofisiologia.
[...]. estar voltada para as questões pedagógicas do ato
Fonte: Houaiss e de aprender, o olhar deve estar voltado para as
Villar (2009, p. 900).
questões que revelem distorções na aprendizagem
acadêmica e a prioridade das mesmas na vida da
criança. A equipe dirigente, bem como a equipe pedagógica da escola deve
valer-se da observação de atividades espontâneas, jogos, brincadeiras,
desenhos, assim como a produção escolar para diagnosticar a dificuldade
acentuada de aprendizagem da criança. A conclusão encontrada pelas
equipes da escola deve ser confrontada com os outros especialistas, como
mencionamos anteriormente.
UNIUBE 15

Vamos agora conhecer os distúrbios mais comuns perceptíveis dentro


da escola, os quais, muitas vezes, têm nos atormentado, deixando-nos
totalmente inertes frente às dificuldades e entraves apresentados por eles.

Dislexia

A dislexia é um dos muitos distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio


específico da linguagem de ordem constitucional, caracterizado pela
dificuldade de decodificar palavras simples, além de ser uma insuficiência
no processo fonológico. Garcia (1988) deixa claro que a dislexia vem de
uma dificuldade acentuada de processar a informação procedente da
linguagem escrita.

Tais dificuldades, devido à complexidade dos sistemas funcionais


integrados, podem dar lugar a distintos sintomas relativos à leitura, à
escrita, tanto em nível gráfico como ortográfico. Geralmente a dislexia é
hereditária, ou, às vezes, adquirida, afetando a aprendizagem da leitura,
da escrita, da ortografia, da gramática e da redação. Assim, a criança
disléxica apresenta várias formas de dificuldades e, frequentemente,
problemas de leitura, na aquisição e na capacidade de escrever e
soletrar. Para efeito de melhor compreensão e intervenção, Condemarin
(1986) classifica e ressalta as manifestações mais comuns das dislexias
da seguinte forma:

a) Tipos de dislexia:

• Acústica: manifesta-se na insuficiência da diferenciação acústica


dos fonemas e na análise e síntese dos mesmos.
• Visual: imprecisão de coordenação visuoespacial, manifestando-
se na confusão de letras com semelhantes grafias.
• Motriz: evidencia-se em dificuldade na movimentação ocular.

b) Manifestações mais comuns:

• Inversão de palavras.
• Dificuldades para ler.
• Cópia de forma errada.
16 UNIUBE

• Confusão de letras que têm o som parecido.


• Alteração na sequência das letras.
• Confusão de palavras parecidas.
• Erros na separação de palavras.
• Dificuldade no traçado das letras.
• Falhas na construção gramatical.

Dislalia

A dislalia é o transtorno na articulação dos fonemas, por alterações


funcionais dos órgãos da fala. As dificuldades dessas crianças começam
com a palavra falada e, tipicamente, interferem na leitura e/ou na
escrita quando a criança ingressa na escola. A família tem consciência
dessa dificuldade antes mesmo que a criança inicie o processo de
escolarização. Os estudos de Morais (1986) classificam as dislalias:

a) Tipos de dislalia:

• Fisiológica: é a dislalia que se apresenta na criança durante o


desenvolvimento da fala e tende a desaparecer antes de chegar à
idade escolar.
• Funcional: caracteriza-se pela omissão, substituição ou
deformação de fonemas.
• Audiógena: é a dificuldade na articulação dos fonemas, que tem
como causa um déficit de audição.
• Orgânica: caracteriza-se por transtornos na articulação de
fonemas, causados por alteração anátomo-funcional nos órgãos
da fala.

Segundo Smith e Strick (2001), as crianças que apresentam dislalia


geralmente apresentam:

b) Manifestações mais comuns:

• Atraso para aprender a falar.


• Dificuldade de modular o tom de voz (fala monótona ou muito alta).
UNIUBE 17

• Problemas em citar nomes de objetos e de pessoas.


• Má pronúncia das palavras.
• Trocas, inversões, omissões de fonemas na linguagem oral e/ou escrita.
• Fala lenta ou com interrupções.
• Confunde palavras com sons similares.
• Demonstra pouco interesse por livros e histórias.
• Com frequência, não compreende ou não recorda instruções.
• Dificuldade para analisar sons.

Disgrafia

A disgrafia é uma deficiência na qualidade do traçado gráfico. As crianças


ou jovens com esse tipo de problema motor não conseguem controlar
plenamente os grupos de pequenos músculos das mãos. Segundo Smith
e Strick (2001), esse distúrbio não tem impacto sobre a capacidade
intelectual, mas interfere no desempenho escolar, porque prejudica a
capacidade de o aluno comunicar-se pela escrita.

a) Segundo Ellis (1985), as disgrafias pode ser classificadas:

• Má organização da página: está intimamente ligada à orientação


espacial. A escrita caracteriza-se pela apresentação desordenada
do texto com margens malfeitas ou inexistentes.
• Má organização das letras: caracterizam pela incapacidade de
a criança em submeter-se às regras, às caligrafias, às hastes
das letras deformadas, aos contornos das letras enroscados, às
irregularidades em suas dimensões.
• Erros de formas e proporções: referem-se ao grau de clareza do
traçado das letras, das dimensões e do grau de organização das
formas de escrita muito alongada ou comprida.

b) Outras manifestações:

• Parecem desajeitados e atrapalhados.


• Apresentam dificuldades para manipularem pequenos objetos,
como peça de quebra-cabeça ou blocos.
18 UNIUBE

• Apresentam problemas com abotoamentos (botões, zíper, laços e


amarrar os cadarços).
• Apresentam dificuldade para colorir, não conseguem manter a cor
dentro dos contornos do desenho.
• Dificuldade para o uso da tesoura.
• Desajeitados para segurar o lápis (podem segurar com muita força
ou frouxo demais).
• Atrasos para escrever letras e os números são malformados.
• Podem ter atraso na aprendizagem da fala ou terem problemas de
articulação.
• Erros de cálculos são comuns, devido a numerais ilegíveis,
amontoados e pouco alinhados.

Disortografia

A disortografia é a impossibilidade de visualizar a forma correta da escrita


das palavras. A criança escreve seguindo os sons da fala e sua escrita,
por vezes, torna-se incompreensível. É caracterizada pela dificuldade de
orientação no tempo e no espaço. A criança apresenta também falhas
de coordenação motora.

Segundo Condemarin (1986), os sinais que as crianças ou jovens podem


apresentar:

• Trocas de grafemas.
• Problemas de ligações lógicas e ideias.
• Problemas de concordância.
• Omissões de palavras/letras.
• Acréscimos indevidos de letras.
• Alterações na sequência de letras ou sons (prola – porta).
• Substituições de letras.

Segundo Guerra (2002), os erros mais comuns são:

• Erros fonéticos: semelhança visual da ortografia.


UNIUBE 19

• Erros visuais.
• Erros de substituição de letras.
• Erros de inserção ou acréscimo e de omissão.
• Erros sequenciais.

De acordo com Smith e Strick (2001), as crianças que apresentam essa


dificuldade acentuada da percepção visual têm problemas em entender o
que veem. O problema não é de visão, mas do modo como seus cérebros
processam as informações visuais. Ainda ressaltam que essas crianças
podem ter problemas relacionados ao entendimento de espectro de
símbolos, números, diagramas, mapas, gráficos e tabelas.

Discalculia

A discalculia é um distúrbio de ordem neurológica com causas diversas


que envolvem as questões orgânicas e psiconeurológicas. Caracteriza-
-se pela dificuldade ou incapacidade para reconhecer e codificar sinais/
números, aspectos geométricos dos objetos e total inabilidade para
quaisquer cálculos matemáticos.

É sempre bom ressaltar que é necessário estar bem atento(a) às


características, conhecer bem o aluno e estar em comum acordo com o
diagnóstico da equipe multiprofissional, para que se possa distinguir o
distúrbio das falhas metodológicas do ensino.
As dificuldades específicas da aprendizagem da matemática, segundo
Guerra (2002), envolvem problemas na:

• Compreensão matemática: a criança com essa dificuldade


poderá escrever o numeral e não compreender o quanto este vale.
• Funções operacionais: dificuldades em somar, subtrair, multiplicar
ou dividir.
• Processo de seleção: dificuldade em selecionar a operação
apropriada para resolver o problema.
• Memória sequencial: dificuldade de lembrar a ordem das
operações para resolver problemas.
• Organização sequencial: dificuldade em estabelecer ordem
numérica.
20 UNIUBE

• Expressão matemática verbal: dificuldade em expressar termos


e conceitos matemáticos.
• Simbolização abstrata: dificuldade de entender a representação
dos números por símbolos (álgebra).
• Associação visual: dificuldade de identificar um número com
símbolo escrito (leitura dos numerais).
• Agrupamento: dificuldade de discernir ou identificar grupos ou
objetos.
• Manipulação matemática concreta: dificuldade em julgar o
tamanho e o número de objetos reais.
• Conservação de quantidades: dificuldade em entender que a
quantidade não altera com a forma.
• Estabelecimento da relação “um a um”: dificuldade de lidar com
proporções ma¬temáticas constantes.
• Representação gráfica dos números: dificuldade em lembrar
como escrever números.
• Interpretação de sinais: dificuldade na leitura e na compreensão
dos símbolos aritméticos como “+” e “ –”, por exemplo.

1.2.2.3 Deficiências

As deficiências são consideradas necessidades educacionais


permanentes. A expressão pessoa com deficiência pode ser aplicada
ao nos referirmos a qualquer pessoa que possua dificuldades acentuadas
no comportamento, dificuldades acentuadas de comunicação e
sinalização – deficiência física; dificuldades de comunicação e sinalização
– surdocegueira; dificuldade acentuada na comunicação e audição –
surdez; dificuldade acentuada da percepção visual – deficiência visual;
altas habilidades e superdotação.

Colocamos, de modo geral, todas as deficiências, mas iremos aprofundar


nossa conversa na deficiência mental. As sensórias (visual, auditiva),
física e altas habilidades são conteúdos de outros capítulos.

Para que a deficiência intelectual seja diagnosticada como deficiência


ou mais comumente como déficit cognitivo, é necessário a observação e
UNIUBE 21

um estudo comparativo, levando em consideração as diferentes reações


e manifestações do indivíduo diante das dificuldades, entraves e mesmo
frente às situações que a vida cotidiana nos impõe.

Segundo documento do MEC, Carvalho (1997), que faz parte do


programa de capacitação de recursos humanos do Ensino Fundamental,
que descreve o trabalho com os recursos humanos que irão atuar com as
pessoas com deficiência intelectual, deixa claro que para uma pessoa ser
identificada como deficiente, é necessário que, no mínimo, duas áreas
de habilidades adaptativas estejam defasadas.

Vejamos, a seguir, as áreas adaptativas descritas na conceituação.


Iremos detalhar cada uma delas.

• Comunicação: diz respeito às habilidades para compreender e


expressar informações por meio de palavras – faladas ou escritas
e ainda para compreender as emoções e as mensagens das outras
pessoas.
• Autocuidado: refere-se às habilidades que asseguram a higiene
pessoal, a alimentação, o vestuário, o uso do sanitário etc.
• Vida familiar: refere-se às habilidades necessárias para uma
adequada funcionalidade no lar, no cuidado com os pertences,
com o ambiente doméstico, os cuidados com os bens da família, a
participação nos trabalhos domésticos, no convívio e nas relações
familiares.
• Vida social: diz respeito às trocas na comunidade, ao respeito
e às relações com vizinhos, colegas, amigos e membros da
comunidade, compartilhar e cooperar, respeitar limites e normas,
fazer escolhas, controlar impulsos, resistir às frustrações.
• Autonomia: refere-se às habilidades para fazer escolhas, tomar
iniciativas, cumprir planejamento, atender aos próprios interesses,
cumprir tarefas, pedir ajuda, resolver problemas, defender-se,
explicar-se, buscar ajuda quando necessário etc.
• Saúde e segurança: diz respeito às habilidades para cuidar da
saúde, cuidar da segurança, evitar perigos, seguir leis de trânsito e
outras que visem o bem-estar.
22 UNIUBE

• Funcionalidade acadêmica: referem-se às habilidades relacionadas


à aprendizagem dos conteúdos curriculares propostos na escola,
como: ler, escrever, calcular, obter conhecimentos científicos e sociais.
• Lazer: diz respeito ao interesse de participar de atividades de
entretenimento individual ou coletivo, de acordo com a idade e com
o ambiente cultural e comunitário.
• Trabalho: refere-se às habilidades para realizar um trabalho
em tempo parcial ou total, comportando-se apropriadamente,
cooperando, compartilhando, concluindo as tarefas, tomando
iniciativas, administrando bem o salário, aceitando a hierarquia
e as próprias limitações e dos demais, realizando atividades
independentes etc.

A descrição que colocamos foi exposta de modo geral, mas para


compreendermos melhor sobre cada item colocado é preciso que não
nos esqueçamos de enfatizar que é de grande responsabilidade e
perigoso um diagnóstico unilateral.

É preciso realmente o estudo, as observações e avaliações específicas de


cada área envolvida, da equipe de profissionais. Para nós, educadores,
cabe o acesso às informações, o aprofundamento do assunto por meio
de pesquisas. O que é de nossa real competência é fazer o trabalho
pedagógico focado nas especificidades e capacidades de cada um, em
parceria com a família e com a equipe de profissionais envolvidos com
a dificuldade da criança.

Acreditamos ser necessário, para que este estudo fique mais completo,
expor as causas das dificuldades, dos distúrbios e das deficiências.
Então, vamos lá!

1.3 Causas

As causas das dificuldades, dos distúrbios e das deficiências não são


muito diferentes umas das outras, mas é possível fazer a diferenciação
em relação às causas neurológicas, quanto à intensidade, à localização,
ao período e à fisiologia da criança ou do jovem.
UNIUBE 23

RELEMBRANDO

Para você compreender melhor essa colocação, é preciso relembrar a divisão


do cérebro, suas áreas e as atribuições gerais de cada uma delas (Figura 1).

Figura 1: Divisão didática do cérebro humano.


Fonte: Acervo EAD–Uniube.

Área Frontal: do hemisfério esquerdo, centro do controle das unidades


motoras.
Área Parietal: centro da leitura.
Área Temporal: centro da compreensão das palavras.
Área Occipital: centro da identificação visual das imagens.

Tratando-se de aprendizagem da leitura e da escrita, o cérebro é


dividido didaticamente em hemisfério direito e hemisfério esquerdo. Um
responsável pelas questões verbais, outro pelas questões não verbais.
Para ilustrar, mostraremos, a seguir, sobre o que cada hemisfério é
responsável, diante da leitura e da escrita, segundo Kumura (1973 apud
FONSECA, 1995).

O hemisfério direito, responsável pelos conteúdos não verbais, realiza


preferencialmente as seguintes funções:

• Funções visuais:

• localização de pontos em duas dimensões;


• enumeração de pontos e formas;
• reconhecimento de faces e de figuras sem significado.
24 UNIUBE

• Funções manuais (tátil-cinestésicas):


• reconhecimento de relevo (braile);
• reconhecimento de estruturas.
• Funções auditivas:
• sons da vida cotidiana;
• padrões melódicos.

Em compensação, o hemisfério esquerdo tem sido considerado


responsável pelos conteúdos verbais. Realiza preferencialmente as
funções:

• Funções visuais:
• reconhecimento de letras e palavras.
• Funções manuais:
• movimentos complexos;
• fala.
• Funções auditivas:
• reconhecimento de palavras;
• reconhecimento de sílabas.

Essa divisão serve como ilustração para melhor compreensão do caminho


da aprendizagem. Para que a aprendizagem ocorra, é necessário
que todas as partes estejam em plena integridade e funcionando
harmonicamente. As causas das dificuldades de aprendizagem são de
difícil especificação e, ao mesmo tempo, o grupo de alunos com esse
tipo de necessidade educacional é, sem dúvida, o maior.

Há sempre muitas perguntas, questionamentos, como: Como isso


aconteceu? O que deu errado? Será que as crianças podem superar
as dificuldades de aprendizagem? Isso é uma doença? Tem cura? Mas
pais e professores nem sempre podem obter respostas claras para
as questões relacionadas aos problemas dos filhos e dos alunos. Os
fatores são múltiplos e os estudos também. Contudo, embora estudos e
pesquisas tenham trazido informações mais claras sobre as estruturas e
o funcionamento do cérebro, nem sempre é possível aplicar, na íntegra,
UNIUBE 25

essas informações a um indivíduo. Entretanto, o desenvolvimento


individual da criança, o ambiente familiar e escolar são fatores que podem
interferir no processo de aprendizagem.

IMPORTANTE!

Embora, supostamente, as dificuldades de aprendizagem tenham uma


base biológica, o ambiente da criança determina a gravidade e o impacto
da dificuldade. Isso tem demonstrado que alterações no ambiente familiar
e escolar da criança fazem uma diferença impressionante no progresso
educacional.

Segundo Smith e Strick (2001), os fatores biológicos que contribuem


para as dificuldades de aprendizagem podem ser divididos em cinco
categorias gerais: lesão cerebral, alterações no desenvolvimento cerebral,
desequilíbrios neuroquímicos, hereditariedade e influências ambientais.

Por vários anos, os atrasos na aprendizagem foram explicados por meio


das lesões cerebrais, mas com o avanço das pesquisas foi possível
verificar que indivíduos sem lesões cerebrais também tinham atrasos
significativos na aprendizagem.

1.3.1 Lesão cerebral

Como vimos, o cérebro foi, didaticamente, dividido em partes e cada


parte é respon-sável diretamente por desempenhar funções específicas
a ela. Mas para que as ações interações, pensamentos, sentidos e
sensações humanas ocorram de forma tranquila, é preciso que todas as
áreas estejam constituídas anatomicamente e fisiologicamente perfeitas
e estejam trabalhando harmonicamente entre si.

Nesse sentido, as dificuldades de aprendizagem, distúrbios e/ou


deficiência podem surgir a partir de lesões do cérebro. Entre os tipos de
lesões associadas aos atrasos no desenvolvimento e na aprendizagem
estão os acidentes, as hemorragias e os tumores cerebrais, doenças
como encefalites e meningite, transtornos glandulares não tratados na
infância e hipoglicemia na primeira infância. A desnutrição e a exposição a
substâncias químicas tóxicas (como chumbo e pesticidas) também causam
26 UNIUBE

danos cerebrais. Eventos de privação de oxigênio, tratamento com


quimioterapia para câncer, doenças que ocorrem durante a gestação,
exposição ao álcool e drogas podem estar associadas a uma variedade
de problemas de aprendizagem, déficit cognitivo, déficit de atenção,
hiperatividade e problemas de memória.

1.3.2 Alterações no desenvolvimento cerebral

Córtex O desenvolvimento do cérebro humano inicia-se


na concepção e desde então não para mais. Ele
É uma estrutura
de múltiplas se desenvolve em estágios, e um dos períodos
camadas que mais importantes é entre o 5º e 9º mês. Período
forma o envoltório
do cérebro, em que o córtex cerebral está sendo pouco a
responsável por pouco estruturado.
praticamente todos
os aspectos da
atividade consciente As regiões do cérebro vão se tornando cada vez mais
do homem. O seu
desenvolvimento especializadas à medida que as crianças vão ficando
e funcionamento mais velhas. Durante a primeira e segunda infância,
pleno são
essenciais para o novas conexões entre as partes do cérebro vão se
pensamento e a estruturando e o pensamento dos infantes vai ficando
aprendizagem de
nível superior. mais elaborado. Se esse processo de maturação e
ativação do cérebro for perturbado, poderão ocorrer
problemas no desenvolvimento global da criança.

O tipo de problemas causados por alterações no desenvolvimento


cerebral depende das regiões do cérebro afetadas. É importante ressaltar
que a aprendizagem e outros comportamentos envolvem diferentes e
diversas partes do cérebro, assim, o prejuízo em uma das áreas pode
afetar o desenvolvimento em outra parte do sistema. Por isso, é difícil um
aluno com problemas de aprendizagem ter um problema único e isolado;
problemas associados são bem comuns nessas crianças.

1.3.3 Desequilíbrios neuroquímicos

As células cerebrais, os neurônios conseguem comunicar entre si por


meio de substâncias químicas, chamadas neurotransmissores. Qualquer
mudança na química do cérebro pode interferir nesses neurotransmissores
e prejudicar a capacidade do cérebro funcionar adequadamente.
UNIUBE 27

Segundo diversos estudos, os medicamentos para equilibrar a química


necessária para o funcionamento preciso do cérebro e as adequações
educacionais realizadas conjuntamente têm dado resultados positivos,
principalmente para os alunos com déficit de atenção e dificuldade na
aprendizagem, decorrente de problemas de memória.

1.3.4 Hereditariedade

Estudos com familiares das crianças com dificuldades de aprendizagem


e/ou deficiência demonstram incidência no problema. Muitas vezes,
quando o problema da criança é apresentado para os pais, eles afirmam:
“Mas eu também não consigo fazer isso!”

Nesse sentido, os pais também necessitam do apoio que é oferecido para


a criança, tanto dos profissionais quanto por parte de outros membros
da família.

1.3.5 Influências ambientais

Para compreendermos melhor a dificuldade de aprendizagem, é preciso


compreender também o ambiente doméstico e o ambiente escolar da
criança, pois eles afetam diretamente o desenvolvimento intelectual e o
potencial para a aprendizagem.

a) Ambiente doméstico: o ambiente doméstico exerce importante papel


no desenvolvimento da aprendizagem das crianças. Estudos apontam
que um ambiente enriquecido, estimulador e afetuoso não apenas tem
impacto na aprendizagem, na formação do autoconceito, como também
estimula o crescimento e o desenvolvimento cerebral.

Professores relatam que crianças com dificuldades de aprendizagem que


não tiveram estímulos e apoio em casa quando encontram problemas
antecipam o fracasso, parecendo “desistir” antes de começar. Outros
pontos a destacar em favor do ambiente doméstico são os aspectos
relacionados aos cuidados, como: a nutrição alimentar, o sono, a higiene,
os cuidados médicos, os hábitos de estudo, o estresse emocional, a
privação cultural, a proteção pessoal, a estimulação do bebê e da criança
pequena. Para ilustrar, vejamos um resumo do que Erik Erikson (apud
28 UNIUBE

SMITH; STRICK, 2001, p. 32), psicólogo americano, considerava mais


necessário para as crianças, em suas famílias, em cada estágio do
desenvolvimento.

• Confiança básica (do nascimento até 1 ano): os


bebês obtêm um senso de confiança básica quando as
interações com os adultos são agradáveis e prazerosas.
Os bebês precisam de pais calorosos, receptíveis,
previsíveis e sensíveis às suas necessidades.
• Autonomia (de 1 a 3 anos): a confiança na capacidade
para fazer escolhas e decisões é desenvolvida
enquanto as crianças exercitam as habilidades
exploratórias de caminhar, correr, de escalar e de
manusear objetos.
• Iniciativa (de 3 a 6 anos): os pré-escolares aprendem
sobre si mesmos e suas culturas por meio de jogos de
faz de conta, à medida que encenam diferentes papéis,
começam a pensar sobre o tipo de pessoa que desejam
tornar-se.
• Produtividade (dos 6 anos até a puberdade): durante
esse período é muito importante o estímulo às crianças
para o trabalho produtivo e cooperativo, para se
sentirem úteis e encorajadas aos desafios que a vida
adulta lhe imporá.
• Identidade (adolescência): essa fase é de integração
das fases anteriores, o que irá favorecer a construção
da identidade, desenvolve também um entendimento
de seu lugar na sociedade e formam expectativas para
o futuro.

b) Ambiente escolar: a criança deve estar preparada para aprender e,


assim, as oportunidades dessa aprendizagem devem ser fomentadas e
oferecidas pelo sistema educacional. Se o aluno nunca tem a oportunidade
apropriada para desenvolver suas capacidades, torna-se efetivamente
“deficiente”, embora não tendo nada de fisicamente errado com ele.
Sabemos que a escola e o professor enfrentam entraves que vão além
de suas competências, mas também é de conhecimento de todos que
necessitamos, como professores, de conhecimentos mais específicos e
aprofundados das diferentes metodologias. Muitas práticas, amplamente
aceitas, não oferecem variações normais no estilo de aprendizagem.
UNIUBE 29

PARADA PARA REFLEXÃO

Assim, podemos imaginar o seguinte:

Um aluno cuja orientação é principalmente visual e exploratória, ou seja,


que precisa ver e tocar as coisas para compreendê-las, não se sairá bem
com professores que “palestram” o tempo todo; não importando o quanto é
inteligente e interessado na matéria.

Quando nos deparamos com esse tipo de situação é prudente indagar: o


aluno não aprende por que é problema dele?

Na verdade, muitos alunos que se saem mal na escola são vítimas da


incapacidade do sistema educacional de se ajustar às diferenças individuais
e culturais.

Ressaltamos que todas essas possíveis causas são relacionadas, aqui,


para que você tenha um entendimento mais aprofundado da questão,
visto que desejamos que seja um profissional a favor da promoção de
um ensino de qualidade e de um processo ensino-aprendizagem rico
e significativo. É importante lembrar que pais, professores e governo,
muitas vezes, ficam tentando descobrir o culpado ou os culpados
das dificuldades, dos distúrbios ou das deficiências, e, geralmente,
questionam:

• Será que a culpa foi do médico?


• A culpa foi do alimento consumido na gestação?
• A culpa é do pai ou é da mãe ausente?
• A culpa é da falta de materiais nas escolas?

Indagações como essas são naturais, mas não são produtivas. Afinal,
descobrir como uma criança veio a ter uma necessidade educacional
especial é bem menos importante do que saber como esta afeta a visão
de mundo da criança e como encontrar os tipos de apoio e auxílio de
que ela necessita.
30 UNIUBE

1.4 Propostas pedagógicas

O papel do professor, bem como de toda a equipe escolar, consiste,


antes de tudo, em promover, por meio de ações, o apoio e, também,
o resguardo do desenvolvimento pleno da criança e do jovem. A ação
docente e as relações aluno e professor, na aprendizagem, devem
ser movidas de significados tanto para quem ensina como para quem
aprende. O professor necessita ser um profissional da educação
competente, criativo, seguro e com alto grau de autonomia.

O docente deve ter a autonomia de saber construir, com o aluno,


aprendizagens significativas, utilizando-se dos conhecimentos científicos.
O professor deve saber e dominar tais conhecimentos, articulando-os
aos conhecimentos e vivências culturais dos seus alunos, tornando-os
aprendizes, criadores de conhecimentos de características próprias.

Assim, é também função do professor ter a autonomia de escolher sua


metodologia, fazer a seleção de conteúdos e atividades pedagógicas
mais condizentes com o interesse dos alunos, com suas necessidades
e dificuldades. Nesse sentido, o êxito do professor depende também de
sua capacidade de manejar a complexidade da ação educativa e resolver
problemas, por meio de uma interação inteligente e criativa, além de uma
boa formação inicial e continuada.

É exigido do profissional da educação conhecer e observar,


constantemente, seu aluno, compreender os contextos sociais e as
questões contemporâneas com as quais ele e seus alunos estão
ampliando a concepção de educar para além do instruir; deve também
zelar pela qualidade das relações afetivas e dos valores que permeiam
as relações sociais na escola. É importante ressaltar as trocas, o trabalho
coletivo, aperfeiçoando-se profissionalmente, individualmente e na troca
com seus pares.

É preciso pensar que, em nossas escolas, a realidade educacional está


estampada e o colorido relativo à diversidade de culturas e formas de
aprender nos pede ações pontuais e processuais. No entanto, é preciso
que voltemos o olhar para as práticas pedagógicas exercidas dentro das
UNIUBE 31

escolas e nos esforcemos para que, por meio delas, consigamos


atingir todos os nossos alunos, inclusive os alunos com necessidades
educacionais especiais, que tanto já sofreram e têm sofrido com uma
educação excludente.

Nesse sentido, iremos pontuar, para você, alguns conhecimentos para os


quais o professor necessita estar mais atento, objetivando uma prática
pedagógica de qualidade.

1.4.1 Primeiro passo

Uma vez já detectada a dificuldade, os distúrbios ou as deficiências,


é preciso que a equipe escolar elabore ações específicas para esses
alunos, a fim de atendê-los em todas as suas dificuldades escolares. É
preciso pensar:

• De que serviços especiais o aluno necessita e quem oferecerá?


• Que turma será mais apropriada para a criança frequentar?
• Que tipo de acomodações ou modificações específicas serão feitas
para a criança?
• Que equipamento especial ou apoio técnico (se forem necessários)
serão oferecidos?
• Que objetivos serão estabelecidos?

Após esse levantamento, deverá ser feito o registro dos resultados e a


proposta ser iniciada. Nessa proposta de trabalho, segundo Smith e Strick
(2001), é importante estar bem claro que o trabalho deverá ressaltar:

a) As habilidades básicas: incentivar as habilidades básicas


(leitura, escrita e execução de cálculos). Textos e materiais didáticos
especializados são necessários. Essas habilidades devem ser ensinadas
em nível adequado de desenvolvimento de cada aluno, oportunizando-lhe
a aquisição de novas habilidades. Geralmente, esse tipo de ensino deve
ser oferecido individualmente ou em pequenos grupos, pois necessita ser
monitorado e mediado atentamente pelo professor. Muitos estudantes
com dificuldades mais graves e/ou deficiência não conseguirão soletrar
bem, e a matemática de nível avançado sempre será um mistério para
32 UNIUBE

alguns. Nesses casos, é importante ensinar outras estratégias e


habilidades, pois até mesmo uma pessoa que não sabe ler ou escrever
pode educar-se, se conhece outros meios de obter e dar informações.
A tarefa da escola é ensinar ao aluno com deficiência exatamente quais
são esses outros modos.

b) Permitir que o aluno acompanhe sua classe: às vezes, será


necessário modificar as tarefas acadêmicas para os alunos com
deficiências no processamento de informações. Algumas orientações
importantes:

Na sala de aula:

• permitir assentos preferenciais;


• permitir tempo extra para a resposta às questões e para completar
o trabalho escrito;
• providenciar cópias de anotações de laboratórios ou de palestras;
• permitir o uso de gravador para o registro da aula;
• permitir o uso da calculadora;
• providenciar o acesso ao computador;
• permitir atividades alternativas (exemplo: pedir ao aluno que
prepare um vídeo em vez de um relato por escrito);
• oferecer instruções tanto de forma oral como por escrito;
• oferecer auxílios visuais melhores e em maior quantidade
(dependendo do tipo de deficiência);
• designar parceiros de estudo, para ajudar com as tarefas ou
matérias particulares;
• realizar pré-leitura do material escrito e discutir o conteúdo do texto.

Nos testes:

• permitir horários flexíveis (o aluno poderá fazer os testes em duas


ou mais sessões e horários diversificados);
• permitir que as instruções e as questões sejam lidas para o aluno;
• reformular as questões em uma linguagem mais simples, se necessário;
UNIUBE 33

• permitir que o aluno responda às questões oralmente em vez de


por escrito;
• elaborar testes com respostas curtas (verdadeiro/falso ou múltipla
escolha);
• permitir que os testes sejam realizados no computador;
• reduzir o número de questões ou problemas.

Deveres de casa:

• entregar as tarefas de casa por escrito com regularidade diária ou


semanal;
• providenciar livro-texto gravado em fita;
• permitir que todo o texto ou parte dele seja lido para o aluno;
• permitir que os textos sejam escritos em uma linguagem mais
simples;
• permitir que o aluno registre sua tarefa em áudio em vez de por
escrito;
• permitir que o aluno dite seu trabalho a um escriba;
• não reduzir a nota ou tirar pontos por erros de ortografia.

Esses apoios visam ajudar os alunos a acompanhar o conteúdo de aula


e, ainda, contribuir favoravelmente para que a escola cumpra sua tarefa.

É importante ressaltar que é necessário estimular muito o aluno a


fazer o máximo que puder, de atividades e tarefas, seguindo a mesma
metodologia da turma, em sala de aula, porém as modificações e ajustes
serão bem-vindos sempre que necessário.

c) A utilização de estratégias apropriadas ao aluno com dificuldade:


geralmente as crianças com dificuldades de aprendizagem, distúrbios ou
deficiência têm problemas para aprender habilidades de organização e
de manejo do tempo, hábitos efetivos de estudo, métodos para aumento
da memória, estratégias de solução de problemas e tomada de decisões
e habilidades de autodefesa. o que os pais e professores devem fazer é
servirem de apoio, ficando ao lado, evitando assumir o comando, o que
é a tendência mais natural que conhecemos. Quando bem estimulados
34 UNIUBE

e bem trabalhados na infância, à medida que essas crianças vão


crescendo, elas próprias vão descobrindo estratégias de memória, de
adaptação, resolução de problemas e socialização.

1.4.2 Conhecendo as necessidades fundamentais da criança na


educação infantil

As propostas curriculares para as crianças com necessidades especiais


se baseiam nas propostas já estabelecidas pelo MEC, como, por
exemplo, os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil, para a pré-escola e creches.

Então, a proposta de atendimento às crianças com necessidades


educacionais especiais seria a flexibilização das metodologias a serem
aplicadas nas atividades da prática educativa.

O que se diferencia nas propostas para esses alunos são os objetivos


didáticos e os tipos de ajuda que cada aluno pode requerer em função de
suas necessidades educacionais individuais. As crianças com qualquer
deficiência, independentemente de suas condições físicas, sensoriais,
cognitivas ou emocionais, são crianças. Crianças que têm as mesmas
necessidades básicas de afeto, cuidado e proteção, e os mesmos
desejos e sentimentos das demais crianças.

IMPORTANTE!

Mais importante que a caracterização da deficiência, das dificuldades ou


limitações, é procurar compreender a singularidade da história de vida de
cada criança; suas necessidades; seus interesses; como interage, como se
relaciona com as pessoas, objetos e com o conhecimento.

Em seus estudos, em outros capítulos, o brincar e a socialização da


criança foram amplamente ressaltados. Entretanto, consideramos
importante trazer para nossa discussão a importância do brincar e da
socialização para o desenvolvimento infantil, mas, dessa vez, com
especial realce para as crianças com necessidades educacionais
especiais na fase da Educação Infantil.
UNIUBE 35

O brincar

O brincar da criança, do nascimento aos seis anos, tem um significado


especial para a psicologia e para a educação, em seus múltiplos e
diferentes enfoques. Segundo oliveira (2000, p. 15), o brincar é:

• condição de todo o processo evolutivo neuropsicológico


saudável, que se alicerça neste começo;
• manifestação da forma com que a criança está se
organizando sua realidade e lidando com suas
possibilidades, limitações e conflitos, já que, muitas
vezes ela não sabe, ou não pode, falar a respeito deles;
• introdução da criança de forma gradativa, prazerosa e
eficiente ao universo sócio-histórico-cultural;
• mediador e facilitador do processo ensino-
-aprendizagem oportunizando a construção da reflexão,
da autonomia e da criatividade.

Como podemos perceber, o brincar é uma atividade altamente


significativa para a formação da personalidade da criança, oportunizando-
-lhe a sociabilidade, a criatividade e a autonomia e, ainda, auxilia na
identificação, no controle e na canalização de impulsos provenientes
de fantasias agressivas. É importante afirmar que, nesse processo, a
motricidade e a capacidade de representar a realidade se entrelaçam
num movimento dinâmico, no qual esse movimento forma e reflete a
estrutura mental da criança.

Após toda essa reflexão da importância do brincar para a criança,


vamos pensar em uma criança ao nascer. Ela nasce com a capacidade
cognitiva e motora inata a ser desenvolvida. Tratando-se de uma criança
“normal”, essa capacidade é imensamente grande. Tratando-se de uma
criança especial, ela é “indefinida”, nunca sabemos qual será a sua
capacidade de desenvolvimento!

As crianças, convivendo com pessoas, objetos, lugares e situações em


casa, na escola e em outros ambientes sociais vão aprimorando suas
capacidades e habilidades. Mas como acontece com as crianças com
necessidades educacionais especiais? Acontece do mesmo jeito? Sim,
da mesma maneira, se dermos a ela oportunidade de brincar!
36 UNIUBE

Uma criança “normal” explora o ambiente, arrasta-se até o objeto de


interesse, pega esse objeto, joga-o pelo chão, coloca-o na boca... E o
que ela aprendeu com a brincadeira? Durante a exploração que fez do
objeto, recebeu informações quanto à forma, ao tamanho, à textura, ao
gosto, à temperatura, ao peso e outras. Adquiriu noções de peso, de
força, de velocidade e de distância, enfim, todos esses conteúdos vão se
aprimorando com a constante exploração do mundo pela criança.

O que acontece com a criança com necessidades educacionais


especiais?

Como ela vai brincar se não anda, ou não controla os movimentos de


seu corpo, ou mesmo não demonstra interesse pela brincadeira, devido
à grande deficiência intelectual que apresenta?

Para que ela tenha a oportunidade de brincar e explorar as coisas do


mundo, temos que levá-la até essas coisas ou trazer essas coisas até a
criança. oportunizar estímulos, auxiliando-a na exploração, chamando a
sua atenção para eles, ajudando-a a manuseá-los quando necessário.

Ainda, é importante ressaltar que na brincadeira não devemos limitar o


espaço físico da criança, mesmo que ela não se locomova. Toda vez que
a criança tiver condições de escolher a brincadeira, quando conseguir
indicar de alguma maneira o que deseja fazer ou então souber escolher
entre duas opções oferecidas a que mais lhe agrada, sua vontade
deve ser respeitada. Mas, se ela não tiver condições de externar sua
vontade ou preferência, temos que escolher por ela e ficarmos atentos
às suas reações. Nessa situação, o adulto deverá explicar à criança, com
antecedência, todos os passos da brincadeira que irão fazer. Isso ajuda
a criança a entender o que vai acontecer e planejar suas ações.

A socialização

A socialização é fundamental para o desenvolvimento psicológico


saudável, bem como para a formação humana dos sujeitos. É também na
convivência com o outro que aprendo a me tornar homem. Esse assunto
também já foi alvo de grandes reflexões em seu curso, mas, agora, o
articularemos às crianças com necessidades especiais.
UNIUBE 37

Nos passeios e na convivência social com outras crianças em espaços


públicos, o que mais dificulta a socialização das crianças com deficiência
é a dificuldade de transporte, locomoção, as barreiras arquitetônicas e
a falta de adaptações nos banheiros e repartições. Outro motivo a ser
destacado é que alguns pais têm dificuldade em aceitar a deficiência
e sentem constrangidos com “olhares diferentes” das pessoas, tendo
vergonha de passear com seu filho em público.

Entretanto, na escola, mesmo ainda sendo um processo em construção,


isso se torna bem mais fácil, pois as crianças dificilmente rejeitam a
convivência com as crianças com deficiência. As experiências que temos
observado é que o ganho tem sido muito grande por ambas as partes.

O colorido da diversidade tem feito os profissionais da educação buscar


mais conhecimentos e informações, os alunos aprendem com a diferença
e as famílias se sentem mais seguras em confiarem seus filhos a uma
educação mais aberta e flexível.

1.4.3 A importância do estudo das funções cognitivas segundo


Feuerstein para a prática pedagógica

Considerando todo o estudo até agora realizado, vamos agora partir para
o eixo de atuação pedagógica diante das necessidades educacionais
especiais. Iniciaremos a reflexão trazendo para o nosso texto a teoria que
Reuven Feuerstein defende: a aprendizagem mediatizada.

Já está incorporada na fala dos profissionais da educação a necessidade


de conhecer o aluno e sua realidade, para se planejar e chegar a uma
aprendizagem significativa. Mas também sabemos que essa fala muitas
vezes não vira atitude, não sabemos se por falta de vontade ou de
conhecimento.

Para conhecer o aluno é preciso saber também como essa criança ou


jovem organiza suas habilidades cognitivas e como lida com elas na
resolução de problemas em seu cotidiano. o estudo que vamos abordar,
agora, analisa as particularidades do pensamento dos indivíduos com
defasagens significativas no desenvolvimento intelectual, de acordo com
Feuerstein.
38 UNIUBE

O trabalho de Feuerstein é um estudo que nos leva a compreender os


impedimentos no desenvolvimento cognitivo que inclui as crianças com
dificuldades escolares até os casos específicos da deficiência mental. Esse
estudo ressalta as deficiências nas funções cognitivas dos alunos que têm
necessidades educacionais especiais. É importante ressaltar que

[...] Feurstein constitui um erro diagnosticar, em crianças


com dificul-dades cognitivas, o baixo rendimento escolar
como mera ausência do conhecimento ou como simples
reflexo de um baixo nível intelectual. Em sua opinião, deve-se
antes, averiguar quais funções deficientes prejudicam a ação
cognitiva individual (BEYER, 1996, p. 100).

Feurstein descreve três fases em que as funções cognitivas das crianças


com necessidades educacionais especiais podem estar comprometida.
Segundo Beyer (1996, p. 101-102), elas estão dispostas da seguinte
maneira:
Fase da assimilação. Trata-se da dificuldade
da criança na consi-deração inicial do problema
proposto (destacam-se, aqui, as tarefas de solução de
problemas):
a) percepção difusa e superficial;
b) consideração impulsiva e não sistemática dos dados;
c) conceitos inadequados, limitantes da capacidade de
diferencia¬ção;
d) ausência ou inadequação de conceitos espaciais;
e) ausência ou inadequação de conservação de
medidas (tamanho, quantidade, forma);
f) necessidade limitada de exatidão ou precisão;
g) dificuldade em considerar duas ou mais fontes de
informação simultaneamente.

Fase da elaboração. Depois que os dados de um


problema foram assimilados, a criança demonstra
dificuldades para solucioná-lo adequadamente, devido:
a) à definição inexata do problema;
b) à incapacidade em diferenciar entre informações
relevantes e irrelevantes no ato comparativo;
c) à limitação no estabelecimento de relações;
UNIUBE 39

d) à falta de necessidade em trabalhar com evidências


lógicas;
e) à falta ou limitação de consciência dos
próprios processos de pensamento (debilidade
metacognitiva);
f) à ausência do pensamento lógico-hipotético, com
base no raciocínio “se então”; g) à ausência de
métodos para averiguação das hipóteses;
h) à ausência ou limitação da conduta cognitiva
planejada;
i) à precariedade dos conceitos verbais.

Fase da resposta. Nesta fase, a criança tem


determinadas dificuldades para uma divulgação
adequada dos processos elaborados, devido:
a) à forma egocêntrica de se comunicar;
 b) a bloqueios de natureza afetiva ou emocional;
c) à conduta do tipo “tentativa e erro”;
d) ao vocabulário limitado para poder se expressar
adequadamente;
e) à incapacidade em manter os elementos visuais
abrangidos;
f) à conduta impulsiva.

Como podemos perceber, a fase da assimilação é caracterizada por


problemas que apresentam na fase de introdução, na captação da
informação e na apresentação do conhecimento para a aprendizagem.
Quando o aluno apresenta um ou mais dos problemas que foram
expostos, a assimilação do conhecimento fica comprometida e dificilmente
conseguirá chegar absorver o conhecimento, nem tampouco externá-lo.

Já na fase da elaboração, chega o momento de a criança elaborar,


processar a informação e o conhecimento. Nessa fase, ela deverá fazer
comparações, escolhas, levantar hipóteses e articulações com o que já
vivenciou e o conhecimento novo.

Na fase da resposta, chega o momento de exposição, demonstração e


divulgação de todo o conhecimento que assimilou e elaborou. É possível
analisar que essa fase está muito ligada à questão da confiança, autoestima
e às questões afetivas, emocionais.
40 UNIUBE

Acreditamos que esse estudo de Feurstein veio contribuir para a análise


das dificuldades específicas de pensamento da criança, e também
para auxiliar professores no diagnóstico mais preciso, sobretudo, no
planejamento de uma intervenção mediadora específica e individualizada,
para superação das dificuldades encontradas.

1.4.4 O trabalho pedagógico com os distúrbios e com a deficiência


intelectual

A seguir, iremos apontar mais algumas estratégias para atuação


pedagógica com alunos com distúrbios de aprendizagem sem a intenção
de formatar um programa específico e fechado de intervenção. Sabemos
que cada criança é única, mesmo que tenha a mesma dificuldade de
outra criança, a história de vida é única, a realidade cultural é outra,
portanto, as intervenções são mutáveis, cíclicas e dinâmicas, de acordo
com a necessidade de cada uma.

Por meio de diferentes estudos, chegamos a destacar algumas


características importantes a serem consideradas na atuação pedagógica
em relação ao distúrbio da leitura. Segundo Guerra (2002):

Distúrbio da leitura

O que envolve uma leitura competente:

• motivação;
• focalizar a atenção no texto;
• ver claramente as formas das letras;
• mapear as letras da esquerda para a direita com os olhos;
• sequenciar letras das palavras, palavras das frases, formando a
unidade texto;
• as formas das letras têm que ser transmitidas em sequência para o
cérebro e a posição exata no espaço;
• conseguir a compreensão da unidade texto.
UNIUBE 41

Erros mais comuns:

• nas palavras que possuem um ponto de articulação comum “d-t” e


“c-q”;
• inversões de sílabas “sol-los” e “as-sa”;
• dificuldade na soletração de palavras monossílabas;
• acréscimo ou omissão de sílabas “sapo-sapato” ou “sapato-pato”;
• leitura sem ritmo;
• confusão na visualização de letras parecidas graficamente “a-o”,
“e-d”, “n-h”, “m-n”.

Orientações aos pais e professores:

• escolher local e horários adequados de estudo e leitura;


• escolher o livro adequado para cada dificuldade;
• fazer material com melhor impressão M h;
• escolher livros com gravuras;
• colocar um colega ou ajudante sentando ao lado da criança;
• estimular a criança a fazer com que ela acompanhe a leitura com o
dedo ou com o lápis posicionado horizontalmente abaixo da linha
que está sendo lida;
• dividir a leitura em partes;
• não se preocupar com a entonação, por enquanto;
• ajudar a interpretar o que leu;
• evitar comentários negativos;
• ler sempre que possível para a criança, para estimulá-la a ler
também;
• trabalhar de forma lúdica, utilizando atividades prazerosas e jogos
com leitura.

Distúrbio da escrita

• Como pode ser avaliado:


42 UNIUBE

• amostra da escrita: três amostras – redação com tema livre, trecho


de um ditado e uma cópia de algum material impresso;
• verificar a eficiência com que a criança escreve a legibilidade, a
postura e a forma de segurar a caneta ou lápis;
• ficar atento se há algum dano motor ou visual, se tem alguma
debilidade motora, tremor, movimentos involuntários.

Características:

• dificuldades no controle motor (afeta a maneira como as letras são


produzidas);
• dificuldade na percepção visual (afeta a maneira como as letras
são percebidas, a configuração da letra. Podem sobrepor letras,
escrevê-las ao contrário ou deixar longos espaços entre elas);
• distúrbios na forma de segurar o lápis;
• problemas na memória visual;
• problemas de controle espacial.

Proposta de trabalho:

• Analisar a maneira como a criança senta e segura o lápis. Estimular


a criança a segurar o papel com a mão que não escreve; ter um
descanso para os pés, caso os mesmos não alcancem o chão.

Boa iluminação.

• Inicialmente serão produzidas escritas grandes em folhas grandes,


mais tarde a criança diminuirá o tamanho da letra e assim é
aconselhável folhas com pauta e alinhamento.
• Inicialmente traçar com os dedos a forma da letra na areia, andando
sobre a forma da letra e por fim a escrita no papel.
• As letras com ponto de partida semelhante devem ser ensinadas
em grupo, para aprender a forma das letras é preciso traçá-las.
• No início da cópia o professor pode valer-se de sinais no papel que
possam indicar o ponto de partida de cada letra.
• Utilizar também o computador.
UNIUBE 43

Distúrbio na ortografia

Como pode ser avaliado:

• testes que envolvem o ditado;


• abordar o reconhecimento da palavra impressa, para verificação
da grafia;
• diferenciar os tipos de erros ortográficos;
• verificar a discriminação auditiva.

Características:

• erros fonéticos: semelhança visual coma ortografia correta;


• erros visuais;
• erros de substituição de letras;
• erros de inserção ou acréscimo e de omissão;
• erros sequenciais.

Proposta de trabalho:

• trabalhar uma oposição de cada vez;


• inicialmente trabalhar com atividades visuais;
• trabalhar sempre com apoio visual;
• começar trabalhando com palavras inteiras;
• trabalhar com recursos visuais aliados aos auditivos;
• trabalhar pedaços de palavras.

Distúrbio na matemática

Como pode ser avaliado:

O jogo de regras oportuniza a verificação e compreensão do que a


criança já sabe sobre o mundo dos números e como utiliza desses
conhecimentos para resolver problemas.
44 UNIUBE

• Jogando a criança é capaz de:

a) Realizar um número maior de cálculos e de problemas do que


quando realiza as tarefas dos livros.
b) Exercitar a reversibilidade operatória.
c) Expressar-se de modo espontâneo.
d) Desenvolver as relações sociais e a própria cidadania.
e) Substituir o sentimento de rejeição pelo de aproximação dessa área
do conhecimento.
f) Ativar a memória.
g) Compreender a função social dos números.

Características:

• problemas nas estruturas do pensamento lógico-matemático;


• dificuldades nas funções simbólicas (capacidade geral de
compreender e de criar símbolos: expressão corporal, expressão
do grafismo, comunicação nas variadas linguagens);
• problemas com a linguagem matemática (ideográfica, sistema
decimal posicional, combinação dos números naturais e outros).

Proposta de trabalho:

• análise cuidadosa da exata natureza do problema;


• o professor ter uma boa compreensão e relação com a matemática;
• trabalhar situações do cotidiano;
• seguir os estágios:

a) Números, contagem, distribuição, correspondência e ordenação.


b) Adição, subtração, multiplicação e divisão.
c) Medidas, formas, tempo e dinheiro.

• Construção do conceito de número: situações nas quais a


criança possa comparar quantidades, observando se tem o mesmo
tanto, se tem mais ou menos (isso pode ser observado nas provas
de conservação do método de Piaget).
UNIUBE 45

• Contagem: valor cardinal e valor ordinal. Contagem mecânica, um


a um e contagem compreensiva (de dois em dois, cinco em cinco,
dez em dez).
• Notação numérica: partir da ideia de que nosso sistema é decimal
posicional, permitindo que a criança expresse suas hipóteses
através de registros numéricos.
• Operações e resolução de problemas: trabalhar a compreensão
dos enunciados dos problemas, propor atividades que antecipem
mentalmente as operações e as atividades que ajudem na
sistematização das operações. Trabalhar a mútua relação da
linguagem escrita com a linguagem matemática.

Quando falamos em deficiência de aprendizagem durante nosso estudo,


estamos nos referindo à deficiência intelectual. As barreiras encontradas
na deficiência intelectual são barreiras referentes à maneira de lidar
com os conhecimentos e saberes, que refletem na construção dos
conhecimentos escolares. Quando essa educação é trabalhada nos
moldes da repetição, treino e adaptação, ela só vem reforçar a condição
de deficiente do sujeito.

Para que o aluno avance e seja o construtor do seu saber, é preciso que
ele passe da ação mecânica e automática para situações de aprendizado/
experiência, que possibilitem a ele a selecionar e optar por meios mais
significativos de aprendizagem.

A acessibilidade ao conhecimento, nesse caso, não depende de suportes


externos ao sujeito; é preciso que ele tome conhecimento daquilo que
não sabe e, a partir daí, saia da posição passiva e automatizada diante da
aprendizagem para uma postura de apropriação ativa do próprio saber.

Segundo documento de educação inclusiva (MEC) – Atendimento


Educacional Especializado para a Deficiência Mental (BRASIL, 2006, p. 18):

[...] a pessoa com deficiência mental encontra inúmeras


barreiras nas interações que realiza com o meio para
assimilar, desde os componentes físicos do objeto de
conhecimento, como por exemplo, o reconhecimento e
a identificação da cor, forma, textura, tamanho e outras
características que ele precisa retirar diretamente desse
46 UNIUBE

objeto. Isso ocorre porque são pessoas que apresentam


prejuízos no funcionamento, na estruturação e na
reelaboração do conhecimento. Exatamente por isso
não adianta propor atividades que insistem na repetição
pura e simples de noções de cor, forma etc., para que
a partir desse suposto aprendizado o aluno consiga
dominar essas noções e as demais propriedades físicas
dos objetos, e ainda possa transpô-las para um outro
contexto.

Essa passagem não é algo simples para as crianças com deficiência


intelectual, ela exige ações práticas e a coordenação dessas ações em
pensamento, o que não ocorre de maneira natural nessas crianças. Essa
passagem deve ser estimulada e provocada para que o conhecimento
seja interiorizado.

SAIBA MAIS

Segundo o MEC (BRASIL, 2006, p. 19), o esquema, a seguir, ilustra esse


processo de construção mental do conhecimento, desenvolvido pela teoria
piagetiana...

... e assim sucessivamente.

2º nível

1º nível

Fonte: MEC (BRASIL, 2006, p. 19).

Caso você queira conhecer o documento Atendimento Educacional


Especializado para a Deficiência Mental (BRASIL, 2006), na íntegra,
sugerimos que acesse:

<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/defmental.pdf>
UNIUBE 47

Diante dessa proposta de trabalho, o atendimento educacional


especializado para as crianças com deficiência intelectual vem ao encontro
das dificuldades e necessidades dessas crianças, demonstradas na
abstração e na ação simbólica. O atendimento educacional especializado é
um atendimento feito no contraturno da sala regular com ações que partem
da prática da criança até chegarem na ação simbólica e na abstração.

Nesse sentido, entendemos o esquema acima como a construção do


conhecimento, partindo de ações práticas vividas pelas crianças, e, em
seguida, utilizando diferentes linguagens e metodologias para que essas
ações vividas sejam relacionadas com os conhecimentos científicos,
transformando-os em ações simbólicas e subjetivas. Com base nessa
abstração, a criança conseguirá atribuir significados próprios e emitir
julgamentos em diferentes contextos.

É preciso que o aluno com deficiência intelectual, como qualquer outro


aluno, desenvolva sua criatividade, capacidade de conhecer o mundo e
a si mesmo.

Geralmente, professores generalizam a capacidade das pessoas com


deficiência em nível mais baixo, atitude está carregada de preconceitos e
de falta de informações!

O professor deve ser, sempre, aquele que busca e acredita na


transformação das pes¬soas por meio da educação e também o sujeito
que sempre se coloca na posição de aprendiz e crítico de sua prática
pedagógica.

1.5 Conclusão

Neste capítulo, abordamos, inicialmente, a história das necessidades


educacionais especiais, para que você pudesse compreender o percurso que
a visão educacional das dificuldades, dos distúrbios e das deficiências teve.

Atualmente, os estudos relacionados às necessidades educacionais


especiais das crianças estão mais avançados e a prática pedagógica
sendo repensada, devido à contribuição de vários segmentos e diferentes
contribuições teóricas.
48 UNIUBE

Em seguida, abordamos o conceito, a descrição e as causas das


dificuldades, dos distúrbios e das deficiências. Esse momento de
fundamentação de conceitos e compreensão das causas é fundamental
para o profissional da educação para ajudá-lo na realização da
identificação dos problemas que afetam a aprendizagem.

Logo após, refletimos sobre as práticas pedagógicas desfavoráveis e


aquelas que mais favorecem as crianças e os jovens com dificuldades,
distúrbios e deficiência. Tentamos colocar para você a importância da
observação do profissional da educação, nas diferentes manifestações dos
alunos, a dedicação aos estudos e buscas de estratégias/ metodologias
para cada criança com dificuldade e/ou distúrbio e/ou deficiência.

E, para finalizar, deixamos claro que a boa qualidade do atendimento


às crianças com necessidades educacionais especiais na escola, mais
precisamente na sala de aula, está no momento em que o professor
coloca como eixo central, da sua atuação pedagógica, o aluno.

Ainda é importante dizer que, ao final de mais um estudo ligado à


educação especial, vale ressaltar que a concepção de educação e de
metodologia discutida neste capítulo não é a única existente, mas, sim
aquela em que acreditamos, pois trabalha com as capacidades e as
habilidades das crianças e compreende o indivíduo com ser único e ao
mesmo tempo múltiplo. Único, porque somos singulares na construção
da nossa cultura, dos nossos valores, das nossas concepções e
nossos conhecimentos. Múltiplo, porque somos dotados de diferentes
capacidades.

Ainda sobre a concepção de educação nessa perspectiva, a inclusão


vem contribuir para efetivação de todo esse processo e ainda deixar claro
que o professor necessita ampliar seu olhar para todas essas mudanças,
colocando-se como sujeito investigativo e crítico.

Resumo

• Este capítulo teve como finalidade chamar o educador para


desenvolver um trabalho de observador e investigador constante,
fundamentado na teoria e em uma prática reflexiva.
UNIUBE 49

• O início dos estudos das necessidades educacionais especiais


partiu do conceito que os estudiosos tinham de criança com
lesão cerebral. os momentos foram distribuídos em quatro fases:
fase da fundação, fase da transição, fase da integração e fase
contemporânea até a atualidade.
• Dificuldade de aprendizagem: constitui uma inadequação de
rendimento acadêmico, não explicável à base de déficit cognitivo,
prejuízo sensorial ou desajustamento emocional.
• Distúrbios de aprendizagem: neste caso, as crianças possuem
problemas significativos de aquisição e uso das capacidades de
compreensão e expressão linguísticas e das operações lógico-
matemáticas. Manifesta-se costumeiramente em uma ou poucas
habilidades, sendo possível a criança ser ótima em matemática e
não conseguir ler e escrever satisfatoriamente.
• A deficiência de aprendizagem diz respeito a uma incapacidade
intelectual acentuada. Nesse grupo, geralmente estão as crianças
com déficits cognitivos.
• As causas das dificuldades, dos distúrbios e das deficiências
não são muito diferentes umas das outras, mas é possível fazer
a diferenciação em relação às causas neurológicas, quanto à
intensidade, à localização, ao período e à fisiologia da criança ou
do jovem.
• O papel do professor, bem como de toda a equipe escolar, consiste,
antes de tudo, em promover, por meio de ações, o apoio e também
a prevenção do desenvolvimento pleno da criança e do jovem.
• A ação docente e as relações docentes com a aprendizagem de
seus alunos devem ser movidas de significados tanto para quem
ensina como para quem aprende.

Atividades

Atividade 1

No decorrer da trajetória histórica da visão de dificuldade de


aprendizagem, de distúrbios e de deficiências, tivemos quatro períodos
bem definidos, são eles: fase da fundação, fase da transição, fase da
integração e a fase contemporânea até atualidade.
50 UNIUBE

Após seus estudos, enumere corretamente os fatos de acordo com suas


fases:

1. Fase Fundação
2. Fase Transição
3. Fase Integração
4. Fase Contemporânea à atualidade

( ) Aprendizagem é vista por diferentes ângulos e dependente de


diferentes fatores.
( ) Surgem diferentes programas de formação de especialistas e
profissionais.
( ) Surgem vários pesquisadores ligados a diferentes áreas do
conhecimento (educação, psicologia e médicos).
( ) As dificuldades, distúrbios e deficiência viram campo de estudo da
psicologia e educadores.
( ) Descoberta que o lado esquerdo do cérebro funciona de modo
diferente do lado direito.
( ) os estudos de neurologia eram feitos em adultos que perdiam a
fala, os movimentos, habilidade de escrever, ler depois de uma lesão
cerebral.
( ) Surgem métodos de avaliação e diagnóstico para as dificuldades de
aprendizagem, distúrbios e deficiência.
( ) Aprendizagem necessita ser mediatizada.

A alternativa correta está contida em:

A. 1, 1, 2, 3, 3, 4, 2, 4.
B. 2, 3, 4, 1, 2, 3, 4, 1.
C. 3, 2, 1, 4, 2, 3, 4, 1.
D. 4, 3, 2, 2, 1, 1, 2, 4.
E. 4, 2, 2, 3, 1, 3, 2, 4.

Atividade 2

A dificuldade de aprendizagem constitui uma inadequação de rendimento


acadêmico, não explicável à base de déficit cognitivo, prejuízo sensorial,
físico ou desajustamento emocional.
UNIUBE 51

No texto estudado foi apresentado algumas queixas que pais e


professores fazem em relação às dificuldades de aprendizagem. Escreva
três características dessas queixas e comente-as, explicando como
acontece o problema ou citando um exemplo (na escola ou na família).

Atividade 3

As causas das dificuldades de aprendizagem são de difícil especificação


e, ao mesmo tempo, o grupo de alunos com esse tipo de necessidade
educacional é, sem dúvida, o maior.

O desenvolvimento individual da criança, o ambiente familiar e escolar


são fatores que podem interferir no processo de aprendizagem. Embora
supostamente as dificuldades de aprendizagem tenham uma base
biológica, o ambiente da criança determina a gravidade e o impacto da
dificuldade. Isso tem demonstrado que alterações no ambiente familiar
e escolar da criança fazem uma diferença impressionante no progresso
educacional.

