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O SER HUMANO À LUZ DA CIÊNCIA ESPIRITUAL

Módulo I – Ciência Espiritual

“Quatro são as atividades do espírito humano: religião, arte, filosofia e ciência”


(autor desconhecido)

O que é a ciência para cada um de nós? O que as pessoas pensam quando as palavras
ciência ou cientista são mencionadas? No senso comum o cientista é uma pessoa com
conhecimentos e que pensa melhor do que as outras, uma “autoridade”. Porém, a ciência é
apenas uma das maneiras de buscar a “ordem” por trás da percepção da experiência cotidiana
que supere a aparência efêmera das coisas. Curioso que o discurso científico tem a intenção
confessada de produzir conhecimentos, numa busca sem fim da verdade, mas geralmente pela
ciência podemos ter certezas quando estamos errados e nunca a certeza de que estamos
certos. O cientista não pode nunca pretender ser o dono da verdade, pois é alguém que
desmantela certezas, desmistifica as visões antigas. Todos os que têm certezas estão
condenados ao dogmatismo e ao esquecimento.
Pelo lado mais formal, a palavra "ciência" vem do latim scientia, que se refere a qualquer
"conhecimento" ou prática sistemática. Em sentido estrito, ciência refere-se ao sistema de
adquirir conhecimento baseado no método científico, bem como ao corpo organizado de
conhecimento conseguido através de pesquisas. A ciência é o esforço para descobrir e
aumentar o conhecimento humano sobre como o Universo funciona. Conhecimento ou um
sistema de conhecimentos que abarca fatos, os mais gerais e abrangentes possíveis, bem
como a aplicação das leis científicas, ambas especificamente obtidas e testadas através do
método científico.
As visões dos filósofos gregos, Platão e Aristóteles (Figura 1), podem nos ajudar a
entender a história da ciência. Platão via o Universo dividido em duas partes: o universo das
formas, das aparências, o qual percebemos através dos “sentidos”, e o universo das ideias, da
realidade verdadeira, o qual intuímos através de “pensamentos”. Platão achava que o mundo
físico- sensorial é uma sombra, um reflexo fugaz da realidade eterna e imutável, que é o “mundo
das ideias”. Para Platão, qualquer fenômeno que percebemos com os sentidos só ocorre porque
uma “ideia”, um arquétipo formativo, o determinou antes. O universo platônico é um grande
conjunto harmônico de pensamentos que se manifestam na aparência dos fenômenos que
percebemos. Platão valorizou mais o “pensamento” (episthéme) do que os “sentidos”.
Aristóteles tomou o caminho oposto ao de Platão. Para Aristóteles, conhecer é
compreender um fenômeno. A ideia de um fenômeno está nele próprio, e não em algum “plano
sútil” de ideias abstratas; não está fora do sensorial. Aristóteles disse que, diante de um
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fenômeno, devemos fazer quatro perguntas para, assim, conhecê-lo: O que é? Do que é
constituído? Quem, ou o que, o fez? Para que foi feito?
Aristóteles definiu a ciência como um "conhecimento demonstrativo", ou seja, um tipo de
conhecimento comprovado, que pode ser expresso por meio de uma demonstração, com
fundamento em observações, análises e experimentos, considerando as mais diversas
hipóteses sobre aquele assunto.
Aristóteles se interessava pela experiência dos fenômenos sensíveis. Propõe um duplo
caminho: dedução e indução. A dedução teoriza sobre um caso particular, a indução
experimenta o particular e o generaliza. Na dedução, se tira o particular a partir do universal e,
na indução, se tira o universal do particular.
Platão indica o alto, a ideia; Aristóteles, o mundo, os entes. Aristóteles via o mundo das
ideias como inserido no mundo sensível. O mundo das ideias, para os gregos, equivalia ao
mundo dos deuses, ao espiritual.

