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José Guilherme Merquior

O Marxismo
Ocidental

Tradução de RAUL DE SÁ BARBOSA


Título original: Western Marxism e J.G. Merquior 1986

A Paladin Paperback original 1986


Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela EDITORA NOVA
FRONTEIRAS.A.
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Revisão tipográfica
UTAHY CAETANO DOS SANTOS FILHO
ÁLVARO TAVARES
RENATO ROSÁRIO CARVALHO

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

_______________________________

Merquior, José Guilherme, 1941-


M534m O marxismo ocidental/ José Guilherme Merquior, tradução de Raul de
Sá Barbosa. - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
(Lógos)

Tradução de: Western marxism. Bibliografia.

1. Marx," Karl, 1818-1886. 1. Título. 11. Série.


Para Leandro Konder,
que não concordará com tudo...
OBRAS DO AUTOR

Razão do poema (ensaios de crítica e estética), Rio, Civilização Brasileira, 1965.


Arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin (ensaio crítico sobre a escola neo-hegeliana de
Frankfurt), Rio, Tempo Brasileiro, 1969,
A astúcia da mímese (ensaios sobre lírica), Rio, José Olympio, 1972.
Saudades do carnaval (introdução à crise da cultura), Rio, Forense, 1972.
Formalismo e tradição moderna (o problema da arte na crise da cultura), ed. Forense Universitária/
USP, Rio, 1974.
O estruturalismo dos pobres e outras questões, Rio, Tempo Brasileiro, 1975.
Verso universo em Drummond (trad. do francês por Marly de Oliveira), Rio, José Olympio, 1975; 2ª
ed., 1976.
L'Esthétique de Léví-Strauss, Paris, PUF, 1977 (trad. bras., Rio, Tempo Brasileiro/Univ. de Brasília;
trad. espanhola, Barcelona, Destino).
De Anchieta a Euclides: breve história da literatura brasileira, 1, Rio, José Olympio, 1977; 2ª ed.,
1979.
The veil and the mask: essays on culture and ideology, Londres, Routledge& Kegan Paul, 1979.
O fantasma romântico e outros ensaios, Petrópolis, Vozes, 1980.
Rousseau and Weber: two studies in the theory of legitimacy, Londres, Routledge & Kegan Paul,
1980.
As ideias e as formas, Rio, Nova Fronteira, 1981; ed., 1982.
A natureza do processo, Rio, Nova Fronteira, 1982.
O argumento liberal, Rio, Nova Fronteira. 1983.
O elixir do apocalipse (crítica literária), Rio, Nova Fronteira, 1983.
Michel Foucault ou o niilismo de cátedra, Rio, Nova Fronteira, 1985; 2ª ed., 1986.
From Prague 10 Paris: a critique of structuralist and poststructuralist thought. Londres, Verso,
1986.
Western Marxism. Londres, Paladin, janeiro de 1986.
SUMÁRIO

Prefácio

I. Um conceito e seu background


1. O QUE É MARXISMO OCIDENTAL?

2. O LEGADO: HEGEL

3. O LEGADO: O MARXISMO DE MARX

II. Os fundamentos do marxismo ocidental


1. LUKÁCS E O 'COMUNISMO-CULTURA'

2. GRAMSCI E O HISTORISMO MARXISTA

III. O pós-guerra
1. A ESCOLA DE FRANKFURT EM SUA FASE CLÁSSICA

2. A OBRA SOLITÁRIA DE WALTER BENJAMIN

3. O ESPÍRITO DA DIALÉTICA NEGATIVA

4. DE SARTRE A ALTHUSSER

5. DE MARCUSE A HABERMAS

6. JÜRGEN HABERMAS E O SANTO GRAAL DO DIÁLOGO

IV. Algumas conclusões gerais

Notas
Bibliografia

Marcos do Marxismo Ocidental


PREFACIO

Na sua citadíssima undécima tese sobre Feuerbach, Marx


concitou a filosofia a mudar o mundo em vez de limitar-se a
interpretá-lo. O problema do marxismo pós-Marx é que,
historicamente, ele seguiu à risca a prescrição: sem dúvida
nenhuma, alterou a face do mundo moderno - mas não se pode
dizer que o tenha interpretado de maneira intelectualmente
satisfatória. Quando o marxismo ocidental, nascido, na década
de 1920, do espírito revolucionário, ganhou impulso, nos trinta
anos que se seguiram à II Grande Guerra, passou a proclamar a
necessidade premente de repensar tanto a teoria marxista
quanto a sua relação com a práxis social.

O presente estudo é uma tentativa de avaliar criticamente os


resultados principais desse esforço teórico. Reflete, espero,
inúmeras e vigorosas trocas de ideias sobre o marxismo e seus
problemas com mentes de primeira ordem, nenhuma das quais,
naturalmente, responsável pelas opiniões aqui expressas:
Raymond Aron, Leszek Kolakowski. Ernest Gellner, Fernando
Henrique Cardoso, Perry Andersen, Leandro Konder, Roberto
Schwarz, Carlos Nelson Coutinho, John A. Hall, F. A. Santos.
Agradeço a Hélio Jaguaribe a hospitalidade do seu Instituto de
Estudos Políticos e Sociais (Rio), onde esbocei, cm 1984, a
maior parte da minha análise da escola de Frankfurt. Graças a
uma oportuna sugestão de Celso Lafer, pude precisar melhor,
nesta edição, a posição histórica do conceito hegeliano de
sociedade civil. De certo modo, pensei este livro anos a fio -
mas jamais teria conseguido escrevê-lo em apenas um outono
sem a ajuda e o estímulo dos meus amigos e da minha família.

JGM
Londres, junho de 1985
I
UM CONCEITO E SEU BACKGROUND

1. O QUE É MARXISMO OCIDENTAL?

Geralmente se entende por 'marxismo ocidental' um corpo de ideias,


principalmente filosóficas, que abarca a obra de autores tão diversos
quanto Georg Lukács e Althusser, Walter Benjamin e Jean-Paul Sartre.
Abrange também intervenções teóricas e análises históricas tão distantes
umas das outras no tempo, no escopo e no espírito quanto as de Antônio
Gramsci (morto em 1937) e Jürgen Habermas, o qual, nascido em 1929,
começou a publicar há apenas trinta anos. É, ao mesmo tempo, um
produto típico da criativa cultura do primeiro pós-guerra e uma
teorização em curso, reconhecível como tal (embora profundamente
transformada) na produção da segunda geração da chamada escola de
Frankfurt, agrupada em torno de Habermas, ou, ainda, naquilo que
acabou conhecido como marxismo estruturalista francês. Tal diversidade
dificulta a interpretação crítica. Mas pelo menos se sabe, grosso modo,
quem são os marxistas ocidentais: Lukács, Gramsci, os frankfurtianos,
Sartre, Althusser, alguns teóricos da 'nova esquerda' e assim por diante.
Já quando chega a hora de definir ou, até, de descrever o marxismo
ocidental em bloco, tomado como denominador comum entre diversas
tendências no marxismo do século XX, o rótulo se revela bem
traiçoeiro. Por exemplo, tradicionalmente, denota o pensamento
marxista não-soviético, ou diferente do pensamento soviético.
Entretanto, tomado em sentido por demais literal, esse significado
geográfico engana. Diversas tendências marxistas no Ocidente,
conquanto 1 apartadas do cânon soviético, estão longe de enquadrar-se
no 'marxismo ocidental', no seu sentido filosófico. Considerem-se uns
poucos exemplos a esmo: um trotskista como o influente economista
belga Ernest Mandei; um teórico da revolução como o Régis Debray dos
primeiros tempos; ou um dissidente da República Democrática Alemã,
como Rudolf Bahro - possivelmente o mais importante caso de heresia
comunista desde A nova classe (1957), de Milovan Djilas. Todos esses,
nas suas obras mais notáveis: Revolução na revolução (1969), de
Debray; Capitalismo tardio (1972), de Mandel; e A alternativa na
Europa Oriental (1977), de Bahro - entraram em choque com o credo
soviético. Todavia, nunca se atribuiu ao pensamento de qualquer um
deles o rótulo de 'marxismo ocidental'. Logo, é claro que não basta ser
marxista no Ocidente para transformar uma pessoa em 'marxista
ocidental'. Sob esse aspecto, a etiqueta é uma impropriedade.

Todavia, se considerada em perspectiva histórica, a expressão se


torna muito mais significativa. Pois o 'marxismo ocidental' nasceu, no
começo da década de 1920, como um desafio doutrinário, vindo do
Ocidente, ao marxismo soviético. Seus principais fundadores - Lukacs e
Ernst Bloch, Karl Korsch e Gramsci- estavam em áspero desacordo com
o materialismo histórico determinista da filosofia bolchevique, tal como
definida por Lenin ou Bukharin. Tanto Lenin quanto Bukharin, e antes
deles Engels e Plekhanov. acreditavam em leis econômicas objetivas
como força motriz da história. Também entendiam que a consciência era
essencialmente um reflexo da realidade natural e social. Na década de
1920, essas posições-chave foram sustentadas, no campo leninista, em
tratados marxistas muito lidos, como a Teoria do materialismo histórico
(1921), de Bukharin; e, no campo antibolchevique, em A interpretação
materialista da história ( 1927), de Kautsky. Mas foram energicamente
combatidas por pensadores como Lukács e Gramsci, que discordavam
do aberto naturalismo das formas mais deterministas de marxismo.

Apesar de tudo isso, nada seria mais errôneo que pensar nos
primeiros marxistas ocidentais como antileninistas. Desde a II Guerra
Mundial, a autoimagem do marxismo ocidental tende a pintar o
movimento como uma espécie liberal ou libertária de marxismo,
infinitamente mais próxima da visão humanista do jovem Marx do que
da sombria posição política do 'realismo socialista', i.e., dos regimes
comunistas implantados sob a bandeira do 'marxismo-leninismo'. Na
verdade, a própria expressão 'marxismo ocidental' parece ter sido
cunhada, por Maurice Merleau-Ponty, num espírito antileninista. Por
volta de 1930, Korsch já descrevia a si mesmo, a Lukács e a outros
opositores do Comintern como 'comunistas ocidentais'. Mesmo antes
disso, seguidores do Comintern tinham estigmatizado Korsch & Co.
como teóricos 'da Europa Ocidental'. Mas a voga da frase 'marxismo
ocidental’ não é anterior às controvérsias intestinais do marxismo
francês em meados da década de 50. Apesar disso a verdade histórica é
que as grandes históricas do pensamento marxista ocidental, sobretudo
Lukács e Gramsci, demonstraram a vida inteira uma lealdade a toda
prova ao movimento comunista e - ao contrário dos sociais democratas
alemães - sempre se orgulharam do triunfo bolchevique, na esteira da
Revolução de Outubro. A despeito de todos os seus desvios em relação à
filosofia de Lenin, tanto Lukács quanto Gramsci permaneceram até o
fim impecáveis leninistas em política. Os fundadores que, como Bloch
ou Korsch, romperam com o leninismo não tiveram nenhuma influência
decisiva na formulação da teoria do marxismo ocidental maduro.

Quem quer que considere as credenciais do leninismo bastante


pobres, do ponto de vista libertário, chegará inevitavelmente à mesma
conclusão com respeito às fontes do marxismo ocidental. Os marxistas
ocidentais começaram como militantes ou simpatizantes das diversas
formas de comunismo de esquerda (viz. as inclinações sindicalistas de
Lukács, o período de comunismo de sovietes de Gramsci, etc.); e depois
marcharam firmemente para o modelo ortodoxo de controle partidário
vertical mais tarde, com a emergência da escola de Frankfurt, o
marxismo ocidental deixou de ser leninista e, até, de ser comunista. Mas
mesmo então, pelo menos um grupo poderoso, os althusserianos,
conservou um nítido desejo de manter estrita fidelidade ao Partido
Comunista.

Portanto, heresia política não serve, nem de longe, para caracterizar


de maneira global o marxismo ocidental. A fim de captar seu sabor
peculiar, cumpre recorrer à dissensão teórica. Aqui, a primeira coisa que
salta aos olhos é um interesse absorvente pela cultura. Enquanto o foco
do marxismo clássico estava na história econômica e na política da luta
de classes, o marxismo ocidental se preocupou em primeiro lugar com
cultura e ideologia. Em vez de analisar processos de acumulação de
capital, a mecânica da crise ou a reprodução das relações sociais, os
marxistas ocidentais, na maior parte, escreveram abundantemente sobre
os problemas da alienação e reificação no seio da sociedade capitalista.
Naturalmente, nem tudo sob a mírada do marxismo ocidental foi cultura,
em oposição a política e economia. Gramsci, por exemplo, era dado a
esmiuçar variedades históricas da luta de classes e alianças de classe. E
os althusserianos deram grande atenção a modos de produção e
formações sociais. De modo geral, porém, não é inexato descrever o
marxismo ocidental como um marxismo da superestrutura, porque,
mesmo quando suas análises estão voltadas para a dominação de classe,
elas tendem, muita vez, a ser conduzidas (como em Gramsci) sem
especificar fatores localizados na infraestrutura tecno-econômica - o
mundo daquilo a que o marxismo clássico chamou forças e relações
(sociais) de produção. De regra, nas análises que leva a cabo, o
marxismo ocidental exibe pouco senso de condicionamentos sociais,
especialmente de natureza econômica ou socioeconômica. Na verdade, o
que distingue o marxismo ocidental, além da ênfase na cultura antes que
na economia, é a combinação de uma temática cultural com uma quase
inexistência de peso infra estrutural na explicação dos fenômenos
culturais e ideológicos.

Marx e Engels, Bernstein e Kautsky, Lenin e Bukharin — em outras


palavras, os dois fundadores do marxismo, o principal revisionista, o
sumo sacerdote da ortodoxia ao tempo da II Internacional, o líder da
primeira revolução marxista, e o melhor teórico do regime bolchevista -,
todos sustentaram, no interior do marxismo, o ideal de uma ciência
soberana. Mas não às marxistas ocidentais. Estes preferem ver no
marxismo não uma ciência, mas uma crítica. Decerto o próprio Marx,
como Korsch se deu pressa em mostrar, intitulara ou subintitulara assim
todas as suas obras principais, desde a juvenil Crítica da filosofia do
direito, de Hegel (1844) até a Contribuição à crítica da economia
política (1859) e last, but not least, o próprio O capital (1867). E,
todavia, tudo o que Marx quis fazer foi uma sociologização do que fora
até então tratado por disciplinas menos voltadas para o social, como a
filosofia política idealista ou a economia política clássica. Essa
sociologização marxista constituía, por sua vez, uma tentativa de
aprofundar aquela perspectiva histórica generalizada que veio a ser a
marca registrada das ciências sociais no século XIX. A crítica da
economia política por Marx era uma tentativa de introduzir o
determinismo social na explicação dos processos econômicos e da
mudança econômica. Mas em Marx 'crítica' positivamente não deve ser
entendida como uma alternativa para 'ciência' - muito pelo contrário.
Em Marx, o papel da crítica era limpar o terreno para uma exposição
verdadeiramente científica da evolução social e do destino do
capitalismo. No marxismo ocidental, ao contrário, 'crítica' é entendida
como uma arma filosófica contra qualquer busca de regularidades
sociais dotadas de poder causal - precisamente aquilo que Marx buscara,
em suas obras da maturidade.

O estudioso pode, e, na verdade, deve distinguir a abordagem


científica em Marx do cientificismo grosseiro de algumas das mais
conhecidas fórmulas de Engels. Mas Marx e Engels partilhavam da
mesma concepção naturalista do conhecimento, e viam, até certo ponto,
o marxismo clássico como uma suplantação irreversível do idealismo - a
filosofia, sobretudo alemã, do começo e da primeira metade do século
XIX, que insistira na primazia do espírito. Não contentes em acentuar o
papel ativo da consciência no conhecimento, os idealistas tinham
chegado a igualar a realidade com a mente, buscando explicar todos os
fenômenos em termos das operações atribuidoras de sentido da
consciência humana. Na prática, portanto, o idealismo era o ponto de
vista humano - e, como tal, dificilmente compatível com a disciplina
antiantropomórfica exigida pelo pensamento científico.

A simpatia do marxismo ocidental pelos clássicos do idealismo


alemão (para com Hegel, sobretudo) é parte fundamental e necessária
dessa rejeição do marxismo naturalista de Marx. O marxismo ocidental
optou ostensivamente por uma epistemologia "humanística": o
verdadeiro conhecimento passou a ser identificado, mais do que nunca,
com o ponto de vista humano. Os marxistas ocidentais não se deram
quase nunca à busca de causas - mas quase sempre interpretaram o
'sentido', o significado do 'fator humano'. Daí o seu constrangimento
ante a rigidez materialista do marxismo clássico. Relutantes em repudiar
o materialismo depois do longo descrédito da metafísica idealista, os
marxistas ocidentais se viram claramente embaraçados diante de suas
implicações epistemológicas, que se contrapunham à sua visão
humanista do conhecimento. Por outro lado, como teoria especulativa do
ser, o 'materialismo dialético' de Engels e Plekhanov não era melhor que
a metafísica da mente da tradição idealista. Matter or mind, no matter:
mind or matter, never mind. . . O velho jogo de palavras capta o sem-
sentido desse vetusto dilema. No entanto, como teoria do conhecimento,
o materialismo tinha muito a oferecer. Em última análise, representava
uma estratégia naturalista de análise explicativa, francamente causal em
sua direção e determinista em sua inclinação. Assim, na prática da
análise não é nada fácil harmonizar o materialismo com os preconceitos
"humanistas" e o ânimo anticiência do marxismo ocidental.

Em larga medida, o marxismo ocidental importava numa


restauração do elemento idealista no marxismo, e pretendo devotar o
próximo capítulo a lembrar os contornos desse componente idealista,
focalizando a conexão Hegel/Marx. O lugar de nascimento do marxismo
ocidental é um ensaio (sobre a consciência de classe) em que o jovem
Lukács tinha por objetivo, nas palavras dele mesmo, alcançar "um
hegelianismo mais hegeliano que Hegel".[1] Para alguns comentaristas,
Neil McInnes sobretudo, a marca de Hegel no marxismo ocidental é tão
visível que este, comparado a versões anteriores da doutrina marxista,
contrasta com elas pelo pouco desejo de combinar marxismo com outras
escolas filosóficas, exceto – precisamente - sua própria fonte hegeliana.

Kautsky se deixou embeber de pensamento evolucionista;


Plekhanov apaixonou-se por ontologias monistas sintetizadas em
Spinoza; e os marxistas austríacos se entusiasmaram por Kant e Mach.
Mas o marxismo ocidental permaneceu fiel à fonte: Hegel. Sob muitos
aspectos, foi um hegelianismo de esquerda redivivo, mais fiel ao mestre
que os hegelianos de esquerda históricos, para não falar no maior de
todos eles - o próprio Marx.

No entanto, essa marcada fidelidade à matriz hegeliana não impediu


o marxismo ocidental de pedir emprestado importantes conceitos a
diversos quadrantes do pensamento contemporâneo. Se a influência de
Croce sobre Gramsci pode ser tida como mais um caso de hegelianismo
(uma vez que Croce foi, manifestamente, o mais notável hegeliano deste
século), muito do que era assimilado pelo marxismo ocidental provinha
não só de filósofos independentes, como Simmel e mesmo Nietzsche,
mas também da corrente principal do movimento neo-idealista
encabeçado por Dilthey, que reconstruiu o conceito de conhecimento
histórico em estreita afinidade com uma disciplina gerada pelo
romantismo: a hermenêutica, ou arte da interpretação. Outros elementos
incorporados no marxismo ocidental_ ·eram, originariamente, estranhos
à filosofia acadêmica: a sociologia de Weber, a psicanálise, a estética
modernista, e isso para nomear apenas uns poucos. Assim, e desde o
começo, o marxismo ocidental distanciou-se daquele horror a priori da
ideologia 'burguesa', tão estritamente observado pela vulgata do
materialismo dialético entronizada e venerada em Moscou.

Uma descrição, por mais singela, do materialismo ocidental terá de


sublinhar pelo menos três características: a) sua temática
proeminentemente cultural; b) sua visão firmemente humanista do
conhecimento; c) seu amplo ecletismo no que concerne a equipamento
conceitual. Obviamente, então, o marxismo ocidental não é apenas
'herético' em face do. marxismo soviético: é, mais exatamente, uma
heresia de sabor especial. Isso se torna ainda mais patente quando se
compara o marxismo ocidental com desvios coletivos anteriores em
relação ao marxismo clássico, ou ainda com aquela parte do legado
marxista que foi, de maneira esclerosada, transformada em sabedoria
oficial por decreto soviético. Por exemplo, o período denominado 'crise
do marxismo' (1897-99), dominado pelo surto revisionista; ou o austro-
marxismo, nascido na primeira década do século XX.

Cada um dos protagonistas do debate sobre a ‘crise do marxismo' -


Antonio Labriola, o jovem Benedetto Croce, Eduard Bernstein, Georges
Sorel, e o tcheco Thomas Masaryk, que cunhou a expressão ─ era um
feroz antideterminista. Vendo em Marx um crente cego no determinismo
histórico, Masaryk ─ Os fundamentos filosóficos e sociológicos do
marxismo (1899) – não se dizia marxista. Por outro lado, Labriola ─ A
concepção materialista da história (1896) - adotou uma visão não-
determinista do marxismo. Em consequência, rejeitou a noção de
Masaryk de uma crise teórica do marxismo. Em Discorrendo sobre
socialismo e filosofia (1898), Labriola insistiu em que o materialismo
histórico era uma 'filosofia da prática', oposta tanto ao idealismo (o
modelo explicativo do pensamento para a vida, e não da vida para o
pensamento) quanto ao 'materialismo naturalista'. Seu discípulo Croce
daria uma inflexão radical ao antipositivismo labriolista. Desenvolvendo
um 'historismo absoluto', Croce reduziu a legitimidade do materialismo
histórico a "um simples cânon de interpretação histórica". Muito
impressionado pela crítica de Croce ao determinismo histórico,
Bernstein se concentrou na refutação das profecias de Marx:
empobrecimento em massa, polarização de classes, ruína do capitalismo.
Finalmente, Sorel inferiu da crise do marxismo que o historicismo de
Marx, como uma teoria das leis históricas (econômicas), não era uma
imagem da realidade, mas apenas um mito social útil ─ um credo ativo
para as massas sacrificadas, uma rationale para a revolução.

Porém a diferença marcante entre esses pensadores (bem diversos


entre si) e a maior parte dos mestres do marxismo ocidental, de Lukács
a Adorno e Sartre, é que nenhum deles jamais foi, ou se tornou,
'humanista' no sentido de rejeitar o ideal científico ou denunciar os
princípios científicos. Masaryk tinha uma mentalidade profundamente
religiosa, e atribuiu, desde o princípio, a crise da civilização à
decadência da fé cristã. Não obstante, louvou a ciência, e até chegou a
afirmar, à maneira de Comte, que a tarefa da filosofia era construir uma
nova visão do mundo fundada nas descobertas da ciência. Labriola, um
ex-hegeliano, via em Marx um saudável rompimento com o idealismo.
Em consequência, não discordava do materialismo per se, mas apenas
de sua variedade mecanicista. O engenheiro Sorel não rejeitou o
determinismo histórico de Marx por considerá-lo científico, mas por
achar que não o era suficientemente: o marxismo clássico não
proporcionava um relato convincente, causal, de seus próprios
pressupostos e profecias. Os argumentos de Croce contra o materialismo
histórico qua determinismo histórico tinham idêntica motivação. Para
Sorel, pareciam ainda mais convincentes por se coadunarem facilmente
com as críticas de Cournot contra o determinismo universal, as quais
eram, ademais, perfeitamente lógicas e de caráter científico, e haviam
contribuído, em não pequena escala, para formar as ideias
epistemológicas do próprio Sorel.

A segunda heresia maior a considerar é a do austro-marxismo. No


seu primeiro surto criativo (1904- 10), os marxistas austríacos fizeram
muito para refinar o marxismo clássico ou para passar ao largo dos
dogmas crassos do 'marxismo vulgar'. Assim, enquanto Max Adler,
valendo-se do positivismo machiano: salientava que as causas sociais
operam normalmente através da mediação da consciência, Karl Renner
argumentava que o direito burguês estava longe de ser um simples
reflexo do poder econômico. Mais tarde, no primeiro pós-guerra, o
austro-marxismo ficou ainda mais audacioso. Rudolf Hilferding
discorreu sobre 'capitalismo organizado' como uma nova fase na história
socioeconômica. Enquanto Adler estudava a metamorfose da classe
operária, Renner identificava novos estamentos de serviço; e Otto Bauer
não hesitou em apontar a emergência, no socialismo soviético, de uma
nova classe dominante, a hierarquia bolchevique. Essas análises não
eram menos divergentes das crenças do marxismo-leninismo que a
sociologia do marxismo ocidental. E, todavia, a moldura ideológica do
austro-marxismo parece ainda mais distante do humanismo do
comunismo ocidental que os teóricos da crise fin de siècle. Adler tentou
alicerçar a ciência social marxista na epistemologia kantiana, e
Bernstein procurou basear o socialismo na ética de Kant. Como os
marxistas ocidentais, os austro-marxistas viam sua própria política como
muito mais democrática que a realidade do poder bolchevique. Mas
nenhum se permitiu nada remotamente comparável ao repúdio da
ciência, da cultura burguesa e da sociedade industrial.

Chamemos a esse elemento de repúdio pelo seu nome alemão, tão


revelador: Kulturkritik. Pois o marxismo ocidental não é só o marxismo
da superestrutura: foi também, desde o início, uma teoria da crise da
cultura, uma condenação formal e apaixonada da civilização burguesa.
Aquele reconhecimento generoso (e historicamente acurado) das
realizações do capitalismo, que produziu algumas das melhores páginas
de Marx e Engels desde O manifesto comunista, se perdeu quase por
completo na filosofia do marxismo ocidental. Este é um exercício
teórico cujo berço foi o revolucionarismo requentado no rastro da
Revolução de Outubro (1917) - mas seu habitat tem sido, sobretudo, e
desde aqueles dias, a intelligentsia humanista. O marxismo ocidental
deriva de uma obstinada rejeição do ethos industrial e, mais geralmente,
dos valores da cultura social moderna, e com essa rejeição prospera. Tal
repúdio, desde o movimento 'decadente' e os primeiros vagidos da arte
moderna, cem anos atrás, jamais esmoreceu entre os intelectuais
humanistas do Ocidente.

É claro que a retórica do marxismo ocidental não condena a


modernidade como tal, só a modernidade capitalista. Mas é fácil mostrar
que muito do que entrou na sua definição (frequentemente implícita) de
capitalismo pertence à condição social do homem moderno, no
industrialismo avançado. O marxismo ocidental lançou uma inesperada
reprise, pela esquerda, de certos Leitmotiven da crítica conservadora da
sociedade industrial. Renegando as posições de História e consciência
de classe (1923), a bíblia do movimento, Lukács o descreveu como
'anticapitalismo romântico'. Ora, o que havia de romântico no jovem
Lukács (e lembra a crítica do primeiro capitalismo industrial pelo
conservadorismo romântico) era a combinação de ataques à sociedade
burguesa com a recusa da civilização industrial. baseada na moderna
tecnologia e numa crescente divisão do trabalho. Pois bem: grande parte
do marxismo ocidental merece a censura que Lukács dirigiu à sua
própria visão do mundo, à época em que tanto ajudou a fundá-lo.

Veremos no devido tempo que essa ênfase romântica no pathos


humanista, além de não fazer justiça a muito do pensamento de
Gramsci, tampouco se ajusta à obra de Althusser. Mas veremos também
que o althusserianismo constitui, sob esse aspecto, uma espécie de
exceção que confirma a regra.

Por enquanto, devemos passar da caracterização geral do marxismo


ocidental à evocação das suas bases filosóficas principais: Hegel e
Marx. Ao fazê-lo, procurarei, naturalmente, focalizar o que, em Marx ou
em Hegel, mais atraiu os marxistas ocidentais. Mas nenhuma tentativa
será feita para reexaminar um ou outro com os olhos do marxismo
acidenta]; porque aqui as diferenças são pelo menos tão eloquentes
quanto os pontos de convergência.
2. O LEGADO: HEGEL

Do Absoluto devemos dizer que é, essencialmente, um resultado.


─ Hegel

Heine escreveu que Kant foi maior que Robespierre, porque,


enquanto Robespierre guilhotinou o rei, Kant, proscrevendo as proezas
especulativas da metafísica, havia decapitado o próprio Deus. No
entanto, acrescentou Heine, quando Kant viu que essa demolição crítica
do conceito da existência de Deus havia lançado seu fiel servidor Lampe
em terrível angústia, apiedou-se dele e restaurou o Criador (junto com a
imortalidade da alma) como 'postulado' da razão prática, na sua
memorável Crítica da razão prática.

A maior parte da filosofia alemã imediatamente posterior a Kant


pode ser descrita como altamente animadora para o bom Lampe: na sua
grande maioria, os pós-kantianos não tiveram dúvidas em reafirmar e
valorizar a metafísica especulativa. Se Kant separou os absolutos do
conhecimento, Fichte (1762-1814), Schelling (1775- 1854) e Georg
Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) porfiaram por fazer a filosofia de
novo íntima do absoluto. Os escrúpulos epistemológicos de Kant foram
simplesmente postos de lado. Sustentar que nenhuma compreensão
adequada do ser (a famosa ‘coisa em si’) e não só do fenômeno pode ser
racionalmente garantida chegou a ser visto como uma atitude intelectual
a que faltava a "coragem da verdade, a fé no poder do espírito".

Tais palavras pertencem à aula inaugural de Hegel ao tomar posse


de sua cátedra na universidade de Berlim (1818). A ojeriza de Hegel por
Kant bem mostra que, desde o começo, sua própria filosofia escolhera
caminho inteiramente diverso. A tese central de Hegel aponta para um
autodesenvolvimento do Pensamento, em que 'Pensamento' denota o
Absoluto (donde a maiúscula). Era uma versão inteiramente
amadurecida daquela identificação da. realidade com a consciência que
jaz no coração do idealismo. Enquanto Kant dera ênfase ao papel ativo
da mente no conhecimento, os idealistas pós-kantianos foram mais
além: viram na consciência a sede da realidade e não apenas uma força
propulsora do conhecimento. Os idealistas alemães diferem dos
idealistas anteriores (como Berkeley) precisamente pelo fato de que, em
vez de conceberem a mente como um prius atuando na raiz do
conhecimento, encararam a primazia da mente como um programa que
se desdobra no tempo (um 'processo').

O idealismo alemão, portanto, tinha uma natureza fáustica: dava


ênfase à luta (Streben) e via o espírito como protagonista de um drama
de longa duração - o agon do espírito que molda o sentido do mundo,
ou, melhor, o próprio mundo. E aqui se encontra outro aspecto vital da
metafísica pós-kantiana: a majestosa ênfase no espiritual. Não foi em
vão que seus próceres, Schelling e Hegel, fizeram estudos teológicos
antes de se dedicarem à filosofia. Se idealismo, em geral, importa, como
já observamos, num 'ponto de vista humano' o idealismo alemão serviu-
o em dose dupla. O idealismo metafísico considerava a 'experiência
humana' (distinta da Revelação) como a fonte onde "pode ser encontrada
a chave para a compreensão da natureza da realidade, e essa chave foi
revelada através daqueles traços que distinguem o homem como ser
espiritual".[2]

A contribuição específica de Hegel a essa filosofia consistiu em


encarecer o tema idealista, apresentando o autodesenvolvimento do
pensamento menos como uma reflexão (o trabalho romântico e fichtiano
da consciência como 'experiência') do que como uma posição, i.e., um
processo por meio do qual o sujeito do pensamento se toma seu próprio
objeto. Podemos chamar a essa auto-posição (Setzens) o elemento tético
(do gr. thesein, 'pôr'; cf. thesis, 'tese', o. que é proposto para discussão).
Foi esse elemento tético que valeu ao sistema de Hegel o nome de
'realismo objetivo'. em contraposição ao idealismo enfaticamente
subjetivo de Fichte.
No entanto, em certo sentido, a passagem do idealismo subjetivo
para o objetivo já· começara quando Schelling, antigo colega de Hegel
no seminário de Tübingen, projetou o espírito na natureza como
auteratividade infinita. Esse lance de Schelling de tal modo interessou a
Hegel que ele dedicou seu primeiro ensaio publicado a explicar a
diferença entre os sistemas de Fichte e de Schelling (1801). O que é
especificamente hegeliano é que o Absoluto, no modelo de idealismo
objetivo de Hegel, se torna intrinsecamente histórico. Em primeiro
lugar, Hegel acreditava, como ele mesmo disse na introdução à sua
Filosofia do direito (1821), que toda filosofia é "o seu próprio tempo
assimilado em pensamentos". E mais: fiel às preocupações espirituais da
metafisica idealista, ele construiu o autodesenvolvimento do
pensamento como uma caminhada do Espírito através e no interior - da
história.

Ao tempo de Hegel, a cultura alemã já se acostumara a cultivar a


filosofia da história como gênero intelectual, e às vezes o fazia numa
atitude de renovação religiosa. Tome-se, por exemplo, Lessing, ao lado
de Kant um dos maiores nomes da Aufkliirung (o iluminismo alemão).
Seu testamento literário foi um opúsculo filosófico intitulado Sobre a
educação do gênero humano (1780). Nele, a perspectiva cristã,
ortodoxa, da salvação, cede sutilmente lugar a um conceito de salvação
pela história.

Lessing praticamente identificava o divino com uma série de


estádios no aperfeiçoamento ético da humanidade. Mas, como se vê em
outra de suas obras-primas, a peça Nathan o sábio (1779), a historização
da religião, ditada, como o foi, por uma ética de tolerância, concentrava-
se tanto na amplitude de experiência histórica quanto no seu objetivo
redentor. Em comparação, nas mãos de Hegel, a nova teoria imanentista
da religião como filosofia da história se tornou uma historiosofia, i.e.,
uma lógica da história justificada por um pináculo social. A história
hegeliana era fortemente orientada para um alvo, uma marcha das idades
para o presente, cada idade servindo de degrau para a seguinte. A
própria palavra historiosofia foi cunhada, em 1838, por um hegeliano
messiânico, o conde polonês August Cieszkowski. No ano anterior, a
noção, senão o termo, já fornecera o cerne do pensamento altamente
escatológico de um dos principais hegelianos de esquerda, Moises Hess
(1812-75), autor de uma História sagrada da humanidade (1837).

O lugar de Hegel na galeria da metafísica ocidental é determinado


pela sua combinação de ontologia (a teoria do ser) com filosofia da
história (a justificação da aventura humana, uma espécie de teodiceia
profana). Definindo o Absoluto como um Espírito ultra-histórico, Hegel
historizou o ser. Daí por diante, 'ser' pôde ser concebido
preeminentemente como 'tornar-se'. Os metafísicos posteriores raras
vezes se esqueceram disso. E difícil, por exemplo, encontrar ontologia
tão pouco hegeliana quanto a de Heidegger; e, no entanto, Heidegger
sempre insistiu na historicidade do seu elusivo Ser.

Como o Deus da antiga teologia, o Espírito histórico de Hegel paira


muito acima das limitações da finitude.

A seu ver, a suprema tarefa da razão (Vernunft) consistia em


substituir-se à fé, pois cumpre à razão promover a superação do finito
no infinito do Espírito que se expande. Ao contrário da razão, assim
definida, o entendimento (Verstand), muito louvado pela Aufklärung ─ e
que corresponde, aproximadamente, à razão analítica ─, parecia-lhe
fadado à 'tristeza da finitude' (Trauer der Endlichkeit), na bela frase da
sua Lógica. O problema central da filosofia de Hegel era, precisamente,
a unidade de finito e infinito. Donde a suprema importância, no seu
sistema, da mediação (Vermittlung), categoria crucial por ele
desenvolvida nos seus anos em Jena (1801- 1807). Hegel sempre foi,
desde o princípio, enamorado do absoluto. Ansiava por uma
reconciliação (Versohnung), neste mundo, do finito e do divino infinito.
Sendo, porém, hostil à mística romântica (e schellingiana) da intuição,
sua maneira de superar o deplorável abismo entre parte e todo (uma vez
que "só o todo [das Ganz] é verdadeiro") requereria a mediação racional
de conceitos entrelaçados, em vez do salto numa crença cega ou no
êxtase da fantasia poética. Reconciliação por força de uma cadeia sem
fim de mediações captadas pela razão - a Versohnung alcançada por uma
Vermittlung apreendida pela Vernunft: tal foi o ideal da metafísica
hegeliana.' Metafísica passavelmente salvacionista, pois a mediação é
uma imitação de Cristo. Debaixo da mediação jaz a imagem do maior de
todos os mediadores, o Deus feito homem, com sua magnífica promessa
de expiação.[3]

O primeiro mandamento da metafísica idealista era postular, como


substância final, algo que participasse da natureza do sujeito. Ou, na
formulação do próprio Hegel na sua Fenomenologia do espírito (1807):
"O que importa é que a verdade seja pensada e expressa não só como
substância, mas também como sujeito. Essa substância, Hegel julgava
tê-la encontrado no Espírito, que se desdobra na história da humanidade.
Mas isso, naturalmente, implicava a ideia de um Absoluto que se
manifesta por meio de um não-absoluto, a realidade finita. Ora, o
conceito de um auto alienação positiva e enriquecedora do Absoluto era
uma encanecida noção da teologia medieval mais antiga, e um princípio
recolhido. da tradição neoplatônica por um contemporâneo de Carlos
Magno, João Escoto Erígena (810-877). Na medida em que as
necessárias e temporais encarnações de Deus, nesse modelo
neoplatônico cristianizado, ficam aquém da infinita substancialidade do
Absoluto, Deus só pode ser conhecido através do que ele não é: donde o
conceito de 'teologia negativa'. Como a ideia de uma alienação
enriquecedora, a teologia negativa revelou-se um empréstimo decisivo
das doutrinas neoplatônicas à moderna dialética. Dando ênfase a um
meio a contrário de alcançar o Absoluto, com o eterno Espírito
retornando a si mesmo depois de uma longa peregrinação pelos
domínios das formas transientes e contingentes, a teologia negativa
fornece à dialética um modelo. E a dialética era o método principal da
filosofia hegeliana (apesar de ser mais do que apenas um método).