Diante dessa afirmação, escreva duas situações em que a promoção da


aprendizagem possa ocorrer no ambiente educacional. Justifique sua
resposta.

Atividade 4

No decorrer da trajetória histórica da visão de dificuldade de


aprendizagem, de distúrbios e deficiência, tivemos quatro períodos
bem definidos, são eles: fase da fundação, fase da transição, fase da
integração e a fase contemporânea até a atualidade.

Após os estudos realizados, retire três fatos importantes de cada fase.

Atividade 5

De acordo com seus estudos, cite três características da dislexia


(distúrbio da leitura e da escrita) e três características do distúrbio na
matemática.
52 UNIUBE

Referências

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HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua


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Acesso em: 22 jun. 2011.
Capítulo
Interesses e necessidades
de crianças superdotadas
2
e talentosas

Mônica Corrêa Avelar

Introdução
É um enorme prazer estarmos juntos para dialogarmos e ampliarmos
nossos conhecimentos sobre os interesses e as necessidades de
educandos que possuem altas habilidades, superdotação e/ou
talento.

Para tanto, elucidarei no decorrer deste capítulo fatores inerentes


ao reconhecimento, à identificação, à compreensão, à orientação e,
sobretudo, à atuação pedagógica que tem como meta a estimulação
das potencialidades, das habilidades e dos talentos desses alunos.

Começaremos nossa conversa fazendo uma pequena retrospectiva


histórica a respeito dos estudos de pesquisadores que abordaram
o tema no Brasil e no mundo, depois, em um segundo momento,
vocês irão conhecer o conceito de superdotação/alta habilidade e
talento; irão verificar as técnicas e os instrumentos usados para a
identificação; conhecer os aspectos emocionais, as características
comportamentais e os mitos em torno desses alunos; e, para
terminar, conhecerão os elementos essenciais para atendê-los
dentro do contexto educacional.

É de extrema importância você, educador, conhecer, saber


diferenciar e atuar com tal público. De uma forma poética, podemos
pensar que eles são como as estrelas: possuem muito brilho, e, para
que este não se ofusque chegando à total falta de luminosidade,
se faz necessário ao educador uma prática pedagógica embasada,
fundamentada e focada em seus interesses e necessidades.
56 UNIUBE

Objetivos
Após o estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de:

• identificar os alunos superdotados, talentosos e/ou auto-


-habilidosos;
• compreender os interesses e necessidades educativas
desses alunos;
• conhecer os processos pedagógicos mediacionais e/ou
intervencionais, para esses alunos.

Esquema
2.1 Uma breve visão histórica da superdotação
2.2 Desmitificando conceitos
2.2.1Aspectos de notável desempenho e elevada
potencialidade de crianças superdotadas e talentosas
2.2.2 Perfis individuais em relação à superdotação/talento
2.3 Identificando os mais capazes
2.3.1 Testes de inteligência (Q.I.)
2.3.2 Técnica da autoidentificação
2.3.3 observação com base em checklist
2.4 Aspectos emocionais e comportamentais das altas habilidades/
superdotação
2.5 Aspectos pedagógicos das altas habilidades/superdotação e
talentos
2.5.1 Formas de atender aos alunos superdotados/talentosos
no contexto educacional
2.5.2 Estratégias pedagógicas para a modificação do conteúdo
curricular
2.5.3 o atendimento oferecido pelas salas de Atendimento
Educa­cional Especializado (AEE) – salas de recurso
2.6 A superdotação, os distúrbios e as dificuldades de aprendizagem
UNIUBE 57

2.7 Como trabalhar com os alunos superdotados em sala de aula?


Qual é o papel da escola?
2.8 Conclusão

Quando se fala em educação inclusiva, pensa-se, num primeiro


momento, que ela está relacionada apenas a alunos com deficiência
mental, auditiva, visual ou física. Porém, é esquecido que, assim
como essas crianças, há os educandos superdotados, talentosos e
portadores de altas habilidades. Par­tindo dessa premissa, pergunta-se:

Mas quem são esses alunos?

Como identificá-los?

E, principalmente, como atendê-los?

Você está agora sendo convidado(a) a conhecer um pouco sobre


esses alu­nos para compreender e refletir sobre as necessidades
educativas que eles requerem, assim como os deficientes físicos,
sensoriais e mentais.

2.1 Uma breve visão histórica da superdotação

Foi na Grécia que surgiu os primeiros registros históricos sobre


superdotação. Platão chamava as crianças superdotadas de crianças
de ouro e salientou a importância de um diagnóstico precoce, ainda na
infância também defendia a ideia de que estas tivessem um programa
que as preparasse para se tornarem líderes (SOUZA, 2002).

Já nos séculos XV e XVI, esses indivíduos eram considerados um perigo


para a as pes­soas e eram vistos como seres do mal, chegando a serem
comparados com demônios e vistos como doentes mentais.

Francis Galton, cientista na Inglaterra no ano de 1869, após seus estudos,


editou um livro (O gênio hereditário) em que enfatizava o fator genético da
superdotação, ou seja, dizia que a superdotação era hereditária. Posição
que alguns teóricos defendem.
58 UNIUBE

Alfred Binet, pedagogo e psicólogo, e Theodore Simon, psicólogo


na França, em 1905, desenvolveram o primeiro teste de inteligência,
nomeado de a “Escala Binet” e come­çaram a aplicá-la em crianças com
dificuldades de aprendizagem.

William Stern, da Alemanha, em 1911, desenvolveu em seus estudos


o conceito e a fórmula do Q.I. (quociente mental). Este assunto será
abordado com mais detalhes, posteriormente, no item identificação.

Em 1916, Levis Terman, psicólogo norte-americano reviu a escala de


inteligência de Binet e, em 1921, iniciou uma pesquisa com crianças
com Q.I. acima de 140, na qual concluiu que o Q.I. aumentava ao
longo da vida. Estudou também o fator socioafetivo dos superdotados.
As pesquisas de Terman foram longas, abrangendo em torno de seis
décadas.

Entre 1930 e 1940, no Brasil, Helena Wladimirna Antipoff, psicóloga e


pedagoga russa, fundou a primeira sociedade Pestalozzi para atender
crianças com deficiência. Antipoff ressaltou também a importância de
desenvolver ações que atendessem aos superdo­tados.

Leta Hollingworth, psicóloga americana, na década de 1940, descobre em


suas pesquisas o fato de alunos superdotados apresentarem “problemas
de adaptação” devido a: tratamento inepto por adultos e falta de desafio
intelectual. A autora enfatiza a necessidade da escola em educar e
treinar essas crianças, levando em conta os fatores afetivos, sociais e
emocionais.

Na década de 1960, no Brasil, em Minas Gerais, Helena Antipoff, em


uma fazenda do estado, cria um Programa de Atendimento ao Aluno
Superdotado.

Em Israel, no ano de 1975, ocorreu a primeira Conferência Mundial sobre


Superdotação. No Brasil, no ano de 1976, a Fundação Educacional do
Distrito Federal deu início ao Programa para Atendimento ao Superdotado
e, em 1978, criou a Associação Brasileira para Superdotados.

Em 1983, Howard Gardner lança o livro Estruturas da mente e revoluciona


o conceito de inteligência, pois aborda a teoria das inteligências múltiplas
UNIUBE 59

que dimensiona sete inteli­gências (inteligência visual/espacial, inteligência


musical, inteligência verbal, inteligência lógica/matemática, inteligência
interpessoal, inteligência intrapessoal e inteligência corpo­ral/cinestética).
Gardner propôs também mais duas inteligências (a inteligência naturalista
e a inteligência existencialista).

SAIBA MAIS

Essa foi uma pequena mostra da visão histórica da superdotação. Caso


queira aprofundar mais seus estudos, indicamos o site a seguir:

<www.derbp.com.br/praticas_educacionais_superdotados.ppt>

Esse site é da diretoria de ensino da região de Bragança Paulista. O mesmo


possui uma sessão chamada “oficina pedagógica” que apresenta materiais
diversos sobre alfabetização, artes, tecnologia educacional, ciências,
biologia, física, entre outros, inclusive sobre educação especial. Dentro do
item educação especial há vários materiais e orientações sobre esse tema.
Há um subitem do tópico educação especial que se chama orientações
técnicas, onde encontramos alguns slides sobre a história da superdotação,
assim como outros materiais. Para acessar os slides sobre a história da
superdotação, você deverá entrar em “orientação técnica de 29-04-2009/
superdotação-altas habilidades”. Vale a pena ser lido pelas pessoas
interessadas e comprometidas com a educação desses alunos.

2.2 Desmitificando conceitos

É comum ouvirmos notícias de crianças com idades entre um ano e


meio e dois anos que leem com rapidez e fluência, que conhecem os
países, suas respectivas capitais e bandeiras, que possuem habilidade
significativa em cálculos matemáticos, não é mesmo?

Na maioria dos casos, a família alega nunca ter ensinado a criança a ler,
a escrever e a contar. Mas será que realmente nunca oportunizaram a
elas a manipulação de livros e ou algum tipo de treinamento?
60 UNIUBE

Casos como esses geralmente aparecem na mídia


Precocidade
e tanto os pais quanto as emissoras de televisão
Chamamos se engrandecem muito com tal situação.
de precoce
uma criança
que apresenta Entretanto, precisamos ficar atentos, pois,
alguma habilidade
específica essas crianças podem estar apresentando uma
prematuramente precocidade, e, ainda, não se pode identificá-las
desenvolvida em
qualquer área do como superdotadas, talentosas ou portadoras de
conhecimento. altas habilidades.

Devemos analisar criteriosamente tais episódios, pois eles podem ser


significativos para a identificação e diagnóstico da superdotação e altas
habilidades em crianças com menos de sete anos.

Sendo assim, um fator extremamente importante para a identificação de


superdotação e/ou altas habilidades com crianças da Educação Infantil
é a observação sistematizada. Essa observação deve ter o intuito de
verificar se os seus traços superiores apresen­tados são consistentes e
irão continuar.

EXEMPLIFICANDO!

Uma criança prodígio e com uma habilidade excepcional foi Wolfgang


Amadeus Mozart, que começou a tocar piano com três anos, aos quatro
aprendia peças com facilidade e rapidez e, aos sete, já compunha e fazia
apresentações. Mozart foi capaz, também, de após ouvir uma peça inteira
apenas uma vez, retê-la na memória e reproduzi-la sem cometer erros.

Assim como Mozart, temos Picasso, Einstein, entre outros considerados


gênios na história da humanidade, pois além de serem “excepcionais”,
deixaram marcas na História.

Veja que há diferenças entre o ser humano precoce, o prodígio e o gênio:

Precoce: crianças que apresentam alguma habilidade prematuramente


em qualquer área do conhecimento, como uma criança que lê entre três
e quatro anos ou um aluno que ingressa na universidade aos onze.
UNIUBE 61

Prodígio: crianças que realizam algo anormal para sua idade, que
demonstram desem­penho superior ao nível de um profissional adulto
em qualquer área, por exemplo Mozart que tocava piano aos três anos,
aos quatro anos, sem orientação formal, já aprendia peças com rapidez,
e aos sete já compunha e realizava apresentações.

Gênio: é aquele que não apenas possui um talento relevante como


também o utiliza de forma produtiva, gerando obras de valor. A
superdotação intelectual não pode ser tratada como sinônimo de
genialidade, pois indica apenas um dado tipo de capacidade mental,
enquanto a genialidade resulta de uma condição de intelecto, condições
socio­econômicas, culturais, motivação e trabalho duro.

No Brasil, em 1995, a partir das Diretrizes Gerais para o Atendimento


Educacional aos Alunos Portadores de Altas Habilidades, Superdotação
e Talentos, estabelecidas pela Secretaria de Educação Especial do
Ministério da Educação e Desporto, foi proposta a seguinte definição:

Alta habilidade refere-se aos comportamentos


observados e ou relatados que confirmam a expressão
de traços consistentemente superiores em relação a uma
média (por exemplo, idade, produção ou série escolar)
em qualquer campo do saber ou do fazer. Deve-se
entender por “traços” as formas consistentes, ou seja,
aquelas que permanecem com frequência e duração
no repertório dos comporta­mentos da pessoa, de forma
a poderem ser registradas em épocas diferentes e
situações semelhantes (BRASIL, 1995, p. 13).

Podemos ressaltar que essa definição destaca os traços e


comportamentos acima da média, relacionando-os à permanência e
duração dos mesmos.

Superdotados seriam, de acordo com esta definição, aquelas pessoas


que apresentam traços consistentemente superiores em relação a uma
média e que sejam permanen­tes, podendo ser identificados em épocas
diferentes. Por exemplo, uma criança que aos dois anos reconhece e
nomeia todas as letras do alfabeto; aos dois anos e meio reconhece e
nomeia palavras simples; aos três anos lê muitas palavras e aos três
anos e meio lê livros fluentemente.
62 UNIUBE

2.2.1 Aspectos de notável desempenho e elevada potencialidade de


crianças superdotadas e talentosas

A definição de superdotação que consta na Política Nacional de Educação


Especial de 1994 diz que crianças superdotadas e talentosas são as que
apresentam notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer
dos seguintes aspectos, isolados ou combinados:

Capacidade intelectual geral: capacidade que envolve rapidez de


pensamento, com­ preensão e memória elevados, capacidade de
pensamento abstrato.

Aptidão acadêmica específica: atenção, concentração, rapidez de


aprendizagem, boa memória, motivação por disciplinas acadêmicas do
seu interesse, capacidade de produção acadêmica.

Pensamento criador ou produtivo: originalidade de pensamento,


imaginação, capa­cidade de resolver problemas de forma diferente e
inovadora.

Capacidade de liderança: sensibilidade interpessoal, atitude cooperativa,


capacidade de resolver situações sociais complexas, poder de persuasão
e de influência no grupo.

Talento especial para as artes: alto desempenho em artes plásticas,


musicais, dra­máticas, literárias ou cênicas.

Capacidade psicomotora: desempenho superior em velocidade, agilidade


de movi­mentos, força, resistência, controle e coordenação motora.

Assim como nós, os superdotados podem apresentar sentimentos, atitudes


e compor­tamentos diversificados, o que os caracteriza e os diferencia
como pessoa.

2.2.2 Perfis individuais em relação à superdotação/talento

Um superdotado/talentoso pode se destacar em uma área ou combinar


várias, pode também apresentar graus de habilidades diferenciadas.
UNIUBE 63

Destaca-se aqui a questão das características e dos


perfis individuais, que são aspectos relevantes com Perfis

relação à superdotação/talento. São as


características
gerais de uma
Os estudiosos George Betts e Maureen Neihart pessoa, aspecto,
após anos de estudos, observações, entrevistas caráter.
Informação sobre
distinguem os perfis dos alunos com talentos/altas a estrutura mental
habilidades e superdotação em seis tipos que são: de um indivíduo
ou de um grupo
bem-sucedido, desafiante, escondido, desistente, específico.
rótulo duplo e autônomo.

Vamos abordar agora um pouco sobre cada um desses perfis, pois


estes podem nos auxiliar a compreender o modo de ser e de agir dos
alunos talentosos/superdotados, assim como nos ajudar a detectar suas
dificuldades, necessidade e interesses.

Tipo 1 – Bem-sucedido

Com certeza, a maioria dos alunos identificados nas escolas são do


tipo bem-sucedido, pois são alunos que se comportam adequadamente
ao sistema educacional. Eles aprendem satisfatoriamente e são
bem-sucedidos academicamente. Este tipo raramente apresenta
problemas comportamentais, pois se preocupa com a aprovação dos
profes­sores, pais e outros. É perfeccionista, é dependente, tem facilidades
para aceitar e se conformar mediante situações novas. Possui autoconceito
positivo, culpa-se por faltas e fracassos, é responsável e autocrítico. É um
realizador em potencial, é comedido. Não gosta de correr riscos.

Na maioria das vezes é amado, querido e admirado pelos colegas,


professores e fa­miliares. Este tipo de aluno não está bem preparado
para os desafios e mudanças de vida e, por isso, necessita de motivação
extrínseca, de correr riscos, de se posicionar, de perceber suas próprias
deficiências, de ser desafiado, de ter autonomia. Assim terá mais chances
de desenvolver sua criatividade, seus dons e talentos de modo pleno.

Tipo 2 – Desafiante

Este tipo possui problema de disciplina, possui um grau elevado de


criatividade, utiliza­-se de sarcasmos, gosta de desafiar e corrigir os
64 UNIUBE

professores, competitivo, questiona regras e defende suas convicções.


Não é um tipo reconhecido pelos professores, pois suas relações sociais
na maioria das vezes envolve conflitos. É irritante e rebelde, mas alguns
colegas o acham divertido. Tem tendência a se envolver com a delinquência
e com drogas, sente frustração, possui baixa autoestima, é impaciente,
defensivo, mas tem sensibilidade aguçada, apresenta-se incerto sobre os
papéis sociais, possui mu­danças de humor, é honesto e direto.

Com relação aos hábitos de trabalho, demonstra inconstância e prefere


atividades al­tamente ativas e métodos questionadores. Dentro das
suas necessidades, destaca-se em ações que o levem a aprender
autocontrole, a ser mais flexível, a desenvolver sua criatividade, suas
habilidades cognitivas e sociais e contratos de comportamentos. É
preciso ter uma comunicação clara e direta com esse tipo de aluno,
permitindo que ele expresse seus sentimentos.

Tipo 3 – Escondido

Este aluno geralmente não é identificado, pois é quieto, tímido, ansioso,


obediente, inseguro, resistente a desafios. Tem tendência de negar seus
talentos para se sentir incluído ao grupo, pois quer ser aceito socialmente.
Neste tipo, estão inseridas, na maioria das vezes, as meninas.

Pode ser visto pelos outros como líder ou pode simplesmente ser
irreconhecido. Possui média escolar boa e é bem-sucedido. É necessário
desenvolver ações que proporcionem a este aluno o envolvimento com
outros superdotados, liberdade de fazer escolhas, informações sobre
universidade e carreira futura, apoio familiar, técnicas e dinâmicas de
autoaceitação.

Tipo 4 – Desistente

Para este tipo de aluno, a escola parece ser irrelevante e hostil, pois seus
interesses estão fora do currículo escolar. Sendo assim, não consegue
completar as tarefas, seu trabalho é inconsistente e, em sala de aula, fica
com o pensamento longe e se isola.

Tem tendência a criticar os outros e a si mesmo. Com relação ao


rendimento escolar é médio ou abaixo da média. É visto como solitário,
desistente, cabeça de vento, pe­rigoso e rebelde.
UNIUBE 65

É comum adultos demonstrarem nervoso e raiva mediante o


comportamento deste tipo de aluno. Para esse aluno, é necessário um
programa individualizado com metodologias de estudos não tradicionais
e voltados para seus interesses.

Tipo 5 – Rótulo duplo

Este tipo parece estranho, bobo, não tem poder pessoal, tem baixa
autoestima, é frus­trado, raivoso e nervoso. Pode apresentar dificuldade
de aprendizagem. Pode se sentir desencorajado, rejeitado, impotente e
se isolar.

Esse aluno pode negar que está tendo dificuldades e alegar que as
atividades são chatas. Demonstra trabalho inconsistente e suas notas,
normalmente, estão na média ou abaixo. É visto como incapaz e destaca-
se pelas suas produções e ações inade­quadas, como uma escrita ilegível
ou trocas/omissões e distorções de letras, chegando até mesmo a ser
encaminhado ao serviço de educação especial.

A escola tem tendência a se concentrar nas fraquezas desse aluno e


deixa de alimentar suas áreas de interesse e talentos. Para este tipo
é necessário dar ênfase nas áreas de seu interesse com o objetivo de
desenvolver suas habilidades e seus talentos, colocá-lo em programas
para superdotados, proporcionar alternativas de experiências de
aprendizagem diversificadas e oportunizar momentos de interação com
colegas.

Tipo 6 – Autônomo

Assim como o tipo bem-sucedido, o autônomo também aprende a


trabalhar eficazmente na escola. A diferença é que o autônomo usa o
sistema para criar novas oportunidades para si, ou seja, ele trabalha para
si e não para o sistema.

Possui autoconfiança, autoaceitação, tem motivação intrínseca, aceita os


outros, aceita falhas, tem desejo de saber aprender. É aceito e admirado
pelos outros devido às suas habilidades. É visto como responsável e
capacitado e é psicologicamente saudável. Possui habilidades sociais
adequadas, trabalha independentemente, de­senvolve seus próprios
66 UNIUBE

objetivos, dá sequência às tarefas começadas, trabalha sem aprovação,


é criativo, luta por suas convicções, corre riscos, segue suas áreas de
paixão e interesse pessoal. Sente-se seguro criando seus objetivos
pessoais e edu­cacionais. É o tipo que percebe que pode desenvolver
mudanças em sua vida e não espera que os outros o façam para ele.

PONTO-CHAVE

Essa “tipificação” não é um modelo diagnóstico de classificação, mas um


referencial teórico que tem o objetivo de conscientizar os educadores que
esses alunos são influenciados pela família, pelas vivências, por seus
relacionamentos, sentimentos e pelo desenvolvimento pessoal de cada um.

Conhecer esses alunos e tipos é importante, pois poderá servir como base
teórica para a identificação, para orientação às famílias e planejamento
educacional apropriado para o aluno superdotado/talentoso.

Joseph Renzulli é psicólogo educacional, pesquisador do Centro


Nacional de Pesquisa sobre superdotados e talentosos na Universidade
de Connecticut, Estados Unidos. Ele foi pioneiro ao dizer que os
comportamentos de superdotação consistem na inter-relação de três
traços humanos que são:

1 – habilidade acima da média em alguma área do conhecimento (não,


necessariamente, muito superior à média);

2 – envolvimento com a tarefa, motivação, vontade de realizar,


perseverança, concen­tração;

3 – criatividade, pensar algo diferente, ver novos significados, retirar


ideias de um contexto e usá-las.

Para ele, superdotados são aqueles que possuem esse conjunto de


traços concomi­tantemente.
UNIUBE 67

PESQUISANDO NA WEB

Renzulli apresentou a inter-relação desses três traços humanos por uma


imagem chamada modelo dos três anéis ou modelo triádico de superdotação.
Caso você queira conhecer essa imagem, sugerimos que consulte o texto
“o que as palavras querem dizer?”, que corresponde ao Capítulo 2 do livro
Altas habilidades/superdotação: encorajando potenciais, de Angela M. R.
Virgolim, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial (2007).
Na página 36, a autora mostra o quadro 2, “Diagrama da teoria dos três
anéis”. O texto está no site da Fundação Catarinense de Educação Especial
– FCEE, disponível em:

<http://www.fcee.sc.gov.br/index.php?option=com_docman&task=cat_
view&gid=83&Itemid=91&limit=10&limitstart=0&order=hits&dir=ASC>

Vale a pena conferir!

A concepção e os modelos de Renzulli são significativos porque


sua definição e seus estudos provaram que os testes de Q.I. eram
insuficientes para a identificação dos superdotados.

PARADA OBRIGATÓRIA

Vamos pensar um pouco?

Por que será que Renzulli provou que os testes de Q.I. não eram
significativos para a identificação dos superdotados/talentosos?

Pense, imagine, discuta com seus colegas.

Talvez, vocês consigam responder depois de ler os tópicos seguintes.

Vamos continuar refletindo sobre os testes de Q.I.


68 UNIUBE

2.3 Identificando os mais capazes

Agora que já sabemos um pouco mais sobre a definição de superdotação/


altas habili­dades, temos mais um desafio: como identificá-la?

2.3.1 Testes de inteligência (Q.I.)

Há décadas, o processo de identificação era relativamente fácil, pois para


tal bastava aplicar os testes de inteligência (Q.I.). O objetivo dos testes de
Q.I. é comparar a idade cronológica com a mental.

Esse teste foi criado no início do século XX pelos estudiosos Binet e


Simon e tinha o objetivo de identificar crianças com retardamento
intelectual. No teste, há uma sequência de tarefas que focam as
habilidades do indivíduo em pensar, resolver problemas, enfim, raciocinar.
As tarefas são de pensamento lógico-matemático, habilidade linguística,
pensamento analítico, capacidade de abstração teórica, aptidão escolar,
conhecimento e pensamento acadêmico. Com base no desempenho do
indivíduo nessa sequência de tarefas é que chegamos à sua idade mental.

A pontuação obtida no teste é uma indicação de como está o desempenho


do indivíduo em relação à maioria das pessoas de seu grupo de idade. O
Q.I. médio varia de 95 a 100 pontos, portanto, a pessoa que obtém essa
média tem um nível de inteligência normal.

Uma criança de sete anos faz o teste e tem uma pontuação de 160. Isso
quer dizer que ela tem 60% a mais de inteligência do que o esperado para
as crianças de sete anos.

Nos últimos anos, observou-se a ineficácia desses testes, pois, como diz
Winner (1998, p. 15):
Os testes de Q.I. medem uma estreita gama de
habilidades huma­nas, principalmente facilidade com
linguagem e número. Há poucas evidências de que
superdotação em áreas não acadêmicas, como artes ou
música, requeiram um Q.I. excepcional.
UNIUBE 69

Nesse sentido, há uma parcela da população que não está incluída


nessas estatísticas, já que os testes padronizados não privilegiam
áreas mais subjetivas, por exemplo, habilidades sinestésicas, musicais
e artísticas. A partir desse conhecimento, percebe­-se que para a
identificação de crianças superdotadas múltiplos critérios devem ser
utilizados, considerando-se informações obtidas de fontes variadas,
incluindo tanto a criança como seus professores, pais e colegas, além,
naturalmente, daquelas obtidas pelo psicólogo por meio do uso de testes.

2.3.2 Técnica da autoidentificação

A técnica da autoidentificação é uma das técnicas sugeridas por Guenther


(1995) para auxiliar no processo de identificação. Esta técnica consiste
em perguntar à criança sobre seus hobbies, interesses principais,
atividades desenvolvidas fora da escola, formas de pensamento
preferidas, bem como reações a elementos de seu ambiente.

A nomeação pelos companheiros de sala de aula dos alunos que se


destacam em alguns traços é outro critério que deve ser utilizado no
processo de identificação. Essa nomeação refere-se à indicação dos
próprios alunos de sala de aula em relação às habilidades dos colegas.
Ou seja, pode-se pedir para que respondam, por exemplo, às seguintes
perguntas: “Quem consideram o colega mais inteligente?”, “Quem
consideram o mais criativo?”, “Quem consideram o mais amigo e
preocupado com o bem-estar de todos?” e outras.

É muito importante também o julgamento, a avaliação e a observação


do professor, pois ele desempenha um papel significativo no processo
de identificação. O julgamento do professor é o seu olhar. Quem na sala
de aula ele acha mais criativo, por exemplo, quem é o mais interessado,
comunicativo etc.

O papel do professor também é o de atender às necessidades dos alunos


e oportunizar o desenvolvimento de suas potencialidades.

2.3.3 Observação com base em checklist

O checklist é uma lista que contém atitudes, interesses, posturas, ações e


70 UNIUBE

característi­cas comuns aos indivíduos superdotado-talentosos que alguns


autores sugerem para facilitar a identificação.

Vejamos abaixo algumas dessas características:

• o melhor aluno;
• aquele com vocabulário maior;
• ao aluno mais criativo e original;
• ao aluno com maior capacidade de liderança;
• ao aluno com pensamento crítico mais desenvolvido;
• ao aluno com maior motivação para aprender;
• ao aluno que os colegas mais gostam;
• ao aluno com maior interesse nas áreas das
ciências;
• ao aluno que está mais avançado na escola em
relação à idade. (ANTIPOFF, 1992, p. 36)

Ellen Winner, em seu livro Crianças superdotadas: mitos e realidades


(1998), ressalta também algumas características apresentadas em
relação às habilidades escolares e algumas atitudes que a família e o
professor devem ficar atentos:

• leitura precoce por volta dos quatro anos, ou antes, com instrução
mínima;
• fascínio por números e relações numéricas;
• memória prodigiosa para informação verbal e/ou matemática;
• frequentemente brincam sozinhas e apreciam a solidão;
• preferem amigos mais velhos, próximos a ela em idade mental;
• interessa-se por problemas filosóficos, morais, políticos e sociais;
• apresentam alto senso de humor em decorrência de habilidades
verbais.

A pesquisadora Zenita Guenther, responsável pela criação do Centro


para o Desenvol­vimento do Potencial e Talento – CEDET, situado em
UNIUBE 71

Lavras (MG), que é uma referên­cia no Brasil nessa área, após estudos
e pesquisas também desenvolveu e utiliza um checklist para facilitar o
processo de identificação.

A lista de Zenita contém itens para observação em sala de aula e é


composta por ca­racterísticas referentes ao talento verbal, talento
científico/matemático, talento artístico, talento psicossocial, talento
psicomotor e também referente às capacidades de inteli­gência geral, de
pensamento abstrato e criatividade. A autora ressalta que:

não é propriamente o conteúdo de cada item de


observação listado que vai pesar como parâmetro
de identificação, mas a derivação dos troncos de
caracterização de dotados e talentosos, expressos
como construtos abstratos, relativos à população
escolar (GUENTHER, 2000, p. 175).

Ou seja, as características apresentadas, a seguir, deverão ser


interpretadas em toda sua totalidade, devem ser analisadas na forma
de ser, agir e reagir do aluno. Quando se diz, por exemplo, para indicar
o melhor da turma em comunicação e expressão, se faz necessário
compreender e analisar de fato como é a comunicação e expressão
desse aluno, ou seja: “Por que ele se destaca dos demais nessa área?
o que o diferencia? Ele está além do esperado tendo em vista seu
contexto, sua realidade? A forma como ele utiliza para se comunicar e
expressar é realmente inusitada? Na prática, em relação à ação e aos
comportamentos visíveis, como o aluno lida com essa comunicação e
expressão?”

Portanto, é preciso saber utilizar as listas com coerência, com


embasamento teórico e com ética.

Vamos então conhecer agora, separadamente, as características de cada


talento e capacidade.

Inteligência e capacidade geral

Está relacionada ao potencial geral, destacando-se a vivacidade mental,


automotivação e confiança. A vivacidade mental é reconhecida pela
72 UNIUBE

maneira como as crianças expres­ sam curiosidade, questionam,


interrogam, perguntam, enfrentam e apreciam desafios, encontram
vias para expressar senso de humor, têm boa memória, domínio sobre
um considerável fundo de conhecimento e informações, aprendem,
compreendem, apreen­ dem com facilidade e por vários meios
(GUENTHER, 2000, p. 47).

A automotivação e a confiança, segundo Guenther (2000, p. 48), é


composta por características de crianças que têm “cabeça própria”.
Sendo assim, está relacionada à independência, confiança, persistência,
segurança, compromisso com a tarefa, res­ponsabilidade, tomada de
iniciativas, motivação interna.

Para serem considerados com esta capacidade, é preciso que os alunos


apresentem pelo menos seis das características a seguir:

• melhores em atividades extracurriculares;


• mais curiosos, interessados, perguntadores;
• de melhor memória, aprendem e fixam com facilidade;
• mais persistentes, compromissados, chegam ao fim do que fazem;
• mais independentes, iniciam o próprio trabalho e fazem sozinhos;
• entediados, desinteressados, mas não necessariamente atrasados;
• mais ativos, perspicazes, observadores;
• mais capazes de pensar e tirar conclusões;
• mais levados, engraçados, “arteiros”;
• que o professor considere como mais inteligentes;
• que produzem respostas inesperadas e pertinentes.

Ou apresentarem quatro das características:

• de melhor memória, aprendem e fixam com facilidade;


• mais independentes, iniciam o próprio trabalho e fazem sozinhos;
• mais originais e criativos;
• mais ativos, perspicazes, observadores;
UNIUBE 73

• mais capazes de pensar e tirar conclusões;


• que o professor considere como mais inteligentes;
• que produzem respostas inesperadas e pertinentes.

O talento verbal

O talento verbal está relacionado à capacidade acadêmica de se destacar


na linguagem verbal, na expressão e na comunicação, seja oral e/ou
escrita. A criança com este talento e capacidade sabe fazer uso da língua
em nossa realidade com qualidade, propriedade e domínio.

Para serem considerados com este talento é preciso que os alunos


apresentem pelo menos três das características:

• melhores da turma nas áreas de linguagem, comunicação e


expressão;
• mais verbais, falantes e conversadores;
• mais participantes e presentes em tudo, dentro e fora da sala de
aula;
• mais capazes de pensar e elaborar conclusões;
• que o professor considere como mais inteligentes.

O talento científico-matemático (capacidade de pensamento abstrato)

Este também é um talento acadêmico e está relacionado às habilidades


de associa­ ção, comparação, análise, síntese, raciocínio, lógica,
identificação de causas e efeitos e de formação de conceitos. A maioria
dos indivíduos com este talento e capacidade apresenta enorme
persistência e concentração.

Para serem considerados dotados deste talento, é preciso que os alunos


apresentem três ou mais das seguintes características:

• os melhores nas áreas de matemática e ciências;


• de melhor memória, aprendem e fixam com facilidade;
74 UNIUBE

• mais independentes, iniciam o trabalho e fazem sozinhos;


• mais capazes de pensar e elaborar conclusões;
• que o professor considere como mais inteligentes.

O talento artístico e ou capacidade criativa

Este talento e/ou capacidade relaciona-se com a capacidade de


produção, de criação, de originalidade, de autoria. Segundo Guilford
(apud GUENTHER, 2000, p. 48), a criatividade é considerada como uma
dimensão da inteligência.

Já Virgolim (2007, p. 59) comenta que nem sempre a pessoa mais


inteligente é a que apresenta as respostas mais originais; da mesma forma,
nem sempre a pessoa mais criativa é a mais inteligente entre seus pares.

Os indivíduos criativos e com talento artístico são, na maioria das


vezes, considerados pela sociedade como estranhos e diferentes, pois
possuem pensamento divergente, apresentam
Pensamento inconformismo, são altamente críticos e autocríticos,
divergente o que pode gerar conflitos e tensões seja em nível
É um processo interpessoal como intrapessoal.
de pensamento
cujo objetivo é
achar o maior Embora seja curioso e imaginativo, com inclinação
número possível para brincar com as ideias e dar respostas
de soluções para
um problema. bem-humoradas e diferentes do usual, o
Essa habilidade é estudante criativo muitas vezes é percebido como
usada para gerar
ideias e resolver o palhaço da turma, crítico de si mesmo e dos
algo criativamente, colegas, sarcástico, bagunceiro, não conformista,
em oposição
ao pensamento desrespeitoso para com as figuras de autoridade
convergente, que e para com as tradições. (CLARK, 1992 apud
consiste em achar
uma única solução VIRGOLIM, 2007, p. 59).
apropriada a um
problema.
Para ser considerado com este talento e/ou
Fonte: Wikipédia,
(2011). capacidade, é preciso que o aluno apresente pelo
menos quatro das seguintes características:

• melhores nas áreas de arte e educação artística;


• mais críticos com os outros e consigo próprio;
UNIUBE 75

• mais persistentes, compromissados, chegam ao fim do que fazem;


• mais originais e criativos;
• mais ativos, perspicazes, observadores;
• que produzem respostas inesperadas e pertinentes.

O talento psicossocial

Este tem a ver com a habilidade de saber relacionar, interagir, viver e


conviver em grupo. Está relacionado com a inteligência emocional, que
é a capacidade que temos de reconhecer nossos sentimentos e os dos
outros, assim como a capacidade de lidar com eles. o indivíduo que
possui este talento apresenta sensibilidade e preocupação com os outros,
possui um senso de justiça altamente aguçado e é uma pessoa que
valoriza e irradia valores como respeito, bondade e amizade.

Para ser considerado com este talento, é preciso que o aluno apresente
pelo menos quatro das seguintes características. observe as características
que estão em negrito, pois estas indicam capacidade de liderança:

• melhores em atividades extracurriculares e extraclasse;


• mais participantes e presentes em tudo, dentro e fora da sala de
aula;
• mais sensíveis aos outros e bondosos com os colegas;
• preocupados com o bem-estar dos outros;
• mais seguros e confiantes em si;
• mais simpáticos e queridos pelos colegas;
• capazes de liderar e passar energia própria para o grupo.

Segundo Guenther (2000), esta área de talento não assegura bases


muitos claras para observação e necessita de melhores definições.

O talento psicomotor

O talento psicomotor está relacionado ao talento esportivo. O indivíduo


que possui esse talento tem habilidades sensório-motoras que
proporcionam elevada capacidade de desempenho físico-motor.
76 UNIUBE

Para ser considerado com este talento, é preciso que o aluno apresente
as seguintes características:

• melhores em atividades extracurriculares e extraclasse;


• com melhor desempenho em esportes e exercícios físicos;
• que sobressaem em habilidades manuais e motoras.

É viável que você, educador, indique em cada item os dois alunos


da turma, menino ou menina que se destacam nas características
apresentadas acima e é interessante também indicar alguma criança
que apresente outros talentos especiais que não foram contemplados
na listagem.

Guenther, em seu livro Desenvolver capacidades e talentos: um conceito


de inclusão (2000), diz que o processo de identificação desenvolvido no
CEDET, em síntese, constitui-se de três estágios, que são:

1º – a observação direta, registrada pelos professores da sala de


aula, orientada pela lista de indicadores, com revisão, reavaliação e
complementação das observações dos professores, feita pela equipe
técnica da escola;

2º– o acompanhamento da criança pelo facilitador do CEDET, durante o


ano de trabalho;

3º– a observação sistemática pelo professor que trabalhou com a criança


durante o ano que se segue à primeira observação, em comparação com
a nova turma de colegas.

Sendo assim, ao final de cada ano, tem-se o olhar de três profissionais


que acompa­nhou o aluno: 1) o professor que preencheu o checklist no
ano anterior, pois este é preenchido no final do ano; 2) o professor da
sala de aula do aluno, ou seja, da sala de aula que ele frequentou; e 3) o
facilitador do centro (CEDET), que teve o papel de oportunizar situações
de aprendizagem, diferenciadas e enriquecidas para o aluno. Estas
atividades são desenvolvidas no contraturno no CEDET ou em outras
instituições da comunidade parceiras do centro.
UNIUBE 77

SINTETIZANDO...

O conceito de superdotação/altas habilidades evoluiu ao longo do tempo!


Saiu de uma concepção unidimensional que se centrava em teste de Q.I. e
avaliação de habilidades cognitivas para uma concepção multidimensional
que valoriza também a criatividade, as habilidades artísticas, musicais,
esportivas e sinestésicas.

Com esta nova visão amplia-se o olhar que deixa de enxergar e valorizar
somente os talentos acadêmicos!

2.4 Aspectos emocionais e comportamentais das altas habilidades/


superdotação

Você já pensou sobre a vida emocional dos superdotados/talentosos?


Será que eles são emocionalmente iguais aos demais? Vamos ver?

Existe um mito em relação à vida emocional desses alunos, muitos de


nós acreditamos que todos superdotados/talentosos apresentam ótima
saúde psicológica, mas estudio­sos da área estimam que 20 a 25% das
crianças superdotadas apresentam desajustes psicossociais.

Hellen Winner (1998, p. 168) diz que embora a maioria das crianças
superdotadas sejam social e emocionalmente bem ajustadas, uma
minoria bastante substancial de superdotados de fato apresenta
problemas sociais e emocionais que se originam das consequências de
ser superdotado.

Quanto mais elevado o nível de superdotação e abrangência da área de


domínio, mais dificuldades em se relacionar, de interagir com os outros
são apresentadas, o que consequentemente leva a uma instabilidade
emocional. o fato de os alunos superdo­tados estarem em outro ritmo de
desenvolvimento, por si só, já acarreta dificuldade de relacionamento.

A estrutura da personalidade de um aluno superdotado/talentoso é


diferente das dos seus pares, pois são alunos que apresentam:
78 UNIUBE

• alta motivação − prazer pelo trabalho, levando a excessivo


empenho na tarefa/talento;
• apreciação por desafios;
• perfeccionismo exagerado, medo de não atingir a perfeição;
• alta concentração;
• autoestima elevada, preferencialmente na área de interesse/talento
e atividades acadêmicas;
• autoestima baixa nas interações sociais;
• independência e teimosia − realizam tarefas de seu jeito;
• liderança – domínio e comando de situações;
• independência de pensamento e valores – alto nível de raciocínio
moral;
• inconformismo − alto nível de raciocínio moral;
• introversão − dificuldade em se relacionar;
• alto poder de criticidade;
• agitação;
• desatenção;
• ansiedade e pessimismo;
• sensibilidade;
• solidão, necessidade de ficar sozinho.

Não podemos dizer que todos os superdotados/talentosos apresentam as


mesmas estruturas de personalidade, pois como já foi dito anteriormente
existe a questão das diferenças individuais. Cada ser é único e apresenta
comportamentos e sentimentos de acordo com suas vivências e
experiências ambientais, culturais, socioeconômicas e biológicas.

Mas podemos concluir que o superdotado/talentoso que esbanja saúde


emocional e social é apenas um mito.
UNIUBE 79

SAIBA MAIS

Caso queira saber mais sobre a vida emocional do superdotado/talentoso,


sugerimos que assista ao filme Maluca paixão e fique atento aos
comportamentos e sentimentos da protagonista Mary Horowitz. Apesar de
ser uma comédia, fica evidente as dificuldades emocionais e sociais de uma
pessoa superdotada/talentosa.

Título original: All About Steve


País de origem: EUA
Gênero: Comédia
Tempo de duração: 98 minutos
Ano de lançamento: 2009
Estúdio/Distrib.:Fox Film
Direção: Phil Traill

Agora que você conhece a definição e a identificação de algumas


características e comportamentos de crianças superdotadas/talentosas,
podemos começar a vislumbrar um trabalho pedagógico e educacional,
não é? Vamos lá?

Mas antes, vamos refletir sobre esta fala de Albert Einstein sobre nosso
papel de edu­cadores:
Não é bastante ensinar uma capacidade. Através dela o
indivíduo pode tornar-se uma espécie de máquina útil,
mas não uma pessoa é personalidade a não pessoa
harmoniosa. É essencial que o profissio­nal adquira
compreensão e sensibilidade. Viva para valores... tenha
o senso de belo e o do moralmente bom. Se tal não
acontecer, com todo seu conhecimento especializado,
ele parecerá mais um animal bem treinado do que um
Ser humano (GUENTHER, 2000, p. 113).

Assim sendo, já que não queremos ser animais bem treinados e somos
seres huma­nos dotados de compreensão e sensibilidade, vamos
conhecer algumas propostas pedagógicas para se trabalhar com nossos
alunos superdotados e talentosos para que possamos fazer diferença em
nossa prática pedagógica.
80 UNIUBE

2.5 Aspectos pedagógicos das altas habilidades/superdotação


e talentos

Será que nossas escolas sabem o que fazer com alunos com
superdotação/altas ha­bilidades e talentos?

Assim como existe o mito com relação à vida emocional e social, existem
outros mitos com relação às crianças superdotadas e talentosas, tais como:

• elas não precisam de ajuda para se desenvolver, ou seja, se


desenvolvem sozinhas;
• elas são fisicamente fracas;
• elas não são produtivas por muito tempo, ou seja, o talento
desaparece na vida adulta;
• a criança nasce superdotada e permanece pela vida toda e nada
poderá modificá-la;
• a criança superdotada continuará a demonstrar habilidade
intelectual superior inde­pendentemente das condições ambientais;
• boa dotação é sinônimo de sucesso, alta produtividade na vida;
• superdotação é um fenômeno muito raro, sendo poucas as crianças
e jovens de nossas escolas que podem ser de fato consideradas
superdotadas;
• a criança superdotada geralmente tem bom rendimento escolar.

Esses fatos precisam ser revistos e repensados por todos e cabe a


nós, professores e educadores, uma parcela importante no sentido de
reconhecer capacidades e talentos especiais dos alunos.

Segundo Charles Schulz, “não existe fardo maior do que um potencial


não realizado”, sendo assim, é preciso que aprendamos educar as
crianças superdotadas no sentido de orientá-las de modo a aumentar,
desenvolver, crescer e aperfeiçoar suas capaci­dades e talentos.
UNIUBE 81

SAIBA MAIS

Charles Monroe Schulz foi um cartunista americano, criador do desenho


Charlie Brown e seu cachorro Snoopy, entre outros.

2.5.1 Formas de atender aos alunos superdotados/talentosos no


contexto educacional

Segundo Gallagher (1985 apud GUENTHER, 2000, p. 60) três elementos


são, de uma maneira geral, essenciais para atender a esses alunos
dentro do contexto educacional.

Veja, a seguir, quais são esses elementos e quais ações cada um deles requer:

Modificação do ambiente: agrupar os alunos mais capazes em grupos


compatíveis para a realização de atividades paralelas ou integradas ao
trabalho regular da sala de aula.

Modificação da postura do professor: o professor, na maioria das


vezes, procura e oferece respostas para problemas, conceitos e
conteúdos colocados em sala de aula. Esta posição deve ser revista: Por
que não colocar questões para os alunos em vez de oferecer respostas
prontas e acabadas? Desta maneira, eles procurarão por soluções. O
ensino deve ser centrado na compreensão da natureza do “problema”
em vez de respostas certas.

Modificação do conteúdo ensinado: os conteúdos devem enfocar


temas maiores, ideias abrangentes que integram uma gama maior de
conhecimento, dentro das diversas matérias e disciplinas do currículo. As
estratégias mais comuns para a modificação do conteúdo curricular estão
centradas na aceleração, no enriquecimento, na sofisticação e na novidade.

Todos os elementos citados são fundamentais para a aprendizagem do


aluno, mas destaco como mais relevante a modificação do conteúdo
ensinado, pois de que adianta modificar o ambiente e a postura do
professor sem desenvolver adequadamente estra­tégias pedagógicas
para a modificação do conteúdo curricular?
82 UNIUBE

A seguir, veremos algumas dessas estratégias utilizadas.

2.5.2 Estratégias pedagógicas para a modificação do conteúdo


curricular

A aceleração

A aceleração é uma estratégia que oportuniza ao aluno concluir sua


escolaridade em menor tempo. Para isso, deve ser realizada uma
avaliação do aluno pela escola que deverá documentar, por meio de
registros, o desempenho do aluno a fim de justificar sua aceleração. Esta
estratégia está respaldada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1996 em seu capítulo V, art. 59, inciso II, que diz:

II − terminal idade específica para aqueles que não


puderem atingir o nível exigido para a conclusão do
ensino fundamental, em virtude de suas deficiências e
aceleração para concluir em menor tempo o programa
escolar para os superdotados.

Veja algumas formas de aceleração segundo Freeman e Guenther (2000,


p. 110):

• entrada mais cedo na fase seguinte do processo


educativo, do nível da Educação Infantil em diante;
• saltar séries escolares – promoção para séries
seguintes;
• aceleração por disciplina – frequentar séries mais
adiantadas em determinadas disciplinas;
• agrupamento vertical – em classes mistas, com
ampla variedade de idades e séries, de modo que os
mais novos possam trabalhar com os mais velhos e
mais avançados;
• cursos especiais fora da escola que ofereçam mais
conhecimento em áreas curriculares específicas;
• estudos paralelos – cursar o Ensino Fundamental e o
Ensino Médio ao mesmo tempo, e assim por diante;
UNIUBE 83

• planos de estudo auto-organizados – estratégia em


que os alunos desenvolvem atividades ou projetos de
seu interesse, enquanto esperam o resto da classe
completar o que eles já fizeram ou aprenderam;
• trabalho com um mentor, especialista de uma certa
área de inte­resse do aluno, na escola ou fora dela;
• cursos paralelos – por correspondência, televisionados
ou outra forma de ensino a distância.

Segundo Alencar (1986, p. 57), vários aspectos devem ser examinados


antes de se iniciar um programa de aceleração. O primeiro deles diz
respeito à necessidade de se conhecer as várias habilidades dos alunos
intelectualmente talentosos. Um segundo aspecto é com relação ao
professor (ou professores) que levará ou levarão a efeito o programa de
aceleração.

Sendo assim, é preciso ter muita cautela ao optar pela aceleração do


aluno, pois é necessário averiguar se esta será realmente benéfica.
Os fatores sociais e emocionais influenciam, muito, na construção da
aprendizagem, portanto, é essencial analisar a situação em seu todo;
verificar se o aluno tem condições de ser acelerado realmente e se a
instituição, assim como seus profissionais, está preparada para que
esta estratégia traga sucesso e, principalmente, estímulo ao potencial
do aluno.

Alencar (1986, p. 57-58) ainda coloca que vantagens e desvantagens da


aceleração têm sido lembradas por muitos que se dedicam a elaboração
de programas para o superdotado. Dentre os argumentos daqueles que
se opõem e daqueles que veem muitas vantagens, salientam-se as
vantagens e as desvantagens descritas no Quadro 1, a seguir.
84 UNIUBE

Quadro 1: Desvantagens e vantagens da aceleração.

Desvantagens e vantagens da aceleração

É importante manter o aluno com aqueles da mesma idade


e nível social e emocional.
A criança que salta uma determinada série deixa de aprender
Desvantagens
uma gama de conhecimentos importantes e necessários.
Nunca a aceleração se dá de forma adequada em todas
as áreas.

Este é um método que pode ser usado em qualquer escola.


Os alunos intelectualmente superiores tendem a escolher
companheiros mais velhos, e a aceleração vai favorecer
este contato.
A aceleração permite aos estudantes mais capazes dar
início à sua vida profissional mais cedo, o que resulta em
maior produtividade.
Pelo fato de permanecer menos tempo na escola, os custos
diminuem.
Observam-se menos tédio e insatisfação entre os estu-
dantes a quem se permite acelerar nos estudos, os quais
percebem o novo programa como mais estimulante e menos
Vantagens enfadonho.
O ajustamento social e emocional tem se mostrado superior
nos estudantes que participam de programas de aceleração.
A aceleração permite que se exija do aluno uma produtivida-
de mais de acordo com suas capacidades.
Se um estudante inusitadamente brilhante permanece com
seus colegas da mesma idade, ele possivelmente achará as
tarefas propostas pelo professor muito fáceis e desenvolverá
hábitos inadequados de estudo.
A oportunidade de interagir e participar de atividades acadê-
micas tende a favorecer uma atitude mais responsável por
parte do aluno e o estabelecimento de novos propósitos e
objetivos.

Fonte: Adaptado de Alencar (1986, p. 57-58).

Sendo assim, reveja o conceito de aceleração e pense sobre as vantagens


e as des­vantagens explicitadas. Lembre-se dos conhecimentos que tem
acerca da escola e faça a reflexão a seguir.
UNIUBE 85

TROCANDO IDEIAS!

E você, concorda com qual grupo?

Reflita, discuta com seus colegas e seu professor-tutor e, caso queira,


registre as opiniões em seu caderno.

É muito importante que o educador pense nas vantagens e nas


desvantagens da ace­leração, especialmente em relação às
singularidades do aluno em questão.

O enriquecimento

O enriquecimento é uma estratégia que proporciona ao aluno o acesso a


experiências significativas de aprendizagem, com o objetivo de ampliar,
aprofundar e enriquecer o conteúdo curricular e, também, sua área de
interesse e talento.

Para que tenha um bom resultado, são necessárias orientações


sistematizadas. Esta estratégia pode ser desenvolvida individualmente e
em grupo com os pares, por meio de projetos orientados por um facilitador
ou mediador. Ela poderá acontecer na escola regular, em centros de
atendimento, em salas de recursos e/ou com pessoas eminentes na
sociedade (mentores).

Alencar (1986, p. 59) ressalta que é importante um programa de


enriquecimento que proporcione ao aluno liberdade de escolha dos
tópicos a serem estudados, a extensão e a profundidade desejadas,
permitindo-lhe ainda utilizar seu estilo preferido de apren­dizagem. Nesse
caso, o papel do professor seria, antes, o de facilitador na identificação
de problemas, favorecendo ainda a aquisição de métodos de pesquisa.

EXEMPLIFICANDO!

Em visita ao Centro para o Desenvolvimento do Potencial e Talento –


CEDET, de Lavras, MG, tive a oportunidade de acompanhar um grupo de
alunos que participavam de aulas na universidade federal. Esses alunos
86 UNIUBE

estudavam, pela manhã, no ensino regular e, à tarde, eram inseridos nos


programas de enriquecimento que o centro oferecia, por meio das parcerias
com a comunidade e na própria sede.

Os alunos se dividiam em dois grupos e iam assistir às aulas no laboratório


sobre clonagem de plantas e anatomia. Para fazerem parte dessas aulas
de enriquecimento, precisavam frequentar regularmente a escola e ter um
rendimento satisfatório. Em meu ponto de vista, essa é uma proposta válida,
pois todos, escola, aluno e família se tornam parceiros e corresponsáveis
pelo processo ensino-aprendizagem.

Renzulli (2004, p. 75), sobre esta estratégia, diz que tem o objetivo de
desenvolver o conhecimento e as habilidades de pensamento, adquiridos
por meio da instrução formal, com aplicação de conhecimentos e
habilidades decorrentes da própria investigação feita pelo aluno. Tais
conhecimentos resultam no desenvolvimento de um produto criativo. Um
exemplo seria o aluno participar de um projeto que estimule seu talento e
sua área de interesse, tendo como objetivo oferecer oportunidades para
que ele aprofunde seus estudos, realize pesquisas e chegue a criar e/
ou descobrir algo novo.

O autor subdividiu a estratégia de enriquecimento em três tipos, que são:

Modelo de enriquecimento tipo 1: atividades gerais de exploração,


realizadas através de palestras, excursões, visitas, minicursos, internet,
filmes e outros que não fazem parte do currículo regular.

Modelo de enriquecimento tipo 2: atividades de treinamento dos níveis


superiores de pensamento, como análise, síntese e avaliação. Atividades
que desenvolvem habilidades críticas, criativas de desenvolvimento
social, pessoal e de liderança. Por exemplo, pesquisas.

Modelo de enriquecimento tipo 3: atividades que oportunizem o aluno


a aprofundar, a desenvolver, a transformar a informação existente.
Neste modelo, o aluno deixa de ser um mero espectador da informação
existente. Ele passa a atuar, a agir, a desenvolver algo, a criar. Por
exemplo, escrever livros, criar homepage etc.
UNIUBE 87

É interessante pensarmos que esses três modelos se complementam


e o objetivo é que os alunos cheguem ao modelo três, não é mesmo?
Pois queremos que os alunos desenvolvam todo o seu potencial!

A compactação do currículo

A compactação do currículo é uma estratégia utilizada para oportunizar


ao aluno um caminhar mais rápido, perante os componentes curriculares
de seu domínio. O currí­culo normal é completado em metade ou na terça
parte do tempo previsto. Ou seja, é uma forma de tornar compacto os
conteúdos do currículo que o aluno já sabe e são desnecessários para
sua realidade.

Essa estratégia motiva o aluno a prosseguir seus estudos na sala de


aula regular, pois o ambiente torna-se mais desafiador e incentivador à
medida que o aluno tem a opor­tunidade de investir seu tempo em outros
tópicos de seu interesse.

Segundo Virgolim (2007, p. 62), dois procedimentos são essencias para


a compactação do currículo:

1 - Um cuidadoso diagnóstico da situação.


2 - Completo conhecimento do conteúdo e dos objetivos
da unidade de instrução.

Esses são procedimentos importantes, pois o professor deverá analisar


o que o aluno domina realmente e até que ponto, assim como conhecer
os conteúdos do currículo em sua totalidade para que seja decidido o
que compactar.

A compactação oferece ao aluno oportunidades para trabalhar com as


estratégias de enriquecimento e de aprofundamento. A compactação do
currículo pode sugerir tam­bém uma aceleração. Tudo irá depender do
diagnóstico realizado pelo professor e do desempenho do aluno mediante
ao conteúdo dominado.

Se, por exemplo, forem compactadas várias unidades de ciências, caberá


ao professor analisar se o aluno deve ser acelerado para o próximo ano,
88 UNIUBE

se deverá aprofundar mais o conteúdo ou se deverá aproveitar seu tempo


em outro tópico/ disciplina de interesse.

2.5.3 O atendimento oferecido pelas salas de Atendimento


Educacional Especializado (AEE) – salas de recurso

O Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de Educação


Especial (SEESP), instituiu as salas de Atendimento Educacional
Especializado (AEE). O AEE é um serviço de caráter complementar
ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular, voltado
para a formação dos alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, considerando suas
necessidades específicas de forma a promover acesso, participação e
interação nas atividades esco­lares. Ele perpassa todos os níveis, etapas
e modalidades de ensino, sem substituí-los, garantindo o direito de todas
as crianças e jovens à educação escolar comum. O AEE é realizado no
turno inverso ao da sala de aula comum.

Deve ser realizado, prioritariamente, na Sala de Recursos Multifuncionais


da própria escola ou em outra sala de ensino regular, podendo ser realizado
também em centro de atendimento educacional especializado público ou
privado sem fins lucrativos, con­veniado com a Secretaria de Educação.

No caso dos alunos com altas habilidades/superdotação, são desenvolvidas


atividades de enriquecimento curricular a partir das áreas de interesse real
e potencial dos alunos. O interesse potencial surgirá a partir das vivências
e experiências, desenvolvidas por meio de situações inovadoras, criativas e
estimuladoras. Outro objetivo da sala de AEE para essa clientela é promover
uma articulação com instituições de ensino, de pesquisa, de artes, de
esportes etc., com a finalidade de oportunizar o estímulo e desenvolvimento
dos talentos e da capacidade criadora do aluno em questão, pois se o talento
não for estimulado, corre o risco de ser desperdiçado.

2.6 A superdotação, os distúrbios e as dificuldades de aprendizagem

Por um bom período de tempo, foi defendida a ideia errônea de que para
ser superdo­tada a criança deveria ser brilhante em todas as áreas.
UNIUBE 89

CURIOSIDADE

Você sabia que Isaac Newton tirava notas baixas na escola? Que John
kennedy tinha dificuldades em soletrar e baixo rendimento na escola?

Que Thomas Edison foi mau aluno e não frequentava a escola, era
desinteressado e quem o ensinou a ler foi sua mãe?

Apenas, há pouco tempo, que estudiosos começaram a identificar e a


reconhecer alu­nos superdotados que possuíam distúrbios e dificuldades
de aprendizagem. Inclusive, a encontrar alunos superdotados com
discalculia, dislexia, disgrafia, problemas de percepção, com déficit
de atenção, entre outros.

EXPLICANDO MELHOR

Discalculia: impede a criança de compreender os processos matemáticos.

Disgrafia: dificuldade de escrever letras e números.

Dislexia: dificuldade em não conseguir identificar símbolos gráficos (letras e/


ou números), tendo como consequência disso a dificuldade na leitura e escrita.

Fonte: Psicopedagogia Brasil (2011).

Você pode estar se perguntando, mas por quê?

Podemos encontrar alunos superdotados com discalculia, dislexia,


disgrafia, problemas de percepção, com déficit de atenção, entre outros
distúrbios, pelos seguintes motivos:

1) Por apresentarem uma desordem cerebral que os impeçam de receber,


processar e expressar informações, ou seja, apresentam um problema
de ordem orgânico/neu­rológico.
90 UNIUBE

EXEMPLIFICANDO!

Há indivíduos que se destacam em atividades de raciocínio verbal abstrato,


mas não conseguem registrar no papel devido à sua disgrafia. Tais indivíduos
podem possuir um problema perceptivo que leve à inversão de letras.

2) Por serem academicamente superdotados, ou seja, por possuírem


uma habilidade maior e um interesse em uma determinada área e/ou
disciplina.

EXEMPLIFICANDO!

Uma criança aos dois anos sabia ler, mas também apresentou grande
fascínio por números. O tempo foi passando e seu interesse por números
crescia cada dia mais. Devido a esse fato seu interesse não se estendeu
para outras áreas do conhecimento.

Sobre este assunto, Winner (1998, p. 37) ressalta que:

[...] muitas crianças que nós claramente chamaríamos


de superdo­tadas têm habilidades matemáticas muito
mais altas do que verbais e vice-versa. Prodígios
em matemática também não tendem a ser prodígios
literários; nem prodígios em escrita tendem a se
destacar em matemática.

Vejam que o aluno pode se destacar em uma área de conhecimento, mas


não se des­tacar na outra.

3) Por apresentarem transtornos de déficit de atenção e hiperatividade.


No caso de transtorno de déficit de atenção, o indivíduo apresenta uma
inabilidade de focalizar e, realmente, não consegue prestar atenção.
No caso da hiperatividade, ele apresenta um estado físico de agitação,
inquietação e impulsividade.

É importante analisar se a agitação e a inquietação são de fato problemas


orgânicos, pois muitos alunos com superdotação/alta habilidade podem
UNIUBE 91

desencadear tais compor­tamentos por estarem em um ambiente pouco


estimulador e pouco desafiador.

4) Por apresentarem um talento artístico, pois os alunos com esta


capacidade, na maioria das vezes, veem, pensam e sentem o mundo
por meio de sua arte, deixando para um segundo plano as outras áreas
do conhecimento. É como se o mundo para eles girasse somente em
torno de seu interesse, de sua habilidade e talento específico.