Figura 1 – Platão e Aristóteles

Aristóteles foi acusado de panteísta, logo que foi descoberto pelos teólogos medievais.
Até o século XIII, a Igreja proibiu a leitura de Aristóteles. A Igreja queria enfatizar uma
concepção transcendente de Deus. O divino acima, longe da natureza (mais simpática a
Platão). Grandes teólogos cristãos da Idade Média eram “platônicos”, como Santo Agostinho.
A Igreja, através da Tomás de Aquino, desafiou “cristianizar” Aristóteles.
Eram duas correntes filosóficas da Igreja: a escolástica, desenvolvida pelos
“aristotélicos”, e a dos “platônicos”. Na Idade Média, foram aristotélicos: São Tomás de Aquino,
Alberto Magno e Duns Scotus. Foram platônicos: Scotus Erígena, Dionísio Areopagita, Santo
Anselmo, São Boaventura e os Mestres da Escola de Chartres (Bernardo e Gilbert de La Porré).

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Vale aqui observar que, de alguma forma, ainda hoje, somos influenciados por esta visão
dualista da realidade e nos dividimos entre estes dois grupos antagônicos: os materialistas
(aristotélicos) e espiritualistas transcendentalistas (platônicos). Também não seria uma boa
maneira de entender as análises dos fenômenos com os diagnósticos e soluções polarizadas
dadas por grupos/pessoas para a pandemia da Covid-19? Platônicos ou Aristotélicos?
O panteísmo dos hereges medievais, afinados ao platonismo, passou à Renascença,
através dos séculos. No século XVI, encontramos os filósofos magos, que eram platônicos ou
neoplatônicos, buscavam uma síntese das ideias universais, praticavam a cabala e o
esoterismo, e defendiam um humanismo divinizado: Nicolau de Cusa, Ficino, Pico Della
Mirandola. Os aristotélicos renascentistas, Giordano Bruno, Tomazo Campanella, também
hereges, associavam a preocupação aristotélica com o “conhecimento demonstrativo” a uma
mística universalista, humanista, neoplatônica.
Foi de um ramo destes últimos aristotélicos-neoplatônicos da Renascença que surgiram
os primeiros cientistas racionais da natureza: Kepler, Copérnico, Galileu, igualmente magos e
astrólogos.
A maioria dos médicos medievais e renascentistas também seguia um caminho
aristotélico, valorizando a experiência prática, a demonstração, a investigação direta da
natureza. A medicina moderna foi basicamente empírica e aristotélica.
O século XVI definiu o que chamamos atualmente de ciência, desaparecendo,
posteriormente, uma visão da realidade espiritual associada ao conhecimento, em função de
uma antipatia crítica, racional, pragmática para com o mundo, dividindo-se as correntes
filosóficas em duas tendências:

1) Racionalismo matemático de René Descartes (1596-1650);


2) Empirismo prático de Francis Bacon (1561-1626).

O movimento cartesiano-baconiano e suas influências geradoras do idealismo alemão e


do racionalismo pragmático inglês e francês desenvolveram o iluminismo, o que significou a
proposta da razão acima de qualquer dogma e libertária em relação à religião.
A ciência resultou da “antipatia crítica e racional” do ser humano moderno em relação ao
mundo. E os dois antigos caminhos confluem para formar a estrutura da ciência: o caminho dos
sentidos (chamado de empirismo) e o caminho dos pensamentos (chamado de racionalismo).
A alquimia no século XVII tornou-se química. A física foi desprovida de espiritualidade
com Isaac Newton. A astrologia tornou-se astronomia.