Graças a Leszek Kolakowski, estamos hoje familiarizados com a


sombra da teologia negativa no background metafísico da dialética,
tanto em Hegel quanto em Marx.' [4] Outros preferiram acentuar, na
linhagem da dialética, alguns motivos gnósticos, especialmente o mito
de um Deus das Origens, o qual, em vez de manifestar-se no mundo
exila-se para dentro da sua própria interioridade, deixando ao homem o
ônus de restaurá-lo à sua prístina glória. Esse tema gnóstico foi
sancionado, ao tempo de Erígena, pela teologia bizantina de São Cirilo.
Penetrou, depois, na cabala judaica durante o Renascimento e,
posteriormente, o misticismo cristão, de Takob Bohme, no começo do
século XVII, ao pietismo, a tendência mais forte da religiosidade alemã
na idade iluminista. A teosofia pietista de Friedrich Oetinger (1702-82),
o 'Mago do Sul', foi uma poderosa influência entre os mestres de Hegel,
em Tübingen. [5] O próprio Hegel fechou sua Fenomenologia do espírito
aludindo à 'solidão sem vida' de Deus sem o homem.

Tanto a 'auto alienação enriquecedora' quanto o resgate gnóstico da


auto exilada divindade têm raízes neoplatônicas. À primeira vista, é
verdade, essas duas linhas míticas parecem a enorme distância uma da
outra. De um lado, Deus é toda uma dinâmica de exterioridade; do
outro, Deus, entrando em si, deserta o mundo. O Deus da teologia
negativa é um grande extrovertido; o Deus da gnose, um introvertido
doentio. No entanto, os dois convergem. No mito do Deus que se exilou,
quanto mais Ele se aprofunda em si mesmo, tanto mais forte se torna o
mundo que abandonou. No caso, então, somos deixados ─ igualzinho
como no mito da alienação progressiva ─ com uma situação dominada
pelo poder da objetividade. E em ambos os casos a força da realidade
objetiva brota da mesma fonte: deriva de um 'trabalho do negativo'
operando de dentro de uma objetividade subjetivamente enraizada, pois
ela exibe, a cada passo, a marca do Absoluto-enquanto-sujeito, agindo
como um processo histórico, ou, pelo menos, corno a marca da
consciência do homem, lutando para restaurar o divino entre o mal do
mundo.

Para Hegel, o papel estratégico da exteriorização (Entäusserung) é


tremendamente importante, uma vez que quanto mais alta for uma
realidade (Wirkichkeit) mais 'atualizada' ela é. "A verdade genuína",
escreveu ele, "é a prodigiosa transferência do interno para o externo, a
construção da razão no mundo real." (Filosofia do direito, parágrafo
270.) Na grande Lógica de 1812-16, que é, a rigor, uma ontologia, a
categoria mais alta, a Ideia, é definida precisamente pela sua
necessidade de 'atualização'. A ideia, em Hegel, não é, como em Locke
ou Hume, uma simples representação mental. Só é conceito na medida
em que o conceito se realiza.

Uma das afirmações mais famosas de Hegel, logo no começo da


Filosofia do direito, é a seguinte: "O que é racional é real e o que é real
é racional." Tomada como um oráculo de conservadorismo entranhado,
como se fora a contrapartida alemã do celebrado dito de Pope "Tudo o
que é, é bom", desencadeou um dilúvio de comentários desdenhosos; e
Engels ainda achou de agravar as coisas invertendo a sequência das
proposições e fazendo Hegel dizer: "Tudo o que é real é racional e tudo
o que é racional é real." [6] Entretanto, para os primeiros hegelianos, p.
ex. Eduard Gans ( 1797-1839), a tese de Hegel, longe de sacralizar o
existente, significava apenas que a razão tinha o poder de realizar-se.[7]
Desde os seus primeiros escritos teológicos, Hegel tornara perfeitamente
claro que a filosofia não queria conversa com a grosseira legitimação de
realidades dadas. Na terceira edição da sua Enciclopédia das ciências
filosóficas (1817), ele salientou que "realidade" não significa, de
maneira nenhuma, a simples existência. Assim, a segunda metade da
frase-problema - "o que é real é racional" - não pode significar que
todos os modos existentes do mundo são racionalmente justificados.
Contudo, Hegel não foi nenhum Platão moderno. Não concebia o ideal
como algo inatingível, mas como algo, ao contrário, gradualmente
corporificado nas instituições do homem histórico.

Desse modo, e sem legitimar tudo o que existe no presente, Hegel


quis ver sua própria época como a meta do passado. Daí a diferença
entre ele e a Aufklarung no tocante ao conceito do presente. Para o
iluminismo, como o progresso significa sempre um estado melhor de
coisas, o presente não pode senão libertar o homem da história. Hegel
pensava de outro modo. Para ele, o presente consumava o passado
porque realizava (nos dois sentidos da palavra, o latino e aquele, inglês,
equivalente a "tomar consciência") o conteúdo essencial da história: a
obra da razão no mundo. Por isso Hegel incriminava tanto revolução
quanto restauração. A Revolução, negando o passado, e a Restauração,
rejeitando o presente, lhe pareciam ambas erradas, pois que ambas
pressupunham uma ruptura irreal entre passado e presente, origem e
futuro. [8] Como a Revolução, cujo memorável significado nunca deixou
de sublinhar, Hegel ficava com o presente. Mas exaltava o presente do
Ocidente por seu profundo sentido histórico, não por passar uma
esponja na História.

Se tivermos o cuidado de ver essa ênfase na atualização histórica no


quadro ontoteológico brevemente descrito parágrafo atrás, entenderemos
melhor por que Hegel precisava do método dialético. O ponto central,
nesse contexto, é o problema, já mencionado, do status ontológico do
finito. Realçando a necessidade que tem o Espírito de encarnar-se em
formas históricas, Hegel quis demonstrar que os seres finitos não são
apenas uma realidade contingente, mas sim elementos e estágios num
plano dotado de necessidade. A demonstração disso tomou duas largas
avenidas, descritas por Charles Taylor como dialética ascendente e
descendente. [9] A tarefa da dialética ascendente era mostrar que a
realidade finita pode ser explicada apenas por uma rede cada vez mais
ampla de relações, de modo que a verdade acaba por ser uma função de
abrangência. A crescente interrelação, porém, não basta, uma vez que,
por si, a dialética ascendente, a partir do finito, não pode nunca superar
de todo a contingência original do seu ponto de partida. Nessa
conjuntura, vem em socorro do dialético uma dialética complementar,
descendente, tentando mostrar que o finito, aparentemente contingente,
na verdade emana de um desenvolvimento necessário do sujeito-
substância, i.e., do Espírito.

A ontologia dinâmica de Hegel nos oferece uma escada por assim


dizer de mão dupla: enquanto o Espírito desce para o finito (ou, melhor
ainda, como finito), o finito sobe os degraus da história até alcançar o
ponto em que o Espírito, sem suspender sua constante exteriorização,
atinge o estádio da mais plena autognose - que é o tempo em que uma
terceira grande forma de 'espírito absoluto', a filosofia, sucede ao papel
histórico-espiritual outrora desempenhado pela arte e pela religião.
Da noção do presente como efetivação racional do passado, é fácil
inferir que o processo dialético não suprime, simplesmente, o que é
deixado para trás. O termo chave aqui, Aufhebung, significa um
'levantamento', em que ultrapassar vai de mãos dadas com preservar,
superando em vez de suprimir, num curso progressivo. Tais são as
proezas operadas pelo 'trabalho do negativo' quando a negação age sob a
magia da reconciliação. Em consequência, a dialética de Hegel está
perenemente enamorada da totalidade.

Veremos oportunamente quão crucial foi essa visão holista para os


primeiros marxistas ocidentais, principalmente para Lukács, antes de
tornar-se um pomo de discórdia com a escola de Frankfurt. Mas
nenhuma discussão, por mais breve que seja, da dialética hegeliana pode
evitar a noção de contradição (Widerspruch), um verdadeiro termo de
arte na filosofia de Hegel, e um dos seus maiores legados à linguagem
marxista. Inúmeras vezes, Hegel se permitiu uma espécie de flerte com
o irracionalismo. Assim, ele admitiu, no Livro II da Lógica, a existência
de contradições in re (em oposição a contradições lógicas) -
possibilidade explícita e lucidamente excluída por Kant na Crítica da
razão pura ( 1, 2, 1 apêndice); e forneceu alguns desconcertantes
exemplos de contradições 'reais', como nos seus comentários sobre o
movimento físico (como ele mesmo disse na Lógica: para que alguma
coisa se mova é preciso que esteja aqui e não esteja aqui ao mesmo
tempo). Nada se lucra, porém, em chamar contradição, com obscuros
acenos a uma pretensa faculdade supralógica, o que, na verdade,
reduzido à expressão mais simples, são meras oposições, como as forças
de atração e repulsão na mecânica. Além do mais, muito do que para
Hegel é contraditório nada mais é (como Croce percebeu) que distinto.
Engels só conseguiu) desprestigiar o pensamento dialético ao considerar
tolices bombásticas, como "a planta é a negação da semente",
admiráveis exemplos de "contradição na natureza".

Mas o caso de Hegel dispõe de uma linha de defesa. Sem querer


negar a inconsistência da tese da contradição como âmago da realidade,
alguns comentadores têm chamado a atenção para o fato de que Hegel
não afirma habitualmente que um objeto x tem sempre, ao mesmo
tempo, uma determinada qualidade e o seu contrário. De preferência, ele
aponta incompatibilidades no tempo como aquela que existe, numa
celebrada seção da Fenomenologia, entre senhor e servo: tendo
começado por manter o servo em cativeiro, o senhor acaba dependente
do trabalho dele. Senhor e servo são contrários, mas à medida que sua
relação progride a soberania inicial do primeiro se muda em aguda
forma de dependência. Em outras palavras, à medida que a lógica da
situação se desdobra, a posição do senhor se torna 'contraditória'. Mais
geralmente, Hegel tende a supor tais contradições entre estágios.
Acompanhando uma sugestão de H. B. Acton, [10] fica-se tentado a dizer
que contradição pode muito bem ter sido em Hegel o nome, talvez
impróprio, do antagonismo vital entre ideias competitivas e forças
sociais, algo que Hegel, como estudioso de economia política, tinha por
positivo tanto na história da civilização quanto na vida econômica. Por
outro lado, a obra da mediação dificilmente se poderia cumprir se o
'trabalho do negativo fosse apenas uma guerra de todas as coisas contra
todas as coisas. E todavia o sistema de Hegel é, tanto quanto a terra das
contradições, um paraíso para mediações.

Uma coisa é certa: a contradição hegeliana, como a mediação


hegeliana, é um produto nativo da história. E é por isso que, no mais
espetacular e fascinante dos seus tratados, a Fenomenologia ─ a que ele
chama sua 'viagem de descoberta' -, o Espírito encontra seu ser
alternativamente mediante formas de conscientização (e.g. percepção
sensorial. consciência de si mesmo) ou posturas filosóficas e práticas
intelectuais (estoicismo, ceticismo, erudição) e mediante conjuntos
históricos (e.g. Grécia antiga, Roma imperial, cristandade primitiva, era
protestante, Revolução Francesa). No último capítulo, o oitavo, Hegel
indica que a tarefa da filosofia no seu tempo já não era, como o fora
para Spinoza depois de Descartes, explicar a unidade do pensamento e
do espaço; mas sim explicar a unidade do pensamento e do tempo
histórico. O que antes "era expresso como a unidade do pensamento e
do espaço, deveria ser agora concebido como a unidade do pensamento
e do tempo" - porque Espírito só pode alcançar a perfeita consciência de
si mesmo "quando se realiza como Weltgeist''.
Michael Rosen traçou um arguto contraste entre os pressupostos da
'viagem' de Hegel na grande Fenomenologia e a ideia kantiana de
análise filosófica. [11] Segundo Kant, a experiência - i.e., a matéria ou
objeto da análise - se compõe de duas coisas: um conteúdo, que vem de
fora, e uma forma, a ele imposta pelas atividades cognitivas da mente.
Rosen ressalta o caráter psicológico da empresa filosófica assim
concebida: averiguando as estruturas da mente, a filosofia lança luz
sobre a estrutura dos fenômenos. Já o conceito de experiência de Hegel
é histórico e não psicológico. E, por causa disso, não admite a separação
kantiana entre forma e conteúdo da experiência.

Visto que a Fenomenologia discerne estruturas de consciência


subjacentes a conjuntos históricos - por exemplo, a 'infeliz consciência'
da cristandade (católica) -, é possível dizer que o primitivo projeto de
Hegel nessa 'Odisséia do Espírito' (E. Bloch) se parece ao de Kant. Mas
a ideia toda de desenvolvimento do espírito em termos históricos não é,
de maneira nenhuma, kantiana; e tampouco o é a tentativa de explicar
uma estrutura espiritual da realidade por trás dos fenômenos, empresa
naturalmente excluída pela tese de Kant sobre a incognoscibilidade da
coisa-em-si.

O herói da Fenomenologia é o Espírito consciente de si mesmo, o


'indivíduo universal' - "um eu que é um nós, o nós que é um eu" - e sua
formulação selou o rompimento final de Hegel com Schelling, cujo tipo
de 'idealismo objetivo' equiparava a natureza, e não a história, com o
espírito. Mais tarde, Hegel, que não partilhava da quase unânime
preferência dos contemporâneos, na sua obra, pela Fenomenologia,
descreveu essa densa salada de epistemologia, antropologia, história e
filosofia moral como uma propedêutica ao seu sistema adulto. Seja
como for, a doutrina do Espírito, tal como exposta na Fenomenologia,
historiza o homem num sentido profundamente comprometido com o
princípio cardeal da teoria social de Hegel na sua forma amadurecida: o
crescimento da liberdade.
O pensamento social de Hegel, como o de Rousseau, tematiza a
liberdade. A pressuposição da liberdade era, para ele, a força da
individualidade; e a consecução da individualidade, por sua vez, era
vista como façanha nada desprezível, algo que só poderia ocorrer já bem
tarde na história. Dentre as passagens mais memoráveis da
Fenomenologia do espírito há uma descrição da antiga pólis com um
estágio belo, mas subdesenvolvido da história. Como na pólis não havia
ainda real separação entre o indivíduo e o estado, o Espírito reinava
numa jovem imediatez consigo mesmo. Comunidade moralmente
compacta, a cidade antiga muitas vezes assistiu ao choque entre
diferentes princípios de legitimidade. Todavia, não conheceu qualquer
drama íntimo, qualquer 'cisma na alma' individual. Assim, quando
Antígone desafiou Creonte, nem ela nem ele estavam nas garras de um
conflito de valores. Ela defendia a divina injunção; ele, o poder humano
- mas nenhum deles se debatia entre duas leis, ou era presa de uma luta
interior entre o dever e a paixão. Essa ausência de conflito interno traía,
porém, um desenvolvimento ainda incompleto da individualidade.

Por outro lado, na 'comunidade sem alma' do império romano,


indivíduos livres tiveram de viver entre a escravidão e a cidadania
propriamente ditas, porque o estado se achava totalmente fora do seu
alcance. A individualidade era compelida, então, a buscar refúgio na
liberdade interior, na liberdade 'filosófica', ou a dissolver-se na
"consciência infeliz" do além cristão. De modo que o cidadão da pólis
era livre, mas ainda indiferenciado do estado. O súdito do império vivia
na diferenciação, mas também na falta de liberdade. Só no 'mundo da
cultura' da Cristandade ocidental anterior à Revolução Francesa emergiu
um verdadeiro individualismo universal. Assim como pôs o logos
cristão no cerne da sua metafísica historicista, Hegel fez da Cristandade
o berço da ideia de liberdade. "O Oriente sabe", diz sua Filosofia da
história, "que só um único indivíduo (o déspota) era livre; Grécia e
Roma, que alguns o eram; o mundo germânico (cristão), que todos o
são."

Esse princípio cristão da liberdade não se materializou antes do


feudalismo germânico. Até então, permaneceu encasulado na religião,
sem qualquer expressão institucional digna de nota. Entretanto, mesmo
entre os povos do Ocidente, a liberdade não alcançou um estágio
apropriado e ativo até a Revolução e Napoleão. Só então uma 'sociedade
civil', composta de indivíduos independentes, recebeu sua completa
legitimação jurídica. Só então, a ideia da liberdade - a liberdade do
Espírito como vontade universal - encontrou forma apropriada. E é essa
espécie de ordem social que, no seu princípio, Hegel exaltou na lapidar
Filosofia do direito de 1821, seu último pronunciamento completo como
teórico social, e, como tal, objeto de reações críticas por parte de Karl
Marx e Lorenz von Stein.

Por causa da Filosofia do direito, Hegel é muitas vezes tido - e


condenado - como defensor do estado. De fato, o era. Mas é da maior
importância ter em mente que, na sua opinião, o estado, como
"atualidade da liberdade concreta", garante o "reconhecimento
explícito" da "individualidade pessoal e dos seus interesses
particulares"; e que é "por sua livre vontade que, sob o domínio do
estado, os interesses do indivíduo "se erguem ao nível do interesse
universal" (Filosofia do direito, § 260). O estado racional consiste na
'unidade' da liberdade objetiva (a vontade universal) e da 'liberdade
subjetiva', i.e., a liberdade que tem cada um de perseguir seus objetivos
(§ 258, acréscimo).

O principal artifício institucional imaginado por Hegel para


construir tão singular unidade de bem comum e interesse particular foi
um mecanismo de representação das classes sociais. Ao contrário de
Marx, Hegel via nas classes forças sociais não divisivas, mas sim
integradoras. É por isso que subsistem, em Hegel, estamentos, i.e.,
agrupamentos legítimos de status e/ou profissões. A visão hegeliana das
classes como pilares da organização política emprestou à sua teoria do
estado um forte sabor corporativo. Nos anos de Jena, Hegel distinguia
três tipos de estamento: o campesinato; uma classe mercantil,
subdividida em artesãos e homens de negócios; e o funcionalismo
público, um 'estamento público' categorizado, preso ao dever, recrutado
e promovido na base do mérito. Antes da Filosofia do direito, o
corporativismo de Hegel tinha pouco em comum com o ideal
tradicionalista de uma pirâmide social coroada por uma aristocracia
hereditária e fundiária. No que é, talvez, a melhor interpretação de
Filosofia do direito, Hegel's Theory of the Modem State (1972), Shlomo
Avineri pretende que a introdução de uma aristocracia como camada
superior da 'classe dos agricultores' foi claramente "uma vênia à
ideologia da Restauração". Mas a zelosa burocracia permanecia, em
1821, tão 'universal' como classe quanto antes - um estamento dedicado
à busca do conhecimento e ao bem comum, refletindo o ethos do
funcionalismo competente na tradição alemã.

Teóricos sociais posteriores mostraram-se mais céticos em face


dessa celebração do serviço público. De Marx a Weber, o pensamento
alemão percorreu um longo caminho desidealizando a burocracia. Mas
no caso da 'classe universal', pelo menos a noção do seu papel na
implantação da universalidade da 'liberdade objetiva' parece clara. Pois
como estado 'cognitivo' a burocracia estadual vive na vizinhança
imediata daquela ideia universalista da liberdade personificada -
precisamente - pelo estado.

O quadro fica muito menos nítido, porém, quando a gente se volta


para aquela promissora síntese de vontade universal e interesses
individuais particulares adumbrada nos já mencionados parágrafos da
Filosofia do direito. Aqui, o esquema corporativo de pouco serve, uma
vez que, ao contrário do funcionalismo público, as demais classes não
têm relação direta com a Ideia. Como podemos estar seguros, nos
termos de Hegel, de que a liberdade individual não será ameaçada ou
destruída no processo de tal síntese - principalmente quando sabemos
que se trata de uma síntese von oben, ou seja, imposta de cima?

Malgrado a ausência de especificação, uma coisa é certa: Hegel não


contemplou qualquer redução daquele vasto âmbito de individualidade
tão valorizado na saga histórica da Fenomenologia. Há prova disso nas
passagens da Filosofia do direito (e. g. § 185, 262, 299) em que ele se
dá ao trabalho de criticar Platão. Na República, diz, "o princípio da
particularidade auto-subsistente" foi excluído do estado. Hegel opõe a
ênfase burguesa na livre escolha da ocupação (a 'carriere ouverte aux
talents') à utopia autoritária de Platão, onde as pessoas têm de trabalhar
nos nichos sociais que seus guardiães filosóficos lhes destinaram. Não
hesita em comparar a República, sob esse aspecto, com o despotismo
oriental algo tão odioso para ele quanto o fora para o seu amado
Montesquieu. Fizesse o que fizesse, o estado 'universal' burocrata de
Hegel não incluía nada parecido com o poder absoluto dos déspotas,
esclarecidos ou não.

Acima de tudo, o respeito de Hegel pela individualidade é


corroborado pela sua concepção - essa, pioneira do significado histórico
da sociedade burguesa. As eruditas pesquisas de Manfred Riedel
evidenciaram a novidade das ideias de Hegel em dois pontos cruciais: os
conceitos de trabalho e prática, e o de sociedade civil. Grosso modo,
Hegel propõe uma nova visão filosófica de práxis. No pensamento
clássico a práxis (i.e., a ação de homens livres, que era um fim em si
mesma) é posta muito acima da poiésis (o trabalho manual, cujo fim
está além da atividade, em produtos utilitários ou obras de arte). Aí veio
Adam Smith e subverteu esse quadro conceitual. Na Riqueza das nações
(1776), a práxis de políticos, juristas e soldados é redondamente
rebaixada, enquanto se exalta a atividade produtiva. No começo do
século XIX, essa dignificação liberal-burguesa do trabalho seria
entusiasticamente partilhada pelo socialismo em botão de Henri de
Saint-Simon.

Desde suas preleções de Jena de 1803/4 e 1805/6 (a chamada


Realphilosophie). Hegel deu ao trabalho, ao lado da palavra e da ação
(comunicativa), um papel central na constituição do Espírito. Para
Riedel, essa nova poiética marca uma fusão feliz de economia política
(com a qual, como vimos, Hegel estava familiarizado) e idealismo
transcendental, com ênfase na produtividade da mente. Em outras
palavras, Hegel infundiu no trabalho o alto significado de uma produção
espiritual. Ele não concebia o trabalho, como Aristóteles, em termos do
seu resultado, e sim em termos da sua origem: o trabalho provém do
labor 'negativo' (i.e., criativo) da mente, estimulada pela necessidade e
pelo desejo. Na dialética de senhor e escravo, o primeiro encarna o
clássico desdém pela produção; mas por fim é o escravo que predomina,
o escravo que produz, que dá forma aos objetos. Ao mesmo tempo,
Hegel não limita seu louvor do sentido subjetivo da produtividade ao
trabalho da consciência -projeta-o na longa batalha do homem com a
natureza.

Em outros terrenos, o diálogo de Hegel com a filosofia prática


tradicional não foi menos subversivo. Principalmente a Filosofia do
direito rompeu nitidamente com a maneira clássica de ver a família e a
sociedade civil. Hegel separou o conceito de família dos derradeiros
remanescentes da ideia do oikos, da casa como um sistema de
subsistência econômica e alianças de sangue. Também redefiniu
'sociedade civil' como uma esfera dinâmica de necessidades e interesses
distintas do estado. Até os meados do século XVIII, na filosofia política
ocidental, estado e sociedade estavam jungidos, como atesta o título do
sétimo capítulo do segundo tratado de governo de Locke (Two Treatises
of Government (1690); Dois tratados de governo), "Sobre a sociedade
política ou civil" - uso que perdurou em Kant. Também Adam Ferguson,
no iluminismo escocês, apresentou em sua História da sociedade civil
(1767) - sem dúvida outra fonte principal da teoria social de Hegel -
uma discussão de 'artes e ciências' sob o rótulo de 'sociedade civil'. Mas
Ferguson ainda identificava o conceito sobretudo com ordem política.
'Sociedade civil', no sentido moderno da expressão, é uma invenção
hegeliana que data do período de Jena e alcança forma plenamente
desenvolvida na terceira seção da Filosofia do direito. A rigor, a história
dos meandros conceituais pelos quais evoluiu a ideia de sociedade civil
é um pouquinho mais complicada. Socorrendo-nos de Norberto Bobbio,
cujo primoroso ensaio sobre o assunto foi oportunamente divulgado (e
traduzido) entre nós por Carlos Nelson Coutinho, podemos esquematizar
os principais lances dessa mudança semântica, das mais importantes na
teoria social ocidental.

A verdade é que em Ferguson, como já antes dele em Rousseau, a


expressão 'sociedade civil' ganha um novo significado, ou pelo menos
acrescenta uma nova dimensão ao seu significado tradicional. Assim é
que em Ferguson ‘civil’ deixa de ser simplesmente o adjetivo de civitas
(isto é, deixa de corresponder ao adjetivo latino civilis) e passa a ser,
também ou principalmente, o adjetivo de civilitas, ou seja, civilidade ou
civilização.

O primeiro a usar o conceito de sociedade civil nesse sentido parece


ter sido de fato Rousseau, em seu célebre Discurso sobre a origem da
desigualdade (1754). Mas ao passo que Rousseau considerava a
sociedade civil um estado de corrupção dos costumes, Ferguson, que
afinal se propunha escrever uma história do progresso da civilização,
resgatou a noção dessa aura predominantemente pejorativa. Entre esses
dois pensadores, porém, o conceito sofreu significativa mudança. Em
sua acepção clássica, ainda preservada nas teorias jusnaturalistas ditas
do contrato social, a sociedade civil se contrapõe à família ou sociedade
doméstica; já na acepção moderna, negativa (Rousseau) ou positiva
(Ferguson), sociedade civil se contrapõe a sociedade primitiva. Sua
antítese não é mais o espaço familiar do oikos e sim a selvageria,
antônimo da civilização. E, pela mesma razão, sociedade civil passou a
designar menos o estado, como associação política, do que um estado
social, equivalente a todo um estágio na história da humanidade.

Em Hegel, por fim, a noção de sociedade civil ocupa uma posição


intermediária entre esses significados clássico e moderno. Por um lado,
conforme vimos, Hegel, influenciado pela teoria social do iluminismo
escocês, já concebe a sociedade civil como uma esfera 'econômica'
distinta do estado. Por outro lado, Hegel ainda não a separa totalmente
do estado, como o fará Marx. É que Hegel recusa a um só tempo ambos
os modelos dicotômicos dentro dos quais fora até então concebida a
sociedade civil, o clássico (sociedade civil/sociedade doméstica) e o
iluminista (sociedade civil/humanidade primitiva). O modelo hegeliano
é, ao contrário, triádico: frente à sociedade doméstica da família, a
sociedade civil hegeliana aparece com forma incompleta do estado;
dentro, porém, da estrutura estatal, pertence a um nível inferior - o nível
jurídico-administrativo, que expressa e organiza os interesses
particulares da cidadania -, enquanto só o estado propriamente dito
representa o momento superior: o momento 'ético-político', no qual o
estado, encarnação da Ideia, funde misteriosamente o interesse do
cidadão como indivíduo com o interesse universal do Espírito. Forma-se
assim a tríade: família, sociedade civil, estado.

Como sugere Bobbio, essa mediação hegeliana entre os dois


significados, clássico e moderno, de sociedade civil, fazendo com que
para Hegel a sociedade civil não mais seja mero sinônimo do estado,
mas ao mesmo tempo ainda dele seja parte, é um 'anacronismo'
precioso. porque aproxima essa noção bifronte de sociedade civil da
situação hoje vivida pelas democracias liberais. Com efeito, estas
últimas constituem regimes político-sociais marcados por dois
fenômenos: a estatização da sociedade (patente no crescimento do
direito público e na penetração generalizada da vida social, em todas as
suas esferas, pela lei, i.e., por uma ordenação normativa emanada do
poder político central) e, em sentido contrário e complementar, a
socialização do estado (caracterizada pelo desenvolvimento de várias
formas de participação social nos mecanismos de escolha, decisão e
representação políticas). Assim, com um pé fora e outro dentro do
estado, a sociedade civil hegeliana se parece bastante com a democracia
liberal de massa, na era do planejamento econômico e do estado
assistencial. Nada mal para quem já foi xingado de reacionário da
Restauração.

Hegel entendeu muito bem a natureza da sociedade moderna e o


papel dos interesses particulares na sua operação. Como seu
contemporâneo, o liberal Benjamin Constant (1767-1830), percebeu a
diferença entre a liberdade antiga, atrelada à autonomia política, sem
grande individualidade, e a multiforme liberdade moderna, que se vale
da liberdade política para proteger o livre gozo das liberdades civis, e
sob esse aspecto é, na raiz, mais social que política. Entretanto, isso
ainda não resolve todas as nossas apreensões quanto ao destino da
liberdade individual no Estado hegeliano. Significativamente, Hegel não
foi tão longe quanto Constant no seu adeus aos modelos antigos. Como
Judith Shklar mostrou, por sua visão da Grécia antiga, no contexto da
apaixonada grecolatria do humanismo alemão por volta de 1800, ele se
alinhava com o ideal político e não com o ideal estético clássico -
embora, caracteristicamente, não partilhasse do severo republicanismo
esposado pela ala 'espartana' dos grecófilos políticos. Nem todos os que
pregavam uma imitação estética da Grécia eram tão politicamente
conservadores quanto, por exemplo, Goethe. O helenismo estético podia
levar em linha reta ao liberalismo, como no ensaio de Guilherme de
Humboldt sobre Os limites do estado (1792).

Ao contrário de Humboldt, Hegel não confiou ao estado uma função


mínima e puramente negativa (manter a ordem, proteger os direitos);
nem mesmo, como fariam mais tarde os liberais de inclinações sociais,
tarefas suplementares (ajudar a economia, ampliar o acesso a formas
mais ricas de liberdade, dando iguais oportunidades para todos). Na sua
opinião, o estado tinha uma missão positiva do maior significado: era o
portador da auto- consciência humana, a mais alta figura entre as
diversas encarnações do 'espírito objetivo' - entendendo-se por 'espírito
objetivo' aquele sujeito substancial que, atua- lizando a sua liberdade
essencial, faz não só da lei mas também da natureza um objeto posto por
ele, Espírito (recorda-se o elemento 'tético' no idealismo). Pois a
liberdade é ser sua essência em outrem" (Enciclopédia, 3ª ed., § 24,
adendo 2).

O ônus disso é que, no conceito hegeliano de estado, a liberdade é


equiparada a um poder e não, como no liberal, à ausência de coerção
externa. É verdade que Hegel censurou asperamente os que, como o
arqui-reacionário Haller, procuravam colocar um estado absoluto acima
da lei e da doutrina constitucional moderna. Mas tampouco assentou a
legitimidade do estado legal primariamente na cidadania, como o fez a
doutrina do contrato social, de Hobbes a Rousseau. Em lugar do cidadão
legalmente capaz, agora era o homem enquanto homem que, sob o
aspecto de um Espírito audaz e afirmativo, fornecia os alicerces da
política moderna. [12] Em consequência, a liberdade se tornou para
Hegel uma força criadora, original, irredutível quer à autonomia
(liberdade clássica) quer à ausência de coerção nos assuntos privados de
cada um (liberdade civil moderna). A liberdade hegeliana era, como a
de Fichte, um poder mais que uma franquia ou um feixe de liberdades.
O verdadeiro precedente antigo para a liberdade hegeliana encontra-
se não na filosofia política grega mas na Metafísica (982b) de
Aristóteles, onde se diz que o homem livre é aquele que existe "para si
mesmo e não para outro", Hegel retoma esse conceito na sua própria
noção de estado como superobjeto da liberdade, uma vez que chama a
esse estado (Filosofia do direito, § 258) 'um fim em si mesmo'
(Selbstzweck). Mas acrescenta-lhe, de maneira tipicamente idealista,
uma dimensão reflexiva: o estado autotélico é a atualidade da ideia
moral "clara para ela mesma" na sua capacidade de "vontade que se
pensa e se conhece" (§ 257). Possivelmente, então, a única maneira de
escapar ao enigma proposto por essa estranhíssima 'unidade' da vontade
geral e dos interesses individuais resida no fato de que, em última
análise, o verdadeiro sujeito da liberdade Hegel - a despeito de seu
sincero reconhecimento do individualismo moderno - é o homem e não
o indivíduo. Em todo caso, seu conceito central da história universal
(Weltgeschíchte) reforça essa impressão: como salienta Joachim Ritter,
em Hegel a história se torna universal na medida em que tem por objeto
o homem na sua essência.

Norberto Bobbio traçou interessante contraste entre Kant e Hegel


enquanto herdeiros do contrato social de Rousseau visto como um
instrumento para estabelecer a liberdade como autonomia política. Kant,
diz Bobbio, aceitou o contrato de Rousseau como um método, mas
preferiu um estado muito mais próximo da ideia liberal de um simples
escudo das liberdades civis, Hegel, por seu lado, resistiu firmemente ao
contrato social como método político - e no entanto aceitou o conceito
de autonomia como o principal objetivo da ordem social. [13] Todavia, o
problema é: autonomia de quem? Hegel fez questão de dissociar sua
teoria do estado como portador de uma vontade universal da teoria de
Rousseau, porque neste a vontade geral "procede da vontade
individual", como num contrato (Filosofia do direito, § 258, add.).
Poucas linhas antes, ele afirmara, um tanto ominosamente, que o estado
como "fim último" (Endzweck) tem "supremo direito contra o
indivíduo". O último escrito político de Hegel, um longo comentário
crítico da Reform Bill inglesa de 1831, opunha-se às exigências liberais
de uma franquia mais ampla com dois argumentos assaz especiosos:
primeiro, que o sufrágio universal conduzia à indiferença política;
segundo, que, em todo caso, ele não dava ao eleitorado nenhum papel
real, uma vez que os distritos eleitorais não controlavam as decisões dos
membros do parlamento. Alguns estudos recentes de Hegel reconhecem
que essa crítica à Reform Bill continha um grande número de sagazes
observações sobre a estrutura de classes na Inglaterra dos primeiros
anos da Revolução Industrial. Contudo, essas valiosas observações não
alteram o fato de que, do ponto de vista da teoria democrática, nem o
argumento da apatia nem o argumento da impotência prejudicam
seriamente a legitimidade do princípio democrático. A verdade é que,
sempre que o conceito de liberdade (prática, não metafísica: liberdade
como o oposto de coerção, não de determinismo) deixa de ser
principalmente social e político e se torna 'antropológico', enfatizando
os atributos de humanidade mais do que os atos de indivíduos concretos,
elementos não-liberais tendem a emergir; e algo nessa linha estava
acontecendo com o nível 'sintético' de liberdade tal como definido na
Filosofia do direito. E o problema, como vamos ver, não desaparece de
todo nos sucessores de esquerda de Hegel.

Tentarei agora o impossível, fazendo uma avaliação instantânea da


contribuição de Hegel. Vimos que, como bom pós-kantiano, ele quis
regenerar a metafísica. Enquanto Kant atribuíra o malogro da metafísica
aos seus próprios e ambiciosos objetivos, Hegel preferiu acusar a
estreiteza do entendimento, não a busca de absolutos per se. Hegel teve
papel influente na teimosa transgressão pelos idealistas da impugnação
criticista de qualquer especulação metafísica mais desenvolta. Como
Fichte ou Schelling, Hegel descartou o filtro epistemológico imposto
por Kant às empresas filosóficas. Alguns desculpam Hegel
argumentando que a sua concepção do conhecimento, fundamentalmente
diversa da concepção de Kant, separava o conhecimento do pensamento
puro para integrá-lo no quadro geral da atividade humana. Mesmo que
se conceda tal coisa, cabe ainda perguntar: Quanto se ganha com essa
perspectiva 'antropológica' do pensamento?
Quaisquer que tenham sido os outros efeitos dessa abordagem
hegeliana do pensamento, é inegável que ela ajudou a legitimar uma
visão histórica do homem - algo que, retórica estruturalista à parte,
ninguém parece mais disposto a dispensar. Nem é preciso repisar esse
ponto. Mas aqui Hegel tinha mais de um importante precursor: os nomes
de Vico, de Montesquieu, de Herder logo vêm à mente. Cada um deles
foi um grande historizador da cultura e da sociedade. O que nenhum
deles ofereceu, porém, foi o tema de Hegel, a 'razão na história': sua
grande tentativa de justificar o presente como o cumprimento de uma
promessa histórica. Assim, a questão muda de novo, para tornar-se: o
que podemos salvar - se é que se pode salvar alguma coisa - do
historicismo de Hegel?

O Espírito de Hegel era uma providência mundana. Sua progressão


não evidenciava qualquer necessidade lógica, mas exibia uma
avassaladora necessidade de propósitos. Um influente especialista em
Hegel do começo do século, Theodor Haering, observou que qualquer
coerência existente entre as figuras do Espírito na Fenomenologia é de
caráter puramente histórico e não lógico. Outro grande comentarista,
Nicolai Hartmann, deu pouco valor à construção de sistema de Hegel,
mas tem em grande conta a riqueza de definições do espírito objetivo,
Hoje em dia, teorias necessitaristas da história, mesmo nas versões
materialistas, enfrentam generalizado ceticismo. A variedade idealista
do determinismo histórico de Hegel tem ainda menos sucesso, embora,
de certo modo, sua própria carência de pretensões causais (como a de
base/superestrutura em Marx) faz com que ela seja menos atormentada
por objeções epistemológicas que suas rivais materialistas. No entanto, a
teoria da história de Hegel pode ser vista de outro ângulo - não como
um relato demonstrativo da necessidade histórica, mas como um convite
persuasivo para legitimar um tipo básico de sociedade por meio de
comparações históricas.