SAIBA MAIS

Deixamos a sugestão do filme O som do coração. É um filme sensível e


suave, que conta a história de August Rush, um menino que mora em um
orfanato e possui alta habilidade musical.

Pode-se observar claramente esta questão assistindo a esse filme. O


protagonista deixa explícito que escuta música em todos os barulhos de
seu cotidiano. Ele diz: “ouça, consegue ouvir a música? Eu consigo ouvi-la
em qualquer lugar, no vento, no ar, na luz... está ao nosso redor... a gente
precisa se abrir... a gente só precisa ouvir...”

Título original: August Rush


Lançamento: 2007 (EUA)
Direção: kirsten Sheridan
Atores: Freddie Highmore, Keri Russell, Robin Williams, Leon G. Thomas
III, Terrence Howard.
Duração: 100 min.
Gênero: Drama

Ao ler a biografia de Albert Einstein, percebe-se que ele apresentou


problemas escolares, pois não possuía alta habilidade em disciplinas
como geografia e história, que exigiam uma boa gestão da memória.
Também não se interessava por atividades físicas, mas possuía alta
habilidade em matemática e ciências naturais. Para alguns autores, ele
possuía características de dislexia, o que podemos verificar no trecho
desta reportagem da Revista da Folha (2004), intitulada “Confusão ao
pé da letra”, veja:
92 UNIUBE

O físico alemão Albert Einstein não falou até os quatro


anos de idade; não conseguia ler até os nove. Falhou
nos exames de admissão para o colegial e só conseguiu
passar após um ano adicional de preparatório. Ao
se dedicar à Física, no entanto, seu elevado grau de
criatividade permitiu que ele alcançasse voos altos,
criando conceitos revolucionários para a época.

Veja que a dislexia não tem a ver com falta de inteligência. O disléxico
pode ter altas habilidades em outras áreas.

PESQUISANDO NA WEB

Caso você queira saber mais sobre pessoas famosas que apresentam
dislexia, sugerimos que acesse o site:

http://dislexia.zip.net/

O site é o blog de Fernanda Maria e contém inúmeras reportagens sobre a


dislexia. Este blog é muito interessante, pois apresenta reportagens sobre
a dislexia, características apresentadas pelo aluno/pessoa disléxica e até
dicas de como lidar com eles. o blog indica também outros sites sobre o
assunto. Com uma linguagem simples, facilitando o entendimento do tema.

Com certeza, temos muitos alunos em nossas escolas com distúrbios


e dificuldades de aprendizagem, mas mesmo assim superdotadas e
vice-versa, não é mesmo?

É emergencial ficarmos atentos às especificidades e às necessidades


desses alunos, pois é preciso saber reconhecer se eles apresentam
uma dificuldade, um distúrbio ou se estão apresentando um sintoma de
desinteresse e/ou tédio.

Contudo, imagine você quantos alunos temos em nossas


escolas que se enquadram neste perfil? Quantos alunos
diagnosticados somente como hiperativos temos por aí?
Será que são somente hiperativos? É preciso analisar
cada caso em especial e acima de tudo conhecer as
características da superdotação para poder auxiliar na
identificação e atendimento.
UNIUBE 93

Renzulli e Reis (1985 apud VIRGOLIM, 2007, p. 39) ressaltam que:

[...] as pessoas que marcaram a história por suas


contribuições e conhecimentos e à cultura não são
lembradas pelas notas que obti­veram na escola ou
pela quantidade de informações que conseguiram
memorizar, mas sim pela qualidade de suas produções
criativas, expressas em consertos, ensaios, filmes,
descobertas científicas etc.

Sendo assim, seja qual for a causa é essencial compreendermos que:

[...] todo aluno tem direito a um ambiente educacional


flexível e responsivo, adaptado ao seu nível de
aprendizagem, que permita certo nível de escolha de
tópicos do seu interesse e que promova a excelência no
estudo (VIRGOLIM, 2007, p. 57).

Todos os alunos devem se sentir acolhidos na escola; mais do que isso,


devem sentir que a escola está fazendo diferença em sua vida.

2.7 Como trabalhar com os alunos superdotados em sala de


aula? Qual é o papel da escola?

Vamos iniciar esse tópico, com uma reflexão de Helena Antipoff (1946
apud FREEMAN; GUENTHER, 2000, p. 94), vejamos:

[...] que lhes reserva a escola?


Ambiente de tédio irrespirável
Transforma esses meninos bem dotados
Em irriquietos, travessos, improdutivos,
Que mestres medíocres são incapazes
De manter, sem queixas,
Nas suas salas de aula.

Muitos estudantes superdotados não possuem experiências escolares


satisfatórias e exitosas. Vários pesquisadores relataram o fato de esses
alunos se saírem mal na escola e até mesmo se sentirem infelizes.
94 UNIUBE

CURIOSIDADE

Veja, por exemplo, um pequeno trecho da vida escolar de Einstein:

[...] Este gênio do século XX teve uma infância solitária.


Gostava de ler e ouvir música, não se identificando
com os desportos praticados pelas outras crianças.
Einstein sempre demonstrou grande habilidade para a
compreensão dos conceitos matemáticos. Com 12 anos
de idade aprendeu sozinho Geometria Euclidiana e,
quando a sua família se mudou para Milão, em 1894,
Einstein dedicou-se à leitura de inúmeros livros de
ciências. “o Livro Popular das Ciências Naturais”, escrito
por Bernstein, em 1869, é considerado como uma das
obras que mais o marcou na sua juventude.
Einstein foi sempre crítico dos métodos de ensino
praticados na escola. Apesar de ter fracos resultados
escolares, Einstein tinha uma enorme curiosidade em
compreender o universo. Apresentou uma postura
autodidata, afirmando que “preferiria suportar qualquer
tipo de castigo a ter de papaguear as coisas aprendidas”
e autoclassificava-se como “livre-pensador fanático”.
Terminou a escola secundária em Arrau, Suíça, com boas
notas apenas em Matemática. [...]

Fonte: E-escola. Disponível em: <http://www.e-escola.pt/personalidades.asp?nome=


einstein-albert>. Acesso em: 7 fev. 2011.

Mas onde será que está a causa desse problema?

Na escola? Nos professores? Nos alunos? Nas políticas públicas? Nas


metodologias e nos métodos? Nos currículos?

Enfim, inúmeras são as variantes na qual podem estar centradas a


resposta, e isso com certeza também dependerá da realidade de cada
aluno, das características e especifi­cidades de sua superdotação e do
contexto ao qual o aluno e a escola estão inseridos.

Porém, a maioria dos alunos, quando entrevistados, respondem que a


escola é de­sestimulante, que não aprendem nada interessante lá, que
UNIUBE 95

eles sabem mais que os professores, que as práticas escolares são


cansativas e sem sentido, que aprendem mais sozinhos; enfim, que
aprendem mais fora da escola que dentro dela.

Mas porque será que possuem este sentimento?

Devido à rapidez e ao estilo de aprendizagem, as vivências escolares


para os alunos mais capazes e bem dotados quase sempre são diferentes
daquelas experienciadas pelas outras crianças. Na tentativa de conseguir
amigos e se “misturar” melhor com os outros em um grupo comum,
os mais capazes podem dissimular e esconder sua excepcionalidade
(FREEMAN; GUENTHER, 2000, p. 98).

Outro fator que os alunos sempre ressaltam é que os professores e/


ou a escola não proporcionam um ensino diferenciado. Eles acham as
tarefas muito fáceis, sem desafios e criticam as metodologias, pois não
são inovadoras e tais dissabores podem gerar atitudes negativas como
a indisciplina.

[...] trabalhando com tarefas demasiadamente fáceis,


os mais ca­pazes podem então criar seus próprios
desafios, tal como testar, ou mesmo quebrar, as regras
estabelecidas (KANEVSKY, 1994 apud FREEMAN;
GUENTHER, 2000, p. 97).

Adotam posturas também de apatia, ficam alheios a tudo, como se


estivessem no mundo da lua; o que pode levar a cometerem erros de
aprendizagem. Esta também é uma maneira de contornarem o tédio pelas
aulas e pelos conteúdos sem significados. Agem dessa forma para aliviar
o tédio daquilo que está desagradável e sem sentido ou por estarem
envolvidos por pensamentos mais elevados e de seus reais interesses.

PONTO-CHAVE

O professor tem papel fundamental para o desenvolvimento dos talentos


de nossos alunos “mais capazes”, portanto, deixaremos como sugestão
algumas atitudes e ações que poderão fazer a diferença:

• elogiar sempre o aluno, mesmo que seja por um pequeno feito;


96 UNIUBE

• checar, frequentemente, os avanços do aluno;


• dialogar com o aluno sobre metas, conteúdos, estratégias de aprendizagem;
• utilizar materiais e metodologias diferenciadas que vão ao encontro do
talento e interesse do aluno;
• possibilitar que o aluno seja “mentor, monitor” na sala de aula do seu
conteúdo e/ou área de destaque/talento;
• oportunizar que o aluno tenha um mentor na sua área de interesse/talento;
• pedir ao aluno que faça uso de autoavaliações;
• aceitar e respeitar o aluno mediante sua diversidade.

Partindo do pressuposto que a escola é espaço de aprendizagem e


construção de co­nhecimentos e, com o intuito de oportunizar uma escola
mais significativa para todos os alunos, venho propor uma mudança em
nossas práticas pedagógicas, tendo como pré-requisito a utilização de
metodologias pautadas na teoria das múltiplas inteligências.

Armstrong (2001, p. 38 apud VIRGOLIM, 2007, p. 54-55) descreve as


necessidades cognitivas específicas do aluno, a partir do seu tipo de
inteligência como podemos ver no Quadro 2.

Quadro 2: Necessidades cognitivas específicas do aluno, a partir do seu tipo de inteligência.


Como as
Tipo de O que as De que as crianças
crianças
inteligência crianças adoram precisam
pensam

Ler, escrever, Livros, fitas, materiais


contar histórias, para escrever, papéis,
Linguística Em palavras.
fazer jogos de diários, diálogos, dis-
palavras. cussões, debates.

Experimentar, Coisas para explorar e


pensar, materiais cien-
Lógico- questionar, re-
Raciocinando. tíficos, manipulativos,
-matemática solver problemas
visitas ao planetário e
lógicos, calcular. ao museu de ciências.
Arte, Legos, vídeos,
filmes, slides, jogos de
Por imagens e Planejar, desenhar, imaginação, labirintos,
Espacial
figuras. visualizar, rabiscar. quebra-cabeças, livros
ilustrados, visitas a
museus de arte.
UNIUBE 97

Dramatização, teatro,
movimento, coisas para
Dançar, correr, pu-
Corporal- Por sensações construir, esportes e
lar, construir, tocar,
-cinestésica somáticas. jogos de movimentos
gesticular.
experiências táteis,
aprendizagem prática.

Cantar, assobiar, Tempo para cantar,


Por ritmos e cantarolar, batucar idas a concertos, tocar
Musical
melodias. com as mãos e os música em casa e na
pés e escutar. escola, instrumentos.

Amigos, jogos de gru-


Liderar, organizar,
Percebendo o po, reuniões sociais,
relacionar-se, ma-
Interpessoal que os outros eventos comunitários,
nipular, mediar, fa-
pensam. clubes, mentores/
zer festa.
aprendizados.

Em relação às
Estabelecer ob- Lugares secretos, tem-
necessidades,
jetivos, mediar, po sozinhas, projetos e
Intrapessoal aos sentimen-
sonhar, planejar, escolhas no seu ritmo
tos e aos obje-
refletir. pessoal.
tivos.

Brincar com
Acesso à natureza,
animais de esti-
Por meio da oportunidade para inte-
mação, cuidar do
natureza e das ragir com animais, ins-
Naturalista jardim, investigar
formas natu- trumentos para inves-
a natureza, criar
rais. tigar a natureza, como
animais, cuidar do
lupas e binóculos.
planeta Terra.

Fonte: Adaptado de Armstrong (2001, p. 38 apud VIRGOLIM, 2007, p. 54-55).

Um trabalho pedagógico desenvolvido a partir da realidade e dos estilos


de aprendiza­gem dos alunos possui mais chances de ser significativo e
prazeroso, pois parte das necessidades cognitivas específicas de cada um.

Um professor atento aos interesses dos alunos pode


detectar mais prontamente o maior envolvimento do
estudante com uma determi­nada tarefa, o que pode ser
o aspecto que vai levá-lo a desenvolver sua criatividade
e habilidades específicas na área de interesse
(VIRGOLIM, 2007, p. 62).

Cabe ao professor saber reconhecer os estilos de inteligência de seus


alunos e possi­bilitar um trabalho a partir de seus reais interesses. Dessa
forma, temos a certeza de que o sucesso será de ambas as partes.
98 UNIUBE

2.8 Conclusão

Muito pode ser feito para os alunos superdotados/talentosos, mas é


de extrema impor­tância estimular ao máximo o potencial e talento dos
“alunos mais capazes” por meio de ações, métodos e metodologias
adaptadas às suas necessidades educacionais especiais.

Não se esqueça de respeitar os interesses, as características e as


áreas de talento de cada um, pois somente dessa maneira você poderá
oportunizar que as potencialidades desses alunos germinem e se
desenvolvam. Podemos comparar o talento como uma semente que ao
ser lançada a terra germinará, crescerá, dará flores e/ou frutos caso seja
bem cuidada. Renzulli (1981 apud Virgolim, 2007, p. 38) explica-nos:

A superdotação emerge ou se esvai em diferentes


épocas e sob diferentes circunstâncias da vida de
uma pessoa. Assim sendo, os comportamentos de
superdotação podem ser exibidos em certas crianças
(mas não em todas elas) em alguns momentos (não em
todos os momentos) e sob certas circunstâncias (e não
em todas as circunstancias de sua vida).

Há, com certeza, em nossas escolas, inúmeros alunos esperando apenas


por uma oportunidade para demonstrarem todo seu potencial. Sendo
assim, por que não apro­veitar seus talentos?

Vejamos a mensagem de Ângela M. R. Virgolim (2002, p. 5):

Você deve sempre estimular a criança, desenvolver


sua imaginação. Instigar sua curiosidade para que
possa desenvolver sua potenciali­dade ao máximo,
oferecendo, acima de tudo, compreensão e amor
incondicionais, apoiando-a naquilo que a torna única,
diferente e, por tudo isso, ESPECIAL.

Termino aqui esta pequena reflexão sobre este tema e espero que tenha
estimulado você a aprofundar mais sobre este assunto tão fascinante que
é a educação dos alunos mais capazes.
UNIUBE 99

Resumo

A superdotação é caracterizada por traços consistentemente superiores,


marcados por uma elevada potencialidade de aptidões, talentos, habilidades
e interesses específi­cos. Contudo, esses traços superiores devem
permanecer com frequência e duração na trajetória do aluno para poderem
ser confirmados em épocas diferentes, mas em situações semelhantes. Um
superdotado poderá se destacar em uma área ou combinar várias, poderá
também apresentar graus de habilidades diferenciadas. Os superdota­
dos, assim como outra pessoa qualquer, apresentam características,
comportamentos e sentimentos que os diferencia como pessoa. Ou seja,
possui uma individualidade, um perfil, um caráter, uma estrutura mental e
emocional que revela sua forma própria de ser e estar no mundo.

Para reconhecer e identificar um aluno superdotado/talentoso existem várias


técnicas, como a autoidentificação, os testes de Q.I., a observação do aluno,
tendo como refe­rencial os checklists de autores renomados nesta área.

Existem muitos mitos em relação aos alunos superdotados e talentosos, fato


este que dificulta a identificação e o atendimento desses alunos.

Com relação às práticas pedagógicas que podem ser desenvolvidas


com nossos alunos mais capazes, temos a modificação do ambiente, a
modificação da postura do professor e, no meu ponto de vista, a mais
elementar, que é a modificação do conteúdo ensinado. Dentro dela,
podemos optar pela compactação do currículo, pelo enriquecimento e pela
aceleração do aluno. Todas essas práticas podem ser desenvolvidas na
sala regular e/ ou em salas de recurso, tendo como pré-requisito um olhar
pedagógico voltado para os reais interesses e as necessidades do aluno.
Embora apresentem superdotação/altas habilidades, há alguns alunos que
merecem cuidado, pois apresentam baixo rendimento escolar, dificuldades
de aprendizagem, problemas comportamentais e distúrbios de aprendizagem
que podem ser uma manifestação de desinteresse pelo cotidiano escolar ou
realmente ser por um problema orgânico.

Finalizando, muito pode ser feito por nossos alunos mais capazes, mas cabe
a nós, educadores, identificar, mediar, orientar para que seus talentos se
aperfeiçoem e suas capacidades cresçam e se desenvolvam, pois, como diz
Charles Schulz: “Não existe fardo maior do que um potencial não realizado”.
100 UNIUBE

Atividades

Atividade 1

Carlos é uma criança de um ano e meio que fala absolutamente tudo, canta
músicas infantis inteiras, expõe opiniões próprias e conta de 1 a 15. Mediante
essas caracte­rísticas apresentadas por Carlos, podemos considerar que ele
é uma criança precoce, prodígio ou gênio? Justifique sua reposta.

Atividade 2

Prodígios são crianças que realizam algo anormal para sua idade, que
demonstram de­sempenho superior ao nível de um profissional adulto em
qualquer área. Partindo desse conceito, qual (quais) criança(s) dos casos
apresentados a seguir é (são) considerada(s) prodígio(s)?

a) Júlia tem cinco anos, aos dois, já conhecia todas as letras, todos os
números. Hoje, ela monta quebra-cabeças com facilidade e corrige
todas as pessoas ao seu redor que falam o português errado.

b) Ana tem seis anos e sempre apresentou facilidade para aprender


as coisas, apren­deu a ler sozinha aos dois anos. Aos três anos,
ganhou um pianinho de brinquedo de sua madrinha, fato este que
despertou sua habilidade musical. Ana começou a tocar divinamente
sozinha, motivo que levou seus pais a comprarem para ela um piano
de verdade. Hoje, Ana toca piano na orquestra sinfônica da cidade,
no final do ano irá participar de um concerto na Europa.

c) Lucas tem sete anos, sempre se destacou entre as crianças da sua


idade. Ele falou e andou muito cedo. Foi para a escola com 1 ano
e 9 meses e já possuía conheci­mento em relação às cores, formas
geométricas, números e letras. Ele não gosta de ir para a escola.

Atividade 3

Veja um pequeno trecho da biografia de Bill Gates:


“Pai, vou abandonar a faculdade para desenvolver um
software.” Bill Gates, o pai, empalideceu quando ouviu
a notícia de que seu filho, então com 19 anos, deixaria
UNIUBE 101

o curso de matemática em Harvard, Estados Unidos,


no ano de 1975, para ir atrás de algo que ele nunca
tinha ouvido falar. O plano não parecia inteligente, mas
o pai seguiu sua regra de ouro de nunca desencorajar
os filhos de seguirem seus projetos pessoais. Disse que
fosse atrás do tal software e o garoto prometeu que um
dia voltaria à renomada universidade para terminar o
curso.
Em 7 de junho de 2007, Bill Gates Jr., US$ 56 bilhões
e 32 anos depois, fundador do império Microsoft,
discursaria em sua cerimônia de formatura em Harvard.
“Pai, eu sempre disse que voltaria para pegar o meu
diploma”, disse Trey, apelido que ganhou dos avós
amantes de jogos de cartas (esse é o nome da carta
Três, em inglês) (LUCENA, 2011).

Bill Gates é um gênio? Justifique sua resposta

Atividade 4

Descreva a definição de altas habilidades, superdotação e talentos,


estabelecida pela Se­cretaria de Educação Especial do Ministério da
Educação e Desporto do ano de 1995.

Atividade 5

A definição de altas habilidades, superdotação e talentos, estabelecida


pela Secreta­ria de Educação Especial do Ministério da Educação e
Desporto do ano de 1995, diz que:

[...] os superdotados são aquelas pessoas que


apresentam traços consistentemente superiores
em relação a uma média e que sejam permanentes,
podendo ser identificados em épocas diferentes.

Exemplifique a afirmação, apresentando características de uma criança


(imaginada ou que você conhece) que apresenta superdotação.
102 UNIUBE

Referências

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ANTIPOFF, Helena. A Educação de bem dotados. Rio de Janeiro: SENAI, 1992.

BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Subsídios para a organização


e funcionamento de serviços de educação especial: área de altas
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______. Ministério da Educação. Secretaria Nacional de Educação Especial.


Política Nacional de Educação Especial. Brasília, DF, 1994.

______. Ministério da Educação. MEC. Lei no 9.394, de 20 de dezembro


de 1996. Disponível em: <portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola
/leis/lein9394.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2011.

FREEMAN, Joan; GUENTHER, Zenita. Educando os mais capazes. Ideias


e ações comprovadas. São Paulo: EPU, 2000.

GALLAGHER, J.; GALLAGHER, S. Teaching the gifted child. 4. ed.


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GUENTHER, Zenita Cunha. CEDET. Um Programa de Atendimento


ao Bem Dotado no Brasil. Lavras: UFLA, 1995.

______. Desenvolver capacidades e talentos: um conceito


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LUCENA, M. Como criei um gênio. Galileu. Disponível em: <http://revistagalileu.


globo.com/ Revista/Common/0,,EMI156889-17933,00-CoMo+
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RENZULLI, J. S. The three ring conception of giftedness – a developmental


model for creative and productivity. In: STERNBER, R. J.; Davidson, J. E. (Eds.).
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RENZULLI, J. S. O que é esta coisa chamada superdotação, e como a


desenvolvemos? Uma retrospectiva de vinte e cinco anos. Educação.
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REVISTA DA FOLHA. Confusão ao pé da letra. São Paulo, ano 13, n. 627, 4


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RENZULLI, J. S. o que é esta coisa chamada superdotação e como a


desenvolvemos? Retrospectiva de vinte e cinco anos. Revista Educação,
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SOUZA, B. C. Informação e Conhecimento sobre a Superdotação Intelectual:


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VIRGOLIM, Angela M. R. Altas habilidade/superdotação: encorajando


potenciais. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
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______. A criança superdotada em nosso meio: Aceitando suas diferenças e


estimulando seu potencial (2002). Disponível em: <www.talentocriativo.hpg.ig.com.br/
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WINNER, Ellen. Crianças Superdotadas: Mitos e Realidades. Porto Alegre:


Artes Médicas, 1998.
Capítulo
Da teoria da mediação
à prática da intervenção
3
pedagógica

Neire Márcia da Cunha


Selma Aparecida Ferreira da Costa

Introdução
No presente capítulo você terá a oportunidade de refletir sobre a
mediação e a intervenção como forma de otimizar o processo de
ensino e aprendizagem.

Para tanto, será preciso compreender as teorias psicológicas


abordadas por Vygotsky, Feuerstein e Wallon, bem como os
respectivos enfoques ressaltados por eles quanto aos diferentes
caminhos, nem sempre previsíveis, da aprendizagem.

É nosso objetivo aliar os estudos científicos que faremos com


a prática pedagógica em sala do ensino regular e classes de
Atendimento Educacional Especializado. Sugerimos então
algumas situações práticas, em que é devidamente aplicável esse
referencial teórico.

A principal fonte inspiradora foi a prática pedagógica circundada


pelas crianças com dificuldades de aprendizagem. A preocupação
com uma educação de qualidade e o respeito à diversidade
reforçou-nos o desejo de contribuir para a reestruturação de
um olhar diferenciado sobre a capacidade do ser humano de
modificar-se. Pois, como já dizia Vygotsky (1988, p. 31), “o único
bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento”.
106 UNIUBE

Objetivos
Após o estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de:

• compreender o ato da mediação como uma importante


estratégia de intervenção;
• conhecer os conceitos de mediação segundo Vygotsky e
Feuerstein;
• identificar conhecimentos necessários ao mediador da
aprendizagem.

Esquema
3.1 A mediação pedagógica e a aprendizagem
3.2 os processos de aprendizagem
3.3 A função da intervenção pedagógica
3.4 Modificabilidade cognitiva estrutural
3.5 Intencionalidade da ação
3.6 Mediação
3.7 Prática pedagógica
3.8 os dez mandamentos da aprendizagem
3.9 Teoria e prática pedagógica
3.10 Promovendo o desenvolvimento de forma integral
3.10.1 Pressupostos teóricos de Wallon
3.10.2 O movimento e o pensamento
3.10.3 Emoção a afetividade
3.11 Postulado
3.12 Conclusão

3.1 A mediação pedagógica e a aprendizagem

Neste capítulo, abordaremos a mediação pedagógica fundamentada nas


ideias de mediação descritas por Vygotsky (1988).
UNIUBE 107

RELEMBRANDO

Com o advento da teoria sociointeracionista apresentada por Lev Vygotsky,


iniciou-se uma nova concepção do ensino como sendo um processo
social. Consequentemente, ocorre uma inovação no papel da escola,
especificamente do professor, que deixa de ser apenas um mero transmissor
de conhecimentos preestabelecidos nos currículos escolares para se tornar
um agente fundamental na construção do conhecimento de seus alunos, por
meio da mediação pedagógica.

Um conceito central para a compreensão das concepções vygotskyanas


sobre como ocorre a gênese do desenvolvimento humano, principalmente
no que se refere aos aspectos da cognição, é a mediação. Ela, em linhas
gerais, seria o processo de intervenção de um elemento intermediário na
relação estabelecida entre o ensino e a aprendizagem, independentemente
do ambiente em que o indivíduo esteja, seja em casa, na igreja, na praça,
no trabalho, no cinema, na escola, entre outros.

A mediação pedagógica é uma expressão que se refere, de um


modo geral, ao relacio­namento professor-aluno em busca de uma
aprendizagem que se concretize dentro de um processo de construção
do conhecimento. O professor mediador assume o papel de facilitador
do aprendizado, não no sentido de dar as respostas prontas e resolvidas
a seus alunos, e sim aguçando a curiosidade, intervindo, subsidiando as
variadas formas de interpretação para que eles encontrem as respostas
aos desafios propostos. Ressaltamos que no contexto escolar a
mediação também se estabelece na relação aluno-aluno. Consideramos
esta relação de grande importância dentro do processo; no entanto, neste
capítulo, daremos enfoque à relação professor-aluno.

Vygotsky trabalha constantemente com a ideia de que a relação do


homem com o mundo não é uma relação direta, ou seja, baseada apenas
em estímulo e resposta. Para ele, ela é fundamentalmente uma relação
mediada por ferramentas auxiliares da atividade humana, as quais ele
chamou de instrumentos (elementos externos ao in­divíduo) e símbolos
(orientadores psicológicos do indivíduo). Ou melhor, os signos são como
ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos do indivíduo, como
lembrar, comparar, quantificar, relatar etc. Enquanto os instrumentos
108 UNIUBE

auxiliam nas ações con­cretas, como provocar mudanças nos objetos,


controlar processos naturais, entre outros.

Em seus estudos, Vygotsky dedicou-se principalmente a compreender


o desenvolvi­mento dos processos mentais superiores ou funções
psicológicas superiores, que seria a capacidade que o ser humano
possui de tomar decisões diante de uma informação nova, estabelecendo
relações entre os diversos conhecimentos adquiridos. O mais importante
desse tipo de comportamento é o seu caráter voluntário, diferentemente
das ações condicionadas por reflexos.

Dessa forma, fica explícito que o professor deve


Dialética saber como e onde intervir no processo de
Oposição, conflito aprendizagem de seus alunos, tendo sempre em
gerado pela mente qual o grau de dificuldade/habilidade deles,
contradição entre e quais procedimentos didático-pedagógicos
princípios teóricos
ou fenômenos poderá lançar mão para que o aluno avance em
empíricos. seu desenvolvimento cognitivo. O professor deverá
estar ciente também que o conhecimento se dá de
forma dialética entre o sujeito e o meio social em que está inserido.

3.2 Os processos de aprendizagem

Além de sua preocupação constante com a questão do desenvolvimento


humano, Vygotsky (1988) enfatiza em sua obra a importância dos
processos de aprendizagem. Para ele, desde o nascimento, a
aprendizagem da criança está relacionada ao seu de­senvolvimento.
Obviamente, existe um percurso natural de desenvolvimento, em parte
definido pelo processo de maturação do indivíduo, mas é o aprendizado
que possibilita o desenvolvimento dos processos mentais superiores. O
desenvolvimento fica impedido de ocorrer na falta de situações propícias
ao aprendizado. Assim, podemos inferir que é principalmente na escola,
pela interação social com outras crianças e pela mediação “intencional”
do professor, que a criança aprende e se desenvolve.

IMPORTANTE!

A importância que Vygotsky outorga ao papel do mediador no desenvolvimento


do indivíduo é confirmada pela abordagem do conceito de zona de
desenvolvimento proximal em sua teoria e que veremos logo a seguir.
UNIUBE 109

A forma de avaliação do desenvolvimento de uma pessoa se dá por


meio da comparação do que ela pode e sabe fazer sozinha, com o
que ela só consegue fazer com a ajuda do outro. Vygotsky denomina
essa capacidade de realizar tarefas de forma independente de nível de
desenvolvimento real, e são resultantes de processos psicológicos
evolu­tivos já consolidados. Às tarefas que a criança necessita de
subsídios para realizar, ele denomina de nível de desenvolvimento
potencial. Essa possibilidade de alteração no desempenho de uma
pessoa em função da interferência de outra é fundamental dentro da
teoria de Vygotsky, em virtude do fato de que ele atribui uma importância
extrema à interação social no processo de construção das funções
psicológicas humanas.

EXPLICANDO MELHOR

O aprendizado individual ocorre em um ambiente social determinado e a relação


com o outro é imprescindível para o processo de construção do ser individual.

No entanto, há um meio termo entre essas duas


concepções de níveis de desenvolvimento real e
potencial. É justamente aí que Vygotsky define a
zona de desenvolvimento proximal como sendo a
distância entre o nível de desenvolvimento real, que se
costuma determinar através da solução independente
de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob a
orientação de um adulto ou em colaboração com
companheiros mais capazes (OLIVEIRA, 1997, p. 60).

Portanto, a zona de desenvolvimento proximal refere-se ao caminho a ser


percorrido pelo indivíduo, onde o ponto de partida é o que ele consegue
realmente realizar sozinho, e o ponto de chegada seria atingir o ápice
das potencialidades ainda em desenvolvimento.

COMPARANDO

A zona de desenvolvimento proximal é como se fosse uma escada rolante em


constante movimento, em que seus degraus representam os aprendizados
110 UNIUBE

necessários para se alcançar a culminância do desenvolvimento psicológico


do indivíduo. Ao interferir nessa área de desenvolvimento, o professor ou
as crianças mais experientes contribuem para alavancar os processos de
evolução cognitiva da criança.

3.3 A função da intervenção pedagógica

Conforme o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009), intervir


significa ingerir­-se, visando influir no seu desenvolvimento, interferir,
interceder.

É comum ouvirmos professores dizerem ter dificuldades de intervir no


processo cognitivo de seus alunos por não terem segurança quanto aos
níveis de desenvolvi­mento deles, principalmente na fase de alfabetização.
É fundamental o conhecimento teórico-científico sobre o desenvolvimento
infantil.

É importante conhecer a base teórica acerca dos aspectos constitutivos


dos níveis de escrita, para que o professor saiba quando, onde e como
interferir adequadamente na zona de desenvolvimento proximal de seus
alunos, provocando avanços que não ocorreriam aleatoriamente.

IMPORTANTE!

O professor deve ter o cuidado de não interpretar a teoria vygotskyana de


forma distorcida, e por deter o conhecimento, interferir de forma incisiva
e autoritária na aprendizagem de seu aluno, que, por sua vez, torna-se
simplesmente um receptor passivo. Dessa forma, estaríamos retrocedendo
à era da educação tradicional.

Vygotsky trabalha constantemente a ideia de “internalização”, apreensão


do conheci­mento por meio da interação do indivíduo com seu meio social.
A subjetividade peculiar a cada ser humano é para ele a essência do
desenvolvimento humano.

A interação social da tríade aluno – professor – alunos é a chave para


o enriqueci­mento intelectual do aprendiz. Um bom caminho é o professor
UNIUBE 111

lançar mão de atividades promovidas em grupo, visto que as crianças


são sempre heterogêneas quanto aos diferentes momentos da
aprendizagem e podem, seguramente, intervir de maneira positiva no
processo de enriquecimento cognitivo umas das outras. Assim, é evidente
que a possibilidade de intervenção cabe tanto ao professor quanto às
demais crianças envolvidas no processo. No entanto, o papel de intervir
pedagogicamente, no sentido de mediar a aprendizagem, cabe ao
educador, pois é ele quem detém o conhecimento teórico-científico que lhe
dá condição de selecionar técnicas, metodologias, instrumentos eficazes
para intervenção, bem como os objetivos a serem alcançados e o caminho
a ser percorrido para que o “potencial” de seus alunos se torne “real”.

O estudo da teoria de Vygotsky reforça a tese de que o desenvolvimento


da inteligên­cia se dá primeiramente de forma interpessoal, por meio da
interatividade social entre as pessoas, para em seguida ser internalizado
pelo indivíduo. Ao ser internalizado, o indivíduo apropria-se de um
determinado conhecimento, resultando assim em uma mudança de
comportamento.

3.4 Modificabilidade cognitiva estrutural

Reuven Feuerstein se dedicou ao estudo da cognição e da sua


modificabilidade. Sua filosofia da Modificabilidade Cognitiva Estrutural
(MCE) baseia-se no fato de que todo ser humano é capaz de desenvolver
a capacidade de aprender, ou seja, não há limites para o desenvolvimento
da mente humana.

Vamos conhecer um pouco sobre a vida e a obra desse estudioso.

Reuven Feuerstein nasceu em Botosan (Romênia),


em 1921, no seio de uma família judia muito sensível à
cultura e à educação. Mostrou desde criança as suas
qualidades: aos 3 anos já falava duas línguas e aos 8
ensinava o hebraico às crianças de sua comunidade.
Quando em 1944 a Romênia foi ocupada, Feuerstein,
que neste período ensinava em Bucareste numa escola
para filhos de deportados, foi mandado para um campo
de concentração. Afortunadamente conse­guiu escapar
e imigrou para Israel, onde se dedicou à educação dos
112 UNIUBE

adolescentes sobreviventes ao Holocausto. Tratava-


-se, a maior parte, de órfãos, pertencentes a diversas
culturas, provindos de numerosos países europeus e
africanos, que, devido às terríveis experiências vividas,
apresentavam carências cognitivas muito semelhantes
aos indivíduos com deficiência mental. Foi a partir
dos estudos com estes adolescentes que Feuerstein
e seus colaboradores desenvolveram um sistema de
avaliação do potencial de aprendizagem (LPAD) e
um programa de intervenção cognitiva (PEI), que se
tornou conhecido no mundo como método Feuerstein.
Entre 1940 a 1944, Feuerstein frequentou o Teachers
College e onesco College em Bucareste. Em 1944 e
1945 ele também estudou no Teacher Training Seminary,
em Jerusalém. Retomou seus estudos em 1949 na
Suíça, onde frequentou palestras e seminários de Carl
Jaspers, Carl Jung e L. Szondy. De 1950 a 1955 estudou
na Universidade de Genebra, sob o comando de Andrey
Rey e Jean Piaget, completando a sua formação em
Psicologia Geral e Clínica (1952) e obtendo sua licença
em Psicologia (1954). Em 1970 Feuerstein conquistou
seu título de Ph.D. em Psicologia do Desenvolvimento
na Sorbonne. Sua principal área de estudo foi Psicologia
do Desenvolvimento, Clínica e Cognitiva desde uma
perspectiva intercultural (CDCP, 2011).

Sua teoria se contrapõe às teorias psicológicas do desenvolvimento, que


consideram a origem das limitações do ser humano no indivíduo (inatista)
ou nas condições de estímulos oferecidas em seu meio (ambientalista).

Seus estudos favorecem o surgimento de uma nova abordagem para


o atendimento psicopedagógico dos educandos com dificuldade de
aprendizagem e crianças com deficiência.

A MCE procura, objetivamente, descrever capacidade


única, peculiar, singular e plural de os seres
humanos mudarem ou modificaram a estrutura do
seu funcionamento cognitivo, visando à adaptação
às exigências, constantes e mutáveis das situações
que caracteriza o mundo exterior envolvente. [...]
A modificabilidade cognitiva deve ser definida como
estrutural, e não esporádica ou acidental, ou seja,
en­cerra uma mudança de uma parte, mas que afeta
um todo funcional da cognição. Trata-se de uma
transformação do processo cognitivo em si próprio,
no seu ritmo, na sua amplitude e na sua natureza
autorreguladora (FONSECA, 1995, p. 85).
UNIUBE 113

A Modificabilidade Cognitiva Estrutural descortina uma nova perspectiva


para o atendi­mento às crianças com necessidades educacionais
especiais (dificuldade de aprendiza­gem, deficientes, altas habilidades,
transtornos globais do desenvolvimento) e favorece o surgimento de
uma nova concepção sobre a aprendizagem, tanto para estes como para
as crianças “ditas normais”. Consolida que a capacidade de aprender é
passível a todos os seres humanos, e que todos nós temos a capacidade
de desenvolver nossas potencialidades, sejam elas cognitivas, afetivas,
emocionais, biológicas ou sociais.

Fonseca (1995, p. 73) ressalta que, quanto aos deficientes:

A não ser em condições muito severas, em que entram


fatores defectológicos genéticos e orgânicos (nos quais
só as medidas de prevenção se justificam), o deficiente
está aberto à modificabilidade cognitiva em vários
estágios de seu desenvolvimento, fundamental­mente
nos mais precoces.

3.5 Intencionalidade da ação

Esse modelo teórico aborda a diversidade humana, respeitando suas


diferenças indivi­duais. Valoriza as interações entre o indivíduo e seu meio
cultural. Os estímulos do meio e as mudanças intrínsecas do sujeito são
produtos de uma série de atos carregados de intenção. Assim, Feuerstein
reforça a importância da intenção da ação do professor no processo
ensino-aprendizagem. Demonstra que a natureza do ser humano
é ser flexí­vel e que a inteligência é dinâmica, disponível, aberta às
mudanças durante toda sua vida. O nível potencial de desenvolvimento
e aprendizagem irá depender da qualidade das interações do indivíduo
com seu meio e da intencionalidade da ação mediadora.

Fonseca (1995, p. 107) reafirma as palavras de Feuerstein e salienta


a importância de defendermos os direitos de todas as crianças a uma
boa educação. “Advogamos uma filosofia educacional em que qualquer
criança, independentemente do seu potencial de aprendizagem (normal
ou atípico), deverá ter o direito a uma educação que lhe permita realizar
o máximo de seu potencial humano”.
114 UNIUBE

Para tanto, as escolas e os profissionais que nelas atuam devem estar


preparados para receberem todas as crianças.

3.6 Mediação

Feuerstein define duas formas de mediação:

• a experiência direta de aprendizado: é a interação do organismo


com o meio ambiente; baseada na teoria de Jean Piaget, em
que o sujeito/aprendiz interage diretamente com o objeto de
conhecimento e diante destes estímulos ele dá sua resposta. Ou
seja, a aprendizagem acontece sem a interferência de outrem.
Segundo Feuerstein, esse modelo não atende às necessidades
da criança, pois para haver a aprendizagem significativa falta a
presença do mediador.

EXEMPLIFICANDO!

Podemos citar como exemplo o caso de uma criança que, passeando por um
roseiral, fica encantada por ver tantas rosas, de diversas cores, que sente
vontade de tocá-las (o estímulo).

Ao tocá-las, sente o perfume, a textura de suas pétalas e percebe uma


joaninha passeando sobre algumas pétalas. Neste exemplo, houve interação
direta com o objeto de conhecimento (no caso, as rosas e a joaninha).

Vejam bem, caros alunos, esse tipo de aprendizagem é essencial e


necessário para o processo de aprendizagem da criança, mas, segundo
Feuerstein, não é suficiente para garantir uma aprendizagem efetiva.

• a experiência de aprendizagem mediada: neste caso, requer


a mediação, a inter­venção intencional do outro na relação do
aprendiz com seu meio sociocultural. Sua presença torna-se
fundamental para auxiliar a organizar, a selecionar, a interpretar e
a elaborar seu conhecimento. A intencionalidade da ação serve de
alavanca pro­pulsora das novas aprendizagens.
UNIUBE 115

EXPLICANDO MELHOR

Voltemos ao exemplo anterior, a criança no roseiral. Se os pais da criança


estivessem juntos com ela e fizessem a mediação entre o aprendiz e o objeto
de conhecimento, enriqueceriam ou favoreceriam uma nova aprendizagem.
Ou seja, se os pais chamassem a atenção da criança para um aspecto
específico (estímulo), por exemplo, as cores, a joaninha ou os tamanhos
diferentes das roseiras e explorasse bem esse aspecto com a criança,
eles poderiam favorecer o desenvolvimento de uma nova habilidade na
criança: habilidade de diferenciação de tonalidades; descoberta de diferentes
nomenclaturas de cores; insetos; diferentes tamanhos; entre outros.

Naquela situação, os pais poderiam ir além, favorecendo, por exemplo,


o conheci­ mento das questões sobre a necessidade do cuidado
com a natureza, com os insetos (joaninha) e sua relação na cadeia
alimentar, entre outros assuntos. Obviamente, com uma linguagem
simples, estariam estimulando a criança para a descoberta de
novos conhecimentos, assim como estariam sensibilizando-a para a
preservação da natureza. Muitas relações e conhecimentos poderiam
ser construídos aí.

Vocês percebem a importância da mediação, nesse caso?

Voltamos a ressaltar que ambas as formas de mediação, direta


e mediada, são ne­cessárias para o desenvolvimento integral das
crianças, pois “a exposição direta aos estímulos é fundamental para
o desenvolvimento cognitivo, mas a interação mediati­zada, isto é, a
própria cultura é que permite o acesso às funções cognitivas superiores”.
(FONSECA, 1995, p. 89).

Concordamos com o Hugo Otto Beyer, quando diz:

Feuerstein assimila a abordagem vygotskyana de


mediação parafra­seando-a através do seu conceito
da “Experiência de Aprendizagem Mediada”.
Conforme Feuerstein, a determinação diferencial
do desen­volvimento infantil dá-se em função das
oportunidades da criança em ter sua aprendizagem
116 UNIUBE

informal e formal mediada. É isto exatamente o


que ele afirma na citação seguinte: “A experiência de
aprendizagem mediada pode ser considerada como o
ingrediente que determina o desenvolvimento cognitivo
diferencial” (BEYER, 1996, p. 81).

PESQUISANDO NA WEB

Caso queira conhecer mais sobre o que Beyer (1996) explica, leia o
artigo “o método Reuven Feuerstein: uma abordagem para o atendimento
psicopedagógico de indivíduos com dificuldades de aprendizagem,
portadores ou não de necessidades educativas especiais”, para isso, acesse
o site da Associação Brasileira dos Pesquisadores em Educação Especial e
a Revista Brasileira de Educação Especial, vol. 4, disponível no site:

http://www.abpee.net/homepageabpee04_06/artigos_em_pdf/revista4nu
 mero1pdf/r4_art07.pdf

E, ainda, podemos ir além, dizendo que a “Experiência de Aprendizagem


Mediada”, revelada por Feuerstein, constitui-se na intencionalidade da
ação do professor na “zona de desenvolvimento proximal”, descrita por
Vygotsky, dos seus educandos. E este ato determinante influenciará o
desenvolvimento da capacidade de “Modificabilidade Cognitiva Estrutural”.

3.7 Prática pedagógica

Quanto ao aspecto educacional, Feuerstein denomina de “Experiência de


Aprendiza­gem Mediada” a relação entre mediador (professor) e mediado
(aluno), quando esta envolve alguns critérios específicos. Observemos o
que diz Fonseca (1995) em relação a esses critérios:

• Intencionalidade e reciprocidade: o educador deixa clara a


“intencionalidade” da sua ação como facilitador do conhecimento,
seja por meio dos gestos, intensidade da voz ou das palavras
proferidas (sua postura), conseguindo provocar a “recipro­cidade”
do aluno para a receptividade para o aprendizado. Assim, é
necessário que o professor desenvolva uma boa relação interpessoal
UNIUBE 117

com seus alunos, para que o processo de aprendizagem ocorra


de uma maneira dinâmica e natural.

• Transparência: o educador fornece subsídios para a percepção


(conscientização) de que a interação fornecida naquele momento
vai além dos fatos e das ações mo­mentâneas, pois “transcendem”
o momento presente, ou seja, o aprendizado de hoje é subsídio
para o de amanhã, de forma dinâmica e dialética. Dessa forma,
os alunos perceberão os fundamentos norteadores de toda a
aprendizagem, correlacionando as etapas do seu desenvolvimento
cognitivo.
• Significação: é a relação permeada na ação carregada de
significado, valores e atitudes. A aprendizagem deve ser carregada
de estímulos, de carga afetiva, para penetrar no sistema de
significado provocando a aprendizagem. Por meio da ação
pedagógica são transmitidas não só a cultura, mas também a
filosofia de vida do grupo social. A significação está diretamente
interligada ao prazer de aprender, ao estímulo às diversas
curiosidades infantis, ao querer descobrir algo novo a cada dia, e,
principalmente, no deleite do professor empreendedor, que atribui
significado a tudo o que faz.
• Sentimento de competência: não só é respeitada a experiência
e a capacidade da criança, como também fornece pistas para que
ela encontre êxito na tarefa, aumentando sua autoestima, sua
autoconfiança e melhorando a motivação para a aprendizagem.
Acredite sempre em seu aluno, demonstre isso a ele, e, por maiores
que sejam suas limitações cognitivas, ele buscará caminhos, pois
aprendeu com seu mestre a acreditar em si.

Portanto, durante a prática pedagógica, o mediador deve deixar clara a


intenção de sua ação. Demonstrar que essa intenção vai além dos fatos
momentâneos, para penetrar, por meio da motivação, no sistema de
significado do sujeito, transmitindo a filosofia do seu grupo social com o
devido respeito no nível de desenvolvimento real da criança.

Deve fazer com que ela perceba, por meio das reflexões durante todo
o processo, o seu próprio desenvolvimento potencial, elevando sua
autoestima e motivando-a para as novas aprendizagens.
118 UNIUBE

Podemos perceber então a importância do papel do professor. O mediador


deve ser o condutor de valores, de saberes culturais, de significados e
estratégias que ajudam a interpretar a vida social, “provocando” o indivíduo
para suas aprendizagens, influen­ciando suas estruturas internas.

3.8 Os dez mandamentos da aprendizagem

Pozo (2002, p. 269) assim define os dez mandamentos da aprendizagem:

As Tábuas da Lei da Aprendizagem: partirás dos


interesses e mo­tivos. Partirás dos conhecimentos
prévios. Dosarás a quantidade de informação nova.
Farás com que condensem e automatizem os
conhecimentos básicos. Diversificarás as tarefas e
aprendizagens. Planejarás situações de aprendizagem
para a sua recuperação. Organizarás e ligarás as
aprendizagens umas às outras. Promove­rás a reflexão
sobre os conhecimentos. Proporás tarefas abertas e
incentivarás a cooperação. Instruirás no planejamento e
organização da própria aprendizagem de cada um.

Pozo reforça os pressupostos de Vygotsky que são sustentados e


sistematizados por Feuerstein. Por esse motivo, vamos, a partir deste
momento, elencar os conceitos con­tidos nesses mandamentos na
perspectiva de Pozo, como também trataremos de uma situação prática,
exemplificando a ação de cada um desses dez mandamentos, para que
se possa facilitar e aguçar a percepção dos profissionais de educação
quanto aos aspectos de intervenção e mediação pedagógica, tão
importantes no contexto escolar.

Partirás dos interesses e motivos

O ponto de partida da aprendizagem deve ser o aluno. Cabe ao educador


promover ativamente o interesse dos alunos para a aprendizagem. A
motivação poderá levá-lo à proficiência, ao sucesso da aprendizagem
ou ao seu fracasso.

Portanto, deve-se incentivar o interesse intrínseco do aluno. Para tanto,


é necessário conhecer as capacidades prévias dos seus alunos. Para
conhecer essas capacidades vocês deverão ter o conhecimento acerca
UNIUBE 119

das teorias psicológicas do desenvolvimento, que lhes proporcionarão


informações precisas, úteis dos possíveis e necessários “erros” que
poderão cometer durante suas aprendizagens.

Para que se sintam capazes, competentes e motivados para a descoberta


do conheci­mento, os alunos deverão perceber que os “erros” devem
ser considerados como caminho que todos percorrem para chegar ao
“acerto”, ou seja, cabe ao educador provocar a reflexão do aluno sobre
suas decisões e ações durante todo o processo de aprendizagem.
Nesse momento em que se busca a motivação intrínseca, as atividades
acadêmicas devem ser organizadas de forma cooperativa, nas quais eles
deverão se apoiar nos me­diadores, seja ele professor ou seus pares. O
importante é que os alunos compreendam o quê e como fazer, e não que
devem, obrigatoriamente, sempre obter êxito na atividade.

Partirás dos conhecimentos prévios

Para que a aprendizagem ocorra de modo efetivo, faz-se necessário que


o educador planeje sua ação considerando o nível de desenvolvimento
real, ou seja, conhecer o que o aluno já consegue realizar sozinho.
A partir daí, ele irá fomentar o interesse do aluno na aquisição do
conhecimento formal. Ao mesmo tempo, deverá estabelecer uma
conexão entre o conhecimento do aluno e as novas aprendizagens.
Para que esse processo tenha êxito, faz-se necessário uma avaliação
contínua e processual. E a concepção de avaliação aqui descrita refere-
se à avaliação do processo ensino­-aprendizagem e não àquela focada
no desempenho quantitativo do aluno.

Dosarás a quantidade de informação nova

As novas informações deverão ser dosadas, de forma a respeitar o nível


de desen­volvimento mental da criança. Ao mesmo tempo em que essas
novas informações devem estar em consonância com as já internalizadas,
ou seja, o professor deverá atuar na zona de desenvolvimento proximal,
de maneira que o aluno atinja o nível de desenvolvimento potencial. Vale
lembrar que tais informações devem ser desafiadoras, questionadoras
e desestabilizadoras.
120 UNIUBE

Farás com que condensem e automatizem os conhecimentos


básicos

Com o objetivo de enriquecer os recursos de aprendizagens de seus


alunos, o profes­sor deverá propor situações que propiciem a condensação
dos conhecimentos alvos, e, ao mesmo tempo, favorecer a capacidade do
educando de lançar mão de conheci­mentos já adquiridos na resolução de
novos propostos. Para isso, o educador deverá selecionar as informações
viáveis e verdadeiramente relevantes, pois conhecimentos automatizados
e pouco funcionais são normalmente esquecidos.

Diversificarás as tarefas e aprendizagens

O educador deverá propor situações de aprendizagens inovadoras e


criativas para que o aluno tenha a oportunidade de retomar um mesmo
conteúdo de maneiras diversifica­das, bem como a utilização de recursos
didáticos variados. Com isso, ao mesmo tempo em que cristaliza
conhecimentos necessários, estabelece conexão com os vindouros.

Planejarás situações de aprendizagem para a sua recuperação

O professor deverá conhecer as reais dificuldades de seus alunos para,


a partir daí, buscar diferentes estratégias e atingir seus objetivos. Nesse
caso específico, o que se deseja é a recuperação da aprendizagem,
lembrando que o educador deve sempre partir das habilidades
conquistadas dos alunos para conseguir sanar as dificuldades deles,
considerando que as estratégias utilizadas deverão ser contextualizadas,
dife­renciadas e prazerosas.

Organizarás e ligarás as aprendizagens umas às outras

O professor deverá organizar seu planejamento contemplando a


interdisciplinaridade, a contextualização e a diversificação da sua prática
pedagógica, de forma que atenda às necessidades dos alunos. Para
confirmar a internalização do processo da aprendizagem, o professor
deverá observar se o aluno está colocando em prática o que foi
aprendido, por meio da aplicação dos conhecimentos adquiridos nas
novas aprendizagens.
UNIUBE 121

Promoverás a reflexão sobre os conhecimentos

O professor deverá oportunizar aos educandos vivências, situações


desafiadoras e enriquecedoras que propiciem aos aprendizes que
busquem suas próprias respostas e posicionamentos, consolidando sua
autonomia como cidadãos. Para o educando atingir essa autonomia, é
necessário que o professor tenha a clareza de que o aluno necessita de
subsídios teóricos-metodológicos que lhe favoreçam o desenvolvimento
da reflexão sobre sua própria ação (metacognição).

Proporás tarefas abertas e incentivarás a cooperação

O professor deverá oportunizar ao aluno a resolução de situações-


problemas abertas e abrangentes, de forma a exigir o aprimoramento
da sua capacidade de percepção da realidade. Assim, tornará possível
que ele compreenda a complexidade cultural que o envolve, para, a partir
dela, tomar suas decisões para resolução das tarefas, utilizando­-se de
estratégias eficazes que o torne proficiente.

Vivenciar situações de cooperação mútua, de modo a favorecer o


conflito cognitivo resultante da diversidade de pensamentos, e, por meio
da mediação cooperativa dos elementos envolvidos no processo, o
aluno possa alcançar a melhoria de sua aprendi­zagem social e sinta-se
estimulado a aprender.

Instruirás no planejamento e organização da própria aprendizagem


de cada um

O professor deverá favorecer a elaboração e organização do pensamento


de seus alunos, para que eles possam, gradualmente, se tornar agentes
de sua própria apren­dizagem, conseguindo tomar suas decisões,
selecionar, planejar, fixar metas, propor estratégias e avaliar resultados.

Enfim, é essencial que se priorize a reflexão e a cooperação no


desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.
122 UNIUBE

3.9 Teoria e prática pedagógica

Com o objetivo de se aliar teoria e prática pedagógica, apresentaremos as


Tábuas da Lei da Aprendizagem proposta por Pozo (2002), por meio de
técnicas efetivamente simples e dinâmicas, contextualizadas à realidade
docente, não com o intuito de fornecer receitas prontas, testadas e
aprovadas, como se fossem leis a serem seguidas. Nosso objetivo aqui
é chamar a atenção para determinados aspectos, às vezes imperceptíveis na
construção do conhecimento. Com o intuito de nortear a prática pedagógica,
sugerimos algumas ati­vidades simples, mas que com a criatividade
profissional de cada um dos leitores poderão ser ampliadas e adaptadas
de modo a atender às necessidades educativas de alunos. Partindo das
citações de Pozo (2002), sugerimos as atividades que seguem.

Partindo dos conhecimentos prévios

“Partirás dos interesses e motivos, partirás dos conhecimentos prévios.”

Quando dizemos partir dos interesses de seus alunos, estamos nos referindo
que se parta de algo que tenha significado para eles. Para a criança em fase
de alfabetização, a significação está relacionada ao lúdico, ao prazer de
brincar. E, para fazer a correlação entre interesse e conhecimento prévio, é
necessário que se faça uma sondagem inicial do nível de desenvolvimento
cognitivo da escrita em que se encontram os alunos. Por meio de conversas
informais, o professor terá condições de averiguar quais temas são do
conhecimento e interesse de seu grupo de alunos.

Nesse caso, sugerimos a “BRINCADEIRA DA FORCA”, para que o


professor possa diagnosticar a etapa de conhecimento inicial de cada
um de seus alunos, e, subsequen­temente, possa agrupá-los de forma a
facilitar o trabalho com eles.

Dosando a quantidade de informação

“Dosarás a quantidade de informação nova, farás com que condensem


e automatizem os conhecimentos básicos.”

Na fase inicial de alfabetização, o conhecimento básico inicial é o domínio


da base alfabética (o alfabeto) pela criança.
UNIUBE 123

Para tanto, sugerimos o “BINGO DAS LETRAS” ou o “QUEBRA-CABEÇA


ALFABÉTICO”, como forma de automatizar o conhecimento necessário,
aliado à ludicidade infantil. Com a utilização de atividades lúdicas o
professor consegue efetivar a apren­dizagem de forma inovadora, de
modo a fazer com que seus alunos apreendam o conhecimento, sem
torná-lo massacrante.

Diversificando tarefas

“Diversificarás as tarefas e aprendizagens.”

É fundamental que o professor proponha atividades variadas e


desafiadoras, para que consiga despertar e manter o interesse de seus
alunos para a aprendizagem.

Tomando-se como base o exemplo citado anteriormente para o domínio


da base alfa­bética, existem inúmeras atividades lúdicas e desafiadoras
que o professor pode lançar mão, como: DLMINÓ DAS LETRAS, JOGO
DA MEMÓRIA, BARALHO ALFABÉTICO, entre outras. Vale ressaltar que,
além de as atividades serem inovadoras, é importante que o ambiente
de estudo também seja diferenciado, ou seja, não fique restrito à sala
de aula, utilizando-se de outros espaços físicos, como a biblioteca, a
sala de vídeos, o pátio, a sala de informática, entre outros, que tornem o
estudo mais prazeroso. Assim como também é importante diversificar as
estratégias de ensino utilizadas pelo educador, desenvolvendo variadas
alternativas de se atingir um mesmo objetivo.

Diversificando situações de aprendizagem

“Planejarás situações de aprendizagem para a sua recuperação.”

Ao diversificar as tarefas de aprendizagem, o educador estará


automaticamente pro­pondo atividades recuperadoras, ou seja, além de
fixar melhor o conhecimento para as crianças que dominam o código
alfabético, ele estará tornando possível a apreensão do código para
aquelas que ainda possuem dúvidas. É importante lembrar que se
faz necessário por parte do educador o conhecimento do estágio de
desenvolvimento em que se encontra cada um de seus alunos. Para
tanto, é preciso conhecer os estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky
124 UNIUBE

e suas pesquisas referentes à psicogênese da leitura e da escrita,


para poder propor atividades mais desafiantes aos que já estão em um
nível de conhecimento mais elevado, além de propiciar a retomada do
conhecimento de forma diversificada àqueles detentores de algum tipo
de dúvida ou dificuldade.

Ligando as aprendizagens

“Organizarás e ligarás as aprendizagens umas às outras, promoverás a


reflexão sobre os conhecimentos.”

Quando o professor consegue estabelecer uma conectividade entre as


aprendizagens, fica mais fácil para o aluno compreender que há um
significado por detrás de tudo o que aprendemos, e o que foi apreendido
hoje servirá como base para edificar o conhe­cimento de amanhã. Quando
falamos em conectividade de conhecimentos, estamos nos referindo
também à relação existente entre as diferentes disciplinas, ao que na
educação contemporânea chamamos de intertextualidade. Em suma, o
aprendizado é uma constância infinita de degraus que vão se solidificando
mutuamente. Para isso, é importante que o educador, no início de cada
atividade, retome os conhecimentos trabalhados anteriormente como
ponto de partida para a introdução dos objetivos a serem atingidos.

EXEMPLIFICANDO!

Num jogo de “QUEBRA-CABEÇA DE NOMES DE ANIMAIS (DESENHO/


NOME)”, o educador estará constantemente retomando as sílabas
conhecidas e simultaneamente introduzindo as sílabas novas ou complexas,
para que o educando vá assimilando a trama que compõe nosso código
linguístico escrito. Ele poderá, ainda, aliar os objetivos da língua portuguesa
com a matemática, propondo a contagem quantitativa das letras das palavras
ou dos nomes estudados, a escrita dos nomes dos numerais ou, ainda, o
jogo “BATALHA NAVAL”, em que se trabalha de forma concomitante letras
e números, entre outras.

Assim, o educador estará promovendo a interdisciplinaridade entre os


conteúdos, ou seja, estabelecendo conexões entre os conteúdos e
desenvolvendo a habilidade em seu aluno de perceber a importância
UNIUBE 125

das aprendizagens conquistadas, a dar significação ao conhecimento


adquirido e a continuidade do processo cognitivo.

Incentivando a cooperação

“Proporás tarefas abertas e incentivarás a cooperação.”

As atividades em grupo são fundamentais para o desenvolvimento dos


alunos em fase de alfabetização, pois favorecem a socialização das
crianças, bem como propicia a in­teratividade dos alunos com o conteúdo
em estudo. A troca de experiências enriquece o conhecimento, além de
oportunizar o intercâmbio cultural, pois sabemos que as crianças são
excelentes mediadoras e são capazes de elucidar as dúvidas do colega,
às vezes com mais eficácia que o próprio professor.

EXEMPLIFICANDO!

Em uma aula em que as crianças se sintam à vontade para perguntar,


trocar experiências e conhecimentos entre si, elas por si mesmas vão se
agrupar de acordo com suas afinidades pessoais, e é justamente essa troca
de conhecimentos, uma ajudando a outra, que beneficia os envolvidos no
processo. A criança que ajuda o colega com dificuldades sente-se importante
e valorizada por deter o conhecimento, ao mesmo tempo em que a que é
auxiliada sente-se amparada e capaz de absorver o conhecimento numa
linguagem acessível a ela.