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Emanuel Kant (1724-1804), representante do iluminismo alemão, na “Crítica da Razão
Pura”, se contrapõe ao espírito dogmático e reúne, num só processo racional, o idealismo
cartesiano e o empirismo baconiano, estabelecendo a base e os limites da ciência ocidental
moderna.
A ciência moderna se desenvolveu pelos limites epistemológicos entre os fatos
percebidos pelos sentidos e o distanciamento da experiência espiritual do transcendente.
Os estudos da natureza muito avançaram com a sua redução a meros objetos avaliados
com objetividade, clareza e previsão, coerência lógica, redução da visão global nas
particularidades, empírico, interesse pelo pragmatismo e estudos estatísticos.
Porém, nunca nos satisfazemos com o que a natureza nos oferece à percepção dos
sentidos, mas procuramos também uma explicação mais profunda dos fatos. O que obtemos
imediatamente com a percepção sensorial nos divide em uma bipolaridade: eu e o mundo.
Diante deste muro divisório entre nós e o mundo buscamos transpor esta oposição com o
esforço de uma nova espiritualidade da humanidade. Tanto a arte como a religião e a ciência,
em última instância, perseguem a integração dos seres humanos no universo.
Há uma outra tendência menos conhecida e promissora no iluminismo no século XIX,
contrária à predominante visão de Kant representada: Goethe (1794-1832), Hegel (1770-1831),
Fichte (1790-1814) e muitos outros, inclusive os poetas do romantismo, tais como Schiller
(1759-1805), Novalis (1770-1801).
Hegel ultrapassou os limites cognitivos da razão estabelecidos em Kant (onde a razão
não alcança o mundo espiritual). O espírito, para Hegel, manifesta-se em tudo, na história, na
ciência. Porém, ele próprio não se ocupou com o estudo ou observação da natureza.
Schelling, o mais esotérico dos filósofos, falava do absoluto infinito presente em todos os
fenômenos naturais e negava o dualismo sujeito e objeto de Kant. Jacob Boehme dizia da
Divina Sophia (sabedoria de Deus) que se manifesta através da natureza.
A visão de Goethe (poeta e cientista) parece ser a mais promissora na evolução da
ciência, já que assumiu a posição de observador e investigador do mundo físico. Goethe elogiou
Kant por ter elaborado um espírito livre e crítico, que superava o dogma da religião, mas achava
que ele havia criado um outro dogma: o ser humano só pode conhecer racionalmente o que
passa pela experiência dos sentidos. O espírito goetheano quebra o limite kantiano entre o
observador e o fenômeno, entre sujeito e objeto, pois a mente do observador e o objeto
percebido são unos, fazem parte da mesma realidade. A experiência goetheana (empirismo
racional) é uma vivência e não uma teorização. Criticou o empirismo comum, porque apenas
descreve os fenômenos de modo isolado e criticou o racionalismo, porque formula teorias
abstratas sobre os fenômenos. O campo que Goethe não entrou foi o das ciências humanas,

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que era caro para os filósofos idealistas (Hegel, Fichte).
Rudolf Steiner (filósofo e artista) chamou o método de Goethe de “idealismo objetivo” e
teve o mérito de, baseado na contribuição gnosiológica de Goethe, se inserir nas ciências
aplicadas (medicina, agricultura, pedagogia, economia etc.).
Rudolf Steiner (1861-1925) via no espírito goetheano a recuperação ocidental perdida ao
adquirir a maturidade da razão instrumental livre do dogma medieval. Um retorno com o
suprassensorial de um modo não dogmático, mas plausível e inteligente. A cosmovisão antiga,
que descreve o universo através de imagens, numa linguagem analógica, por ser poética, toca
mais profundamente a nossa alma. Ela nos proporciona a vivência de estarmos integrados a
uma ordem cósmica que não contradiz a visão racional que temos do universo, mas contribui,
vivificando o pensar lógico. Não se trata da reaquisição de uma religião, mas de um
conhecimento que se integra à espiritualidade: Ciência Espiritual.
Neste contexto, apesar de não ser reconhecida pela ciência materialista atual (vista
apenas como um conteúdo metafísico sem valor e comprovação científica), se configurou a
Antroposofia (sabedoria do ser humano) como uma Ciência Espiritual com as seguintes
características:

1. Afirmar a existência de um complexo mundo suprassensível (espiritual);


2. O mundo pode ser percebido e conhecido por qualquer pessoa, capaz de
desenvolver, com plena consciência, os órgãos de percepção para tal fim;
3. Indicar um caminho que conduz a tal cognição superior (conhecimento do mundo
superior/espiritual);
4. Descrever os resultados desta cognição, completando nossa ciência do material por
uma ciência ampliada. Este estudo conduz a um conhecimento de causas da situação
atual do ser humano e da humanidade;
5. Mostrar que em muitos domínios da vida social (pedagogia, arte, agricultura,
farmacologia, economia etc.) a aplicação prática dos conhecimentos da Ciência
Espiritual conduz a extraordinários progressos e novos caminhos;
6. Indicar que o ser humano, desde que ataque os males pela raiz, pode superar a crise
atual com base nos conhecimentos superiores;
7. Descrever o caminho evolutivo da humanidade e das forças e tendências como
resultado de pesquisas da Ciência Espiritual.