"Principium scientiae moralis est reverentia fato habenda" (O


princípio da ciência moral tem de ser a reverência ante o destino). Hegel
proferiu esse oráculo na sua aula inaugural de Jena. Mais tarde repetiria
seu significado central no seu famoso dito: Weltgeschicht e ist
Weltgericht (A história mundial é o tribunal supremo). Mas se assim for,
como podemos ter certeza de que o direito não é apenas força? A
filosofia da história de Hegel e sua progênie têm sido invocadas muita
vez oportunisticamente, como se Hegel não tivesse advertido que no
tribunal de justiça da história "a história mundial não é o veredicto do
simples poder" mas do "desenvolvimento necessário da consciência de
si mesmo e da liberdade", de uma consciência racional cujo progresso
ele equiparava - numa homenagem ao iluminismo - com a
perfectibilidade da raça humana (Filosofia do direito, § 342-3). E,
todavia, na mente de Hegel, tanto quanto se possa julgar dos seus
escritos em geral, a reverência para com o destino significava algo
verdadeiramente pioneiro, vindo como veio logo na esteira das grandes
convulsões revolucionárias e das restaurações apressadas da época.
Significava uma aceitação amadurecida do espírito da sociedade
moderna, com sua crescente divisão do trabalho, a expansão das
liberdades individuais e uma nova compreensão da capacidade do
homem para moldar a história. Paradoxalmente, a reverência ante o
destino podia inspirar tudo menos o quietismo social - o que ajuda a
explicar por que Hegel não foi nunca um dos favoritos do pensamento
conservador. Em vida, em Berlim, tinha de lutar em duas fremes, contra
reacionários desvairados como Haller e contra conservadores
sofisticados do tipo de Savigny, fundador da 'escola histórica' de
filosofia jurídica.

E precisamente esse elemento de confiança na história que falta aos


hegelianos do marxismo ocidental. Aliás, hoje em dia, mesmo
reavaliações simpáticas de Hegel, como a de Charles Taylor, tendem a
reduzir a proporções mais modestas essa aceitação progressista da
sociedade moderna por Hegel. O Hegel do professor Taylor acaba
fornecendo principalmente um padrão pelo qual julgar - com desfavor -
o nosso mundo liberal e industrial. Argumentando que Hegel desejava
uma reconciliação entre utilitarianismo e comunhão, entre racionalidade
burguesa e 'expressivismo' romântico, Taylor encerra seu notável estudo
do filósofo com uma conclusão pessimista: a sociedade ocidental
contemporânea não alcançou mais que um arremedo de tais ideais, uma
vez que nosso universo social combina mal e porcamente uma fachada
pública, utilitária, com uma reles vida privada romântica. [14]

Esse juízo provocou uma resposta de Ernest Gellner. Não há nada


de errado, sugere Gellner, em ter sua expressão em casa (livros de bolso,
som, etc.), deixando a esfera pública entregue ao pragmatismo "sem
alma". Principalmente se a gente se dá conta de que os últimos acessos
de expressivismo no Ocidente foram os congressos de Nuremberg e o
Linksfaschismus fomentado pelo espírito de maio de 1968. [15] No
entanto, Gellner concorda com Taylor ao ver Hegel mais como uma
resposta à emergência da sociedade moderna do que como uma
justificação desse fato. É na sua avaliação que ele diverge de Taylor:
Taylor vê com maus olhos a modernidade; Gellner lhe é, no fundo,
simpático. Entretanto, há motivo para suspeitar que Hegel fosse muito
menos suscetível ao romântico desconforto com a modernidade do que
Taylor (aprovadoramente) ou Gellner (criticamente) parecem crer.

Para fazer justiça aos dois; Taylor e Gellner, cumpre dizer que eles
não estão de modo algum sozinhos quando tomam Hegel como um
teórico social com fortes inclinações românticas. Dos modernos ataques
a Hegel, talvez o mais conhecido seja a denúncia de Popper, no v. II de
A sociedade aberta e seus inimigos (1945), não só do seu historicismo,
mas do seu holismo, i.e., do seu ponto de vista supostamente anti-
individualista e, portanto, pouco liberal. Os dois arquivilões de Popper,
tratados por ele como campeões do holismo, são Platão e Hegel, com
Aristóteles e Marx no papel de cúmplices discipulares. O que pode
parecer irônico em face do que Hegel disse da utopia social de Platão,
mas, ainda assim, alimenta grande parte da opinião vulgar sobre Hegel.
Contudo, essa maneira de ver as coisas não encontra muito apoio entre
os especialistas atuais. H. S. Harris, no segundo volume da sua
minuciosa e cuidadosa releitura de Hegel (Hegel's Development),
observando que, depois da 'filosofia do espírito' de 1805-6, Hegel
reconheceu, com aprovação, o caráter 'protestante' da sociedade
moderna, fundada no direito de ter cada um opinião própria na
interpretação e avaliação da lei, mostra que esse reconhecimento
implicava uma nítida ruptura com os seus próprios ideais holistas de
outrora. De Jena em diante, diz Harris, o modelo ‘grego’ de comunidade
holista tomou-se para Hegel 'sub-racional', por ser impessoal demais.
Não dá, realmente, para pintar Hegel como um Platão moderno: um
pensador social antiindividualista.

Pode-se, naturalmente, manter a mesma interpretação básica e, não


obstante, continuar louvando Hegel, em vez de condená-lo, por seu
holismo. Robert Nisbet, por exemplo, sempre alerta para tudo o que diz
respeito à comunidade, saúda Hegel como um dos principais
antepassados de uma sábia 'tradição sociológica' holista. O último
luminar do pensamento político neoconservador na Grã-Bretanha, Roger
Scruton, recentemente arrolou Hegel como um herói do
conservadorismo - uma saudável alternativa filosófica à linha
empiricista e antifilosófica que vem de Burke até Lorde Hailsham e Iam
Gilmour. [16]

Nas suas insinuações antiindividualistas, o conservadorismo


comunitário de Nisbet ou Scruton soa muito diferente do
conservadorismo neoliberal de Hayek - o sumo sacerdote do partido
anti-holista na teoria social contemporânea. Mas, às vezes, o elogio de
Hegel fala de comunidade em tom menos conservador. Taylor fala dela
como de uma moldura de valor incalculável para a liberdade - uma
espécie expressivista e situada de liberdade, em muito superior à
liberdade abstrata de Marx e de Sartre, precisamente por estar enraizada
na comunidade. Muito antes de Taylor, em seu Hegel e o estado (1950) -
um livrinho que muito fez para destruir a imagem reacionária de Hegel
-, Eric Weil comparou a ideia hegeliana de liberdade ao encômio de
Malinowski à harmonia da sociedade primitiva. Uma vez mais
encontramos a leitura holista de Hegel usada em direção não-
conservadora: o que Weil quer é negar que a estatolatria de Hegel
tivesse por intenção legitimar o status quo da Prússia da Restauração.
No entanto, o que Weil implica, em sua analogia com as sociedades
malinowskianas - a natureza ‘tribal’ da ordem social de Hegel -, é
justamente o que levou Popper a expressar uma viva repugnância por
Hegel...

Seja como for, é possível ser um conservador 'filosófico' e gostar de


Hegel sem comprazer-se em celebrar a comunidade. O mais eminente
dos pensadores conservadores da Grã-Bretanha, Michael Oakeshott, fez
justamente isso. In On Human Conduct (1975) refere-se afetuosamente
ao conceito hegeliano do estado. Na sua opinião, der Staat, na Filosofia
do direito, corresponde a um modo de associação regido pelo direito
(das Recht). A lei, por sua vez, não era para Hegel - segundo Oakeshott
- nem uma simples ordem apoiada na força (como no positivismo
clássico) nem um conjunto de dispositivos para satisfazer desejos. Mas,
fundamentalmente, significava uma coleção de 'regras de identificação'
a serem observadas pelos indivíduos em suas ações, inspiradas por uma
miríade de desejos contingentes. Nesse sentido, o estado jurídico de
Hegel pode ser igualado ao conceito de Oakeshott de 'associação civil', a
qual, como Oakeshott sempre salientou, é uma noção que remonta às
ideias de contrato social de Hobbes - um pensador que ninguém ousaria
acoimar de holista. Portanto, pode-se fazer uma avaliação muito positiva
e conservadora de Hegel, sem por isso cair na mística holista da
comunidade.

Nos últimos anos da era vitoriana, Hegel chegou a ser altamente


estimado na mais inesperada cidadela da especulação teórica - a
economia neoclássica. Os Princípios de economia (1890), de Alfred
Marshall, suma da teoria neoclássica, estão cheios de louvores a Hegel.
[17] O louvor, no entanto, não se concentra na apoteose do estado, mas

na noção de desenvolvimento contínuo, tal como ilustrado nas célebres


Lições sobre a filosofia da história. Em outras palavras, longe de ser
tido como conservador, e muito menos como reacionário, Hegel era
estimado como um progressista - exatamente a característica que
ninguém preza, entre os admiradores contemporâneos de Hegel, da
esquerda ou da direita (nem Taylor, nem Nisbet, nem Scruton).
Darei por encerradas estas observações sobre Hegel sugerindo por
que valeria a pena voltar a apreciar essa faceta do seu pensamento. A
filosofia alemã de 1700 criou dois gêneros para enfrentar o sentido do
mal e da tragédia no mundo. Um foi a teodicéia; o outro, a filosofia da
história. O mestre da teodicéia foi Leibniz; e o virtuoso da filosofia da
história foi Hegel. A essência da sua historiosofia consistiu em
incorporar a tragédia histórica numa consciência profunda da
legitimidade do progresso, tal como corporificado na jovem sociedade
burguesa. Calçando o sistema de Hegel há uma vontade de salvação -
mas agora 'salvação' vem através da autognose histórica. Hegel chegou,
certa vez, a afirmar que escrever história sem compreender a
racionalidade do processo era simplesmente 'uma divagação idiota'. A
frase pode parecer injusta para com muitas formas de pesquisa histórica
- mas capta admiravelmente a substância da sua própria filosofia.

De todos os modernos intérpretes de Hegel, o que mais francamente


acentuou esse ponto foi Alexandre Kojève (1902-68), um sobrinho de
Kandinsky que emigrou para o Ocidente logo depois da Revolução de
Outubro, e que, antes de tornar-se um tecnocrata francês, deu um curso
seminal sobre a Fenomenologia do espírito na École Pratique des
Hautes Études (1933-9) de Paris, a que assistiram Raymond Queneau,
Eric Weil, Maurice Merleau-Ponty, Raymond Aron e Jacques Lacan.
Levando muito a sério o historicismo de Hegel, Kojève pensava que a
verdade hegeliana era filha do processo e, como tal, "absoluta apenas
por ser a última". [18] Pois Hegel não havia dito (na história da filosofia)
que o presente era "a coisa mais alta?" Dez anos depois da sua morte,
discípulos de Hegel como Hess já se perguntavam por que diabo, já que
o sistema de Hegel pusera até mesmo Deus e a liberdade ao alcance da
razão, a essência do futuro devia ser considerada inescrutável. Tal
impaciência com o conhecimento absoluto como recapitulação do
passado e justificação do presente estava longe de florescer apenas entre
hegelianos de esquerda, como Hess. Ludwig Michelet, por exemplo,
moderado sob todos os aspectos, e hegeliano de centro, escrevia em
1843: "A filosofia não é só o mocho de Minerva, que voa só ao pôr do
sol. E também o canto do galo, que anuncia a alvorada de um novo dia."
Kojève percebeu que, em termos estritamente hegelianos, essa
espécie de questionamento (intencionalmente dirigido às 'limitações' do
'sistema') fazia pouco sentido. Pois em Hegel não existem critérios
transcendendo a história; só o próprio processo histórico pode responder
a indagações sobre o que está por vir ou sobre o que é melhor. Kojève
concedia de bom grado que isso não passava de uma petição de
princípio - na verdade, um círculo vicioso dos mais óbvios. Mas não via
opção: havia que sofrê-lo. Ou temos padrões extra-históricos
demonstráveis para medir a valia da realidade social em qualquer ponto
dado no tempo, ou não os temos - e, nesse caso, tudo o que podemos
fazer é acompanhar Hegel, consolando-nos com a sabedoria
retrospectiva de ver sentido no passado.

Há outro tema fascinante em Hegel que Kojève também tomou a


peito: a ideia de um 'fim da história'. Aqui, sua frase há pouco citada,
sobre a natureza 'serial' da verdade, com um valor absoluto para o
último episódio da série histórica, diz tudo. Kojève acreditava estar
sendo inteiramente hegeliano ao absolutizar o presente. Assim, procurou
fundar-se em Hegel para vender a ideia de que o nosso tempo, tendo
chegado ao ponto em que a razão na história se faz consciente de si
mesma, assiste a uma estabilização do movimento histórico. As coisas
continuam a acontecer, naturalmente; mas a história, como o processo
racional, estacou. Para Kojève, as guerras e revoluções do século XX,
bem como a rivalidade entre os sistemas socioeconômicas confirmam a
justeza da noção central de Hegel sobre o desdobramento do
pensamento-história como estágio supremo da Weltgeschichte, i.e., da
história do homem qua homem.

Kojève poderia ter atribuído maior peso a outro tema de Hegel: a


'astúcia da razão', engenhosa ancestral filosófica de muito do que há de
lúcido em sociologia, desde Marx, Simmel ou Weber - todos os quais
discutiram largamente grandes exemplos das 'consequências não
intencionais' da ação humana, tanto coletiva quanto individual. Afinal
de contas, os resultados do pensamento-história pertencem à mesma
classe do Leitmotiv do 'mocho de Minerva': a salvação pelo
conhecimento sobrevém apenas ao fim da jornada. E o significado da
ideia de um Espírito, o qual, como razão, é o senhor da história, se liga à
singularidade dos humanos como seres livres. Como diz o kojeviano
George Dennis O'Brien, porque a 'estória da história' (descrição que dá
do projeto filosófico de Hegel) se refere a 'seres livres', ela "não pode
ser predita com antecipação. Da mesma forma, não se podem prever
novos estilos em arte". [19] A predição é proibida tanto pela tese
filosófica da liberdade essencial do eu-nós que é o Espírito quanto pela
percepção sociológica da 'astúcia da razão' (o paradoxo das
consequências não-intencionais da ação humana). A ingênua e
messiânica asserção de Hesse de que o futuro deveria ser levado em
conta na filosofia da história está certamente em descompasso com a
problemática de Hegel. Mas o mesmo acontece, se bem que de maneira
menos conspícua, com qualquer interpretação que se incline
demasiadamente para a ideia de um fim da história. Pois a apoteose
temporal do presente também implica uma certa dose de 'predição',
descontada, uma vez mais, a intrínseca imprevisibilidade da liberdade
embutida na perspectiva da razão-na-história.

Para isso seria avisado descer da hubris historiosófica de Kojève e


concluir, mais modestamente, com Karl Löwith, que o cerne da visão
filosófico-histórica de Hegel tinha raízes na cultura 'cristão-burguesa' da
sociedade ocidental do começo do século XIX. Resumindo, o que Hegel
tinha a oferecer de maior valor era: a) uma explicação racional da
direção, senão da necessidade, do movimento histórico (a 'história da
história', i.e., o progresso); e b) uma arguta teoria da sociedade
burguesa. O modelo hegeliano da sociedade moderna incluía, como
sugeriu Z. A. Pelcynski, [20] uma pitada do nosso 'social capitalismo'
contemporâneo, uma vez que admitia a direção da economia pelo estado
com vistas a alcançar o bem-estar social. E mais: vendo as classes como
estamentos, abrigava um esboço dos nossos sindicatos, que são 'estados
do reino' legitimados por lei. Assim, a síntese cristão-burguesa de Hegel
fundia a aceitação de uma avançada divisão do trabalho com sérias
cláusulas pró-comunidade; procurava equilibrar diretivas racionais e
impulsos românticos, dentro de uma estrutura legal atenta à necessidade
de respeitar o crescimento utilitário da moderna sociedade civil.
O ponto, todavia, é o seguinte: no fundo, essa agenda de
reconciliação sócio-política e cultural teria sido sentida por Hegel como
um sucedâneo à sociedade burguesa do começo do século XIX, ou como
um aperfeiçoamento dela, como formação social nascida da história
ocidental? Carl Schmitt escreveu que o dia em que Hitler se tornou
chanceler do Reich alemão, em janeiro de 1933, foi o da verdadeira
morte de Hegel. Schmitt estava, àquela altura, mais próximo de Hitler
que de Hegel; mas seu dito não podia ser mais apropriado. As primeiras
vítimas das fúrias fascistas foram precisamente os dois componentes da
solda cristão-burguesa de Hegel: o princípio cristão da individualidade,
alimentado através de uma longa incubação histórica no Ocidente, e o
princípio burguês de uma sociedade civil autônoma, surgida com o
crescimento da modernidade na cultura e na economia.

Tirante Marx, a maior influência no pensamento alemão depois de


Hegel foi Nietzsche. Em vez de justificar uma época cultural, como a
sociedade cristão-burguesa de Hegel, Nietzsche lançou uma apaixonada
denúncia da modernidade, agravada por uma devastadora incriminação
do cristianismo. E montou uma Kulturkritik generalizada em nome dos
valores "vitais". O problema é que a essa crítica cultural arrasadora falta
justamente o que se encontra em Hegel: uma teoria adequada sobre a
base institucional da sociedade moderna e uma explicação aceitável do
movimento histórico, com foco especial no advento da modernidade.
Como Heidegger, seu discípulo rebelde, que repudiou toda a tradição
metafísica desde Platão sob alegação de que desconhecia a verdadeira
natureza do Ser, Nietzsche rejeitou eras inteiras; no entanto, não
dispunha de uma teoria das mudanças seculares. Em contraste, a
insistência hegeliana ao 'trabalho do negativo' operava sempre por meio
de negações determinadas e pressupunha uma profunda atenção ao
concretum histórico, à rica diferenciação interna da história mundial. E
o fato de Hegel jogar o poder do conceito contra compactas intuições
românticas emanava da sua convicção de que a intuição captava, na
melhor das hipóteses, identidades a-históricas em lugar de processos
diferenciados. Hegel zombou do triunfo da intuição no 'sistema de
identidade' de Schelling porque neste o pensamento mergulhava na
"noite do Absoluto, em que todos os gatos são pardos". Só a 'paciência
do conceito' pode fazer justiça aos complexos significados do
desenvolvimento histórico e acompanhar suas tortuosas veredas.

Na Kulturkritik, a filha intelectual de Nietzsche, todos os gatos


também são pardos, porque, sustentando as denúncias apocalíticas da
Kulturkritik não há nenhuma visão do processo. Ora, como logo
veremos, a corrente principal do marxismo ocidental - seu ramo de
expressão alemã, de Lukács à escola de Frankfurt - esposou o ponto de
vista da Kulturkritik. Ao mesmo tempo, os marxistas ocidentais, na
maior parte, orgulham-se da sua fidelidade às categorias hegelianas
básicas, tais como meditação da negatividade - a tal ponto, que o élan
do marxismo ocidental pode ser descrito, como Georg Lichtheim
compreendeu, como uma guinada "de Marx para Hegel". Em
conseqüência, cabe indagar se, pelo fato de assumir a Kulturkritik, esse
neo-hegelianismo de esquerda (que é o que a maior parte do marxismo
ocidental parece ser), não terão perdido por demais aquele domínio da
riqueza histórica que constitui para nós a lição mais duradoura do
pensamento de Hegel. Em particular, teremos de responder à pergunta: o
marxismo ocidental conseguiu ou não combinar sua Kulturkritik com
uma nova teoria do ‘processo’?
3. O LEGADO: O MARXISMO DE MARX

Marx era uma criatura do seu tempo.


— Yuri Andropov, 1983

Uma nova teoria do processo histórico foi justamente o que o


principal sucessor crítico de Hegel, Karl Marx (1818-83) deu à teoria
social, após o declínio da metafísica idealista. Pouco depois da morte de
Hegel, vários dos seus antigos discípulos mostraram crescente
insatisfação com o que lhes parecia uma básica incoerência do sistema
hegeliano. Tomados em bloco, seus escritos críticos constituem o que é
conhecido como 'esquerda hegeliana' (1835-43). Como é que -
perguntam eles - uma filosofia que louva o 'trabalho do negativo' e
apresenta cada etapa histórica como a semente da sua própria
substituição, dentro da marcha dialética de um Espírito que se auto
realiza, ensina, ao mesmo tempo, a aceitação do status quo social, do
establishment religioso e, last but not least, do próprio sistema
hegeliano, como nec plus ultra do pensamento?

O leitor estará lembrado (v. p. 32) de que, para Hegel, o que é


racional é real e o que é real é racional. A cisão entre os hegelianos de
meados da década de 1830 foi apontada por Karl Michelet como um
desacordo fundamental em torno dessa famosa frase. A direita hegeliana
tendia a pensar que só o que já era real, i.e., a realidade presente, era
racional - e, portanto, santificava a ordem social e o estado do 'sistema'.
A esquerda hegeliana, em contraposição, acreditava que só o racional
ainda em estado ideal era verdadeiramente real. Consequentemente, para
os hegelianos de esquerda, o status quo político e ideológico não
passava de uma vastíssima mistificação, que eles se propuseram
desmantelar por meio de severas 'críticas'.
O primeiro tiro coube a Ludwig Feuerbach (1804-72), autor da A
essência da cristandade (1841). Feuerbach compreendeu que o conceito
de religião de Hegel era decididamente imanentista, pois que
identificava Deus com um Espírito em última análise inseparável da
consciência histórica da humanidade. Concluiu que "o segredo da
teologia é a antropologia": os gloriosos atributos de Deus eram apenas a
"imagem no espelho" das necessidades e aspirações humanas. Mas com
essa humanização da religião, Feuerbach alterou profundamente uma
das categorias centrais de Hegel, a da alienação ou exteriorização.
Como já foi visto (p. 30-32), a alienação, em Hegel, era alguma coisa
positiva: na verdade, a vida do Espírito era um auto alienação
enriquecedora e incessante. Feuerbach formulou-o às avessas: via a
alienação como uma perda. Deus, produto do auto alienação do homem,
assinalava uma perda do humano.

Feuerbach agravou sua crítica da alienação com uma posição


francamente materialista. Rompendo ruidosamente com a visão
espiritual do mundo, peculiar ao idealismo alemão, multiplicou
epigramas tais como Mann ist was er isst (O homem é o que come) - o
que significava uma volta polêmica a certas tendências do iluminismo
francês, claramente dirigida contra a filosofia idealista. Antes de
Feuerbach, outro rebelde, Bruno Bauer (1809-82), tinha exposto a
religião como uma queda da consciência - a 'alienação' no mau sentido
da palavra. Mas o humanismo materialista de Feuerbach deu-lhe um
desvio mais radical. Em vez de opor, como Bauer, filosofia (crítica) a
religião (alienada), ele chegou a ver a filosofia como tal como alienação
- visto que a filosofia significava teoria divorciada de necessidades mais
concretas do homem. Nesse sentido, o propósito da antropologia
materialista era a ruína da filosofia.

A essência da cristandade não foi a única bomba da esquerda


hegeliana a aparecer em letra de fôrma em 1841. Houve também A
triarquia europeia, do pensador messiânico e inconformista Moises
Hess, que já encontramos dando mostras de impaciência com a
circunspecção da filosofia hegeliana da história ante o futuro. Hess
ansiava por converter a filosofia em ação revolucionária uma proposta
muito diferente daquela de Feuerbach. O materialismo feuerbachiano
desejava abolir a filosofia. A historiosofia messiânica de Hess queria
cumpri-la, numa revolução iminente.

Além disso, Hess deu uma contribuição decisiva à teoria da


alienação. Reconheceu uma terceira forma de alienação, nem religiosa
nem filosófica, mas econômica. Seguindo Proudhon, ele sustentava que
o dinheiro podia ser tão alienante quanto a crença em Deus - um ponto
que Marx utilizaria no seu ensaio "Sobre a questão judaica" (1843).
Hess foi também mais longe que Feuerbach ao afirmar que, se o segredo
da teologia é, na verdade, a antropologia, então deve ser compreendido
que a natureza humana, subjacente à alienação religiosa, é
essencialmente social. Em consequência, a crítica da religião deve ser
completada por uma crítica das instituições socioeconômicas. Teologia
significa antropologia, mas antropologia, por sua vez, significa
socialismo.

Hess foi o homem que converteu Friedrich Engels (1820-95) ao


comunismo. Mas ele concebia o comunismo - para fúria de Marx - como
‘a lei do amor', o estágio final na saga salvacionista da A triarquia
europeia.

Desde 1837 Hess raciocinava em termos de uma 'história sagrada da


humanidade'. em que a revolução figurava como um humanismo cristão
ativo, para além de todo interesse de classe. Ao mesmo tempo, Hess
acreditava que o ideal comunista variava segundo o caráter nacional.
Assim, enquanto o comunismo francês se nutria do senso de justiça e o
comunismo inglês dos interesses de classe, o comunismo alemão
expressava o humanismo da filosofia. Paradoxalmente, a Alemanha, que
era, àquela altura, um país atrasado política e economicamente, frente à
França ou ao Reino Unido, teria ao ver de Hess, a mais profunda de
todas as revoluções, com a derrubada da sociedade de classes para o
bem da humanidade.

Essa perspectiva filosófica do comunismo não se perdeu em Marx.


Numa introdução (de 1844) ao seu artigo inédito sobre a Filosofia do
direito, de Hegel (1843), o jovem Marx descrevia a revolução social
alemã como a consumação da filosofia alemã. Vendo o proletariado
como uma classe 'universal', uma classe "que não era uma classe",
porque os seus sofrimentos a faziam apenas humana, Marx acentuava
que, se a filosofia não podia ser alcançada sem transcender o
proletariado (i.e., sem abolir a sociedade de classes), o proletariado
tampouco podia transcender-se sem alcançar a filosofia. "A teoria",
escreveu Marx, "tomar-se-á força material assim que se apoderar das
massas."

Todavia, em 1844, Marx tinha absorvido igualmente a mensagem


materialista do humanismo de Feuerbach. Um ano antes, sua crítica da
filosofia política de Hegel empregara o método, puramente
feuerbachiano, de pôr a nu uma realidade material ‘feia’, feita de
paixões e de interesses, por trás de uma nobre fachada. Assim como
Feuerbach mostrara a miséria humana disfarçada como celebração de
Deus, Marx apontava a guerra de todos contra todos na sociedade civil
como a verdadeira realidade por debaixo da aparência harmoniosa do
Estado hegeliano.

Por outro lado, no verão de 1844, quando redigiu seus "Manuscritos


econômicos e filosóficos" - os chamados Manuscritos de Paris - Marx
também criticou Furbach por sua posição a-histórica. Materialismo só
não bastava: tinha de ser combinado com o precioso reconhecimento
hegeliano do ativo auto elaboração da humanidade através da história
ou, para usar as próprias palavras de Marx, na "autocriação do homem
como um processo". Não era de uma antropologia materialista que se
precisava, mas de uma história materialista, como idioma natural do
pensamento 'radical'. E radical era justamente o que Marx desejava que
fosse o pensamento crítico.

Assim temos até aqui quatro componentes do pensamento marxista:


a) o impulso crítico, que ele partilhava com os outros hegelianos de
esquerda; b) a inclinação materialista da sua crítica, aprendida com
Feuerbach; c) a ênfase hegeliana (abandonada por Feuerbach) no poder
prometeico de negatividade, i.e., na dialética da história como processo
de autocriação humana; e d) a insistência, bebida em Hess (embora esse
não fosse mencionado), no cumprimento da filosofia através da
revolução social e no papel filosófico e humanístico destina- do ao
proletariado alemão.

No entanto, começamos nossa discussão de Marx lembrando que


sua grande contribuição vis-à-vis Hegel era uma visão nova do processo
histórico. Ora, sozinhos, esses quatro componentes não bastam para
chegar a esse resultado. O 'elo perdido' é a crítica da economia política.
Foi Engels quem, em Paris (setembro de 1844), chamou a atenção de
Marx para a economia. Nas pegadas do maior dos economistas
burgueses, David Ricardo (1772-1823), Engels fez do trabalho a fonte
do valor econômico. Afirmou também que, sob o capitalismo, essa
verdade sofre uma inversão, de modo que o valor do trabalho, embora
seja a origem última dos preços, torna-se, por sua vez, dependentes dos
preços. Mais tarde, Marx tentou formular uma explanação complexa
dessa inversão na sua famosa teoria da mais-valia, chave da sua
originalidade em termos de pensamento econômico.

Não precisamos entrar sequer no esboço da análise econômica de


Marx. Além de por demais conhecida, nunca foi um conceito central
para os marxistas ocidentais. O marxismo ocidental cresceu como um
conjunto de escritos filosóficos que raramente incursionam pelo campo
sociológico e ainda mais raramente pelo econômico. Mais relevante para
nós é o fato de que a economia autodidata de Marx, depois dos seus
estudos regulares, universitários, de direito e filosofia (hegeliana) em
Berlim e Bonn, tenha levado a uma alteração significativa na história
das ideias radicais. A alteração foi a relação entre comunismo e
socialismo.

Até Marx, o comunismo era economicamente analfabeto. Constituía


um velho ideal que remontava a alguns Padres da Igreja e a umas poucas
utopias do Renascimento (como a de More). Seu princípio, o
igualitarismo, social, :anto quanto econômico, atraiu algumas figuras do
iluminismo francês, como o Abbé de Mably (1709-85). Durante a
Revolução Francesa, Gracchus Babeuf (1760-97) esforçou-se por fazer
da utopia igualitária a base de uma política insurrecional. Daí por
diante, a tradição comunista tornou-se um revolucionarismo radical. Por
volta de 1840, o cabeça do movimento era um notório golpista, Blanqui
(1805-81).

O socialismo, pelo contrário, é um conceito bem posterior.


Representava acima de tudo uma reflexão em torno do industrialismo -
e, como tal, um corpo de doutrina eminentemente econômico.
Pensadores socialistas, como o inglês Owen ou os saint-simonianos de
esquerda na França, preocupavam-se com 'a anarquia da produção' sob o
capitalismo. Propunham novas formas de organização social e
econômica para um mundo industrial igualmente novo. Assim, enquanto
os comunismos eram movimentos políticos, revolucionários, e
distributivistas, os socialismos eram credos econômicos, reformistas e
produtivistas. O que Marx fez foi, ao mesmo tempo, economizar o
comunismo e politizar o socialismo, Marx ensinou o comunismo a falar
a linguagem da economia e injetou o princípio comunista da política
revolucionária na tradição produtivista do socialismo. Ao fazê-lo
abandonou o costume paleossocialista de arquitetar utopias, i.e.,
sociedades-modelo.

Segundo a argumentação usada no Manifesto comunista (1848), a


razão principal para que Marx escolhesse uma posição final comunista,
e não socialista, foi uma imperfeição fatal no que ele e Engels
chamaram, no final da terceira seção do Manifesto, a escola 'crítico-
utópica' dos socialistas primitivos (Saint-Simon, Fourier, Owen). O
primeiro adjetivo era, naturalmente, uma aprovação e um elogio,
negados, em especial, a Proudhon, o Proudhon da Filosofia da miséria
(1846), a quem Marx criticara, impiedosamente, meses antes, na sua
Miséria da filosofia (1847), primeira formulação impressa do
'materialismo histórico', pois a anterior, A ideologia alemã, escrita em
1846 a quatro mãos com Engels, só foi publicada depois da morte de
ambos. Mas o segundo adjetivo - utópica - mostrava que os socialistas
anteriores não reconheciam nem a necessidade nem a inevitabilidade da
revolução social e política; e tampouco reconheciam o papel histórico
do proletariado como agente de tais transformações. Escrevendo numa
época em que a classe trabalhadora era ainda subdesenvolvida, não é de
admirar que tivessem desprezado a política de massas e que se tivessem
concentrado em inócuas experiências sociais em pequena escala.

Quer dizer, então, que o Manifesto comunista era uma bomba


radical? Longe disso. A rigor, na sua pars construens, a segunda seção,
o Manifesto era surpreendentemente moderado, pedindo o que soa aos
nossos ouvidos como parte do que o estado moderno, cônscio das suas
responsabilidades sociais, provê: escola pública, leis trabalhistas,
imposto de renda. . . Mesmo as medidas propriamente anticapitalistas -
nacionalização da indústria, abolição da herança - figuravam, havia
muito, nos velhos ideários socialistas (por exemplo, no saint-
simonismo) e não eram vistas como motivo para qualquer terremoto
revolucionário. A retórica da revolução já estava, àquela altura,
defasada com relação ao programa político - situação que o marxismo
político conheceria muito frequentemente no período que medeia entre
as diversas revoluções de 1848 e a Revolução de Outubro (1917).

Seja como for, a verdadeira singularidade do pensamento de Marx


não residia no seu programa político. Ele acabou não deixando nenhum
projeto coerente para a sociedade comunista. O que, de fato, distinguia
Marx era um modo especial de encarar a revolução. Mas, a fim de
compreender isso, é preciso ter em mente o que era especificamente
marxiano na temática dos hegelianos de esquerda. O leitor estará, com
certeza, lembrado de que o tema geral da esquerda hegeliana era o
conceito de uma alienação má, em oposição ao sentido positivo de
alienação em Hegel, de alienação como saudável exteriorização. Todo
mundo sabe que a contribuição de Marx, nesse particular, foi sua teoria
do trabalho alienado. Mas, naturalmente, Marx não se limitou a repetir,
como um papagaio, as insípidas generalidades de Hess sobre a penúria
do proletariado como Paixão da Humanidade. Ao contrário: produziu
uma visão dinâmica da alienação econômica. A descrição do trabalho
alienado nos Manuscritos de Paris tornou-se um roteiro da exploração
de um 'exército reserva' de trabalhadores desde, pelo menos, Salário,
trabalho e capital (1849). Mais tarde ainda, a noção de mais-valia parece
ter permitido a Marx explicar a exploração como uma espécie de
bomba-relógio, uma máquina infernal, capaz de levar o capital à sua
cova.

Nos Manuscritos de Paris, o motivo do trabalho alienado se insere


numa visão prometeica, em que a indústria é saudada como grande
conquista da humanidade, "o livro aberto das faculdades humanas".
Marx e Engels sempre se sentiram próximos do ethos prometeico dos
economistas liberais da escola de Manchester. O profetismo industrial
de Saint-Simon também lhes era muito caro. O jovem Marx colheu as
ideias de Saint-Simon que estavam no ar àquele tempo - em vários
círculos progressistas - do seu próprio pai, do seu principal professor em
Berlim, o hegeliano de centro Eduard Gans, do seu sogro, e de Moises
Hess. Raymund Aron disse que Marx sonhou uma síntese de Saint-
Simon e Rousseau, da indústria com a democracia - um autogoverno de
produtores. Poder-se-ia acrescentar que Marx sonhava também com
outra síntese, a de Saint-Simon e Hegel: o crescimento industrial como
medium da história dialética, da história como processo impulsionado
pela contradição a patamares mais altos de organização social.

Hegel escreveu, em justificação da sociedade moderna, que ela era,


que ela é o objetivo, o fim último da história. Marx, também, via o
comunismo - para ele, a futura sociedade moderna - como uma
apoteose. Chama-o (nosManuscritos) a "solução do enigma da história".
A abolição da propriedade privada "e, assim, do auto alienação humana"
significa para ele uma "real apropriação da essência humana pelo
homem e para o homem". Um íden social sobreviria, em que liberdade e
igualdade seriam irmãs gêmeas. No entanto, as historiosofias - lógicas
da história culminando em bem-aventurança social - eram frequentes
entre velhos socialistas e jovens hegelianos como Hess. O que fazia toda
a diferença era a capacidade de entender o eschaton como fruto do
próprio processo histórico em vez de contrapô-lo simplesmente, como
ideal abstrato, ao presente social. Hess, por exemplo, nunca deduziu de
maneira apropriada seu 'comunismo do amor' do curso atual da história
moderna. Marx, ao contrário, parece haver compreendido logo a
necessidade de um levantamento do processo. Tinha só dezenove anos
de idade quando disse ao pai, num balanço do seu primeiro ano de
estudos em Berlim, que a leitura de Hegel lhe tinha ensinado a ir além
da simples oposição entre o ser e o dever ser. Na opinião de Hegel, tal
oposição - a divisão kantiana entre sein e sollen - apenas espelhava a
impotência do Espírito (die Ohnmacht des Geistes). Em consequência,
convicto, como era, do poder do Espírito, passou a vida mostrando que a
divisão sein/sollen era superada na história. Da mesma forma, para
Marx o maior erro consistia em conceber a revolução como um dever ou
um ideal - quando se trata de uma tendência, uma força histórica
inevitável. Nas palavras de A ideologia alemã: "o comunismo não é...
um ideal ao qual a realidade deva ajustar-se. Chamamos comunismo ao
movimento real que abole o atual estado de coisas." Não admira que
Marx tivesse amadurecido esposando da maneira tão natural o
determinismo econômico. Com a fôrma hegeliana do seu pensamento,
isso lhe era muito fácil. É forçoso concordar com Iring Fetscher: "em
termos filosóficos, Marx não se desviou de Hegel, mas apenas deu uma
inflexão pragmática e revolucionária ao seu pensamento." [21] Segundo a
feliz observação de Ferdinand Lassalle, Marx foi ao mesmo tempo um
Ricardo socialista e um Hegel feito economista (Lassalle a Marx, 12 de
maio de 1851).