Qualquer atividade que seja realizada em grupo possui uma gama de


efeitos positivos, desde que o educador não perca o foco dos objetivos
a serem atingidos. Os jogos, de uma maneira geral, exemplificam bem
esse aspecto. Com eles as crianças conseguem perceber a importância
do outro na construção e na efetivação do seu conhecimento.

Os jogos reforçam positivamente o aspecto socioemocional, mesmo


que em deter­minados momentos surjam impasses e discussões, pois
pode não parecer, mas as crianças crescem muito com isso, já que as
discussões são oriundas de um mesmo problema visto sob ângulos
diferentes, em que se buscam saídas diferentes para um mesmo desafio.
126 UNIUBE

Instruindo no planejamento e organização

“Instruirás no planejamento e organização da própria aprendizagem de


cada um.”

A organização de um ambiente favorável à aprendizagem faz-se


necessária aos pro­fissionais da educação. Estimular o aluno a aprender,
planejar situações de aprendi­zagens motivadoras e desafiadoras, bem
como estabelecer critérios organizacionais para a aplicação das variadas
propostas de desenvolvimento do saber, são atitudes primordiais que
garantirão a eficiência dos objetivos educacionais a serem atingidos.

Vale lembrar que um planejamento eficiente deve conter de forma clara


os objetivos a serem alcançados, interdisciplinarmente, de forma a
estabelecer a conectividade com as demais disciplinas, quais estratégias
serão utilizadas para a concretização desses objetivos, com atividades
dinâmicas e desafiadoras, e, ainda, uma avaliação criteriosa e contínua
do processo em desenvolvimento.

3.10 Promovendo o desenvolvimento de forma integral

Entender o processo de desenvolvimento do aluno de forma integral,


abrangendo os aspectos psicológicos, cognitivos e motores é essencial
para a construção do co­nhecimento do professor e, consequentemente, o
aperfeiçoamento de sua atuação pedagógica. Com o objetivo de aprofundar
nossos estudos alusivos a essa temática, principalmente no que tange à
afetividade, a teoria walloniana auxilia na compreensão da forma de agregar
saberes constitutivos de uma prática profissional inovadora e eficaz.

Considerando a importância das concepções wallonianas para o contexto


educacional, relembraremos a seguir as principais colocações deste autor
para o estudo sobre a mediação e intervenção pedagógica.

3.10.1 Pressupostos teóricos de Wallon

Ao examinar os pressupostos teóricos de Wallon, percebemos sua


grande contribuição para o contexto educacional, e seus estudos foram
relevantes para uma nova forma de se perceber o ser humano como uma
UNIUBE 127

pessoa integral, global. Ao longo de toda a vida, dedicou-se a conhecer


o desenvolvimento infantil, a trajetória do desenvolvimento do psiquismo
e a capacidade de aprender das crianças.

Para este teórico, é impossível dissociar os fatores orgânico e biológico


dos fatores sociais no desenvolvimento do ser humano. Ele destaca
que o ser humano é um ser completo: evidenciando que há uma
interdependência entre os fatores afetivo, cognitivo e motor, e que tais
fatores interagem de forma integrada, propiciando o desenvolvimento
pleno do ser humano.

Um aspecto importante que sua teoria destaca é que “As funções


psíquicas podem pros­seguir num permanente processo de especialização
e sofisticação, mesmo que do ponto de vista estritamente orgânico já
tenha atingido a maturação” (GALVÃO, 2003, p. 41).

Não se pode delimitar o desenvolvimento humano, seja quanto ao


aspecto da aprendi­zagem ou quanto à formação de sua personalidade.
O desenvolvimento dependerá das condições do desenvolvimento do
psiquismo do sujeito; como também das condições ou desfavoráveis que
o meio lhe proporcionará.

Ele considera que o ritmo determinado às etapas de desenvolvimento


não são con­tínuos. E poderão ser marcados por rupturas, retrocessos e
reviravoltas, dependendo das condições dos fatores orgânicos e sociais
que a criança vivencia. E, ainda, Wallon evidencia que “a passagem
de um ao outro estágio não é uma simples ampliação, mas uma
reformulação. Com frequência, instala-se, nos momentos de passagem,
uma crise que pode afetar visivelmente a conduta da criança” (GALVÃO,
2003, p. 41).

A passagem de um estágio para outro não é apenas a sobreposição ou


a justaposição entre os conhecimentos anteriores e os atuais. Exige uma
reestruturação, uma reela­boração do pensamento. Para isso a criança
dispensa um grande esforço, tanto afetivo quanto cognitivo e motor, pois
corpo e mente trabalham juntos para apreender as novas aprendizagens.
Frequentemente, durante esta inter-relação (reelaboração), a criança
revela seu “esforço” por meio do movimento do seu tônus muscular ou
da motricidade (para Wallon, motricidade e psicomotricidade são palavras
128 UNIUBE

sinônimas), que são perce­bidas em seu comportamento: raiva − agitação


motora; ansiedade – inquietude; alegria ou tristeza – contrações
musculares, entre outras. Somos pessoas completas, então não há
dissociação entre as reações orgânicas e as reações psíquicas.

Ressalta, ainda, que essa manifestação motora pode ocorrer em maior


ou menor in­tensidade, dependendo do grau de desenvolvimento da
criança. Ao se desenvolver, transforma a atividade que antes era motora
em atividade mental, ou seja, com o passar do tempo ela aprende a
“controlar” pelo pensamento suas manifestações orgânicas. Por isso, é
importante que o professor esteja atento às manifestações corporais de
seus alunos, pois, como dizemos popularmente, o corpo “fala”.

3.10.2 O movimento e o pensamento

Assim, a teoria walloniana estabelece uma relação entre movimento e o


pensamento, que consideramos importantíssima para nós, profissionais
da educação.

PONTO-CHAVE

Todos nós temos que ter a clareza da importância das atividades motoras/
psicomotoras no contexto da sala de aula, principalmente com crianças da
Educação Infantil e os primeiros anos do Ensino Fundamental. O movimento
é uma atividade infantil de extrema importância para o desenvolvimento da
afetividade e da cognição.

Dantas, La Taille e oliveira (1992) ressalta que, segundo Wallon, no início,


é o ato motor que desencadeia e dirige o pensamento. Uma criança
quando chora imprime em seu corpo um tipo de sensação: mexe com
os braços, muda seu tônus muscular, sua rigidez; e estabelece uma
comunicação com o mundo exterior. É a partir desse vínculo que se
coloca dentro do contexto cultural, pois a partir do momento que a mãe
atende às suas necessidades a criança estabeleceu seu vínculo cultural.
Obviamente, nesse momento a criança não “pensa” para realizar esse
vínculo, apenas manifesta suas sensações e emoções.

Com o passar do tempo e com os estímulos do meio, a criança se


desenvolve por meio da linguagem e das representações que ela faz da
UNIUBE 129

realidade. Ela elabora e reelabora novos conceitos e aprende a controlar


seus gestos pelos seus pensamentos. Ou seja, o ato que antes era
motor passa a ser mental, conforme dissemos anteriormente. Durante
essa fase, das representações simbólicas, em que ocorre a descoberta
de novos signi­ficados, as atividades psicomotoras são essenciais,
são estímulos e meio de conexão entre o eu subjetivo e o eu cultural.
A criança tem necessidade do movimento como forma de exteriorizar
suas sensações, seus sentimentos e sua capacidade intelectual. Assim,
afirma-se que o educador deve utilizar as atividades psicomotoras
como forma de intervenção nos processo ensino-aprendizagem para o
desenvolvimento pleno do educando.

3.10.3 Emoção e afetividade

A emoção, segundo Wallon, são revelações do estado do sujeito


ou existente nele (re­ velações subjetivas), exteriorizada por meio
das manifestações orgânicas. As alterações emocionais provocam
modificações no tônus muscular, por meio das contrações mus­culares
e viscerais (órgãos maiores e mais profundos que se contraem, por
exemplo, as contrações intestinais), demonstram seu estado íntimo. E,
quando estimuladas pelo meio social, oportunizam a revelação do estado
subjetivo do sujeito. Assim, a emoção é considerada o primeiro e mais
forte vínculo entre os seres humanos.

Ao longo do primeiro ano de vida, a afetividade corresponde às


manifestações das funções orgânicas e dos aspectos vitais da
emoção. Mais tarde, com a ampliação e o fortalecimento do vínculo
do ambiente socialmente construído, das atividades orgânicas e dos
aspectos psíquicos, essa concepção se amplia, tornando-se mais vasta,
envolvendo uma gama maior de manifestações. Elas englobam tanto os
aspectos biológicos ligados à emoção como os aspectos psicológicos
com a manifestação dos sentimentos.

Um exemplo de um professor que trabalha com a postura pedagógica,


pautada nas definições de Wallon, relativas à afetividade e a concepção
de ser humano como ser integral: social, biológico e emocional, é aquele
que tem o conhecimento teórico meto­dológico aliado à sensibilidade de
perceber as características inerentes de seu aluno. A partir do respeito a
130 UNIUBE

tais características, busca as estratégias adequadas a serem trabalhadas


na zona de desenvolvimento proximal. Ou seja, é aquele que respeita e
busca conhecer o desenvolvimento real e, a partir deste, envolve, motiva
os alunos para o desejo de aprender. Esse professor possui intrínseco
em sua prática pedagógica o respeito à diversidade, à liberdade de
expressão, ao conhecimento científico, à capa­cidade de colocar-se
no lugar do outro, e, fundamentalmente, acreditar na capacidade da
“modificabilidade cognitiva”, que todo ser humano possui.

3.11 Postulado

Para nós, neste capítulo, seu postulado fundamental é que ao longo do


desenvolvimento integral do aluno, sobremaneira durante a infância, a
inteligência e a afetividade se in­fluenciam mutuamente numa dialética
entre os fatores orgânicos e os sociais. Portanto, tenhamos a consciência
da importância da mediação e das intervenções que devemos propor aos
nossos educandos.

A proposta deste capítulo é que o educador transforme a afetividade em


um fio condutor de toda a estratégia de intervenção, permeando sua
prática pedagógica, para conseguir o desenvolvimento integral de seus
alunos.

Concordamos com Almeida (2006, p. 86) quando diz que:

WALLON, o psicólogo e educador, legou-nos


muitas outras lições. A nós, professores, duas
são particularmente importantes. Somos pessoas
completas: com afeto, cognição e movimento, e nos
rela­cionamos com um aluno também pessoa completa,
integral, com afeto, cognição e movimento. Somos
componentes privilegiados do meio de nosso aluno.
Torná-lo mais propício ao desenvolvimento é nossa
responsabilidade.

Que possamos a cada dia procurar aperfeiçoar nossos conhecimentos


para nos tor­narmos profissionais conscientes de nossa responsabilidade
como um mediador e interventor na vida escolar dos educandos. Dessa
forma, faremos a diferença em suas vidas, assim como temos a certeza
UNIUBE 131

de que a cada novo desafio, a cada nova conquista, sejam no aspecto


profissional como também no pessoal ou afetivo, os educandos tam­bém
fazem a diferença na vida do educador.

3.12 Conclusão

Sendo assim, podemos concluir que o professor mediador é aquele


que acredita nas potencialidades de seus alunos e não mede esforços
para efetivamente concretizar os objetivos propostos, sendo capaz de
intervir com precisão nas dificuldades de seus aprendizes, transformando
anseios em ações.

Parafraseando o educador Paulo Freire, se o homem se considerasse um


ser acabado, a educação não seria possível. Dessa forma, o professor
deve sempre ter em mente o quão importante é seu papel, bem como
as imprescindíveis intervenções eficazes que realiza. O educador é, por
natureza, um sonhador. Sonha com um mundo humanamente melhor
e por isso não se acomoda diante da controvertida realidade que se
apresenta.

O verdadeiro educador irá agir, intervir e interferir de maneira a atingir


suas metas. A sua arma é o conhecimento, a aprendizagem, pois sabe
que, para realizar as mudanças necessárias, terá que oportunizar
diversificadas experiências cognitivas a seus alunos. Eis a força mágica
transformadora da educação de qualidade.

Resumo

A abordagem inicial deste capítulo foi sobre a mediação pedagógica.


Vimos que o pro­fessor mediador assume o papel de facilitador do
aprendizado e que no contexto escolar a mediação também se estabelece
na relação aluno-aluno. Os estudos realizados por Vygotsky nos
esclareceram que no contexto escolar a mediação também se estabelece
na relação aluno-aluno. Observamos também que é principalmente
na escola, pela interação social com outras crianças e pela mediação
“intencional” do professor, que a criança aprende e se desenvolve.
132 UNIUBE

É fundamental conhecer a base teórica acerca dos aspectos constitutivos


dos níveis de escrita, para que o professor saiba quando, onde e como
interferir adequadamente na zona de desenvolvimento proximal de seus
alunos, provocando avanços que não ocorreriam aleatoriamente.

Aprofundamos um pouco mais na teoria de Reuven Feuerstein, que se


dedicou ao es­tudo da cognição e da sua modificabilidade. Sua filosofia
da Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE) baseia-se no fato de que
todo ser humano é capaz de desenvolver a capacidade de aprender, ou
seja, não há limites para o desenvolvimento da mente humana. A MCE
descortina uma nova perspectiva para o atendimento às crianças com
necessidades educacionais especiais. Feuerstein reforça a importância
da intenção da ação do professor no processo ensino-aprendizagem.
Demonstra que a natureza do ser humano é ser flexível e que a inteligência
é dinâmica, disponível, aberta às mudanças durante toda sua vida.

Reuven Feuerstein também salienta o papel da mediação no processo


ensino e aprendizagem. Estimular o aluno para aprender, planejar
situações de aprendizagens motivadoras e desafiadoras, bem como
estabelecer critérios organizacionais para a aplicação das variadas
propostas de desenvolvimento do saber, são atitudes primordiais que
garantirão a eficiência dos objetivos educacionais a serem atingidos.
O processo de desenvolvimento do aluno deve ocorrer de forma
integral, abrangendo os aspectos psicológicos, cognitivos e motores,
sendo essencial para a construção do conhecimento do professor, e,
consequentemente, o aperfeiçoamento de sua atuação pedagógica.

Ao examinar os pressupostos teóricos de Wallon, percebemos sua


grande contribuição para o contexto educacional, seus estudos foram
relevantes para uma nova forma de se perceber o ser humano, como
uma pessoa integral, global. Ele salienta a relação entre movimento
e pensamento, a importância do desenvolvimento psicomotor para a
aprendizagem e o papel da afetividade nesse processo.

Atividades

Atividade 1

Leia as considerações a seguir sobre as formas de mediação, segundo


Feuerstein, re­lacionando a primeira coluna com a segunda.
UNIUBE 133

( 1 ) Experiência direta de aprendizado.


( 2 ) Experiência de aprendizagem mediada.

( ) Nesta experiência, há interação do organismo com o meio ambiente.


( ) Esta experiência requer a mediação, a intervenção intencional do
outro na relação do aprendiz com seu meio sociocultural.
( ) Nesta experiência, a aprendizagem acontece sem a interferência de
outrem.
( ) Nesta experiência a intencionalidade da ação do professor serve de
alavanca propulsora das novas aprendizagens.

a) ( )1–1–2–2
b) ( )1–2–1–2
c) ( )2–1–2–1
d) ( )2–1–1–2

Atividade 2

Feuerstein denomina de “Experiência de Aprendizagem Mediada” a


relação entre me­diador (professor) e mediado (aluno), quando esta
envolve alguns critérios específicos. Baseados no estudo dos critérios
descritos no Capítulo 3, “Da teoria da mediação à prática da intervenção
pedagógica”, numere a primeira coluna de acordo com a segunda.

( 1 ) Intencionalidade e reciprocidade
( 2 ) Transparência
( 3 ) Significação
( 4 ) Sentimento de competência

( ) Situação em que o educador deixa clara a “intencionalidade” da


sua ação como facilitador do conhecimento, seja por meio dos
gestos, intensidade da voz ou das palavras proferidas (sua postura),
conseguindo provocar a “reciprocidade” do aluno para a receptividade
para aprendizado.
( ) Situação em que é a relação permeada na ação carregada de
significado, valores e atitudes.
( ) Situação em que não só é respeitada a experiência e a capacidade
criança, como também fornece pistas para que ela encontre êxito na
tarefa, aumentando sua autoestima, sua autoconfiança e melhorando
a motivação para a aprendizagem.
134 UNIUBE

( ) Situação em que o educador fornece subsídios para a percepção


(conscientização) de que a interação fornecida naquele momento
vai além dos fatos e das ações momentâneos, pois “transcendem” o
momento presente, ou seja, o aprendizado de hoje é subsídio para
o de amanhã, de forma dinâmica e dialética.

a) ( )1–4–3–2
b) ( )1–4–2–3
c) ( )2–4–1–3
d) ( )1–3–4–2

Atividade 3

Leia a citação a seguir refletindo sobre ela.

A MCE procura, objetivamente, descrever capacidade


única, peculiar, singular e plural de os seres
humanos mudarem ou modificaram a estrutura do
seu funcionamento cognitivo, visando à adaptação
às exigências, constantes e mutáveis das situações
que caracteriza o mundo exterior envolvente [...].
A Modificabilidade Cognitiva deve ser definida como
estrutural, e não esporádica ou acidental, ou seja,
encerra uma mudança de uma parte, mas que afeta
um todo funcional da cognição. Trata-se de uma
transformação do processo cognitivo em si próprio,
no seu ritmo, na sua amplitude e na sua natureza
autorreguladora (FONSECA, 1995, p. 85).

Elabore um comentário crítico sobre ele, baseando-se nos estudos


realizados ao longo deste capítulo.

Atividade 4

Ao examinar os pressupostos teóricos de Wallon, percebemos sua


grande contribuição para o contexto educacional, pois seus estudos
foram relevantes para uma nova forma de se perceber o ser humano,
como uma pessoa integral, global. As citações a seguir fazem parte de
algumas das características da teoria walloniana, exceto:
UNIUBE 135

( ) o autor considera que a criança tem necessidade do movi-


mento como forma de exteriorizar suas sensações, sentimen-
tos e sua capacidade intelectual.
( ) Um aspecto importante que sua teoria destaca é que “as fun-
ções psíquicas podem prosseguir num permanente processo
de especialização e sofisticação, mesmo que do ponto de vis-
ta estritamente orgânico já tenha atingido a maturação” (GAL-
VÃO, 2003, p. 41).
( ) o autor dedicou-se, principalmente, em compreender o de-
senvolvimento dos pro­cessos mentais superiores ou funções
psicológicas superiores, que seria a capaci­dade que o ser
humano possui de tomar decisões diante de uma informação
nova.
( ) o autor considera que é impossível dissociar os fatores orgâ-
nico, biológico, dos fatores sociais no desenvolvimento do ser
humano, destaca que o ser humano é uma pessoa completa:
evidencia que há uma interdependência entre os fatores afe-
tivo, cognitivo e motor.

Atividade 5

VII − Organizarás e ligarás as aprendizagens umas às outras.

O professor deverá organizar seu planejamento contemplando a


interdisciplinaridade, a contextualização e a diversificação da sua prática
pedagógica, de modo que atenda às necessidades dos alunos. Para
confirmar a internalização do processo da aprendizagem, o professor
deverá observar se o aluno está colocando em prática o que foi
aprendido, por meio da aplicação dos conhecimentos adquiridos nas
novas aprendizagens.

A partir da interpretação do texto acima, assinale a opção correta com


respeito à internalização do processo da aprendizagem.

a) ( ) A interpretação dos símbolos visuais ocorre por especula-


ção, e a aquisição do domínio da linguagem escrita se dá
pela sistematização que se ensina à criança.
136 UNIUBE

b) ( ) os erros e desvios na norma escrita da língua retardam


o domínio do código linguístico, mas a decodificação dos
símbolos visuais constitui um processo de amadurecimen-
to da escrita.
c) ( ) A criança compreende o significado da linguagem oral já
nas primeiras palavras que pronuncia, ao passo que a in-
ternalização da linguagem escrita se dará apenas no início
de sua vida escolar.
d) ( ) Tanto o domínio da linguagem oral quanto da escrita de-
corre da inserção do sujeito em um mundo simbólico e pela
interação social entre eles.

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Parte II

Desenvolvimento social e lógico-matemático


da criança
Capítulo
Os jogos e o conhecimento
lógico-matemático: caminho
4
para o desenvolvimento e
resolução de problema
Fernanda Sousa Freitas

Introdução
No decorrer da leitura deste capítulo, convidamos você a repensar
a importância do uso de jogos para o desenvolvimento do raciocínio
lógico-matemático na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Os jogos se constituem em estratégias interessantes
para a resolução de problemas do cotidiano, por isso o uso deles
e de materiais concretos por meio de atividades lúdicas precisa
ser compreendido por todos os educadores. Logo, proporcionar
aos educandos momentos significativos mostrando-lhes esta
vivência por meio da lógica matemática, do raciocínio, das músicas
e do uso do concreto é imprescindível.

Esperamos que ao final deste estudo, com os conhecimentos


adquiridos, você possa planejar suas aulas de forma a agregar
esses conhecimentos, acompanhar seus alunos de forma
sistemática e construir o processo de formação do raciocínio
lógico-matemático, proporcionando-lhes condições necessárias
para uma real aprendizagem.

Nesta perspectiva, sugerimos nesse momento que você cante a


música Escravos de Jó. Essa música faz parte do folclore brasileiro.
Caso ainda não a conheça, peça para um colega ou amigo cantar
com você. Leia a letra que está a seguir, brinque, experimente o
resultado da brincadeira, perceba que por meio da música, de uma
brincadeira simples, é possível despertar a motivação, compreender
o sentido da socialização, do trabalhoem equipe, da atenção, do
ritmo, da coordenação motora, entre outros aspectos.
142 UNIUBE

Para brincar, os participantes devem estar sentados em forma


de círculo. Cada um deve ter na mão uma tampinha ou pedrinha.
Seguindo o ritmo da canção, todos devem pegar o objeto que
está à sua frente e com a mão direita colocá-lo diante do vizinho
da direita. Todos repetem este movimento durante a canção até
que as tampinhas deem uma volta completa pelo círculo. Mas,
atenção, quando todos cantarem a frase “fazem zigue, zigue, zá”,
devem fazer o mesmo movimento com o braço, ou seja, colocar
o objeto na frente do vizinho da direita, voltar com o objeto para
frente de si, tudo no ritmo da canção e sem soltar o objeto da mão.

Escravos de Jó

1 1

Jogavam o caxangá

1 1

Tira, põe

1 1

Deixa o Zambelê ficar

1 1 1 Observe a legenda:

Guerreiros com guerreiros 1 - Colocar a tampinha à frete


do vizinho da direita.
1 1

Fazem zigue, zigue, zá.


2 - Não passar a tampinha.
2 3
3 - Batê-la na mesa.
Fonte: Domínio público.
UNIUBE 143

O estudo deste capítulo será desenvolvido em três momentos, ou


seja, concei­tuar conhecimento lógico-matemático e estabelecer
sua relação com os jogos; determinar a importância do uso dos
jogos como estratégia na resolução de problemas cotidianos e na
formação do indivíduo; e ainda, distinguir os vários tipos de jogos
indicados para a Educação Infantil e para os primeiros anos do
Ensino Fundamental.

Convidamos você a dar continuidade aos desafios que as


situações lúdicas proporcionam referentes ao funcionamento do
pensamento, observando que eles nos levam a alcançar níveis
de desempenho das ações que vão muito além da simples
diversão. Que as brincadeiras também auxiliam na formação da
personalidade, uma vez que por meio delas a criança fará amigos
e apren­derá a conviver respeitando o direito dos outros e as
normas estabelecidas pelo grupo.

Objetivos
Após o estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de:
• determinar a importância dos jogos na formação do indivíduo;
• estabelecer relação entre o desenvolvimento do raciocínio
lógico­-matemático e a utilização dos jogos como estratégia de
aprendizagem;
• identificar o uso dos jogos como mais um recurso educacional;
• distinguir os diferentes tipos de jogos que podem ser
indicados para a Educação Infantil e os primeiros anos do
Ensino Fundamental.

Esquema
4.1 Vamos refletir sobre o ensino da matemática?
4.2 O homem e a aprendizagem do conhecimento lógico-matemático
4.3 A relação entre as fases do desenvolvimento humano e o uso
do material concreto
4.4 Há muito tempo o homem já jogava
144 UNIUBE

4.5 O conhecimento lógico-matemático e o desenvolvimento do


raciocínio
4.6 Os jogos como estratégia no ensino-aprendizagem
4.7 Relação entre lúdico e jogos
4.7.1 Jogando com as crianças na Educação Infantil
4.7.2 Jogando com as crianças dos anos iniciais do Ensino
Fun­damental
4.8 Um jeito diferente de ver a matemática

4.1 Vamos refletir sobre o ensino da matemática?

Durante muito tempo a matemática foi ensinada nas escolas como


uma disciplina isolada de todo um contexto social. Os professores
preocupavam-se em ensinar os conceitos básicos, as quatro operações,
por exemplo, sem se preocupar com sua aplicabilidade no dia a dia.

PARADA PARA REFLEXÃO

Você já parou para pensar em quantas situações do seu cotidiano você


utiliza dos seus conhecimentos lógico-matemáticos?

Pense em tudo o que você faz desde o momento em que acorda até a hora
em vai se deitar o quanto a matemática está presente na sua vida.

O contato com o concreto e a mediação do professor são fatores essenciais


para a construção de um ser pensante, motivador e conhecedor.

As noções matemáticas são construídas pelas crianças a partir das


experiências proporcionadas pelas interações com o meio. Esses
conhecimentos são adquiridos e aprimorados no convívio com outras
pessoas e com o contato com materiais concretos. A relação entre
as práticas educacionais coerentes e o cotidiano permite a formação
de um indivíduo que não só conhece, mas sim que pratica e entende a
realidade vivida por ele.
UNIUBE 145

EXEMPLIFICANDO!

Se o aluno precisa atravessar a rua em uma esquina e ir até um prédio


no meio do quarteirão, tem pelo menos duas opções: a primeira, é fazer o
caminho mais rápido cruzando a rua em diagonal – o que não é seguro e
o obriga a ver se vêm vindo carros e ter uma noção da velocidade deles;
a segunda, é atravessar na faixa de segurança, que talvez seja o caminho
mais longo porém seguro.

Se quisermos educar crianças e jovens que se saiam bem não só nas


tarefas esco­lares como também nas do dia a dia, é importante exercitá-
los a pensar. As crianças que não são estimuladas a raciocinar diante
de situações-problema, costumam, an­tes mesmo de tentar resolvê-
-los, perguntar: esse problema é de mais ou de menos? Na tentativa
de obter da professora ou do professor se ele deve somar ou subtrair,
não se preocupam com “o pensar” como parte da situação que lhe é
apresentada. Já quando é estimulada, o “arme e efetue” vira pensamento
crítico, raciocínio ágil, participação e opinião.

Veja a seguir o que o PCN aborda sobre o aluno e o saber matemático:

As necessidades cotidianas fazem com que os alunos


desenvolvam uma inteligência essencialmente prática,
que permite reconhecer problemas, buscar e selecionar
informações, tomar decisões e, por­tanto, desenvolver
uma ampla capacidade para lidar com a atividade
matemática. Quando essa capacidade é potencializada
pela escola, a aprendizagem apresenta melhor resultado.
No entanto, apesar dessa evidência, tem-se buscado,
sem sucesso, uma aprendizagem em Matemática
pelo caminho da reprodução de procedimentos
e da acumulação de informações; nem mesmo a
ex­ploração de materiais didáticos tem contribuído para
uma aprendiza­gem mais eficaz, por ser realizada em
contextos pouco significativos e de forma muitas vezes
artificial.
É fundamental não subestimar a capacidade dos alunos,
reco­nhecendo que resolvem problemas, mesmo que
razoavelmente complexos, lançando mão de seus
conhecimentos sobre o assunto e buscando estabelecer
relações entre o já conhecido e o novo (BRASIL, 1997, p. 30).
146 UNIUBE

Assim, o PCN de Matemática nos esclarece a respeito da importância de


tais atividades para o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático
dos alunos.

EXEMPLIFICANDO!

Observe esse “adivinha”, a seguir:

Você dirige um ônibus com dezoito passageiros. Larga os dezoito e pega


mais doze e os leva até Vitória, chegando às 8h30 do dia seguinte. Qual é
o nome do motorista?

Você já observou que algumas pessoas ao começarem a fazer contas


se esquecem de ler atentamente o problema em questão? Afinal, qual é
a pergunta do problema?

Comentário: o nome do motorista é o seu nome, porque a pergunta


começa com “você”.

O exemplo citado acima também se aplica a muitas outras situações,


não só na ma­temática, mas em outras disciplinas também. Não raro nos
deparamos com situações em que o aluno explica algo a partir de uma
pergunta do professor, mas não atinge o ponto principal da pergunta, se
perdendo nas próprias explicações.

4.2 O homem e a aprendizagem do conhecimento lógico-


matemático

Em muitas situações cotidianas, determinadas pessoas não


conseguem ter um bom desempenho, como, por exemplo,
interpretar um gráfico, localizar um endereço, cumprir uma
atividade com prazo exato para terminar, dentre outros. Será que
se tivessem sido mais bem preparadas, atualmente, teriam essas
dificuldades?
UNIUBE 147

Ensinar Matemática não é apenas resolver cálculos frios, mas envolver o


aluno emo­cionalmente para que este saiba operar situações cotidianas.

Sugerimos que seja ensinado aos discentes a partir da prática do concreto


e do lúdico e que seja ”deixado de lado” a forma técnica e abstrata. Isso
permite o envolvimento mental e o desenvolvimento da aprendizagem;
a aquisição de confiança no seu próprio poder de raciocinar e ser capaz
de analisar e resolver situações-problema.

Nessa perspectiva, é essencial que a Matemática desempenhe seu papel


na formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento
e na rapidez do raciocínio.

Segundo os PCNs de Matemática,

[...] o fato de o aluno ser estimulado a questionar sua


própria resposta, a questionar o problema, a transformar
um dado problema numa fonte de novos problemas,
evidencia uma concepção de aprendizagem não só
pela mera reprodução de conhecimentos, mas pela via
da ação refletida que constrói conhecimentos (BRASIL,
1997, p. 45).

Outro ponto que deve ser enfocado é que, quanto mais o docente faz
uso de atividades lúdicas com a criança, mais ela é capaz de relacionar
fatos, ideias e tirar conclusões.

Percebemos que as crianças que tiveram oportunidade de praticar


relações co­merciais (compras, pagamentos, trocas) costumam ser mais
capazes de resolver problemas matemáticos envolvendo esses assuntos
do que as crianças que não tiveram tais experiências.

É justamente esta última ideia que tem motivado os educadores a


buscarem meios de fazer a criança explorar o mundo à sua volta.

Logo a seguir, uma sugestão de atividade a ser realizada com os alunos.


Na montagem de um minimercado, podemos ensiná-los, por exemplo,
a voltar troco, a verificar prazo de validade dos produtos, a ensinar a
preencher cheque, entre várias outras formas lúdicas de explorar tal
atividade (Figura 1).
148 UNIUBE

Figura 1: Atividade − montagem de um minimercado em sala de aula.

A matemática está presente em tudo e a criança pode explorar o mundo


à sua volta, porque as noções matemáticas aparecem com clareza nas
situações do cotidiano. Grande parte delas representadas por objetos e
atividades concretas, tais como mú­sicas, reportagens, contos, poesia,
textos contextualizados, jogos que necessitem de raciocínio lógico-
-matemático para serem resolvidos, facilitando, assim, a exploração pela
criança e um conhecimento mais significativo.

Mas o que é conhecimento lógico-matemático?

Segundo Borges (2003, p. 57):

Quando falamos em conhecimento lógico-matemático,


Abstração
estamos nos refe­rindo a uma ação do sujeito e
Ato ou efeito de a uma abstração reflexiva que permite a ele tomar
abstrair; devaneio; consciência das relações que estabelece tanto com
fantasia. os objetos quanto com os eventos do seu cotidiano. O
conhecimento lógico-matemático define­-se como uma
Reflexiva
invenção.
O que reflete;
ponderada.
UNIUBE 149

De fato, o conhecimento matemático não se consolida como um rol


de ideias prontas a serem memorizadas. Vai muito além disso. É um
processo significativo de ensino de tentativas de uma real aprendizagem.

4.3 A relação entre as fases do desenvolvimento humano e


o uso do material concreto

RELEMBRANDO

O desenvolvimento da inteligência de acordo com o caráter integrativo e que


pode ser considerado a idade de forma aproximada, podem ser classificados,
de acordo com Piaget, em:

• Estágio sensório-motor: vai do nascimento aos dois anos, aproximadamente.

• Estágio pré-operatório: de dois aos sete anos, aproximadamente.

• Estágio operatório concreto: de sete aos doze anos, aproximadamente.

• Estágio operatório formal: de doze anos em diante.

Estágio sensório-motor: nessa fase, que vai de zero a dois anos, logo após
os primeiros meses de vida, podemos observar que a criança já é capaz
de distinguir os objetos externos do próprio corpo. No ponto de vista do
desenvolvimento, irá ocorrer a organização psicológica básica em todos os
seus aspectos (perceptivo, motor, intelectual, afetivo e social). Do ponto de
vista do autoconhecimento, o bebê irá explorar seu próprio corpo, conhecer
seus vários componentes e sentir emoções e sensações. Nesse estágio, a
presença do adulto é fundamental, pois como uma criança poderá olhar e
seguir um objeto sem ninguém para sustentá-la ou acompanhá-la?

Por que, no estágio sensório-motor, é necessária a presença de


um adulto?

Por vários motivos, mas vamos nos deter agora na questão do


desenvolvimento cognitivo da criança. O adulto perto de uma criança
150 UNIUBE

realiza um papel de fundamental importân­cia, principalmente quando


esse adulto interage afetivamente, sabe observar e propor atividades que
agradem às crianças. Isso faz despertar o interesse pela aprendizagem,
além de trabalhar as emoções e os sentimentos delas.

Como a criança poderá imitar sons se não encontrar ninguém


para pronunciá-los? E se ela própria emitir sons casualmente,
como dar continuidade à comunicação?

RELEMBRANDO

Estágio pré-operatório: segundo Piaget, ele ocorre aproximadamente


entre dois e sete anos de idade. Depois de realizar diversas provas, que
demonstraram empiricamente, ausência do pensamento conceitual e das
noções de conservação e de invariância na criança. Neste estágio, há forte
tendência ao imediatismo e egocentrismo. Ressaltamos também que a
criança não tem noção da conservação.

EXPLICANDO MELHOR

Empiricamente: baseado em experiências.

Egocentrismo: referente ao próprio eu.

Imediatismo: sistema de atuar para a vantagem imediata.

Enquanto a criança ainda se encontra na fase pré-operatória, dificilmente


realiza operações reversíveis. Piaget realizou várias provas ao longo
de suas pesquisas no sentido de com­preender
Reversibilidade e comprovar isso. Observou, por exemplo, que
ao colocarmos um líquido em um recipiente
A reversibilidade
seria a capacidade transparente e colo­carmos o mesmo tanto de
de voltar, de retorno líquido em outro recipiente, também transparente,
ao ponto de partida.
mas de formato bem diferente do primeiro, ela não
perceberá a operação de reversibilidade.
UNIUBE 151

EXEMPLIFICANDO!

Ao perguntarmos para uma criança nessa fase se há o mesmo tanto de


líquido nos dois recipientes, ela pensará que há mais líquido em um do que
no outro recipiente, mesmo que façamos a operação na frente na criança.

RELEMBRANDO

Estágio operatório concreto: nessa fase, a criança tem noção de


conservação e o pensamento é descentralizado e reversível. Ela é capaz
de classificar a partir de várias características, seriar, utilizar mentalmente
os números e entender a conservação de quantidades, peso e volume. O
julgamento é conceitual e a inteligência da criança manifesta progressos
notáveis, porém com limitações.

EXEMPLIFICANDO!

Segundo o exemplo piagetiano, se despejarmos água de dois copos em


outros, de formatos diferentes, para que a criança diga se as quantidades
continuam iguais ou não, a resposta é afirmativa, uma vez que a criança já
diferencia aspectos e é capaz de “refazer” a ação, demonstrando, assim, a
reversibilidade do pensamento.

Para Borges (2003), a construção da inteligência operatória ocorre por


meio do contato com os objetos. Sendo assim, é imprescindível que
oportunizemos esse contato para as crianças se desenvolverem plenamente.

RELEMBRANDO

Estágio operatório formal: nesse estágio, a criança é capaz de abstrair. Ela


não se prende mais ao que visualiza imediatamente, aos objetos concretos
à sua volta, mas busca uma lógica para solucionar as questões que lhe são
apresentadas.
152 UNIUBE

EXEMPLIFICANDO!

Se dissermos para uma criança nesse estágio que “de grão em grão, a
galinha enche o papo”, ela trabalhará com a lógica da ideia, ou seja, a
metáfora e não com a imagem de uma galinha comendo grãos.

Piaget se preocupou mais com a psicogênese, ou seja, com os


mecanismos responsá­veis por fazer com que o indivíduo evolua de um
estado de menor conhecimento para um de maior conhecimento. Em
contrapartida, Vygotsky buscou saber como as funções psicológicas
naturais ou primárias constituíam-se em funções psicológicas superiores, a
partir da utilização das ferramentas culturais adquiridas pela aprendizagem.

Segundo Bruner (1978, p. 36), “o mais importante no ensino de conceitos


básicos é ajudar a criança a passar progressivamente do pensamento
concreto à utilização de modos de pensamento mais adequados”.

Nessa perspectiva, é essencial que seja desempenhado o real papel na


formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento
e na agilidade do raciocínio. Para o alcance desses objetivos, é
fundamental a interação entre a criança e o meio.

SINTETIZANDO...

Observamos, então, que há diferenças entre o estágio pré-operatório


(dois a sete anos, aproximadamente) e o estágio operatório (sete a doze
anos, aproximadamente). No estágio pré-operatório ocorre a ausência
da conservação e o pensamento é centralizado e irreversível; enquanto
no estágio operatório concreto e operatório formal há presença da noção
de conservação e o pensamento, aos poucos, vai se descentralizando e
tornando-se reversível.

Segundo Piaget, a criança utiliza uma lógica diferente em cada etapa de


sua vida. os estágios do desenvolvimento da criança aparecem em uma
ordem necessária. Esses estágios não podem ser interrompidos, pois um
estágio prepara o outro e é construído sobre o anterior. As idades em que
eles aparecem são relativas, pois o desenvolvimento de cada um depende
da interação do sujeito com seu meio.
UNIUBE 153

4.4 Há muito tempo o homem já jogava

Foi registrado por alguns pesquisadores que o primeiro jogo foi inventado
por Adão. Dizem que Adão juntava as pedras e separava as mesmas por
cores. Logo, observava os pássaros que voavam e separava uma pedra
para cada cor que via nas belas aves. O processo sempre recomeçava.
No início era só ele, mas ele quis uma companhia, fez um tabuleiro e
seu pedido foi atendido. Um de costas para o outro, cada qual co­brindo
visualmente um lado e anotando as cores.

Nesse momento o mundo dos jogos sofreu o primeiro impacto negativo,


visto que Eva, a companheira de Adão, logo enjoou daquele jogo. Desde
então, os problemas relacionados aos jogos
surgiram e ainda hoje eles são considerados a
base de sofrimento. Durante muito tempo o ato Casta

de jogar foi praticado secretamente apenas pelas Camada social


castas mais baixas da humanidade. hereditária em que
os indivíduos são
da mesma raça e se
De acordo com Almeida (1998), desde os tempos casam entre si.

remotos os jogos eram utilizados como forma de


motivar os alunos. Para ele, os humanistas começaram a perceber o
valor educativo dos jogos e, assim, os colocaram em prática nos colégios
jesuítas. Na Grécia Antiga, Platão já afirmava que os primeiros anos de
uma criança devem ser ocupados com jogos educativos numa prática
matemática lúdica.

Na sua obra, o autor também comenta que os jogos sempre constituíram


uma forma de atividade inerente ao ser humano e que entre os
primitivos, por exemplo, a atividade de dança, pesca e lutas era tida
como de sobrevivência, ultrapassando muitas vezes o caráter restrito do
divertimento e prazer natural.

Após essas reflexões, podemos perceber o quanto o assunto “jogo


associado à apren­dizagem” já vem sendo caracterizado como uma
atividade de suma importância para todos nós, no que tange ao
desenvolvimento de nossas capacidades e habilidades.
154 UNIUBE

Uma crítica feita por Miranda (2001, p. 23) nos faz um alerta. O autor
comenta que no transcurso da nossa história da educação muitos autores
não defendem a união entre aprendizagem e prazer. Ele explica que “[...]
a brincadeira é boa porque é natureza pura representada pela criança.
Tornar a brincadeira um suporte pedagógico é seguir a natureza”.

É importante ressaltarmos que as brincadeiras sofrem modificações ao


longo da his­tória, e que, para cada tempo histórico, há uma hierarquia de
valores que orientam o conjunto das experiências que alguém apreende
pela própria vivência. Tais experiências se refletem nas concepções
de criança e de seu brincar. No entanto, não podemos nos esquecer de
que toda a criança brinca independentemente de sua condição social,
cultural ou tempo histórico, e que a brincadeira ultrapassa as fronteiras
da imaginação e inibe quaisquer preconceitos.

4.5 O conhecimento lógico-matemático e o desenvolvimento


do raciocínio

Para estimular o raciocínio lógico-matemático do aluno, podemos contar


histórias e fazer perguntas para que se possa promover um levantamento
de respostas diferentes. Logo em seguida, percebemos que a resposta
é simples, mas podem surgir dúvidas na hora de esclarecer a questão.
Porém, para melhor compreensão, o uso da lógica é imprescindível.

EXEMPLIFICANDO!

Leia atentamente o desafio matemático e procure responder à pergunta a


seguir.

Uma mulher entrou em uma loja e comprou um par de sandálias por R$


60,00 e entregou uma nota de R$ 100,00 para pagar. Naquele momento,
o comerciante não tinha o troco e pediu que um de seus ajudantes fosse
trocar a nota numa sorveteria que ficava próxima. Recebido o dinheiro, deu
à freguesa o troco e o par de sandálias que havia sido comprado. Momentos
depois, entra na loja de sapatos o dono da sorveteria exigindo a devolução
do seu dinheiro dizendo que a nota era falsa. O comerciante viu-se obrigado
a devolver a nota de R$ 100,00 que havia recebido.

Surge, afinal, uma dúvida: Qual foi o prejuízo que o comerciante teve nesse
complicado negócio?
UNIUBE 155

SAIBA MAIS

O prejuízo do comerciante foi de R$ 40,00 e um par de sandálias. A resposta


é fácil, mas muita gente fica em dúvida, sem saber a resposta correta.
Porém, a partir do momento que se usar a lógica, ficará mais hábil e prático.

Sabemos que existe diferença entre “brincar por brincar” e brincar quando
se tem um objetivo a ser atingido.

Em uma linguagem simples e coloquial, Dinello (2007) fala sobre a


Expressão Lúdica na educação no período infantil, colocando-a como
função educativa. Ele nos convida a não interpretar o jogo como apenas
uma brincadeira, sem ter objetivos a serem atin­gidos, mas sim como algo
planejado com fins determinados.

PARADA PARA REFLEXÃO

Por que existe uma diferença entre a brincadeira como conduta livre e a
brincadeira como conduta lúdica?

Sabemos que o conhecimento lógico-matemático vai se desenvolvendo aos


poucos e que os jogos estão diretamente ligados a esse desenvolvimento
do conhecimento. Segundo os PCNs de Matemática
(BRASIL, 1997, p. 48), por meio de jogos, as crianças Analogia
não apenas vivenciam situações que se repetem,
Ponto de
mas aprendem a lidar com símbolos e a pensar semelhança entre
por analogia, assim, os significados das coisas coisas diferentes;
semelhança.
passam a ser imaginados por elas. Ao criarem essas
analogias, tornam-se produtoras de linguagens,
criadoras de convenções, capacitando-se para se submeterem a regras e
a dar explicações.

Além disso, passam a compreender e a utilizar convenções e regras


que serão empre­gadas no processo de ensino e aprendizagem. Essa
compreensão favorece sua inte­gração num mundo social bastante complexo
e proporciona as primeiras aproximações com futuras teorizações. Veja um
exemplo a seguir da estrofe retirada do poema “Dia de feira”, de Veneza (2003).
156 UNIUBE

Dia de feira

“[...] O vendedor é honesto


O freguês fica tranquilo
para cada mil gramas
eu cobro apenas um quilo”

O autor usa uma linguagem comum, como a usada pelos feirantes, em


um movimen­tado dia de feira.

AGORA É A SUA VEZ

Nesse sentido, pegue um jornal de supermercado e registre suas


descobertas encontradas nele que retrate comparações do tipo “mil gramas
é equivalente a um quilo”. Registre, entre outras observações, a comparação
entre peso e preço de um determinado produto.

Ao observar um jornal de supermercado, podemos comparar produtos de


meio quilo, o qual equivale a 500 gramas; outros produtos com 250 gramas,
enfim, podemos ainda observar as unidades que apresentarão medida de
capacidade e podemos ainda ana­lisar as mercadorias e seus respectivos preços.

Ana Teberosky e Beatriz Cardoso enfatizam que é através da narração de


contos que as crianças começam a entender a narração e a memorizar
os começos e os fins das histórias. É por esse motivo que elas sugerem
que os contos sejam narrados sempre da mesma maneira. Tais aspectos
ajudam as crianças a serem capazes de narrar por si só as histórias e, mais
para frente, facilitam-lhes a escrita (TEBEROSKY; CARDOSO, 2000, p. 84-85).

EXEMPLIFICANDO!

O trabalho com histórias não precisa se resumir à leitura e à interpretação.


As crianças são capazes de criar suas próprias histórias ou mudá-las de
acordo com o enfoque feito pelo orientador.

Por exemplo, ao contar a história de Os três porquinhos, pode-se falar que


encontrou outros sete porquinhos e então quantos ficaram?
UNIUBE 157

Agindo assim, estaremos propondo desafios para os alunos, indo além


da história contada, recriando outras situações.

Para Piaget, a criança constrói sua inteligência e


seu conhecimento enquanto interage com pessoas
e objetos. Quando nasce, a criança traz consigo a
capacidade de ser inteligente, mas essa inteligência
será construída na ação da criança sobre o mundo e do
mundo sobre a criança (REIS, 2004, p. 17).

Acreditamos que o educando possa ter sua capacidade estimulada ou


tolhida. Isso depende de o educador transmitir a seus alunos confiança
para que eles se expres­sem verdadeiramente e que as atividades
aplicadas sejam de acordo com a idade e a maturidade deles.

Esta concepção propicia ao educador uma prática com recursos variados:


dos mais simples aos mais elaborados; recursos estes que levam a criança
a trabalhar com diversas técnicas e materiais, ampliando o desenvolvimento
da capacidade de pensar, compreender e produzir conhecimento.

Existem infinitas atividades que demonstram a relação entre raciocínio


lógico e per­cepção espacial. Uma delas, sugerida aqui, é trabalhar
com colagem de materiais. A criança terá que se organizar mental e
espacialmente, imaginando o que fará, de acordo com os materiais
disponíveis e o tamanho do papel. Nesse tipo de situação, podemos
perceber que a criança, ao executar seu trabalho, é capaz de comparar
o resultado idealizado com seu real desempenho durante a realização
da atividade. Ela é capaz de perceber se vai precisar de uma quantidade
maior de material, de replanejar o projeto ou mesmo alterar toda a ideia
original. Em alguns casos, a criança não terá nenhum planejamento
prévio e terá noção do efeito só após o término da atividade.

Observe a sugestão de atividade a seguir, proposta por Reis (2004).


Considere que assim como a história de Os três porquinhos poderá sofrer
variações desafiadoras, as atividades propostas também poderão ser
modificadas, conforme a necessidade dos alunos.

Quando propomos para uma criança a separação de materiais para a


colagem em caixas ou potes, estamos propondo um trabalho com critérios
de classificação, auxiliando-a a desenvolver o raciocínio lógico-matemático.
A criança também estará trabalhando a percepção das formas e cores, ao
colar e criar a partir de formas geométricas ou do Tangram. Formas geométricas
158 UNIUBE

e cores são trabalhadas com o Tangram (também chamado de quebra-


cabeça chinês). A criança tem em mãos o desafio de criar com formas
geométricas que permitem seu encaixe, compondo inúmeras figuras.
As cores de cada peça podem ser determinadas pela própria criança.
O Tangram é um quebra­-cabeça formado por sete peças de formas
geométricas bem conhecidas (veja a Figura 2). São cinco triângulos, um
quadrado e um paralelogramo. Sua idade e seu inventor são desconhecidos.

Os materiais que serão utilizados para a atividade são:

• Tangram
• Folha sulfite
• Giz de cera
• Tesoura
• Cola

Como realizar a atividade:

Copiar um Tangram (veja a Figura 3) para cada criança. Você pode riscar
a figura e depois tirar cópia. Peça às crianças que pintem as diversas
partes do Tangram como preferirem, usando o giz de cera ou lápis de
cor. Depois de pintar, recortar todas as peças. Caso as crianças ainda
não trabalhem com a tesoura, o professor poderá cortar as peças (veja
as Figuras 2 e 3). Logo em seguida, peça a elas que imaginem o que
podem formar com as peças, que experimentem vários “arranjos” para,
depois, colá-las em uma folha ou cartolina. Peça a elas que completem
a colagem com desenho livre. Organize uma roda de conversa com
todos os alunos para que os trabalhos sejam socializados. Você também
poderá montar uma exposição ou mural com eles.

Figura 2: Tangram.
UNIUBE 159

Figura 3: Tangram − modelo básico.

Essa atividade também poderá ser realizada em grupos e a partir de um


tema proposto em sala de aula. Personagens e objetos também poderão
ser formados a partir das peças do Tangran. Com a demonstração
de algumas figuras geométricas, você pode associá-las ao cotidiano,
permitindo assim que sejam mais bem reconhecidas pelas crianças.

EXEMPLIFICANDO!

A casquinha do sorvete e o chapeuzinho de aniversário apresentam o formato


de cone; já a lata de extrato de tomate se assemelha ao cilindro; a roda de um
carro pode ser associada ao círculo e o dado é também um cubo.

A partir do trabalho com figuras geométrica planas, poderemos trabalhar a


construção de sólidos geométricos com as crianças (veja a Figura 4).

Figura 4: Dado fabricado a partir do cubo.

Outra sugestão é fazer a planificação das figuras geométricas, pois


essa atividade estimula a noção de espaço, a medida, a lateralidade,
a coordenação motora, entre outras. Assim, a criança irá aprender com
160 UNIUBE

mais prazer e alegria. Além disso, estaremos proporcionando para ela o


desenvolvimento de outras habilidades que a confecção dos materiais
oferece.

4.6 Os jogos como estratégia no ensino-aprendizagem

Os jogos desempenham uma função imprescindível no contexto


educacional. o aluno, ao brincar, apropria-se de um instrumento de
aprendizagem e desenvolve os aspectos emocional, afetivo e cognitivo.

Ao jogar, a criança fixa conteúdos já estudados, estimula o pensamento


criativo e fa­vorece a aquisição do conhecimento, de tal forma que
perpassam o desenvolvimento do educando.

Como aprender é construir significados e atribuir sentidos, as ações


representam mo­ mentos importantes do conhecer na medida em
que a criança realiza uma intenção. Entretanto, é fundamental o
estabelecimento de algumas limitações para a realização dos jogos.

Cabe a nós, como educadores, sermos cautelosos quanto à utilização


do lúdico e dos jogos com nossas crianças. Uma das formas de facilitar
o trabalho é organizar situações de aprendizagem nas quais os materiais
pedagógicos cumprem um papel de autoins­trução, quase como um fim
em si mesmo.

Segundo Piaget (1994), o jogo assume a característica de promotor


da aprendizagem da criança. Ao ser colocada diante de situações
de brincadeira, a criança compreende a estrutura lógica do jogo e,
consequentemente, a estrutura matemática presente neles. Para Piaget,
o professor seria uma peça importante do ensino, devendo estar sempre
atento para potencializar todas as situações da sala de aula, não recear
problemas difíceis, não temer a perda de tempo e incentivar os alunos
a pensarem e relacionarem objetos. Dentro da reflexão construtivista, a
aprendizagem é a alavanca do desenvolvimento.

Piaget foi um marco importante no estudo do conhecimento lógico-


matemático, defen­dendo que esse conhecimento estaria na origem de
todo o desenvolvimento cognitivo do sujeito, contribuindo muito com suas
pesquisas.
UNIUBE 161

Vale ressaltar que Jean Piaget cita, em diversas de suas obras, fatos
e experiências lúdicas aplicados em crianças e deixa transparecer,
claramente, seu entusiasmo por esse processo. Para ele, os jogos não
são apenas uma forma de desafogo ou entreteni­mento para gastar energia
das crianças, mas o meio que enriquece o desenvolvimento intelectual.

Segundo Piaget (1994 apud ALMEIDA, 1998), os jogos tornam-se mais


significativos à medida que a criança se desenvolve.

Os jogos são trabalhados, na maioria das vezes, levando-se em conta


qual habilidade se quer desenvolver e/ou o desenvolvimento cognitivo.

RELEMBRANDO

Podemos separá-los em:

Jogos de exercícios ou funcionais: são aqueles sugeridos para o


estágio sensório-motor (0 a 2 anos), pois são os primeiros a aparecer no
desenvolvimento infantil, ou seja, aqueles que a criança executa com seu
próprio corpo, mexendo as mãos, as pernas, balançando o corpo ou a
cabeça, aproximando objetos à boca, passando objetos de uma mão para
outra. Para tal, ela conquista através da percepção e dos movimentos todo o
universo que a cerca. Um exemplo é quando a criança começa a engatinhar.

Jogos de fixação ou jogos simbólicos: são sugeridos para o estágio


pré-operatório (2 a 7 anos), em que a criança brinca de faz de conta.
Implica a representação de um objeto ausente, um objeto imaginado, uma
representação fictícia de painéis e/ou cenas. Temos ainda os jogos de
construção, quando a criança explora uma determinada situação ou objeto,
refazendo inúmeras vezes o percurso: monta e desmonta, combina objetos
entre si. Nessa fase, o mais importante que acontece é o aparecimento da
linguagem, que irá acarretar modificações nos aspectos intelectual, afetivo e
social da criança. Como exemplo, podemos lembrar os jogos de treinamento.

Jogo simbólico não é um esforço de submissão do


sujeito ao real, mas, ao contrário, uma assimilação
deformada da realidade do eu (PIAGET, 1971, p. 29).
162 UNIUBE

Jogos de regras: são sugeridos para o estágio operatório (após os sete


anos), em que a regra resulta da organização coletiva das atividades
lúdicas e é uma regularidade construída e seguida pelo grupo social. Inclui
elementos sensório-motor associados à competição entre os indivíduos.
Nessa categoria de jogo, as regras podem ser repassadas ou podem
ser estabelecidas por acordo entre os participantes no momento em que
jogam. Aqui nesse estágio, constatamos que as funções psicológicas,
especificamente humanas, originam-se nas relações de indivíduo e seu
contexto mental, social e cultural. Como exemplo temos os jogos de
tabuleiro, memória, dominó, entre outros jogos estratégicos e virtuais que
promovem o desenvolvimento do raciocínio e da lógica do jogador.

Sabemos que o computador deve ser utilizado como uma ferramenta


educacional que complementa e aperfeiçoa a qualidade do ensino e
aprimora as habilidades do aluno. Estamos vivendo em uma época de muita
tecnologia em que cresce o número de informações disponíveis.

Segundo Veiga (2001), entender o binômio “computador e educação” é


perceber que o computador se tornou um instrumento, uma poderosa
ferramenta para a aprendizagem intelectual e cognitiva, levando o indivíduo
ao desabrochar das suas potencialidades, criatividade e inventividade.

PARADA PARA REFLEXÃO

Se levarmos em consideração o fato de a tecnologia estar cada dia mais


presente no cotidiano de adultos e crianças, então, por que não aproveitar
o computador também para criar?

Reis (2004) sugere atividades que podem ser realizadas no computador


por crianças de dois a seis anos de idade. Segundo a autora, o ideal para
esse tipo de atividade, para que surta o efeito desejado, é que os alunos
já tenham familiaridade com o manejo do computador. Devemos verificar
primeiramente se as máquinas que serão utilizadas possuem programas
que possibilitam a realização de desenhos, inserção de figuras, como o
Paint, entre muitos outros programas bem interessantes e que podem
ser adquiridos gratuitamente por meio de sites na internet.
UNIUBE 163

Poderemos pedir então que as crianças desenhem, insiram figuras,


modifiquem-nas e, quando o trabalho estiver pronto, é só imprimi-lo. Após
imprimir, podemos pedir que complementem os desenhos com colagens,
sucata, entre outros materiais; podem recor­tar pintar, colar em outra folha.
Mas se não quisermos imprimir, podemos preparar uma apresentação
em PowerPoint para que toda a turma veja os trabalhos uns dos outros.

SINTETIZANDO...

Ressaltamos que a criança apresenta características próprias de sua idade,


embora sofra várias influências do processo humano.

Os jogos educativos são produtivos aos professores e aos alunos, pois


ajudam na aprendizagem dos conteúdos matemáticos, entre outros
conteúdos também. Sua utilização auxilia no desenvolvimento da capacidade
de pensar, refletir e compreender conceitos com maior precisão, de uma
forma mais real e apropriada do conhecimento envolvido.

Para Borges (2003), resolver problemas e fazer contas são dois desafios
diferentes, pois desconhecer a técnica de se fazer cálculos escritos não
significa, em absoluto, não saber raciocinar e, muito menos, que não se
consiga encontrar estratégias para resolver problemas.

De acordo com os PCNs (BRASIL, 1997, p. 33), um problema matemático


pode não ter a disponibilidade de solução logo no início; no entanto,
é possível construí-lo. Resolver um problema pressupõe que o aluno:
“elabore um ou vários procedimentos de resolução (por exemplo,
realizar simulações, fazer tentativas, formular hipóteses); compare seus
resultados com os de outros alunos; valide seus procedimentos”.

O uso dos jogos como estratégia no ensino-aprendizagem permite que os


alunos te­nham situações desafiadoras para resolver problemas e permite,
ainda, trabalhar para elaborar estratégias de resolução. Podemos
observar a diversidade de comportamento das crianças para construir
meios para a vitória, como também as reações diante da derrota. Toda
derrota no jogo gera revolta, porém é nessa situação que o professor
deve intervir pacientemente e dar apenas sugestões verbais sem fazer
julgamentos. É necessário que o professor ajude o aluno derrotado
164 UNIUBE

a superar o sentimento de frustração e que este aprenda a construir


estratégias para uma próxima vitória.

Podemos tomar como exemplo o jogo de boliche. Uma das atividades


que se pode trabalhar com esse tipo de jogo é a tabuada. Seguem abaixo
algumas considerações sobre o jogo, segundo Reis (2004):

Podemos confeccionar o jogo com as crianças. Para tanto,


necessitaremos dos se­guintes materiais:

• 8 garrafas plásticas de refrigerante (pet) ou água mineral;


• 2 meias de náilon já gastas;
• Linha e agulha;
• Barbante;
• Jornal;
• Papel, caneta hidrocor;
• Fita adesiva.

Para confeccionar a bola, amasse o jornal e coloque-o até metade


da meia, apertando bem para que forme uma bola. Amarre a meia na
metade com o barbante e vire a parte que sobrou por cima da bola. O
professor terá que costurar a ponta da meia.

Para confeccionar as garrafas, basta numerá-las, colando em cada uma


números escri­tos de um a oito. Os números podem ser feitos de papel,
EVA, cartolina ou outro material.

O jogo consiste em derrubar as garrafas jogando a bola. Ao longo do


jogo, os pontos devem ser registrados em um quadro ou caderno.

Podemos também aproveitar a bola confeccionada para o boliche para


jogar com os alunos “bola ao cesto”. Basta pegarmos um balde, riscar
no chão um limite de distân­cia para as crianças se posicionarem e definir
quantas jogadas (chances) cada aluno terá para acertar a bola dentro
do balde. os pontos também podem ser marcados e somados no final.

As garrafas do boliche também podem ser utilizadas para o tradicional


“jogo de argolas” (veja a Figura 5).
UNIUBE 165

Figura 5: Jogo de argolas confeccionado com sucata.

O aluno joga uma argola de cada vez e realiza a operação matemática


com os números sorteados. A operação matemática a ser feita acontece
com a sugestão e intervenção do professor.

Grando (1995), citado em Passos (2006), afirma que a utilização dos


jogos implica vantagens e desvantagens que devem ser refletidas e
assumidas pelos professores.