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De modo diverso e que apoia esta abordagem de uma possibilidade de uma “Ciência
Espiritual” se encontram outras formas de visões ampliadas da realidade contemporânea,
incluindo a psicologia profunda, integral e a sociologia transpessoal/transcendental. A
psicologia e a sociologia transpessoal representam um novo tipo de abordagem das ciências
humanas que envolve uma investigação contínua e experimental de questões espirituais,
transcendentais ou também chamada “filosofia perene”.
Uma das grandes tarefas da visão transpessoal seria alcançar outro nível de consciência
para a questão da relação da ciência com a experiência religiosa (ou revalorização da dimensão
espiritual e sua relação com o conhecimento), superando a visão da “teoria da primitivização”
(qualquer forma de religião é atrasada e superada) ou a visão “positivista” (ciência materialista
como última forma superior de conhecimento) da ciência.
Nesta perspectiva, vale a pena partir da versão simplificada dos níveis hierárquicos da
organização estrutural do desenvolvimento, segundo a psicologia ortodoxa:

1) Arcaico
- Físico: simples substrato físico do organismo;
- Sensório-Perceptivo: área de sensação e de percepção (conhecimento sensório-motor
simples de Piaget);
- Emotivo-Sexual: a libido, invólucro da bioenergia.

2) Mágico
Início das esferas mentais, imagem simples de símbolos (processo primário de Freud,
pensamento pré-operacional de Piaget, necessidades de segurança de Maslow).

3) Mítico
Mais avançado que o mágico, porém ainda incapaz do mais simples raciocínio hipotético-
dedutivo (necessidades de pertinência de Maslow, pensamento operacional concreto de
Piaget).

4) Racional
Primeira estrutura capaz de pensar, não só sobre o mundo, mas também sobre o pensar.
Capacidade autorreflexiva e introspectiva. Estrutura capaz de raciocínio hipotético-
dedutivo (pensamento operacional formal de Piaget, necessidades de autoestima de
Maslow).

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Cada estrutura é amplamente emergente ou descontínua no seu desenvolvimento. Não
pode ser completamente reduzida ao seu predecessor, nem explicada apenas pela anterior.
Existe uma crescente nova aceitação, por parte dos estruturalistas de desenvolvimento,
da noção dos paralelos filogenéticos (evolução das espécies) com os ontogenéticos (evolução
do indivíduo). Assim, a magia paleolítica primitiva assemelha-se ao pensamento pré-operacional
do bebê e do início da infância; as religiosas-míticas clássicas assemelham-se ao pensamento
pré-operacional do final da infância e início do pensamento pré-operacional concreto; e a ciência
racional moderna estaria no topo da hierarquia com o raciocínio operacional formal e hipotético-
dedutivo da transição da adolescência para fase adulta.
Esta racionalização crescente provocou uma retração da religião no campo do
conhecimento. A estrutura mais avançada seria a racional-científica e, assim, a religião só seria
vista como uma fixação/regressão primitiva à magia infantil ou ao mito da criança. Assim, na
perspectiva da lei dos três estados de Comte no positivismo (três fases: teológica, metafísica e
positiva), qualquer visão da religiosidade seria uma forma de primitivização de fases anteriores
a ciência.
Porém a Ciência Espiritual poderia estar associada a uma fase superior de
amadurecimento da fase adulta, na possibilidade de que existam estágios de estruturalização
superiores ao pensamento operacional formal, que seriam compatíveis com o princípio da
própria evolução da ciência, de sua inconcretitude e novas fronteiras do conhecimento.
Hegel considerava que a história eventualmente transcenderia a autoconsciência mental
no conhecimento absoluto do espírito como espírito. Aurobindo afirmou que a evolução caminha
para a percepção da supermente. Teilhard de Chardin viu culminar no ponto ômega a
consciência de Cristo.
E se aplicarmos o curso de evolução para o desenvolvimento futuro do ser humano? O
que vem após a ciência racional materialista?
Razoável e bem plausível haver estágios mais elevados de organização de
desenvolvimento (consciência ampliada) que se manifestam de maneira crescente, que podem
ser chamados de estágios de dimensões espirituais ou transcendentes.
A psicologia profunda aponta novos estágios e níveis estruturais superiores de
desenvolvimento (Figura 2), acompanhando a terminologia de muitas correntes espirituais do
Oriente:

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5) Psíquico
Não se refere necessariamente a eventos paranormais. Trabalha com
relacionamentos mais elevados de cognição psíquica. Lógica visionária ou
panorâmica integrativa, compreende um entrelaçado em massa de ideias: como se
influenciam, quais são seus relacionamentos. Capacidade sintetizadora imaginativa (mente
superior de Aurobindo, necessidades de autorrealização de Maslow, Manas nos sistemas
orientais). Os eruditos que dominam tais estados, através da manipulação do corpo e da
concentração mental, são conhecidos com “iogues”.

6) Sutil
Considerado a sede dos verdadeiros arquétipos, dos sons sutis e das iluminações
audíveis, do insight transcendental e do enlevo. Capacidade de inspiração (“mente
iluminada” de Aurobindo, o ponto culminante Budhi dos orientais, necessidades de
auto-transcendência de Maslow). Os eruditos que dominam tais estruturas sutis são
normalmente considerados santos.

7) Causal
É a base transcendental de todas as estruturas inferiores; não envolve qualquer
experiência particular, e sim a dissolução do próprio experimentador, a morte do
princípio observador, transcendência da dualidade sujeito-objeto. “Vós sois Deuses”.
Neste estágio, a pessoa torna-se radicalmente desprovida de ego, ou livre da
sensação de separação do eu: sábio (Super mente de Aurobindo, Brahma-Atma para
os orientais, identidade suprema dos sufis, eterna substância de Spinoza, geist de
Hegel).

Figura 2 – Wilber (1983)

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O importante é que há uma possibilidade real de pensar a ciência em níveis superiores
de consciência, inserida em uma hierarquia de experiências e estágios da estrutura de
desenvolvimento transpessoais e intrinsecamente mais reveladora e de conhecimento
ampliado. De alguma forma, significa uma integração entre ciência e espiritualidade. Na
Ciência Espiritual antroposófica, equivale aos estágios de desenvolvimento espiritual:
personalidade espiritual (Psíquico), espírito vital (Sutil), homem espírito (Causal).
Pode parecer que os conhecimentos espirituais não tenham contribuições sobre os
fenômenos do mundo físico, mas uma observação sem preconceitos pode mostrar
exatamente o contrário. É natural que haja uma certa resistência, diante da hegemonia atual
de uma ciência materialista, ao considerar as visões do transcedente uma fantasia e um
conhecimento não científico. Mas é esta opinião que se baseia num total desconhecimento
dos resultados e frutos da Ciência Espiritual. Para atuação no mundo, caminhos e soluções
de problemas humanos precedem uma compreensão ampliada das causas e um
conhecimento profundo da essencia das coisas. A Ciência Espiritual, com uma concepção
de mundo que procura os mais elevados ideais da humanidade, ao buscar as causas mais
profundas de um fenômeno natural, pode contribuir com a melhoria e posicionar-se diante
das exigências da realidade social e do cotidiano da vida humana. E deve ser julgada pelos
resultados práticos que derivam dos seus conhecimentos.
A Ciência Espiritual não quer, de forma alguma, contrapor a ciência atual moderna e
suas importantes conquistas de conhecimento do ser humano e do mundo, mas pretende
ser uma ampliação do conhecimento e alcançar a compreensão da realidade para além do
mundo visível e nos limites da percepção materialista.
As novas fronteiras de conhecimentos enfrentam resistências e devem sempre ser
analisadas de forma rigosora e isenta de preconceitos. As ciências vivem e progridem
através de controvérsias. Thomas Kuhn (1922-1996) foi um pesquisador da Filosofia da
Ciência que defendeu o “contexto de descoberta”, o qual privilegia os aspectos psicológicos,
sociológicos e históricos como relevantes para a fundamentação e a evolução da ciência.
Para Kuhn, a ciência é um tipo de atividade altamente determinada que consiste em resolver
problemas dentro de uma unidade metodológica chamada “paradigma”. É ele que
estabelece o padrão de racionalidade aceito em uma comunidade científica sendo, portanto,
o princípio fundante de uma ciência para a qual são formados os cientistas.
Em uma definição simples, para Kuhn, a ciência desenvolver-se-ia pela criação e
abandono de paradigmas, modelos consensuais adotados pela comunidade científica de
uma época. Depois do estabelecimento de um paradigma, haveria um período histórico em
que os cientistas desenvolveriam as noções e os problemas a partir do paradigma adotado.