Como economista hegeliano, Marx levava uma grande vantagem e


uma desvantagem muito séria com relação à teoria do processo do
próprio Hegel. A vantagem era de caráter cognitivo. Seu nome era
materialismo histórico, e sua melhor, mais clássica, formulação, o
Prefácio à Contribuição à crítica da economia política (1859): "não é a
consciência dos homens que determina seu ser, mas, ao contrário, seu
ser social que determina a sua consciência." Isso representa um avanço
no conhecimento por oferecer, ao contrário da fábula hegeliana do
Espírito em expansão, uma hipótese causal de, no mínimo, genuíno
poder heurístico. A 'estrutura econômica da sociedade' (os 'modos de
produção') como 'fundamento real' subjacente a uma 'superestrutura
legal e política' com 'forças de consciência social' correspondentes para
continuar citando a famosa terminologia do aludido Prefácio - fornece
ao historiador e ao cientista social um fio condutor para traçar
correlações altamente significativas que revelam um conjunto de fatores
fadados a ter um papel nas condições, necessárias senão suficientes,
para o funcionamento e mudança de sociedades. Não é preciso dizer que
nem Marx, nem Engels nem Plekhanov jamais pensaram no
materialismo histórico em termos não-seletivos, i.e., nenhum deles
jamais sonhou com uma chave pré-fabricada que explicasse tudo na
história, em vez de responder apenas pelas grandes alterações da
macroistória. Mesmo numa escala mais modesta, porém, o materialismo
histórico, como busca fecunda de relações infraestruturas, tornou-se,
simplesmente, um procedimento padrão nas interpretações sociológicas
em geral. [22] Por isso, Marx deve ser considerado um dos principais
fundadores da ciência social.

Nas suas mãos, porém, o materialismo histórico não era apenas uma
busca geral de coações materiais e condições econômicas. Engels e ele o
apresentaram como uma teoria causal, no sentido mais forte da
expressão, especificando uma sequência de modos de produção que
evoluíam espontaneamente: comunismo primitivo, escravidão, modo de
produção asiático, feudalismo, capitalismo. Noutras palavras, era ao
mesmo tempo um preceito metodológico amplo e uma teoria da
evolução social. Nessa última capacidade, no entanto, a teoria marxista
estava gravemente viciada. Como admitem abertamente até os críticos
mais simpáticos, prontos a ver no sistema produtivo um poder decisivo
para moldar a macroistória, o simples fato de Marx reconhecer em
qualquer formação social concreta apenas uma encarnação imperfeita de
um modo de produção (muitas vezes misturando modos diferentes), ou
ainda o fato de que ele nunca especificou o tempo ou oportunidade do
seu principal mecanismo causal, i.e., os necessários ajustes eventuais
das relações (sociais) de produção a mudanças nas forças (técnicas) de
produção, reduziam consideravelmente a testabilidade da sua explicação
do processo histórico. [23]

Nem é preciso lembrar que o determinismo econômico também não


funcionou como esteio das famosas predições de Marx sobre a evolução
do capitalismo industrial: empobrecimento, até a penúria, da classe
trabalhadora; proletarização da sociedade e concomitante intensificação
da luta de classes; surtos revolucionários nos países desenvolvidos;
queda da taxa de lucro; colapso do sistema acarretado pela crise
(infligida por ele mesmo) do capitalismo e pela generalizada revolta das
massas exploradas. A fidelidade à sua fé historicista obrigava os
fundadores do marxismo a portar se com frequência como teimosos
profetas do Apocalipse. Assim, na esteira das revoluções de 1848, na
aurora das duas décadas de ouro de capitalismo laissez faire, as de 1850
e 1860, Marx corretamente percebeu que o novo surto de prosperidade
enfraqueceria os movimentos revolucionários. Não obstante, assim que
ocorreu a primeira crise de conjuntura, começou a anunciar
reiteradamente, o advento do Grande Dia Vermelho. Antecipou, com
grande convicção, um iminente e extenso colapso econômico, em 1851,
52, 53 e 55. Engels passou toda a década de 1850 a esperar pela eclosão
da revolução - que se seguiria ao colapso do capitalismo e iria consumá-
lo - para livrar-se do seu emprego na firma do pai, em Manchester
(emprego esse que lhe permitia, como é arquisabido, sustentar os Marx).
[24] No entanto, a 'grande Depressão’ não veio antes de 1873, e a

agitação social jamais chegou ao nível da que se vira nos hungry forties
(os anos de fome da década de 1840).

Exemplo ainda mais risível de hábeis historicista diz respeito à tese


da miserabilização. Como observou Bertrand Wolfe, na primeira edição
do v. I do Capital, escrito em 1866-7, Marx apresentava diversas
estatísticas britânicas recentes, inclusive de 1865 ou 66 - mas seus dados
sobre salários detinham-se, misteriosamente, em 1850. Na segunda
edição, atualizou as estatísticas, exceto as relativas aos salários- embora
estas, tal como da outra vez, estivessem disponíveis. O fato de que Marx
estivesse longe de ser intelectualmente desonesto faz a coisa ainda mais
extraordinária. Não admira que se sentisse autorizado a dizer à I
Internacional, no começo do seu discurso de abertura, que era "um fato
que a miséria das massas trabalhadoras não diminuíra entre 1848 e
1864". Essa determinação de ignorar estatísticas de salários era tanto
mais curiosa quanto ele mesmo costumava dizer que a sua teoria da
mais-valia significava que o trabalho continuava a ser "um sistema de
escravidão, independentemente do fato de ser o trabalhador ... mais bem
pago ou menos bem pago. [25] Seja como for, o marxismo levaria até
1892, quando Engels escreveu uma introdução à segunda edição da sua
notável obra, A condição da classe trabalhadora na Inglaterra (1845),
para admitir que, em quase meio século, tinha havido um substancial
melhora no estado material e moral dos trabalhadores britânicos.

Aqui cumpre observar duas coisas da maior relevância. Primeiro,


nenhuma das predições de Marx, muito menos sua tola insistência em
algumas delas, decorreu, de maneira necessária, do princípio
metodológico geral prescrito pelo materialismo histórico. Segundo,
além de serem ditados por preconceitos ideológicos, tais prognósticos
foram possibilitados ou, na verdade, encorajados, menos pelo próprio
historicismo do que por uma imoderada aplicação da fôrma mental
historieísta ao futuro precisamente o perigo que Hegel evitara. Em
resumo: não foi por ter uma teoria do processo - a primeira em grande
escala desde a de Hegel e de muito maior interesse cognitivo que a 'lei
dos três estágios (intelectuais)' de Comte, mais plausível, porém mais
estreita - que Marx pecou. Pecou, ao contrário, por havê-la esticado
demais.

E que dizer do núcleo do historicismo de Hegel - sua aceitação do


espírito da sociedade moderna? Vimos como foi calorosa a aprovação de
Marx ao industrialismo, e sincero seu apego ao ideal democrático. Quer
dizer que ele também, como Hegel, e ao contrário da maior parte dos
românticos, alinhava-se com a modernidade? Uma boa resposta exige o
exame da imagem marxiana do homem.

Thomas Mann disse que o socialismo estaria redimido quando, por


assim dizer, Marx tivesse lido Holdercim. [26] Dito muito espirituoso,
mas, de certo modo, supérfluo. Porque Marx, mesmo sem ter lido
Holderlin, tinha uma visão nitidamente romântica e humanista do
homem. Desde o início ele adotou o paradigma humanista do homem
completo, total; da personalidade plurifacetada não escravizada a ofício
ou profissão, senão plasmada pelo modelo heroico do Renascimento,
como no uomo universale de Leonardo da Vinci. Uma passagem muitas
vezes citada de A ideologia alemã representa a sociedade comunista
como aquele arranjo social que se livrou da divisão do trabalho e onde
ninguém tem atividade exclusiva. Tal sociedade toma possível para cada
um "fazer uma coisa hoje e outra amanhã, caçar de manhã cedo, pescar
à tarde, criar gado à noitinha, fazer crítica depois do jantar, exatamente
a seu gosto, sem jamais se tornar para tanto caçador, pescador, criador
ou crítico". Ao mesmo tempo, "a sociedade regula a produção geral" - o
que é um alívio, depois de tanta farra boêmia, e quase nenhum trabalho
no sentido convencional.

Aparentemente, para o jovem Marx, Proteu dava as mãos a


Prometeu: o homem comunista devia ser uma espécie de pau-para-toda-
obra, brincalhão, mas altamente produtivo. Ideal muito próximo da
romântica rejeição da ética do trabalho e da sua ênfase ascética nos
estritos deveres da vocação de cada um - um Leitmotiv no pensamento
moral alemão, de Lutero aos Anos da peregrinação de Wilhelm Meister
(1821) de Goethe. Mas não ia nisso menosprezo pelo homo faber -
donde o nosso estranho par, Proteu e Prometeu. No entanto, esse espírito
alegre e descuidoso não sobreviveu à juventude de Marx. Nos
Grundrisse (1858-9), seu longo rascunho do que acabaria entrando no O
capital, o 'indivíduo universal' é saliente. Mas agora o trabalho já não é
um meio de liberdade pessoal. Significativamente, Marx censurou
Fourier por sua visão demasiado leviana do trabalho como diversão. [27]
O trabalho é essencial à autocriação humanidade - mas, para o
indivíduo, mas, para o indivíduo a liberdade começa com a 'economia
de tempo', prometida pelo progresso da automação.

Os Grundrisse são um marco, um momento crucial, do pensamento


de Marx. Com eles, o foco da crítica marxiana se volta, pela primeira
vez, da economia política para a produção. Introduz-se a alegação de
que é que é explorado pelo capital é a força de trabalho do operário não
apenas seu trabalho. Isto preparou caminho para a teoria da mais-valia.
Mas enquanto fazia as análises preparatórias para o que seria, mais
tarde, O capital, ainda mais conforme ao velho prometeísmo de Marx,
com todo o seu encomium do homo faber, sob outros aspectos a sua veia
romântica continuava a mesma: por exemplo, na sua perene aversão a
dinheiro, mercadoria, e divisão do trabalho.

Até o fim, Marx foi hostil à "forma-mercadoria". No Capital, a


seção sobre o 'fetichismo da mercadoria' (v. 1 c. 1, 4) contém a obra-
prima da sua crítica do capitalismo - e se tornaria a bíblia do marxismo
ocidental no seu preito ao fundador. A Crítica do programa de Gotha
(1875) estipulava a supressão da moeda, substituída por 'certificados de
trabalho', os quais permitiriam a cada um receber, para seu consumo, o
equivalente ao que contribuíra para a produção social. Finalmente, os
Grundrisse mostram, até, um grão de nostalgia diante da 'beleza e
grandeza' da 'interconexão espontânea' existente antes da divisão do
trabalho. [28]

Embora a passagem tivesse sido eliminada, mais tarde, na Crítica


da economia política, presumivelmente para evitar uma impressão
passadista, [29] o simples fato de que tenha sido escrita basta para trair a
extensão da romântica má vontade de Marx para com a economia de
mercado, fundamento institucional da idade moderna. Joseph
Schumpeter viu nele o último dos escolásticos, sempre obcecado com a
ideia da mais-valia e com a quimera da 'economia natural'. Assim, o
mesmo pensador que exaltava os benefícios do industrialismo e do
progresso tecnológico, e ridicularizava "a idiotice da vida rural",
também alimentava sentimentos de antipatia para com a natureza da
economia moderna como tal - e isso independentemente de qualquer
objeção quanto à sua estrutura social capitalista. Como disse um dos
melhores críticos do marxismo: "segundo Marx, a fonte de todos os
males da humanidade jaz na forma mercadoria, mais radicalmente do
que na propriedade privada, a qual, ao que parece, não é senão a
condição social para a existência das mercadorias. . . Em última análise,
é a própria categoria do econômico que deve ser abolida." [30]

Por esse motivo Marx censurou Proudhon, o antiburguês que, não


obstante, queria preservar, na sua utopia anarquista, todos os conceitos e
instituições da economia capitalista, desde a troca e a competição até o
crédito, os juros, as taxas, os salários, os preços e os lucros. A crítica
marxiana de Proudhon mostra que Aron estava certo: para Marx, a
economia como tal era uma calamidade. Um sem-número de vezes, ele
mostrou uma repugnância quase carlyliana pelo cash nexus como se a
economia moderna pudesse funcionar sem a agilidade que lhe dão os
sistemas abstratos de valor.

Do lado econômico, há, portanto, motivos para dizer que Marx


abominava parte do que constitui a essência da sociedade moderna. Mas
que dizer da sua atitude ante a modernidade, do ponto de vista político?
Politicamente, o que era 'moderno', ao tempo de Marx, era a ascensão da
democracia, a expansão dos direitos humanos, o crescimento do
nacionalismo. Embora Marx certamente se considerasse um democrata,
sua posição no que diz respeito aos direitos humanos e às instituições
políticas livres era menos que satisfatória. É verdade que costumava
criticar as seitas radicais, desde os proudhonianos e os 'comunistas
verdadeiros' de Hess até os lassalianos e os anarquistas de Bakunin, por
sua oposição impenitente aos movimentos liberais. No entanto, a
posição do próprio Marx não era de nenhum modo ditada pelo amor aos
princípios liberais, mas apenas por sua convicção, largamente errônea,
de que só o liberalismo político permitia a plena expansão do
capitalismo, do mesmo modo como só a plenitude do regime capitalista,
fazendo total a alienação, engendraria, como reação necessária, a
emancipação revolucionária das massas.

Resumindo: a política de Marx evidencia pelo menos três


tendências iliberais. Primeiro, no que concerne à economia, incorporava
muito do argumento tecnocrático de Saint-Simon. Acresce que, -
embora supusesse, no v. I de O capital, que produção e distribuição
numa sociedade pós-capitalista seriam planejadas, mas espontaneamente
reguladas por uma associação de homens livres, nos volumes II e III ele
reconheceu que a supervisão da produção por escrituração mercantil
seria “ainda mais necessária" que no capitalismo. [31] Engels reforçaria
essa maneira de pensar, acentuando que uma indústria eficiente exige
um grau quase militar de controle - opinião refletida na admiração de
Lenin ou Trotsky pelo taylorismo.

Segundo, no campo político propriamente dito, as ideias de Marx


conservaram certo número de elementos perturbadoramente autoritários.
Como Saint-Simon, Marx acreditava firmemente que, numa sociedade
racional, não haveria necessidade de governar as pessoas, mas só de
administrar as coisas. Mal se introduz a 'organização' (uma típica
palavra saint-simoniana), diz a Introdução à Crítica da filosofia do
direito de Hegel, "o socialismo joga fora o seu casco político". A noção
de que, sob o comunismo, o Estado perecerá ainda faz com que muita
gente pense num parentesco fundamental do marxismo de Marx com o
anarquismo. Lenin escreveu, em Estado e revolução (1917), que os
comentários de Marx sobre a Comuna de Paris implicavam uma visão
do Estado noventa por cento anarquista.

Na verdade, Marx rechaçou o anarquismo em termos nada


ambíguos, como comprovam suas polêmicas com Stirner, Proudhon e
Bakunin; [32] e certamente não se alinhou com os anarquistas para pedir
a supressão completa do estado. Como Avineri observou, enquanto, para
o anarquismo, a abolição do estado era um ato político violento, para
Marx ela era a consequência final de um prolongado processo de
transformações sociais e econômicas, "introduzidas e sustentadas pelo
poder político". [33] Foi precisamente essa dimensão temporal que ficou
sublinhada na celebrada esperança marxista de que o estado 'definhasse'.
Mas o ponto é que o poder do estado seria sempre necessário para
alcançar fins universais - uma concepção de nítida origem hegeliana e
completamente em desarmonia com a opinião liberal do tempo, ou, vá
de si, com a opinião, anarquista. Afinal de contas, foi o próprio Marx
quem incluiu (numa carta a Weydemeyer, de 1852) o conceito de
ditadura do proletariado entre suas contribuições pessoais ao
pensamento radical.

A ditadura do proletariado de Marx - será preciso dizê-lo? -


constituiria tão-só um instrumento temporário. Kautsky tinha
provavelmente razão (contra Lenin) ao dizer que seu conteúdo era
eminentemente social e não propriamente político. Uns poucos
marxólogos como Maximilien Rubel, insistem em que, enquanto a ideia
de um Marx partidário do estatismo não passa de uma 'lenda'
bakuninista ou marxista-leninista, o verdadeiro Marx deveria ser visto
como um teórico do anarquismo. Acontece que nenhum anarquista
jamais sequer brincou com qualquer coisa semelhante à ditadura do
proletariado. Sem dúvida, Bakunin, que acusou Marx de propor um
'comunismo de estado' repressivo, foi suficientemente tolo para
imaginar uma sociedade modelo tão drasticamente espartana que deu a
Marx a oportunidade de retribuir o cumprimento (nas suas notas sobre
Estatismo e anarquia, de Bakunin), atribuindo ao prócer anarquista um
futuro, e horripilante, 'comunismo de caserna'. Todavia, se concedermos
que a forma da revolução é, em si mesma, a matriz política da sociedade
pós-capitalista, então a acusação de Bakunin não era sem fundamento.
Porque existe, de fato, um comunismo de estado cm potencial na
malfadada ideia de uma ditadura 'proletária'.

Em terceiro lugar, Marx definiu a liberdade comunista de modo a


fazer vista grossa em relação aos direitos civis e instituições livres -
para não dizer desprezá-los. Direitos esses e instituições livres sem as
quais o mundo moderno não conheceria nenhuma liberdade política.
Desde sua crítica da Filosofia do direito de Hegel, Marx rejeitou o
princípio da separação dos poderes e a noção de direitos individuais.
Essa última ele desmascarou, em "Sobre a questão judaica", como
simples folha de parreira ideológica da dominação burguesa.
Evidentemente, Marx se permitiu cometer o que Bobbio chamou de
'falácia genética': pois mesmo que os direitos do homem e do cidadão
tenham sido, originariamente, um interesse burguês, não se segue daí
que devessem permanecer úteis apenas à burguesia - como, na verdade,
o movimento operário, ainda em vida de Marx, iria confirmar,
especialmente depois que a defesa dos interesses dos trabalhadores na
Grã-Bretanha recebeu tamanho impulso com a extensão do sufrágio em
1867.
Acima de tudo, Marx não estava filosoficamente preparado para
pensar no comunismo como uma superação moral do capitalismo, como
aquele 'individualismo social' que Proudhon almejava, e que não
perderia nada das conquistas liberais. Para começo de conversa, sua
ideia de liberdade não o ajudava a ver a razão de ser dos direitos
individuais. Sua ênfase estava na liberdade concebida como um poder
de autorrealização, de auto atualização da essência humana, não como
uma série de franquias ou uma busca de desideratas individuais, no
âmbito de uma ampla esfera de comportamento permissível. [34]
Exatamente o mesmo problema aparece em Hegel (v. p. 47-51) e, como
vimos, o resultado de semelhante posição não é benéfico para a
verdadeira política da liberdade. Mas em Hegel, pelo menos, as
ambiguidades do conceito de liberdade não são derrogatórias de um
robusto reconhecimento do valor social da individualidade. Seria difícil,
porém, dizer algo da mesma natureza no caso de Marx. Hegel - como
Marx - não partilhava do profundo respeito kantiano pela pessoa como
um fim em si. Mas ao menos, conforme acentuamos, compreendeu que a
história moderna representa um crescimento sem precedentes - e bem-
vindo - da individualidade. Em Marx esse último elemento jamais gozou
de preeminência comparável. Seu indivíduo livre é mais um exemplar
da espécie que uma personalidade singular. Como poderia o espírito,
senão a letra, da sua política deixar de refletir essa lacuna? Difícil seria,
por isso, discordar de Andrzej Walicki: para Marx, a suprema
legitimação de uma ordem política e social vinha da lógica da história,
não da vontade do povo. [35] E, ao contrário de Hegel, sua versão da
lógica da história não deixava propriamente grande espaço à afirmação
individual. Em conjunto, parece difícil evitar a conclusão de que as
sugestões de Marx sobre poder, liberdade e controle no comunismo,
embora decerto não tivessem a intenção de escorar a tirania, incluíam
muita coisa facilmente usável pelos que construíram tiranias em seu
nome.

O marxismo clássico - a mais poderosa tentativa até aqui de


combinar uma teoria não-idealista do processo histórico com uma crítica
social global - constitui um impressionante corpo de doutrina cujo
núcleo contém falhas bastante graves. Como sabemos todos, desde Karl
Marx e o fechamento do seu sistema (1896), de Eugen Bohm-Bawerk
(1851-1914), a ideia de que o lucro capitalista provém de uma mais-
valia do trabalho não foi refutada - pois simplesmente não pode ser
refutada: a teoria é impossível de testar, não tem apoio em fenômenos
empíricos, assim como não o têm as inglórias tentativas de Marx de
deduzir a estrutura dos preços do nível da mais-valia (o chamado
problema da 'transformação' em O capital, v. III). Não admira que os
marxistas modernos se tenham disposto a deitar fora esse lastro.

Piero Sraffa (1898-1983) lhes ensinou a determinar a taxa de lucro e


o preço relativo das mercadorias por meio de hipóteses que nada devem
a uma troca de mercadorias regida pela quantidade de trabalho nelas
incorporado. Joan Robinson (1903-83) advertiu que a taxa de
exploração depende mais do poder de barganha dos trabalhadores que da
taxa de lucro e da relação capital/trabalho [36] Georg Lichtheim, na sua
obra Marxismo - um estudo histórico e crítico (1961) diz que não é
necessária uma tese da mais-valia para explicar a exploração. Essa
ocorre sempre que há monopolização dos ganhos decorrentes do
emprego do capital - quer o ganho seja atribuível ao trabalho ou a todos
os fatores da produção. Marx admitiu outro tanto ao dar lugar de tal
relevo à propriedade dos meios de produção. Essa consideração foi
examinada com grande rigor analítico por John Roemer em A General
Theory of Exploitation and Class (1982), em que ele conclui que "a
teoria do valor-trabalho é irrelevante como teoria do preço, mas está
igualmente ultrapassada no seu papel como teoria da exploração". [37]

Marx moldou sua classe em ascensão, o proletariado, pela


burguesia. Assim como a burguesia tinha crescido no ventre da
sociedade feudal, da mesma forma o proletariado cresceria do
capitalismo. Cada modo de produção a caminho da extinção gerava seu
sucessor como um filho de suas próprias contradições. No entanto, em
termos históricos mais empíricos, a analogia dificilmente se mantém. A
burguesia em ascensão. além de ser uma nova classe, era uma elite
econômica, criadora de novas forças e relações de produção. O
proletariado, por seu lado, nunca foi disso. Essencial ao industrialismo,
como tem sido, não constitui uma elite técnica ou gerencial urdindo uma
nova forma ele organização econômica. (Elites técnicas na moderna
produção podem considerar-se - e se têm considerado - exploradas; mas
o ponto é irrelevante, uma vez que, obviamente, elas não correspondem
à definição marxiana de uma forma de trabalho explorável. O falecido
Raymond Aron pensava que a falta de fundamento histórico da noção
marxiana do papel do proletariado fora o motivo secreto pelo qual o
marxismo se vira forçado a conceber um partido revolucionário como
um ersatz inconfessado do proletariado, que, em teoria, tal partido
deveria apenas expressar e representar.

Ao fim e ao cabo, o marxismo clássico equivocou-se quanto ao seu


próprio papel histórico. Viu-se como o produto de um contexto burguês
e proletário - revolucionário - o Ocidente em processo de
industrialização dos tempos vitorianos. Historicamente, porém, a classe
revolucionária decisiva na 'idade da revolução' no Ocidente (para tomar
de empréstimo a expressão de Eric Hobsbawm) não foi o proletariado
urbano, ainda muito ralo na maior parte da Europa, mas o campesinato,
cujos levantes derrubaram a sociedade do ancien régime na Revolução
Francesa e incendiaram a Europa na primavera de 1848. Não há dúvida
que as revoluções foram sempre iniciadas por estratos urbanos - mas só
tiveram êxito ou, simplesmente, prosseguiram, quando os camponeses
lhes engrossaram as fileiras. [38] Resumindo: quando a Europa era, de
fato, revolucionária, o proletariado tinha pouca importância; e quando o
proletariado se tornou uma classe poderosa, a Europa deixou de ser
revolucionária. Talvez a revolução social que o europeu Karl Marx pôs
no futuro próximo pertencesse, na realidade histórica, à infância do
capitalismo industrial. A ironia é que tão logo o capitalismo chegou à
maioridade, a classe trabalhadora rapidamente ganhou tais vitórias,
superando bem depressa a sua primitiva penúria econômica e cultural; e
em parte conseguiu fazê-lo exatamente por haver sido equipada, pelo
marxismo, com uma ideologia que a tomava, como da classe, coesa e
aguerrida.
Referi-me ao europeu em Marx de caso pensado. Em nosso próprio
século, a verdade sociológica do marxismo político desmentiu as
crenças do marxismo teórico em mais de um sentido. Corno Ernest
Gellner observou, o comunismo, longe de ser, como ele próprio
acreditava, uma solução para os males do industrialismo, acabou por
fornecer um potente veículo à industrialização forçada e à acumulação
primitiva - o violento processo tão bem descrito por Marx nos capítulos
26 a 28 de O capital, v. I. Quer dizer: o marxismo faz, sob alguns
regimes nacionalistas ansiosos por construir uma industrialização
imitativa, o que, no passado, a ética protestante e seus equivalentes
fizeram por um capitalismo endógeno e espontâneo.

Entretanto, hoje em dia, o marxismo não é apenas um credo


reacendido, de tempos em tempos, em ex-colônias não-industriais, pelo
sentimento nacionalista de elites ex-colônias modernizadoras. E:
também, no seio do mundo industrialmente avançado, o idioma
ideológico favorito de uma intelligentsia em profundo desacordo com a
civilização moderna. E o marxismo ocidental é a forma principal dessa
linguagem ideológica. Tratemos agora de descrever seu surgimento na
esteira da Revolução Russa e seu impacto entre os intelectuais do
Ocidente.
II
OS FUNDAMENTOS DO MARXISMO
OCIDENTAL

1. LUKÁCS E O 'COMUNISMO-CULTURA'

A política é apenas o meio, a cultura é o objetivo.


─ Lukács, 1919

Segundo uma das reminiscências de Karl Jaspers, na Heidelberg de


antes da guerra, quando se perguntava às pessoas "Quais os nomes dos
quatro evangelistas?", a resposta correta era: "Mateus, Marcos, Lukács e
Bloch." [1] O jovem Lukács e o jovem Bloch, fundadores do marxismo
ocidental, ardiam de febre messiânica por aquele tempo. E, todavia,
nenhum dos dois era - ainda - marxista. A história da sua conversão é
profundamente reveladora da natureza do marxismo ocidental.

Por que começar com Lukács? Porque se o 'retorno a Hegel' e um


alto conteúdo 'cultural' são, indubitavelmente, traços característicos do
marxismo ocidental no seu modelo de origem, então ninguém fez mais
pela sua criação que o húngaro Georg von Lukács (1885-1971), o qual,
tendo dito que era impossível filosofar na sua língua nativa, escreveu
quase todos os seus livros principais em alemão e chegou a ser
conhecido como Georg Lukács.
Nascido em Budapeste, na família de um banqueiro judeu
nobilitado pelos Habsburgos, Lukács desenvolveu desde cedo uma
sensível distância afetiva em relação a seu generoso pai, um self-mede
man. Em compensação, seu relacionamento com sua indiferente mãe era
positivamente glacial. Ao ir para Berlim (1906), a fim de estudar
filosofia, o moço Lukács já mostrava bem pouca simpatia pela cultura
húngara oficial. Afastara-se também daquela mentalidade secular e
liberal na qual os judeus magiares tinham tido tão grande papel em seu
país, desde a revolução de 1848 e o estabelecimento da monarquia dual
em 1867.."[2] Nos anos que levaram à I Guerra Mundial, a pax liberalis,
alcançada quando o longo reinado de Franz Josef ia em meio, era
contestada de maneira crescente, e o antissemitismo vicejou por todo o
império. Mas o jovem Lukács pouco se interessava pela sorte do
progressismo burguês com sua cultura 'filistina’ - inclusive a
socialdemocracia centro-europeia.

Seu primeiro livro, uma volumosa História do desenvolvimento do


drama moderno."[3] (1911), teorizava sobre os personagens solitários de
Hebbel e lbsen, contrastando a natureza atomista da sociedade burguesa
com o mundo social orgânico da Grécia antiga, berço da tragédia
clássica. Os dois volumes dessa obra contêm percepções
verdadeiramente pioneiras. Por exemplo: Lukács relaciona argutamente
o florescimento do drama clássico com o sentimento de decadência
histórica por parte das classes sociais, sem, todavia, reduzir a qualidade
estética à base social. Assim, atribui a ausência de verdadeira tragédia
nas peças, aliás belíssimas, de Goethe ou Schiller, ao fato de seus
autores terem vivido num período de ascensão da burguesia.

Como deixou perfeitamente claro nas suas penetrantes "Notas para


uma teoria da história literária" (1910), Lukács queria seguir as
pegadas de Vivência e poesia (1905), de Dilthey, lendo obras individuais
contra o pano de fundo do seu Zeigeist. Ao fazê-lo, Lukács procurou
concentrar-se mais na forma que no conteúdo. Sendo intrinsecamente
histórico, o conteúdo acabaria incompreensível para os leitores de outras
idades. Já a forma, expressando padrões gerais da alma humana, gozava
de um status eterno, intemporal. As tragédias de Eurípides, dizia
Lukács, são menos vivas que Édipo rei ou Antígona precisamente
porque, em sua própria época, eram muito mais tópicas, muito mais
ricas em conteúdo. O que não significa que, como objeto da história
literária, a forma não esteja aberta a uma interpretação histórico-
sociológica. Muito pelo contrário: "Sendo a forma o que é
verdadeiramente social em literatura, na comunicação humana através
das idades, a análise estética seguramente se enriquece com uma
abordagem sociológica.

A abordagem sociológica do próprio Lukács muito deve à Filosofia


do dinheiro (1900) de Georg Simmel (1858-1918), sobretudo em sua
ênfase na impotência do indivíduo na sociedade moderna, no entanto
essencialmente individualista..."[4] Em 1909-10, enquanto assistia às
aulas que Simmel dava em sua casa de Berlim (uma vez que, como
judeu, a cátedra lhe era vedada), Lukács conheceu Ernst Bloch. Dez
anos mais velho que ele, Bloch, desvairadamente utópico, convenceu-o
de que "era ainda possível filosofar à maneira de Aristóteles e de
Hegel". Um ano mais tarde, vemos Lukács, juntamente com um crítico
modernista, Lajos Fülep (e com a ajuda financeira do filisteu Lukács
pere), fundando um jornal abertamente metafísico, A Szellem (Espírito),
devotado a questões pertinentes 'à essência da cultura'.." [5] Essa
essência, ele a definia, num ensaio de 1910, "Cultura estética" , como o
'sentido da vida'. Na verdade, a culturologia de Lukács tinha, desde o
começo, as mais tensas e intensas conotações existenciais.

Os ensaios por ele reunidos em A alma e as formas (1910; ed.


alemã, 1911) procediam todos, entretanto, de uma revista artística nada
filosófica, Nyugat (Oeste), a cujo tom cosmopolita A Szellem se
propusera reagir. A alma e as formas discutem alguns grandes autores
(Sterne, Novalis, Kierkegaard, Stefan George) em companhia de figuras
menores (Theodor Storm, Charles Louis Philippe, Rudolf Kassner, Paul
Ernst). O livro inteiro é percorrido por uma resoluta antítese entre a
'vida' - equiparada a mil relações contingentes e caracterizada pela falta
de autenticidade - e a' alma', fonte de altas escolhas existenciais,
tentando impor sentido à mera felicidade da simples existência. 'Forma',
por sua vez, significa a marca estética de tais significados enquanto
opções existenciais, de modo que as obras literárias se tornam símbolos
de gestos morais. A forma junta os fragmentos da vida em estruturas de
significado moral (Sinngebilde).

A posição de Lukács em matéria de arte estava, então, a


considerável distância do naturalismo (espelho de fatos contingentes),
do impressionismo (transcrição de superfícies psicológicas ou
trepidações interiores sem alvo definido), e do simbolismo (a principal
poética do esteticismo 'decadente'). Além disso, esse tandem alma-e-
forma estava em total desacorda com o pensamento vitalista (a
Lebensphilosophie de Dilthey e Simmel); pois a alma', enquanto
experiência vivida (Erlebnis), não era absolutamente uma rendição ao
fluxo da vida (interior). Na 'alma' o eu manifesto uma fibra moral
normalmente ausente do conceito principal dos vitalistas. Ausente, por
exemplo, daquela 'impressionabilidade ilimitada', que Simmel discernia
na sensibilidade moderna.

Já em outros pontos os ensaios de Lukács refletem alguns 'motivos'


decadentes, na sua fascinação pela morte, por exemplo, tão evocatória
da cultura vienense da belle époque, de Mahler e Klimt a Schnitzler e
Hofmannsthal (de qualquer modo, o mundo de Lukács já era
ligeiramente tanatofílico, e disso dá prova a Estética da morte (1907) do
seu velho amigo Bela Balázs, outro freqüentador do seminário de
Simmel sobre a teoria da cultura).

Significativamente, Lukács tinha em alta conta um decadente


histérico como Otto Weininger (1880-1903), o rábido e misógino judeu
antissemita, que criou tamanha celeuma com a delirante pseudociência
do seu Raça e caráter (1903).

O eticismo kierkegaardiano de Lukács unia dois eixos conceituais.


O primeiro era a ‘metafísica da tragédia'. Os conflitos trágicos põem a
nu o âmago da "alma". Lukács considerava Novalis o maior dos
românticos porque, além de expressar tamanho desejo de comunidade,
sua arte penetrava e aprofundava a significação da morte. O ensaio
sobre Paul Ernst, antigo socialista que chegou a abraçar uma visão
trágica da vida, contém todo o espírito de A alma e as formas - embora
o ensaio sobre Theodor Storm mitigue consideravelmente a rigidez da
trágica perspectiva do autor, e o ensaio sobre Sterne; um diálogo cheio
de vivacidade, represente uma espécie de beliscão irônico no
puritanismo latente da mística alma-e-forma.

O segundo eixo é o conceito do 'ensaio como forma', exposto na


longa carta a Leo Popper (o amigo mais íntimo de Lukács), que serve de
prefácio ao livro. O verdadeiro ensaísmo enfrenta temas existenciais
embora pretenda lidar apenas com obras de arte, i.e., criaturas da nossa
imaginação. Numa cultura sem tragédias (e aqui Lukács prenuncia o
tema de George Steiner em A morte da tragédia, de 1961). cabe a
grandes ensaístas como Schopenhauer, Kierkegaard ou Nietzsche
renovar o sentido trágico da vida. Mais geralmente, porém, o ensaio é a
arma do crítico. A crítica descobre o 'elemento fatal', o conteúdo-alma
das formas. Na crítica, a forma se torna a voz com a qual candentes
questões existenciais são tratadas, ecoando as vitórias de Pirro da 'alma'
sobre a 'vida'.

Poucos meses depois da publicação de A alma e as formas, o


primeiro amor de Lukács, a sensível artista Irma Seidler, suicidou-se
saltando de uma ponte sobre o Danúbio. Lukács fora apresentado a lrma
por Leo Popper no salon de Mme Polanyi (mãe do economista Karl e do
filósofo Michael), em Budapeste, em 1907. Mas ele preferiu ser um
Kierkegaard para a sua própria Regine Olsen, e evitou o casamento
alegando que a tarefa da "compreensão" era incompatível com uma vida
conjugal normal. O suicídio de Irma foi, com toda a probabilidade,
provocado pelo fim de um affaire com Bela Balázs. Mas o nosso
pensador, que nutrira ele também ideias suicidas, ficou profundamente
chocado. Dedicou a edição alemã de A alma e as formas à sua memória.
Em seguida, num comovente ensaio, "Sobre a pobreza de espírito"
(1911), pôs o 'dom da bondade' que encontrara em Irma muito acima de
todas as éticas do dever, Graça acima de todas as formas, a 'pobreza de
espírito' é o que brilha no príncipe Myshkin ou em Alyosha Karamazov.
Sugestivamente, a esse tempo, Lukács andava lendo os textos místicos
de Martin Buber em louvor da humildade. O revival hassidista de Buber
mostrava que os judeus não eram - ao contrário dos clichês do
antissemitismo - a corporificação do moderno racionalismo, com seu
repugnante ethos utilitário.

Em 1912, Lukács foi estudar em Heidelberg com o "culturólogo"


neokantiano Heinrich Rickert. Lá ele impressionou o casal Max Weber
com seu temperamento místico, em desacordo com o culto de l'art pour
l'art do ‘Georgekreis', o sofisticado círculo reunido em tomo do
carismático poeta simbolista Stefan George. Em Heidelberg, entre 1912
e 1914, Lukács redigiu sua primeira estética, publicada
postumamente como Heidelberger Philosophie der Kunst,." [6] e se
entusiasmou por uma russa neurótica, com veleidades de pintora, Ljena
Grabenko. Lukács e Ljena se casaram pouco antes de rebentar a guerra.
Para Lukács, Ljena, que fora membro da Brigada Terrorista do Partido
Socialista Revolucionário Russo, e passara algum tempo nas masmorras
do czar, encarnava um socialismo furiosamente messiânico, baseado no
sacrifício pessoal. Porém, por volta de 1916, o casamento já se tornara
em 'inferno inimaginável', segundo Balázs. Pois Ljena achou de montar
um ménage à trais com um mal-humorado pianista vienense, cujos
acessos de violência física forçaram-na a chamar - sem resultado - um
psiquiatra - um certo Karl Jaspers. Quanto a Lukács, que tudo suportava
com estoicismo, foi aconselhado por Max Weber a completar seu estudo
sistemático sobre estética, a fim de habilitar-se como filósofo
universitário sob a supervisão de Rickert. De modo que o ensaísta, então
com trinta e um anos de idade, voltou à mesa de trabalho, e, em meio a
todo o inferno do seu lar, compôs imperturbavelmente um novo e longo
texto, a Heidelberger Aesthetik.