As vantagens são: fixação de conceitos já aprendidos de uma forma


motivadora para o aluno; introdução e desenvolvimento de conceitos
de difícil compreensão; desenvolvi­mento de estratégias de resolução
de problemas (desafio dos jogos); aprender a tomar decisões e saber
avaliá-las; significação para conceitos aparentemente incompreensí­
veis; propicia o relacionamento das diferentes disciplinas; o jogo requer a
participação ativa do aluno na construção do seu próprio conhecimento;
favorece a socialização entre os alunos e a conscientização do trabalho
em equipe. A utilização dos jogos é um fator de motivação para os alunos;
entre outras coisas, o jogo favorece o desenvolvimento da criatividade, do
senso crítico, da participação, da competição “sadia”, da observação, das
várias formas de uso da linguagem e do resgate do prazer de aprender.

Como desvantagens, ele cita: quando os jogos são mal utilizados, existe
o perigo de dar ao jogo um caráter puramente aleatório, tornando-se um
“apêndice” em sala de aula. Os alunos jogam e se sentem motivados
apenas pelo jogo sem saber por que jogam; o tempo gasto em atividades
de jogo em sala de aula é maior e, se o professor não estiver preparado,
pode existir um sacrifício de outros conteúdos pela falta de tempo; as
falsas concepções de que se devem ensinar os conceitos através de
jogos. Então as aulas se transformam em verdadeiros cassinos, também
166 UNIUBE

sem sentido algum para o aluno; a perda da “ludicidade” do jogo pela


interferência constante do professor, destruindo a essência do jogo;
coerção do professor, exigindo que o aluno jogue, mesmo que ele não
queira, destrói a voluntariedade pertencente à natureza do jogo.

Observamos o fato de que o jogo somente despertará habilidades se, ao


ser construído e aplicado pelo professor, for também planejado para não
se tornar um “jogo por jogo”.

Os jogos e brincadeiras vêm assumindo um papel cada vez mais essencial


no contexto educacional. Sabemos que cabe a nós, como educadores,
sermos cautelosos quanto à utilização do lúdico com nossas crianças.

4.7 Relação entre lúdico e jogos

O jogo é uma prática que auxilia o desenvolvimento infantil, constrói


e potencializa o conhecimento. Ludicidade e jogo são a combinação
ideal, pois por meio dessa parceria é dada à criança a possibilidade de
uma participação ativa e natural, em que a natureza lúdica e prazerosa,
inerente a diferentes tipos de jogos, tem servido de argumento para
fortalecer essa concepção.

Através do uso de jogos e atividades lúdicas, podemos ter mais


compreensão, assimi­lação e fixação dos conteúdos pedagógicos. Seu
uso permite ainda o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático,
da autonomia e da observância às regras, além de estimular a
competitividade construtiva e a criatividade.

Para isso, é necessário que o docente tenha conhecimento da importância


da escolha de estratégias e do jogo mais adequado para sua turma,
considerando a idade e as características delas. Somente assim pode
explorar situações-problemas geradas pela própria característica dos
jogos e do uso do material concreto; fazer um trabalho de socialização
beneficiando os discentes cognitivamente.
UNIUBE 167

EXEMPLIFICANDO!

A fita métrica torna-se um excelente material didático para auxiliar no


desenvolvimento lógico-matemático das crianças. o aluno poderá construir sua
fita e a própria confecção dela já se torna um excelente exercício (Figura 6).

Basta riscar em um papel, utilizando uma régua, as tiras para a montagem


da fita com as marcações dos centímetros. Depois disso, o aluno recorta as
tiras colando-as, formando, assim, a fita. De posse dela, ele poderá medir
vários objetos em sala de aula, como sua carteira, a altura da cadeira, a
largura da porta da sala, entre outros materiais.

Figura 6: Fita métrica feita de papel.

Segundo Bruner (1978), o mais importante no ensino de conceitos básicos


é ajudar a criança a passar progressivamente do pensamento concreto à
utilização de modos de pensamento mais adequados.

Para Danyluk (1998), o processo da aquisição da escrita em Matemática


é altamente complexo, abrangendo a compreensão, a interpretação e a
comunicação de idealidades matemáticas. Nessa perspectiva, ressaltamos
que a Matemática pode ser ensinada através de contos, poesias, músicas,
brincadeiras, cantigas de roda, enfim, algo que motive os alunos.

Entre outras relações entre ludicidade e jogos, podemos destacar que


ambos favorecem o desenvolvimento da criatividade, do senso crítico,
propicia a construção do trabalho em equipe e requer participação ativa
do aluno na construção do seu próprio conhecimento.

Para demonstrar a relação entre o lúdico e jogos, Borges (2003) sugere


também uma série de atividades em que o professor poderá trabalhar
a noção de quantidade, fazendo o uso da música, de forma alegre e
prazerosa para o aluno. Observe os exemplos a seguir:
168 UNIUBE

Um elefante incomoda muita gente/ Dois elefantes incomodam muito mais...

O meu chapéu tem três pontas/ Tem três pontas o meu chapéu...

Coelhinho da páscoa/ Que trazes pra mim/ Um ovo, dois ovos/ Três ovos assim...

Com essas cantigas folclóricas podemos realizar com as crianças uma


série de brinca­deiras que auxiliam no desenvolvimento de habilidades
psicomotoras.

Como pode um peixe vivo viver fora da água fria...

Escravos de Jó jogavam caxangá...

Eu entrei na roda. Ai, eu não sei como se dança...

Existem cantigas que exploram a contagem. Observe o exemplo e veja


se você já escutou alguém cantarolá-las:

A galinha do vizinho/ Bota ovo amarelinho/ Bota um, bota dois/ Bota três,
bota mil... Um, dois/ Feijão com arroz/ Três, quatro/ Feijão no prato...

Jogos como amarelinha, peteca, pular corda, Maria Viola, entre outros,
dão a oportuni­dade de trabalharmos com as crianças diversas habilidades
ao mesmo tempo.

EXEMPLIFICANDO!

Maria Viola

Uma criança, de costas para o grupo, joga uma bola pequena, que deverá
ser pega e escondida, com as mãos para trás, ao que todos dizem: Maria
Viola, com quem está a bola? Ela deverá adivinhar. Acertando, joga
novamente. Errando, será a “Maria Viola” quem estiver com a bola.

Resgatar brincadeiras e jogos presentes em nossa cultura pode se tornar


uma tarefa prazerosa junto às crianças. Além disso, auxiliamos para que
essa memória cultural não se perca no tempo.
UNIUBE 169

4.7.1 Jogando com as crianças na educação infantil

Prazer e alegria não podem se dissociar. O desenvolvimento da criança


se dá a partir de atividades lúdicas, pois os jogos funcionam como uma
forma de equilíbrio entre a criança e o mundo.

Brincar é uma das atividades fundamentais para o


desenvolvimento da identidade e da autonomia. O fato
de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar
por meio de gestos, sons e mais tarde represen­
tar determinado papel na brincadeira faz com que
ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras as
crianças podem desenvolver algumas capacidades
importantes, tais como a atenção, a imitação, a
memória e a imaginação. Amadurecem também
algumas capa­cidades de socialização, por meio da
interação e da utilização e experimentação de regras e
papéis sociais (BRASIL, 1998, p. 22).

A brincadeira sempre esteve presente na vida do homem, dos mais


remotos tempos até os dias de hoje, porque a brincadeira nada mais é
do que o ato de brincar com um brinquedo ou mesmo um jogo. No início
a criança brinca apenas com o objetivo de se comunicar e desenvolver
sua imaginação. À medida que ela amadurece, a brincadeira passa a ser
um objeto de socialização dela com o meio.

Em seu livro A criança em idade pré-escolar, Borges (2003, p. 39)


cita o RCNEI (BRASIL, 1998), que propõe um trabalho que leve em
consideração a importância da expressão em diferentes linguagens
e também sobre o aprender brincando em situações diversificadas,
salientando a importância do referencial como fonte de consulta para
nortear o trabalho do professor. Muitas brincadeiras estão intimamente
relacionadas ao desenvolvimento neuropsicomotor.
170 UNIUBE

EXEMPLIFICANDO!

1. Relaxamento e estimulação das d) Corrida do copo d'água


sensações musculares, táteis e articu-
latórias e) Corrida do saco

a) Imitar animais f) Encher garrafas

b) Brincar de estátua g) Queimada

c) Passar anel
3. Atividades neuropsicomotoras
d) Cabra-cega complexas envolvendo todas as
áreas do desenvolvimento.
2. Atividades de coordenação motora
geral, equilíbrio, coordenação espaço- a) Pique-esconde
temporal coordenação visomotora, lateri-
dade, estimulação sensorial. b) Amarelinha

a) Pular corda c) Cabo de guerra

b) Dança da cadeira d) Peteca, basquete, fazer e


soltar pipas
c) Corrida do ovo ou da batata

Segundo Borges (2003, p. 93), na Educação Infantil, “nas relações lógico-


-matemáticas como os objetos, os conceitos temporais e a nomenclatura
que os acompanha, deverão estar apoiados nas ações concretas e
vivenciados pela criança”.

AGORA É A SUA VEZ

Pense em uma atividade lúdica que propicie a vivência da relação temporal


e que poderá ser realizada com crianças da Educação Infantil.

Registre em seu caderno, troque ideias com seus colegas de turma.

Sugerimos reproduzir sequências criadas com materiais concretos,


observando os conceitos de primeiro, segundo e último; criar um quadro
com os dias da semana, com espaço suficiente para registro de fatos
marcantes, entre outras possibilidades.
UNIUBE 171

Existe um material concreto muito utilizado nas escolas conhecido como


blocos lógi­cos (veja na Figura 7). Esse material pode ser encontrado
nas versões em madeira ou material emborrachado. Ele consiste em
um conjunto de 48 figuras geométricas com quatro formas (círculo,
quadrado, triângulo e retângulo), dois tamanhos (grande e pe­queno)
e duas espessuras (fino e grosso), nas cores: vermelho, amarelo e
azul. Sua função é dar às crianças a chance de realizar as primeiras
operações lógicas, como correspondência e classificação de conceitos
que, para nós, adultos, são automáticos quando pensamos nos números.
Diversas atividades podem ser planejadas para as séries iniciais, a fim
de desenvolver as habilidades de comparação e classificação, que são
dois processos mentais básicos na aprendizagem de matemática.

Figura 7: Blocos lógicos

4.7.2 Jogando com as crianças dos anos iniciais do Ensino


Fundamental

Não podemos esquecer dos primeiros anos do Ensino Fundamental. Para


Borges (2003), o número, como um conhecimento lógico-matemático,
precisa ser compreen­dido pela criança e, nesse sentido, os jogos se
constituem em uma excelente estraté­gia. Muitas práticas educativas tendem
a confundir a ideia de número (conhecimento lógico-matemático) com a
ideia de numeral (conhecimento social) e os jogos auxiliam as crianças
nessa diferenciação. Entre várias possibilidades, a autora sugere o dominó,
o baralho, a utilização da música marcando quantidade e também as
brincadeiras com jogos folclóricos, que explorem a contagem, entre outros.

Em relação ao conceito número-numeral, podemos aplicar todos os jogos


de regras que levem a criança a contar em sequência; observá-la e saber
172 UNIUBE

consultar a série numérica escrita, tais como régua, fita métrica,


calendário, entre outros. Comparar e produzir escritas numéricas a partir
da constatação delas em revistas, embalagens, telefones, numeração
das casas, placas de carro, relógios, calendário, folhetos de propaganda,
resolver problemas em que apareçam noções de agrupamento e
subtração e ensinar a tabuada usando músicas.

De acordo com os PCNs de Matemática, “um aspecto relevante nos jogos


é o desafio genuíno que eles provocam no aluno,
Genuíno que gera interesse e prazer” (BRASIL, 1997, p.
Autêntico; real;
49). Logo, é necessário que os jogos aconteçam
legítimo. de forma organizada dentro do âmbito escolar.

Sabemos que os profissionais encontram dificuldades em integrar jogos


nos conteúdos programáticos e que não seguem uma linha teórica
específica, visto que utilizam como referencial seu trabalho diário. Outra
questão é o procedimento metodológico, pois cada professor adota um tipo
de procedimento para acompanhar o desenvolvimento de suas atividades.

Conceber o jogo como atividade apenas de prazer e diversão, negando


seu caráter educativo, é uma concepção ingênua e sem fundamento.
Agora, se o jogo representa uma situação-problema a ser resolvida pela
criança e a solução deve ser construída por ela mesma, não faz sentido
brincar por brincar, sem adquirir conhecimento.

Os jogos trabalham a socialização, a cooperação e


a percepção da necessidade de estabelecer e seguir
regras. Jogando, a criança de­senvolve estratégias,
antecipa fatos e trabalha o raciocínio. A grande maioria
dos jogos e brincadeiras trabalha com conceitos
matemáticos: longe/perto, muito/pouco, dentro/fora,
sequência numérica, noção de espaço e quantidade,
portanto, eles podem (e devem) ser usados com
essa finalidade também. Ao fazer times para uma
brincadeira, problematize a situação: pergunte às
crianças como será dividida a classe, quantas crianças
farão parte de cada time, quanto material será
necessário, quantos pontos cada membro da equipe
fez e quantos pontos foram feitos no total, quem fez
mais e menos pon­tos. É importante não estimular a
competitividade entre as crianças, lembrando que o
importante é brincar (REIS, 2004, p. 29).
UNIUBE 173

A seguir sugerimos algumas ideias e práticas que podem ser realizadas


com crianças nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Material dourado de Montessori: é destinado a atividades que auxiliam


o ensino e a aprendizagem do sistema de numeração decimal-posicional
e dos métodos para efetuar as operações fundamentais. Com o Material
dourado (veja Figuras 10 e 11), as relações numéricas abstratas passam
a ter uma imagem concreta, facilitando a compreensão. Ele faz parte de
um conjunto de materiais idealizados pela médica e educadora italiana
Maria Montessori. É constituído por cubinhos, barras, placas e “cubão”.

O cubão representa o milhar, ou seja, mil unidades. A placa representa


a centena, ou seja, cem unidades. A barra representa a dezena, ou seja,
dez unidades. O cubinho representa uma unidade (veja Figura 8).

Figura 8: Material dourado.

Podemos mostrar aos alunos que se pegarmos dez cubinhos, ou seja,


dez unidades, teremos uma barra (veja a Figura 9).

Figura 9: Material dourado.

Agora, podemos perceber que dez barras com dez unidades cada
correspondem a uma placa com cem unidades (veja a Figura 10).
174 UNIUBE

Figura 10: Material dourado.

E, finalmente, com dez placas com cem unidades cada uma, podemos
representar o “cubão” com mil unidades (veja a Figura 11).

Figura 11: Material dourado.

Segundo kishimoto (2005, p. 84), devemos levar em consideração que


“o importante é entender e levar em consideração o que cada jogo ou
brincadeira pode ensinar. os estudos apontam que todo tipo de regra, em
qualquer brincadeira, jogo ou até mesmo esportes, ajuda na maturação
do raciocínio e do pensamento lógico”.

Com o Material dourado, podemos realizar diversas atividades lúdicas


com as crianças; fazer uma roda e propor desafios, reuni-las em grupos
e com a utilização de dados. Podemos propor jogos diferentes, entre
muitas outras possibilidades.
UNIUBE 175

4.8 Um jeito diferente de ver a matemática

É necessário compreender o significado da Matemática na nossa vida


porque ela está presente a todo momento. Voltar um troco, calcular o
aumento de salário ou até mesmo entender questões relacionadas ao
país, tais como inflação e mudanças no sistema monetário, poderão ser
mais bem entendidas quando aprendemos a desenvolver as habilidades
nos conteúdos matemáticos.

Reflita como a Matemática está presente no seu cotidiano e peça para


seu aluno ve­rificar ao seu redor que em inúmeras situações poderá
vivenciá-la (Figuras 12 a 15).

Figura 12: padrão de apartamento. Figura 13: Placa do veículo.

Figura 14: Numeração de residências. Figura 15: Numeração de telefone

Esses exemplos são apenas uma mostra da diversidade possível de se


vivenciar no cotidiano de qualquer criança. Outros exemplos interessantes
são o preço contido nas embalagens, as quantidades expressas nessas
mesmas embalagens, os diferentes portadores de textos de sinalização,
as placas indicativas e muitos outros elementos que permeiam as
experiências de todos nós.
176 UNIUBE

Assim, podemos também pensar outras maneiras de apresentar ao


nosso aluno con­ceitos matemáticos. Vejamos o exemplo das olimpíadas.

A participação em olimpíadas e feiras de conhecimentos é imprescindível


na prática pedagógica, pois propicia o contato do aluno com a realidade
cotidiana, favorecendo assim o conhecimento integrado com diversas áreas.

Ao participar de feiras culturais, o aluno tende a se envolver ao


máximo. Sua dedicação envolve os aspectos físico, cultural, intelectual
e emocional, criando um fator motivador bastante interessante para o
processo de aprendizagem matemática.

Essa é uma forma interessante de trabalho, pois nesses eventos eles


se sentem mo­tivados, participantes de todo o processo de realização da
atividade. Devemos deixar os alunos demonstrarem suas habilidades e
seus conhecimentos, auxiliando-os no desenvolvimento da sua capacidade
criadora e também da construção de uma autoi­magem positiva.

O contato com materiais concretos é um fator essencial para o


aprendizado, para que o aluno perceba o quanto a Matemática faz parte
de nossas vidas. Por meio de maquetes, eles podem construir e ter noção
de espaço e medidas, além de aprender a calcular facilmente o perímetro
e a área de figuras planas e assim compreender mais facilmente esses
conceitos. Outros materiais descartáveis devem fazer parte de nossas
aulas, tais como: caixas, garrafas, latas, entre outros.

Com o uso de materiais concretos fica mais fácil trabalhar com medidas
de proporção e semelhança de objetos em um estágio mais avançado.
Alguns materiais podem ser fabricados pelo próprio professor ou mesmo
pelo aluno. Podem ser de madeira, papelão ou outro material que dê o
efeito desejado.

Aqui estão alguns recursos que podem ser utilizados para aplicação de
conceitos ma­temáticos. Podemos trabalhar com o conceito de fração com
blocos de madeira (veja a Figura 16).
UNIUBE 177

Figura 16: Blocos de madeira.

Podemos trabalhar com os sólidos geométricos, mostrando o que é face,


arestas, ân­gulo, entre outros aspectos, com caixas de papelão (veja a
Figura 17).

Figura 17: Paralelepípedo ou bloco retangular.

A interdisciplinaridade permite uma ligação entre o fazer e o compreender.


Por meio dela podemos trabalhar noções de lateralidade e espaço, ordem
crescente e decrescente e medidas comparativas.

A educação tradicional privilegiava fórmulas para se decorar os


conteúdos em detrimento de práticas de desenvolvimento do raciocínio,
assim as cópias e o “siga o modelo” eram estratégias metodológicas
usuais. Atualmente, há um “novo olhar para o ensino de matemática”, e
dessa maneira conseguimos despertar o interesse dos nossos alunos
com interessantes atividades aplicadas em sala de aula. Uma das formas
relevantes para tal objetivo é trabalhar com problemas matemáticos
contextualizados.
178 UNIUBE

Veja a seguir um exemplo:

Como é possível um pai, cujo peso é de 90 kg e seus filhos de 30 e 50 kg,


respectiva­mente, atravessarem um rio, usando um barco se este suporta
no máximo 90 kg?

Comentário: Primeiro vão os dois filhos juntos, 30 e 50 kg; fica uma criança
e volta a outra, ficando do outro lado aguardando; vai o pai e atravessa;
volta um filho e busca seu irmão, ficando todos do outro lado e atingindo o
objetivo de ter todos atra­vessado o rio sem que o barco tenha se afundado,
pois não houve sobrecarga de peso.

Sugerimos, ainda, para um trabalho diversificado e lúdico, o desenvolvimento


de alguns jogos, como veremos a seguir.

Caixa mágica

O desafio consiste em abri-la e, para tal, o aluno deverá desco­brir, por


meio de ensaios, em qual local deverá empurrar uma das laterais, para
que ela se abra. Esse jogo é indicado para o trabalho com crianças da
Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental (Figura 18).

Por meio dessa atividade, a criança manipula o


Face objeto, per­cebendo as diferentes faces, ângulos,
Elemento de uma arestas, vértices e reentrâncias dela.
forma espacial.

Ângulo

Figura formada por


duas semirretas de
mesma origem.

Aresta

Segmento de reta
comum a duas
faces em sólido
geométrico. Figura 18: Caixa mágica.
Vértice
Dominó da multiplicação
Ponto comum de
lados e de arestas.
O dominó é um jogo que propicia a percepção do
uso concreto da tabuada, de maneira divertida
(Figura 19). É ainda um momento precioso de socialização com as crianças
dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
UNIUBE 179

Há também diversas cantigas que podem ser usadas na aprendizagem


da tabuada, propiciando a diversidade de estratégias para o ensino.

Figura 19: Dominó da multiplicação.

Boliche das operações matemáticas

Construído a partir de materiais reciclados e de sucata, o boliche das


operações mate­máticas é muito interessante no dia a dia escolar e as
crianças podem colaborar na sua confecção, proporcionando também
outras aprendizagens, como cooperação, regras e divisão do trabalho
em grupo (Figura 20).

Figura 20: Boliche das operações matemáticas.

O professor pode diversificar o boliche com as quatro operações


matemáticas com diferentes graduações de dificuldades, de acordo com
a idade e a aprendizagem de seus alunos.
180 UNIUBE

Dominó das figuras geométricas

Figura 21: Dominó das figuras geométricas.

Nesse dominó, o intuito é identificar as figuras geométricas e associá-las


a outras formas que se apresentem, de maneira lúdica.

4.9 Conclusão

A utilização de material concreto, a resolução de problemas de forma


contextualizada e a aplicação de jogos em sala de aula oportunizam
a cooperação mútua e a participação do professor e alunos à busca
incessante de elucidar o problema proposto.

Essas estratégias metodológicas para o ensino da Matemática auxiliam


na assimilação e na fixação dos conceitos e conteúdos mais significativos
para os alunos. Porém, é importante que o professor prepare suas
aulas, pois um bom planejamento é fator determinante para uma real
aprendizagem.

Para Miranda (2001, p. 23):

Prazer e alegria não se dissociam jamais. O “brincar” é


incontesta­velmente uma fonte inesgotável desses dois
elementos. O jogo, o brinquedo e a brincadeira sempre
estiveram presentes na vida do homem, dos mais
remotos tempos até os dias de hoje, nas mais variadas
manifestações (bélicas, filosóficas, educacionais). O
jogo pressupõe uma regra, o brinquedo é o objeto manipulável
UNIUBE 181

e a brinca­deira nada mais é que o ato de brincar com


o brinquedo ou mesmo com o jogo. Jogar também é
brincar com o jogo. O jogo pode existir por meio do
brinquedo, se os brincantes lhe impuserem regras.
Percebe-se, pois que jogo, brinquedo e brincadeira têm
conceitos distintos, todavia estão imbricados; e o lúdico
abarca todos eles.

O lúdico propicia uma situação favorável ao interesse pela matemática


e, consequente­mente, sua aprendizagem, desde a Educação Infantil,
trilhando um importante caminho para os anos iniciais do Ensino
Fundamental.

É importante ressaltar que quando fazemos uso de atividades lúdicas com


a criança, ela demonstra suas necessidades e interesses espontaneamente
e desenvolve o raciocínio dedutivo lógico de forma natural e prazerosa.

Acreditamos que os estudos e as experiências apresentados neste


capítulo contribuem para uma prática diferenciada, despertando em nossas
crianças um novo olhar sobre a Matemática.

Resumo

Neste capítulo você foi convidado a repensar a importância do uso de


jogos e atividades lúdicas para a construção do processo de formação
do raciocínio lógico-matemático na Educação Infantil e nos anos iniciais
do Ensino Fundamental.

Dividimos o estudo em três partes distintas, para facilitar a compreensão


da proposta apresentada. Inicialmente abordamos a conceituação
do conhecimento lógico-mate­mático e sua relação com os jogos, em
seguida, discutimos a importância do uso dos jogos como estratégia
na resolução de problemas cotidianos e na formação do indiví­duo.
Finalizando este nosso estudo, trouxemos uma reflexão sobre a distinção
entre os vários tipos de jogos indicados para a Educação Infantil e para
os primeiros anos do Ensino Fundamental.

Ao explorar o contexto em que ocorre a relação entre o conhecimento


lógico-matemático e os jogos, pudemos compreender que ambos não
182 UNIUBE

se dissociam, pois por meio dos jogos e das atividades lúdicas ocorre
o caminho perfeito para a construção do processo de formação do
raciocínio lógico-matemático.

E assim buscamos consolidar a importância do uso dos jogos como


estratégia meto­dológica, para a resolução dos problemas cotidianos
e da formação do indivíduo, nos aspectos: cognitivo, motor, social e
cultural, tendo como ponto de apoio a utilização de materiais concretos
no desenvolvimento de atividades lúdicas.

Finalmente, vamos apresentar e discutir diferentes sugestões de jogos


e brincadeiras, que podem ser construídos pelo professor, com a
colaboração de seus alunos, pro­curando indicar sua utilização de acordo
com a fase de desenvolvimento da criança.
Esperamos que seu estudo seja lúdico e prazeroso e que você
compreenda a relação entre o desenvolvimento do raciocínio lógico-
-matemático e a utilização dos jogos e das brincadeiras, como prática
pedagógica possível e desejável.

Atividades

Atividade 1

Ter raciocínio ágil é importante. Segundo Bruner (1978, p.12),

[...] o pensamento intuitivo e o treinamento dos


palpites é algo des­prezado e essencial do pensamento
produtivo, não apenas nas dis­ciplinas acadêmicas
formais, como na vida cotidiana [...]. Ele afirma que
as adivinhações e tentativas contribuem para um
pensamento rápido em qualquer que seja o campo.

A adivinhação sagaz, a hipótese fértil, o salto arrojado para uma


conclusão tentativa − essa é a moeda mais valiosa do pensador em
ação. Nesse sentido, poderá a criança em idade escolar conquistar esse
dom? Comente essa frase.
UNIUBE 183

Atividade 2

Ao longo da leitura deste capítulo, você estudou a respeito da importância


do uso dos jogos como estratégia para o desenvolvimento do raciocínio
no contexto educacional. Leia com atenção as afirmativas que se
seguem. Escreva, nos parênteses ao lado de cada afirmativa, “V”, se for
verdadeira, e “F”, se for falsa.

I - ( ) Favorece o desenvolvimento da criatividade e do senso crítico.


II - ( ) Dificulta o trabalho em equipe.
III - ( ) Propicia o relacionamento das diferentes disciplinas.
IV - ( ) Ajuda as aulas a se transformarem em verdadeiros cassinos.
VI - ( ) Motiva os alunos e desenvolve estratégias para a resolução
de problemas.

A sequência correta está contida em:


a) ( ) V, F, F, F, V
b) ( ) V, F, V, F, V
c) ( ) F, V, V, F, V
d) ( ) F, V, F, V, F
e) ( ) V, V, F, V, F

Atividade 3

Você estudou sobre o uso da lógica no cotidiano. De acordo com a


definição dos PCNs de Matemática, vimos que:

[...] o fato de o aluno ser estimulado a questionar sua


própria resposta, a questionar o problema, a transformar
um dado problema numa fonte de novos problemas,
evidencia uma concepção de aprendizagem não só
pela mera reprodução de conhecimentos, mas pela via
da ação refletida que constrói conhecimentos (BRASIL,
1997, p. 45).

Nesse sentido, reflita a respeito de quantas situações do dia a dia não


conseguimos desempenhar com agilidade porque não desenvolvemos
habilidade de raciocinar. Escreva um pequeno texto com suas reflexões
sobre isso.
184 UNIUBE

Atividade 4

Leia o trecho extraído do PCN de Matemática:

O fato de o aluno ser estimulado a questionar sua


própria resposta, a questionar o problema, a transformar
um dado problema numa fonte de novos problemas,
evidencia uma concepção de aprendizagem não só
pela mera reprodução de conhecimentos, mas pela via
da ação refletida que constrói conhecimentos (BRASIL,
1997, p. 45).

Nesta perspectiva, qual é o procedimento sugerido para ser usado com o


aluno da Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental,
a fim de auxiliá-lo na construção do seu próprio conhecimento?

Atividade 5

Para estimular o raciocínio lógico-matemático do aluno, podemos contar


histórias e fazer perguntas para que se possa promover um levantamento
de respostas diferentes. Logo em seguida, percebemos que a resposta
é simples, mas podem surgir dúvidas na hora de esclarecer a questão.
Podemos também expor uma poesia, por exemplo, e a seguir sugerir que
o aluno a reescreva usando termos matemáticos.

Seja criativo e aponte uma sugestão. Escolha uma poesia que você
conhece ou pes­quise, enfim, registre-a, mudando o poema, usando
termos matemáticos.

Referências

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e jogos pedagógicos. Rio de Janeiro: Loyola, 1998.

ANTUNES, Celso. O jogo e a educação infantil. Petrópolis: Vozes, 2003.

BORGES, Teresa Maria Machado. A criança em Idade pré-escolar:


desenvolvimento e educação. Rio de Janeiro: Editora Vitória, ed. rev. e atual. 2003.
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Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais,
1ª a 4ª séries: Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

______. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular


Nacional para a Educação Infantil/Formação Pessoal e Social
e Conhecimento de Mundo, volumes 2 e 3. Brasília, 1998.

BRUNER, J. S. o. O processo da educação. São Paulo: Nacional, 1978.

BORIN, Júlia. Jogos e resolução de problemas: uma estratégia para as


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DINELLO, Raimundo Angel. Expressão ludocriativa. Uberaba: Universidade


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GRANDO, R. C. A. O jogo e suas possibilidades metodológicas no processo


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KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Revista Galileu, p. 84, abr. 2005.

LIMA, Adriana Flávia S. de oliveira. Pré-escola e alfabetização: uma proposta


baseada em P. Freire e J. Piaget. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1993.

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REIS, Sílvia Marina Guedes dos. 150 ideias para o trabalho criativo com
crianças de 2 a 6 anos. 3. ed. Campinas: Papirus, 2004.

TEBEROSKY, Ana; CARDOSO, Beatriz (orgs.). Reflexões sobre o ensino


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VEIGA, M. S (2001). Computador e Educação: uma ótima combinação. In:


Bello, JLP. Pedagogia em Foco. Petrópolis. Disponível em: <http://www.ped
agogiaemfoco.com.br>.

VENEZA, Maurício. Dia de feira. São Paulo: Saraiva, 2003.


Capítulo Alfabetização matemática I
5

Denise Cristina Ferreira Gomes

Introdução
Este capítulo perfaz um rápido percurso por alguns tópicos
essenciais para a compreensão do que venha a ser alfabetização
matemática. Em um primeiro momento, estudaremos a relação
entre alfabetização e alfabetização matemática, envolvendo
alguns questionamentos: o que é estar alfabetizado? E estar
matematicamente alfabetizado? Você terá a oportunidade de
perceber o quão abrangente é a alfabetização matemática.

Para isso, precisamos conhecer um pouco da própria


matemática, a filosofia, a lógica, o raciocínio lógico-matemático e,
principalmente, como seu conhecimento se processa. E ainda a
contribuição dos estudos de Piaget, de Vygotsky e de Vergnaud,
para a compreensão do número em seus vários aspectos.

A partir daí, o enfoque passa a ser o número, mais precisamente a


construção do conceito de número. Como se dá essa construção?
Como desenvolvê-la em sala de aula? Em qual fase da vida
escolar começa essa formação? Qual é a contribuição desse
conhecimento para a formação de um indivíduo autônomo?

Longe de pretender escrever um manual, buscamos, com uma


linguagem simples, desmistificar – ao menos um pouco, a
matemática da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, tentando contribuir para que você construa com
seus alunos uma Matemática mais prazerosa e significativa.
188 UNIUBE

Objetivos
Após o estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de:

• compreender a importância do estudo da matemática na


Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental;
• compreender como a criança constrói o pensamento lógico-
-matemático;
• proporcionar a compreensão dos processos que levam ao
desenvolvimento do raciocínio;
• compreender o conceito de número;
• reconhecer a importância desse conceito;
• compreender como se processa a formação do conceito de
número;
• compreender a importância do “fazer” para a criança na
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental;
• criar um ambiente que permita uma postura investigativa
do aluno, favorecendo a possibilidade de desenvolver sua
autonomia;
• reconhecer situações matemáticas no dia a dia que possam
ser ex­ploradas na aprendizagem;
• compreender quais conteúdos matemáticos pertinentes ao
número são relevantes na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental.

Esquema
5.1 Alfabetização matemática: um estudo em prol do desenvolvimento
infantil
5.1.1 Raciocínio lógico-matemático e construção do conheci­
mento
5.2 A construção do conceito de número
5.2.1 A construção do conceito de número: número, numeral e
algarismo
5.2.2 Representações sobre números: estruturas lógico­ -
-matemáticas
UNIUBE 189

5.2.3 Representações sobre quantidades: contagem


5.2.4 Representações sobre sistemas: leitura e escrita de
numerais
5.3 A alfabetização matemática e o desenvolvimento da autonomia
inte­lectual, afetiva, social e motora da criança
5.4 Conclusão

5.1 Alfabetização matemática: um estudo em prol do


desenvolvimento infantil

Para iniciarmos nossa reflexão, convido-o a pensar e a responder


as seguintes ques­tões: o que será que quer dizer alfabetização? E
alfabetização matemática? Podemos estabelecer alguma relação entre
as duas?

O conceito de alfabetização é um conceito social, e, como tal, muda com


o tempo e o desenvolvimento das sociedades. Assim, o que é válido para
uma determinada época ou grupo pode não ter a mesma aceitação em
outros tempos e espaços.

A Unesco (organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e


Cultura) ressalta que para se sobreviver no mundo globalizado de hoje, é
necessário a todos aprender novas formas de letramento e desenvolver
a habilidade para localizar, avaliar e usar efetivamente as informações
que se encontram disponíveis de várias formas:

Uma pessoa é funcionalmente alfabetizada quando


ela adquiriu o conhecimento e habilidades em leitura
e escrita que a capacitam a engajar-se efetivamente
em todas as atividades nas quais a alfabe­tização é
normalmente suposta em sua cultura ou grupo
(UNESCO, 1990-2009).

O mesmo podemos dizer quanto à matemática. Ser numeralizado


significa mais que conhecer e operar números, é preciso ser capaz de
pensar, discutir e agir criticamente sobre eles (ao analisar um gráfico, por
190 UNIUBE

exemplo), sobre as representações geométricas e suas convenções


(como instrumentos e unidades de medidas), adotadas em sua cultura.

Enfim, é preciso ser capaz de interagir ativamente com seu grupo, na


forma por ele estabelecida, do que é matemática, por exemplo:

• Se você é um índio, precisa saber lidar com a matemática que sua


tribo utiliza.
• Se você mora em uma aldeia de pescadores, no Nordeste brasileiro,
e ao mesmo tempo convive com pessoas que residem em outras
localidades, precisará lidar com a matemática utilizada em sua
aldeia e também com a matemática utilizada pelas outras pessoas.

Como ciência, a Matemática é universal. Contudo, a partir do instante em


que ela transforma e é transformada pela sociedade na qual é utilizada,
ela passa a ser Etno­matemática.

PESQUISANDO NA WEB

A etnomatemática é a “matemática do povo”, traduzida por artesanatos,


brincadeiras, jogos, modos particulares de pensar matemática etc.

Caso queira saber mais sobre a etnomatemática, sugerimos que leia o texto
“o programa etnomatemática: história, metodologia e pedagogia”. Esse artigo
esclarece acerca da matemática que precisamos estudar hoje.

Para lê-lo, acesse o site a seguir. Trata-se do site oficial de Ubiratan


D’Ambrósio, que é um renomado pesquisador brasileiro, estudioso na
área da educação matemática, idealizador do termo etnomatemática. Lá,
você terá à disposição vários artigos referentes à educação e educação
matemática.

<http://vello.sites.uol.com.br/ubi.htm>

No Brasil, por fatores diversos, entre eles a relativa facilidade de contato


proporcionada pelos meios de comunicação, existe, de modo geral, a
UNIUBE 191

interação entre as diversas culturas, favorecendo uma matemática que é


ao mesmo tempo local e universal. E é a esta matemática universal que
nos dedicaremos neste capítulo.

Você fica com a responsabilidade de, ao trabalhar com seus alunos,


identificar, buscar na realidade em que estão inseridos, a Etnomatemática,
isto é, a “matemática do povo”, traduzida por artesanatos, brincadeiras,
jogos e modos particulares de pensar.

Podemos afirmar então que estar alfabetizado matematicamente é


tornar-se capaz de pensar e agir com conceitos matemáticos. Para tal,
é necessário: “conhecer os sistemas matemáticos de representação
que servirão de ferramentas”. (NUNES; BRYANT, 1997, p. 31). Essas
ferramentas são os conceitos e procedimentos matemáticos. Muitos deles
você certamente utiliza: algarismos, numerais, somar, subtrair, multiplicar,
dividir, medir, pagar, receber, a ideia de fração, de número, entre outros.

Prosseguindo nesse raciocínio, Nunes e Bryant (1997, p. 31) acrescentam


que: estes sistemas devem estar relacionados às situações nas quais
possam ser usados para que possamos entender a lógica (as invariantes)
dessas situações e possamos ser capa­zes de escolher as ferramentas
apropriadas da matemática: calcular quanto de piso é necessário comprar
para colocar no chão de um banheiro, ler sua conta de água para saber
quantos metros cúbicos gastou ou a conta de energia para saber seu
consumo em watts, entre outros exemplos. “Deste modo, não é suficiente
aprender procedimen­tos; é necessário transformar esses procedimentos
em ferramentas de pensamento” (NUNES; BRYANT, 1997, p. 31).

5.1.1 Raciocínio lógico-matemático e construção do conhecimento

Você deve ter percebido que a alfabetização matemática, assim como a


aprendizagem da leitura e escrita, é um processo lento e gradual. Com
o contato contínuo, vamos nos aprimorando na arte de ler, escrever e
fazer matemática.

De um modo geral, ao serem perguntadas por que a matemática faz


parte do currículo escolar, as pessoas respondem “que a matemática
desenvolve o raciocínio lógico”.
192 UNIUBE

Porém, se perguntamos o que isso quer dizer, a maioria não sabe


responder. Na ver­dade, o próprio conceito de Matemática não é claro para
todos. Muitos de nós, alunos e professores, ainda ficamos engasgados
ao definir Matemática.

O que seria, então, Matemática?


E raciocínio lógico?

A expressão raciocínio lógico-matemático é formada por três palavras:


raciocínio, lógica e Matemática, que, de tão significativas, não perderam
elementos ao serem reorgani­zadas em nova composição.

O raciocínio é um processo de pensamento através


do qual se pode justificar algo: se determinado
fato causa admiração, procuramos explicá-lo; se
receamos um acontecimento, procuramos inferir
as suas consequências; se existem dúvidas quanto
à determinada observação, procuramos verificar;
se existem dúvidas quanto a uma equivalência,
procuramos demonstrar a validade dessa observação.
Todas estas formas de raciocínio (explicação,
inferência, verificação e demonstração) são formas de
estabelecer relações de consequência entre juízos (O
RACIOCÍNIO, 2011).

Quanto à lógica, seria demasiada pretensão afirmar que esse ramo da


filosofia alia-se apenas à Matemática. A lógica pode ser considerada
como a ciência do pensamento correto. Desse modo, a geografia, a
biologia, a física e todas as demais ciências se utilizam da lógica a fim
de estruturar seus conhecimentos.

A Lógica está constantemente presente em nosso cotidiano. Quando algo


nos parece evidente dizemos: É lógico!!!

É lógico que o trabalhador irá receber seu salário!


É lógico que ele é meu irmão: somos filhos dos
mesmos pais!

Pois bem, “a Lógica trata das formas de argumentação, das maneiras de


encadear nosso raciocínio para justificar, a partir de fatos básicos, nossas
UNIUBE 193

conclusões. A Ló­gica se preocupa com o que se pode ou não concluir a


partir de certas informações” (MACHADO, 1994, p. 15).

Se não tivesse perdido o emprego, teria pago o aluguel.


Se chover, não precisaremos regar a horta.
Se não tivesse caído e quebrado o pé, jogaria até a final
do cam­peonato.
Não chegou no horário porque o ônibus se atrasou.

Há algum tempo, um professor, ao exemplificar lógica em nossa sala de


aula, lançou mão de um exemplo famoso e interessante. Ele disse: eu
caibo dentro do meu sobretudo; meu sobretudo cabe dentro de minha
mala; logicamente eu caibo dentro de minha mala!

A risada foi geral; como poderia um homem daquele tamanho caber em


uma mala? Só se fosse uma mala gigante. A mensagem era: Cuidado,
nem todo argumento lógico corresponde ao real e verdadeiro.

A lógica não se preocupa com a verdade ou falsidade de uma proposição;


ela se preo­cupa com as formas de apresentar esta proposição como
consequência de outras. Por isso, as ciências que se utilizam amplamente
de lógica cuidam para provar que seus argumentos são verdadeiros.

Evidentemente que é muito forte e clara a relação entre Matemática e


Lógica.

Se x + 3 = 8, então x = 5.
Se uma circunferência possui 360º, uma
semicircunferência possui 180º.

Sobre isso, Machado (1994, p. 15) registra que “estudar Matemática pode
ser um per­manente exercício de Lógica. Em Matemática, cada afirmação
que fazemos, por mais complicada que pareça, pode sempre ser
justificada a partir de outras mais simples, encadeadas adequadamente”.

Com relação à Matemática, existe uma dualidade que deve ser levada
em conta:
194 UNIUBE

• Primeiro, como ciência altamente aplicada nas ciências de


modo geral, em fatos cotidianos, até mesmo corriqueiros, sem o
menosprezo que a palavra possa indicar.
• Segundo, uma matemática por ela mesma, desenvolvida por
estudiosos que a ela se dedicam pelo simples prazer e, muitas
vezes, necessidade científica de descobrir relações, regularidades,
explicações que só futuramente terão aplicações na vida prática. Esta
matemática que pesquisa, investiga, conjectura, prova logicamente,
faz parte do pensamento científico, da busca pelo saber.

Pensada dessa forma, a matemática perde seu caráter definitivo e


imutável e passa a ser vista como uma ciência em construção, já que
entender e manejar a realidade implica interação e intervenção com os
fatos do momento.

Ambas são essencialmente Matemática e deveriam fazer parte do


cotidiano das escolas.

Comprando um sapato, por exemplo, estamos utilizando várias ideias e


procedimentos matemáticos: ao pedir um par de sapatos de determinado
número, precisamos da noção de par, da noção e da representação
de um número através de um numeral (escrito com algarismos), da
comparação e ideia de medida (o meu número é 38 porque cor­responde
a um modelo pré-estabelecido que corresponde ao número 38), para
pagar recorro a um algoritmo (soma ou subtração) para saber se meu
dinheiro é suficiente e assim por diante.

Do mesmo modo, o cientista que investiga, busca regularidades, explica


a realidade, também faz Matemática e utiliza-se da Lógica.

Você já ouviu falar de fractais? Esse é um exemplo da matemática como


ciência. A partir de um trabalho científico foi possível explicar fatos antes
inexplicáveis.

SAIBA MAIS

Fractais são formas geométricas que possuem uma propriedade especial


na qual o todo está representado em cada parte. Por exemplo, em uma
couve-flor, em que cada parte se parece com o todo.
UNIUBE 195

Comparando os “dois modos” de se pensar a matemática, é possível


perceber diferen­ças nítidas e, ao mesmo tempo, muita similaridade,
envolvendo lógica e matemática:

Ao comprar um sapato utilizamos técnicas matemáticas, como a soma


ou a subtração para saber se o dinheiro seria suficiente para pagá-lo. o
que “aparentemente” não im­plica processo lógico. Contudo, escolher a
operação adequada para efetuar o cálculo é por si só uma atividade lógica.

Em contrapartida, ao estudar as regularidades no caos (no estudo com


fractais), o ma­temático aparentemente usou apenas de lógica. Entretanto,
para chegar às conclusões, recorreu a técnicas computacionais que nada
mais são que ferramentas matemáticas.

A relação entre Lógica e Matemática foi estudada por lógicos e


matemáticos por um longo tempo. Porém, um cientista que nunca atuou
como matemático foi o primeiro a atrair a atenção do mundo para a
possibilidade de que a lógica básica necessária para a matemática poderia
causar considerável dificuldade para as crianças: Jean Piaget.

Piaget distinguiu três tipos de conhecimento considerando suas fontes


básicas e seu modo de estruturação: conhecimento físico, conhecimento
lógico-matemático e conhe­cimento social (convencional).

• Podemos entender o conhecimento físico como o reconhecimento


dos objetos e suas propriedades físicas, como cor, material de
confecção etc. Assim, ao dizermos que duas bolas são de plástico,
estamos lidando com o conhecimento físico.
• Porém, se dizemos que uma bola é amarela e a outra é verde, é
porque notamos uma diferença entre elas. Esta diferença é um
exemplo de conhecimento lógico­-matemático. A diferença não está
em uma bola ou em outra, antes é uma relação estabelecida por
quem olha as bolas e compara as duas. Se a pessoa não estabe­
lecesse esta comparação, a diferença não existiria. Poderíamos
dizer que as bolas são iguais: são de plástico, possuem mesmo
tamanho; ou então, que as bolas são diferentes: uma é amarela
e a outra é verde. Quando uma criança compara, por exemplo, a
quantidade de doces que ela e a irmã ganharam: “eu ganhei três
196 UNIUBE

doces e minha irmã ganhou cinco doces”, então, ela ganhou dois
doces a mais que eu; a criança está executando um pensamento
lógico-matemático, já que estabeleceu uma relação entre as
quantidades de doces.

• O conhecimento social é aquele adquirido no convívio com a


sociedade. Assim, quando uma criança aprende que devemos
cumprimentar as pessoas ao encontrá-las, está adquirindo um
conhecimento social. Pensando na Matemática, um sistema de
numeração como o nosso é antes de tudo um conhecimento social,
já que existiram e ainda existem vários sistemas de numeração:
indo-arábico, romano, maia etc. (KAMII, 1996).

Piaget revolucionou o entendimento a respeito de como funciona a


inteligência. Para ele, a inteligência é uma atividade organizadora, pois
diz respeito à construção pro­gressiva de relações, a partir das quais os
objetos podem adquirir significações, podem ser compreendidos.

Compreender, para Piaget, é construir estruturas de assimilação e como


estamos sem­pre em contato com novas situações, estamos sempre em
processos de assimilação e acomodação.

Nesse sentido, Seber (1991, p. 18) registra que “a assimilação é um


processo de integração de elementos novos a esquemas já construídos.
Toda assimilação se faz acompanhar de diferenciação, ou seja, os
esquemas se modificam (se acomodam) para poder assimilar as várias
situações que se apresentam”.

EXEMPLIFICANDO!

Uma criança que conheça apenas uma determinada raça de cachorro, um


labrador, por exemplo, já tem um esquema mental “qualificando cachorro”:
é um animal, possui quatro patas, late, morde... (a qualificação será fiel à
experiência, ao contato que a criança vivenciou a respeito do animal).

Para ela, labrador é sinônimo de cachorro, como se houvesse apenas


cachorros daquela raça.

Ao se deparar com um pequinês vai tentar assimilá-lo a um esquema que


não corresponde totalmente ao conhecido.
UNIUBE 197

Ocorre, então:

• uma desacomodação (aquele animal não se parece com o que ela


conhece de cachorro);
• que provoca uma assimilação em seus conhecimentos (pequinês
também é cachorro: é um animal, possui quatro patas, late, morde...);
• e logo em seguida, uma nova acomodação (labrador e pequinês são
cachorros). Até ela encontrar uma nova raça de cachorro e ampliar
seus conhecimentos;
• o que pode levar a uma abstração: se o labrador e o pequinês são
cachorros (são animais, possuem quatro patas, latem, mordem...),
então, todo “bicho” que se enquadra nesta “classificação” é um
cachorro.

A esse respeito, Becker (2001, p. 38) enuncia: essas estruturas de


assimilação constroem-se por abstração. “Abstração é agir sobre as coisas
e retirar daí algo ou, ainda, agir sobre as próprias ações e retirar dessas
ações, nas suas características materiais, observáveis, alguma coisa.”

Para Becker está, neste fato, “a explicação da origem da lógica e


da matemática, que fundamenta todo trabalho humano, no plano do
senso comum ou no da ciência: a ca­pacidade de retirar, por abstração
reflexionante, as qualidades da coordenação de suas ações” (2001, p. 38).
É o que, segundo ele, diferencia a espécie humana das outras.

A abstração, na teoria de Piaget, está relacionada ao tipo de conhecimento:


físico, lógico-matemático, social.

Para a abstração das propriedades a partir dos objetos


(conhecimento físico e social), Piaget usou o termo
abstração empírica ou simples. Na abstração empírica,
tudo o que a criança faz é focalizar certa propriedade
do objeto e ignorar as outras. Por exemplo, quando a
criança abstrai a cor de um objeto, simplesmente ignora
as outras propriedades tais como o peso e o material de
que o objeto é feito (KAMII, 1996, p. 17).
198 UNIUBE

Ao tratar do conhecimento lógico-matemático, Piaget usou o termo


abstração reflexiva, que envolve a construção de relações entre objetos.
Relações estas que não existem no meio externo. A relação entre os
objetos é o resultado de um trabalho mental. Para Kamii, (1996, p. 17):
“o termo abstração construtiva poderia ser mais fácil de entender do que
abstração reflexiva, para indicar que esta abstração é uma construção
feita pela mente, ao invés de representar apenas o enfoque sobre algo
já existente nos objetos”.

Ainda conforme kamii (1996), após ter feito a distinção entre a abstração
reflexiva e a empírica, Piaget afirmou que os tipos de abstração
dependem um do outro. Por exemplo, a criança não poderia construir a
relação diferente se não pudesse observar propriedades de diferenças
entre os objetos.

Por outro lado, a construção do conhecimento físico exige um sistema de


referência lógico-matemático para que se associem novas observações
com um conhecimento já existente.

Para perceber que certo peixe é vermelho, por exemplo, a criança


necessita possuir um esquema classificatório para distinguir o vermelho
de todas as outras cores. Ela também precisa de um esquema
classificatório para distinguir peixe de todos os outros objetos que já
conhece (Kamii, 1996, p. 18).

IMPORTANTE!

A importância desta distinção está na compreensão do modo como a criança


aprende.

Para Piaget, essa diferenciação é fundamental para aqueles que se


dispõem a auxiliar a criança na aprendizagem da Matemática.

Um conceito social, por exemplo, as palavras um, dois, três, quatro –


cada idioma tem um conjunto de palavras que serve para contar – pode
ser ensinado às crianças, isto é, necessita da intervenção de outra
pessoa. Nesse caso, as crianças se utilizam de abstração empírica.
UNIUBE 199

O conhecimento lógico-matemático requer a abstração reflexiva, ou seja,


a criança precisa estabelecer relações. Podemos ensiná-las a darem a
resposta correta para 4+3, por exemplo, mas não será possível ensiná-
-las diretamente as relações que implicam essa adição. Essas relações
precisam ser construídas internamente, mentalmente, pelas crianças.

Foi com base na teoria de Piaget, nessa construção interna que a criança
faz para adquirir o conhecimento lógico-matemático, que surgiu o termo
s=construtivismo.

SINTETIZANDO...

Fazer matemática com as crianças requer que saibamos exatamente que


tipo de conhecimento está em jogo ao trabalharmos determinado conceito.
Se estivermos “ensinando” sistemas de numeração – conhecimento social
– adotamos procedimentos que permitam às crianças essa aprendizagem.
Elas necessitarão reconhecer classes e ordens; unidades, dezenas e
centenas; nomenclatura própria dos sistemas de numeração como milhares,
milhões, bilhões etc.

Entretanto, para compreender a lógica existente em um sistema de


numeração posicio­nal como o nosso, no qual o algarismo assume um
valor relativo conforme a posição que ocupa, seu princípio aditivo, as
transformações entre unidades, dezenas e centenas, será necessário
oportunizar às crianças situações nas quais elas possam utilizar-se da
abstração reflexiva, internalizar, estabelecer relações, construir esse
conhecimento. Desse modo, não encontrarão dificuldades em, por
exemplo, subtrair “pedindo empres­tado ao vizinho” quando a ordem na
qual estiver operando não possuir a quantidade necessária para subtrair.

Obviamente, as teorias de Piaget foram e ainda são muito estudas,


discutidas e, se existe consenso, senão unanimidades quanto à
necessidade de as crianças captarem determinados princípios lógicos a
fim de entender Matemática. No entanto, também existem divergências
a serem ressaltadas.

Uma delas diz respeito ao tempo em que a criança precisa para vencer
um estágio e alcançar o estágio seguinte de desenvolvimento. Piaget
200 UNIUBE

considerava que as crianças mais novas precisam de mais tempo


para captar alguns aspectos da lógica. “Então, de acordo com Piaget,
os professores frequentemente tentam ensinar às crianças conceitos
matemáticos para os quais elas estão totalmente despreparadas”
(NUNES; BRYANT, 1997, p. 21).

Outra divergência é levantada por aqueles que estabelecem um


paralelo entre as teorias de Piaget e as do bielo-russo Lev Vygotsky
(que estudaremos a seguir). Segundo eles, Piaget, ao contrário de
Vygotsky, não considerou a influência ativa do meio social – cultural –
nos processos cognitivos das crianças.

Discussões à parte, Vygotsky conquistou espaço, ao elaborar, com


contribuição de Alexander Luria, a teoria sociocultural da inteligência. A
denominação sociocultural deve-se à importância atribuída por Vygotsky
às relações sociais no desenvolvimento intelectual.

Para Vygotsky, a formação do conhecimento se dá no contato entre o


sujeito e a so­ciedade ao seu redor, ou seja, o homem modifica o ambiente
e ao mesmo tempo é modificado por ele. Sob este ponto de vista, o
processo ensino-aprendizagem também se constitui de interações que
ocorrem nos diversos contextos sociais.

IMPORTANTE!

Você percebe alguma relação do pensamento vygotskyano com a


Matemática?

Vygotsky se dedicou a tentar explicar as formas mais complexas da vida


consciente do homem, não no interior do cérebro ou da alma, mas sim
nas suas condições externas de vida, na sua vida social, no seu trabalho,
nas formas histórico-sociais de existência (MOYSÉS, 2007).

Os principais marcos teóricos dos estudos de Vygotsky:

• Mediação: para ele, a educação não pode criar um grau maior de


inteligência do que aquele que foi determinado pelo potencial genético.
UNIUBE 201

Ao longo da história, a hu­ manidade desenvolveu inúmeros


instrumentos que amplificam nossa capacidade de perceber, agir
e resolver problemas. Se nossa capacidade visual não nos permite
ver uma bactéria, por exemplo, podemos ver coisas muito menores
com o auxílio de um microscópio. Como não temos asas, voamos
de avião. Se não soubermos efetuar uma operação complexa, a
calculadora ou o computador pode resolvê-la por nós. Dentro
desta visão, é por meio da educação que aprendemos a utilizar os
instrumentos culturalmente desenvolvidos que amplificam as nossas
capacidades. Muitos desses instrumentos são objetos simbólicos,
isto é, são sistemas de sinais com significados determinados
culturalmente, como a linguagem e os sistemas de numeração, por
exemplo (NUNES et al., 2002).

• Processo de internalização: baseando-se principalmente no


processo de aquisição da linguagem, seus experimentos
evidenciaram que a criança é um ser social desde seu nascimento.
Segundo ele, a linguagem expressa pela fala traz uma marca
histórico­-cultural. São as pessoas que cercam a criança e que
interpretam seus balbucios, seus movimentos e suas expressões e
que atribuem a cada um deles um significado.
Assim, por exemplo, o esforço que a criança faz para
tentar agarrar algum objeto fora do seu alcance é
interpretado como um desejo de tê-lo. Ou seja, aquela
mão agitada no ar, estendida na direção do objeto é
interpretada pelo outro como sendo um gesto de
apontar. É o outro que, interpretando o seu desejo,
lhe atribui um significado, significado que ainda não
é seu. Só mais tarde, quando ela puder perceber a
relação entre a situação objetiva como um todo e o seu
movimento, é que de fato começa a compreendê-lo
como um gesto de apontar. A partir daí, irá incorporá-
lo ao seu repertório de ações. [...] A sua internalização
nasceu da interação social (MOYSÉS, 2007, p. 28).

• Zona de desenvolvimento proximal: podemos entender por zona


de desenvolvimento proximal – um dos pontos-chaves das ideias
de Vygotsky – que se trata de uma zona cognitiva em que os
estudantes ainda conseguem trabalhar (resolver problemas, por
exemplo), se contarem com auxílio, mas ainda não são capazes
202 UNIUBE

de fazê-lo sozinhos. Para Vygotsky, o professor deve trabalhar na


zona de desenvolvimento proximal, de modo que o aluno possa, com
seu desenvolvimento, avançar e conseguir trabalhar sozinho, quando
antes necessitava de auxílio. O professor necessita constantemente
equilibrar os conhecimentos que o aluno já adquiriu com aqueles
que ele ainda não internalizou de modo a sempre promover zonas
de desenvolvimento proximal.

• Significado e sentido: concordando com o pensamento de


Vygotsky, muitos autores defendem que a aprendizagem de
conceitos deveria ter suas origens nas práticas sociais.

Decorre daí uma ideia que vem se solidificando nos últimos anos: a da
preocupação com a contextualização do ensino.

Moysés (2007, p. 65-67) relata um confronto entre a forma com que


mestres de obras e estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental
realizam cálculos de proporções:
Como se sabe, a proporcionalidade exige o estabelecimento
de relações. Isso significa dizer que se baseia na
abstração, ou seja, não há uma forma “concreta”
para realizá-la. Nesse experimento, foram mostradas
aos sujeitos quatro plantas de interiores, cada uma
desenhada em uma escala diferente, sem explicitar, no
entanto, qual escala estava sendo utilizada.
A primeira tarefa que lhes foi solicitada consistia em, dada
uma medida na planta, em uma determinada escala, e
outra medida cor­respondente à parede real, descobrir qual
era a escala utilizada. A segunda tarefa consistia em medir
uma parede no desenho e, com base na escala usada,
determinar a sua medida real, na construção.

Os resultados mostraram que os mestres de obras efetuam cálculos


envolvendo proporção com uma exatidão e sensatez não encontradas
nos estudantes. Estes últimos
[...] não só mostraram incapacidade para fazer uso
sistemático do algoritmo da proporção aprendido naquele
ano na escola, como tam­bém careceram de espírito
crítico para perceber a falta de “sensatez” nas respostas
dadas. Por exemplo, concluir que uma parede deveria ter
3 metros e 753 cm (MOYSÉS, 2007, p. 66).
UNIUBE 203

As autoras da pesquisa concluíram que os estudantes aprenderiam mais


se fossem levados a lidar com situações dessa natureza, que um trabalho
constante nesses moldes tornaria a lógica do algoritmo mais clara para
o estudante (MOYSÉS, 2007).

Contudo, Moysés (2007, p. 67) ressalta:

Chamo a atenção para o fato de que não estou


descartando, em momento algum, o valor da
aprendizagem sistematizada do algoritmo. Sendo um
processo generalizado e abstrato, sua aprendizagem
pode se dar no particular e em situação plena de
sentido. Assim apren­dida, a noção de proporcionalidade
deverá servir para a vida e não simplesmente para se
resolver os problemas propostos pela escola.

• Formação de conceitos: a formação de conceitos pode ser vista


como uma con­sequência das pesquisas sobre o processo de
internalização desenvolvidas por Vygotsky e seus colaboradores.

Segundo Rosa (2006, p. 43-44), referindo-se a Vygotsky, o processo


de formação de conceitos “se desenvolve em condições idênticas na
criança, no adolescente e no adulto” e que:

[...] o desenvolvimento dos processos que finalmente


culminam na formação de conceitos começa na fase
mais precoce da infância, mas as funções intelectuais,
que numa combinação específica, constituem a base
psicológica do processo de formação de conceitos,
amadure­cem configuram-se e se desenvolvem somente
na puberdade (ROSA, 2006, p. 43 apud VYGOTSKY,
2000, p. 167).
A força motriz que desencadeia todo o processo
de desenvolvimento, acionando mecanismos de
amadurecimento do comportamento, não está dentro,
mas fora do adolescente. Cabe ao meio social criar
problemas correspondentes, apresentar novas
exigências, motivar e estimular com novos objetivos o
desenvolvimento do intelecto. Caso isso não ocorra, “o
pensamento do adolescente não desenvolve todas as
potencialidades que efetivamente contém, não atinge
as formas superiores ou chega a elas com um extremo
atraso” (VYGOTSKY, 2000, p. 171 apud ROSA, 2006, p. 44).
204 UNIUBE

A teoria propõe a existência de dois tipos de conceitos: espontâneos


e científicos. Os conhecimentos espontâneos são considerados como
aqueles que a criança aprende no dia a dia, através da participação nas
atividades cotidianas, no contato com objetos, fatos, fenômenos etc. o
conhecimento científico está embasado em sistemas culturais que são
transmitidos através da escolaridade formal.