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Esse período foi chamado por ele de “Ciência Normal”, período no qual se acumulam
descobertas, um período de estabilidade de opiniões a respeito de pontos fundamentais.
Quando o paradigma é questionado, surge um momento de crise; no entanto, o paradigma
ainda não é abandonado. Os cientistas mobilizam seus esforços para resolver as anomalias.
Chega-se a um ponto, porém, em que não é mais possível resolver tais anomalias e isso
leva a uma revolução científica, momento no qual desponta um novo paradigma.
Mas nas “mudanças de paradigma” há uma evidente convivência simultânea, em
qualquer época, entre conhecimentos mais legítimos (mais reconhecidos em termos
quantitativos) e autênticos (mais avançados e profundos). Assim, em relação a certo
conteúdo científico, convivemos ao mesmo tempo com pessoas sem conhecimento algum e
com outras que seguem diversos paradigmas, antigos e mais atuais. Por isso, atualmente,
vemos desde grupos que acreditam na “terra plana”, não tendo conhecimento nenhum de
física, até cientistas que conhecem somente a física de Newton, enquanto outros grupos
conhecem a física quântica ou até a “física à luz da Ciência Espiritual” (um novo paradigma
científico emergente).
A “ciência normal” atual tem o materialismo como paradigma e a Ciência Espiritual
pode ser um possível germe do novo paradigma para uma “revolução científica” do futuro.
Mas antes que a Ciência Espiritual possa ser reconhecida de forma abrangente, indivíduos
com outro nível de desenvolvimento da consciência têm produzido conhecimentos em níveis
superiores: psíquico (imaginação), sutil (inspiração) e causal (intuição).
A Antroposofia gostaria de ser esse conhecimento do mundo, de falar sobre o mundo
e o ser humano de maneira a suscitar algo que possa ser compreeendido através da própria
voz do coração. Ela não é senão o profundo anseio do ser humano do presente para sua
existência interior e exterior.
Somos convidados para, com verdadeiro espirito científico, construirmos novos
conhecimentos, para além da ciência atual nos limites de seu tempo.

“A Antroposofia é um caminho de conhecimento que deseja levar o espiritual da entidade


humana para o espiritual do universo.” (Rudolf Steiner)

(Texto compilado por Carlos Artexes Simões)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LANZ, Rudolf. Antroposofia, Ciência espiritual moderna. São Paulo: Editora


Antroposófica,1989.

MORAES, Wesley Aragão. Ciência, Metodologia Científica e Goetheanismo. (Apostila)

STEINER, Rudolf. Ciência Espiritual e questão social; três ensaios. São Paulo: Editora
Antroposófica, 1983.
. A filosofia da liberdade: Elementos de uma cosmovisão moderna. São Paulo:
Editora Antroposófica, 1988.

WILBER, Ken. Um Deus social. São Paulo: Editora Cultrix, 1983.

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