O livro abre, em impecável estilo neokantiano, investigando


problemas de constituição, “como são possíveis as obras de arte?” -
Indaga Lukács. E a resposta que dá é muito influenciada pela obra de
um amigo e preceptor, na verdade um neokantiano rebelde: um discípulo
de Rickert chamado Emil Lask (1875-1915). Lasque insistia no
dualismo radical de valor e realidade. Lukács punha a arte numa esfera
de valor (Wertsphiire) nitidamente ‘entre parênteses’ (ele pedira
emprestado o famoso termo de Husserl) com relação ao mundo real. A
obra de arte era “uma totalidade independente, perfeita e
autossuficiente". Em consequência, a teoria da arte deveria ser
'imanente', i.e., orientada para a obra de arte'.

Fiel à ideia predileta de Leo Popper, Lukács localizou o cerne do


sentido estético na própria obra de arte, não na intenção do artista. No
entanto, Popper, um modernista, que fazia questão de pôr Cézanne
acima de Monet, e Maillol acima de Rodin, exaltara a 'forma' num
sentido formalista não muito afastado do hino à 'forma significativa' de
Clive Bell (Art, 1913) a do panegírico da estrutura e da pureza formal de
Roger Fry (Vision and Design, 1920). Menos enfronhado nas artes
visuais, Lukács ficou mais próximo de Lask na sua preocupação
obsedante com a necessidade de superar a separação kantiana entre
forma e conteúdo, e abraçou o consequente reconhecimento laskiano de
irracionalidade fundamental de todos os conteúdos. Poder-se-ia dizer
que Lukács traduziu a celebração da forma por Popper numa forma-
conteúdo de uma esfera de valor - a arte - completamente divorciada da
realidade do mundo, uma metafísica dualista, de origens neokantianas,
lhe permitia continuar contrastando 'alma e formas' com a ‘vida'
inautêntica. A Heidelberger Aesthetik preservou uma concepção da obra
de arte como um microcosmo, totalmente utópico, as exigido pela
perene insatisfação humana com a existência alienada. Assim, no seu
austero Habilitationschrift, Lukács prestou homenagem aos seus irmãos
intelectuais desaparecidos: Popper, seu alter ego do tempo de
Budapeste, e Lask, o amigo íntimo do período de Heidelberg, morto no
campo de batalha em 1915.

Em novembro de 1917, exausto por causa de sua vida com Ljena,


Lukács trocou Heidelberg por Budapeste. Mas não concebia sua partida
como definitiva, tanto que deixou uma valise cheia de papéis pessoais
no Deutsche Bank. A recuperação desse material, um ano depois da sua
morte, lançou nova luz sobre a gênese da primeira obra-prima de Lukács
- o longo ensaio intitulado A teoria do romance, publicado em húngaro
em 1916 e em alemão em 1920.." [7] Cuidadosamente reconstituídas por
dois discípulos da velhice. Ferenc Fehér e Agnes Heller, as notas
encontradas na valise de Heidelberg não deixam dúvida de que o magro
volume de 1916 era, na intenção, o primeiro capítulo de um estudo
sobre Dostoievski.

Os colegas terroristas de Ljena não eram niilistas, mas militantes


dostoievskianos. Tendo assassinado um dos principais ministros do czar,
Plehve, e o grão-duque Sergei (1904-1905), haviam agido com a
convicção de que, pela salvação dos irmãos oprimidos, o militante devia
estar disposto a sacrificar até a própria virtude. Longe de pensar que o
fim justifica os meios, a Brigada Terrorista sentia-se culpada pelos seus
atos; na sua ética místicos terroristas viam-se a si mesmos como
kamikazes morais. Lukács ficou profundamente impressionado. Como
disse a Paul Ernst, entendeu tais atitudes como prova de uma 'segunda
ética', um imperativo da alma, muito superior ao simples dever de
respeito às instituições. Afinal, ele próprio havia celebrado o cintilante
dom da bondade na 'pobreza de espírito'. Agora, essa mesma abnegação
se fazia social. Para Lukács, ela emprestava ao socialismo um fervor
moral lamentavelmente ausente da política parlamentar e da teoria
social evolucionista da II Internacional. Para que o socialismo pudesse
ser verdadeiramente redentor, suas raízes antiutilitárias e
antiindividualistas deveriam tornar-se um credo vivo e audacioso.

Que relação tinha tudo isso com a teoria do romance de Lukács? O


elo imediato é o tema da comunidade. A alma e as formas focalizaram
com simpatia o sonho de uma idade de ouro no anelo novalisiano pela
comunidade; a Teoria do romance historizava essa Gemeinschaftlust.
Com a ajuda das ideias de Hegel sobre o contraste entre o antigo expos
e a moderna ficção, Lukács convertia a história da prosa ocidental na
crônica de uma Queda. No estado anterior à Queda - a idade de Homero
- a sociedade era um todo orgânico, e a vida, consequentemente,
hospitaleira e prenhe de sentido: "o mundo é vasto e, no entanto, é ainda
um lar”, escreve Lukács. Mas logo depois a alma, tomando consciência
de sua própria essência, passa pela experiência da transcendência: com
Platão. a ideia vive exilada do mundo social.

A história moderna sofre tudo isso intensamente. Porque a


modernidade é a cultura na qual "a imanência do sentido na vida tornou-
se um problema", a era da alienação ubíqua. Essa idade da ‘falta
transcendental de um lar' é o habitat do romance.

A segunda metade do livro conta a história do romance, uma


jornada do 'mundo' para a 'mente': do foco nos acontecimentos externos
para uma obsessão posterior com a consciência. Os heróis do romance
exibem diversas espécies de reação à realidade alienada. No 'idealismo
abstrato', o eu foge ao mundo, como na revolta quixotesca descrita por
Cervantes ou por Kleist, no Michael Kohlhaas. No ‘romantismo da
desilusão' - uma frase que Lukács empregou pela primeira vez num
brilhante ensaio de juventude sobre Ibsen -, o eu desprezo o mundo e se
aquece ao sol do seu próprio ensimesmamento, como no cínico
narcisismo de Frédéric Moreau na Educação sentimental (1869), de
Flaubert. ou de novo, na resistência passiva do jovem Oblomov, de
Goncharov. Entre esses dois extremos o Bildungsroman alemão, que
culmina no segundo Wilhelm Meister, conseguiu um sábio compromisso
entre mundo e sentido. Mas as preferências de Lukács estão com os
grandes russos. Só eles conseguiram transmitir uma ‘comunidade de
sentimento' entre 'simples seres humanos' (daí ser Tolstoi o Homero
moderno); ou, alternativamente, chamar-nos a novas, místicas,
formas de fraternidade (o quiliasmo cristão de Dostoievski). Embora
Dostoievski não seja citado senão no último parágrafo da Teoria do
romance, Lukács nos convida a ver nele e em Tosto narradores utópicos,
mestres de uma "projeção para além das formas sociais. de vida" (título
do último capítulo). Essa utopia, Tolstói a persegue em vislumbres de
uma reintegração rousseauniana com a natureza e seus sábios ritmos;
Dostoievski, no sentido social do amor cristão pelo próximo.

Enquanto a trágica visão subjacente a A alma e as formas acentuava


os 'pontos altos' da existência, que levam a malogro, A teoria do
romance prefere concentrar-se na busca, pelo herói, de valor e sentido
num universo alienado - e aqui Lukács pôs o dedo numa estrutura
central em grande parte da moderna ficção. Com efeito, se o herói épico
tinha uma vida moral fácil, representando papéis tradicionais na sua
comunidade, a ficção moderna fervilha de solitários em busca de algo,
muitas vezes em luta com seu meio social. Lukács foi também perspicaz
ao ver o tempo interior como elemento de estruturação nos romances
modernos. Sua discussão do sentido lírico do passado e da memória em
Flaubert, bem como seus curtos comentários sobre o aspecto muitas
vezes fragmentário dos enredos da ficção, férteis em eventos episódicos
e personagens avulsos, frouxamente ligados, provou-se verdadeiramente
seminal para análises posteriores do gênero. Descreveu ainda, muito
bem, a posição irônica do autor onisciente, tão desligado dos seus heróis
quanto da própria sociedade em que vive. Na sua busca tácita dos
valores humanos, diz Lukács, os romancistas são os 'místicos negativos'
de uma idade sem Deus.

Em grande parte, o tom sombrio e trágico de A alma e as formas


cedeu lugar, na Teoria do romance, a um clarão utópico. Na coleção de
1910, 'alma' e 'forma' coincidiram propriamente apenas na tragédia (seja
em sua forma dramática, seja de outra maneira). No último livro há
trilhas para além dos arroubos do idealismo e do destino do romantismo
amargurado. Uma estreita senda prosaica conduz ao passado alemão: o
Bildungsroman. Outra se dirige para o país em que, segundo Lukács -
pelo simples fato de que o progresso ocidental ainda não destruiu para
sempre as raízes da comunidade -, reside uma promessa de redenção
humana. Esse país é a Rússia, a pátria de Ljena - e de Dostoievski.

Voltando a Budapeste, Lukács se viu estabelecido como ensaísta


literário. A teoria do romance tivera grande succes d'estime entre os
humanistas alemães highbrow. Do crescente desespero causado pela
carnificina sem fim de uma guerra europeia monstruosa e absurda,
Lukács parecia extrair não só um sentido prato-existencialista da
futilidade da vida como 'negócio normal,' mas também um convite
apaixonado para a sua completa, utópica, transformação. De maneira
geral, a intelligentsia húngara acolhera bem a guerra. Para a Hungria, a
Tríplice Aliança representava, antes de mais nada, a Rússia imperial - os
bárbaros opressores do país de 1849. Em 1914, Balázs, como Thomas
Mann, via o conflito como um choque entre a refinada Kultur da Europa
Central e uma civilização ocidental exausta e estéril. Como o próprio
Lukács recordaria mais tarde,[8] a atitude dos intelectuais, mesmo
quando hostis em princípio à guerra, resumia-se numa pergunta
carregada de angústia: "Quem nos salvará - no caso de uma vitória do
Ocidente - da civilização ocidental?" Era, na verdade, uma perspectiva
melancólica: 'materialismo inglês' mais decadência francesa,
industrialismo filisteu e o embuste de uma democracia de direito
humanos ... Assim, embora afastados do tradicionalismo dos grupos
conservadores, os intelectuais exibiam uma entranhada repugnância pela
modernidade no sentido sociológico - o mundo, secular e utilitário, da
ciência, da indústria e da democracia. Numa palavra: eram muito dados
à Kulturkritik. E, nesse contexto, havia lugar para o sabor ideológico da
anatomia do romance de Lukács - independentemente de seus reais
méritos analíticos.

Não há dúvida de que a Hungria, entre o meio da guerra e o


interlúdio vermelho de 1919 (o governo Bela Kun), fez grandes
contribuições à vaga neoidealista que varreu a alta cultura europeia nos
últimos estertores da belle époque. Num estudo bem documentado, O
jovem Lukács, Lee Congdon fez a crônica desse movimento de 'cultura
revolucionária', que terminou com a conversão ao marxismo de algumas
das suas principais figuras. Ao fim de 1916, alguns meses depois de
servir brevemente na censura postal do exército, Lukács e Balázs,
desmobilizados, começaram a reunir um ‘Círculo de Domingo' no
apartamento do teatrólogo, em Buda. Entre os habitués do círculo
estavam cabeças brilhantes como Karl Mannheim, futuro criador da
sociologia do conhecimento, e os historiadores da arte, Frederic Antal,
Arnold Hauser e Charles de Tolnay; os compositores Zoltan Kodály e
Bela Bartók, o filósofo Michael Polanyi e o economista Eugene Varga
eram figuras frequentes. Em 1917, formou-se uma Escola Livre de
Ciências Humanísticas, que oferecia seminários e conferências, tudo no
intuito declarado de combater o positivismo. o naturalismo e o
materialismo em todas as suas formas.
Mas todo esse afã cultural permanecia apolítico. Nas suas primeiras
reuniões de 1918. o Círculo de Domingo e· a Sociedade Sociológica
debateram o parentesco do 'idealismo progressista' com a política
radical, tal como apresentado por dois filósofos, Bela Fogarasi e Lukács.

Uma preocupação central desses idealistas radicais era a ética.


Valendo-se da Metafísica da moral, de Kant, para evitar o formalismo
ético da Crítica da razão prática, Lukács acentuava a noção kantiana de
virtude como 'perfeição interior'. Valia-se também da distinção de Kant
entre deveres legais 'externos’, de natureza essencialmente instrumental,
e a legislação 'interna', de normas impostas pelo próprio eu e ditadas por
mais altos motivos, para fundamentar o que Weber (certamente
impressionado pelo exemplo de Lukács) logo chamaria 'ética de
convicção' (Gesinnungsethik).[9]

Entre os simpatizantes da Escola Livre estava o diretor da


Biblioteca Municipal de Budapeste, Ervin Szabó (1877-1918).
Considerado o pai do marxismo húngaro, embora tendesse para o
anarcossindicalismo, Szabó encabeçava a ala antiguerra da
intelligentsia. Foi ele quem familiarizou Lukács com a obra de Sorel.
Como ardoroso partidário do socialismo ético, cheio de desprezo pelo
estado e por barganhas políticas, Sorel interessou Lukács, que tinha as
mesmas inclinações. E, como muitos sofreia-nos, Lukács interpretou as
ideias do autor de Reflexões sobre a violência (1908) e das Ilusões do
progresso (1908) numa veia distintamente irracionalista.[10] Mas por
esse motivo a mensagem de Sorel, junto com o pathos da Kulturkritik e
a superestimação da 'ética de convicção', deu a Lukács uma mentalidade
nada impermeável ao espírito do revolucionismo quiliástico.
Acrescente-se a isso a intensidade da sua ânsia dostoievskiana por
epifanias de fraternidade em cenários apocalíticos, e fica fácil entender
por que lhe pareceu tão tentadora a 'Luz de Outubro' - a imensa
esperança moral despertada pela Revolução Russa.

De começo, porém, Lukács ficou confuso. Quando o jornal radical


Livre Pensamento decidiu abordar a questão do bolchevismo, duas
semanas apenas depois da formação do Partido Comunista Húngaro
(novembro de 1918), Lukács ofereceu sua contribuição: um artigo
intitulado "O bolchevismo como problema moral". O bolchevismo, dizia
ele, acreditava que o poder do proletariado poria fim a todas as formas
sociais de opressão. Isso, todavia, era um puro ato de fé, pois nada podia
garantir que o bem saísse do mal, a harmonia da violência, e a bem-
aventurança de uma sociedade sem classes do barbarismo do terror
revolucionário. Em consequência, e como problema moral, o regime
bolchevique propunha um 'dilema insolúvel'. Não obstante, poucas
semanas depois de ter esse artigo impresso, Lukács - em companhia de
Ljena, Balázs e Fogarasi - entrou para o PC. Vários outros membros do
Círculo de Domingo ficaram simplesmente estupefatos com a notícia.

Vista de perto, porém, a decisão de Lukács não representava uma


mudança tão abrupta. Afinal de contas, não tendo sido nunca nem um
liberal nem um socialdemocrata reformista, ele partilhava muito dos
pontos de vista comunistas. A única objeção que fazia ao bolchevismo
dizia respeito a seus métodos violentos, fruto das próprias apreensões
sorelianas em face do estado de partido único. (O próprio Sorel,
tomando a nuvem por Juno, viu no leninismo o domínio dos sovietes e
abençoou a Revolução Russa.) Mas no outono de 1918, Lukács leu a
obra-prima de retórica anarquista de Lenin, O estado e a revolução
(uma brilhante jogada tática), e isso pode ter acalmado seus receios
quanto atitude dos bolcheviques com relação ao poder do estado. Além
disso, ele foi apresentado ao chefe do PC, Bela Kun, pelo irmão de lrma
Seidler - e assim, era como se a Beatriz da sua primeira mocidade, a
musa da mística da 'pobreza de espírito' o estivesse docemente
impelindo na direção da causa comunista.

Em Heidelberg, o respeito de Lukács por Kierkegaard se


aprofundara. Agora, via-se em face de uns desses angustiantes dilemas
para os quais o dinamarquês tanto exigia escolhas nítidas, dramáticas -
opções em que toda a existência é engajada. E o momento histórico não
favorecia as soluções de compromisso. Com o leninismo empenhado
numa luta sem quartel pela sobrevivência, e a recém-nascida república
de Weimar recorrendo à efusão de sangue para cortar pela raiz a
revolução socialista (viz. os assassinatos de Karl Liebknecht, Rosa
Luxemburg e Kurt Eisner), parecia irrelevante condenar a violência:
nenhum dos lados tinha as mãos limpas. No seu primeiro ensaio de
convertido, "Tática e ética", Lukács virava de pernas para o ar o
argumento do "Bolchevismo como problema moral": se não há meios de
preservar a virtude; se recusar apoio ao emprego da força pelos
comunistas significa convivência com a repressão burguesa, então a
única coisa a fazer é pecar do lado positivo, do lado da esperança - a
perspectiva de uma humanidade regenerada, na promessa da Revolução
de Outubro.

Foi assim que Lukács votou ao comunismo sua semitrágica, semi-


utópica Kulturkritik, sua necessidade mística de absolutos éticos. Já não
dissera ele, ao escrever sobre o drama moderno, que por sua natureza
religiosa, messiânica, o marxismo era inteiramente diverso de outros
tipos, mais naturalistas, de socialismo? De mais a mais, até sua
avaliação estritamente moral do comunismo tinha sido, já por algum
tempo, menos negativa que o artigo par Livre Pensamento poderia fazer
supor. E: verdade que, até 1917, ele ainda achava a ideologia proletária
por demais abstrata para oferecer uma moral tão abrangente quanto o
ethos cristão realimentado por Dostoievski.[11] Tal opinião, no entanto,
não o impedira de ver a Revolução Russa como nas palavras de Ernst
Bloch - um 'cumprimento do destino'. [12]

"Tática e ética" também dera ao marxismo recém-adquirido de


Lukács um arcabouço hegeliano. Isso o fez ver objetivos
revolucionários não como um distante ideal normativo, mas como parte
do próprio processo histórico. Ao contrário das suas antigas utopias
morais, a revolução era menos um sonho que uma tendência efetiva. O
hegelianismo dessa posição não precisa ser sublinhado. Bloch
costumava gabar-se de ter, nos seus anos de Heidelberg, persuadido
Lukács a melhorar seu conhecimento de Hegel. Agora, finalmente, o
resultado disso era visível. Mas pensar em revolução em termos
hegelianos significava uma reavaliação dialética do presente - algo
dificilmente compatível com o descabelado futurismo da perspectiva
superutópica de Bloch, cujo Espírito da utopia foi publicado em 1918.
Por muito tempo Lukács tinha pensado o presente como 'a idade do
pecado absoluto' - uma frase de Fichte muito do seu agrado, como, aliás,
todo o pathos missionário de Fichte. Daí em diante, ele tentaria
reconciliar-se com o presente - não, é claro, como um status quo, mas
como uma atualidade prenhe de drásticas mudanças sociais.

A obra que refletia a nova orientação do seu pensamento, e que


lançou o marxismo ocidental, foi História e consciência de classe
(1923). Considerada por muitos como o mais importante livro marxista
do século, compreende oito ensaios escritos (num alemão assaz
canhestro) entre março de 1919 e dezembro de 1922. Como Michael
Lowy já mostrou, muitos desses ensaios foram repetidamente reescritos
- e cada nova redação representou um desvio maior do eticismo
primitivo de Lukács, de seu moralismo abstrato, 'fichtiano'.[13] Mas o
novo realismo revolucionário de Lukács vinha combinado com uma
postura excessivamente herética vis-à-vis do marxismo tal como
codificado por Marx e Engels.

Para começar, Lukács rejeita brutalmente a noção de dialética da


natureza de Engels - e isso num livro cujo subtítulo é "estudos de
dialética marxista"! Depois, refuta tacitamente a teoria da consciência-
reflexo de Lenin. Além disso, sugere que o· determinismo econômico só
vale para a sociedade capitalista, não para a história em seu conjunto.
Interpretado do ponto de vista determinista, diz ele, o materialismo
histórico simplesmente cessa de ser verdadeiramente histórico. Daí se·
depreende que duas idades não possam ser jamais explicadas pelos
mesmos critérios sócio-históricos. Ora, Marx e Engels tinham concedido
que em sociedades primitivas, sem classes, os sistemas de parentesco
podiam ser tão determinantes quanto qualquer fator econômico. Mas
Lukács parecia indicar que até sociedades com classes podiam
prescindir da primazia causal do econômico - desde que fossem pré-
capitalistas. E para coroar tudo isso, tinha o topete de contestar nada
menos que o próprio princípio do materialismo. Chegou mesmo a citar,
a propósito, seu mestre em Heidelberg, Rickert, para dizer que o
materialismo não passava de um ‘platonismo invertido'!

O marxismo genuíno, escreveu Lukács, não consiste em princípios


específicos e sim num método: a dialética. N:outras palavras: o
marxismo tem de ser interpretado segundo as suas raízes hegelianas; e,
naturalmente, a restauração da tradição idealista significava uma nova
compreensão do papel da consciência. Os sucessores de Marx, filisteus
filosóficos, tinham "transformado o desenvolvimento histórico num
processo totalmente automático, não só independente, mas, até,
qualitativamente diferente da consciência". No entanto, o próprio Marx,
em sua primeira tese sobre Feuerbach, advertira sobre o perigo de deixar
que "o lado ativo" fosse desenvolvido "abstratamente, pelo idealismo''.
O que havia de errado no materialismo de Feuerbach era precisamente
sua concepção da realidade em termos estranhos à atividade. Lukács
acredita que o mesmo velho erro fora repetido, dessa vez dentro do
marxismo, nas doutrinas positivistas, mecanicistas e deterministas de
Engels e Kautsky - os evangelistas da II Internacional. O pensamento
deles louvava a dialética da boca para fora - mas, o fundo, era
adialético.

Para Lukács, a dialética como método em vez de dogma era muito


mais que um simples conjunto de regras. Significava, na verdade, toda
uma maneira de pensar, baseada na percepção de que o verdadeiro
pensamento não só apreende o mundo, mas o transforma. Hegel mostrou
que o conhecimento está profundamente envolvido na realidade como
processo. O pensamento é, simultaneamente, a consciência que o mundo
tem de si mesmo e a natureza última do mundo. Portanto, o pensamento
contribui em grande parte na feitura do processo em si. O cognitivo e o
normativo não podem ser separados um do outro: são as duas faces, por
assim dizer, da moda dialética. O pensamento é ontologicamente, e não
apenas epistemologicamente, produtivo. Ergo, a teoria não é só
conhecimento - é práxis. E, inversamente, práxis é consciência.

Agora a questão era: consciência (principalmente) de quê? A


resposta de Lukács era clara e direta: da alienação. Mais de quarenta
anos após a publicação de História e consciência de classe, ele diria,
orgulhosamente, que, nessa obra, "pela primeira vez desde Marx", a
alienação foi "tratada como a questão central da crítica revolucionária
do capitalismo”.[14] A alienação foi assunto do mais longo ensaio de
todo o livro. A reificação e a consciência do proletariado”, escrito
especialmente para o volume. Lukács começa por descrever a alienação
como equivalente à reificação (Verdinglichung), um conceito de Simmel
ligado por Lukács à análise marxiana do 'fetichismo da mercadoria'. A
reificação converte mentalmente as pessoas, as relações humanas, os
conceitos abstratos, em coisas. O regime da mercadoria ‘materializa' o
homem, disfarçando a história como natureza. O universo humano se
toma impessoal. O homem deixa de se reconhecer nas suas próprias
obras e se aliena dos seus semelhantes.

A segunda parte do ensaio sobre a reificação pretende mostrar a


alienação como ideologia. Para Lukács a ideologia é menos um
preconceito ditado pelo interesse de classe que uma limitação estrutural
da mente, imposta pela posição de classe. Assim, o pensamento burguês
não pode impedir-se de ser reificante. E está fadado a ver-se presa de
'antinomias' insolúveis, como a célebre distinção de Kant entre os
fenômenos e o inescrutável número ou coisa-em-si; ou da ética formal,
abstrata, de Kant, que Lukács censura por deixar intacto o mundo real,
impermeável à iniciativa humana. Mesmo quando um pensador burguês
é capaz de superar essas antinomias, como o fez Hegel, restam outras
barreiras ideológicas. Assim, Hegel trouxe a história para dentro da
teoria do ser e do conhecimento, mas mistificou o verdadeiro tema da
história, falando de Espírito em vez de falar em homens de carne e osso.

Tudo isso apenas demonstrava que a burguesia estava condenada. E


a nova forma superior de consciência histórica, que o pensamento
burguês nunca logrou alcançar, era 'o ponto de vista da totalidade'. Nas
palavras de Lukács:
Não é o predomínio de temas econômicos na explanação da
história que separa decisivamente o marxismo da ciência
burguesa. E o ponto de vista da totalidade. A categoria da
totalidade, a dominação universal e determinante do todo
sobre as partes, constitui a essência do método que Marx
tomou emprestado a Hegel. . . Para o marxismo não há, em
última análise, nenhuma ciência autônoma do direito, da
economia política, da história, etc.; só há uma ciência,
histórica e dialética, peculiar e unitária, do desenvolvimento
da sociedade como um todo.

A totalidade concreta como práxis conscientes é, para Lukács, a


categoria fundamental da realidade. E a totalidade como práxis é auto
ativada: é um sujeito. Se a função do ponto de vista da totalidade é dar
sentido global à história e à vi da, a totalidade-práxis não pode ser de
nenhum modo ateorética. Tem de ser um conhecimento vivo, uma
compreensão ao mesmo tempo que um curso de acontecimentos. Por
outro lado, uma percepção dessas não pode ter um indivíduo por sujeito.
Já que o conhecimento da totalidade é práxis histórica e que cabe às
classes e não aos indivíduos o ônus de moldar e história, o verdadeiro
sujeito da totalidade tem de ser uma classe. O ponto de vista da
totalidade como sujeito pertence à consciência de classe.

Mas por que é um privilégio do proletariado? Aqui Lukács retoma o


velho argumento de Marx sobre Ha classe que não é uma classe", capaz
de falar pelo conjunto da humanidade. Só os trabalhadores,
compreendendo que o seu trabalho é uma mercadoria e, ao mesmo
tempo, a sua própria vida, podem experimentar a realidade objetiva
como algo derivado de uma atividade humana, degradada e alienante. O
proletariado é a única classe que, sendo um sujeito, como toda classe o
é, é capaz de conhecer-se como tal: pois na sua miséria percebe
diretamente a essência do processo desumanizante, reificante, que é a
sociedade moderna em ação. Seu autoconhecimento como trabalho
alienado aponta para a fonte mesma - embora involuntária - da
reificação universal sob a influência da mercadoria. Por esse motivo, a
Paixão do Proletariado redime, cognitiva tanto quanto ativamente, toda
a humanidade; arrancado à sua desgraça, o proletariado se torna a única
classe a captar a natureza real, global, do processo - o significado da
totalidade. E como a totalidade é, ao mesmo tempo, um sujeito e um
conjunto direcional dinâmico, o autoconhecimento do proletariado
significa simultaneamente uma verdadeira imagem do mundo e a práxis
pela qual ele será transformado.

Toda essa estonteante dialética sujeito/objeto enxertada na luta de


classes era apresentada mais por asserção do que por qualquer lógica
demonstrativa. Inúmeras petições de princípio jazem esmagadas sob a
marcha de sentenças peremptórias. Toma-se, por exemplo, o começo da
primeira seção do primeiro ensaio:

Só quando surge uma situação histórica na qual uma classe


tem de compreender a sociedade, a fim de se afirmar; só
quando o fato de que uma classe compreende a si mesma
significa que ela compreende a sociedade como um todo, e
quando, em consequência, a classe se faz tanto sujeito
quanto objeto do conhecimento; em suma, só quando essas
condições estão, todas, satisfeitas, a unidade da teoria e da
prática, precondição da função revolucionária da teoria, se
torna possível. Tal situação, de fato, surgiu com a entrada do
proletariado na história.[15]

Lukács é o primeiro a admitir que a consciência atual do


proletariado pode muito bem-estar longe da sabedoria revolucionária do
sujeito-totalidade. Mas tentou contornar esse problema. Max Weber
sugerira que o conceito de 'possibilidade objetiva' era um instrumento
útil, e na verdade necessário, à metodologia de ciência social, como um
conjunto de experimentos mentais conducentes à compreensão de
conexões causais relevantes, capazes de permitir o ajustamento entre
sínteses ideal típicas e dados empíricos.[16] Apropriando-se,
audaciosamente, dessa ideia, Lukács postulou uma consciência de classe
'imputada' ao proletariado. Se a classe trabalhadora se mostrar
revolucionária, tanto melhor. Senão, haverá sempre um significado
histórico na sua situação - um significado que, como uma função da
totalidade, não poderia ser senão revolucionário. E tal significado, como
uma consciência atribuída ao proletariado mais do que vivenciada por
ele, será sentido por uma elite insurrecional - a vanguarda marxista,
revolucionária, intérprete natural da verdadeira mentalidade do
proletariado.

A equação lukacsiana de sujeito com classe exigia muito da


consciência individual. Lukács usou da maior franqueza: seu sujeito-
totalidade como práxis revolucionárias requeria uma "subordinação
consciente do eu àquela vontade coletiva que se destina a fazer nascer a
verdadeira liberdade. . . Essa vontade coletiva e consciente é o Partido
Comunista".[17] Na verdade, em História e consciência de classe, a
apoteose da totalidade acaba sendo uma ruidosa hipóstase do partido
leninista. Em 1922, quando Lukács vivia exilado em Viena, após a
queda de Bela Kun (agosto de 1919), sua política era um pouco mais
complexa que o culto do partido bolchevique imposto por Moscou aos
comunistas ocidentais. De um lado, sua posição implicava um
substitucionismo extremo: não só ele substituía classe por partido (como
fonte do poder revolucionário), como substituía o partido pela sua
vanguarda. Por outro lado, Lukács parecia ansioso por combinar esse
ultra-elitismo para o bem da revolução com uma preferência
luxemburguiana pela ’espontaneidade' acima da 'organização'.

Desde os primeiros albores do século, o movimento socialista na


Europa Central estivera dividido, politicamente, em três correntes.
Alguns, como Rosa Luxemburgo (1871-1919), acreditavam na ação
revolucionária. Outros não tinham a mesma fé. Estes ou bem concluíam,
com Bernstein, que a revolução de massas, além de improvável, era
também desnecessária e que portanto o socialismo deveria evoluir
abertamente para um reformismo social pelos meios políticos
institucionais; ou então, como Lenin, aferravam-se à ideia de uma
revolução necessária, a qual, dada a inércia das massas, tinha de ser
provocada no seu seio, e conduzida por uma vanguarda insurrecional - o
Partido Comunista. O atrativo da posição de Rosa Luxemburgo estava
na sua tentativa de evitar tanto a rendição da guerra de classes
acarretada pelo reformismo quanto os perigos do autoritarismo inerente
na teoria da vanguarda - uma teoria acoplada, desde Que fazer? (1902)
de Lenin, com uma rígida estrutura centralista dentro do partido
revolucionário. Luxemburgo era inflexível: os partidos vermelhos
podiam acelerar, mas nunca iniciar revoluções. A revolução é um direito
inalienável das massas - uma crença, diga-se de passagem,
perfeitamente alinhada com o marxismo clássico.

No período de 1919-22, Lukács começou politicamente falando,


como luxemburguiano. Como tal (e, naturalmente, como soreliano, que
também era), apreciava os conselhos de trabalhadores, mas não partidos
‘fortes'. Mas com o malogro da chamada Ação de Março, que tentara
repetir na Alemanha, em 1921, o levante espartakista liderado por Rosa
Luxemburgo e Liebknecht dois anos antes, ele se afastou do
espontaneísmo ortodoxo. No último dos ensaios de História e
consciência de classe, defendeu o papel do partido leninista. Mas quão
moderada foi essa defesa? Alguns pensam que mesmo então Lukács
ainda tentava um compromisso entre a posição Kautsky-Lenin - a
'organização' como preliminar à luta revolucionária - e a ideia
luxemburguesa da organização como simples produto da revolução.
Outros ensaios políticos de Lukács, contemporâneos aos do livro, desde
"Partido e classe" (1919) até "Organização e iniciativa revolucionária"
(1921), censuravam as organizações partidárias como reféns da
sociedade capitalista (por serem fadadas a tornar-se instituições
reificadoras). O próprio Lenin escolheu um desses ensaios, "A questão
do parlamentarismo" (1920) como amostra de 'esquerdismo' - a ‘doença
infantil’ do comunismo, por ele rotundamente condenada no seu famoso
opúsculo de abril de 1920. Significativamente, no ensaio sobre
organização, Lukács, embora aceitando a organização, acentua que não
se trata, de nenhum modo, de uma questão técnica relacionada com
meios burocráticos, e sim da "suprema questão espiritual da revolução".
Tudo bem pensado, fica-se com a impressão de que a posição de
Lukács era tão 'vanguardista' quanto a de Lenin. Ele dá tal peso à
vanguarda gnóstica como verdadeiro fautor da história (em nome,
naturalmente, do proletariado, cuja 'consciência imputada' representa)
que a classe acaba fornecendo pouco mais que uma inerte precondição à
ação da vanguarda.[18] O que distingue Lukács de Lenin é sua ênfase na
ideologia e não na organização, no grau de crença mais do que na
realidade das relações de força. Basta dizer que, na opinião de Lukács, a
revolução é impedida pela confusão ideológica mais do que pela força
da burguesia. Tipicamente, ele se recusou a admitir que a Ação de
Março tivesse fracassado por estar isolada das massas. A ','maturidade
das massas" era pura tolice. Tudo o que conta é a determinação da
vanguarda. Das "condições objetivas", às quais Lenin dava tanta
atenção, Lukács praticamente nem cuidava.

Há uma nota de clara obstinação em História e consciência de


classe. Seu objetivo ostensivo era fornecer uma legitimação filosófica à
revolução bolchevique. Lukács recorreu a Hegel para justificar Lenin
em face dos escrúpulos social democráticos. E, todavia, tudo foi feito
com uma motivação ética e 'cultural' quase obsessiva. A adesão total de
Lukács ao marxismo foi precedida de uma disposição de ânimo do mais
exaltado 'culturalismo revolucionário', na frase de David Kettler.[19] E
culturalismo, com todas as suas implicações idealistas, era de fato a
força motriz no pensamento de Lukács. Veja-se, por exemplo, seu
importante ensaio de junho de 1919, "A velha cultura e a nova".[20]
Sustenta que a tarefa do proletariado é a recriação da comunidade. Mas
a 'comunidade', por sua vez, é vista, principalmente, como um fenômeno
cultural e não social: uma questão de sentido espiritual e não um dado
conjunto de relações sociais. Estamos bem mais longe de qualquer foco
em relações sociais do que, por exemplo, no conceito seminal de
Gemeinschaft (comunidade) de Toennies, cunhado como antítese dos
encontros frios, atomísticos, que são a regra na Gesellschaft, ou
'sociedade'. No fundo, a política revolucionária era para Lukács pouco
mais que um meio para a restauração de uma harmonia cultural há muito
perdida.
Acresce que o cultural equivalia ao espiritual; cultura como alta
cultura era um substituto laico da espiritualidade, Lukács explicitamente
evitou o materialismo do conceito antropológico de cultura e, ao invés,
adotou a influente antítese de Alfred Weber entre 'cultura' (espiritual) e
'civilização' (técnica). Para Lukács, cultura era "o conjunto de produtos
valiosos e de qualificações dispensáveis em relação à manutenção
imediata da vida". Enquanto a práxis libertadora do proletariado era
vista, precipuamente, como uma consciência de alta cultura, a humilde
materialidade das necessidades na prosa pragmática da vida cotidiana,
vinha considerada como apenas um obstáculo e um inconveniente, pois,
escreve Lukács, "males e misérias imediatos bloqueiam as questões
fundamentais da consciência". 'Questões fundamentais' alimentam a
cultura, da mesma forma que a imago dei e os problemas de salvação e
teodiceia costumavam alimentar a espiritualidade em outros tempos. E
mais: Lukács faz questão de pôr o objetivo cultural do proletariado tão
longe quanto possível do econômico: "Libertação do capitalismo
significa libertação do domínio da economia." Cultura, assim concebida,
é tudo menos uma superestrutura. Sem dúvida, durante o capitalismo as
ideologias eram apenas a superestrutura do processo histórico que
conduzia ao colapso do capital. Na ditadura do proletariado, porém,
"essa relação se inverte", segundo Lukács: o pensamento, portador da
cultura, assume o comando. Indiscutivelmente, o que Lukács oferecia
como filosofia da revolução bolchevique merece ser chamado
comunismo-cultura.

Como foi recebida História e consciência de classe? Do seu exílio


vienense, Lukács podia ver o impacto da sua mensagem sobre os
radicais da esquerda. Seu velho amigo de Berlim e Heidelberg, Ernst
Bloch (1875-1977), escreveu uma longa e apreciativa crítica do livro,
louvando a reavaliação lukacsiana do 'legado filosófico' do marxismo. O
leninismo fazia filosofia como Monsieur Jourdain falava: os russos,
dizia Bloch, 'agiam filosoficamente,' mas pensavam como 'cães
deseducados'. Louvou também a teoria da reificação e a ênfase na
totalidade, "o tema total, metafísico, da história".[21]
Na primavera de 1922, na Turíngia, e no verão de 1923, na Floresta
Negra, Lukács encontrou, entre outros fundadores da escola de
Frankfurt, Karl Korsch (1886-1961). Marxismo e filosofia (1923), de
Korsch, foi saudado por muitos como uma espécie de pendant do
volume, muito mais extenso, de Lukács. Não afirmava ele que o
marxismo era a completação, e não a negação, do pensamento de Hegel?
Não respirava o mesmo entusiasmo pela 'Luz de Outubro', acentuando
que o marxismo era, acima de tudo, uma teoria da revolução social? Que
poderia estar mais de acordo com Lukács que o entusiasmo pela
filosofia idealista e a impaciência com o determinismo econômico do
marxismo da II Internacional?