Por trás de qualquer conceito científico existe sempre


um sistema hierarquizado do qual ele faz parte. A
principal tarefa do professor ao transmitir ou ajudar o
aluno a construir esse tipo de conceito é a de levá-lo a
estabelecer um enlace indireto com o objeto por meio
das abstrações em torno das suas propriedades e da
compreensão das relações que ele mantém com um
conhecimento mais amplo. Ao contrário do espontâneo,
o conceito científico só se elabora inten­cionalmente,
isto é, pressupõe uma relação consciente e consentida
entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Dirigida pelo
uso da palavra, a formação de conceito científico é uma
operação mental que exige que se centre ativamente a
atenção sobre o assunto, dele abstraindo os aspectos
que são fundamentais e inibindo os secundá­rios, e que
se chegue a generalizações mais amplas mediante uma
síntese (VYGOTSKY, 1987, p. 70 apud MOYSÉS, 2007,
p. 35-36).

Apesar das divergências entre as teorias de Piaget e Vygotsky, existem


estudiosos que defendem ser possível unir as duas, nas ideias que
convergem e se complementam.

Em palestra proferida na III Conferência Nacional de Educação, Cultura e


Desporto, que aconteceu em Brasília, em dezembro de 2002, Vergnaud
comentou:
Piaget e Vygotsky nasceram no mesmo ano, em 1896,
mas Vygotsky morreu com 37 anos de idade e Piaget
com 84. É interessante res­saltar que muito da teoria de
Vygotsky foi construído a partir de sua leitura de Piaget,
seja comentando ou criticando, enquanto Piaget só
conheceu os trabalhos de Vygotsky alguns anos após a
morte deste.
[...] Piaget admite, num posfácio escrito para edição
inglesa de Pen­ samento e Linguagem (1962), o
quanto são bem fundamentadas algumas das críticas
de Vygotsky. É claro que ele se defende de algumas
coisas, mas admite que houve má formulação de sua
UNIUBE 205

parte em relação a alguns conceitos criticados


por Vygotsky. É interessante mencionar uma ideia
desenvolvida por Piaget, num livro, traduzido em
português, pouco lido aqui e também na França, sobre
a formação do símbolo. Nesse livro Piaget se aproxima
muito de Vygotsky. Ele propõe a internalização de uma
representação sobre a forma de uma simulação mental
e evoca a imitação. Seja como for, Piaget usou o termo
interiorização e Vygotsky, o de internalização. São ideias
próximas. “Contudo, é preciso ressaltar que, no caso de
Piaget, ele vai estender isso não somente à linguagem,
mas também, ao gesto (GROSSI, 2003, p. 24-5).

Vergnaud reconhece a importância da teoria de Piaget, destacando as


ideias de adapta­ção, desequilibração e reequilibração como fundamentais
para a aprendizagem da Matemática. Mas acredita que o ponto-chave
colocado por Piaget foi o conceito de esquema.

SAIBA MAIS

Gerard Vergnaud, psicólogo francês, 69 anos, diretor de pesquisa do


Centre National de la Recherce Scientifique, em Paris, referência atual
em educação matemática, criador da Teoria dos Campos Conceituais,
é um defensor dessa interação.

Reconhece, ao mesmo tempo, que sua Teoria dos Campos Conceituais


foi desenvolvida também a partir dos trabalhos de Vygotsky. o que pode
ser percebido, por exemplo, na importância atribuída à interação social,
à linguagem e à simbolização no progressivo domínio de um campo
conceitual pelos alunos. Para o professor, a tarefa mais difícil é a de
prover oportunidades aos alunos para que desenvolvam seus esquemas
na zona de desenvolvimento proximal.

Vergnaud toma como premissa que o conhecimento


está organizado em campos conceituais cujo domínio,
por parte do sujeito, ocorre ao longo de um largo
período de tempo, através de experiência, matu­ridade
e aprendizagem. Campo conceitual é, para ele, um
conjunto informal e heterogêneo de problemas,
situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e
operações de pensamento, conectados uns aos outros
206 UNIUBE

e, provavelmente, entrelaçados durante o processo


de aquisição. o domínio de um campo conceitual
não ocorre em alguns meses, nem mesmo em
alguns anos. Ao contrário, novos problemas e novas
propriedades devem ser estudados ao longo de vários
anos se quisermos que os alunos progressivamente
os dominem. De nada serve tentar contornar as
dificuldades conceituais; elas são superadas na medida
em que são encontradas e enfrentadas, mas isso não
ocorre de um só golpe (BRASIL, 2002).

Ocorre, assim, uma integração de toda a Matemática escolar, já que um


conceito, como o de número, por exemplo, não se esgota na Educação
Infantil nem tampouco nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

Você se lembra dos números inteiros ou negativos, estudados


normalmente no sétimo ano? E os números irracionais, que na maioria
das vezes aparecem no oitavo ano? E os números reais, no nono ano?
Se você cursou o Ensino Médio deve ter estado em contato também com
os números complexos.

A amplitude da formação de um conceito, se está explícito na teoria de


Vygotsky, cor­roborado por Vergnaud, não está claro, à primeira vista,
em Piaget.

Porém, em depoimento pessoal, Kamii (1996, p. 43-44) contrapõe essa


visão:

A importância de criar e coordenar todas as espécies de


relações ficou clara quando, pessoalmente, reconstruí a
teoria de Piaget como um todo [...].

Suas pesquisas sobre espaço [...], tempo [...],


causalidade [...], quantidades físicas [...], número [...],
lógica [...], imagens mentais [...], desenvolvimento moral
[...], animismo e artificialismo [...], etc., pareciam-me,
a princípio, tratar de cada campo independentemente
dos outros. Muitos anos depois compreendi que, na
verdade, as ope­rações concretas desenvolvem-se em
muitas áreas simultaneamente, e que Piaget e seus
colaboradores publicaram um livro após o outro sobre
diferentes assuntos, só que não puderam estudá-los
todos ao mesmo tempo. Quando finalmente compreendi
UNIUBE 207

a indissociabilidade desse desenvolvimento, ficou claro


que o objetivo mais importante para os educadores
seria o de colocar todos os tipos de objetos, eventos e
ações em todas as espécies de relações.

Tanto em Piaget como em Vygotsky e Vergnaud, apesar das diferentes


metodologias, encontramos a ideia de que a conceitualização implica
ação e reflexão sobre a própria atividade, com ênfase na relação entre
as propriedades do objeto e as propriedades da ação. É a ideia de que
devemos saber fazer e ao mesmo tempo compreender o que fizemos. E
aprender a fazer com compreensão, entendimento, autonomia sobre o
que se faz, deve ser finalidade não apenas da Matemática, mas de todas
as áreas do saber.

5.2 A construção do conceito de número

o que é número?

A construção da noção do número atrela-se à própria produção da cultura


humana. O número aparece como uma ferramenta produzida pela mente
humana, como instrumento de facilitação da exploração da natureza de
forma racional. É, então, o resultado de uma lenta construção na busca
pela representação de quantidades, da necessidade de medidas, na
medida do tempo, enfim, na busca de representações que permitam a
manipulação da realidade à sua volta.

O pastor, ao guardar uma pedrinha para cada ovelha que estava no


campo, conse­guia um controle sobre quantas ovelhas possuía. Ao
substituir a pedrinha por traços em ossos, ou desenhos nas cavernas,
utilizava uma representação “melhor” que as pedras já que o osso
podia ser transportado com ele sem “pesar” muito e a caverna estava
invariavelmente no mesmo lugar. Outras representações vieram após
essa, em diferentes culturas.

Portanto, a formalização das operações matemáticas, tal como se tem


hoje, é o produto de um longo processo de sistematização, “no qual a
própria construção das estruturas da inteligência, permitiu a passagem
do plano das ações de agrupar, repartir, diminuir, comparar, para o da
interiorização simbolizada dessas operações” (BORGES, 2003, p. 75).
208 UNIUBE

Considerando o exposto, o ensino da Matemática, desde a Educa-


ção Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental, deve revelar
à criança esse caráter de historicidade na construção do conheci-
mento matemático. Deixar transparecer o quanto a matemática é
uma forma de revelação de todo o potencial da inteligência huma-
na, e que, a partir de situações bem práticas e concretas, ela, a
criança, também poderá construir seu próprio conhecimento.

Cotidianamente verificamos a presença dos números em diferentes


contextos:
• Número localizador: aparece em situações que auxiliam a
localização – endereços, latitude, longitude.
• Número identificador: telefones, datas, senhas, códigos, placas de
automóveis, do­cumentos, inscrições de concursos.
• Número ordenador (aspecto ordinal): é o que indica ordem –
primeiro, segundo, terceiro etc., está presente nas competições,
indicando a posição obtida numa competição.
• Número quantificador (aspecto cardinal): indica velocidade,
remuneração, tempo, quantidades.
• Número (cálculo) como resultado de operações.
• Número (medida) como resultado de mensuração.

5.2.1 A construção do conceito de número: número, numeral e


algarismo

A formação do conceito de número, pela criança, é um processo longo e


complexo, ao contrário do que se pensava até há pouco tempo, quando
o ensino de números privilegiava o reconhecimento dos numerais.

Aqui vale uma pausa para diferenciarmos número, numeral e algarismo.


Ainda que na língua falada os utilizemos indistintamente, convém
compreender a finalidade de cada um.

O número corresponde a uma ideia mental complexa, cujo campo


conceitual envolve, segundo Lorenzato (2006), inúmeras variáveis, tais
UNIUBE 209

como: correspondência um a um, cardinalidade de um conjunto de


quantidade, ordinalidade na contagem, contagem por agrupamento,
composição e decomposição de quantidade, reconhecimento de símbolos
numéricos, reconhecimento de símbolos operacionais, representação
numérica, per­cepção de semelhanças, percepção de diferenças,
percepção de inclusão, percepção de invariância.

Por se tratar de um campo conceitual, envolve muitos conceitos que


exigem abstração. Para tal, é necessário se utilizar, segundo Piaget, do
raciocínio lógico-matemático.

O numeral é a representação falada, escrita ou indigitada de um número.


É um co­nhecimento social. Cada cultura representa a seu modo, com
sua língua específica, o número. Assim, temos, em português: um, dois,
três etc.

O algarismo é um símbolo matemático, do sistema de numeração


indo-arábico, utili­zado na escrita de numerais. São eles: 0, 1, 2, 3, 4, 5,
6, 7, 8, 9. Com esses símbolos, é possível escrever qualquer numeral
que se queira, por exemplo, o ano em que estamos: 2012. É um
conhecimento social.

Para entender melhor, imagine as seguintes situações:

• Um cidadão inglês possui sete animais.


• Um cidadão brasileiro também possui sete animais.

Ambos possuem o mesmo número de animais: sete.

Contudo, o inglês diria que possui seven animals ou utilizaria o algarismo


7 – do sistema de numeração indo-arábico – para escrever o numeral “7”.

O brasileiro, por sua vez, diria que possui “sete animais” ou também
utilizaria o algarismo 7 – do sistema de numeração indo-arábico – para
escrever o numeral “7”.

O numeral – um conceito social – mudou conforme a língua e o sistema


de numeração utilizados no país de origem do proprietário dos animais.
210 UNIUBE

Se estivéssemos nos referindo a um romano de alguns séculos atrás, ele


poderia dizer “sette animali” ou utilizar os símbolos V e I – do sistema de
numeração romano – para escrever o numeral “VII”.

Os algarismos mudam conforme o sistema de numeração utilizado.

Em suma, o número é sempre o mesmo, em qualquer local do mundo.


Trata-se de um conhecimento lógico-matemático. O que muda são as
formas de representá-lo: são conhecimentos sociais.

De acordo com a Teoria dos Campos Conceituais proposta por Vergnaud,


quando a criança aprende a contar, também aprende números,
quantidades e representações simbólicas para essas ideias. Há três
coisas diferentes a considerar: a) represen- tações sobre números
(estruturas lógico-matemáticas), b) representações sobre quan­tidades
(contagem) e c) representações sobre sistemas (leitura e escrita de
numerais).

5.2.2 Representações sobre números: estruturas lógico-matemáticas

Para Piaget, o número organiza-se, etapa por etapa, na estreita


solidariedade com a elaboração gradual dos sistemas de inclusões
(hierarquia de classes lógicas) e de ordem (séries qualitativas),
constituindo-se assim a série dos números, como síntese operatória da
classificação e da seriação. (KAMII, 1996; BORGES, 2003).

Esse conceito de número implica, segundo Borges (2003, p. 76), algumas


inferências pedagógicas:

• Sendo o número o representante de uma classe


(de quantidades) e, ao mesmo tempo, de uma
série (ordenação numérica), “a sua construção
enquanto conceito no pensamento da criança, só
será possível, juntamente com a conquista cogni-
tiva da classificação e seriação operatórias, que
lhes servirão de infraestrutura”.
• Paralelamente, o progresso na construção do
conceito de nú­mero implica compreender que o
mesmo é sempre o resultado de conjuntos que se
equivalem termo a termo. Isto é, “um a um”, como
ovelhas e pedrinhas.
UNIUBE 211

• Consequentemente, a constância do número (por


exemplo, a no­ção de que uma árvore é quantitati-
vamente igual a uma pequena moeda) só passará
a ser reconhecida pela inteligência, após a cons-
trução da estrutura lógico-matemática de conser-
vação, garantida pela reversibilidade do pensa-
mento lógico.

Reconhecendo que a construção do número é um processo que envolve


o raciocínio lógico-matemático e, portanto, a abstração reflexiva, não é
possível “ensinar” número a uma criança. Cabe ao professor a tarefa
de proporcionar atividades nas quais a criança tenha a oportunidade de
conquistar esse conhecimento. os princípios lógicos descritos acima –
correspondência termo a termo, classificação, inclusão, seriação e
con­servação são imprescindíveis nessa conquista.

Quanto à ordem de encadeamento, isto é, de apresentação das


atividades formadoras dos princípios lógicos às crianças, Lorenzato
(2002, p. 89), enfatiza:

O sucesso do processo ensino-aprendizagem decorre,


em grande me­dida, da maneira como o professor
organiza as atividades, seguindo o ritmo do grupo e
de cada criança, pois elas não aprendem linearmente,
isto é, primeiro correspondem, depois comparam, em
seguida classi­ficam e assim por diante. Na vivência
de cada criança, essas ideias vão sendo percebidas e
incluídas no seu conhecimento, como se ela estivesse
diante de vários alimentos e, experimentando um pouco
de cada um, repetisse mais de algum e menos do outro,
sem qualquer ordem ou critério. Portanto, não existe
uma ordem ideal para a reali­zação das atividades em
sala de aula a ser recomendada a todos os professores,
pois cada professor está numa realidade diferente. [...]
Sugerimos ao professor escolher as atividades que
melhor se adap­tem aos seus alunos, levando em
consideração o que indicam as pesquisas em educação
e a experiência de magistério, isto é, iniciar o processo
de ensino-aprendizagem pelo concreto com vistas ao
abstrato. Para tanto, num primeiro momento devem-se
realizar ati­vidades com o corpo e/ou objetos, depois
com imagens (desenhos, figuras) e, finalmente, com
símbolos.
212 UNIUBE

5.2.2.1 Princípios lógicos: correspondência termo a termo

Correspondência: Desde pequena a criança constrói noções de


correspondência – em cada pé se coloca um sapato, em cada garrafa
uma tampa. Na escola cada criança tem seu uniforme, sua pasta etc.

Além dessa correspondência, um a um ou termo a termo, a criança


também constrói a correspondência um a muitos, quando relaciona um(a)
professor(a) a vários alunos, um brinquedo, no parque ou na praça, a
várias crianças, um ônibus transporta várias pessoas etc.

Essa correspondência é um processo fundamental para a construção do


conceito de número e para a aritmética (parte da Matemática que estuda
números e operações) de um modo geral.

Assim, a correspondência será fundamental para a compreensão de que


dez unidades correspondem a uma dezena, uma dúzia corresponde a
doze unidades, 1 quilômetro equivale a 1000 metros etc.

Lorenzato (2006, p. 91) sugere que a correspondência deve ser abordada


em quatro etapas:

a) A primeira delas favorece a percepção visual direta, de elemento para


elemento. observe as Figuras 1 a 4.

Figura 1: Cadeados, chaves, facas e garfos.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
UNIUBE 213

b) Em seguida, trabalha-se a percepção visual indireta: apesar de ser


possível visual­mente a correspondência elemento para elemento, ela
não ocorre prontamente.

Figura 2: Maçãs e bananas. Figura 3: Flores e luas. Figura 4: Lápis e quadrados.


Fonte: Acervo EAD – Uniube. Fonte: Acervo EAD – Uniube. Fonte: Acervo EAD – Uniube.

c) Em um próximo momento, incentivar a correspondência de um


elemento de um conjunto com elementos de outro conjunto e vice-versa.

Exemplo: em um grupo de quatro crianças ciclistas, fazer corresponder


a cada uma de­las, uma bicicleta, um par de joelheiras, um par de
cotoveleiras e um capacete (Figura 5).

Figura 5: Crianças, bicicletas, capacetes, joelheiras e cotoveleiras.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
214 UNIUBE

d) Por último, a associação de objetos correlatos, ou seja, associação de


uma mesma ideia em dois objetos diferentes

Exemplos: um cartão com desenhos de uma galinha, uma mão, um


mágico e outro cartão com desenhos de um ovo, uma luva, uma cartola
com coelho (Figuras 6 e 7).

Figura 6: Cartão contendo o desenho de uma mão,


uma galinha e um mágico
Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Figura 7: Cartão contendo o desenho de um ovo,


cartola com coelho e uma luva.
Fonte: Acervo EAD – Uniube.
UNIUBE 215

Muitas outras atividades contribuem para a construção da noção de


correspondência:

• Na contação de histórias: após narrar o texto, em uma interpretação


coletiva ou individual, dependendo da turma ou da ocasião,
o(a) professor(a) aproveita para promover situações em que a
correspondência seja necessária. Por exemplo, na história Os três
porquinhos, a professora ou professor pode solicitar às crianças
que façam corresponder (por meio de gravuras, desenhos,
colagens) a cada porquinho seu nome e sua respectiva casa –
qual é o Cícero? Qual é a casa dele? A de palha? A de madeira? A
de tijolos?
• A própria dinâmica da sala de aula auxilia no desenvolvimento da
autonomia e também da noção de correspondência: cada criança
com seu material, sua carteira. Para os menores, de dois a cinco
anos que ainda estão na Educação Infantil, solicitar, em vez de
entregar, que cada aluno pegue sua lancheira, na hora de sair para
o lanche.
• Em dias de festa, com alunos maiores, solicitar que um deles
providencie e distribua copos em quantidade suficiente para todos
(resista à tentação de informar quantos copos serão necessários).
• As brincadeiras, como a dança das cadeiras, normalmente feita
do seguinte modo: as cadeiras, em número de uma a menos do
que o número de crianças, são arru­madas em uma fila, espaldar
contra espaldar. Quando a música começa, todas as crianças
andam em volta das cadeiras e, quando ela para, todos correm
para sentar numa cadeira. Aquela que não conseguir sentar-se sai
do jogo. Cada vez que uma das crianças sai retira-se uma cadeira.
o participante que sentar na última cadeira é o vencedor.
• O uso de jogos diversificados, de acordo com o nível de compreensão
que as crianças já possuem, também são facilitadores da
aprendizagem.
• As fotografias: Colocar uma fotografia de cada criança, todas
misturadas no chão. Pedir a uma criança que encontre a sua e
mostre-a ao grupo, que deverá dizer se realmente aquela foto é
daquela criança. A brincadeira termina quando todos encontrarem
sua foto em meio às demais.
216 UNIUBE

• Jogo da memória com mães e filhos: mãe ursa/ursinho, galinha/


pintinho etc.
• Jogos diversos nos quais as diferenças de tamanho sejam
perceptíveis, mas que ainda assim se estabeleça relação termo a
termo. Como um jogo do mico, em que as figuras sejam de animais
e formem pares: mamíferos (rato e elefante), aves (avestruz e
beija-flor), répteis (lagartixa e jacaré), invertebrados (pulga e
gafanhoto) etc. Nesse caso, mesmo estando clara a necessidade
da estrutura de classificação, pretende-se que a criança perceba
que apesar de um elefante ser muito maior que um rato, ambos
representam apenas um elemento de seu grupo – isto é, existe
uma correspondência um a um.
• Dominó de numerais: a cada numeral corresponde uma
quantidade. É o dominó clássico.
• Dominó de opostos: confeccionar como no dominó de numerais,
substituindo-os por figuras que representam opostos: quente/frio,
noite/dia, sujo/limpo, arrumado / bagunçado etc.

5.2.2.2 Princípios lógicos: classificação

Classificação: Classificar significa agrupar, reunir, separar os objetos


ou elementos a partir de uma ou mais semelhanças percebidas. A
classificação requer comparação, isto é, a análise de semelhanças e
diferenças entre dois ou mais elementos.

Assim, ao comparar elementos de um grupo, a criança cria elos que


unem os semelhan­tes, o que lhe permite criar uma classe. Por isso,
consegue, comparando seus colegas de turma, classificá-los em meninos
e meninas.

A estrutura de classificação é que permite à criança “organizar” o mundo à


sua volta, relacionando elementos, objetos e eventos que, caso contrário,
estariam soltos, des­conexos.

Ao perceber que o caderno, o lápis, a borracha, o livro são objetos


utilizados na escola ela os categoriza, classifica em materiais escolares.
Um aluno que esteja estudando os continentes, por exemplo, a Oceania,
UNIUBE 217

precisa identificar os países (elementos) que o formam e quais


características, semelhanças existem entre eles que permitiram serem
classificados em países pertencentes àquele continente. Caso não
construam essa relação, correm o risco de, confiando apenas na memória,
incluir a Itália na Oceania.

A atividade classificatória pode ocorrer tanto no ambiente escolar quanto


fora dele. Em se tratando do ambiente escolar, é preciso ficar claro que
o estímulo do(a) professor(a) não “significa predeterminar critérios de
classificação do tipo separe estes blocos em grandes e pequenos. Acredita-
-se que, neste caso, o professor realizou uma atividade lógico-matemática
e a criança apenas executou uma ordem” (BORGES, 2003, p. 62).

As atividades voltadas para a classificação deverão, segundo Piaget e


Inhelder (1975, apud SEBER, 1991, p. 60), ser idealizadas de modo a
permitir que a criança:

1. Estabeleça comparações, por meio de análise de semelhanças e


diferenças.

Dentre um grupo de objetos, mostrar um à criança e solicitar que ela


encontre outro semelhante e, ainda, que justifique por que o considerou
semelhante.

2. Agrupe objetos, de acordo com critérios por ela mesma estabelecidos.

Quais elementos de um determinado grupo de objetos (entre tampinhas,


caixinhas, latinhas etc.) podem ser colocados juntos? Por quê?

3. Classifique mais de uma vez o mesmo material, utilizando critérios


diferentes.

A necessidade de buscar novos critérios de classificação ajuda a criança


a perceber outras características de semelhanças/diferenças.

Vários materiais podem ser utilizados com este objetivo: sucata,


blocos lógicos, brin­quedos disponíveis na sala etc. (Figuras 8 e 9).
218 UNIUBE

Figura 8: Blocos Lógicos.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Figura 9: Conjunto de vegetais I.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Agrupamento por cores (Figuras 10 a 12):

Figura 10: Conjunto de vegetais II. Figura 11: Conjunto de vegetais III.
Fonte: Acervo EAD – Uniube. Fonte: Acervo EAD – Uniube.
UNIUBE 219

Figura 12: Conjunto de vegetais IV.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Agrupamento por outro critério (Figuras 13 a 15):

Figura 13: Conjunto de frutas. Figura 14: Conjunto de plantas.


Fonte: Acervo EAD – Uniube. Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Figura 15: Conjunto de legumes.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

4. Relate os critérios adotados para a formação de novos grupos.

Ao relatar o que pensou para realizar os agrupamentos, a criança


obrigatoriamente analisa as ações que executou, sendo induzida a pensar
sobre elas.

5. Descubra critérios de formação de grupos realizados por outra criança.

Nesse caso, a criança deverá analisar o grupo formado por outra pessoa
e descobrir quais critérios foram adotados para formá-lo.

Identificar e relatar o critério adotado por outra pessoa representa uma


dificuldade a mais, já que fazer é mais fácil que entender o que o outro fez.
220 UNIUBE

6. Perceba em um grupo já classificado (de feijões, por exemplo) a


presença de um objeto que não faz parte deste grupo (uma semente
de milho). Para incluí-lo, providencie nova classificação (são sementes).

Questionamentos sobre os critérios adotados, ajudando a criança a


pensar sobre suas ações, são sempre enriquecedores.

7. Identifique as várias possibilidades de formação de subgrupos, a partir


de um único grupo.

Por exemplo, ao classificar os blocos lógicos ela percebe que pode


agrupar por cores, tamanho, espessura (grosso, fino), formato (quadrado,
triângulo, círculo), material de confecção (madeira, plástico), até esgotar
todas as possibilidades.

8. Identifique a possibilidade de realizar subgrupos, enumerando-os, sem,


contudo, separar concretamente os objetos.

Observando o grupo a seguir (Figura 16), a criança consegue perceber


de quantos e de quais modos pode reorganizá-los.

Figura 16: Iogurte (potes grandes e pequenos).


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

9. Nomeie os grupos formados utilizando símbolos.

Ao associar um símbolo com o grupo formado, a criança estabelece um


elo entre o real e o simbólico, o que lhe permitirá mais tarde relacionar
determinada quantidade de elementos a um numeral (Figura 17).
UNIUBE 221

Figura 17: Buquês de flores.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

10. Selecione adequadamente elementos que completam uma sequência


(Figura 18).

Qual elemento podemos colocar no espaço vazio? Por quê?

Figura 18: Frutas.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

11. Estabeleça relação entre todos/alguns: desenvolvendo a noção de


inclusão.

Por exemplo: frutas.

Classificar as frutas em grupos: laranjas, limões, maçãs, bananas.

Todos os elementos do grupo são frutas, alguns são laranjas.

Kamii (1996, p. 21-23) ressalta a importância da noção de inclusão:

Um adulto entrega a uma criança seis cachorros em miniatura e dois


gatos do mesmo tamanho. Certifica-se de que a criança entendeu as
relações existentes: todos os gatos, todos os cachorros e todos os
animais, isto é, ela compreendeu que se trata de gatos, cachorros e
animais. Em seguida faz o questionamento em que a inclusão de classes
é fundamental: “Existe mais cachorros ou mais animais?” As crianças
que ainda não construíram a estrutura de inclusão “ouvem” a seguinte
pergunta: “Existe mais cachorros ou mais gatos?”.
222 UNIUBE

As crianças ouvem uma pergunta diferente da que foi feita porque, uma
vez que elas “separaram”, “classificaram” mentalmente o todo (animais)
em duas partes (gatos e cachorros), a única coisa sobre as quais podem
pensar são as duas partes. “Para elas, naquele momento, o todo não
existe mais. Elas conseguem pensar sobre o todo, mas não quando estão
pensando sobre as partes. Para comparar o todo com uma parte, a criança
tem que realizar duas operações mentais ao mesmo tempo – cortar o todo
em duas partes e recolocar as partes juntas formando um todo”.

Para que possa realizar esta operação, Kamii (1996, p. 23) diz ser
necessário que o pensamento da criança se torne flexível o bastante
para ser reversível.

A reversibilidade se refere à habilidade de realizar


mentalmente ações opostas simultaneamente – neste
caso, cortar o todo em duas partes e reunir as partes
num todo. Na ação física, material, não é possível fazer
duas coisas opostas simultaneamente. Contudo, em
nossas cabeças, isso é possível quando o pensamento
se tornou bastante móvel para ser reversível. Somente
quando as partes puderem ser reunidas em sua mente
é que a criança poderá “ver” que há mais animais que
cachorros.

É por isso que Piaget explica a obtenção da estrutura hierárquica da


inclusão de classes pela mobilidade crescente do pensamento da criança.
Por essa razão é tão importante que as crianças possam colocar todos
os tipos de conteúdos (objetos, eventos e ações) dentro de todos os tipos
de relações.

Durante a construção do conceito de número as crianças também


precisarão da in­clusão, pois, num primeiro momento, elas concebem
o cinco completamente distinto e independente do quatro, mas, para
ampliar sua compreensão, elas precisarão perceber que não existe a
quantidade cinco sem a quatro; assim o quatro está incluído no cinco.

Atividades que promovem a formação da estrutura de classificação

Muitas são as opções de atividades e recursos que podem ser utilizados


em classifi­cação:
UNIUBE 223

• Atividades cujo foco seja as próprias crianças: organizar filas,


grupos de meninos e meninas, alunos que usam óculos e alunos
que não usam (se houver discriminação, é um bom momento para
trabalhar valores humanos);
• As aulas de artes também podem ser ricas em classificação:
mosaicos com sementes, com pedrinhas, folhas etc.
• O estudo de Ciências com suas classificações: seres vivos/não
vivos, vertebrados/ invertebrados, mamíferos/aves/répteis/anfíbios,
cadeia alimentar, animais selvagens/ domésticos etc.
• Em História e Geografia também utilizamos classificação, como a
casa, a rua, o bairro, a cidade, o estado, o país, o continente, o
planeta.
• Montar coleções: botões, chaveiros, cartas de jogos infantis etc.
• A organização e o cotidiano da sala de aula: “Vamos organizar a
sala?” “É possível reorganizar as carteiras? Como podemos fazer?”
• O uso de sucatas: toquinhos de madeira, peças plásticas,
tampinhas, latinhas com cores variadas, embalagens diversas.
• Brinquedos industrializados. Jogos de encaixe e empilhamento.
• Blocos lógicos, Barrinhas de Cuisinare, materiais confeccionados
com papel-cartão, cartolina etc.

5.2.2.3 Princípios lógicos: seriação

Seriação: Lidamos cotidianamente com a ideia de seriação. Ela está


presente na rotina diária das pessoas (levantar, tomar café, ir trabalhar,
almoçar, retornar ao trabalho, jantar, descansar, dormir) e em muitas
outras atividades que exijam certa ordem para serem vivenciadas (ordem
no sentido de organização): calendário, dirigir um carro, dicionário,
acessar a internet, calçar os sapatos etc.

Além do processo de seriação ser fundamental à formação do conceito


de número, ele presta-se também para a introdução de vocábulos
específicos, tais como: primeiro, segundo, terceiro..., último, meio, antes,
depois, frente, atrás, direito, esquerdo, alto, baixo etc. observe que toda
palavra é um exemplo de seriação.

As atividades de seriação possibilitarão a construção de séries, isto é,


conduzirão a criança a aprender a ordenar conjuntos de objetos.
224 UNIUBE

A estrutura de seriação também depende da abstração reflexiva, é,


portanto, uma construção interna da criança. Assim sendo, o professor
não deve raciocinar pela criança e mostrar a ela o que fazer. É preciso
que ela pense o que é necessário fazer.

Segundo Piaget (SEBER, 1991, p. 60 apud PIAGET; INHELDER,


1975), as atividades que permitem a construção da ideia de seriação
são: construir uma série, estabelecer correspondência serial, desenhar
as séries, nomear os elementos da série e dizer como foi construída,
estimular o uso de termos que envolvem relações, quantificação aplicada
à série, construção conjunta de várias séries.

Vejamos um pouco de cada uma delas.

1. Construir uma série.

A princípio, criar situações em que a criança se veja inserida em uma


sequência: uma fila indiana, uma fila com criança de pé, outra agachada,
uma de pé, outra agachada...

Depois, ainda com material concreto (Figura 19):

Figura 19: Blocos lógicos.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Em um próximo passo, utilize materiais que permitam uma graduação,


como as Bar­rinhas de Cuisenaire.

Peça às crianças que as organize de modos diferentes (Figura 20):

Figura 20: Barrinhas de Cuisenaire.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
UNIUBE 225

2. Correspondência serial.

Quando as crianças já conseguirem ordenar objetos, peça que façam a


seriação de um conjunto, colocando em correspondência elementos de
outro grupo (Figura 21).

A estrutura de correspondência é que posteriormente permitirá à criança


associar os elementos de uma série aos numerais: um, dois, três, quatro...

Figura 21: Corações.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

3. Desenhar as séries.

Ao desenhar as séries, a criança está abstraindo, isto é, relacionando o


concreto (como as Barrinhas de Cuisenaire) ao abstrato (o desenho).

4. Nomear os elementos de uma série.

É o que fazemos quando alguém nos pergunta: Quais são os números


primos? o nome da série “números primos” nos remete aos elementos: 2,
3, 5, 7, 11, 13...

Quanto a dizer como foi construída, remete à lei de formação. A lei de


formação de uma série será muito requisitada no estudo de funções,
principalmente na segunda fase do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

A sequência de Fibonacci, uma sequência famosa, é formada pela soma


dos dois ele­mentos anteriores. Então, a começar de 1, temos: 1, 1, 2, 3, 5,
7, 12,19...

Assim, mesmo que aparentemente não faça muito sentido dar nome a uma
série e dizer como ela foi construída. Esse processo auxilia na aquisição de
uma importante estrutura.

5. Estimular o uso de termos que envolvem relações.


226 UNIUBE

Estabelecer relações de ordem: maior, menor, menos, mais etc.

Construída uma sequência de Barrinhas de Cuisenaire, por exemplo,


retirar um ele­mento e pedir à criança que encontre um elemento maior
que ele ou menor e assim por diante.

6. Quantificação aplicada à série.

Ainda com as Barrinhas, escolher um elemento e perguntar: Quantas


temos depois desta? E antes?

Pedir à criança para montar uma escada, utilizando as réguas de papel.


Escolha uma delas, se preferir conte uma história: Um bicho estava
subindo a escada e parou aqui. Quantos degraus você acha que ele
subiu? Quantos ainda faltam para ele chegar até o final da escada?

7. Construção conjunta de várias séries.

Seriação múltipla é uma atividade que requer a


preparação de ma­terial especial confeccionado em
papel-cartão. Trata-se de séries com tamanhos e
tonalidades diferentes; cada tonalidade em todos os
tamanhos e cada tamanho em todas as tonalidades.

Esse tipo de material tanto pode ser ordenado de


acordo com os dife­rentes tamanhos (e todas as peças
da mesma cor) ou, então, de acordo com as tonalidades,
cada vez mais acentuadas (e todas as peças do
mesmo tamanho). Cada tamanho pode ter seis ou sete
tonalidades e cada tonalidade, seis ou sete tamanhos.
As diferenças entre tamanhos, tonalidades e quantidade
de objetos podem variar desde as mais gros­seiras
até as mais sensíveis. Cada grupo recebe um jogo.
Pede-se a arrumação de todos os elementos, da melhor
maneira possível. Os elementos devem ficar bem
arrumados e juntos, um ao lado do outro. O grupo deve
justificar o arranjo (SEBER, 1991, p. 128-130) (Figura 22).
UNIUBE 227

Figura 22: Barrinhas de Cuisenaire (outros arranjos).


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Atividades que promovam a seriação

As aulas de Educação Física podem fornecer momentos preciosos de


atividades ma­temáticas (Figura 23):

• organizar filas pela altura das crianças: da maior para a menor, da


menor para a maior;
• o pulo mais longo;
• o salto mais alto;
• quem corre mais rápido;
• pula mais corda;
• erra menos arremessos na cesta de basquete etc.;
• na lateralidade percepção espacial: direita/esquerda, atrás/à frente,

Na enumeração de fatos de uma história.

Figura 23: Tirinha matemática.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
228 UNIUBE

Observe que existe mais de uma possibilidade para “montar” a história.

Nas observações e relatos de experiências:

o o o
• a transformação do girino em sapo: 1 dia, 2 dia, 3 dia...
• a lagarta que vira borboleta;
• as fases da lua;
• as aulas de Inglês, Espanhol ou outras, também podem contribuir
ao trabalhar os dias da semana, a sequência numérica, os meses
do ano etc;
• questionamentos diversos, como: “Há mais meninas ou meninos?”,
“Há mais me­ninas ou crianças?”;
• blocos lógicos, Barrinhas de Cuisinare, materiais confeccionados
com papel-cartão, cartolina etc.

5.2.2.4 Princípios lógicos: conservação

Conservação: Entender conservação é saber que o número de um


conjunto de obje­tos pode apenas ser mudado por adição ou subtração:
todas as outras mudanças são irrelevantes.

Diante de dois conjuntos de doces (Figura 24), cada um com seis, sendo um
deles apresentado em fila, um doce encostado no outro, e o outro também
em fila, mas com espaço maior entre os doces, as crianças que ainda não
conservam, dizem que a se­gunda fila tem mais doces que a primeira.

Figura 24: Brigadeiros.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
UNIUBE 229

Caso as duas filas sejam do mesmo tamanho, porém formadas por


diferentes quantidades de doces, o mais provável é que considerem as
filas com o mesmo número de doces (Figura 25).

Figura 20: Brigadeiros.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Então, a criança ainda não se apropriou da conservação, não sabe o


que a palavra “seis” realmente significa. Ela é capaz de contar bem no
sentido de que os números certos são produzidos na ordem certa, mas
a criança não entenderá o significado desses números até que tenha
compreendido a conservação.

As crianças devem compreender conservação a fim de saber o que estão


fazendo quando contam. As crianças que não captaram a conservação
não terão qualquer noção de número cardinal. Estarão repetindo
mecanicamente, por “decoreba”, as palavras que identificam os números.
Além disso, existe uma forte relação entre conservação e as operações
de adição e subtração (campo aditivo).

Apesar da fácil associação ao número, o conceito de conservação não se


restringe à aritmética, na geometria e nas medidas ele também se mostra
importante: diante de dois pedaços de barbante de mesmo comprimento,
sendo um colocado em linha reta e outro em linha curva, geralmente as
crianças que ainda não assimilaram a conservação acreditam que um
deles é maior que o outro.
Com efeito, a noção da conservação da quantidade
da matéria, que chamaremos de conservação da
substância e que se encontra no ponto de partida da
quantificação das qualidades físicas (peso, volume
etc.), pode ser considerada ao mesmo tempo como o
ponto de chegada da matematização elementar que
engendra o número (PIAGET; INHELDER, 1975, p. 36
apud SOUSA, 2005, p. 2)
230 UNIUBE

O processo de conservação só é dominado quando as crianças


conseguem discernir as modificações que influem nas propriedades dos
objetos, daquelas que não influem em suas propriedades, isto é, atuam
somente nas aparências deles.

Um quadrado girado em 90º não deixa de ser um quadrado. Neste caso,


a criança precisa também do conceito de inclusão: um quadrado também
é um losango, em qualquer posição que esteja (Figura 26).

Figura 26: Quadrados.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

RELEMBRANDO

Losango: quadrilátero com todos os lados iguais.

Quadrado: quadrilátero com todos os lados iguais e quatro ângulos de 90º 

O processo de conservação com grandezas contínuas (líquidos, massas,


comprimen­tos) é, geralmente, mais difícil do que quando as grandezas
são discretas (separadas, como doces, balas, tampinhas, barrinhas etc.).

A criança que ainda não construiu a noção de conservação, ao comparar


a mesma quantidade de líquidos, em copos diferentes, tende a achar
que o copo onde o líquido fica mais alto possui mais líquido (Figura 27).
UNIUBE 231

Figura 27: Copos contendo líquidos.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Com relação à massa, não seria diferente. A criança, mesmo ciente de


que as quan­tidades são as mesmas, consideram como “maiores” ou “que
têm mais” a que estiver mais espalhada (Figura 28).

Figura 28: Bolinhas feitas de massa de modelar.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

A grande importância da conservação deve-se ao fato de ela ser


fundamental para o desenvolvimento do conceito de reversibilidade: a
toda ação existe outra, mas de efeito oposto.

A conservação, conforme Borges (2003), é importante não apenas


para a Matemática, mas também para a formação do indivíduo. Sua
ausência faz com que muitos adultos centrem a atenção em um dos
aspectos de um problema, sem articulá-lo aos demais, sem retornar ao
ponto de partida para refletir sobre os elementos que se modificam e os
que se conservam. Enfim, ficam sem condições de analisar criticamente
situações sociais, políticas etc.

Atividades que promovam a conservação

Dada a importância da conservação, vamos observar alguns de seus


aspectos indivi­dualmente:

a) Conservação das quantidades contínuas


232 UNIUBE

As atividades de conservação das quantidades contínuas estão


associadas às noções de comprimento, massa, volume, área, enfim, a
medidas.

Pelas dificuldades que as crianças apresentam na compreensão desse


princípio, convém ressaltar a necessidade de uso de situações reais e
material concreto.

• Brincadeiras com areia: colocar em vasilhames iguais a mesma


quantidade de areia, em seguida, “brincar”, trocando a areia de
vasilhame – mais largos, mais estreitos, mais altos, mais baixos
etc. Sempre efetuar comparações: “Algum tem mais?”, “Algum tem
menos?”, “Qual?”, “Por quê?”
• Atividades com líquidos coloridos, seguindo o mesmo princípio que
com areia.
• Modelagem com massinha, cuidando para que as diferenças sejam
perceptíveis a olho nu, sem o uso de balança ou, se necessário,
com balanças artesanais.
• Cortar cordões ou tiras de cartolina em pedaços e reagrupá-los,
formando novamente o todo.

b) Noção de reversibilidade

• Jogos que ressaltem o fazer e o desfazer, como o jogo do contrário:


uma equipe executa uma determinada sequência e a outra precisa
refazê-la ao contrário.
• Blocos de encaixe que possam ser montados, desmontados e
remontados.
• Percurso de pequenos trajetos: ida e volta.
• Brincadeiras no parquinho ou na praça: subir e descer nos
brinquedos.
• Reorganização de histórias, invertendo começo e fim.
• Jogos como dama e xadrez, com análise antecipada das jogadas:
“Se fizer essa jogada... acontece...”, “Se fizer essa outra...
acontece...”, “Se for por ali... perco minha torre.”
UNIUBE 233

c) Conservação das quantidades descontínuas

Atividades em que as próprias crianças sejam posicionadas em diferentes


lugares da sala de aula. Escolher cinco crianças e posicioná-las:

• Primeiramente em fila, uma atrás da outra.


• Depois em círculo.
• Todas em um mesmo canto da sala.
• Uma em cada canto da sala, etc.

A cada disposição levantar questionamentos com a turma: “onde tem


mais crianças? Nesta posição ou na anterior?”. Por quê? Se necessário,
forme dois grupos com cinco crianças, deixando um em fila e modificando
o outro, a fim de facilitar as comparações.

d) Substituir as crianças por objetos e posteriormente por figuras

A conservação, assim como os demais princípios lógicos, deve ser


trabalhada em momentos variados. A percepção de que um determinado
momento é propício para esta ou aquela atividade fica a cargo do(a)
professor(a). Além disso, muitas das atividades descritas anteriormente
podem e devem ser adaptadas.

• Dividir um grupo de dez alunos em dois grupos de cinco. Pedir


às crianças que estabeleçam comparações. “Algum tem mais?”,
“Qual?”, “Por quê?” Em seguida, distribuir, a cada elemento de um
grupo, uma bola pequena, e a cada elemento do outro grupo uma
bola grande. “Algum grupo tem mais bolas?”, “Qual?”, “Por quê?”,
“o que fazer para que tenham a mesma quantidade?”
• Repetir a atividade anterior, variando o local e os materiais (se
utilizou bolas – na quadra, utilize lápis ou pincéis – na sala de aula),
e também a quantidade de crianças.

Brincadeiras com palitos, botões, tampinhas, sementes etc., em que as


crianças, em grupo ou individualmente, recebam a mesma quantidade
de material, montem figuras e comparem com a dos colegas. A ideia é
de que percebam que, apesar de as figuras serem diferentes umas das
outras, a quantidade de material não mudou.
234 UNIUBE

O uso de cartões é, segundo Lorenzato (2006, p. 126), um ótimo recurso


para a percepção da conservação de quantidade, variando a disposição
de figuras. Mostre um cartão por vez e peça para que comparem os
elementos (Figura 29).

Figura 29: Garfinhos e brigadeiros.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Até este momento, estudamos a construção do conceito de número


no que se refere à aquisição de estruturas lógico-matemáticas, isto é,
representações sobre números.

A importância que devemos atribuir à formação lógico-matemática do


número não quer dizer, em momento algum, ser desnecessário construir
outros conhecimentos relacio­nados ao campo conceitual de número.

Para Kamii (1996), é bom que a criança aprenda a contar, ler e escrever
numerais, mas é muito mais importante que ela construa a estrutura
mental de número. Se a criança tiver construído esta estrutura terá maior
facilidade em assimilar os símbolos a ela. Se não a construiu, toda a
contagem, leitura e escrita de numerais será feita apenas de memória,
ou seja, decorando.

Assim sendo, concomitante à construção das estruturas lógico-


-matemáticas (representa­ções sobre números), devemos abordar a
contagem (representações sobre quantidades) e a leitura e escrita de
numerais (representações sobre sistemas).
UNIUBE 235

5.2.3 Representações sobre quantidades: contagem

A contagem envolve sempre dois aspectos do número, que são


estreitamente ligados: o ordinal e o cardinal.

O cardinal refere-se ao número de elementos do conjunto e está vinculado


à relação de inclusão presente no conceito de número. Utilizamos um
número cardinal em resposta à pergunta “quantos?”. Exemplos: “Quantos
anos ela tem?”, “Quantos alunos faltaram?”

O ordinal refere-se à ordem do número da série e está relacionado à ideia


de ordem presente no conceito de número. Utilizamos um número ordinal
em resposta à pergunta “qual?”. “Qual foi a classificação do atleta?”

Podemos, conforme a situação, escolher qual aspecto utilizar. Assim,


fazer cinco anos significa que já foram feitos 4, 3, 2 e 1 ano, pois o 5 inclui
todos os anteriores, mas também significa um momento específico de
uma série, que é o quinto. Esses exemplos mostram como os aspectos
cardinal e ordinal do número acontecem ao mesmo tempo. É por conta
desses dois aspectos simultâneos do número que podemos empregar
expressões tais como: mais que, tanto quanto, menos que, sucessor de,
antecessor de e mesmo que.

O mundo da contagem é apresentado à criança, desde muito cedo, no


convívio com outras pessoas (adultos, jovens e outras crianças), ao
realizar atividades como:

• Contar degraus, ao subir uma escada.


• Mostrar os dedinhos, indicando a idade que possuem.
• Cantar músicas que possuem a sucessão numérica:
“Um, dois, três indiozinhos...”
“Um elefante incomoda muita gente...”
“Cinco patinhos foram passear...”
“Um, dois, feijão com arroz...”

• Esperar o aniversário, contando os dias que faltam.


• Brincadeiras que envolvam contagem: pique-esconde, pique-pega,
pula-corda.
• Ajudar a mãe a fazer um bolo: uma xícara de açúcar, três de
farinha, quatro ovos etc.
236 UNIUBE

• Aprender a lidar com dinheiro, comprando um picolé, um lanche.


• Aprender a fazer seus próprios brinquedos.
• Explorar, visualmente, o espaço que a cerca e identificar a
presença do número.

Certamente você também aprendeu a contar desde muito cedo. Então


faça um teste (Figura 30):

Quantas figuras há no retângulo? _____________

Figura 30: Pirulitos.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Agora responda:

Foi difícil efetuar esta contagem? ___________

Você contou uma a uma? ______________

Você se preocupou com as posições que cada uma ocupa?


_________________

Você levou em conta que as figuras têm tamanhos diferentes?


__________________

Provavelmente você respondeu negativamente a todas essas questões!


Isso porque a quantidade de elementos não exige que você utilize
estratégias de contagem.
UNIUBE 237

Não se preocupar com as dimensões de cada objeto e suas posições


dentro da co­leção indica que você se deteve no que Piaget e Vergnaud
denominaram “invariante operacional”. As características tamanho e
posição não vão influenciar nos processos de quantificação.

No mesmo sentido, já descobrimos que é mais fácil quantificar objetos


fixos em um plano, do que peixinhos soltos num aquário, que não param
um segundo, ou quantificar as crianças no momento em que estão
correndo no pátio da escola (por isso, pedimos para fazerem fila, para
não errarmos na contagem).

A não contagem da coleção para sua quantificação está ligada ao fato


da quantidade de objetos ser, segundo Piaget, perceptiva. A quantidade
perceptiva, menos que cinco, permite ao indivíduo sua quantificação
pela simples identificação visual, sem requerer uma estruturação lógico-
matemática. Até mesmo alguns pássaros conseguem distinguir entre ”oo”
e “ooo” (KAMII, 1996).

Vejamos o que acontece com o processo de quantificação quando a


coleção tem uma quantidade bem maior (Figura 31):

Quantas figuras há no retângulo? _____________

Figura 31: Pirulitos.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Agora responda honestamente:

Foi difícil efetuar esta contagem? ___________

Você contou uma a uma? ______________


238 UNIUBE

Você precisou apontar o dedo, identificando a figura que estava


contando? ___________

Você se preocupou com as posições que cada uma ocupa?


_________________

A fim de contar adequadamente, inicialmente precisamos saber a


recitação da sequência oral da sucessão numérica dos naturais; depois,
para cada um registrado, apontando nosso dedo ou simplesmente nosso
olhar, falamos um número; e vamos, conforme con­tamos, isolando os
contados dos não contados. Por envolver tantas ações simultâneas é
que o processo de contagem não é tão simples quanto parece. Ele não
é apenas mental, envolve todo o corpo.

Um aspecto importante entre essas habilidades é o fato de termos a


quantificar grandes quantidades agrupando dois a dois, três a três,
cinco a cinco, numa evidente tentativa de racionalização do processo de
quantificação, que é de fundamental importância para o desenvolvimento
do conhecimento matemático: transformar quantidades não perceptivas
– maiores de cinco –, em grupos de pequenas quantidades, perceptivas.

Todas as ações descritas há pouco, que a criança realiza com contagens


fora da escola, também podem ser utilizadas na escola. Além disso, o(a)
professor(a) ao desenvolver a classificação, seriação e conservação pode
aproveitar e promover a quantificação.

5.2.4 Representações sobre sistemas: leitura e escrita de numerais

• A associação número-numeral, o reconhecimento dos algarismos,


a função social da escrita numérica, são fatores merecedores de
nossas atenções.
• Orientar os alunos na realização de uma pesquisa sobre onde
encontramos os núme­ros na vida. São muitos os números com
que lidamos em nosso dia a dia: números de telefones, endereços,
placas de carro, identidade, CPF, CEP, PIS, códigos de barras,
contas a pagar, preços das mercadorias, medidas de tempo,
comprimento, massa, capacidade, superfície, volume, números
das loterias, gráficos de porcentagens, etc.
UNIUBE 239

• Discutir com a turma a natureza dos números encontrados: se


podemos operar com os números encontrados ou se são apenas
números que servem para identificação como código.
• Fazer um painel em sala de aula indicando os números que
podemos operar e os números que são apenas identificadores.

O sistema de numeração que utilizamos (indo-arábico) requer das


crianças, além do conhecimento lógico-matemático, um conhecimento
social.

Ao começar a representar suas contagens, associando números a


numerais, a criança percebe que existe uma correspondência entre o
que se fala e a escrita (Figura 32).

Figura 32: Pirulitos.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Após nove, entram em evidência algumas características de nosso sistema


de numera­ção: posicional e de base dez. Posicional porque o algarismo
assume valores relativos conforme a posição que ocupa no numeral. De
base dez porque os agrupamentos são realizados a cada dez.

Assim sendo, para que a criança consiga ler e escrever corretamente os


numerais, ela deverá:
240 UNIUBE

• Perceber que a numeração escrita (numerais) só possui dez


distintos símbolos (algarismos); que do dez em diante todos os
numerais são compostos com estes primeiros dez símbolos e que
o valor de cada número depende da posição que os algarismos
ocupam em cada numeral.
• Perceber que a contagem verbal segue um critério do zero até o
nove (a símbolos diferentes correspondem nomes diferentes) e
outro critério do dez em diante (novos nomes para os mesmos
símbolos).
• Perceber que a leitura de cada numeral maior que nove depende
da posição que ocupam nele os algarismos.

A leitura e a escrita de numerais estão intimamente relacionadas ao


sistema de nume­ração, que por sua vez se interliga ao campo aditivo,
já que as ordens “são criadas” a partir da necessidade de se agrupar
(somar) dez grupos (de unidades, de dezenas etc.).

Então, “fazer Matemática” remete à visão de uma teia de aranha. Cada


segmento tem sua importância, seu valor e não resiste sozinho, está
permanentemente conectado aos demais, auxiliando e sendo auxiliado
por eles.

Contudo, para o professor, mais importante que desenvolver atividades


com a criança, é compreender que a capacidade infantil em realizar
atividade matemática está estri­tamente ligada ao pensamento autônomo
que a criança possui – sua capacidade de desenvolver e aplicar
estratégias operatórias de resolução de situações de impasse e de
vencer desafios.

5.3 A alfabetização matemática e o desenvolvimento da


autonomia intelectual, afetiva, social e motora da criança

É um erro querer extrair explicações pedagógicas acerca da construção


do conceito de número pela criança, retirando-as do contexto global da
teoria de Piaget:
UNIUBE 241

Num livro sobre educação, Piaget (1948, Cap.


IV) declarou que a finalidade da educação deve ser
a de desenvolver a autonomia da criança, que é
indissociavelmente social, moral e intelectual. A
aritmética, assim como qualquer outra matéria, deve
ser ensinada no contexto desse objetivo amplo. [...]
Autonomia indica o ato de ser governado por si mesmo,
de fazer suas próprias escolhas. É o contrário de ser
heterônomo, isto é, deixar que os outros escolham por
você (KAMII 1996, p. 33).

Então, contribuir com o desenvolvimento matemático das crianças requer


que esteja­mos sempre a estimulá-las no processo de compreensão e
explicação. Essa postura deve ser adotada a todo o momento, em todas
as oportunidades, criando situações por meio das quais a criança possa
criar suas próprias hipóteses, testá-las, revelá-las, ou simplesmente
abandoná-las. É preciso que compreendamos que a matemática não é
apenas uma ciência, mas é, antes de tudo, uma atividade humana que
deve participar da constituição do ser.

Portanto, esse pensamento autônomo, base da construção do


pensamento matemá­tico, além de traduzir a autonomia cognitiva que
a criança porta, está profundamente enraizado no desenvolvimento
da autonomia moral dela. A autonomia moral, condição primária para
a autonomia intelectual, diz respeito à condição que a criança tem de
tomar decisões por si só, de agir de acordo com suas percepções acerca
da situação, da liberdade de cometer erros, criar e testar as próprias
hipóteses, enfim, de ser a primeira e a principal responsável por suas
descobertas, realizações e aprendizagens.

5.4 Conclusão

Esperamos que você tenha construído conhecimentos importantes,


acerca deste nosso tema. Entretanto, para que possa obter maior
aproveitamento do que foi apresentado, orientamos sobre a necessidade
da realização das atividades propostas. A cada ques­tionamento você
deverá refletir sobre aquela questão. Não se preocupe quanto a acertar
ou errar. Acertos e erros são seus “parceiros” mais próximos, corrigem
caminhos e in­dicam novas rotas! Não se esqueça de que este é seu material!
242 UNIUBE

Levantando hipóteses, você terá a oportunidade de, ao terminar a


atividade, retomar a leitura e se autoavaliar, fundamentando conceitos,
revendo posições e promovendo uma real aprendizagem.

Tenha sempre à mão um bom dicionário!

Bom trabalho!

Resumo

Este capítulo aborda a alfabetização matemática da criança no que se


refere à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Mais precisamente quanto ao racio­cínio lógico-matemático – proposições
de Piaget, Vygotsky e Vergnaud; à construção do conceito de número
como campo conceitual – número, numeral e algarismo, construção
das estruturas lógico-matemáticas de correspondência termo a termo,
classificação, inclusão, seriação e conservação, representações
sobre quantidades (contagem), leitura e escrita de numerais; e ao
desenvolvimento da autonomia da criança.

Atividades

Atividade 1

“Campo conceitual é, para Vergnaud, um conjunto informal e heterogêneo


de problemas, situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e
operações de pensamento, conectados uns aos outros e, provavelmente,
entrelaçados durante o processo de aquisição” (BRASIL, 2002).

Considerando o proposto por Vergnaud e seus conhecimentos sobre o


campo conceitual de número, analise as afirmativas a seguir.

I – Para construir o conceito de número é suficiente que os alu-


nos construam habilidades de contagem, leitura e escrita de
numerais.
II – Historicamente, podemos afirmar que a ideia de número é o
resultado de uma lenta construção da humanidade na busca
pela representação de quantidades, da necessi­dade de medi-
das, na medida do tempo etc.
UNIUBE 243

III – Conforme Vergnaud, o conceito de número está entrelaçado


a outros conceitos, sendo que todos estes devem ser adqui-
ridos na Educação Infantil ou no primeiro ano do Ensino Fun-
damental.
IV – O numeral e os algarismos são conceitos sociais e, portanto,
se alteram conforme a língua e o sistema de numeração uti-
lizado. o número, por sua vez, trata-se de um conhecimento
lógico-matemático, é o mesmo em qualquer lugar do mundo.
V – O conceito de número como princípio lógico-matemático or-
ganiza-se, passo a passo, na construção de determinadas
estruturas lógicas, entre elas: classificação, ordem e conser-
vação.

Estão corretas apenas as afirmativas:


a) I, II, III e V;
b) II, IV e V;
c) II, III e V;
d) I, IV e V.

Atividade 2

Para Kamii (1996, p. 40),

[...] é bom que a criança aprenda a contar, ler e escrever


numerais, mas é muito mais importante que ela
construa a estrutura mental de número. Se a criança
tiver construído esta estrutura terá maior facilidade em
assimilar os símbolos a ela. Se não a construiu, toda
a contagem, leitura e escrita de numerais será feita
apenas de me­mória, ou seja, decorando.
No texto trabalhamos com algumas estruturas lógicas necessárias à
construção do conceito de número, pela criança. Associe cada uma delas
à justificativa que considere mais adequada.

Estruturas lógicas:

I. Correspondência ( )
II. Classificação ( )
III. Seriação ( )
IV. Conservação ( )
V. Inclusão ( )
244 UNIUBE

Justificativas:

a) ____________ elementos distintos, mas pertencentes a um mesmo


grupo e perce­ber a relação de todos/alguns existente entre eles.
Por exemplo, em: gatos, cachorros, coelhos e tartarugas. Todos os
elementos do grupo são animais, alguns são cachorros.

b) Assim, a ____________ será fundamental para a compreensão de que


dez unida­des correspondem a uma dezena, uma dúzia corresponde a
doze unidades, 1 quilômetro equivale a 1.000 metros etc.

c) A estrutura de ___________ é que permite à criança “organizar” o


mundo à sua volta, relacionando elementos, objetos e eventos que,
caso contrário, estariam soltos, desconexos: uberabense, mineiro,
brasileiro, sul-americano, somos todos nascidos em Uberaba-MG.

d) O processo de ____________ só é dominado quando as crianças


conseguem discernir as modificações que influem nas propriedades
dos objetos, daquelas que não influem em suas propriedades, isto é,
atuam somente nas aparências deles.

e) As atividades de ____________ conduzirão a criança a aprender


a ordenar conjuntos de objetos. Posteriormente, conseguirão, por
exemplo, ordenar o conjunto dos números pares.

Atividade 3

A contagem envolve sempre dois aspectos do número, que são


estreitamente ligados: o ordinal e o cardinal.

Justifique a afirmativa e diferencie-os.

Atividade 4

Tratando dos processos de aquisição de estruturas lógico-matemáticas,


Kamii (1996, p. 17) afirmou: “o termo abstração construtiva poderia ser
mais fácil de entender do que abstração reflexiva, para indicar que esta
abstração é uma construção feita pela mente (da criança), em vez de
representar apenas o enfoque sobre algo já existente nos objetos”.
UNIUBE 245

Justifique a importância da autonomia da criança neste processo.

Atividade 5

A alfabetização e a alfabetização matemática são consideradas


elementares para o pleno exercício da cidadania no mundo globalizado
em que vivemos. Considerando seus conhecimentos, suas vivências
e também a leitura do primeiro tópico do roteiro, elabore um pequeno
texto em atenção aos questionamentos efetuados: o que será que quer
dizer alfabetização? E alfabetização matemática? Podemos estabelecer
alguma relação entre as duas?

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Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

BECKER, F. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artes


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BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação


Fundamental. Referencial Curricular Nacional Para a Educação Infantil.
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Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino de primeira à quarta série do
Ensino Fundamental. Brasília, 1998. Disponível em: <http://mecsrv04.
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246 UNIUBE

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Investigações em Ensino de Ciências. A teoria dos campos conceituais
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D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação matemática: uma visão do estado


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<http://www.brasilia.unesco.org/areas/educacao>. Acesso em: 23 abr. 2009.
Capítulo Alfabetização matemática II
6

Denise Cristina Ferreira Gomes

Introdução
Visando possibilitar a ampliação e a formação do conceito de
número, do nosso aluno, trataremos, neste capítulo, de como as
crianças compreendem sistemas de numeração e as implicações
que tais percepções trazem para a sala de aula. Assim, o sistema
de numeração decimal é visto sob a perspectiva de como as
crianças o entendem e da abordagem a ser realizada pelo
professor. Muito próxima dos sistemas de numeração está a ideia
de adição. Entramos então no domínio das operações aritméticas.