Tornou-se quase corrente ver Lukács, Korsch e Bloch como os três


reis magos do marxismo ocidental, que,) rompendo com o quietismo
pouco filosófico da Il Internacional, restituíram ao marxismo a riqueza
humanística das suas fontes idealistas. Certamente todos os três
partilharam, na década de 1920, um espírito messiânico e uma
mentalidade hegeliana; O primeiro elemento por demais visível, mas o
elemento hegeliano requer comentário. Em "Tática e ética", e mais
enfaticamente em História e consciência de classe, Lukács insistia em
que a consciência não era apenas qualquer conhecimento, mas um tipo
de conhecimento no qual o simples fato de conhecer "produz uma
modificação essencial no objeto conhecido".[22] Noutras palavras, a
consciência-conhecimento é capaz de moldar o mundo - uma posição
centralmente hegeliana. Korsch também se esforçou por acentuar-,
especialmente. contra os marxistas austríacos, que a dialética proíbe
conceber a teoria como algo exterior 'e estranho à realidade social: a
verdadeira teoria é realidade social em formação. E a ontologia da
utopia de Bloch seguiu a mesma direção: postulou o conhecimento
como uma esperança ativa, capaz de moldar o mundo, e que é,
simultaneamente, poder cognitivo e força cósmica - cósmica e,
naturalmente, social. É claro que a ciência e o materialismo histórico
qua intenção científica dificilmente se fundem nessa forma - mas Bloch
pouco se importou com isso. O materialismo histórico era apenas parte
essencial da ‘corrente fria' do marxismo; a 'corrente quente’ que ele
tentou reanimar, era humanista, utópica, e desinibidamente religiosa.
Além disso, como Lukács, só que mais intensamente, a preocupação
maior de Bloch era com a cultura; também ele não tinha tempo para a
prosaica materialidade da economia e da sociedade.

Apesar disso, a verdade é que as diferenças entre os três verdadeiros


fundadores filosóficos do marxismo ocidental (Gramsci, o quarto
fundador, era essencialmente outra coisa) são tão importantes quanto as
vastas áreas de convergência. Bloch, para começo de conversa, foi
sempre muito pouco marxista, ocidental ou de qualquer outra espécie.
Em Espírito da utopia ele, na verdade, criticou Marx por reduzir a
história à sua dimensão socioeconômica. Isso era bem diferente das
polêmicas de Lukács ou de Korsch com o determinismo econômico
marxista: enquanto eles se louvavam em Marx (certa ou erradamente) a
fim de combater o marxismo de Engels, Plekhanov, Käutsky, ou dos
austríacos, Bloch questionava o Mestre em pessoa. Na década de 1920,
Lukács e Korsch, que tinham entrado para o PC, se consideravam
fundamentalistas; Bloch, não - dificilmente, aliás - poderia fazê-lo.
Acresce que, embora tenha vivido cerca de noventa anos, ele jamais se
tornou um comunista registrado. É verdade que, até a sua defecção para
o Ocidente em 1961, defendeu resolutamente o regime bolchevique,
mesmo durante o terror de Stalin. Korsch, por seu lado, romperia com o
bolchevismo ainda nos anos 20. Assim, Bloch configurava um estranho
caso de simpatia política sem compromisso filosófico. Seu background,
bem como sua área de influência, dá testemunho dessa posição herética:
Bloch começou nas fileiras do movimento expressionista (e toda a vida
defendeu - contra Lukács - a arte moderna) só para tornar-se, depois, um
dos padrinhos da teologia da libertação. Nos dois casos, fica-se bastante
longe do cânon marxista.

Graças ao competente estudo de Wayne Hudson sobre a formação e


a obra de Bloch, podemos ver o quão impregnado ele estava da
ideologia neorromântica da belle époque. A ambição de Bloch era
construir uma metafísica marxista. Mas, de fato, como observa Hudson,
muitas das suas ideias básicas foram formuladas antes do fim da Grande
Guerra, logo, bem antes que ele se tornasse marxista. Nunca muito
chegado a uma argumentação sustentada, Bloch encheu livro sobre livro
de noções altamente alusivas e metafóricas. A melhor maneira de
considerar sua prosa sem exasperação é vê-la como uma composição
musical, um pot-pourri de motivos brilhantemente colhidos, aqui e ali,
nos ricos mananciais da tradição idealista.

Bloch partilhava com Nietzsche a convicção de que a 'morte de


Deus’ requeria uma atitude positiva, audaz e heroica em face da vida e
dos valores. Mas ele também abraçava outro tipo de reação contra a
suposta decadência do Ocidente burguês: o culto dostoievskiano,
messiânico, do Oriente místico. E estava igualmente convencido de que,
para assegurar a renovação cultural era necessário reconstruir a
metafísica. Com essa motivação Bloch combinou inúmeros empréstimos
da teologia mística moderna, da literatura romântica e expressionista, e
da filosofia do século XIX com modernas especulações sobre o
ocultismo - fabricando uma poção inebriante de marxismo utópico.

Com os místicos e os românticos alemães ele aprendeu a dar ênfase


ao sujeito utópico, a 'alma', por ele chamada (em Espírito da utopia) ‘o
ego moral, místico e paraclético'. O inimigo natural da alma é a ‘oclusão
do sujeito', imposta pelo capitalismo. Mas, ao mesmo tempo, Bloch
desejava ir além do subjetivismo. De Eduard von Hartmann (1842-
1906), que foi um elo entre Schopenhauer e Freud, ele tomou a ideia de
uma apreensão inconsciente do mundo exterior. Esforçou-se, ademais,
para descrever o polo objetivo em termos vigorosamente
antipositivistas. Partilhava inteiramente da preocupação dos
neokantianos de Heidelberg com ‘valores’ colocados muito acima dos
fatos, entronizando uma razão prática 'criativa'; e de outro neokantiano,
Hans Vaihinger, autor da surpreendente Filosofia do como-se (1911),
adotou a ideia da necessidade de postulados que transcendem os fatos. O
conceito central de Bloch - o 'ainda não' (noch nicht) pode ser
considerado uma versão robusta, ontológica, do como-se de Vaihinger.

Finalmente, Bloch escreveu em constante diálogo com toda uma


tradição de 'filosofias do processo', i.e., de ontologias 'dinâmicas'. Do
seu bem-amado Schelling, cujas páginas sobre a fecundidade dos
obscuros recessos da subjetividade tanto marcariam a teoria blochiana
do sujeito, ele adotou o tema crucial da força e sabedoria de uma
Natureza que evolui por si; de Schopenhauer, tomou o tema da vontade
cósmica; de Bergson, o motivo da realidade emergente, em estreita
associação com a vivência do tempo interior. Mas a vontade de
Schopenhauer lhe parecia por demais cega, e o tempo bergsoniano por
demais sem rumo. Em consequência, Bloch se voltou para o finalismo
da natureza de Schelling e da história de Hegel. Julgou a concepção da
realidade de Hegel uma permanente interação de sujeito e objeto,
admiravelmente estratégica para a nova metafísica - Hegel era o
pensador do processo por excelência. Todavia, até mesmo ele
negligenciara o 'ainda não'. Bloch acusou-o de 'anamnese', termo
platônico que ele redefiniu para significar o conhecimento restrito
àquilo que já existe. O verdadeiro marxismo seria, segundo Bloch, uma
reformulação futurista do jogo hegeliano do sujeito-objeto. Quanto ao
marxismo 'científico' da II Internacional, era pura recaída na anamnese.

Tudo isso convergiu para uma extática exaltação do homem. Bloch


se interessou pela ‘antroposofia’ de Rudolf Steiner (1861-1925), uma
carismática doutrina do oculto que pretendia ser uma teoria não-
confessional do divino, espécie de teosofia sem deus. O sistema
sincretista de Bloch propunha a utopia como uma mistura de
cosmogonia e eschaton social, dentro de uma antropolatria apocalítica.
Seu opus magnum, O princípio esperança (1949), lembra um pouco a
obra visionária do jesuíta paleontólogo Teilhard de Chardin (1881-1955)
- sobretudo em vista do fato de que a 'cosmogênese' do padre Teilhard,
ao contrário do élan vital de Bergson, é, como o ser - esperança de
Bloch, uma força evolucionária convergente e não divergente -
convergente no que diz respeito ao radioso triunfo do homem sobre a
imperfeição. Compreensivelmente, Bloch tentou reestruturar, antes que
rejeitar, a dialética da natureza de Marx - mero e espúrio dogma aos
olhos de todos os marxistas ocidentais, de Lukács a Sartre. Como um
'Schelling marxista' (no dizer de Habermas),[23] Bloch tinha uma visão
altamente romântica da natureza e uma opinião profundamente
pejorativa da tecnologia. Ora, a primeira é irrelevante para o marxismo
clássico; e a segunda, incompatível com ele.

No jovem Korsch, por contraste, não havia sinal da romântica


Kulturkritik. Marxismo e filosofia era tão messiânico, de ponta a ponta,
quanto Espírito da utopia ou História e consciência de classe. E
Kautsky, numa crítica, censurou Korsch por desprezar o fato de que as
revoluções dependem de um conjunto de condições específicas, em vez
de serem sempre possíveis em toda parte.[24] Entretanto, ao contrário de
Lukács ou Bloch, Korsch não estava a fim de atrelar o pedigree
filosófico do marxismo à revolta neorromântica contra a civilização
moderna. E a despeito de sua veneração de Hegel, ele não construiu
nada semelhante à totalidade lukacsiana como sujeito e senhor da
história, pairando majestosamente sobre os mesquinhos fatos da
consciência de classe empírica. Muito pelo contrário: como antigo
simpatizante da Sociedade Fabiana, Korsch conservou uma abordagem
pragmática da questão social e construiu a unidade de teoria e prática,
reafirmada pelo marxismo ocidental, como um primado da prática
proletária sobre o historicismo abstrato. Só isso já evidencia uma brecha
entre o seu tipo de retorno à filosofia e a maneira lukacsiana. Não
admira que Korsch, no fim da década de 1930 (Karl Marx, 1938), viesse
a reconhecer o marxismo como ciência social empírica, despida de
qualquer gnose especulativa. Em resumo: se Bloch, teólogo leigo, não
pode ser considerado um verdadeiro fundador do marxismo ocidental,
por nunca ter sido senão marxista pela metade, Korsch, o revolucionário
fabiano, tampouco pode sê-lo - porque deixou bem cedo de ser um
marxista "filosófico" e nunca foi um marxista ocidental completo e
acabado, i.e., um porta-bandeira da filosofia como Kulturkritik
humanista. Como resultado, em vez dos três magos, ficamos com um só:
Georg Lukács.

Repreendido por Lenin, Lukács (juntamente com Korsch) foi


solenemente excomungado, do ponto de vista ideológico, por Gregory
Zinoviev, guardião da fé depois da morte de Lenin, durante o V
Congresso do Comintem (1924). Mas ao passo que Lukács se retratou e,
mais tarde (1933), chegou a repudiar História e consciência de classe,
Korsch se recusou a fazê-lo, sendo expulso do Partido Comunista logo
depois. Entretanto, no começo da década de 1960, o incômodo livro de
Lukács encetou uma segunda vida pública. Juntamente com Crítica da
razão dialética (1960) de Sartre, alimentou o renascimento da filosofia
marxista; e antes mesmo a obra fornecera os principais fundamentos
teóricos para a escola de Frankfurt. Daí nenhum outro livro ocupar
posição tão central no marxismo ocidental, em cada uma das suas três
gerações: a do próprio Lukács, a de Adorno e Sartre, e atualmente, a de
Haberma: Nem devemos pensar apenas em figuras famosas: pois foi
também História e consciência de classe, mais que qualquer outra obra
de Lukács, que inspirou diversas escolas lukacsianas, de Budapeste (o
grupo de Agnes Heller) à Itália (e. g. Cesare Cases) e da América Latina
r (L. Konder, C. N. Coutinho) até a Califórnia dos anos (o grupo Telos,
encabeçado por Paul Piccone).

Vale notar que Merleau-Ponty, o maior renegado da segunda


geração do marxismo ocidental, partilhava do respeito geral por
História e consciência de classe como fons et origo. Para Merleau-
Ponty, o significado inestimável do livro estava no seu corajoso
rompimento com o marxismo-leninismo. Mas o que Merleau realçou foi,
principalmente, a epistemologia e a dialética do jovem Lukács. Viu
nelas uma saudável rejeição da crua teoria do conhecimento de Lenin e
da grosseira dialética da natureza de Engels. Já em matéria de política
Lukács aparece muito menos herético. É difícil discordar dos que
julgam a mensagem de História e consciência de classe nitidamente
leninista.25 Se a teoria da vanguarda organizada no poder em nome da
revolução proletária é leninismo, então, convenhamos, o jovem Lukács
foi sem dúvida alguma leninista.

Seu verdadeiro papel foi destilar o leninismo em 'comunismo de


cultura' - ou, dito de outro modo: foi preparar uma versão do leninismo
aceitável (altamente aceitável) pela mentalidade característica da
intelligentsia humanística do nosso tempo.
Como já se observou muitas vezes, o leninismo cultural de Lukács
tem um pathos inequívoco: um mesmo impulso extremista o percorre,
da visão trágica de A alma e as formas à cega fidelidade ao partido
reclamada em História e consciência de classe. Antes de sua conversão
ao marxismo, o entranhado eticismo de Lukács fizer - o protestar contra
a natureza amorfa da vida moral. Propondo perguntas fundamentais
esboçadas pela literatura, o ensaísmo crítico tentava, a seu ver, evitar o
'niilismo filosófico' do nosso conhecimento das pessoas, que se dispersa
numa profusão de relações sem jamais captar o verdadeiro sentido.[26]
Uma vez marxista, Lukács continuou a demonstrar aquela paixão
neoclássica pela ordem (moral) que Bloch via arder no seu amigo dos
tempos de Heidelberg.[27] Seu antigo anti-individualismo prestava-se a
uma rejeição sectária da dissensão. Assim, os amotinados do Kronstadt,
essas vítimas inaugurais da ditadura leninista, foram tratados, em
História e consciência de classe, de "uma tendência corrosiva a serviço
da burguesia" ... [28]

Há quem se impressione com a largueza de vistas da resposta de


Lukács à pergunta "Que é marxismo ortodoxo?" (o primeiro ensaio do
livro) - a saber, que a verdadeira ortodoxia está no método. Mas seria
bom lembrar o contexto em que foi dada essa resposta. Na verdade,
Lukács combatia o sábio preceito dos austromarxistas: é preciso
distinguir, no marxismo, entre ciência social e ética socialista. E
sustentou a ortodoxia do método como uma estratégia de imunização
contra refutações 'ecléticas' das profecias de Marx sobre o futuro do
capitalismo. Mesmo se cada uma das conclusões a que chegamos
através do método dialético fossem provadamente falsas - disse ele - o
método ainda seria válido. Afirmando que a ortodoxia "não implica
aceitação não crítica" das teses de Marx, ela apenas aparenta um
liberalismo intelectual, pois na verdade logo confessa sua “convicção
científica" de que a dialética é "o caminho da verdade", cujos métodos
só se desenvolvem e aprofundam "segundo as linhas traçadas pelos seus
fundadores",[29] Mais: Lukács faz questão de desacreditar "todas as
tentativas de superar ou aperfeiçoar" tal método. Fica-se imaginando
como se pode dizer 'científico' um método declaradamente inalterável e
que, misteriosamente, sobrevive a cada simples refutação das suas
passadas e futuras aplicações.

O paradoxal é que, com todas as suas heresias em face do


materialismo dialético do marxismo oficial, Lukács proclamasse assim,
alto e bom som, tamanha preocupação com ortodoxia. Mas alimentando
o dogmatismo havia um anseio imoderado por certezas morais
absolutas, deixando pouco espaço para a imparcialidade cognitiva.

O pathos extremista do eticismo lukacsiano parece ter gerado um


autoritarismo tenso e fechado, no fundo incompatível com o novo
realismo hegeliano oficialmente exibido por Lukács desde 1919. Uma
longa linhagem de intérpretes, desde o memorável exame crítico de
Joszef Revai em 1924 até Michael Lowy e Lee Congdon em nossos dias,
tem acentuado que História e consciência de classe representa um
resoluto desvio da utopia para a dialética. Certamente a letra do livro
justifica essa interpretação. Mas seu espírito diz coisa muito diversa. Se
realismo dialético significa hegelianismo, então é instrutivo que, com
todo o seu louvor a Hegel, Lukács discrepe dele em pontos cruciais. Há
pelo menos duas instâncias vitais em que História e consciência de
classe acaba sendo um livro anti-hegeliano.

Primeiro, a teoria do sujeito. Na Teoria do romance, os pendores


hegelianos de Lukács já eram bem relativos. A noção fortemente
historicizada do romance tinha, sem dúvida, raízes na Estética de Hegel.
Mas o conteúdo do romance como exílio espiritual numa 'idade sem
Deus' deriva claramente não de Hegel, mas da obsessão schilleriana e
romântica com a arte 'sentimental': com formas de arte divorciadas da
cultura social ambiente. Da mesma forma, muita coisa em História e
consciência de classe fala de um sujeito aguerrido muito mais próximo
do ego de Fichte, com todo o seu ativismo moralista, que das
objetificações da razão realista de Hegel.

Na sua Dialética negativa, Adorno criticou Lukács por supor que a


reificação brota dos atos de um sujeito social unificado, como se uma
simples alteração na consciência social bastasse para transformar o
mundo.[30] E em seu recente estudo sobre Lukács Andrew Arato e Paul
Breines concluíram que a descoberta da dialética não revogou as
características fichtianas do seu conceito de sujeito.[31] Nem se esqueça
que A alma e as formas ainda adotava uma perspectiva análoga à
'tragédia da cultura' de Simmel, ressaltando o abismo. entre as intenções
do sujeito e o destino das suas obras. No entanto, em 1923, Lukács,
tendo adquirido o gosto por Fichte em Heidelberg, substituiu essa
perspectiva pela noção arquiidealista de que as objetificações espelham
fielmente os atos do sujeito. Assim, uma má objetificação (reificação)
espelha o mau sujeito (capitalista); uma boa objetificação, ao contrário,
refletirá o bom sujeito, assim que a consciência revolucionária do
proletariado atingir a maioridade. Nos dois casos, ato e produto do
social se tornam transparentemente leais às próprias intenções do sujeito
- e isso é Fichte, e não Hegel.

Uma segunda área, igualmente reveladora, que mostra Lukács como


um não-hegeliano malgré lui é a sua teoria do processo. Sua reificação é
descrita como a história de uma Queda mais do que um movimento
progressivo, embora juncado de contradições, como em Hegel ou em
Marx. Assim, a idade presente - o capitalismo - permanece, afinal de
contas, indiciada, à moda de Fichte, como uma época de absoluta
pecaminosidade. Compreensivelmente, o marxismo do jovem Lukács
teria um grande atrativo para a intransigente Kulturkritik da escola de
Frankfurt.[32] Ora, na medida em que a visão do mundo da Kulturkritik
é, como sugeri, essencialmente refratária a uma teoria adequada do
processo, pode-se dizer que faltava ao jovem Lukács uma explicação
razoável do processo histórico, uma teoria da evolução histórica
diferenciada. Tal acusação é válida, ou não, independentemente do
conteúdo, positivo ou negativo, do processo. Em todo caso, poucas
coisas poderiam ser menos hegelianas que ser pilhado em falta sob esse
aspecto.

A injeção - feita por Bloch - da Kulturkritik na historiosofia


marxista era tão idiossincraticamente religiosa que não podia dar certo.
Não é de surpreender 'que no final das contas ela atraísse mais teólogos
que marxistas. O caso Lukács é muito mais sutil. Em História e
consciência de classe ele conseguiu pôr uma ossatura hegeliana, feita de
consciência, dialética e totalidade, a serviço do que era, essencialmente,
uma posição fichtiana - e, como tal, alheia às melhores virtudes do
idealismo objetivo de Hegel, sobretudo naquilo que diz respeito à
profundeza do discernimento histórico. Se Bloch foi longe demais na
sua religionização do marxismo, Lukács propôs uma romantização
vigorosa, mas altamente arbitrária. Ele mesmo o reconheceu quando, na
sua última avaliação da sua juventude marxista, identificou seu maior
pecado como 'anticapitalismo romântico'.

Como notou um dos seus primeiros críticos, Siegfried Marck, a


mistura de marxismo e crítica cultural romântica de Lukács funcionou
em detrimento do marxismo como heurística sociológica. Em troca, o
marxismo foi transmudado numa 'visão do mundo' carregada de
dogmatismo e girando em torno de uma mitologia das consciências de
classe.[33] Os críticos modernos não ignoraram o romantismo
exacerbado que escora esse tipo de marxismo. Para Lucio Colletti
(Marxismo e Hegel, 1969), o tema central de História e consciência de
classe é a identificação da ciência e da indústria com a reificação
capitalista. Lukács, na sua opinião, era um ludita do espírito. Mas
enquanto Colletti, àquele tempo, estava ainda ansioso por ressaltar a
brecha entre essa Kulturkritik neorromântica e o marxismo, para Leszek
Kolakowski os mesmíssimos elementos deram à obra do jovem Lukács
o poder de desvendar a medula da mitologia marxista. O ponto de vista
hegeliano de Lukács sobre a unidade de pensamento e práxis põe a nu a
natureza profundamente utópica e profética do marxismo, minimizada
pelas inclinações científicas da II Internacional.[34]

Falando francamente: Colletti pensava que Lukács contrabandeou


um certo romantismo para dentro do marxismo. Kolakowski, que
Lukács revelou o romantismo oculto do próprio marxismo. O que
Colletti chama 'romântico' é o ethos anti-industrial e antimoderno,
enquanto Kolakowski intitula ‘mítico’ é a raiz gnóstica da utopia
marxista - o mito da alienação como Queda e da revolução como
Redenção. Talvez haja um laço potencial entre essas duas posições na
concepção de Raymond Aron segundo a qual o alvo final de Marx
requeria a abolição, e não apenas a transformação, da economia. Pois se
o objetivo da revolução redentora é a supressão da economia, então a
essência do marxismo golpearia o próprio coração da modernidade -
integrando desse modo a Kulturkritik de Lukács na verdade mais íntima
e secreta do marxismo, tanto clássico quanto ocidental.

Reduzidas ao essencial, as duas principais interpretações


intelectuais do marxismo em vigor trinta anos atrás, Isto é,
imediatamente antes da renascença do impacto de História e
consciência de classe, eram as seguintes: uma, sustentada por Joseph
Schumpeter, via no marxismo uma economia ricardiana unilateral; a
outra, promovida por Karl Lowith, via nele uma Heilgeschichte, uma
história da salvação em linguagem econômica.[35] Porém, desde que o
jovem Lukács voltou à moda, já não é possível descurar a natureza
filosófica do marxismo em favor da sua natureza econômica. Por outro
lado, ao reconhecer o feitio profético e utópico do marxismo, já não é
mais costumeiro acentuar a sua linguagem econômica. A lição é clara: o
resultado final da refundição filosófica do marxismo por Lukács foi o
estabelecimento do marxismo como doutrina humanística. E por isso é
que o 'comunismo cultural' tinha tanto em comum com a mentalidade da
Kulturkritik.

Lukács é tido, corretamente, como o fundador do marxismo


ocidental. Mas posteriormente o próprio Lukács teve pouca influência
no movimento que inspirou. Depois de História e consciência de classe,
ele deixou, em grande parte, de ser um marxista ocidental. Conservou,
naturalmente, inúmeros traços idealistas: um apego duradouro à
totalidade e uma epistemologia dualista. Seu velho desprezo pela
ciência e pela razão analítica também sobreviveu, embora atenuado.
Mas ele abandonou a posição de Kulturkritik exacerbada - tanto assim
que descobriu diversas virtudes no passado capitalista, distinguindo, em
matéria de arte e cultura burguesas, boas e más tradições, tradições
progressistas e tradições reacionárias. Embora constitua flagrante
injustiça sugerir que o melhor de sua obra entre 1923 e, digamos, 1963
(data da publicação da sua admirável Estética), pactua com os crassos
dogmas do marxismo-leninismo, a verdade é que Lukács se aproximou
cada vez mais do que o marxismo-leninismo conservou do marxismo
clássico. E foi então que ele acabou trocando o messianismo utópico dos
seus primeiros tempos por uma visão dialética da história - a visão, por
exemplo, que informa essa obra-prima de crítica literária que é O
romance histórico (1938; publicado em 1955). Mas, em conjunto, sua
vigorosa luta contra as tendências irracionalistas, combinada com sua
firme rejeição da arte avant-garde, deixou-o a léguas de distância da
segunda e terceira gerações do marxismo ocidental.

Já foi de rigueur menoscabar a alta polêmica de A destruição da


razão (1954), de Lukács, como uma peça de sectarismo stalinista.
Adorno sugeriu que, igualando irracionalismo e decadência, Lukács
simplesmente dera as mãos aos ideólogos fascistas. Essa rejeição, no
entanto, talvez seja precipitada. Culpa por associação não é critério
aceitável para descartar teorias, seja de que espécie forem. Os fascistas
foram notoriamente enamorados de Nietzsche. Devemos, então,
condenar Nietzsche apenas só por causa disso? O certo é que existe um
problema do irracionalismo, dentro e fora do pensamento ‘burguês'. E a
relutância do marxismo ocidental em enfrentá-lo diz muito sobre o
próprio marxismo ocidental.
2. GRAMSCI E O HISTORISMO MARXISTA

. . . As cinzas de Gramsci . . . Entre a esperança e velhas suspeitas,


eu me aproximo de ti,
e chego, por acaso, a esta magra estufa, diante de teu túmulo, de teu
espírito, que ficou
aqui embaixo, entre os livres.

— Pier Paolo Pasolini

O poema As cinzas de Gramsci, de Pasolini, foram publicadas em


livro em 1957, exatamente vinte anos depois da morte - após uma
década de prisão - de Antonio Gramsci. Mas o grosso dos seus
Cadernos da prisão, sua notável e decisiva, embora fragmentária,
contribuição ao pensamento marxista - só foi publicado entre 1948 e
1951, quando Pasolini estava ainda em seus anos de formação. Tanto
como escritor quanto como cineasta, Pasolini (1922-75), com seu
primitivismo pagão e seu esquerdismo 'selvagem', representava o
espírito da contracultura na sua forma mais radical. A homenagem do
poeta reflete o status singular da imagem de Gramsci no mundo da
esquerda. Enquanto o retrato mais conhecido de Lukács, o outro
principal iniciador do marxismo ocidental, é um fascinante mas pouco
simpático personagem da Montanha mágica (1924), de Thomas Mann -
Nafta, o jesuíta vermelho, um intelecto sequioso de autoridade -
Gramsci se tornou o 'santo' do marxismo ocidental: uma figura calorosa,
humana, aureolada pelo martírio - como Rosa Luxemburgo - nas mãos
da Reação.

Nascido nas camadas mais baixas da pequena burguesia sarda em


1891, Gramsci pôde estudar filosofia em Turim graças a uma bolsa.
Com um terço de sua população composta de operários, a Turim do
término da I Guerra Mundial era o coração do socialismo italiano. O
jovem Gramsci entrou para o Partido, e, com Palmiro Togliatti, um
velho amigo da Sardenha, lançou um semanário radical, Ordine Nuovo,
muito lido no curso das greves frequentes do biennio rosso de 1919-20.
Em 1921, indignado com a timidez dos socialistas em face do
movimento grevista, ele ajudaria a criar o PCI (Partido Comunista
Italiano). Achava-se em Moscou, a serviço do Comintern, quando os
fascistas tomaram o poder (1922). Dois anos depois, foi feito líder do
PCI e, em 1926, confessadamente condenado pelo regime de Mussolini
a vinte anos de reclusão, por motivo político. Sempre doente, cumpriu
grande parte da sentença no hospital.

A principal contribuição teórica de Gramsci encontra-se nos seus


Cadernos da prisão - os famosos quadrei dei carcere. Há trinta e três
deles, cobrindo bem mais de 2.000 páginas. A cunhada de Gramsci
conseguiu tirá-los secretamente da clínica em que ele morreu e enviá-los
para Moscou. Os cadernos foram começados em 1929. Em 1935, a
doença forçou Gramsci a deixar de escrever. As notas mais antigas são,
primordialmente, uma reação à vitória do fascismo. No começo da
década de 1930, elas se tornam mais teóricas, menos imediatamente
políticas. Finalmente, aí pelos últimos dois anos, o foco recai na cultura
italiana e em questões linguísticas. A própria natureza dos cadernos,
para não falar das circunstâncias em que foram escritos, fazem-nos, às
vezes, fragmentários e repetitivos. E, no entanto, quão proveitosa é sua
leitura, se comparada à dos tratados escolásticos do marxismo ocidental!

De início, Gramsci partilhava da impaciência messiânica de outros


marxistas ocidentais precoces. No mais conhecido dos seus artigos, "A
Revolução contra o Capital" (1917), ele saudava a conquista do poder
por Lenin como a vingança da vontade revolucionária contra o credo
econômico determinista da II Internacional. Mas também desacreditava
as afirmações historicistas associadas ao marxismo clássico. "Sabe-se. o
que foi e o que é, não o que será”, escreveu sem rebuços. E devotou
muitos parágrafos dos seus cadernos a combater a 'superstição' do
'economismo histórico',[36] versões barata do historicismo marxista
popularizada por Achille Loria (1857-1943). Gramsci jamais se cansou
de fulminar "a férrea convicção de que existem leis objetivas de
desenvolvimento histórico da mesma espécie que as leis naturais
juntamente com a crença numa teleologia predeterminada como a da
religião" - uma ilusão que, a seu ver, levava sempre as forças
revolucionárias à inação fatalista.

Como Lukács ou Bloch, Gramsci era uma figura altamente


sofisticada, um amigo da revolução que não se mostrava avesso à alta
cultura e às tendências modernistas em arte ou literatura. Sua perene
preocupação com a educação política era também, como já o fora para o
santo padroeiro do progressismo italiano, Giuseppe Mazzini (1805-72),
uma questão de elevar a política a um patamar cultural mais alto, a um
humanismo universalista e esclarecido.

O que Gramsci, tanto para burlar a censura como para honrar uma
tradição do marxismo italiano estabelecida por Labriola (v. p. 20),
chamou 'filosofia da práxis' foi concebido - exatamente como a
consciência de classe de Lukács - como uma visão do mundo bem
abrangente. "A filosofia da práxis", escreveu, “contém em si mesma
todos os elementos fundamentais necessários à construção de uma
concepção total e integral do mundo, uma filosofia total, uma teoria da
ciência natural, e... tudo aquilo que é necessário para dar vida a uma
organização prática, integral, da sociedade, i.e., para que ela se torne
uma civilização total, integral."[37] Ele partilhava também com o
marxismo ocidental centro-europeu a má vontade para com o
materialismo. Na expressão 'materialismo histórico', era o segundo
termo que tinha de ser acentuado, não o primeiro, que, para Gramsci
cheirava a 'metafísica'. A filosofia da práxis, insistia, era enfaticamente
um humanismo histórico.[38] Opunha-se vigorosamente, não menos que
Lukács e Korsch, ao determinismo tecno-econômico de Bukharin,
discutido por extenso nos Cadernos da prisão, e citava gostosamente a
crítica de Croce ao teórico russo. Esse humanismo intransigente refletia-
se na sua estranha maneira de sustentar a dialética da natureza: pois
Gramsci afirmava que, uma vez que o sentido da natureza e sua história
eram, em virtude da verdade do historismo absoluto, uma função da
história humana, não havia razão - pace Lukács - pela qual a dialética
não se devesse aplicar também à natureza.[39]

E, no entanto, dentro dessa visão genericamente idealista, Gramsci


mostrava pouca inclinação a preferir - como o jovem Lukács tantas
vezes o fizera - explicações idealistas a materialistas na teoria social.
Um bom exemplo disso surgiu da controvérsia entre Trotsky e Masaryk
à propôs do curso não-europeu da evolução social russa. Quando, em
Rússia e Europa (1913), Masaryk fez remontar a fragilidade da
sociedade civil russa à ausência histórica de uma Reforma religiosa,
Trotsky retorquiu que essa falta se devia, por sua vez, à inexistência na
Rússia de uma economia urbana vigorosa, no começo do período
moderno. Significativamente, Gramsci concordou com a réplica de
Trotsky, que chegou a traduzir (1918). Além do mais, a ideologia - o
tema idealista - podia ser útil sem ser, nem de longe, verdadeira. Assim,
Gramsci apontava o paralelo entre a crença na Providência e, mais
especialmente, na predestinação, no início dos tempos modernos, e a
espécie fatalista de socialismo, em certa fase na história do
industrialismo, como "racionalização" no sentido da vida.

Embora sem rebaixar a ideologia a mero reflexo de uma posição


econômica ou arma da falsa consciência de uma classe, Gramsci (ao
contrário de Lukács) não explicou o papel autônomo das ideias por meio
da metafísica da história. Em vez da grande ópera do sujeito-totalidade
de História e consciência de classe, seus fragmentos da prisão
esboçavam análises de desenvolvimentos concretos políticos
ideológicos. James Joll apontou o contraste entre a riqueza de estudo
histórico embutida nos Cadernos da prisão com os abstrusos exercícios
epistemológicos do comunismo ocidental (e. g. a escola de Frankfurt).
Na verdade, Gramsci, embora muitas vezes se mostrasse pensador
original e sagaz, não era um filósofo profissional. Seu equipamento
intelectual era mais empírico: histórico e filológico. Não foi em vão que
seu principal mentor linguístico, Matteo Bartoli, ensinou-lhe a ressaltar
o contexto social da linguagem, em face da ortodoxia dos
'neogramáticos'.[40]

Todavia, Gramsci sofreu uma influência filosófica considerável: a


de Benedetto Croce (1866-1952). Uma grande porção dos Cadernos da
prisão consiste num debate com as posições de Croce em matéria de
dialética e historismo. O idealismo crociano agradava a Gramsci por três
motivos: seu feitio secular, seu antipositivismo, e sua vigorosa
perspectiva histórica. Croce, era, no fundo, um historista em vez de um
historicista. Dava ênfase a contextos históricos e desenvolvimentos
históricos, mas recusava-se a considerar a história como uma Longa
Marcha rumo a um objetivo supremo. Mesmo assim, a interpretação da
história moderna por Croce parecia a Gramsci demasiado idealista.
Gramsci censurava o filósofo napolitano por começar com a
Restauração dos Bourbon sua História da Europa no século XIX (1932),
fazendo vista grossa ao background representado pelos tumultos
econômicos e militares da Revolução Francesa e das guerras
napoleônicas, e sua História da Itália em 1871, sem discutir as lutas do
Risorgirnento.[41] As duas críticas são, basicamente, fundadas. As obras
históricas de Croce coincidiram com sua opção pelo liberalismo na
Itália fascista. No entanto, ao tornar-se liberal, em meados da década de
1920, ele substituiu sua anterior 'filosofia da prática' por um foco muito
menos material no 'ético-político' - as manifestações históricas da
liberdade. Logo, e em certo sentido, o Croce posterior foi, na verdade,
muito mais 'metafísico' que o jovem Croce.

As análises do próprio Gramsci nos Cadernos da prisão podem ser


consideradas uma brava tentativa de marxizar o ético-político,
correlacionando-o com infraestruturas socioeconômicas dominadas por
classes. Essas análises, por sua vez, foram empreendidas com um senso
tão agudo do contexto nacional que a teoria histórico-política de
Gramsci parece derivar tanto da problemática italiana quanto dos
problemas clássicos da revolução proletária. Por exemplo, uma das
preocupações maiores de Gramsci era a necessidade de uma revolução
do tipo jacobino na Itália. Sonhava com um movimento capaz de utilizar
o Estado para levar a cabo a transformação nacional que a burguesia não
tinha promovido. E por causa da sua problemática italiana, a atenção de
Gramsci se viu atraída para duas questões em particular: o papel das
elites e a função das alianças de classe.

Gramsci acreditava que as classes governantes podiam ser


dirigentes ou simplesmente, dominantes. No Risorgimento, a nova
classe governante do Piemonte, quase que por prestidigitação, assumiu o
controle de uma Itália unificada sem buscar um verdadeiro consenso
nacional. Subsequentemente, a elite política do reino, ainda mais
dominante que dirigente, absorveu as alas mazzinianas e garibaldinas à
força de 'transformismo' - uma política de compromisso destinada
principalmente a privar os partidos extremistas da sua liderança pelo
recurso de atraí-los para o 'sistema'. O transformismo, por sua vez, não
era senão uma forma de um complexo processo sócio-político, a
'revolução passiva', que Gramsci identificou em pelo menos dois
disfarces. Ou ela significava apenas revolução, sem participação de
massas, como no Risorgimento, ou correspondia também a um progresso
dissimulado de classes sociais impedidas de avançar abertamente, como
a burguesia na França da Restauração (donde o rótulo alternativo de
Gramsci, 'revolução-restauração'). Sua convicção de que o fascismo era
uma forma de governo de transição pela burguesia, uma espécie de II
Império italiano, levou-o a aplicar exploratoriamente o conceito ao
regime de Mussolini. Mas nisso, como ele mesmo foi o primeiro a
admitir, havia mais perguntas que respostas. Gramsci discerniu uma
'função de tipo Piemonte' nas revoluções passivas, as quais, segundo ele,
significavam mudanças políticas e sociais conduzidas pelo estado na
ausência de classes capacitadas a mobilizar o apoio popular. Em tais
casos, havia governo, e mesmo governo forte; mas não havia liderança.
[42]

Toda essa teorização ia muito além até mesmo das famosas


tentativas anômalas do marxismo clássico (na teoria do bonapartismo)
para enfrentar o fenômeno do poder estatal autônomo, i.e., do estado
como algo mais que um "comitê executivo da burguesia". Em grande
parte, as opiniões de Gramsci podem ser consideradas um desafio
marxista ao tema central do pensamento político italiano, tal como
desenvolvido por Mosca e Pareto, os pais da teoria da elite. Enquanto
Mosca e Pareto se aferram ao eixo governante/governado, Gramsci
procurou combinar esse ângulo com uma sociologia (política) das
classes. Por outro lado, como sugeriu Walter Adamson,[43] a visão
marxista normal, derivativa do estado, e a visão, às vezes 'politista' do
fenômeno classe em Gramsci pode ser vistas como perspectivas
complementares e não mutuamente exclusivas. Para Marx, analisando
(como no O Capital) sociedades ou regimes constituídos, a política
reflete normalmente a manipulação de interesses de classe, na superfície
de uma dada estrutura social. Já para Gramsci, cujo tema era a mudança
sócio-política, o jogo da superestrutura tinha, naturalmente, muito mais
peso. A prova é que, quando Marx focalizava grandes mudanças
políticas, como, por exemplo, em O 18 Brumário de Luís Bonaparte,
sua visão da política se toma claramente menos epifenomenalista. Seja
como for, uma coisa é certa: para Gramsci, a política não era, em última
análise, nem um epifenômeno nem um primeiro motor onipotente.[44]

As alianças de classe, que Gramsci denominava 'blocos históricos',


entravam no quadro porque classes dirigentes costumam aliciar o apoio
de 'classes subalternas'. Assim, enquanto, na França revolucionária, os
jacobinos urbanos conquistaram os camponeses para a sua cansa, os
mazzinianos, no Risorgimento, não conseguiram levantar o campesinato,
aleijando assim a revolução democrática burguesa na Itália. O tema dos
blocos modernizadores era, de qualquer maneira, corrente no
pensamento político progressista na Itália, desde a ala avançada do
Risorgimento (Pisacane) até os reformistas liberais que queriam
fomentar o industrialismo do Norte com a ajuda dos camponeses do Sul
(Gobetti). Mas, em Gramsci, o apoio popular é uma rua de mão dupla.
Ocasionalmente, em processos revolucionários abertos, ele se refere à
mobilização do consentimento das massas. De regra, todavia, constrói
todo um conjunto de valores em torno de um amplo consenso, costumes
e práticas maquinados pela hegemonia de uma classe dirigente.
O conceito de hegemonia teve larga circulação no marxismo russo.
Denotava a primazia política do proletariado no seio das classes
inferiores. Enquanto a 'ditadura do proletariado' se dirigia,
supostamente, contra a burguesia, a 'hegemonia' proletária se exerceria
sobre o campesinato. O uso do termo por Gramsci introduziu três
alterações no sentido de hegemonia: a) a expressão passou a designar
um relacionamento interclasses e não, como no marxismo russo,
intrablocos - pois Gramsci se refere livremente à hegemonia burguesa
sobre as massas; b) a hegemonia gramsciana é enfaticamente estendida à
esfera cultural; c) e ela é geralmente colocada dentro da órbita da
sociedade civil, em contraposição ao estado.[45] Acresce que, embora
Gramsci advertisse que a hegemonia precisava ter raízes na atividade
econômica, habitualmente lhe atribuía uma natureza essencialmente
'ético-política'. A hegemonia seria para o ético-político o que a força é
na arena dos interesses econômicos.

Os Cadernos da prisão de Gramsci também mostram uma outra


correlação; a hegemonia, já se disse, é o esteio do governo no Ocidente,
onde uma robusta sociedade civil não fica amesquinhada pelo poder
estatal. Gramsci dá mais de um sentido à expressão 'sociedade civil'.
Mas o sentido dominante está claramente ligado a instituições privadas
tais como a Igreja, as escolas, os sindicatos; ao passo que por 'estado'
ele entende instituições públicas como o governo, os tribunais, o
exército, e a polícia. No Ocidente, escreveu Gramsci, o estado era
apenas uma 'trincheira avançada' numa formidável rede de fortalezas no
mundo social, econômico e cultural de uma forte sociedade civil. Na
Rússia imperial, ao contrário, o estado era todo-poderoso, e a sociedade
civil, uma 'gelatina' sem substância. Por conseguinte, no Ocidente, a luta
revolucionária não poderia adotar a mesma estratégia. Se Lenin teve
êxito num ataque frontal, numa rápida 'guerra de movimentos' na
sociedade russa, o socialismo revolucionário no Ocidente teria de travar
uma 'guerra de posição', complexa e sutil. A classe trabalhadora e seus
aliados precisavam conquistar primeiro a hegemonia. O predomínio
social deve preceder a dominação política. A tomada do poder poderia
sobrevir então como a culminância de um processo revolucionário
prolongado. Inteirado da repressão draconiana que se seguiu ao
aventurismo revolucionário da Ação de Março Alemã – uma infeliz
tentativa de 'guerra de movimento' (v. p. 116) - Gramsci queria evitar o
aventureirismo revolucionário, tirando a lição do próprio passado
recente: entre 1921 e 1924 ele resistira à tímida frente unida de
vanguarda do Comintern de Lenin - apenas para ver a vitória do
fascismo. Agora, fazia firme oposição aos que, como seu rival no seio
do PCI, o antigo líder partidário Amadeo Bordiga, se agarravam
teimosamente às táticas divisionistas do 'comunismo de esquerda'
condenado por Lenin.

O conceito gramsciano de hegemonia como primordial fenômeno da


sociedade civil foi criticado por Perry Anderson. "Se a hegemonia é
coisa da sociedade civil, e se a sociedade civil prevalece sobre o estado
no Ocidente, então é a ascendência cultural da classe dominante que,
essencialmente, assegura a estabilidade da ordem capitalista."[46]
Anderson repara que, se Gramsci estava perfeitamente correto ao
acentuar o papel do consentimento na sobrevivência do capitalismo,
estava enganado ao localizá-lo dentro da esfera da sociedade civil.
Justificando sua crítica, mostra que há dois componentes no
consentimento das massas na sociedade burguesa: um, material,
alimentado pela melhoria do nível de vida e pelo chamado 'estado-
previdência'; outro, jurídico-político, correspondendo ao 'código
democrático', i.e., à ideia que o estado liberal representa a totalidade da
população, independentemente de divisões de classes. Mas o
consentimento material, segundo ele, é muito menos estável e decisivo
que o consentimento político. A crença na inexistência de classes no
estado é o eixo do poder ideológico nas ordens capitalistas, e a
influência dos mídia e outras agências culturais apenas arremata esse
efeito ideológico.

Para Anderson, inferir da eficácia dessa visão ideológica do estado


que ele não é, nas democracias burguesas, uma máquina repressiva, cuja
principal função seria assegurar a reprodução da exploração de classe, é
uma ilusão social-democrata que Gramsci, ao colocar a hegemonia
burguesa no âmbito da sociedade civil, esteve a pique de partilhar.
Como lembra Anderson, Kautsky, na sua polêmica de 1910 com Rosa
Luxemburgo, empregou conceitos (tomados à teoria estratégica)
surpreendentemente similares aos de Gramsci. Fala, por exemplo, numa
'estratégia de atrito' (cf. 'guerra de posição’) condizente com a revolução
no Ocidente, e em 'estratégia de derrubada' (cf. 'guerra de movimento’)
como algo apropriado à situação russa. No entanto, à diferença de
Gramsci, Kautsky pensava que o estado russo era mais fraco que sua
contraparte ocidental, ressaltando que, quando mais não fosse, o
exército e a burocracia alemães eram bem mais fortes que o arsenal do
czar.[47]

Não é preciso endossar a premissa marxista de que o estado é,


fundamentalmente, um instrumento repressivo de domínio de classe
para admitir o ponto levantado por Anderson: o estado, tanto quanto a
sociedade civil, é o pivô do consentimento e do consenso no capitalismo
liberal. Mas a análise de Gramsci foi realmente inovadora: revelou a
riqueza de determinações pertinentes à sociedade civil no Ocidente
burguês. O conceito weberiano de estado patrimonial, em oposição ao
estado nascido de revoluções burguesas, contém uma problemática
convergente. Além disso, a análise de Gramsci admite um interessante
grau de variação no seu modelo ocidental, pois ele via a própria
sociedade civil italiana como largamente 'gelatinosa', embora,
obviamente, não tanto quanto a russa. Aos seus olhos, a síndrome
italiana traía uma conjunção de sociedade civil fraca e estado fraco,[48]
pelo fato de não haver ocorrido nenhuma liderança jacobina, ligando o
país a um poder central dominante. Citando Parlamento e governo
(1920), de Weber, Gramsci dá grande importância ao peso dos partidos
socialmente representativos como correias de transmissões entre estado
e sociedade. Logo, seu diagnóstico do caso italiano prova que a
hegemonia gramsciana envolve tanto o estado quanto a sociedade civil.

Há uma página curiosa nos Cadernos da prisão em que Gramsci,


comparando explicitamente a Europa do primeiro pós-guerra à
Restauração pós-napoleônica, pergunta: "Existirá uma identidade
absoluta entre guerra de posição e revolução passiva?"[49] Isso parece
aludir, senão diretamente ao reformismo, pelo menos a um crescimento
institucional de um bloco liderado pela classe trabalhadora, que poderia,
finalmente, prescindir de uma revolução violenta. A tomada gradual do
poder cultural e jurídico tinha, na verdade, a aprovação de marxistas
heréticos, como Sorel. E vale a pena notar que, ao ver de Gramsci, Sorel
estava para a revolução passiva depois da Comuna como o modelo de
Sorel, Proudhon, para a antiga idade pós-revolucionária na primeira
metade do século XIX. [50] Sorel, no entanto, estava preparado para
privar-se da revolução (embora apegado à retórica da revolução corno
mito funcional de rejuvenescimento social) porque, como bom discípulo
de Proudhon, desprezava a política e abominava partidos jacobinos.
Gramsci, não. Ele partilhava da preocupação soreliana com o socialismo
ético, mas era profundamente interessado em partidos e sonhava com
uma política jacobina. O que só confere maior sedução às suas crípticas
observações sobre 'guerra de posição' e 'revolução passiva'.

Gramsci achava a crítica leninista do 'economismo' sindical um


convite soreliano para edificar o socialismo como uma nova moralidade
nutrida por uma nova visão do mundo. Mas isso só se podia fazer
através de 'um aparelho hegemônico',[51] no qual o papel dos intelectuais
teria importância estratégica. Gramsci não acreditava na existência
duma categoria social independente constituída de intelectuais. Mais
exatamente, os intelectuais são sempre presos à classe, mas presos à
classe de duas maneiras distintas: ou são 'orgânicos', i.e., uma força
ativa, organizadora, numa classe determinada; ou são 'tradicionais',
profissionais da mente, gozando de uma posição aparentemente acima
das classes mas que de fato deriva, a rigor, do passado da estrutura
social: pois houve um tempo em que eles também agiram corno porta-
vozes e ideólogos para a burguesia em ascensão. De modo que
intelectuais 'orgânicos' são, antes de mais nada, organizadores da
hegemonia in fieri.

A posição de Gramsci fica a meio caminho entre a noção kautskiana


dos intelectuais como indispensáveis portadores da ideologia
revolucionária em nome de uma classe à qual não pertencem
necessariamente - mas que não ascende à consciência revolucionária por
si mesma - e o anti-intelectualismo de Sorel, do qual, aliás, partilhava
Bordiga. Muita importância tem sido dada à originalidade das posições
gramscianas nesse ponto.[52] Para alguns, a teoria dos intelectuais
constitui a 'maior realização' de Gramsci como pensador marxista? Para
mim, trata-se de uma área relativamente desinteressante do seu
pensamento. Pois ao contrário do que acontece com a sua teoria do
estado e da sociedade, aqui, o foco de Gramsci é com frequência menos
crítico e sociológico que normativo - um wishful thinking voltado para a
construção da hegemonia proletária. Gostaríamos de ler mais sobre a
possibilidade intrínseca de que 'intelectuais orgânicos' como ideólogos e
apparatchki possam comportar-se como um grupo de interesse e,
eventualmente, como uma elite de poder - como as intelligentsias de
serviço descritas por Konrad e Szelenvi em Os intelectuais a caminho
do poder de classe (1974). Naturalmente, Gramsci não tinha em mente
essa espécie de animal. Mas tampouco o tinham diante dos olhos outros
radicais do tempo (por exemplo, o anarquista polonês Waclaw
Machajski), que, no entanto, foram bem menos líricos, ou utópicos,
quanto ao poder dos 'organizadores'.

Croce chamou Marx de 'Maquiavel do proletariado'. Uma parte


substancial dos Cadernos da prisão traz o título "Notas sobre
Maquiavel"; e sabemos que Gramsci planejava escrever um 'Príncipe
moderno'. Para ele, esse príncipe moderno, o 'príncipe-mito', tinha de
ser coletivo. Seria, de fato, o Partido Comunista, órgão da vontade de
classe. Gramsci via no pensamento político de Maquiavel uma resposta
criativa ao fracasso da Renascença (em contraposição à Reforma) em
empolgar as massas a fim de construir os estados modernos. O mito
maquiavélico do Príncipe visava a fornecer um pendant italiano do que,
à época, as monarquias estavam fazendo na Europa ocidental: uma
aliança entre a coroa e o Terceiro Estado. Reencontramos assim os
motivos entrelaçados da liderança - hegemonia - e dos blocos históricos.
Finalmente, o grande florentino também legou a Gramsci a imagem do
centauro: como o centauro de Maquiavel, o Partido, Príncipe moderno,
combina a força com a astúcia, o bastão e a cenoura. Criticando tanto a
ênfase do liberal Croce no consentimento quanto o fetichismo da força
na doutrina fascista de Gentile, Gramsci parecia lembrar suas rixas no
PCI, onde o esquerdista Borda a corporificava a violência e o direitista
Angelo Tasca r presentava a persuasão e a negociação.

Meditando sobre Maquiavel, Gramsci remontou à fonte clássica da


constante preocupação italiana com edificação do estado e da liderança.
Quatro fases assinalam a evolução da sua teoria da liderança e das
elites:[54] a) uma primeira teoria das elites, de modelo padrão, partilhada
com Mussolini (que ainda era socialista por esse tempo), na mocidade;
b) um período em que os conselhos de trabalhadores fazem as vezes de
elites, de 1916 ao biennio rosso; c) uma virada, em 1921, para o
conceito leninista de vanguarda revolucionária; e d) a ênfase final na
função educacional do partido como elite, não muito diversa das
famosas dúvidas do próprio Lenin, no fim da vida, quanto ao potencial
intrinsecamente repressivo do 'centralismo democrático'.

E justo dizer que Gramsci superou Lenin, em escala bem


significativa, nesse tipo de preocupação. Em suas críticas à burocracia,
chegou a rejeitar a substituição do partido por classe, inerente no
leninismo, e aceito sem discriminação por Lukács. As análises de
Gramsci deságuam nitidamente numa reestruturação do conceito de
partido revolucionário num sentido da seita para a Igreja; na sua
opinião, o partido devia ser uma elite, mas tinha, ao mesmo tempo, de
estar profundamente permeado pela sociedade ambiente. Como a Igreja,
o partido de Gramsci tinha uma índole eminentemente católica. Na
expressão de Kolakowski, Gramsci era um 'comunista revisionista' que
rejeitava a ideia - comum a Lenin, Kautsky e Lukács - do 'socialismo
científico' como justificativa para um papel manipulatório por parte do
partido marxista.[55]

Os neogramscianos pensam que a recusa de Gramsci de fundir


estado e partido sob o regime socialista, bem como sua insistência na
necessidade de fortalecer a sociedade civil depois da conquista do
poder, colocam-no 'além de Lenin'.[56] Alguns chegam a pintar Gramsci,
em termos fortemente desleninizados, como o proponente de um
caminho constitucional para o socialismo - um 'caminho ocidental', no
qual hegemonia significa uma aquisição gradativa e pacífica do poder.
[57] Outros são mais céticos. Joseph Femia sugere uma distinção entre o

intelectual Gramsci, espírito aberto e inquisitivo, e o político Gramsci,


ainda preso a um revolucionarismo dogmático. Como político, ele
permaneceu comprometido com a abordagem antiparlamentar e
insurrecional abandonada só bem mais tarde (muitas vezes em seu
nome) pelo 'eurocomunismo' do PCI. E nunca dissentiu das esperanças
marxistas quanto ao crescimento da classe operária e à sua progressiva
homogeneidade - profecias que, naturalmente, não se cumpriram.

Hoje se tende a reconhecer – numa avaliação sóbria e simpática -


que sua modificação do leninismo foi "ampla mas, certamente, não
pluralista".[58] Todos parecem concordar pelo menos num ponto:
Gramsci não formulou nenhuma concepção explicitamente pluralista do
poder socialista. Nem chegou a encarar a partilha do poder com outros
partidos. Na observação de Ludo Colletti, se, para Gramsci, não devia
haver ditadura do proletariado sem hegemonia, tampouco devia haver
qualquer hegemonia comunista sem ditadura do proletariado.[59] Afinal
de contas, se muita coisa de fato põe Gramsci 'além de Lenin', ele ainda
fica bastante à direita de Rosa Luxemburgo.

Seja corno for, a preocupação de Gramsci com a ampliação do


'eleitorado' comunista granjeou-lhe a estima dos líderes da liberalização
comunista através do mundo. Tanto a onda, hoje em declínio, do
eurocomunismo, quanto as ideias de 'democracia da massa’, defendidas,
na ala esquerda do PCI, por Pietro lngrao, têm raízes no seu
pensamento. Também o tem, na América Latina contemporânea, a voga
dos blocos 'nacional-populares', que substituiu a ideia de
desenvolvimento conduzido por burguesias nacionais aliadas a estados
'bismarquianos' modernizadores. Com o descrédito dos regimes
burocráticos autoritários, muitos olhares se voltaram para o conceito de
'sociedade civil'. As análises de Gramsci, juntamente com a 'teoria da
dependência', dominam o cenário intelectual. Jamais um mestre do
marxismo ocidental gozou de prestígio político comparável ao seu.

Entretanto Gramsci era um marxista ocidental sui generis. Falta


visivelmente a seu pensamento um dos principais ingredientes do
marxismo ocidental: o elemento Kulturkritik. Seu gosto pelo futurismo e
pelo americanismo trai uma ótica produtivista e tecnológica afim da
visão de Sorel, porém, profundamente alheia às fobias neorromânticas
de Lukács e Bloch, e, mais tarde, da escola de Frankfurt. Típica é sua
enfática percepção de que não existe nos Estados Unidos uma camada
pré-capitalista improdutiva de amplas proporções, nenhum corpo de
'pensionistas da história'. Numa importante seção dos Cadernos da
prisão, intitulada "Americanismo e fordismo", ele examina as ideias de
Frederick Taylor sobre 'gerência científica', que tanto interessaram a
Lenin e Trotsky. A mecanização do trabalho, diz Gramsci, permite ao
trabalhador alcançar "um estado de completa liberdade" pois que a
própria rotina das suas tarefas lhe dá maiores oportunidades de pensar, e
sua percepção de que os capitalistas gostariam que ele se comportasse
exatamente como um robô faz dele, na melhor das hipóteses, um
conformista relutante."[60] Haverá coisa que soe menos a Marcuse do
que isso?

Também em vão se procurará nos cadernos aquela difamação da


ciência tão monótona em Bloch e Lukács, Adorno e Marcuse. Gramsci
acreditava que a lógica formal não devia ser desprezada - como soía ser
– pelos filósofos idealistas, uma vez que, como a gramática, ela é "uma
condição necessária para o desenvolvimento da ciência". Tais
afirmações são simplesmente inconcebíveis nas páginas de qualquer
outro clássico do marxismo ocidental com raízes hegelianas. Acima de
tudo, sente-se que, em Gramsci (como em Sorel), não existe nenhuma
teoria da alienação, e a teoria da alienação é o esteio da Kulturkritik de
esquerda.

Por ambíguas e, até, errôneas que sejam suas opiniões políticas, não
resta dúvida de que, na tradição marxista, Gramsci teve um efeito
profundamente libertador. Ele fez com que o tema da luta de classes
pesasse em análises destituídas de todas as insuficiências impostas pelos
dogmas do materialismo histórico. Melhor ainda, como quer Chantal
Mouffe, Gramsci proclamou o fim do reducionismo de classe. Com ele,
'classe' se torna uma poderosa perspectiva heurística, e magna pars em
sugestivas tentativas de explicação; mas não se atravessa no caminho da
descrição de contextos históricos. É verdade que seu tributo ao
historismo pode ter-lhe custado, paradoxalmente, uma compreensão
melhor de algumas tendências históricas. Como observa Femia, a
ausência em Gramsci de qualquer análise econômica mais desenvolvida
cegou-o para o potencial adaptativo do capitalismo. Ele tomou,
erroneamente, a economia do laíssez faire pelo próprio capitalismo. A
exemplo de outros 'crentes', Gramsci não tinha a menor suspeita da sua
iminente metamorfose keynesiana.[61] No entanto, nenhum pensador
marxista de estatura comparável à sua exibiu "mentalidade tão
empírica".[62]

Rompendo com o historismo, o marxismo italiano posterior a


Gramsci separou-se da sua sociologia política-histórica. Isso é de
lamentar. No principal desenvolvimento pós-gramsciano - a escola anti-
idealista de Galvano delia Volpe (1895-1968), na qual Lucio Colletti
(1924) foi filosoficamente educado[63] - as preocupações
epistemológicas (sem dúvida várias vezes fecundas) não foram
substanciadas por qualquer investigação histórica. O próprio Colletti se
especializou na desmistificação da historiosofia marxista, terminando
por rejeitar totalmente a ideia de que o marxismo deva ser uma visão do
mundo.[64] Mas Colletti é, hoje, um e - marxista ou, no mínimo, um
pensador posto, de certo modo, e inconfortavelmente, entre marxismo e
não-marxismo -, para citar o título de um dos seus livros mais recentes.
A despeito da rica diversidade da cultura marxista na Itália, ainda é
muito cedo para dizer se o país dará ou não um pensador capaz de alijar
o idealismo de Gramsci e, ao mesmo tempo, equiparar-se a ele como
analista histórico.
III

O PÓS-GUERRA

Vamos resumir a história até agora. Seu herói conceitual foi o fruto
da imaginação de Hegel, a teoria do processo. Ao dizer que Hegel
possuía uma teoria do processo enquanto outros pensadores, como
Nietzsche principalmente, não a tinham, quisemos significar
basicamente duas coisas: a) que em Hegel a filosofia tinha em vista dar
sentido à história em· seu conjunto, e b) que, ao fazê-lo, ele se esforçou
para apresentar uma justificação racional da sociedade moderna, não
como simples defesa do status quo social, mas porque tal sociedade lhe
parecia encarnar uma tendência geral para maiores graus de liberdade.

Vimos também que Marx, ao contrário de outros hegelianos de


esquerda, tentou preservar a teoria social como exposição do processo
histórico. Mas sua tentativa foi prejudicada por umas tantas
reivindicações injustificadas e também por sua tíbia aceitação do
princípio dinâmico da modernidade (embora sem rejeitar o
industrialismo per se, ele opunha várias reservas às instituições
econômicas como tais, e não só a sua forma capitalista na época).
Quanto ao marxismo ocidental, nasceu, sobretudo na Europa Central, do
inequívoco abandono daqueles dois aspectos centrais do pensamento de
Hegel. O jovem Lukács não exibia nenhuma verdadeira teoria do
processo e, certamente, jamais sonhou em escrever para justificar a
sociedade moderna, nem mesmo no 'Sentido limitado, embora
importante, em que Marx o fizera. Em consequência, na sua infância, o
marxismo ocidental, embora reacendendo o ânimo revolucionário do
pensamento de Marx, desprezou a clássica vinculação marxista entre
revolução e processo histórico. Só Gramsci, dentre os fundadores do
marxismo ocidental, mostrou inclinação para a sociologia histórica -
mas a própria natureza das suas análises aproximou-o mais da tradição
historista de Weber ou Croce que das preocupações historicistas de
Hegel e Marx. Por isso, ele estava muito mais interessado em
configurações históricas específicas que na lógica da história como um
todo.

Na evolução ulterior do marxismo ocidental, pelo menos até


Habermas, esse afastamento progressivo de uma teoria do processo só
faria acentuar-se. Tal evolução data da década de 1930 e é geralmente
conhecida como a 'teoria crítica' da escola de Frankfurt - o idioma
principal do marxismo ocidental desde a II Guerra Mundial.
1. A ESCOLA DE FRANKFURT EM SUA FASE
CLÁSSICA

Filosofia é a tentativa de considerar tudo do ponto de vista da


redenção.
— Adorno, Mínima moralia

Herr Professor Doktor Theodor Wiesengrund Adorno era um


homenzinho careca e rechonchudo. Ex-alunos contam que, durante as
aulas, em Frankfurt, sempre que julgava ter chegado a um ponto crucial
da sua exposição, ele se punha na ponta dos pés e pedia a atenção geral,
dizendo em voz alta: "Meine Damen und Herren: das ist sehr
díalektisch!" A dialética era, com efeito, o cerne da linguagem filosófica
dos frankfurtianos. Tanto assim, que eles são por vezes chamados, como
em meu livro de 1969, 'a escola neo-hegeliana de Frankfurt'·. Quanto ao
'ponto de vista da redenção' acima mencionado, é ele que dita a maneira
de ser de todos os grandes dialéticos de Frankfurt, desde o primeiro até
o último - Horkheimer, Adorno, Marcuse. Com eles, o pensamento era
'crítico' porque, embora não tivessem a oferecer qualquer imagem
positiva de uma sociedade redimida, aferraram-se à ideia de que o
mundo tal como está é algo radicalmente necessitado de redenção.

O berço da 'teoria crítica' foi o Institut für Sozialforschung (Instituto


de Pesquisa Social), aberto oficialmente em Frankfurt graças à
generosidade do abastado pai de Felix Weil em junho de 1924. Seus
iniciadores foram intelectuais marxistas como Weil e os economistas
Friedrich Pollock e Karl August Wittfogel. Seu primeiro diretor, Carl
Grünberg, o 'pai do marxismo austríaco', fora, por muitos anos, o único
professor marxista da Europa além de Labriola, e, como tal, o mestre
dos austromarxistas Karl Renner, Rudolf Hilferding e Max Adler.[1]
Na década de 1930, porém, sob a direção de Max Horkheimer
(1895-1973), os principais membros do Instituto e principais
colaboradores de seu periódico, o Zeitschrift für Sozialforschung,
tinham um perfil teórico muito diverso do austromarxismo. Para
começar, esses intelectuais trabalhavam numa área diferente, as
humanidades. Os cavaleiros da teoria crítica eram sociólogos da
literatura, como Leo Lowenthal e Hans Mayer; filósofos, como o
musicólogo Theodor W. Adorno e o hegeliano de esquerda Herbert
Marcuse; e até psicanalistas, como Erich Fromm. Não admira que
tivessem reorientado os estudos do Instituto, desviando-o da sua
intenção original de fazer pesquisas sobre o movimento trabalhista
alemão, rumo a uma 'crítica cultural' generalizada. Significativamente,
cientistas políticos com background jurídico, como Franz Neumann ou
Otto Kirschheimer, acabaram em desarmonia com a nova orientação da
teoria frankfurtiana. O foco institucional desses juristas politólogos
discrepava das generalizações psicológicas com as quais os teóricos
críticos construíram sua sombria visão da cultura de massa, encarada
como meio de repressão e dominação.

Os cavaleiros da teoria crítica estavam mesmerizados pelo


humanismo de esquerda de História e consciência de classe, e
particularmente pelo conceito de reificação. Mais tarde, Adorno
definiria a dialética como a "intransigência em face de qualquer
reificação".[2] ] Mas, como viu um colaborador pouco ortodoxo do
Instituto, Franz Borkenau, a 'teoria pura do comunismo' de Lukács era
violentamente elitista, sob dois aspectos. Primeiro, Lukács inferia do
vanguardismo de Lenin a conclusão lógica de que, faltando ao
proletariado uma consciência de classe adequada, ele tinha de obtê-la
dos fazedores de teorias, i.e., dos intelectuais, os quais, encarando a
totalidade, ensinariam aos operários qual deveria ser a 'sua' consciência
de classe. Segundo Lukács produziu uma teoria que, ao contrário da
vulgata moscovita, era uma espécie de 'marxismo em código’,
dificilmente inteligível fora do pequeno círculo das pessoas
filosoficamente educadas em, digamos, Heidelberg.[3] Como Lukács e
Korsch, mas não como Bloch ou Gramsci, esses radicais de Frankfurt
eram, na maioria, nascidos e educados no seio da alta classe média'
(judia); e muito da sua produção e visão refletia uma atitude high-brow,
cheia de mal disfarçado desprezo pela cultura popular de qualquer
espécie.

Para o messiânico Lukács não havia contradição possível entre o


seu vanguardismo ultra leninista e a convicção de que qualquer ruptura
revolucionária só se efetuaria como produto da ação livre do
proletariado. Mas os frankfurtianos eram muito menos otimistas nas
suas expectativas. Acabaram falando da histórica obsolescência da
teoria do potencial revolucionário do proletariado.[4] E já por volta de
1930, não vendo sinal de agitação social, a despeito do tremendo crash
financeiro, tinham perdido toda fé no proletariado como força
revolucionária.

Podiam como o fizeram Horkheimer Marcuse nas suas análises de


Ideologia e utopia (1929) de Karl Mannheim - criticar o pensamento
burguês por separar a consciência de classe de uma perspectiva
revolucionária totalista. Mas sua própria adesão ao tema da luta de
classes era, na melhor das hipóteses, só da boca para fora, dada a
"impotência dos trabalhadores.''. Como advertia Horkheimer: "a verdade
buscará refúgio entre pequenos grupos de homens admiráveis"[5] -
admiráveis e, sem - dúvida, admiradores uns dos outros; mas
estritamente dentro do pequeno âmbito de uma coterie inteiramente
desprovida de ligações sociais, políticas ou culturais com as massas
trabalhadoras. Se esses teóricos sofisticados tivessem podido ler o que
Gramsci ia anotando na prisão, perceberiam que não, tinham a menor
chance de tornar-se intelectuais orgânicos' da quiescente classe
trabalhadora, naquele crepúsculo da República de Weimar.

O programa traçado em 1931 por Horkheimer para o Instituto era


'filosofia social'. Ora, a filosofia social, ao contrário da filosofia tout
court, se via como uma empresa empírica. Mas também se orgulhava do
seu compromisso de 'ver o conjunto' - nítida marca do culto lukacsiano
da totalidade. Empenhado em ser tão materialista quanto hegeliano,
Horkheimer prescindia do sujeito demiúrgico, o grande desdobramento
da Ideia, e preconizava um foco na interação humana concreta,
historicamente dada. Logo, no entanto, a filosofia social como 'teoria
crítica' encontrou seu alvo: visava a destruir o conceito de progresso.
"Dialética", escreveu Horkheimer, "não é a mesma coisa que
desenvolvimento ... o fim da exploração . . . não é mais uma aceleração
do progresso, mas um salto qualitativo para fora da dimensão do
progresso."[6] Em 1940, desencadeada a guerra de Hitler, muitos
frankfurtianos concordaram com Pollock em que o mecanismo histórico
que levava ao colapso do capitalismo já não funcionava. Em seu lugar,
emergira um 'capitalismo de estado' aparentemente capaz de impedir que
as contradições tecno-econômicas explodissem o sistema. Em vão
Neumann, numa esmerada anatomia do nazismo, Behemoth (1942)
afirmou enfaticamente que a noção de capitalismo de estado era
contraditória e que a realidade empírica da economia alemã, onde a
cartelização, e não à estatização, continuava a regra, desmentia a
interpretação estatista oferecida por Pollock, extrapolando suas análises
anteriores sobre a via stalinista para o industrialismo,[7] Os
frankfurtianos, na maior parte, alinharam-se com a tese do capitalismo
de estado, não por ser mais acurada, mas por conter uma inferência
profundamente pessimista sobre o curso da história, homóloga às suas
próprias conclusões sobre a ubiquidade do autoritarismo no mundo
moderno. Autoritarismo que, por sua vez, tinha raízes numa 'dominação
tecnológica' alimentada pela repressão psicológica generalizada (como
no caráter sadomasoquista da mentalidade nazista, segundo Fromm).

Numa perspectiva dessas, não havia lugar, naturalmente, para a


ideia de um progresso social baseado na inevitável substituição da
economia da propriedade. O progresso técnico e econômico já não era
um veículo de libertação - muito pelo contrário.

Essa demolição do mito do progresso era um grande exemplo


daquela usurpação da análise do processo histórico pela Kulturkritik, tão
típica de uma grande parte do marxismo ocidental. A tese do
capitalismo de estado adotada pela escola de Frankfurt serviu quase de
pretexto para uma postura de Kulturpessimismus, tão enfaticamente
sustentada que fez que os profetas clássicos da decadência cultural,
como Burckhardt ou Spengler, parecessem, em comparação, espíritos
positivamente otimistas ... Buscando apoio para essa perspectiva
lúgubre, os frankfurtianos utilizaram o tema weberiano da
racionalização crescente, i.e., do crescimento da racionalidade
instrumental, que eles interpretaram como fator de dominação do
homem sobre o homem e não só de alienação na 'jaula de ferro' das
burocracias desenfreadas; e a denúncia de Husserl, na Crise das ciências
europeias e a fenomenologia transcendental (1936), de que a razão
ocidental perdeu-se numa infinidade de disciplinas cognitivas
inadequadas e, de maneira geral, insuficientes. Em Frankfurt, a perda da
unidade da razão se torna uma perversão. O clássico da escola, a
Dialética do iluminismo (1947), escrito conjuntamente por Horkheimer
e Adorno durante os anos da guerra, equiparava a razão - o verdadeiro
princípio do iluminismo - e a repressão. Husserl havia esperado que um
novo método filosófico, a fenomenologia, realizasse a latente
racionalidade do logos ocidental, pondo fim, desse modo, à
desorientação do presente. Mas para os frankfurtianos, a racionalidade
já se realizara - só que o seu verdadeiro significado era uma longa
tradição de traição. Para eles, a racionalidade presidira ao crescimento
da divisão do trabalho - mas todo o progresso material concomitante
estava viciado pela coerção do instinto e da natureza. Pois os
frankfurtianos, a despeito da sua firme posição antinaturalista vis-à-vis
do conhecimento, eram resolutos naturistas em matéria de moral - e
viam a tecnologia como a própria negação da natureza.

Com o progresso a favorecer a repressão e com um proletariado


não-revolucionário, a totalidade histórica não poderia significar senão
desastre. Na verdade, o caráter nada sociológico das suas noções ultra
genéricas e holísticas sobre dominação tecnológica manteve os
frankfurtianos presos a um fútil exorcismo de supostas totalidades
maléficas ainda bem depois da derrota da barbárie nazi, ou do fim do
terror stalinista. Sua demonização da razão e da tecnologia, bem como
sua depreciação de toda cultura de massa (inclusive do jazz e dos filmes
de Chaplin) autorizou-os a incluir as democracias liberais na mesma
categoria das tiranias fascistas de 1922-45. Não admira que se sentissem
compelidos a descartar a famosa undécima tese de Marx sobre
Feuerbach (a filosofia deve mudar o mundo em vez de só interpretá-lo),
regressando a uma visão puramente contemplativa da teoria como
crítica. A deusa Práxis, no sentido de ação social libertadora, tornara-se,
aos seus olhos, terrivelmente preguiçosa.

Mas essa convicção foi algo tardio. Em 1935, a verdade ainda era
para Horkheimer "um momento de práxis correta".[8] No seu mais
importante ensaio da década de 1930, "Teoria tradicional e crítica"
(1937), ele ressalta que enquanto a primeira, de Descartes a Hurssel,
visava sempre a uma descrição da realidade, e considerava a atividade,
como em Bacon, no máximo, um controle tecnológico, a última, i.e., a
teoria crítica, resistia a qualquer tentativa de pôr o conhecimento acima
da ação. Dez anos depois, contudo, em Eclipse da razão, ele já pensava
de modo bem diverso. O livro é uma severa advertência contra combinar
pensamento crítico com ativismo social - sobretudo quando político.
Muito logicamente, Horkheimer devotou grande parte das suas últimas
reflexões a exaltar a renúncia de Schopenhauer em detrimento do
engajamento revolucionário de Marx.

Se a evolução de Horkheimer exibe as características da escola de


Frankfurt em sua evolução clássica - Kulturkritik numa veia pessimista
-, seu método e sabor seriam melhor exemplificados na obra de Theodor
Adorno (1903-69), o virtuoso da dialética abstrusa como língua da
redenção frustrada. Embora só tivesse entrado para o Instituto em 1938,
às vésperas do exílio, sua influência pesou decididamente para desviar
os esforços da entidade no sentido de uma perspectiva culturalista,
ditada por uma problemática de alta cultura afim à arte de vanguarda,
mas claramente alheia ao marxismo clássico, tanto como teoria política
quanto como ciência social. Quando Adorno se aproximou do
marxismo, lá pelo fim da década de 1920, evitou a abordagem
base/superestrutura, a exemplo do que fizera Lukács em História e
consciência de classe. Diferentemente de Lukács, porém, Adorno era
muito pouco dado a visões abrangentes de conjuntos culturais. Ao
contrário, através de seu mentor, Siegfried Kracauer (mais tarde autor de
De Caligari a Hitler), ele aprendeu a dissecar fenômenos culturais
menores, e mesmo diminutos, com a precisão microscópica apresentada
pioneiramente pela sociologia impressionista de Simmel, o modelo
confesso de Kracauer. Foi também Kracauer quem apresentou Adorno
ao mestre das microscopias culturais críticas, Walter Benjamin. A aula
inaugural de Adorno na universidade de Frankfurt, "A atualidade da
filosofia" (1931) era uma tradução marxizante da epistemologia
esboçada por Benjamin no primeiro capítulo do seu livro passivelmente
hermético sobre o drama barroco alemão, o chamado Trauerspielbuch,
de 1928.[9] Em Dialética negativa (1966), sua principal obra filosófica,
Adorno definiu a dialética como "o sentido de não-identidade"; e
Benjamin sugerira, nos primeiros parágrafos do Trauerspielbuch, a
primazia da 'experiência filosófica' (Erfahrung) sobre a 'possessividade
do conhecimento' (Erkenntnis) como subsunção conceitua! de
particulares num dado conceito. Confiando a maior parte do marxismo
de Frankfurt a um hiperculturalismo cujo paradigma era a utopia da arte
moderna, Adorno concebeu um organon filosófico derivado
basicamente de Benjamin. Por isso mesmo convém fazermos uma pausa
para examinar a obra do próprio Benjamin - um produto dos
entreguerras cujo impacto só ocorreria muito mais tarde.
2. A OBRA SOLITÁRIA DE WALTER BENJAMIN

A' construção da vida está, atualmente, muito mais em poder dos


fatos que em poder de convicções, e de fatos que quase nunca serviram
como base de convicções.
— Benjamin, Rua de mão única.