Na teoria dos campos conceituais – cujas ideias principais


retomamos –, as operações aritméticas estão incluídas em
dois campos. o aditivo, que envolve adição e subtração, e
o multiplicativo, com multiplicação e divisão. Estes campos
possuem estruturas de naturezas distintas, ainda que seja possível
estabelecer relações entre eles.

Complementando o que já conhece, que tal conhecer um pouco


as estruturas dos dois grupos, sua classificação, seus pontos em
comum, aplicação junto aos alunos, dentre outras situações?

De modo geral, as operações aritméticas são abordadas com


enfoque nos algoritmos. Esperamos que você possa, com
essa leitura, descobrir ou redescobrir o princípio de que ensinar
Matemática é mais que realizar operações; é despertar nos alunos
a alegria de poder realmente fazer Matemática!
250 UNIUBE

Objetivos
Após o estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de:

• demonstrar a importância do estudo da Matemática nos anos


iniciais do Ensino Fundamental;
• explicar como fazer Matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental;
• desenvolver um ambiente que permita uma postura
investigativa, fa­vorecendo a autonomia;
• explicar situações matemáticas no dia a dia que possam ser
exploradas na aprendizagem;
• identificar algumas das dificuldades da criança na
compreensão do sistema de numeração que usamos;
• demonstrar a origem dos conceitos de adição e subtração;
• explicar a importância do desenvolvimento do campo aditivo
no período de cinco a nove anos;
• descrever brevemente o desenvolvimento das estruturas
aditivas neste período;
• demonstrar a origem dos conceitos de multiplicação e divisão;
• explicar a importância do desenvolvimento do campo
multiplicativo no período de cinco a nove anos;
• descrever brevemente o desenvolvimento das estruturas
multiplicativas neste período.

Esquema
6.1 Alfabetização matemática: ampliando nossos estudos
6.1.1 Sistemas de numeração
6.1.2 Como é que as crianças entendem sistemas de
numeração?
6.1.3 Sistemas de numeração na sala de aula
6.2 Aritmética e PCNs: os campos conceituais
6.2.1 Campo aditivo
6.3 Campo multiplicativo
6.3.1 Estruturas multiplicativas
6.3.2 PCNs e campo multiplicativo
UNIUBE 251

6.1 Alfabetização matemática: ampliando nossos estudos

6.1.1 Sistemas de numeração

Continuando nossos estudos sobre alfabetização matemática, vamos dar


ênfase à matemática dos cinco primeiros anos do Ensino Fundamental.

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais – 1º a 5º anos do Ensino


Fundamental, a Ma­temática é dividida em quatro grandes blocos:

• números e operações;
• espaço e forma;
• grandezas e medidas; e
• tratamento da informação.

Nosso foco de estudos é o bloco de “números e operações”, o que não


nos impede de nos reportarmos aos outros blocos. A integração entre os
diversos blocos é, inclusive, uma recomendação contida nos próprios
Parâmetros Curriculares Nacionais.

Antes de nos dedicar a entender como as crianças aprendem o sistema


de numeração indo-arábico, que é o sistema de numeração que
utilizamos, vamos recordar um pouco sobre ele.

RELEMBRANDO

O nosso sistema possui uma estrutura de base que traz inúmeras vantagens.
Por exemplo, a estrutura possibilita que a criança gere nomes de números
em vez de memorizá-los todos mecanicamente. Precisamos, apenas,
lembrar de uns poucos nomes de números. Sabendo de um a nove e o
vinte, por exemplo, é fácil continuar: vinte e um, vinte e dois, vinte e três, e
assim por diante.

A base numérica desse sistema é a base de numeração decimal, ou seja,


a base 10. Portanto, quando escrevemos 5.348, por exemplo, estamos nos
referindo ao numeral que contém 5 milhares = 5.1000 (cinco vezes o mil),
252 UNIUBE

três centenas = 3.100 (três vezes o cem), quatro dezenas = 4.10 (quatro
vezes o dez) e oito unidades. Podemos escrever este mesmo número como
potências de dez:

5.348 = 5.103 + 3.102 + 4.10 + 8

A composição aditiva do número é uma propriedade essencial dos


sistemas de nume­ração com uma base. Os nomes dos números tornam
esta composição aditiva bastante explícita. Por exemplo, entender
o sistema de numeração indo-arábico envolve entender que 45 pode
ser decomposto em quatro dezenas mais cinco unidades, e ao falar
“qua­renta” e “cinco” enfatizamos o princípio aditivo. Em outras palavras,
a mesma estrutura usada para contagem se torna a fonte da organização
para a escrita dos números.

Apesar das facilidades que apresenta em relação aos demais sistemas


de numeração, não podemos dizer que sua aprendizagem não apresente
dificuldades para as crianças. Muito pelo contrário; uma das maiores
dificuldades das crianças com a Matemática, nos anos iniciais, é
justamente a compreensão do sistema de numeração decimal.

Com o intuito de minimizar as dificuldades de aprendizagem, tem


crescido, em todo o mundo, as pesquisas para compreender o que as
crianças pensam e como constroem seus conhecimentos sobre o sistema
de numeração. Tais pesquisas têm referenciado
Algoritmos novas condutas na educação matemática.

Um algoritmo pode
ser entendido O foco do trabalho do professor passa a ser a
como um conjunto construção do conceito de número e do sistema
de regras, uma
sequência de de numeração em conformidade com o modo
procedimentos como as crianças constroem esse conhecimento.
mecânicos ou
ainda os passos Até então, esse foco era centrado em facilitar a
necessários para operacionalização, por meio dos algoritmos
realizar uma tarefa.
Nesse caso são como da soma e da subtração e, por isso mesmo,
utilizados para se extremamente mecanizado.
chegar ao resultado
de uma operação
aritmética. Quem nunca ouviu falar do famoso “quadro valor
de lugar”? Inevitavelmente passamos por ele. Pois
UNIUBE 253

bem, o Q.V.L. é um recurso recorrente quando o que se pretende é que


as crianças saibam “armar” operações de adição e subtração. Com ele,
talvez fique mais fácil de administrar o “vai um” e o “pedir emprestado”
ao tirar “de quem não tem”, mesmo que não faça muito sentido.

Por suas características, a utilização sistematizada do Q.V.L. favorece


a descaracterização do numeral – que passa a ser visto por partes:
unidades são unidades e dezenas são dezenas. Se perguntarmos a
uma criança quantas unidades tem o numeral 20 ela provavelmente
responderá nenhuma, porque habituou a se ‘desligar’ do todo e
“concentrar-se” nas unidades e dezenas. Este posicionamento do
professor, esse modo de ensinar, não é certo nem tampouco errado,
depende de suas concepções de mundo, de escola, de Matemática, de
aluno e também de professor

IMPORTANTE!

O material didático em si não pode ser considerado “certo” ou “errado”.


O uso, a aplicação que o professor faz dele o torna adequado ou não
a cada situação.

Se acreditarmos que vivemos em um mundo globalizado, em que


as novas informações dobram a cada dia, as ciências surgem com
descobertas e conceitos antes inimaginá­veis, velhas ciências revisitam
e renovam seus conceitos. Pensando nisso, você sabe quantos planetas
giram em torno do Sol? Lembra-se da sequência Mercúrio, Vênus, Terra,
Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão? Pois é, hoje ela está
errada. Plutão não é mais considerado um planeta. Desde 2006, o
conceito do que é um planeta mudou. Então, do que adianta apenas
repassar informações aos nossos alunos? E o que é pior: muitas vezes,
repassamos informações atrasadas! Muitos de nós, professores, ainda
nos baseamos nos livros em que estudamos para “ensinar” nossos
alunos. Repito: não que tais livros estejam errados (e às vezes estão),
mas apenas não correspondem às necessidades do mundo atual. Veja
o que Panizza (2006, p. 59) nos diz:

Sob esta perspectiva, as técnicas operatórias perdem


espaço. Apren­der Matemática passa a ser construir
254 UNIUBE

conhecimentos matemáticos, sendo a capacidade


investigativa, os problemas e a reflexão em torno destes
que permitem a esses conhecimentos ganharem sentido,
quando aparecem como ferramentas de resolução.

É importante que o ensino da matemática não esteja descontextualizado


em relação à vida; os conhecimentos devem contribuir para a resolução
de problemas, para a formação de competências significativas.

6.1.2 Como as crianças entendem sistemas de numeração?

O conceito de número ocorre gradualmente e, nessa etapa de ensino,


constrói-se ao mesmo tempo em que ampara as operações de
adição, subtração, multiplicação e divisão. Assim, enquanto trabalha
com as operações aritméticas, o aluno apropria-se do número e das
características de nosso sistema de numeração.

Entre as pesquisas desenvolvidas com relação a sistemas de numeração,


podemos destacar os trabalhos realizados por Delia Lerner e Patrícia
Sadovsky, na Argentina, e ainda por Terezinha Nunes e Peter Bryant, no
Brasil e na Inglaterra.

Delia Lerner e Patrícia Sadovsky, antes de mais nada, obtiveram duas


certezas:

a) As crianças constroem muito cedo hipóteses, ideias


particulares para produzir e interpretar representações
numéricas.
b) As crianças não constroem a escrita convencional
dos números tal qual a ordem da série numérica
(PANIZZA, 2006, p. 57-59).

E o que isso quer dizer?

Em primeiro lugar, não é possível desprezar o conhecimento matemático


que a criança traz para a escola. Mesmo aquelas que não frequentaram
a pré-escola construíram alguma forma de Matemática. Certamente a
criança sabe quantos anos tem, quantos irmãos possui, quantas bolas
de gude levou para brincar, o número de sua casa, do telefone, quantos
UNIUBE 255

pontos vale a figurinha do pacote de salgadinhos, quantos dias tem uma


semana e um mês, quanto precisa pagar por um picolé, entre outros.

Faz parte de jogos infantis, saber “contar”, por exemplo. Oralmente,


muitas crianças recitam eficazmente os numerais, algumas vão até cem
ou mais. Mesmo que não Sai­bam exatamente o quanto isto significa, elas
estão, de certo modo, se apropriando do sistema de numeração, já que
se dão conta da regularidade nos numerais.

Outro indício desse conhecimento informal, relatado pelas pesquisadoras,


é o de que ao comparar números relativamente grandes como 367 e 57,
as crianças indicam o 367 como sendo o maior e justificam dizendo que
ele “tem mais números”. Isso revela a compreensão da criança de que,
em nosso sistema de numeração, a quantidade de algarismos utilizados
em um numeral faz toda a diferença, quanto mais algarismos, maior é
o número.

Segundo as pesquisadoras, “para produzir os números cuja escrita


convencional ainda não adquiriram, elas misturam os símbolos que
conhecem, colocando-os de maneira tal que se correspondam como a
ordenação dos termos na numeração falada” (LERNER; SADOVSKY,
1996, p. 117-118).

Veja um exemplo citado por elas:

Yael, [...] enquanto está anotando sua pontuação no


jogo da guerra, anota “dez e oito” como 108 e justifica
dizendo que dez e oito se escreve assim “porque tem
um dez que é um ‘um’ e um ‘zero’, então se colocam os
dois com o oito (LERNER; SADOVSKY, 1996, p. 93).

As crianças elaboram conceitualizações a respeito da escrita dos


números, baseando­-se nas informações que extraem da numeração
falada e em seu conhecimento da escrita convencional das dezenas
exatas. Isto é, as crianças aprendem a escrever, em primeiro lugar,
os números com zeros: dez, vinte, trinta, (...) cem, duzentos, (...) mil;
para, depois, apropriarem-se da escrita dos números que estão entre
eles. E ainda, as diferenças entre a numeração falada ou seu registro
escrito (cento e vinte e três) e a representação com algarismos (123 e
não 100203) levam as crianças a algumas situações de conflito que vão
sendo pouco a pouco diluídas, à medida que elaboram estratégias para
resolvê-las (LERNER; SADOVSKY, 1996).
256 UNIUBE

PARADA PARA REFLEXÃO

Para aquelas pessoas acostumadas à realidade escolar nos anos


iniciais, os argumentos são válidos e realmente estão presentes no
cotidiano das crianças. Então, o que fazer? Como lidar com situações
assim? Qual relação existe entre estas situações e o que estudamos
no capítulo anterior?

É importante lembrar que, para Piaget, a série dos números constitui-se


como síntese da classificação e da seriação. E alguns princípios lógicos
– correspondência termo a termo, classificação, inclusão, seriação e
conservação, são etapas nessa conquista. Isso significa, entre outras
coisas, a capacidade de incluir “um” em “dois”, “dois” em “três”, “três”
em “quatro” etc., e, ainda, garantir que não vai se contar duas vezes o
mesmo elemento ou deixar algum sem contar.

Todos esses princípios estão intimamente ligados à construção da ideia


de número e também à compreensão de nosso sistema de numeração.
Ao recitar a série numérica, muitas crianças demonstram que descobriram
parte da regularidade e da organização que o sistema tem. Contudo,
saber recitar a série não é a mesma coisa que saber contar elementos
de um conjunto.

Podemos pensar, em princípio, duas razões pelas


quais as crianças precisam durante um tempo contar
tudo (tomar oito objetos ou fazer oito marcas no papel,
depois mais cinco e em seguida contar todos, de um
em um). Em primeiro lugar, poder contar a partir de
um nú­mero diferente de 1 exige um conhecimento da
recitação da série numérica muito maior. Em segundo
lugar, se ainda não pode controlar as relações parte/
todo características da soma, isto é, se ainda não pode
estabelecer uma relação entre dois conjuntos que
passam de ser “todos” a ser partes de um novo todo,
transforma então mental­mente todos os elementos em
“uns”; em outras palavras, transforma 8+5 em 1+ 1+
1+1+1+1+1+1+1+1+1+1+1 (PANIZZA, 2006, p. 57).

Saber contar na sequência – isto é, para acrescentar 5 a 8, basta contar


mais cinco elementos ao grupo original de 8, contando 9, 10, 11, 12, 13 –
UNIUBE 257

indica que a criança já se apropriou de uma série numérica maior. Assim, em


uma situação como acrescentar 3 a 20, responderá, rapidamente, 23, o que
indica também que estabeleceu relações aditivas entre os dois conjuntos.

[...] parece haver um caminho sequencial no qual a


compreensão das crianças se desenvolve com relação
ao entendimento de número.
O uso da estratégia de contar na sequência na adição
precede a compreensão das propriedades do sistema
de numeração, que serve como uma base para que as
crianças aprendam a ler e escrever números. Mas esta
sequência não parece ser uma série de pré­-requisitos
que as crianças têm que desenvolver por conta própria
(NUNES, 1997, p. 81).

Dos estudos de Nunes e Bryant, surgiu um questionamento importante:


a compreensão da composição aditiva é necessária para aprender a
escrever e ler números? No que concluíram:

Esta análise nos leva a acreditar que as crianças que


não entendem composição aditiva não serão capazes
de escrever e ler números, mas nem todas as crianças
que entendem composição aditiva ne­cessariamente
saberão como escrever e ler números. Também
po­demos acreditar que, se adequadamente ensinadas,
as crianças que entendem composição aditiva
prontamente aprenderão a escrever e ler números
(NUNES, 1997, p. 74).

Quando compreenderem o princípio aditivo do sistema de numeração,


as crianças entenderão e farão corretamente a correspondência entre a
numeração falada, sua correspondência escrita (se lembra do escreva
por extenso?) e a representação com algarismos. Como em nosso
exemplo anterior, cento e vinte e três será compreendido como 100 +
20 + 3 e escrito 123.

A compreensão do princípio aditivo é fundamental para o real


entendimento do sistema de numeração indo-arábico. Aí, entra
novamente em cena a ideia que os conhecimentos matemáticos se
difundem em forma de rede: a compreensão do sistema de numera­ção
facilita a operacionalização com números, ao mesmo tempo em que
operar nú­meros facilita a apropriação dos conhecimentos acerca do
sistema de numeração.
258 UNIUBE

6.1.3 Sistemas de numeração na sala de aula

Pensando nas conclusões dos pesquisadores sobre quais aspectos do


sistema de nu­meração as crianças consideram relevantes, quais as ideias
que elaboram acerca dos números? O que é realmente fundamental
aprender quanto ao sistema de numeração? É possível elaborar algumas
estratégias para o trabalho em sala de aula?

Vejamos o que sugerem Lerner e Sadovsky (1996, p. 117-118):

Introduzir na sala de aula a numeração escrita tal como


ela é e traba­lhar a partir dos problemas inerentes à
sua utilização, são duas regras a que nos submetemos
inelutavelmente na complexidade do sistema de
numeração. [...] Ao pensar no trabalho didático com a
numeração escrita, é imprescindível ter presente uma
questão essencial: trata-se de ensinar – e de aprender
– um sistema de representação. Será necessário
criar, então, situações que permitam mostrar a própria
organização do sistema, como descobrir de que
maneira este sistema “encarna” as propriedades da
estrutura numérica que ele representa.

Tradicionalmente, o ensino do sistema de numeração é realizado por


partes. Normal­mente começa na pré-escola ou 1º ano, apenas com os
numerais de zero a nove; no 2º ano até o noventa e nove; no 3º ano até o
novecentos e noventa e nove, aumentando gradualmente até ao 5º ano.

Por que não romper esta “barreira” e começar por onde as crianças
apresentam maior facilidade, que é nas dezenas e centenas exatas?
Depois de aprenderem como se es­crevem estas dezenas, centenas
e até mesmo milhares, as crianças se apoiarão neste conhecimento
para escreverem os numerais que faltam nos intervalos. Nesse caso, é
fundamental que a criança manipule diferentes materiais que contenham
números:

• livros (saber encontrar um determinado texto, a partir do índice ou


da página indicada pelo professor);
• calendários (reconhecer em qual dia está);
• agendas (marcar adequadamente a data de entrega de uma
atividade);
UNIUBE 259

• fitas métricas (medir objetos ou a si mesmo, estabelecer


comparações entre medidas);
• réguas, embalagens, figurinhas com pontuação, jogos diversos –
como o bingo etc.

A observação sistemática das regularidades nos numerais também


proporciona apren­dizagens sobre sistema de numeração.

EXEMPLIFICANDO!

Um quadro como o da Figura 1, ou com mais numerais, permanentemente


disposto na sala de aula, funciona como fonte de investigações e também
de consultas.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
31 32 33 34 35 36 37 38 39 40
41 42 43 44 45 46 47 48 49 50
51 52 53 54 55 56 57 58 59 60
61 62 63 64 65 66 67 68 69 70
71 72 73 74 75 76 77 78 79 80
81 82 83 84 85 86 87 88 89 90
91 92 93 94 95 96 97 98 99 100

Figura 1: Quadro com numerais.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

O professor pode perguntar ao aluno questões como: Que número é este?


Qual será o 49? Quando um numeral termina com dois? Qual numeral está
antes? E depois? O que você observa na primeira linha, e na segunda? O
que têm em comum?
260 UNIUBE

É importante estabelecer correlação entre a numeração falada e a


numeração escrita com numerais e, se possível, também a numeração
escrita com palavras. Afinal “23”, por exemplo, representa a mesma
quantidade que “vinte e três” e, como já foi dito, esta correspondência
auxilia na compreensão do princípio aditivo do sistema de numera­ção. o
mesmo ocorre com a composição e decomposição de numerais: 23 pode
ser decomposto em 20+3; e, “cinquenta e dois mil quatrocentos e setenta
e cinco” pode ser composto por 50.000 + 2.000 + 400 + 70 + 5 = 52.475.

Comparar, ordenar sequências numéricas possibilitam às crianças a


estabelecer critérios lógicos de encadeamento dos numerais. Uma
atividade sugerida por Lerner e Sadovsky (1996, p. 119) é a de organizar
uma loja.

EXEMPLIFICANDO!

O comércio, de modo geral, é rico em atividades que envolvam números,


como a descrita a seguir.

Nesta loja, serão vendidas balas em pacotes com quantidades diferentes


(4, 26, 62, 30, 12 e 40) e os preços desses pacotes são (em centavos) os
seguintes: 45, 10, 40, 60, 25, 85.

O trabalho das crianças, reunidas em pequenos grupos, será decidir o preço


de cada pacote de bala.
Quando os grupos realizarem a atividade, devem socializar os resultados
com toda a turma e, caso haja divergências, as próprias crianças deverão
criar argumentos que justifiquem suas escolhas e chegar a um consenso
no final.

Há, também, atividades que facilitam o processo de sobrecontagem,


como o jogo rápido, que pode ser realizado como o jogo da batata
quente: assentados, em círculo, faz-se passar uma bola, de mão em mão.
Simultaneamente, o professor puxa a fala: batata quente, quente, quente... e
interrompe quando quiser. Nesse momento, formula uma adição que possa
ser resolvida com sobrecontagem, pelas crianças, por exemplo, 13 + 4.

Outra opção é o educador propor uma ação diferente, por exemplo,


ao parar a bola, o professor fala um número e o aluno deve continuar
a sequência numérica de onde o docente parou, até que o mesmo
recomece a brincadeira.
UNIUBE 261

Com as crianças que já possuem algum domínio do sistema de


numeração e precisam lidar com numerais maiores, o professor pode
estabelecer comparações entre os números em tabelas e gráficos,
tornando a atividade significativa. A aplicabilidade dos numerais,
aparentemente tão fora da realidade do aluno como milhões, bilhões,
pode ser trabalhada com informações reais acerca de distância entre
planetas, arrecadações de impostos, gastos federais, estaduais ou
mesmo municipais.

Inúmeras outras atividades podem ser criadas ou adaptadas. Cabe a


você, quando estiver trabalhando, diagnosticar junto a seus alunos quais
conhecimentos possuem sobre sistemas de numeração, quais assuntos
serão pertinentes e colocar a imaginação e a disposição para trabalhar.
Apenas não se esqueça de que a postura do professor como facilitador
da aprendizagem é crucial em propostas como estas.

PONTO-CHAVE

Suas intervenções devem ser realizadas sempre no intuito de ajudar o


aluno a encontrar a resposta e não de “ensiná-lo” dando a resposta pronta.
Por exemplo, se a criança, em uma determinada atividade não consegue
escrever 65, pergunte a ela como se escreve 60. Se ainda assim não
conseguir, recomece pelos nós: 10, 20, 30, até que ela chegue ao 60 e
possa continuar com o 61 62... 65 (LERNER; SADOVSKY, 1996).

Cabe ressaltar que algumas das atividades sugeridas, como o bingo,


por exemplo, fazem parte do repertório dos professores há muito tempo.
A diferença não está na atividade em si, em seu rótulo de “tradicional”
ou “inovadora”. o que realmente importa na proposta de trabalho
apresentada – referenciada nas pesquisas citadas e ainda conforme os
PCNs – é que as atividades estejam centradas nos alunos e possam
permitir que eles:

• encontrem, admitam que existam e socializem diferentes formas


de proceder que levem a uma mesma resposta – ou a mais de
uma resposta correta, já que existem problemas com mais de uma
solução;
262 UNIUBE

• conversem sobre estes procedimentos, criem argumentos que os


justifiquem, enfim, que haja interação efetiva entre os colegas.
Essa parceria entre as crianças permite que troquem informações
e encontrem formas diversas de se resolver um mesmo problema,
enriquecendo seus conhecimentos;
• construam uma crescente autonomia na busca de estratégias para
a resolução de situações-problema;
• identifiquem o uso social da notação numérica e consigam, ao
longo do tempo, inte­grar a numeração falada com a registrada com
algarismos;
• construam a ideia de número, realizem contagens e sobrecontagens;
• investiguem, comparem, ordenem, componham e decomponham,
encontrem regu­ laridades e estabeleçam critérios lógicos no
sistema de numeração decimal;

Você pode estar se perguntando: o princípio aditivo, fundamental para


a compreensão do sistema de numeração, está associado à ideia de
adição. As crianças podem aprender a ler e a escrever números sem
separá-los em unidades e dezenas. Mas, sem esse conhecimento, como
vão aprender a somar? E as demais operações? É preciso saber somar,
subtrair, multiplicar, dividir...

As operações aritméticas fazem parte da vida do aluno, na escola e fora


dela, devendo, portanto, serem abordadas nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. o que muda é a perspectiva, o modo de se ver e fazer.

6.2 Aritmética e PCNs: os campos conceituais

proposta dos PCNs para a aritmética apoia-se principalmente nos


estudos do psicó­logo francês Gerard Vergnaud:

Vergnaud toma como premissa que o conhecimento


está organizado em campos conceituais cujo domínio,
por parte do sujeito, ocorre ao longo de um largo
período de tempo, através de experiência, matu­ridade e
aprendizagem. Campo conceitual é, para ele, um conjunto
UNIUBE 263

informal e heterogêneo de problemas, situações,


conceitos, relações, estruturas, conteúdos e operações
de pensamento, conectados uns aos outros e,
provavelmente, entrelaçados durante o processo
de aquisição. o domínio de um campo conceitual
não ocorre em alguns meses, nem mesmo em
alguns anos. Ao contrário, novos problemas e novas
propriedades devem ser estudados ao longo de vários
anos se quisermos que os alunos progressivamente
os dominem. De nada serve tentar contornar as
dificuldades conceituais; elas são superadas na medida
em que são encontradas e enfrentadas, mas isso não
ocorre de um só golpe (BRASIL, 2002).

O que significa dizer que um conceito ganha sentido em situações de


grande variedade; que não se analisa uma situação graças a um conceito
único, mas graças a um conjunto deles; e que os mesmos aspectos de
um conceito não são necessariamente adequados para tratar diferentes
situações ou para realizar diferentes procedimentos de tratamento.

Para Vergnaud (1990) é o processo de conceitualização


do real que torna o conhecimento operatório. Em
suma, a teoria dos campos conceituais é uma
teoria cognitivista do sujeito em situação. Como tal,
corresponde a uma abordagem psicológica do
conhecimento que leva em conta, ao mesmo tempo, o
processo de desenvolvimento e de aprendizagem do
indivíduo (BRASIL, 2000).

Assim como na teoria piagetiana, quando a criança entra em contato com


situações que já conhece entra em ação esquemas automatizados, ao passo
que ao se deparar com uma situação nova ocorre o desencadeamento
sucessivo de diversos esquemas que serão combinados, descombinados,
recombinados e acomodados (GONÇALVES, 2008).

A noção de esquemas de ação pode ser entendida como uma


representação da ação executada. Por exemplo, quando a criança “conta”
nos dedos para saber a quantidade de amigos que estavam brincando,
ela “representou” os amigos com os dedos, isto é, usou um esquema
de ação para realizar uma contagem. A criança muito provavelmente
não saiba explicar exatamente o esquema de ação que utilizou, por isso
Vergnaud chamou essa forma de conhecimento de “teoremas em ação”.
Quer dizer, teoremas que “aparecem” na ação.
264 UNIUBE

Imaginando uma situação em que a criança precisa juntar ou retirar


elementos de um grupo, como, por exemplo, certa quantidade de
bombons. Os teoremas em ação implí­citos são: o todo é igual à soma
das partes (para a adição) e se tirarmos uma parte de um todo, sobra a
outra parte (para a subtração). Segundo Nunes et al. (2002):

Na solução de problemas simples de adição e


subtração, como esses, a criança usa um esquema
de ação porque as relações parte-todo podem ser
aplicadas a qualquer objeto – os dedos, tracinhos
no papel, blocos. o objeto usado não importa, o que
importa é a ação e seu resultado. [...]
Esse tipo de solução, usando os dedos, costuma ser
classificado como “pensamento concreto”. No entanto,
não nos devemos con­fundir quanto ao significado
dessa expressão, pois “pensamento concreto” não
significa que a criança é incapaz de abstrações. Na
verdade, o que a criança demonstra claramente com
esse comporta­mento é sua capacidade de abstração e
generalização: ela sabe que o resultado obtido com um
símbolo – porque os tracinhos, blocos, dedos são nesse
caso símbolos representando os bombons – é o mesmo
que seria obtido se ela estivesse contando os próprios
bom­bons (NUNES et al., 2002, p. 43).

Sob este aspecto, é possível visualizar a influência de Vygotsky na teoria


de Vergnaud.
Segundo Vygotsky, quando a criança se torna capaz de
usar os siste­mas de símbolos para registrar eventos,
lembrar e pensar sobre eles, inicia-se um novo
processo de desenvolvimento, que ele considerava
essencialmente humano e social.
[...] as crianças desenvolvem na vida diária esquemas
de ação que elas usam para resolver problemas simples
de matemática. Esses esquemas de ação precisam ser
coordenados com o sistema de nu­meração para que a
criança possa resolver mesmo os mais simples problemas
de adição e subtração. Sem coordenar os esquemas de
ação com o sistema de numeração, a criança não poderá
dar uma resposta numérica aos problemas. Portanto, a
origem dos conceitos mais simples da adição e subtração
requer a coordenação entre os esquemas de ação e os
sistemas de sinais culturalmente desenvolvi­dos – nesse
caso, o sistema numérico é usado para contar (NUNES et
al., 2002, p. 43).
UNIUBE 265

Nessa perspectiva, a construção de um conceito envolve uma terna de


conjuntos, simbolicamente chamada por Vergnaud de S I R:

[...] o S é um conjunto de situações, que dá significado


ao objeto em questão; o I é um conjunto de invariantes,
que trata das pro­ priedades e procedimentos
necessários para definir esse objeto; e o R um conjunto
de representações simbólicas, as quais permitem
relacionar o significado desse objeto com suas
propriedades (MA­GINA, 2005, p. 4).

Vejamos o exemplo a seguir, para entendermos melhor o SIR.

EXEMPLIFICANDO!

Para Magina et al. (2008), um bom exemplo para diferenciar a representação


e a realidade pode ser encontrado nos números naturais. Um numeral
(significante) é utilizado para representar a ideia (significado) de número.
Observe na Figura 2:

Figura 2: Quantidade de bonecas.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

A quantidade de bonecas pode ser representada por 5 ou V.

Assim, temos dois signos (dois significantes) para representar uma


mesma ideia (um significado) do número cinco. O algarismo indo-arábico
5 (R-significante) e o algarismo romano V (R-significante) representam o
mesmo valor numérico cinco (I-significado), da quantidade de bonecas
representadas (S-referente).

Achou difícil entender? Tente associar esse exemplo à ideia de número/


numeral/algarismo abordada em estudos anteriores.
266 UNIUBE

Na realização de operações matemáticas, há a necessidade de


compreender os concei­tos matemáticos que lhes dão significados. Isto é,
as situações-problema, em que uma mesma operação pode ser utilizada
como estratégia de resolução, possuem algo em comum que merece
ser analisado e conhecido. Então, saber planejar, tomar decisões e
utilizar uma operação matemática adequada para resolver determinadas
situações são procedimentos que os alunos precisam aprender a utilizar,
na escola ou fora dela, a fim de realmente se apropriarem de um conceito.

6.2.1 Campo aditivo

Na adição e subtração encontramos outra conexão entre as teorias


piagetianas e o pensamento de Vergnaud. Para Piaget, estas operações
estão associadas à noção de conservação, às relações entre parte/
todo. Um todo, segundo ele, só se altera quando lhe adicionamos
ou subtraímos algo. Vergnaud, sem fugir muito a esta concepção de
Piaget, concebeu o chamado campo aditivo, isto é, um campo conceitual
envolvendo os conceitos pertinentes à adição e subtração. Embora sejam
operações distintas, ambas referem-se à relação parte/todo. Adicionar e
subtrair são, portanto, atividades correlacionadas.

Pode ser que você se pergunte: e o que isso tem a ver comigo?

A resposta é: tudo! Você está se habilitando para o trabalho com


Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, o que implicará
contato direto com a Matemática desses níveis de ensino. Para se
orientar, é preciso que você tenha algum conheci­mento além de seu
nível de ensino, mesmo que você só vá trabalhar com os naturais e
racionais positivos.

RELEMBRANDO

Números naturais: começam no zero e continuam para o infinito. São


discretos, isto é, representam valores, quantidades, inteiras (Figura 3).

Figura 3: Números naturais.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
UNIUBE 267

Números racionais: também não têm início nem fim, existe o infinito positivo
e o negativo, só que aparecem também aqueles números que estão “no
meio”, entre um inteiro e outro, que são frações ou decimais (exatos ou que
formam dízima periódica). Até o 5 o ano/4 a série, trabalhamos apenas com
números positivos (Figura 4).

Figura 4: Números racionais.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

6.2.1.1 Estruturas aditivas

Devido à grande diversidade de conceitos envolvidos nos conjuntos


numéricos e nas chamadas estruturas aditivas, estes fazem parte de
um conhecimento que o aluno adquire a médio e longo prazo, devendo
ser proposto ao longo de todo o Ensino Fun­damental. As situações
encontradas nas estruturas aditivas podem ser classificadas como
problemas de composição, problemas de transformação, ou como
problemas de comparação, ou, ainda, como problemas envolvendo a
combinação de dois dos anteriores (MAGINA et al., 2008).

Os problemas de composição estão intimamente relacionados às


situações que en­volvem parte-todo: juntar uma parte com outra parte
para obter o todo, ou subtrair uma parte do todo para obter a outra parte.

Exemplos:

a) Em uma sala de aula, há 12 meninos e 14 meninas. Quantas crianças


há ao todo?

Neste caso, meninos e meninas são partes que reunidas formam


o total de alunos da sala: 12 + 14 = 26. Podemos representar por:

A+B=?

A mais B é igual a quanto?

Temos uma composição positiva de estado final.


268 UNIUBE

b) Em uma sala de aula, há 26 crianças, sendo que 12 são meninos.


Quantas meninas há nesta sala?

Aqui temos o todo e uma das partes. Para saber a outra parte, é
necessário subtrair a parte conhecida do todo: 26 – 12 = 14.

Podemos representar o raciocínio envolvido por:

?+B=T

Quanto mais B é igual ao todo?

Temos uma composição positiva de estado inicial.

c) Em uma sala de aula há 14 meninas de um total de 26 crianças.


Quantos são meninos?

Podemos representar por:

A+?=T

A mais quanto é igual ao todo?

Temos uma composição positiva de estado intermediário.

DICAS

Os exemplos deste capítulo são bastante simples, elaborados apenas para


que você possa compreender as estruturas aditivas ou multiplicativas e as
relações que estão ocorrendo em cada situação. No trabalho com os alunos,
as situações-problema devem ser contextualizadas, diversificadas, de modo
que permitam interpretações, descobertas e verificação de estratégias.

Os problemas de transformação são aqueles em que um estado inicial


sofre uma transformação para chegar a outro estado. Tem sempre uma
ideia temporal envolvida: no estado inicial tem-se uma quantidade que
se transforma (com perda/ganho, acrés­cimo/decréscimo etc.), chegando
ao estado final com outra quantidade.
UNIUBE 269

Exemplos:

a) No início do ano, Bárbara media 1,60 cm. Durante o ano ela cresceu
4 cm. Qual a sua medida ao final do ano (Figura 5)?

Figura 5: tamanho de Bárbara (a).


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

O estado inicial 1,60 cm acrescentou 4 cm: 1,60 cm + 4 cm = 1,64 cm.


Podemos representar por:

Ao estado inicial associado a uma transformação positiva (afinal,


ela cresceu 4 cm) conduz a um estado final. Note que podemos ter
transformação negativa – como no caso de alguém que emagreceu, por
exemplo.

b) No início do ano Bárbara media 1,60 cm. Ao final do ano, ela estava
medindo 1,64 cm. Quantos centímetros ela cresceu este ano (Figura 6)?
270 UNIUBE

Figura 6: O tamanho de Bárbara (b).


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Temos os estados inicial e final e a diferença entre eles indica a


transformação:

1,64 cm – 1,60 cm = 4 cm. Podemos representar por:

O estado inicial associado a qual transformação concede o estado final?

Ao final de um ano, Bárbara mediu 1,64 cm. Sabendo que ela teve um
crescimento de 4 cm, qual era sua medida no início deste ano (Figura 7)?

Figura 7: O tamanho de Bárbara (c).


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
UNIUBE 271

Temos o estado final e a transformação. O estado final menos a


transformação nos indica o estado inicial: 1,64 cm – 4 cm = 1,60
cm. Podemos representar por:

O estado final associado a qual transformação concede o estado inicial?

As situações de comparação estabelecem uma relação entre duas


quantidades, uma denominada de referente e a outra de referido.
Exemplos:

a) Marcos tem 18 figurinhas. Pedro tem 6 a mais que ele. Quantas


figurinhas tem Pedro?

As figurinhas de Marcos são a referência, isto é, o referente do problema.


As figurinhas de Pedro são o referido, obtido através de uma relação
(adição): 18 + 6 = 24 (Figura 8).

Figura 8: As figurinhas de Pedro e Marcos (a).


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
272 UNIUBE

O referente mais a relação é igual ao referido. Temos uma comparação


positiva final. Observe que a relação também pode ser negativa: se Pedro
tivesse 6 a menos que Marcos, por exemplo.

b) Pedro, que possui 24 figurinhas, tem 6 a mais que Marcos. Quantas


figurinhas tem Marcos?

As figurinhas de Pedro são referido. Quantas ele tem a mais que Marcos
é a relação (+ 6) e as figurinhas de Marcos é o referente. Quantos mais
6 é igual a 24? É só fazer 24 – 6 = 18. Representamos pela imagem
descrita na Figura 9:

Figura 9: As figurinhas de Pedro e Marcos (b).


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Temos uma comparação positiva inicial.

c) Marcos tem 18 figurinhas e Pedro, 24. Quantas figurinhas a mais


Marcos precisa para ter o mesmo que Pedro?

Nesse caso, temos o referente (24 figurinhas) e o referido (18 figurinhas).


Falta encon­trar a relação entre eles, (subtração) 24 – 18 = 6. O referente
mais quanto é igual ao referido? Temos uma comparação intermediária.

Representamos pela imagem descrita na Figura 10:


UNIUBE 273

Figura 10: As figurinhas de Pedro e Marcos (c).


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Observe que nos três tipos de situações-problemas – composição,


transformação e comparação – podemos ter o valor desconhecido no
início, intercalado (intermediá­rio) ou ao final das situações, sejam elas
quais forem, podendo ainda ser positivas ou negativas.

O mesmo ocorre com os problemas que envolvem a combinação de


duas ou mais si­tuações. Logicamente as crianças não se apropriam de
todas ao mesmo tempo. Elas necessitam de uma ampla experiência
com situações-problema em que, por meio de tentativas, descobertas,
validação de estratégias, desenvolvam raciocínios mais com­plexos.
Sendo, inclusive, uma recomendação dos PCNs que o trabalho com
operações seja planejado coletivamente por professores de primeira e
segunda fase do Ensino Fundamental.

Magina et al. (2008) propõe uma classificação das estruturas aditivas


por nível de difi­culdade que será a referência utilizada neste material.
As primeiras ideias de adição são chamadas de protótipos. Todas as
demais situações são denominadas extensões. Cada extensão pode ser
entendida como situação que apresenta um grau maior de dificuldade
em relação à extensão anterior. Como pode ser percebido nos exemplos
anteriores, uma situação-problema é considerada mais fácil ou mais difícil
conforme a elaboração do enunciado. Novamente cabe ao professor
discernir e adequar às situações.
274 UNIUBE

Para que você possa compreender melhor, vamos analisar pas-


so a passo um esquema que alia os tipos de situações-problemas
das estruturas aditivas à classificação por nível de dificuldade. Tais
figuras foram adaptadas do quadro Classificação dos problemas
aditivos (Magina et al., 2008, p. 51), veja as Figuras 11 a 18:

Situação problema

Figura 11: Todo desconhecido;.


Fonte: Adaptada de Magina et al. (2008, p. 51). Acervo EAD – Uniube.

Figura 12: Estado final desconhecido;.


Fonte: Adaptada de Magina et al. (2008, p. 51). Acervo EAD – Uniube.

Figura 13: Parte desconhecida.


Fonte: Adaptada de Magina et al. (2008, p. 51). Acervo EAD – Uniube.
UNIUBE 275

Figura 14: Transformação desconhecida.


Fonte: Adaptada de Magina et al. (2008, p. 51). Acervo EAD – Uniube.

Figura 15: Referido desconhecido.


Fonte: Adaptada de Magina et al. (2008, p. 51). Acervo EAD – Uniube.

Figura 16: Relação desconhecida.


Fonte: Adaptada de Magina et al. (2008, p. 51). Acervo EAD – Uniube.

Figura 17: Estado inicial desconhecido (problema com inversão).


Fonte: Adaptada de Magina et al. (2008, p. 51). Acervo EAD – Uniube.
276 UNIUBE

Figura 18: Referente desconhecido (problema com inversão).


Fonte: Adaptada de Magina et al. (2008, p. 51). Acervo EAD – Uniube.

I) Protótipos:
Nos protótipos, encontramos as primeiras ideias que as crianças
desenvolvem com relação à adição e à subtração. Na primeira fase do
desenvolvimento da compreensão da adição e da subtração, segundo
Piaget, as crianças usam seus esquemas de ação apenas de maneira
direta e independentemente um do outro. o que quer dizer que não
estabelecem relações entre os esquemas de juntar e separar. Assim
os protótipos envolvem situações nas quais o todo é desconhecido.
São problemas ditos diretos. Reconhecer a relação inversa que existe
entre adição e subtração é necessário para que possam atingir uma
compreensão mais avançada destas operações. O contato com variadas
situações de adição/subtração é que lhes permitirá construir esta relação
(NUNES et al., 2002).

Nessa fase, os problemas são bem simples. Envolvem a coordenação


dos esquemas de contagem com os esquemas de juntar ou retirar. Veja
alguns, a seguir.

a) Num vaso havia 5 flores brancas e 8 flores amarelas. Quantas flores


havia no vaso?

b) Ester tinha 5 reais. Comprou um picolé por 1 real. Quantos reais tem
agora?

II) 1ª Extensão:
A primeira extensão abrange problemas de composição com parte
desconhecida e de transformação com a transformação desconhecida.
Esses problemas também podem ser chamados de inversos já que
implicam na necessidade da compreensão da adição e subtração como
operações inversas. Observe os exemplos:
UNIUBE 277

a) Manoel tinha 8 bolas de gude quando começou um jogo com os


amigos. Depois do jogo, ele contou suas bolas de gude e viu que tinha
5. O que aconteceu com suas bolinhas?

b) Melissa mediu a temperatura pela manhã e estava em 20º. Ao meio-dia


estava em 30º. Qual foi a variação da temperatura?

c) Em uma pesquisa sobre o sabor preferido de sorvetes, 40 crianças


deram sua opi­nião. 28 delas preferem chocolate e as demais preferem
morango. Quantas crianças escolheram morango?

Quando problemas como estes são apresentados, as crianças podem


perfeitamente escolher a sobrecontagem para resolvê-los. Porém, a
estratégia fica inviável quando se tratar de números maiores.

d) Jogando videogame, Vitor marcou 540 pontos na primeira fase. Ao final da


segunda fase estava com 790 pontos. o que aconteceu na segunda fase?

Com crianças dos anos iniciais é preciso cuidar para que, ao promover
a transformação, o resultado final não seja menor que o inicial, já que
um total negativo (menor que zero) talvez não faça sentido. Este cuidado
vale para todas as situações-problemas em que tal fato seja possível.

e) Maria foi ao supermercado fazer compras e o caixa registrou R$


320,00. Quando foi pagar, percebeu que possuía R$ 280,00. A quantia
foi suficiente para pagar as contas? Faltou? Sobrou? Quanto?

Outro cuidado importante nesta fase é não colocar no enunciado palavras


consideradas “chaves” para a resolução de problemas porque nem
sempre elas representam o que parece, induzindo ao erro.

f) Marília tinha 8 pulseiras. Ganhou algumas e agora ela tem 12 pulseiras.


Quantas pulseiras ela ganhou?

Veja que a palavra ganhou induz à adição e, neste caso, utilizamos uma
subtração para encontrar o resultado.

g) Marília tinha algumas pulseiras. Perdeu 6 e ficou com 8. Quantas


pulseiras ela tinha?
278 UNIUBE

A palavra perdeu costuma ser associada à subtração, operação que não


soluciona o problema.

III) 2ª e 3 ª Extensões:

Os problemas de comparação com o referido desconhecido estão na


segunda extensão.

No caso de comparação, a criança deve partir do valor


conhecido do grupo de referência (que é o referente),
adicionar (ou subtrair) um valor (que é a relação entre
os dois grupos) e obter o valor do outro grupo (que é o
referido) (MAGINA et al., 2008, p. 41).

Quando a relação não é conhecida temos os problemas comparativos da


terceira ex­tensão. Estes problemas apresentam uma dificuldade maior
para a criança porque não envolvem mudanças nas quantidades, apesar
de serem dados o referido e referente.

O mais importante neste estágio é que a criança perceba que a pergunta


se refere à comparação entre as quantidades.

A reta numérica ou até mesmo um jogo de trilha facilita a compreensão


em problemas com comparação. Veja alguns exemplos:

a) Num jogo de trilha, Valentina está na casinha 14 e Joaquim está na


casinha 5. Quem está à frente no jogo? Quantas casinhas existem à
frente?

b) Nesta rodada do jogo, Valentina está na casinha 18 e Joaquim está 7


casas à sua frente. Em qual casinha Joaquim parou?

c) Se Joaquim estiver na casinha 12 e Valentina na casinha 17, quem


estará à frente? Quantas casas?

IV) 4ª Extensão:

A quarta extensão abrange os problemas de inversão de transformações


e compara­ções, isto é, o valor desconhecido está na fase inicial de ambas
as situações. Observe:
UNIUBE 279

a) Qual é a altura de Bernardo sabendo que ele mede 5 cm a menos que


José e José mede 1,64 m?

b) Soninha tinha alguns lápis de cor em seu estojo. Sua mãe lhe deu mais
12. Agora ela tem 22. Quantos lápis ela tinha antes?

V) Combinações entre grupos:

Estes cinco grupos básicos podem ainda se combinar e formar novos


grupos, estabele­cendo novas relações. O que significa que teremos
casos de, por exemplo, transforma­ção de composição, transformação de
comparação, transformação de transformação, sem importar os estados
iniciais ou finais. Pela complexidade que apresentam, as situações-
-problema envolvendo a composição de duas ou mais estruturas aditivas
nem sempre estão ao alcance dos alunos de até 5º ano. Vale, neste
caso, o conhecimento e o bom-senso que o professor tem sobre o
desenvolvimento de seus alunos. Lembrando que nem todas as situações
encontram solução no conjunto dos números naturais.

Exemplos:

a) João Pedro ajuda a mãe a organizar as contas da casa. Ainda não


foram pagas as contas de energia e água, no valor de R$ 154,60 e
R$ 45,08, respectivamente. Sabendo que a mãe tem R$ 208,60, será
possível pagar as contas?

Para resolver este problema, o aluno precisa primeiro saber o total das
despesas – com­posição final positiva (154,60 + 45,08 = 199,68) e, em
seguida, efetuar uma comparação entre o dinheiro disponível e o total
das despesas (208,60 – 199,68 = 8,92) para verificar que será possível
pagar as contas e ainda sobrar.

b) E se, no problema anterior a mãe de João Pedro dispusesse de R$


195,27. Seria possível pagar as contas? Qual seria o troco ou quanto
faltaria?

As estruturas envolvidas são as mesmas do exercício anterior. Mudaria


apenas o do­mínio numérico: a resposta é um número racional (negativo)
já que faltaria R$ 4,41, representado numericamente por – 4,41.
280 UNIUBE

c) Um aluno levou R$ 5,00 para comprar lanche na escola. Na cantina,


um salgado custa R$ 1,50, um refrigerante pequeno custa R$1,00 e um
bombom R$ 0,30. De quantos reais será o troco que ele irá receber se
comprar este lanche?

Para saber o troco, é necessário que o aluno saiba o custo total do lanche
– composição final positiva (1,50 + 1,00 + 0,30 = 2,80). Após, efetue uma
transformação final negativa: 5,00 – 2,80 = 2,20. Logo, o troco será de
R$ 2,20.

d) No jogo de pega-vareta, João fez 20 pontos na primeira rodada e 35


na segunda. Sua irmã fez 30 pontos na primeira rodada e 15 pontos na
segunda. Quem está ga­nhando o jogo?

Para saber é preciso compor os pontos de cada um:

João: 20 pontos + 35 pontos = 55 pontos (composição final positiva)

Irmã: 30 pontos + 15 pontos = 45 pontos (composição final positiva)

Agora é só comparar: 55 pontos – 45 pontos = 10 pontos (comparação


final). Portanto, João está ganhando.

e) O pai de Bruno estava analisando seu extrato bancário. Como Bruno


é muito curioso, foi ver o que estava acontecendo. Não entendeu nada,
mas o pai lhe explicou: Filho, papai tinha na conta R$ 624,00, gastei
um pouco na farmácia e fiquei com R$ 582,30; depois gastei R$ 48,60
no supermercado. Faça as contas e responda: Quanto gastei ao todo?
Quanto tenho no banco agora?

Este é um pouco mais complexo. Vamos por partes:

Primeiro: o pai tinha R$ 624,00, gastou uma certa quantia e ficou com
R$ 582,30 (trans­formação intermediária negativa).

624,00 – ? = 582,30

624,00 – 582,30 = 41,70 (farmácia).


UNIUBE 281

Segundo: sabendo o quanto gastou na farmácia, é possível juntar


ao gasto do super­mercado para obter o gasto total (composição final
positiva):

41,70 + 48,60 = 90,30.

O gasto total foi de R$ 90,30.

Terceiro: para saber quanto tem no banco podemos subtrair o gasto total
(R$ 90,30) do saldo inicial (R$ 624,00) – transformação final negativa –
ou subtrair R$ 48,60 do supermercado no saldo parcial de R$ 582,30
– transformação final negativa.

624,00 – 90,30 = 533,70.

O pai de Bruno tem no banco R$ 533,70.

Várias situações podem surgir da combinação das estruturas aditivas,


busque, ao trabalhar com seus alunos, apresentar situações diversas
para que eles possam en­riquecer seus conhecimentos do campo aditivo.
Acompanhando o raciocínio de que aprender Matemática passa a ser
construir conhecimentos matemáticos, apenas não podemos confundir
o ensino do algoritmo das operações com a compreensão das ações
associadas a elas.

O algoritmo tem sua importância e seu momento, não se constituindo,


no entanto, na finalidade maior da Matemática – trata-se apenas de mais
um recurso para a resolução de situações-problema. A compreensão
das ações associadas às operações é que deve direcionar o trabalho
do professor.

PESQUISANDO NA WEB

Se quiser ampliar seu conhecimento, sugerimos que leia a seguinte


bibliografia:

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação a


Distância. Secretaria de Educação Fundamental. Cadernos da TV Escola:
PCN na Escola. Brasília,1998.
282 UNIUBE

Este caderno complementa as séries da programação da TV Escola –


PCN na Escola – Matemática 1. Com oito pequenos textos elaborados por
educadores envolvidos com a Matemática dos anos iniciais, aborda, sem
rodeios e com uma linguagem de fácil entendimento, as propostas dos
PCNs para sistemas de numeração, estratégias de cálculos, geometria
e também para operações de adição e subtração. Os autores lançam
mão, no decorrer de cada texto, de sugestões de atividades que ilustram
e esclarecem os temas abordados.

Para consultá-lo, acesse o site:

<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000346.pdf>

6.3 Campo multiplicativo

Relacionadas ao campo multiplicativo estão uma variedade de situações


e problemas que envolvem o uso da multiplicação, da divisão ou de uma
combinação entre elas e o conjunto de conceitos que permite analisar
estas situações: frações, razões, proporções, probabilidade, múltiplos,
divisores, quocientes etc. Situações estas representadas de diversos
modos: por desenhos, equações, gráficos, tabelas. Assim como no
campo aditivo, o campo multiplicativo não se restringe aos anos iniciais
do Ensino Fundamental, estende-se por todos os domínios numéricos.

O campo multiplicativo possui, reconhecidamente, maior complexidade


porque envolve regras operatórias mais sofisticadas que os conceitos de
natureza aditiva, implicando uma mudança significativa no pensamento
da criança. As operações de natureza aditiva envolvem relações entre
quantidades que, juntas, formam um todo e têm por base es­quemas
de ação como de juntar, retirar/separar. As operações de natureza
multiplicativa, por sua vez, envolvem relações fixas entre quantidades,
isto é, envolve quantidades que apresentam uma relação constante entre
si (PAVANELLO, 2004).

Nas situações aditivas, o todo é obtido pela soma das partes, sendo estas
partes gran­dezas ou quantidades de uma mesma natureza. A soma de 5
laranjas e 4 bananas só é possível porque laranjas e bananas são frutas.
o resultado desta soma resulta, portanto, em 9 frutas.
UNIUBE 283

Nas situações multiplicativas estão envolvidas duas grandezas (ou


medidas, ou variá­veis), como, por exemplo:

• Comprar 3 quilos de maçãs, sabendo que o quilo custa R$ 6,00. o


resultado aparece em reais, uma das medidas envolvidas.
• Se um carro viajou 160 km (distância) a 80 km/h (velocidade),
quanto tempo gastou? O resultado, tempo de 2 horas, informa uma
grandeza/medida/variável que não estava envolvida nas relações
originais do problema.

De acordo com Nunes e Bryant (1997, p. 151), a ideia de que a


multiplicação não passa de uma adição repetida e a divisão, por sua vez,
de uma subtração repetida não parece se sustentar após uma reflexão
sobre situações que envolvem raciocínio multiplicativo:

Há certamente ligações entre raciocínio aditivo e


multiplicativo, e o cálculo da multiplicação e divisão
pode ser feito através da adição e subtração repetidas.
Porém, diversos conceitos novos emergem no
raciocínio multiplicativo.

A relação que existe entre multiplicação e adição está centrada no


processo de cálculo da multiplicação: o cálculo da multiplicação pode
ser feito usando-se a adi­ção repetida porque a multiplicação é distributiva
com relação à adição (NUNES et al., 2002).

6.3.1 Estruturas multiplicativas

Segundo Vergnaud, citado por Gonçalves (2008), os problemas de


multiplicação e divisão podem ser classificados segundo três tipos
de estruturas: isomorfismo de medidas, produto de medidas e
proporção múltipla:

I) Isomorfismo de medidas

Vergnaud sugere uma representação, utilizando quadrados e linhas,


para as relações de base mais simples de isomorfismo de medidas, da
seguinte forma:
284 UNIUBE

que podemos escrever na proporção

e que pode ser expressa também como a igualdade de produtos

A classe de problemas acima (proporcionalidade) pode apresentar uma


grande va­riedade de dificuldades, como as relacionadas aos decimais e
aos valores negativos. Em outros, a proporcionalidade direta não ocorre,
como é o caso do cálculo de área e volumes, dificultando a compreensão.

Um aspecto importante é que os problemas de


proporção originam os conceitos de fração, de
quociente, de número racional, de produto e de
quociente de dimensões, de escalar, de função linear
e n-linear, de combinação e de aplicação linear e,
segundo Vergnaud (1996a), “desenvolvem-se como
ferramentas de pensamento através do domínio
progressivo destas situações, muito antes de poderem
ser introduzidos e tratados como objetos matemáticos
(GONÇALVES, 2008, p. 111).

Exemplos:

a) Para fazer um bolo, Ana Maria utiliza 2 xícaras de farinha de trigo. De


quantas xícaras de farinha precisará para fazer dois bolos?

b) Uma loja de tecido vendeu 12 metros de tecido para confeccionar


fantasias de uma apresentação na escola. Cada fantasia precisa de meio
metro de tecido. Quantas fan­tasias serão confeccionadas?

c) Tales tem 3 caixas com 6 bolinhas em cada caixa. Quantas bolinhas


Tales tem ao todo?

d) Uma indústria de refrigerantes embala seus refrigerantes de 2 litros


em grupos de 6. Se a cada hora são formados 1200 pacotes, quantos
refrigerantes de 2 litros ela produz nesse tempo?
UNIUBE 285

II) Produto de medidas:

O produto de medidas é uma estrutura que consiste em uma composição


cartesiana de duas medidas, M1 e M2, dando como resultado uma terceira
M3. Ela descreve vários problemas relativos à área, ao volume, ao produto
cartesiano, ao trabalho (Física) e a muitos outros conceitos físicos. Como
produz uma terceira grandeza, a partir de outras duas grandezas iguais, ou
seja, há três variáveis envolvidas, esta estrutura não pode ser representada
por uma simples correspondência em uma tabela, como usada, por
exemplo, no isomorfismo de medidas (GONÇALVES, 2008).

Exemplos:

a) Área: (1 unidade comprimento) x (1 unidade comprimento) =


(1 unidade de área)

b) Formação de pares: (1 garoto) x (1 garota) = 1 dupla

III) Proporção múltipla:

A proporção múltipla (VERGNAUD, 1983, p. 138) é uma estrutura


semelhante ao pro­duto de medidas. A diferença é que se tem duas
grandezas diferentes que produzirão uma terceira, também diferente
(GONÇALVES, 2008).

Exemplos:

a) A produção de leite de uma fazenda é proporcional ao número de


vacas e ao número de dias de um período considerado.

b) Um carro percorre 80 km (espaço) em 1 hora (tempo): a velocidade


média desen­volvida foi de 80 km/h.

6.3.2 PCNs e campo multiplicativo

Assim como acontece no campo aditivo, em que as operações de adição/


subtração se revezam na solução de problemas, multiplicação e divisão
formam uma dupla de operações inversas. O que determina qual delas
será utilizada é o modo como se apresenta a situação-problema.
286 UNIUBE

Dada a diversidade de situações pertinentes a este campo conceitual,


deteremo-nos nas situações correspondentes ao nível escolar com o qual
trabalhamos neste capítulo. Isto é, anos iniciais do Ensino Fundamental.

Além disso, ao contrário das situações com campo aditivo em que existe
certo consenso entre a nomenclatura e a classificação de suas estruturas,
no campo multiplicativo tal fato não ocorre. Assim sendo, adotaremos os
Parâmetros Curriculares Nacionais – 1ª a 4ª série (1997), como referência
em nossos estudos.

PESQUISANDO NA WEB

Se você quiser conhecer um pouco mais sobre o PCN – 1 o a 4 o –


Matemática, acesse o site:

<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro03.pdf.>

Pelo que já estudou sobre os PCNs, você já sabe como eles são importantes
para o professor!

Num primeiro grupo, estão as situações associadas ao que se


poderia denominar multiplicação comparativa.

Alguns autores incluem tais situações em proporcionalidade, pois existe


uma relação de aumento/diminuição proporcional. Veja alguns exemplos:

a) Pedro tem R$ 5,00 e Lia tem o dobro dessa quantia. Quanto tem Lia?
(resolvemos com multiplicação)

b) Pedro tem R$ 5,00 e Lia tem a metade dessa quantia. Quanto tem
Lia? (divisão)

c) Marta tem 4 selos e João tem 5 vezes mais selos que ela. Quantos
selos tem João? (multiplicação)

Num segundo grupo, estão as situações associadas à comparação


entre razões, que, portanto, envolvem a ideia de proporcionalidade.
UNIUBE 287

Para Vergnaud, citado por Pavanello (2004, p. 107), “problemas


elementares de multi­plicação e divisão são, na realidade, problemas
simples de proporção entre duas variá­veis em que quatro termos estão
envolvidos, sendo um destes termos igual a um”. A autora ressalta, ainda
que, uma vez que um dos termos desta proporção é a unidade, isso
permite que tais problemas possam ser representados com três termos:
a clássica representação dos livros didáticos. No caso da multiplicação,
os termos são conhecidos como multiplicando, multiplicador e produto;
na divisão exata como dividendo, divisor e quociente.

Os problemas com tais características são muito frequentes nas situações


cotidianas e, por isso, são mais facilmente compreendidos pelos alunos.

Exemplos:

a) Ao sair da festa de Joaquim, cada criança ganhou 3 balões. Ao todo,


12 crianças estavam na festa. Quantos balões havia? (resolvemos com
uma multiplicação)

b) Ao sair da festa de Joaquim, cada criança ganhou 3 balões. Se foram


distribuídos 36 balões, quantas crianças havia? (resolvemos com uma
divisão)

c) Ao terminar a festa de Joaquim, foram distribuídos 36 balões para 12


crianças. Quan­tos balões cada criança ganhou? (novamente temos uma
divisão)

d) Dois chocolates custam R$ 10,00. Quanto pagarei por um chocolate?


E por três desses? (primeiro aparece uma divisão, depois uma
multiplicação)

Num terceiro grupo, estão as situações associadas à configuração


retangular.

Exemplos:

a) Num pequeno auditório (Figura 19), as cadeiras estão dispostas em


5 fileiras e 8 colunas. Quantas cadeiras há no auditório? (multiplicação)
288 UNIUBE

Figura 19: Auditório.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

b) As 56 cadeiras de um auditório estão dispostas em fileiras e colunas.


Se são 7 fileiras, quantas são as colunas? (divisão).

c) Qual é a área de um retângulo cujos lados medem 6 cm por 9 cm


(Figura 20)?

Figura 20: Retângulo Figura


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

d) A área de uma figura retangular é de 54 cm2. Se um dos lados mede


6 cm, quanto mede o outro lado?

Num quarto grupo, estão as situações associadas à ideia de


combinatória.

Exemplos:

Em uma sorveteria, temos duas embalagens para sorvete: copinho


plástico e casquinha. Se tivermos sorvetes nos sabores chocolate,
morango e creme, de quantos modos diferentes é possível ter uma bola
de sorvete (Figura 21)?
UNIUBE 289

Figura 21: Copinho, casquinha e sorvetes.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

A resposta à questão formulada depende das combinações possíveis;


os alunos podem obter a resposta, num primeiro momento, fazendo
desenhos, até esgotar as possibi­lidades.

Em um segundo momento, poderão formar pares:

(casquinha, chocolate), (casquinha, morango), (casquinha, creme),


(copinho, chocolate), (copinho, creme), (copinho, morango):

Esse resultado que se traduz pelo número de combinações possíveis


entre os termos iniciais, evidencia um conceito matemático importante,
que é o de produto cartesiano.

Note-se que, por essa interpretação, não se diferenciam os termos


iniciais, sendo com­patível a interpretação da operação com sua
representação escrita. Combinar copos com sabores é o mesmo que
combinar sabores com copos e isso pode ser expresso por 2 x 3 = 3 x 2.

IMPORTANTE!

Campo multiplicativo é um campo conceitual! Vale, então, todos os princípios


inerentes à ideia de campos conceituais!

Concordando com essa prerrogativa, é de extrema importância que o


professor planeje suas atividades, levantando questionamentos como:

• aonde quero chegar com esse problema?


• que conceitos e/ou raciocínios poderei trabalhar com ele?
• é um problema de sondagem?
• vou utilizá-lo na introdução de um conceito? ou
• será uma proposta para oportunizar a consolidação da aprendizagem?
290 UNIUBE

Ao propor aos alunos uma situação problema como fator desencadeante


da aprendi­zagem, abre-se um leque de oportunidades que permitirá a eles
descobrir e formular estratégias de cálculo, compreendendo as ações que
estão executando. Como em um primeiro momento ainda não aprenderam
o algoritmo, suas atenções não estarão voltadas para ele, deixando de existir
a clássica pergunta: “é de ‘mais’ ou de ‘menos’, de ‘vezes’ ou de ‘dividir’?”

Vergnaud (1990) considera que é sobretudo por meio


de situações problema que um conceito adquire sentido
para a criança, distin­guindo duas classes de situações
com as quais ela entra em contato. A primeira constitui
a classe de situações nas quais o sujeito dispõe das
competências necessárias para o tratamento da
situação, e outra, em que o sujeito por não deter todas
as competências necessárias, precisa de um tempo
maior para refletir, explorar e fazer tentativas que
poderão conduzi-lo ou não ao sucesso (kOCH, 2002).

É fundamental que as situações propostas, para as crianças, tenham sentido


para elas. E, ainda, que tenham oportunidade, com a mediação do professor,
de refletir, levantar hipóteses, descobrir e construir o conhecimento.

6.4 Conclusão

A alfabetização matemática não se encerra com este tópico. Mesmo


com relação à aritmé­tica, existem aspectos outros a serem abordados,
como os números racionais – frações e decimais, o que por si já exige
um capítulo à parte, que deixamos para outra ocasião.

Muito ainda temos a estudar sobre as estruturas aditivas, estruturas


multiplicativas e campo conceitual, de modo geral. Espero que este
capítulo desperte em você o interesse pela matemática ou, melhor ainda,
pelo promover “fazer matemática” na sala de aula.

Resumo

Este capítulo aborda a alfabetização matemática da criança, na primeira


fase do En­sino Fundamental, quanto ao sistema de numeração e às
UNIUBE 291

operações aritméticas de adição, subtração, multiplicação e divisão. O


sistema de numeração decimal é tratado sob a perspectiva de como as
crianças o entendem e o trabalho a ser desenvolvido em sala de aula.
Quanto às operações, elas são abordadas dentro da Teoria dos Campos
Conceituais, incluídas em dois campos: o aditivo e o multiplicativo.
O campo aditivo abrange as operações de adição e subtração e suas
estruturas podem ser classificadas conforme a dificuldade que as crianças
encontram na resolução de situações-problema, em protótipos, 1ª, 2ª, 3ª
e 4ª extensões e ainda em combinação das anteriores. São tratadas no
campo multiplicativo as operações de multiplicação e divisão. As estruturas
multiplicativas – isomorfismo de medidas, produto de medidas e proporção
múltipla – dizem respeito a uma diversidade de situações, dificultando uma
classificação simplifi­cada. Assim sendo, são delimitadas ao previsto nos
PCNs para os cinco primeiros anos do Ensino Fundamental: multiplicação
comparativa, proporcionalidade, configuração retangular e combinatória.

Atividades

Atividade 1

Leia a seguinte afirmativa:


A partir do final da década de 1980, começaram
a ser discutidas no Brasil novas perspectivas sobre o
desenvolvimento dos conceitos de números e operações.
Essas ideias consideravam as experiências que os
alunos têm fora da sala de aula com problemas numéricos.
Observou-se que muitos alunos, principalmente os da
camada popu­lar, que participam da economia informal
(lavando carros, carregando cestas e trabalhando em
bancas na feira, vendendo pipoca e choco­late em
pontos de ônibus etc.) têm maior experiência com a
aritmética escrita da sala de aula. Procurou-se analisar
os conceitos que os alunos desenvolvem através dessas
experiências e sua relação com aprendizagem escolar [...].
Considerou-se também a necessidade de se promover na
escola o desenvolvimento dos conceitos de sistemas de
numeração e operações, não somente a transmissão das
técnicas de computação (NUNES et al., 2002, p. 37).
292 UNIUBE

A afirmativa de Nunes reflete propostas de alterações na abordagem


em sala de aula com relação não somente ao sistema de numeração,
mas da Matemática como um todo. Apesar desta e de outras propostas
na mesma linha, como os PCNs, é extrema­mente comum abordagens
matemáticas com enfoque operatório. Pesquise em pelo menos dois
livros didáticos diferentes a abordagem adotada com relação a sistema
de numeração e estabeleça um paralelo com as propostas estudadas
neste capítulo. Dê preferência a livros de 1º e 2º anos, com edições mais
recentes. Se preferir, pode montar um esquema.

Atividade 2

Aproveite a análise da atividade anterior e elabore pelo menos duas


atividades para 1º e 2º anos do Ensino Fundamental que promovam o
desenvolvimento do conceito de sistemas de numeração.

Atividade 3

Justifique a seguinte afirmativa:

“O material didático em si não pode ser considerado ‘certo’ ou ‘errado’.


O uso, a apli­cação que o professor faz dele o torna adequado ou não a
cada situação.”

Atividade 4

A Teoria dos Campos Conceituais, do francês Gerard Vergnaud, na


qual se baseia este capítulo, ganhou força no Brasil a partir dos PCNs.
Elabore um pequeno texto, apontando as ideias principais quanto aos
campos conceituais.

Atividade 5

Considerando o proposto por Vergnaud e seus conhecimentos sobre as


estruturas aditivas, analise as afirmativas a seguir:

I. os problemas de composição estão intimamente relacionados


às situações que envolvem parte-todo: juntar uma parte com ou-
tra parte para obter o todo, ou subtrair uma parte do todo para
obter a outra parte.
UNIUBE 293

II. os problemas de comparação são aqueles em que um estado


inicial sofre uma transformação para chegar a outro estado. Tem
sempre uma ideia temporal envol­vida – no estado inicial tem-se
uma quantidade que se transforma (com perda/ganho; acréscimo/
decréscimo etc.), chegando ao estado final com outra quantidade.

III. As situações de comparação estabelecem uma relação entre


duas quantidades, uma denominada de referente e a outra de re-
ferido.

IV. As situações de transformação estabelecem uma relação entre duas


quantidades, uma denominada de referente e a outra de referido.

Estão corretas apenas as afirmativas:

A. I, II, e III;
B. II e IV;
C. I e II;
D. I e III.

Referências

BONANNO, Aparecida de Lourdes. Um estudo sobre o cálculo operatório


no campo multiplicativo com alunos de 5ª série do Ensino Fundamental.
2007. 117f. Dissertação (Mestrado Profissional) – Pontifícia Universidade
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Capítulo
A condição social humana
e a construção da moral na
7
perspectiva de Jean Piaget

Cíntia Gomide Tosta

Introdução
Caro leitor, você já pensou o quanto a nossa relação com o mundo
é uma relação de interdependência? Ou seja, necessitamos
permanentemente uns dos outros e convivemos em um processo
incessante de interações que são fundamentais para o nosso
desenvolvimento biopsicossocial.

Este processo contínuo de interações, além de promover o


desenvolvimento dos indivíduos e da espécie humana, também
gera conflitos, confrontos e desentendimentos que se não forem
adequadamente mediados, principalmente por meio do diálogo,
podem inibir, quiçá promover o extermínio de sociedades e grupos
humanos. Segundo o físico alemão Albert Einstein, autor da Teoria
da Relatividade, e ganhador do Nobel de física em 1921, se houver
uma outra Guerra Mundial certamente ela será combatida com
paus e pedras.
Primitivas
Nas sociedades humanas primitivas, em
Neste texto o
resposta à necessidade dos homens de termo “primitivas”
regulação das atividades cooperativas de está associado
ao conceito de
trabalho e ao fortalecimento da coletividade primeiras, de
como forma de preservação da espécie, origem, dos
primórdios da
surgiram os rudimentos da moralidade. A humanidade, e não
moralidade, neste cenário, era compreendida de inferior.
como um conjunto de normas e regras
destinadas a regular as relações dos indivíduos em uma determinada
comunidade social. Um dos códigos normativos mais antigos que se
298 UNIUBE

tem notícia é o de Hamurabi. Constituído de um conjunto de leis


que regulavam a vida e a cultura local, o código do rei Hamurabi
foi talhado por volta de 1700 a.C., em uma rocha monolítica,
na civilização Babilônica, antiga Mesopotâmia, atual Irã. Desta
época até a contemporaneidade, os códigos normativos passaram
por inúmeras mudanças e o conceito de moral sofreu várias
transformações, recebendo diferentes interpretações.

Para o antropólogo Franz Boas, considerado o pai da antropologia


moderna e precursor das ideias do relativismo cultural, cada
sociedade tem suas normas e regras morais que devem ser
avaliadas dentro de seus domínios.

Do ponto de vista sociológico, não se conhece cultura sem sistema


moral, ou seja, toda comunidade humana necessita para seu
desenvolvimento e para sua sobrevivência
Aporte
de um aporte de caráter normativo.
Subsídio de Compreender que a moralidade não é
naturezas várias
− moral, social, inata na espécie humana e nem a mesma
literária, científica. para todas as culturas e indivíduos,
Para algum fim,
contribuição. mas o resultado de um longo processo
inconcluso de construção sócio-histórica,
Fonte: Ferreira abre caminho para que possamos pensá-la
(1986, p. 146).
na esfera educativa aqui neste estudo,
preponderantemente na esfera escolar.

Assim, reconhecer que a construção da moralidade é uma


construção interativa que vincula, envolve e regula a vida dos
indivíduos, de diferentes idades, implica trazer a discussão e a
vivência desse processo para dentro da escola e da sala de aula
em uma perspectiva pedagógica, ou seja, formativa.

PARADA PARA REFLEXÃO

Nesta perspectiva, leitor, sugiro que reflita:

Como é tratada a questão da moralidade nas escolas?


É discutida em uma vertente pedagógica?
Elabora-se projetos coletivos para implementá-la?
UNIUBE 299

Educadores e alunos são convidados a participar dessa discussão?


Como são implementadas as regras institucionais e as das salas de
aula? São construídas socialmente?

Ainda:

Essas regras são compreendidas como uma educação/formação


para a convivência social civilizada? Ou são meras regras
reguladoras do comportamento dos alunos na esfera escolar?

Assim, para auxiliar o educador a compreender e a desenvolver,


junto a seus alunos, um trabalho consistente de formação
da moralidade, neste capítulo, estudaremos uma questão
fundamental para os seres humanos: a construção da moralidade
e a construção da moral infantil. Para tanto, abordaremos a
perspectiva de Jean Piaget.

É interessante relatar que as ideias de Piaget a respeito da


construção do juízo moral relacionam a afetividade à cognição.
Para ele, o desenvolvimento moral, bem como o cognitivo, é
resultado de um processo de construção, de uma contínua
auto-organização. Assim, segundo Piaget, “Toda moral consiste
em um sistema de regras e a essência de toda moralidade deve
ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por estas
regras” (PIAGET, 1977, p. 20). Foi pesquisando sobre o jogo
de regras que Piaget iniciou suas considerações a respeito da
construção da moralidade.

Piaget estudou o sujeito moral da mesma forma que estudou


o sujeito epistê­mico. Assim, formulou a hipótese de que se
as interações sociais forem favo­ráveis, os sujeitos superarão
a fase de pré-moralidade, anomia e construirão os princípios
da heteronomia. Ainda, se “o convívio social permitir relações
simétricas de cooperação (o fazer junto...), a autono­mia moral
torna-se possível” (LA TAILLE, 2006, p. 16).
300 UNIUBE

Neste estudo, inicialmente resgatarei,


Relevância com você, leitor, a relevância do aspecto
Grande valor, social para os autores interacionista e
conveniência sociointeracionista. Depois, veremos que
ou interesse, a concepção de construção da moralidade
importância, relevo.
aqui apresentada tem como sujeito
Fonte: Ferreira epistemológico um sujeito de interações,
(2008).
mais especificamente, o sujeito piagetiano.

Como você já estudou, para os autores


interacionistas como Piaget e Wallon e para o sociointeracionista
Vygotsky, os processos de desenvolvimento e aprendizagem
humana só acontecem em função das interações do sujeito com
o meio, em um processo contínuo e dinâmico. Portanto, nesta
perspectiva, sem as interações sociais, os seres humanos não se
desenvolveriam, para Vygotsky, sequer se humanizariam.

Em uma perspectiva dialógica, articulando teoria à práxis


educativa, veremos a relevância do contexto social e da cultura
para o desenvolvimento humano sob o olhar desses três autores.
Em seguida, estudaremos os conceitos de moral e ética tendo
como referência principal o trabalho do professor − doutor Ives
de La Taille, e, finalmente, a construção moral segundo Piaget.
Res­saltamos que para avançarmos a reflexão sobre a socialização,
a ética e a moral, teremos que retomar muito dos conteúdos
estudados e construídos por você. Isso se faz necessário porque
eles contextualizam e subsidiam nossas reflexões.

EXPLICANDO MELHOR

Práxis: Palavra originada do grego que se refere à articulação entre


a teoria e a prática.

Yves de La Taille é professor-doutor do Instituto de Psicologia da


Universidade de São Paulo (USP), na cadeira de Psicologia do
Desenvolvimento. Investiga o desenvolvimento moral desde a década
de, 80. Obras publicadas: Limites: três dimensões educacionais
(Ática), Moral e Ética: dimensões intelectuais e afetivas (Artmed),
Computador e ensino: uma aplicação à língua portuguesa. (Ática,
1986, com Marques e M. I. Mattos) e Ensaio sobre o lugar do
computador na educação, (Iglu, 1990).
UNIUBE 301

SAIBA MAIS

Um dos primeiros trabalhos sobre Ética que se tem notícia é o livro:


“Ética a Nicômaco”, escrito pelo filósofo grego Aristóteles em torno
de 335 a.C. a 323 a.C.

Assim, inicialmente, lhe apresentarei os objetivos do capítulo,


seguidos do texto, e, logo após, as conclusões e o resumo do
trabalho. Finalmente, as atividades propostas. Utilizarei, ainda neste
estudo, imagens de obras do artista renascentista italiano Rafael ou
Raffaello Sanzio (1483-1520), mestre da pintura e da arquitetura no
período do Renascimento italiano. Veja o quadro, a seguir.

EXPLICANDO MELHOR

Renascimento Italiano: período marcado por transformações em


diversas áreas da vida humana, que assinalam o final da Idade
Média e o início da Idade Moderna. Apesar de essas transformações
serem bem evidentes na cultura, sociedade, economia, política e
religião, caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo
e significando uma ruptura com as estruturas medievais, o termo é
mais comumente empregado para descrever seus efeitos nas artes,
na filosofia e nas ciências. Chamou-se “Renascimento” em virtude da
redescoberta e revalorização das referências culturais da antiguidade
clássica, que nortearam as mudanças deste período em direção a um
ideal humanista e naturalista (Figura 1). Fonte: Disponível em: <http://
www.wikipedia.org.>. Acesso em: 6 fev. 2010.

Figura 1: Pintura A escola de Atenas, Rafael (1506-1510).


Fonte: Wikipedia (2010).
302 UNIUBE

Esta primeira imagem é um afresco em que aparecem ao centro


os filósofos gregos Platão e Aristóteles. Platão segura o Timeu e
aponta para o alto, sendo assim identificado
Inconcluso com o ideal humanista e naturalista.
Aristóteles tem a mão na horizontal,
Não concluído,
inacabado. representando o terreste, a ética. Esta obra
pode ser interpretada como o processo
Fonte: Ferreira
(2008, p. 470). histórico inconcluso do pensamento
filosófico.

Objetivos
Após o final do estudo deste capítulo, esperamos que você seja
capaz de:

• retomar a relevância do contexto social e da cultura para


o desenvolvimento humano nas perspectivas de Wallon,
Piaget e Vygotsky;
• discriminar os conceitos de moral e ética;
• retomar as principais fases do desenvolvimento infantil para
Piaget;
• reconhecer o processo de construção da moral segundo Piaget;
• compreender o papel do professor na formação da
moralidade infantil.

Esquema
7.1 Relembrando: a relevância do social para Wallon, Vygotsky
e Piaget
7.1.1 A relevância do social para Wallon
7.1.2 A relevância do social para Vygotsky
7.1.3 A relevância do social para Piaget
7.2 Moral e ética: conceitos historicamente construídos
7.2.1 A construção da moralidade sobre a teoria piagetiana:
retomando e avançando essa reflexão
7.2.2 Aprofundando a reflexão sobre o papel do professor
no desenvolvimento moral do aprendiz, na perspectiva
piagetiana
UNIUBE 303

7.1 Relembrando: a relevância do social e da cultura para


Wallon, Vygotsky e Piaget

Como você já deve ter lido, em diversos textos e outros capítulos, o ser
humano é um ser social. Para o filósofo grego Aristóteles (384 a.C.-322
a.C.), o homem é um ser político, ou seja, um ser de relações (Figura 2).

Figura 2: Detalhe da obra A escola de Atenas.


Rafael (1506-1510).
Fonte: Wikipédia (2010).

Observe a imagem acima pintada por Rafael. Você percebe a interação


entre os vários sujeitos da cena? Os olhares atentos e observadores, um
mestre rodeado por possíveis discípulos, provavelmente demonstrando-
-lhes uma equação? Esta imagem do século XVI já apresenta um
conceito social de aprendizagem.

PARADA PARA REFLEXÃO

Você já parou para pensar o quanto o seu comportamento é influenciado por


outras pessoas, inclusive seu modo de falar, vestir, agir?

Quais são as pessoas com as quais você mais se identifica? Por quê?

Quais são as que mais lhe influenciam? Em que situações?

E no ambiente escolar? Qual é a dinâmica de influências? Por quê?


304 UNIUBE

Dentro da psicologia moderna, como você já estudou, os interacionistas


Piaget e Wallon e o sociointeracionista Vygotsky têm um trabalho
brilhante a respeito da condição so­cial humana e do papel das relações
sociais no desenvolvimento dos indivíduos e das sociedades.

Nestas concepções interacionista e sociointeracionista a relação


indivíduo/meio é in­dissociável e a aprendizagem e o desenvolvimento
dos indivíduos só ocorre por meio das trocas sociais.

Como defendem vários autores, somos seres históricos: datados e


situados, ou seja, trazemos inscritos em nós as influências de nosso meio,
de nossa cultura e de nossa civilização. Tais influências são expressas, por
exemplo, em nossa forma de falar, de vestir, de se comportar, de pensar...
E, por outro lado, em uma perspectiva dialética, também deixamos em
nosso meio nossa marca, nosso registro pessoal e único. Construímos o
mundo à medida que estamos sendo construídos por ele.

Utilizando-se de diferentes matrizes epistemológicas, ou seja, um


conjunto de co­nhecimento que tem por objetivo o conhecimento científico.
Esses três estudiosos do desenvolvimento defendem a relevância do
meio social para a espécie humana, e de cada sujeito para o seu meio
em um processo recíproco de trocas. Tais trocas envolvem aspectos
cognitivos e socioafetivos, fundamentais para a construção individual dos
sujeitos e das sociedades.

Todo esse processo ocorre em uma perspectiva complexa, que implica


a construção da identidade dos indivíduos e dos valores morais e éticos
que irão regê-los e a sociedade em que estão inseridos.

É importante lembrar que esta construção histórica, apesar de ser


acentuada na infância, ocorre ao longo da vida humana e das sociedades
em um processo dinâmico e inconcluso de interações.

Assim, nessa perspectiva, retomaremos a relevância


Relevância
para Wallon, Vygotsky e Piaget.
Grande valor,
importância.
Agora, vamos relembrar os principais pressupostos
Fonte: Ferreira. de Wallon, Piaget e Vygotsky sobre a relevância
(2008, p. 695).
do social para o desenvolvimento dos indivíduos.
UNIUBE 305

7.1.1 A relevância do social para Wallon

Leitor, certamente você já teve contato com a obra de Wallon e os


principais presupos­tos de sua teoria. Nesse sentido, e em consonância
com os objetivos deste capítulo, apresentarei-lhe brevemente a
importância do aspecto social para o desenvolvimento dos sujeitos na
perspectiva deste pesquisador. Ele defende ser o homem biologica­
mente social, a ponto da construção do “eu”, em sua teoria, depender
essencialmente do outro. Seja para ser referência, seja para ser negado.

Wallon, ao longo de toda a vida, dedicou-se a conhecer a infância e os


caminhos da inteli­gência nas crianças. Sua formação é marcada pela
filosofia, pela medicina e pela psicologia. Durante a guerra trabalhou com
pacientes com lesões cerebrais, fato que o aproximou do trabalho de
Alexander Lúria (1902-1977) a respeito de suas hipóteses neurológicas.

Entre 1909 e 1912, Wallon trabalhou com crianças com anomalias


psicomotoras, como a epilepsia, e atuou na clínica com adultos
traumatizados principalmente excombatentes da guerra. A partir destas
experiências, publicou o livro L’enfant turbulent.

Para Wallon, o ser humano é organicamente social, isto é, sua estrutura


orgânica ne­cessita da intervenção da cultura para se atualizar. Na
psicogenética de Wallon, sobre o ponto de vista da construção da pessoa
e do conhecimento, a dimensão afetiva ocupa lugar central.

RELEMBRANDO

Wallon coordenou o projeto de Reforma do Ensino para a França, conhecido


como Langevin--Wallon – conjunto de propostas equivalente à nossa Lei
de Diretrizes e Bases. Além disso, fundamentou suas ideias em quatro
elementos básicos que se comunicam o tempo todo: a afetividade, o
movimento, a inteligência e a formação do eu como pessoa. Defendeu que
a escola deveria proporcionar formação integral do aluno, intelectual, afetiva
e social, e não priorizar a inteligência e o desempenho em sala da aula,
perspectiva tradicional da educação escolar. Wallon propõe a humanização
da educação.
306 UNIUBE

A construção do “eu” na teoria de Wallon depende essencialmente do


outro. Seja para ser referência, seja para ser negado.

Neste sentido, o outro na teoria de Wallon passa a ter um papel


preponderante na for­mação do sujeito contribuindo inclusive para a
construção de sua identidade.

O “homem geneticamente social” de Wallon, por princípio um homem


inacabado, ou seja, um homem em constante processo de formação de
si mesmo, irá se desenvolver moralmente por meio de suas relações
sociais e culturais. Alimentado e fortalecido preponderantemente pelo
vínculo afetivo será capaz de estabelecer relações baseadas na troca
de pontos de vista, na cooperação e na reciprocidade.

7.1.2 A relevância do social para Vygotsky

Como você estudou, Vygotsky defende a importância do outro social


para a própria humanização do homem. Em outras palavras, sem a
convivência com outros da mesma espécie, os seres humanos, para
este estudioso, nem sequer se humanizariam, pois não desenvolveriam
sua característica essencial, que é a capacidade de abstrair, quantificar,
representar, operar com símbolos e signos, constituir a consciência.

Assim, enfatizando a relevância da intersubjetividade e da plasticidade


neuronal, a capacidade que o cérebro tem de modificar-se em função da
qualidade das interações sociais, Vygotsky elaborou um conceito original
a respeito do psiquismo e focou nas interações socioculturais o alicerce
para o desenvolvimento e humanização do homem. Desta forma, este
erudito bielo-russo que faleceu precocemente de tuberculose aos 37
anos de idade, tem como um dos aspectos centrais de seus estudos e
pesquisas a questão da constituição das funções psicológicas superiores,
as tipicamente humanas, vinculada à linguagem, aos conceitos de ação
internalizada e zona de desenvolvimento proximal (ZDP).

Tendo estudado profundamente as obras de Karl Marx e de Friedrich


Engels, e vi­vido a Revolução Russa de 1917 sob a liderança de Lênin,
Trotski e Stalin, Vygotsky utilizando-se das proposições teóricas do
materialismo histórico, introduziu na ciência psicológica, como base do
seu trabalho, a dialética materialista. Segundo esta dialé­tica, as mudanças
UNIUBE 307

históricas na natureza, na sociedade e na vida material produzem


modificações na “natureza humana”. Nesta perspectiva, o desenvolvimento
dos seres humanos para Vygotsky é indissociado da dimensão sociocultural
em que os homens se encontram inseridos. Assim, o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores, referentes ao funcionamento cognitivo
complexo como a abstração, a simbolização e a consciência, para este
intelectual, é compreendido como um empreendimento conjunto, social e
não individual (produto da maturação do organismo).

PONTO-CHAVE

O conceito de consciência para Vygotsky é compreendido como a função


mais sofisticada e, ao mesmo tempo, a essência da psique humana. A
consciência, para ele, está intimamente vinculada à dimensão social da
experiência dos homens e aos processos de internalização

Constituída por meio das interações dos indivíduos em pequenos grupos,


principalmente nas díades, por exemplo: mãe/filho, professor/aluno, o
processo de internalização para Vygotsky ocorre em dois planos distintos:
em primeiro lugar num plano social, ou seja, com o outro e depois em
um plano psicológico, ou seja, interno. Em outras palavras: primeiro em
uma categoria interpsicológica e depois numa categoria intrapsicológica.
Para Wertsch (1988, p. 83):

[...] a internalização não é um processo de cópia da


realidade externa, num plano interior já existente; é,
mais do que isso, um processo em cujo seio se
desenvolve um plano interno de consciência.

Assim, para Vygotsky, a consciência humana, revestida de um caráter


dinâmico, e produto de processos mentais complexos, tanto internos
quanto externos, irá se formar ao longo do desenvolvimento dos
indivíduos, preponderantemente por meio das mediações e da linguagem.

Leitor, a formação da consciência na perspectiva de Vygotsky só é


possível por meio da participação ativa em práticas socioculturais. Este
postulado revigora a importância da mediação e do outro social para a
formação dos processos mais sofisticados do psiquismo humano como
a moralidade e a ética.
308 UNIUBE

7.1.3 A relevância do social para Piaget

Como você estudou, a questão da interação entre fatores biológicos e


meio é fun­damental para Piaget, que defende que o conhecimento não se
encontra nem pre­determinado nas estruturas internas do indivíduo nem
nas características externas dos objetos, mas sim em uma construção
efetiva e contínua proveniente das trocas provindas da relação indivíduo/
meio ambiente. Por meio ambiente subentende-se a natureza, os objetos,
as pessoas.

Apesar de não ter se dedicado ao estudo da moralidade, tendo publicado


apenas um livro chamado Le jugement moral chez l’enfant, em português,
O julgamento moral na criança, esta obra tornou-se um clássico da
literatura psicológica contemporânea, referência fundamental para
estudiosos e pesquisadores da moral, da ética e das inte­rações sociais.
Neste sentido, estudaremos mais detidamente o trabalho de Piaget a
respeito do estudo da moralidade.

AGORA É A SUA VEZ

Baseando-se em leituras anteriores sobre esses autores e na leitura deste


capítulo, tente responder:

Qual é o papel do social para o desenvolvimento dos indivíduos sob a ótica


de Wallon?

Qual é o papel do social para o desenvolvimento dos indivíduos sob a ótica


de Vygotsky?

Qual é o papel do social para o desenvolvimento dos indivíduos sob


a ótica de Piaget?

Certamente por meio da leitura deste estudo, você percebeu que para
estes três autores o social é fundamental para o desenvolvimento
humano em todos os seus aspectos, abrangendo desde a construção
da identidade até a humanização.
UNIUBE 309

Nesta mesma ótica, que reconhece o aspecto social como condição para
o desenvol­vimento humano, veremos, a seguir, a construção histórica
do conceito de moral e de ética e, posteriormente, a construção do juízo
moral na perspectiva de Jean Piaget.

7.2 Moral e ética: conceitos historicamente construídos

Para iniciarmos nossa reflexão sobre moral e ética, convidamos você a


responder às questões, a seguir.

PARADA PARA REFLEXÃO

Pare, pense e responda:

Moral e ética são a mesma coisa?

Como você define a moral?

E a ética, como você a define?

Desde o início da história humana, em seus


primórdios, os hominídios já se agrupavam para Primórdios

garantir sua sobrevivência, seja para defender-se Fonte, origem,


dos predadores naturais e das intempéries, seja princípio.

para conseguir alimentos. Fonte: Ferreira


(2008).

Como já vimos anteriormente, na introdução deste Hominídios


capítulo, a preservação e o desenvolvimento da
Família dos
espécie humana tiveram como um dos seus primatas
pilares o processo de socialização responsável similiformes que
inclui os gêneros
pela criação da cultura e paulatinamente da moral, australopítecos e
inicialmente com a elaboração de normas e regras homo.

de convivência surgidas com o advento da divisão Fonte: Ferreira


do trabalho e o desenvolvimento da linguagem. (2008).

Lembre-se, ao falar de uma sociedade humana necessitamos citar as


regras e os valores que a regem.
310 UNIUBE

Vários pensadores em diferentes épocas históricas abordaram


especificamente assuntos sobre a moral e a ética. Entre eles: os
gregos pré-socráticos, Aristóteles, os estoicos, os pensadores cristãos
– patrísticos, escolásticos e nominalistas − Kant, Espinoza, Nietzsche,
Paul Tillich e muitos outros.

No Brasil, além do trabalho do professor Yves de La Taille, baseado na


teoria piagetiana, há vários estudiosos deste campo do conhecimento,
entre eles Leonardo Boff, que desenvolve um trabalho interessante em
uma perspectiva de ética planetária.

Na contemporaneidade, você certamente percebeu o quanto o termo


moral tem sido suplantado pela utilização do termo ética: seja nas
conversas informais, nas comissões de ética na política, nos códigos de
ética profissional, nos temas transversais da edu­cação ou nas pesquisas
científicas.

Em várias situações o termo ética tem sido empregado em detrimento


do termo moral compreendido com uma conotação menor, até mesmo
negativa, muitas vezes associada a uma visão dogmática, intransigente
e impositiva baseada principalmente em uma pos­tura de vigilância da
conduta alheia em detrimento da atenção com a própria conduta.

Etmologicamente os conceitos de moral e ética referem-se a um conjunto


de regras de conduta social consideradas como obrigatórias. Os dois
vocábulos, moral e ética, foram herdados de duas culturas antigas: latim
Mores − moral, e grego Ethos − ética. Ambos se referem aos “costumes”
e “modo de ser” humanos, no que diz respeito a exigibilidade, legitimidade
e validade desses costumes. Podemos concluir que, etimologicamente,
ética e moral são palavras sinônimas. Vejamos, a seguir, diferentes
abordagens sobre as expressões ética e moral.

Convencionalmente, para diferenciar os conceitos de moral, e ética,


associa-se ao termo moral a concepção de fenômeno social, aqui
compreendido como o fato de toda a comunidade humana ser regida por
regras de conduta, e ao termo ética, a reflexão filo­sófica e/ou científica
sobre este fenômeno. Desta forma, podemos considerar (Figura 3):
UNIUBE 311

Figura 3: Diferença entre moral e ética 1.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Podemos também associar ao conceito de moral as regras delimitadas


pela esfera privada e ao conceito de ética aquelas referentes à esfera
pública. Veja a Figura 4:

Figura 4: Diferença entre moral e ética 2.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

E, ainda, para alguns autores, a moral tem um caráter prático imediato,


visto ser parte integrante da vida cotidiana das sociedades e dos indivíduos,
e a ética, ao contrário, é uma reflexão filosófica, puramente racional, sobre
a moral. Assim, procura justificá-la e fundamentá-la (Figura 5).

Figura 5: Diferença entre moral e ética 3.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Atenção: estas convenções a respeito do significado da moral e da ética


não são as únicas possíveis. Para Ives de La Taille, a definição entre
moral e ética pode ser ilus­trada em duas questões (Figura 6)
312 UNIUBE

Figura 6: Diferença entre moral e ética 4.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Ambas as questões, apesar de distintas, encontram-se articuladas e


possuem caráter filosófico e reflexivo. Não são inatas, mas, ao contrário,
são construídas socialmente e possuem um caráter fortemente cultural.
Há exceção para os temas relacionados a aspectos universais, como:
cuidado com a vida, respeito à verdade.

Diferindo no fato da primeira questão referir-se aos deveres dos sujeitos


que vivem em sociedade e, a segunda, aos objetivos e à qualidade da
vida que queremos ter, ambas dizem respeito a valores e à formação
humana, presentes em todas as nossas relações, principalmente àquelas
que envolvem conflitos.

PARADA PARA REFLEXÃO

Agora, leitor, reflita:

Como a escola trabalha estas questões fundamentais para o desenvolvimento


dos indivíduos?

De que forma se dá a aprendizagem de conteúdos de caráter ético e moral?

Como deve ser a práxis pedagógica do educador no que tange a esta


temática?

A moral é inata ou é desenvolvida?

Registre em seu caderno suas respostas.

Para responder a essas questões, vamos nos reportar à teoria piagetiana


de construção da moralidade, lembrando que:

• a construção do juízo moral para Piaget implica uma relação entre


afetividade e cognição;
UNIUBE 313

• o desenvolvimento cognitivo para Piaget apresenta diferentes


fases e estágios;
• o mesmo processo ocorre na construção da moralidade;
• o desenvolvimento da moralidade para Piaget encontra-se
intimamente vinculado à construção da inteligência.

A seguir, retomaremos essas reflexões de forma mais detalhada. Para


tanto, nos reme­teremos a conteúdos já estudados por você. Embora isso
possa parecer redundante, é necessário partirmos deles e articulá-los a
novas reflexões. Sendo assim, a cada conteúdo retomado, teceremos
comentários e sistematizações acerca do tema central deste capítulo.

7.2.1 A construção da moralidade sob a teoria piagetiana: retomando


e avançando essa reflexão

Em seu único livro dedicado ao estudo da moralidade, chamado: Le


jugement moral chez l’enfant, em português O julgamento moral na
criança, que se tornou referência fundamental para estudiosos e
pesquisadores da moral, da ética e das interações so­ciais, Piaget estudou
o sujeito moral da mesma forma que estudou o sujeito epistêmico, ou
seja, o sujeito de conhecimento.

7.2.1.1 Retomando, sinteticamente, o conceito de sujeito epistêmico


para Piaget

Formulando a hipótese de que as características psicológicas do adulto são


o resul­tado de um processo de desenvolvimento, uma gênese, e que esta
possui diversas fases ou estágios sendo cada um deles a superação do
anterior, Piaget afirma que, o conhecimento físico, bem como as estruturas
lógicas começam a ser construídos desde o nascimento da criança em
suas primeiras interações com o meio e continua por toda a sua vida.

Essas interações são reguladas pelo processo de equilibração que, para


Piaget, é uma capacidade inerente de todos os indivíduos, chamada por
ele de autorregulação ou auto-organização.

Assim, as estruturas da inteligência e o conhecimento na perspectiva


piagetiana são frutos de um trabalho psíquico do sujeito de
autorregulação, e não a cópia de modelos externos.
314 UNIUBE

PONTO-CHAVE

Na perspectiva piagetiana, a moralidade é uma construção do sujeito e


implica ação mental; nesse sentido, não é possível transmiti-la por meio da
repetição e do cumprimento mecânico de regras e normas.

Segundo La Taille (2006, p. 15), “o que faz a diferença entre um adulto


e uma criança não é a presença ou ausência de certas capacidades,
mas sim o nível de sofisticação de cada uma delas”. Ressaltamos que
esse nível de sofisticação está vinculado à quantidade e à qualidade
das interações sociais, bem como à importância dada por Piaget à
racionalidade.

Ao estudar a moralidade, Piaget deteve-se nas seguintes formulações:

1. Pesquisou o que seria comum em todos os indivíduos, assim


podemos afirmar que ele estudou o sujeito moral da mesma
forma que estudou o sujeito epistemológico. Dessa maneira,
defendeu a hipótese de que se as interações sociais forem
favoráveis ao desenvolvimento psicológico do indivíduo, ele
superará a fase de pré-moralidade ou anomia e construirá as
estruturas intelectuais e afetivas para a fase da heterono­mia.
Convivendo em um meio social que favoreça a cooperação, a
troca de pontos de vista, a flexibilidade de pensamento pode-
rá conquistar a autonomia moral.

2. A teoria piagetiana defende a concepção de desenvolvimen-


to moral.

3. Em terceiro lugar, Piaget defende o desenvolvimento moral


como o resultado de uma construção, de um processo cons-
tante de autorregulação.

4. Finalmente, a construção da moral só ocorre em contextos de


interação em que o convívio social estimula relações simétri-
cas e afetivas, ou seja, relações baseadas na cooperação,
no fazer junto, na colaboração, na parceria.
UNIUBE 315

A partir dessas formulações, elaboradas por Piaget, que defende o


desenvolvimento moral como um processo de construção dinâmico,
sustentado nas interações sociais do sujeito, e envolvendo ações
mentais, este estudioso defende a existência de três estágios de
moralidade, a lembrar: anomia, heteronomia e autonomia.

• Comportamento das crianças nos estágios de anomia, de


heteronomia e de autonomia

No estágio denominado anomia, os infantes não têm desenvolvimento


cognitivo para compreender as regras coletivas. As crianças são incapazes
de se colocarem no lugar do outro e, consequentemente, de compartilhar
ideias e regras comuns. As crianças desse estágio estão centradas em
si mesmas, interessam-se pelo jogo como forma de satisfazer interesses
próprios de caráter preponderantemente lúdico e motor.

No estágio da heteronomia, os infantes, por compreenderem as regras


como imutá­veis, elaboradas por uma autoridade inquestionável, até
mesmo Deus, apesar de se interessarem e desejarem participar
de atividades coletivas e com regras, ainda têm dificuldades em
compartilhá-las. Na visão das crianças heterônomas, os adultos são os
detentores absolutos da autoridade. Suas ordens e regras devem ser
obedecidas. No estágio da heteronomia moral, as crianças avaliam a
responsabilidade pelos atos de acordo com suas consequências e não
pelas intenções. Assim, para elas, o castigo deve sempre ser proporcional
às consequências materiais da ação. Por exemplo, se uma criança
acidentalmente, ou seja, sem intenção, deixar quebrar 3 (três) pratos e
outra intencionalmente quebrar 1 (um), a que quebrou o maior número
de pratos, inde­pendentemente da intenção, deve receber o castigo mais
severo. Isso ocorre porque as crianças desse estágio consideram ainda
apenas um aspecto das situações, o mais material. Seu pensamento
ainda tem características concretas apesar de ela já ter interiorizado
algumas operações mentais de reversibilidade.

No estágio da autonomia moral o foco do pensamento não é mais o


objeto concreto, mas sim o logicamente possível, o que torna o infante,
já pré-adolescente, por volta dos 12 (doze), 13 (treze) anos, competente
para refletir sobre suas próprias operações. Nesse estágio, eles já são
316 UNIUBE

capazes de jogar respeitando as regras do jogo e realizando acordos


mútuos. A descentração do pensamento permite-lhes considerar mais de
um ponto de vista, percebendo-se e aos demais jogadores como capazes
de criar regras, discuti-las e cumpri-las de comum acordo.

A responsabilidade pelos atos neste estágio é julgada pela intenção e


não pelas suas consequências, ou seja, aqui aspectos subjetivos como
a intenção, a sinceridade, ganham prioridade.

• Os estágios do desenvolvimento cognitivo e sua relação com


desenvolvimento moral

Como você deve estar lembrado, a noção de estágios é um tema


preponderante na teoria piagetiana, tanto para o desenvolvimento
cognitivo quanto para o desenvolvimento moral. Lembre-se de que
Piaget defende que o desenvolvimento moral está indissociado do
desenvolvimento cognitivo.

Sendo assim, não é possível ser moralmente autônomo sem ser capaz
de realizar as operações mentais de conservação, reversibilidade,
descentração de pensamento e lógica hipotética dedutiva. Por isso,
iremos rever brevemente as principais caracterís­ticas de cada estágio
do desenvolvimento cognitivo, lembrando que eles possuem um caráter
integrativo, ou seja, as estruturas de um nível inferior encontram-se
integradas ao nível posterior.

Em sua teoria, Piaget definiu 4 (quatro) estágios de desenvolvimento


cognitivo, a lem­brar: Sensório-motor: 0 a 2 anos; Pré-operacional: 2 a 6/7
anos; operacional concreto: 7 a 11/12 anos; operações formais: 12 anos
para a frente. Sendo assim, a seguir, fa­remos uma articulação entre o
desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento moral.

RELEMBRANDO

O estágio sensório-motor: 0 a 2 anos tem como características centrais:

A indiferenciação adualística, ou seja, nessa fase a criança, ainda bebê,


não se diferencia do mundo. o eu e o mundo constituem um mesmo bloco
indiferenciado e não existe a consciência de si mesmo nem dos objetos.
UNIUBE 317

Progressivamente, sobretudo quando estimulada de maneira adequada, a


consciência do bebê começará a ser estruturada a partir das experiências
sensório-motoras da criança com o meio.

RELEMBRANDO

A inteligência sensório-motora pode ser compreendida como uma adaptação


prática ao mundo. Ela é construída progressivamente a partir dos reflexos
inatos logo após o nascimento da criança.

Utilizando-se dos processos de adaptação e assimilação e dos esquemas


inatos de sugar, olhar, pegar, a inteligência sensório-motora processualmente
irá adaptar-se ao mundo desenvolvendo novos esquemas.

Assim, não podemos afirmar que no estágio sensório-motor a criança


tem um compor­tamento moral.

RELEMBRANDO

O estágio pré-operatório: 2 a 6/7 anos tem como uma de suas características


centrais o que Piaget chama de pensamento egocêntrico.

O egocentrismo ou pensamento egocêntrico é a manifestação de um


pensamento centrado na perspectiva do sujeito, em que não há indiferenciação
entre o ponto de vista da criança e o dos outros. Ou seja, o infante que se
encontra nessa fase de desenvolvimento não é capaz de se colocar no lugar
do outro, muito menos considerar outra hipótese que não a sua.

Nessa fase do desenvolvimento, não há trocas sociais baseadas na


reciprocidade e, com relação aos adultos, as crianças pré-operatórias
estão na fase do respeito unila­teral, ou seja, consideram obrigatório o
cumprimento das normas colocadas por eles.

RELEMBRANDO

Caracterizado por um conjunto de atitudes pré-críticas, pré-lógicas e


pré-conceituais, com relação aos outros, à natureza, ou a si mesmo, o
egocentrismo, como traço intelectual, está presente no pensamento infantil,
318 UNIUBE

na representação do mundo, nas tentativas de explicações dos fenômenos


naturais, na linguagem e no raciocínio e nos comportamentos sociais.
São manifestações do egocentrismo infantil: o animismo, o finalismo, o
artificialismo, a interpretação mágico-fenomenista do mundo, o pensamento
intuitivo, a justaposição, a transdução e o sincretismo. Todos já estudados
por você em outros capítulos.

A moralidade neste estágio é heterônoma e o pensamento infantil,


pré-lógico, caracteriza-se pelo egocentrismo expresso principalmente
no pensamento intuitivo, na justaposição, na transdução, no sincretismo,
na irreversibilidade e na centralização de pensamento.

RELEMBRANDO

Principais características do estágio operacional-concreto: 7 a 11/12 anos.

Quando adequadamente trabalhadas nos estágios de desenvolvimento


anteriores, as crianças do estágio operacional concreto, tendo internalizado
algumas operações mentais relacionadas à reversibilidade, já serão capazes
de iniciar operações com símbolos, como a linguagem, e realizar com êxito
atividades de conservação, classificação e seriação.

Entretanto, no início deste estágio operatório, a lógica infantil ainda estará


muito depen­dente das operações concretas vinculadas à manipulação
dos objetos, o que impõe ao professor organizar atividades que as
desafiem a exercitar seu pensamento.

IMPORTANTE!

Lembre-se: para Piaget a lógica não é inata na criança, e a primeira tarefa


da educação é formar o raciocínio.

Nas relações sociais, apesar de algumas dificuldades de se colocar no lugar


do outro, os infantes já são capazes de cooperar, jogar e trabalhar em grupo.

Para que as noções de conservação sejam construídas pelas crianças,


devem ser orga­nizadas pela professora atividades e situações em que,
UNIUBE 319

desafiados, os alunos tenham condição de perceber que o todo se conserva


independentemente do arranjo de suas partes. Só assim construirão o
conceito fundamental de reversibilidade, tornando seu pensamento reversível
condição fundamental para a construção da moral autônoma.

Neste estágio, se adequadamente desafiada, a criança poderá construir a


moral au­tônoma por meio de vivências de cooperação, trocas de ponto de
vista, elaboração e discussão de regras, resolução de conflitos interpessoais.

RELEMBRANDO

Principais características do estágio das operações formais: 12 anos para


a frente.

Neste estágio de desenvolvimento do pensamento, o raciocínio hipotético


dedutivo torna-se possível, o que implica que o pré-adolescente/adolescente
agora já está apto para operar com hipóteses, ou seja, com a lógica, não
necessitando mais dos objetos concretos ou figurativos. Competente para
refletir sobre suas próprias ações, também já é capaz de compreender o
método científico de investigação. Entretanto, por ainda operar mentalmente
utilizando-se da assimilação sem a acomodação, o adolescente apresenta
um grande egoísmo intelectual que o leva a acreditar em uma perspectiva
onipotente que o mundo deve se submeter à reflexão e não a realidade.

O egoísmo inicial do adolescente cederá lugar a comportamentos


mais adaptados ao real, a partir da vivência de intercâmbios sociais de
sentimentos, ideias, ações e atitudes. O diálogo, as discussões, as trocas
de ponto de vista, o respeito, a solidariedade e a corresponsabilidade são
importantíssimos para ajudá-la a superar a fragilidade de seus pontos de
vista e a construir relações baseadas no respeito mútuo e na afetividade.

Neste estágio, já é possível falar de uma moral autônoma, pois o


adolescente já tem construídas estruturas mentais capazes de operar
com abstrações, reversibilidade e descentralização de pensamento.
Entretanto, a construção da moralidade autônoma é um processo ao
longo da vida humana, que implica constante reflexão, responsabi­lidade,
afetividade e consciência social.
320 UNIUBE

7.2.2 Aprofundando a reflexão sobre o papel do professor no


desenvolvimento moral do aprendiz, na perspectiva piagetiana

Apesar de falar em estágios, para Piaget a construção da moralidade é um


processo dinâmico, afetivo e interativo, e não automático. Sendo assim, para
que o aluno construa a moralidade é necessário que participe ativamente de
experiências morais por meio do ambiente proporcionado pela escola, seja
na vivência da resolução de conflitos, seja na construção e reconstrução
das regras a serem cumpridas por todos. A criança deve estar em contato
com os seus pares em situações que possa experimentar a cooperação, a
democracia e o respeito mútuo.

A educação moral, na perspectiva piagetiana, não deve ser uma matéria do


currículo escolar, mas um aspecto presente da totalidade da práxis educativa.
Dessa maneira, os alunos não devem ter “aulas” de educação moral, mas
vivenciar a moralidade em todos os ambientes e situações possíveis.

Nessa ótica, os trabalhos em equipes são uma atividade promotora à


construção da autonomia moral, pois, ao trabalharem juntos, os alunos
podem trocar pontos de vista, discutir e conhecer outras ideias diferentes
das suas, exercitando a reciprocidade e a flexibilidade de pensamento.
Condições fundamentais para a aquisição da moral autônoma na teoria
piagetiana.

À medida que aparecem novas situações de conflito, as regras devem ser


discutidas, negociadas e, se necessário, reelaboradas pelo(a) professor(a)
e pelos alunos.

Segundo Ives de La Taille (2006), Piaget descobriu que a gênese do juízo


moral infantil passa por duas grandes fases.

Na primeira, o universo da moralidade confunde-se com o universo físico:


as normas morais são entendidas como leis heterônomas, provenientes da
ordem das coisas, e, por isso, sagradas, invioláveis,

A essa concepção das normas corresponde um nível rudimentar de


compreensão intelectual. Assim, por exemplo, será considerada mais
culpada aquela criança que tenha, por engano, distorcido a realidade
afirmando algo impossível, do que aquela que, conscientemente
mentindo, tenha afirmado algo possível.
UNIUBE 321

Nessa fase, o que a criança observa é o aspecto aparente, visível da


afirmação e não a intencionalidade de quem a praticou. Assim, a criança
aceita como verdade absoluta as afirmações dos adultos, e obedece sem
questionar seus imperativos.

Na segunda fase, as normas morais passam a ser entendidas como


normas coletivas, sociais, cuja finalidade é regular as relações entre os
diferentes sujeitos, sejam eles adultos ou crianças. Portanto, nesta fase
as normas têm valor universal.

Por volta de dez, onze anos, a criança já pode ser capaz de conceber a
si mesma como possível sujeito no universo moral, passível de, mediante
relações de reciprocidade, estabelecer e defender novas regras.

Quando adequadamente trabalhadas, as crianças desta idade estão


construindo as operações formais, ou seja, já são capazes de abstrair,
refletir, descentrar o pensamento, considerar mais de um ponto de vista.

• A obediência
A obediência, neste período, é ativa e está vinculada ao respeito mútuo.
Na teoria piage­tiana, a criança supera a heteronomia como obediência a
um dever pré-estabelecido, adequadamente desafiada e convivendo em
ambiente de cooperação pode conquistar a autonomia moral, em que o
bem é agora concebido como um acordo racional mútuo entre as partes
ou os envolvidos.

Durante a gênese do desenvolvimento pessoal, a superação da


heteronomia para a autonomia moral acontece em paralelo à passagem
do estágio pré-operatório para o operatório.

Isso pode-se explicar pelo fato de a autonomia moral pressupor um


raciocínio também autônomo, ou seja, capaz de chegar por si mesmo
à verdade. Tal capacidade depende da reversibilidade das operações
mentais, característica do estágio operatório.

Piaget opõe-se às teorias que concebem a formação da consciência


como sendo a interiorização de modelos culturais impostos pelo meio,
chamando de coerção essa forma de relação.
322 UNIUBE

• A coerção e a colaboração

A coerção é a primeira forma de relacionamento que vive a criança,


entretanto, ela não é suficiente para levar à autonomia; ao contrário, a
coerção reforça a heteronomia e o seu egocentrismo correspondente, por
impedir que a criança reflita e compreenda o sentido e o valor social das
regras.

Dessa forma, visando à construção da autonomia, Piaget defende ser


necessário outro ti­po de relação social, baseada no acordo mútuo, que se
opõe à coerção. Esse novo tipo de relação Piaget chamou de cooperação.

PARADA PARA REFLEXÃO

Pare, pense e responda:

A vivência das normas e das regras no ambiente escolar está sustentada


em relações de coerção ou em relações de cooperação?

Que tipo de moral as relações de coerção contribuem para construir? E as


relações de cooperação?

Vejamos então a diferença entre cooperação e coerção:

Figura 7: Diferença Cooperação e coerção


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Piaget, em seus estudos sobre a construção da moralidade, afirmou


que as relações entre as crianças são de suma importância para o
desenvolvimento do juízo moral. Nestas relações, as crianças se
encontram em similaridade, uma vez que se mentirem para um colega ou
UNIUBE 323

amigo, será a própria relação de amizade ou camaradagem que estará


em jogo, podendo ser rompida ou, ainda, a criança pode passar a ser
excluída daquele convívio.

Já as relações das crianças com os adultos, a princípio, são constituídas


na desigual­dade, além de se configurarem como sólidas, no sentido de
terem poucas possibilidades de serem desfeitas. A criança sabe que se
mentir para o professor e/ou para os pais será castigada, mas a relação
não será desfeita, ao contrário do que pode ocorrer com os colegas da
mesma idade. Vejamos, a seguir, o que Piaget diz sobre as sanções ou
castigos.

• As sanções ou castigos

Basicamente Piaget defende a existência de dois tipos de sanções que


podem contri­buir ou dificultar a construção da moralidade infantil: sanção
expiatória e sanção por reciprocidade.

A sanção expiatória caracteriza-se pela falta de lógica, ou de coerência


entre a ação praticada pela criança e o castigo recebido.

Exemplo de sanção expiatória: A criança não faz a tarefa escolar e como


castigo não ganha dos pais um brinquedo prometido. Como forma de
resolver este conflito, a criança normalmente faz a tarefa para ganhar
o brinquedo, porém, a tarefa em si não é compreendida como uma
atividade importante, de valor!

PARADA OBRIGATÓRIA

Atenção! Este tipo de sanção, em nenhuma hipótese, contribui para a


construção da moralidade infantil.

A sanção por reciprocidade caracteriza-se


Sanção
pela coerência, pela logicidade entre a ação
praticada pela criança e o cas­tigo recebido. Este Pena ou recompensa
com que se tenta
tipo de sanção, por contribuir para que a criança garantir a execução
compreenda os resultados de sua ação, colabora de uma lei.
na construção da moralidade infantil. Fonte: Ferreira
(2008).
324 UNIUBE

Exemplo de sanção por reciprocidade: A criança


Retificar sujou a mesa ou a carteira escolar. Como “castigo”
Corrigir, emendar, deverá deixá­-la limpa como estava anteriormente.
restaurar. Nesta ação, além de poder perceber o resultado
Fonte: Ferreira prático de sua ação, a criança ainda tem a
(2008). oportunidade de retificar seu comportamento, o
que colabora para a construção da reversibilidade
de pensamento.

AGORA É A SUA VEZ

Pare, pense e responda:

As sanções propostas no ambiente escolar têm caráter expiatório ou de


reciprocidade?

Escreva em seu caderno.

Apesar de estabelecer um paralelo entre afetividade e racionalidade,


a razão ocupa um lugar central na teoria piagetiana sobre o
desenvolvimento da moralidade.

Somente por meio de um pensamento lógico desenvolvido, a criança


consegue con­quistar uma moral autônoma. Para isso, ela precisa de 1)
operar com reversibilidade e reciprocidade, 2) ter bem construída a noção
de conservação.

Nesse sentido, para Piaget, crianças pequenas em função de seu estágio de


desen­volvimento cognitivo não são capazes de alcançar a autonomia moral.

SINTETIZANDO...

Como você certamente percebeu por meio da leitura deste estudo, a


construção da moralidade para Piaget é um processo que implica ação
e participação ativa da criança, principalmente nas situações de conflito
interpessoal e na construção e reconstrução das regras sociais.
UNIUBE 325

Este fato não isenta o adulto de seu papel de promotor da construção da


moralidade infantil.

Nesse sentido, com o objetivo de auxiliá-lo na tarefa de promover a


construção da moralidade na perspectiva da teoria piagetiana, seguem
algumas sugestões de ações pedagógicas:

1. promover o trabalho em equipe;

2. incentivar o diálogo e as trocas de ponto de vista entre os alunos;

3. estimular a cooperação e o comportamento solidário;

4. construir em parceria com os alunos as regras da sala de aula;

5. discutir as regras da sala de aula e revê-las com os alunos sempre que


necessário;

6. analisar com os alunos as regras institucionais e, se possível, participar


de sua elaboração;

7. combinar com os alunos as atividades da rotina pedagógica do dia,


tornando-os corresponsáveis pelo seu sucesso;

8. quando necessário, aplicar sanções por reciprocidade;

9. intermediar as situações de conflito interpessoal ocorridas dentro da sala


de aula promovendo o respeito mútuo e a troca de pontos de vista;

10. atuar em parceria com outros profissionais da instituição fomentando


esse tipo de comportamento nos alunos.

É importante que o professor conheça bem a teoria, para fazer dela


um instrumento efetivo de sua práxis docente. O professor deve ter a
sensibilidade necessária para entender os diferentes pontos de vista de
seus alunos em sala, bem como o estágio cognitivo e o estágio moral
em que estão, para, a partir disso, tomar atitudes que possam contribuir,
efetivamente, com esses dois tipos de desenvolvimento.
326 UNIUBE

7.3 Conclusão

Caro aluno, ao estudar a construção da moralidade neste capítulo,


certamente você percebeu a complexidade deste tema presente em
todas as relações humanas.

Compreender a moralidade em uma perspectiva interativa, em que o


meio social exerce um papel preponderante para sua construção refuta
o conceito inatista da moralidade e abre caminho para que possamos
pensar em sua construção nos diferentes ambientes que convivemos,
neste estudo, prioritariamente no ambiente escolar.

Os estudos a respeito da construção do juízo moral de Piaget, além de


serem refe­rência para os estudiosos da área, possibilitam ao adulto, aqui
o professor, contribuir efetivamente para a construção da moralidade
infantil. Nesse sentido, o professor, inicialmente, introduz a criança no
contexto moral, seja por meio das situações de conflitos interpessoais,
seja na vivência da cooperação, do respeito mútuo, do diálogo e das
negociações, seja por meio da análise, elaboração e reelaboração das
regras sociais ou outras atividades congêneres.

Para desenvolver este trabalho, o professor necessita fundamentalmente


reconhecer e respeitar a criança como sujeito inteligente, porém, em
formação. Deve entender que a criança, com o apoio do adulto e em
relação de cooperação, principalmente com os seus pares, é capaz de
construir uma moral autônoma.

Resumo

Ao tratar da construção da moralidade neste capítulo, inicialmente


apresentei ao leitor o conceito fundamental da interação entre fatores
biológicos/meio sociocultural como condição inerente à construção da
moralidade.

Nesse sentido, inicialmente estudamos a importância do social para


os três principais teóricos modernos da psicologia interacionista e
sociointeracionista, destacando o trabalho de Jean Piaget.
UNIUBE 327

Em seguida, contextualizei os conceitos de moral e ética dando


relevância ao trabalho do professor-doutor Ives de La Taille, especialista
no pensamento piagetiano. Desta­quei a construção da moralidade na
perspectiva de Piaget, focando o sujeito moral, os estágios de construção
da moralidade e as sanções.

Finalmente, articulando o desenvolvimento moral aos estágios do


desenvolvimento cognitivo, posto que, Piaget apesar de estabelecer
um paralelo entre afetividade e racionalidade, dá um lugar central à
razão sobre o desenvolvimento da moralidade, apresentei as principais
características de cada estágio e culminei o trabalho com o papel do
professor na construção da moralidade infantil.

Atividades

Atividade 1

Após a leitura cuidadosa sobre os estágios do desenvolvimento cognitivo


e a constru­ção da moralidade para Piaget, elabore um texto de vinte a
trinta linhas, articulando o desenvolvimento da moralidade aos estágios
de desenvolvimento cognitivo.

Atividade 2

Escolha e descreva cinco sugestões de ações do professor, capazes


de promover o desenvolvimento da moralidade infantil. Lembre-se de
mostrar a importância do pro­fessor para esse processo. Justifique suas
escolhas.

Atividade 3

A partir da leitura deste estudo, escreva três atitudes que o professor


não deve ter quando visa promover a construção da moralidade infantil.

Atividade 4

Leia:
Se “o convívio social permitir relações simétricas de cooperação (o fazer
junto...), a autonomia moral torna-se possível” (La Taille, 2006, p. 16).
328 UNIUBE

Com base em seus estudos, comente a frase, articulando-a ao contexto


escolar:

Atividade 5

Elabore um texto, de vinte a trinta linhas, defendendo a importância de se


desenvolver um trabalho sobre a moralidade infantil no ambiente escolar.

Referências

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