Walter Benjamin (1892-1940) é a figura romântica dentre os


marxistas ocidentais. Seu empobrecimento, seu exílio e, por fim, seu
suicídio, a fim de escapar à Gestapo, na fronteira espanhola da França
derrotada, fizeram dele um mártir da cultura radical na idade das tiranias
modernas, tanto quanto Gramsci no cárcere. Acresce que ele foi, toda a
vida, um solitário, um desajustado entre os eruditos e um rebelde entre
os radicais - uma espécie de poéte maudit do pensamento, cuja prosa
lúcida e sedutora brilha como uma joia rara em meio à prolixa papelada
do marxismo ocidental.

Ele foi um dos maiores críticos, e sem dúvida o maior ensaísta


alemão do século. Judeu, nascido em Berlim, numa família abastada e
filisteia, envolveu-se na contracultura do tempo - o impetuoso
movimento estudantil do Reich Guilhermino. Aos vinte e cinco,
escreveu um ensaio como presente de aniversário para Gershom
Scholem (1897-1982), destinado a tornar-se um amigo de toda a vida e
um notável historiador da Cabala e que se empenharia em vão para que
Benjamin abraçasse o sionismo. O ensaio, "Sobre o programa da
filosofia por vir", confiava à filosofia a fundação de "um conceito mais
alto de experiência" - 'mais alto' no sentido de. mais compreensivo que o
de Kant, que ele considerava limitado à percepção. A experiência
kantiana, embora girando decisivamente em torno da experiência e não
ingenuamente atrelada a uma impossível apreensão da natureza da
realidade, parecia a Benjamin confinada tanto pela lógica quanto pela
percepção. No já mencionado 'prólogo epistemo-crítico' A origem do
drama barroco alemão (1928), ele opôs o valor cognitivo de 'mosaicos'
ensaísticos compostos por 'imersão' em 'diminutos pormenores do tema',
ao 'universalismo raso' da filosofia científica. Queria uma "arte da
interrupção, em contraste com a cadeia da dedução"[10] Os filósofos
estavam de há muito em estreito contato com os cientistas. A presente
tarefa do pensamento, protestava Benjamin, era mostrar suas afinidades
com os artistas - esses grandes peritos em particularidades.

O Trauerspielbuch redefinia 'ideia' ao arrepio do jargão filosófico.


Para Benjamin, ideia não é nem forma pura, como em Platão, nem uma
sombra mental, como em Locke, nem um princípio regulador como· em
Kant. No símile de Benjamin, “as ideias são para a realidade o que as
constelações são para as estrelas": estranhas mônadas, representações de
particularidades, as quais, uma vez que não são momentos num devir,
não são nem mesmo universais concretos, à Hegel.

Essa fugidia associação de conteúdo veritativo com pormenores


ocultos tomou-se a chave da crítica de Benjamin. Seu modelo estético
de epistemologia forneceu o tema da sua dissertação de 1919, O
conceito de crítica de arte no romantismo alemão. Comentando os
fragmentos teóricos de Friedrich Schlegel e Novalis, ele acentuou que,
para os românticos, crítica era menos a avaliação, por critérios externos,
de uma obra de arte "que o método do seu acabamento": a verdadeira
crítica era interpretação 'imanente', descobrindo as 'disposições secretas'
da obra em causa. A reflexão crítica completa e consuma o sentido
literário.

Os românticos, como bons idealistas, combinavam essa perspectiva


imanente com o tema do sujeito, a soberania da consciência criadora e
irônica. A arte era para eles tanto um organon de conhecimento como a
sede da subjetividade triunfante. Aqui, todavia, Benjamin se afastou da
teoria romântica. Indo nas águas de Ludwig Klages (1872-1956), um
membro do Georgekreis (v. p. 97), ela, ao invés, dá o lugar de relevo à
espontaneidade do objeto - uma doutrina simbolista em bem marcado
contraste com a ênfase kantiana e pós-kantiana na atividade do sujeito.

Klages era um pensador 'telúrico', que se insurgiu contra a tradição


'platônica' de buscar a verdade para além da matéria. Costumava falar
sobre temas ocultos, como a grafologia, para o movimento estudantil de
Berlim, e advogava um insight direto na materialidade do objeto, sem
mediação conceitual. Momentos privilegiados, epifanias de 'imagens
primordiais' refletiam um 'nimbo' - a radiância do objeto ativo, luzindo
sem qualquer conceito em toda a sua densa significação.[11]

A mesma nota simbolista, órfica, inspirou a teoria mística da


linguagem de Benjamin, formulada a partir de 1916. Ele via a essência
da palavra como uma prístina mimese do sentido, muito além da mera
comunicação. Para ele, o sentido era conferido "na linguagem, e não
apenas através dela". Mas em Benjamin, tal visão à Mallamé sobre
mimeses verbais órficas vinha envolta em mitos judaicos, sobretudo nas
suas ideias sobre tradução. Cada tradução genuína reacendia um código
primevo, ecoando os nomes que Adão apôs num mundo virgem.

No Georgekreis, essas crenças simbolistas combinavam-se numa


espécie de esteticismo cósmico. Mas Benjamin as colocou numa firme
moldura ética. Seu affaire com Jula Cohn, uma amiga de Georg
Gundolf, aproximou-o dos membros do Georgekreis, onde Gundolf
reinava como crítico literário. E, no entanto, seu primeiro grande ensaio
de crítica (1925), um longo comentário sobre o romance de Goethe As
afinidades eletivas, seria uma polêmica contra o esteticismo naturista da
poética do Georgekreis. Benjamin não era surdo à ênfase de
Kierkegaard no ético. Acima de tudo, porém, como observou Julian
Roberts,[12] deixara-se impressionar vivamente pela filosofia da religião,
altamente moralista, do principal neokantiano de Marburg, Hermann
Cohen (1842- 1918).
Cohen defendia um judaísmo esclarecido, equivalente aos
mandamentos universalistas da ética kantiana. Queria a total'
emancipação dos judeus, mas não via grande diferença entre o judaísmo
como ‘religião da razão' (para citar o título de um dos seus livros) e um
protestantismo ético, baseado num acesso espiritual estritamente
individual e eminentemente responsável a Deus, sem lugar nem para o
ritual nem para hierarquias da Igreja. Liturgia e hierarquia carregavam a
seus olhos o estigma de um criptopoliteísmo 'cúltico', um ressaibo de
idolatria católica. Como Adolf von Harnack, o grande historiador e
teólogo luterano, Cohen tendia a ver o catolicismo como 'gentio' e, em
consequência, apoiou a Kulturkampf de Bismarck. Fé, para ele, era a
crença numa total e absoluta transcendência, alimentada por uma
fervorosa esperança - a confiança profética no poder da humanidade
para libertar-se através de Deus. Indo mais longe que Kant, Cohen
concebia a liberdade como algo mais que uma hipótese para a ética.
Queria que fosse uma força produtiva para o mundo, "uma verdadeira
força para homens vivos".[13]

No livro de Benjamin, sobre o drama barroco, com a passagem da


tragédia grega para o Trauerspiel protestante, o despontar da moralidade
no mito dá lugar à plena eticidade da consciência cristã, que opõe a pura
transcendência de um céu vazio à babel do pecado mundano. Assim, o
judaísmo ético de Cohen emprestou uma nova luz àquela 'crítica
redentora',[14] que Benjamin aprendera com os românticos. Fundia-se
também com um elemento central em Klages: a glorificação de epifanias
a expensas do tempo linear. O pathos messiânico de Benjamin sempre
aponta para fúlgidos instantes, nunca para o desdobrar de uma
temporalidade cumulativa. Quando se volta para o passado, recusa-se a
ver a origem como uma gênese. Contemplando o futuro, nega toda
evolução. Como tal, essa mentalidade anti-historicista é aparentada à
revulsão contra historiosofias expressa por Franz Rosenzweig (1886-
1929) em A estrela da redenção (1921), notável obra de filosofia
judaica, que deixou sua marca nos escritos de Benjamin da década de
1920. Para Rosenzweig, a amarga verdade do historicismo de Hegel era
uma corrida cheia de violência, a marcha da nação-estado para a Grande
Guerra. Enquanto a Cristandade esperava a salvação através da história,
a piedade judaica vivia a redenção como vigília messiânica, sem nada a
ver com o progresso e sua legião de vítimas.

Benjamin foi o Rosenzweig da cultura. Usava a crítica soteriológica


como estratégia para a recuperação da humanidade. O sentido tinha de
ser resgatado, pois que o anelo humano, sobretudo como busca de
liberdade e felicidade, jaz enterrado sob camadas superpostas de
repressão. Não é a obra da civilização, como Freud percebeu tão bem,
apenas um imenso esforço repressivo? Se assim for, a verdade pode
apenas ser, como diz o prólogo do Trauerspielbuch, 'a morte da
intenção'. No mesmo livro, ele cunhou seu principal conceito estético:
alegoria, a cifra da obscura verdade do reprimido. "As alegorias estão
entre as ideias como as ruínas estão entre as coisas." Ao contrário do
'símbolo', que une sujeito e objeto numa feliz harmonia, tanto na criação
quanto na contemplação, as alegorias prosperam na escura distância que
separa forma e sentido, sentido e intenção. No alegórico, o tempo é
sentido como Paixão. A violência do olvido devasta os efeitos da
expressão. "A pureza e beleza de um malogro." Essa frase de Benjamin,
escrita a propósito de Kafka, bem poderia ser generalizada como própria
substância da sua poética alegórica.

Benjamin teceu uma singular mistura de crítica social e nostalgia


histórica. Como ele mesmo disse em suas Teses de filosofia da história,
escritas em 1939-40: "o passado carrega consigo um índice temporal
pelo qual ele se refere à redenção. Há um acordo secreto entre a geração
passada e a presente. Nossa vinda era esperada na terra."[15] Isso soa
como um Edmund Burke messiânico: um contrato social foi feito com
os mortos, mas dessa vez em nome da redenção, pois que o passado foi
vitimado e traído. A crítica histórica, diz Benjamin, deve saber como
reanimar "as fagulhas de esperança do passado".[16] Os aforismos finais
de Rua de mão única (1928), coleção de fragmentos escritos quase
imediatamente depois do Trauerspielbuch, identificavam os principais
culpados da traição histórica: "Pela primeira vez se cortejava assim o
cosmos em escala planetária, i.e., no espírito da tecnologia. Mas porque
a sede de lucro da classe dominante buscou satisfação através dela, a
tecnologia traiu o homem e transformou o leito nupcial num banho de
sangue."[17] Temos aqui, servido à moda de Frankfurt, um prato algo
requentado: o anticapitalismo romântico da esquerda. Como no jovem
Lukács, a luta de classes é acusada; mas, ao mesmo tempo, salienta-se o
protesto contra a tecnologia qua domínio da natureza. Pois, ao contrário
de Lukács os frankfurtianos exibem ainda outro veio romântico - uma
verdadeira mística da mãe natureza. A reificação, em Lukács, é ruim por
ser desumana. Mas a dominação tecnológica em Benjamin, Adorno ou
Marcuse é hedionda porque trabalha 'contra a natureza'.

A nostalgia cultural colore alguns dos ensaios melhores e mais


convincentes de Benjamin. Em "O narrador ' (1936), por exemplo, a
narrativa oral é descrita como uma forma altamente pessoal de
passatempo verbal, no qual o narrador deixa a marca de sua experiência
no relato, da mesma forma pela qual o oleiro a deixa em sua cerâmica.
A imprensa e a dispersão dos sentimentos na moderna sociedade urbana
- no que constitui para Benjamin uma crescente incapacidade de trocar
experiências - mataram essas formas de arte verbal ao mesmo tempo
exemplares e autênticas, pessoais e autorizadas. Conforme notaram
inúmeros comentadores, o empobrecimento moral subentendido na ideia
benjaminiana de uma perda do "lado épico da verdade" apresenta
marcantes semelhanças com o contraste entre a "civilização integrada"
de outrora e "desenraizamento transcendental" do mundo moderno,
traçado por Lukács na Teoria do romance (v. p. 101) - obra, aliás, citada
por Benjamin. Mesmo o romance moderno é interpretado contra esse
background eivado de nostalgia. Em "O narrador", o verdadeiro foco da
análise não é o seu sujeito declarado, Nikolai Leskov, um escritor russo
menor, mas Proust. E Proust (que Benjamin traduziu) é visto ao mesmo
tempo como o ponto terminal na dissolução de enredos objetivos e como
uma tentativa apaixonada de restaurar, através da memória, a autoridade
daquele 'rosto do narrador' sempre presente nas formas tradicionais de
narrativa.
Como vimos, a alegoria era a peça central da estética de Benjamin.
Com a ajuda desses elementos de Kulturkritik, vê-se que Benjamin
discernia dois tipos históricos de alegoria: enquanto o tipo cristão,
exemplificado pelo drama barroco, se referia, basicamente, ao
sentimento de finitude da criatura, ao senso da falta de sentido do
mundo, a mensagem essencial transmitida pela alegoria moderna desde
Baudelaire alienação. A moderna alegoria se compraz no enigmático
porque o seu verdadeiro significado participa da natureza dos impulsos
reprimidos. As alegorias modernas contam obscuras epifanias, gritos de
revolta e desespero sufocados. De certo modo, substituem outro padrão
de experiência estética: a aura.

O termo 'aura' foi tomado de empréstimo a Klages. Em Klages


significava uma determinada espécie de nimbo (cf. p. 168). Benjamin
definiu a aura como "o aparecimento único de uma distância, por mais
próxima que possa ser".[18] Por muito tempo nossa experiência da arte
espelhava a prática do culto religioso. Uma das razões disso, e não a
menor é que, as mais das vezes, as principais obras de arte eram
imagens religiosas. Essa função cúltica, explica Benjamin, emprestou à
contemplação um status de ritual, cercando a obra consagrada de uma
aura de autoridade especial em virtude da singularidade da sua
localização e da sua própria experiência - exatamente a espécie de
atributo perdido quando as técnicas de reprodução fizeram das imagens,
cada vez com maior frequência. o objeto de sacrílegas manipulações
visuais. O 'museu imaginário' mata a aura. Dada a rememoração
romântica da tradição e da cultura oral em "O narrador", seria de esperar
que Benjamin mergulhasse em nostalgia ao falar da 'decadência da aura'.
Mas isso foi exatamente o que ele não fez. O conceito de aura foi
lançado num ensaio escrito pouco antes da sua miniteoria do romance:
"A obra de arte na idade da reprodução mecânica" (1935), publicado em
francês, por motivos de propaganda, no Zeitschrift für Sozialforschung,
então sediado em Paris. O que estava em jogo, do ponto de vista
ideológico, não deixava dúvida: a arte cúltica, aurática, fora exaltada
pelos ritos do l'art pour l'art, tendência que procurava restaurar a aura a
golpes de esteticismo à outrance. O fascismo, por outro lado, visava a
transformar a política num espetáculo 'artístico'. Saudando mais do que
lamentando o desaparecimento da aura, Benjamin quis revidar à
estetização fascista da política com uma vigorosa politização da arte. A
estética de choque do filme, que rompia com o tempo lento da
contemplação ou da leitura, bem como com a privacidade da experiência
tradicional da arte secular, abriu um caminho novo e revolucionário na
comunicação estética. O cinema tornou possível estender os 'efeitos de
alienação' de Brecht a toda uma estrutura perceptual. A arte mecânica
podia assim tornar-se uma arma de libertação social.

A principal obra de, Benjamin ao longo dos anos de 1930, a


chamada Passagenwerk, está permeada de suas ideias sobre aura e
alegoria. O título se refere às arcadas (Passagem em alemão) de Paris,
"capital do século XIX". e sede da história originária (Urgeschichte) de
nossa própria modernidade. Obra inacabada, a Passagenwerk[19]
representa mais de mil páginas de fragmentos em grande parte
desconexos sobre arquitetura urbana, moda e prostituição, vida boêmia,
tipos humanos como o dândi ou o flâneur, e escritores como Fourier.
Hugo e, acima de todos, Baudelaire. O método nela utilizado, tão caro a
Benjamin, era o da montagem literária: nada é dito, tudo é 'mostrado'
por meio de citações (Benjamin era, ao lado de Karl Kraus, a quem ele
criticava com simpatia, um mestre da citação insólita). O propósito
deliberado era dissecar as fantasmagorias da ideologia vitoriana 'vivida':
as ilusões da mente burguesa sob o império do fetichismo da mercadoria
- com as 'arcadas' regurgitantes de máscaras desse fetichismo.

Apontando a possibilidade de uma arte revolucionária transparente,


a "Obra de arte" esboça uma inversão utópica dessas alegorias da
alienação burguesa. Mas a própria alegoria podia ser usada numa
perspectiva libertadora. Assim, Benjamin saudava as 'iluminações
profanas' do surrealismo por seu pretenso poder de resgatar objetos do
estado de mercadoria pelo simples fato de descontextualizá-los. No seu
ensaio crucial sobre o surrealismo (1929), o movimento de Breton é
elogiado por seu 'niilismo revolucionário'. Talvez Benjamin sentisse que
a própria revolução estava em via de ser tomada pelo niilismo de
bárbaros cínicos - um prognóstico já feito por Hermann Rauschning no
seu retrato do regime nazista, A revolução do niilismo (1938).
Revolucionar o temperamento niilista da vanguarda alegórica parecia a
Benjamin um meio de prevenir a aniquilação moral do revolucionarismo
político.

Todavia, a posição dominante na estética de Benjamin do último


período era 'brechtiana', embora para o próprio Brecht o ensaio "Obra de
arte" fosse "todo misticismo, malgrado a sua natureza de um ataque ao
misticismo". Em meados da década de 1920, Benjamin, que desde sua
participação no movimento da juventude guardara distância do
socialismo político, aproximou-se do marxismo de História e
consciência de classe. Em 1928, conheceu Brecht, que lhe foi
apresentado pela letã Asja Lacis, assistente do teatrólogo e amante de
Benjamin. Conquanto tivesse algumas vezes escrito como soreliano
(prova disso o ensaio "Crítica da violência"), não era comunista. Mas
depois de uma viagem a Moscou, no fim da década, engajou-se como
intelectual 'vermelho'. Seu comunismo se expressou principalmente
num. desenvolvimento teórico criativo da estética utópica e engagée de
Brecht. Ao invés de ver a obra de arte como um fim em si, como no
culto da arte pela arte, ele desejava que ela desencadeasse mudanças
sociais: "o objeto rígido, isolado (ensaio, romance, etc.) não serve para
nada, tem de inserir-se no contexto de relações sociais vivas".[20]
Impressionado por efêmeras experiências russas como as oficinas do
'trabalhador-escritor' Sergei Tretjakov, Benjamin chegaria a falar em
termos líricos do 'artista como produtor',[21] dedicado a práticas
coletivistas, numa espécie de comunismo da escrita: "a autoridade para
escrever já não se baseia num treinamento especializado mas
politécnico, e assim se toma propriedade comum".[22]

Em resposta às críticas 'dialéticas' que lhe foram feitas por Adorno,


Benjamin terminou em 1939 um segundo ensaio sobre Baudelaire, para
substituir a parte central de uma seção do rascunho da Passagenwerk
intitulada "A Paris do Segundo Império em Baudelaire". Retomando o
otimismo de "A obra de arte", ele embarcou numa distinção entre a
experiência cúltica, subliminal (Erfahrung) da arte aurática e da
narração tradicional, e as formas de experiência vigilante, pragmática
(Erlebnis), desenvolvidas em reação ao choque do meio urbano
moderno. "A tecnologia", escreveu ele, "submeteu o sensorium humano
a um treinamento complexo".[23] Muito da poética de Baudelaire era
lido como técnica de 'esgrima', como armadura para enfrentar as
colisões nervosas da vida numa cidade grande. E uma vez colocada a
serviço da arte libertadora, a tecnologia poria fim ao reino individualista
da subjetividade, ao aconchegante mundo de privacidade dentro da
propriedade.

O preito de Benjamin, nos últimos anos de sua vida, a uma arte


'tecnológica' representava uma estratégia contra o esteticismo 'cúltico';
mas também pode ser visto como uma reprise do eticismo de sua
juventude marcada pela teologia altamente moral do neokantiano
Hermann Cohen. Certa vez ele chamou seu ideal de uma nova cultura
tecnológica de 'novo barbarismo' - uma etiqueta perigosa, já que a ideia
do bárbaro técnico não era estranha ao pensamento názi e protonázi
(ex.: em Ernst Jünger). Com mais frequência, contudo, Benjamin teve o
bom senso de separar sua utopia tecnológica dos cansativos oráculos da
'renovação cultural'. Preferia subscrever a opinião de Brecht - "o
comunismo não é radical": a construção do socialismo não deve ser
confundida com uma portentosa mutação cultural, nascida do
iconoclasmo irresponsável ante o capital da cultura. Em Paris, em 1926,
familiarizou-se com a obra de Alexandre Bogdanov, o comunista de
esquerda que teorizara o Proletkult. Como Bogdanov, Benjamin sabia
ver na máquina um aliado e não um inimigo do trabalhador; e como a
Proletkult (rapidamente sufocada pelo leninismo), encarou o espírito da
arte de vanguarda como algo capaz, historicamente, de render a cultura
burguesa, não como uma tardia revolta romântica contra a modernidade.

Entretanto a análise do itinerário de Benjamin sob essa luz enfrenta


um sério problema, porque seu testamento ideológico, as dezoito Teses
de filosofia da história, ervilha de afirmações difíceis de conciliar com a
linha bogdanoviana e brechtiana de seus outros últimos escritos. Para
começar, as Teses reiteram a animosidade do Benjamin dos anos 20 no
tocante ao progresso. Clamam pela urgente necessidade de puxar os
freios da locomotiva histórica - uma imagem explicitamente empregada
como réplica à famosa frase de Marx sobre as revoluções como
locomotivas da história universal.

É preciso puxar os freios da história, bradava Benjamin, enfurecido


pelo pacto názi-soviético de 1939. A imagem preponderante das Teses é
um 'anjo da história’ (tirado de um desenho de Klee comprado por
Benjamin) que faz uma visita messiânica à cena da catástrofe. O anjo
está voltado para o passado, por comiseração pelas vítimas da história;
mas 'a tempestade do progresso' o empurra energicamente para o futuro
(Tese IX). A história é, portanto, um remoinho anunciando desastre,
onde a esperança só é concedida em meio ao desespero.

Contra o complacente credo evolucionista do marxismo da II


Internacional, Benjamin adotou logo o moto de Kraus: "a origem é a
meta”, para depois fundir esse velho motivo, 'a esperança no passado'
com uma preocupação candente com os imperativos do presente. O
vigoroso ataque 'presentista' de Nietzsche contra a história antiquária
mereceu-lhe corajosa evocação (na Tese XII): "Precisamos da história,
mas não da maneira com que um vadio mimado passeando pelo jardim
do conhecimento costuma necessitá-la." No presente, Benjamin só
encontra os mais sinistros perigos. Franz Rosenzweig culpara o culto
hegeliano do estado pela tragédia da I Guerra Mundial; Benjamin
vituperou 'o bordel do historicismo' pela aparente capitulação do
comunismo ante o nazismo. Mas o resultado final de sua indignação foi
uma recusa em bruto: "não há nenhum documento de cultura que não
seja, ao mesmo tempo, um documento de barbárie" (Tese VII). A cultura
transmitida - a tradição - era apenas os despojos carregados pelos
vitoriosos. A verdadeira humanidade repousa, se é que repousa, em
outro lugar, isto é, fora da história enquanto tradição.

Hoje, que a contracultura e a difamação do historicismo são


passatempos prediletos entre a intelligentsia humanística não causa
espanto verificar que as Teses são frequentemente louvadas como
epítome da sageza acerca da natureza do tempo histórico. Há, no
entanto, pelo menos igual razão para vê-las como um lamentável
retrocesso no pensamento benjaminiano. Se, no rastro de algumas
interpretações recentes, admitirmos que o Benjamin inaugural sintetizou
corsas tão diferentes quanto a poética subsimbolista de Klages e o
utopismo ingênuo, não é difícil reconhecer nas Teses 1939 uma
capitulação frente ao irracionalismo. A crítica, da temporalidade
sucessiva, isto é, ‘homogênea e vazia’ assemelha-se à própria teoria da
historicidade de Heidegger No ser e O tempo (1927), Heidegger fundira
a mística, do êxtase e do 'momento', proposta por Klages, com a ênfase
kierkegaardiana na 'decisão'. O Jetzzeit - o tempo agora - de Benjamin, a
vital ‘presentidade' de um passado a ser redimido por um corte extático
na história - nos faz lembrar irresistivelmente o Augenblick de Klages,
tal como apropriado por Heidegger. O paralelo enfurecia Benjamin -
mas o fato de ele ser feito na época estava longe de ser gratuito.

Alguns intérpretes modernos, notadamente Julian Roberts,


argumentaram com habilidade que a Teses não deveriam prevalecer, em
nossa leitura da visão do mundo benjaminiana, em detrimento dos
ensaios mais ensolarados de seus últimos anos. Todavia, vários dos
principais temas das Teses foram incorporados por Benjamin no seu
resumo da Passagenwerk de 1939; além do mais, graças às
reminiscências de Adorno, abemos que as próprias Teses deveriam
fornecer uma introdução epistemológica à Passagenwerk, do mesmo
modo que os parágrafos sobre as ideias como 'constelações'
introduziram o Trauerspielbuch (A origem do drama barroco alemão,
trad. por S.P. Rouanet) de 1928. Por isso, o irracionalismo de esquerda
das Teses dificilmente pode ser minimizado como algo periférico no
pensamento benjaminiano em sua encarnação final (ainda que
inacabada). Por outro lado, sua identidade brechtiana tampouco pode ser
negligenciada, deixando-se todo o espaço ao crítico desgostoso com a
'regressão da sociedade' (Tese XI).

Então, como avaliar Benjamin? Como escritor, ele abrangeu um


incrível âmbito de expressão, da infinita delicadeza à mais arguta
inteligência. Duas ou três citações extraídas de Uma infância berlinense
cerca de 1900, publicado dez anos após sua morte, ou de Rua de mão
única, seriam suficientes para prová-lo: "Como a mãe que segura o
recém-nascido no seu colo sem acordá-lo, a vida prossegue por longo
tempo com a meiga, imóvel memória da infância." "Livros e prostitutas
podem ambos ser levados para a cama." "As citações em minha obra são
como bandoleiros que pulam armados e aliviam o transeunte de sua
convicção." Poucos ensaístas modernos, em qualquer língua, podem
igualara prosa alígera e o toque humano de "Desempacotando minha
biblioteca". Se bem que aqui não seja o lugar de considerar o tesouro de
sua crítica literária, convém assinalar que sua obra sobressai como um
convite à profunda renovação da história literária, perspicazmente
anunciando, entre outras coisas, as melhores manobras da estética da
recepção, atualmente a maneira mais proveitosa de sair da escolástica
estruturalista e desconstrucionista.

De modo geral, a estatura literária de Benjamin é quase ímpar. Mais


ainda, ele ocupa uma posição-chave na teoria contemporânea, porque
em sua obra convergem as três principais tradições da contracultura:
modernismo. marxismo e freudianismo. Seu conceito de alegoria deu à
arte moderna sua melhor legitimação até o presente - a ideia, ou mito, de
que a obscuridade modernista não é o resultado final de um obstinado
subjetivismo, o incansável efeito de uma 'tirania da imaginação' há
muito tempo dedicada a guerrear contra as categorias morais e
perceptivas da cultura social, mas ao contrário, o inexorável emblema
de uma outra humanidade, mais genuína, ainda que (ou porque)
reprimida. Alegoria, no sentido benjaminiano, significa que toda a arte
moderna pode ser lida como um surrealismo em grande escala: o reino
do significado enigmático, ditado pelo desejo censurado. Outra
originalidade, não menos poderosa, de Benjamin reside na fusão de
Kulturpessimismus e otimismo estético, na superposição de uma visão
melancólica da história com uma crença robusta no progresso artístico.
Com isso Benjamin legou ao establishment pós-moderno, à indústria
contracultural, um dos seus estados de ânimo mais típicos - embora se
deva acrescentar com justiça que, neste ponto, seu pensamento era bem
mais sutil, ou mais complexo, que os vulgares preconceitos contra a
civilização moderna, e o ingênuo, supersticioso progressismo do culto
'experimental' ora exibidos pela epigônica ideologia das vanguardas
contemporâneas. Pois ao passo que, em Benjamin, o odium história e ao
menos pode ser entendido como uma resposta à violência da época em
que ele viveu, na sabedoria convencional dos 'humanismos' de agora, a
mesma rejeição da história moderna e da maioria de seus valores sociais
não possui essa desculpa. Com as fúrias do nazismo à solta, ou os
expurgos de Stalin em curso, os excessos da Kulturkritik eram
compreensíveis, senão justificáveis. Nos nossos dias, porém, eles se
tornam apenas um realejo ritual, tocado e retocado por um clero
ideológico que se diz tanto mais 'crítico' quanto menos exerce a
verdadeira disciplina do pensamento crítico.
3. O ESPÍRITO DA DIALÉTICA NEGATIVA

Esquematicamente, então, poder-se-ia dizer que, em suas fases


finais, o pensamento de Benjamin continha uma dupla mensagem: por
um lado, havia nele um comunista de esquerda, bogdanoviano, que, em
vez de exorcizar die Technik da alma da cultura moderna, promovia o
uso de meios mecânicos e artifícios brechtianos para suplantar os
últimos resíduos da aura e do cúltico. Por outro lado, havia o
melancólico teórico da alegoria, ínc1ínado a uma visão bem mais
sombria da história. Acontece que o mais sofisticado pensador do
neomarxismo de Frankfurt em sua forma clássica, Theodor Adorno,
houve por bem acentuar esse traço pessimista em detrimento do lado
ensolarado, 'futurista', tecnológico e brechtiano de Benjamin. Ao longo
de toda uma crucial correspondência, de 1935 a 38 (quando Benjamin
dependia financeiramente de subvenções e comissões do Instituto,
àquela altura exilado do nazismo nos Estados Unidos) Adorno rejeita o
coletivismo tecnológico da estética brechtiana de Benjamin. Essa
maneira de ver as coisas, escreveu, implicava o perigo de uma
"identificação com o agressor", pois a tecnologia era parte essencial - e
na verdade, a principal encarnação - da repressão.

É fácil discernir, aqui, o Leitmotiv da Dialética do iluminismo. O


mal é a razão instrumental em si; portanto, nenhuma apropriação social,
progressiva, de tecnologia servirá de remédio. O entusiasmo de
Benjamin pela técnica poderia, afinal de contas, salvar o processo
histórico. Mas Adorno fez com que, por um pretenso colapso num
masoquismo inconsciente ("identificação com o agressor"), essa linha de
pensamento fosse exorcizada, deixando o campo livre para uma
Kulturkritik sem jaça. E a Kulturkritik via o progresso tecnológico como
nada mais que o avanço da barbárie.
No entanto, num ponto, a antipatia de Adorno para com o
coletivismo brechtiano de Benjamin parece em parte justificada. Adorno
queria, a todo custo, preservar a individualidade na arte e na cultura. O
professor de filosofia de Horkheimer e Adorno em Frankfurt, Hans
Cornelius, ensinara-lhes a ter em alta conta o sujeito empírico.
Neokantiano com vigorosas inclinações austríacas, isto é, machianas (e,
por isso mesmo, criticado por Lenin em Materialismo e
empiriocriticismo), Cornelius, além de desconfiar de toda espécie de
'filosofia primeira', insistia na necessidade de substituir por
individualidades empíricas os grandiosos sujeitos transcendentais da
tradição idealista alemã. Essa ênfase no individual não deixou de
influenciar os neomarxistas frankfurtianos. Na verdade, preparou o
terreno tanto para seu recurso à psicanálise, quanto para o desinteresse
que mostraram por grandes Sujeitos coletivos, como o proletariado de
Lukács, intoxicado de totalidade. Como ele sustentou vigorosamente no
prefácio da Dialética negativa, Adorno tentou a vida inteira usar o
sujeito contra a metafísica do Sujeito.

Em estética, esse background filosófico lança muita luz sobre a


diferença entre as preferências estilísticas básicas de Benjamin e
Adorno: enquanto o primeiro apreciava, como vimos, as poéticas
impessoais do simbolismo e do surrealismo, Adorno defendia o
expressionismo, a arte altamente subjetivista da solidão e da angústia.
[24] Estava, é claro, extremamente cônscio de que, na cultura

racionalizada da moderna sociedade de massa, a ação individual, em


qualquer sentido mais forte, simplesmente caducara. Com a economia
"operada pela própria sociedade", seus sujeitos eram "psicologicamente
expropriados", simples parafusos numa engrenagem social na qual as
massas são "dirigidas sem qualquer intervenção da individuação",[25]
Adorno pensava que cada indivíduo levava, então, uma "vida
danificada" (subtítulo de Minima moralia, 1951) - mas quanto maior o
prejuízo, mais o indivíduo, ferido e obsoleto, se tornava "depositário da
fé, como o condenado contra o vitorioso."[26] Daí ver ele com
desconfiança toda apologia modernista ou protomodernista sobre a
aniquilação individual, de Baudelaire a Stravinsky. Todo o longo
segundo capítulo da sua Filosofia da música moderna (1949) rejeita o
primitivismo de Stravinsky como um ardil reacionário, o reverso da
dissolução da tonalidade em nome da expressão no primeiro
Schoenberg. Quanto ao surrealismo, era rotundamente condenado,
precisamente por renunciar à subjetividade personalizada.

O Benjamin tardio tendia a ver a individualidade como um atributo


burguês, como Adorno vira a espiritualidade introvertida em seu
primeiro livro, Kierkegaard: a construção do estético (1933). Mas para
Adorno as raízes disso remontavam a um tempo anterior à burguesia.
Contrastando a esmagadora dominação do valor de troca nos Estados
Unidos com o pudor europeu ante o dinheiro, ele especulou sobre uma
aliança entre vestígios 'feudais' e o protesto cultural da arte: "os
remanescentes do velho eram, na consciência da Europa, fermentos do
novo."[27] Noutro texto louvou a cultura e a educação alemãs por serem,
de há muito, protegidas do mercado. Numa paradoxal vantagem da
falência da democracia no Reich,[28] essa defasagem 'arcaica' permitiu à
cultura alemã resistir à identificação de modernidade e reificação e ao
consequente desaparecimento da autonomia individual.

Em vista de todo esse acento na psicologia da individualidade, seria


de esperar que os esforços mais constantes de Adorno como filósofo
visassem, principalmente, à alienação e reificação. No entanto, a
Dialética negativa representa um recuo com relação a esses temas.
Percebendo que o marxismo da alienação se tornava cada vez mais
idealista, Adorno afirma a necessidade de atribuir maior importância às
condições objetivas dos processos de reificação. Por um momento
parecia que o marxismo ocidental finalmente se afastaria das insossas
generalidades · psicológicas para tentar apreender estruturas sociais
mais tangíveis. Infelizmente, porém: tudo nesse ponto era mais retórica
do que substância.

A Dialética negativa encara toda tentativa de entender conjuntos


sociais e históricos como mistificação. Não obstante, o antídoto não é,
como na teoria social 'positivista', deixar a teoria social simplesmente
dispersa em várias disciplinas separadas, e, em geral, desconexas. A
teoria crítica deveria, ao contrário, funcionar como uma sombra
negadora do bom conjunto inacessível - negadora, é claro, em relação à
sociedade existente. Isso roubava à dialética toda síntese, para não falar
numa etapa final, um remate da história. Negatividade e identidade, que
viviam numa tensão de alta voltagem em Hegel, tornavam-se assim
inimigas mortais.

Joia na coroa do idealismo, a dialética de Hegel era a marcha da


Ideia expressa pelo conceito, em contraposição à intuição romântica.
Em contraste, a dialética de Adorno estava engrenada no objeto e
mantinha uma relação das mais estranhas com o pensamento conceitual.
O âmago do problema era a obsessão adorniana com 'o concreto'. Como
Gillian Rose apontou, ele dava mais de um sentido à expressão. Três
acepções, pelo menos, merecem menção: a) primeiro, sobretudo na
introdução, a Dialética negativa fala do concreto como algo inefável e,
por natureza, não-conceituai - um sentido obviamente mais próximo de
Bergson que de Hegel; b) segundo, há passagens nas quais 'concreto'
designa a 'negação determinada', o ser objetivo como a soma de muitas
determinações - um sentido claramente hegeliano, que se refere, como
em Marx, a processos sociais; e) finalmente, 'concreto' é também usado
no sentido das 'ideias' de Benjamin (v. p.167), para denotar uma utopia
epistemológica, isto é, conceitos capazes de esposar a realidade da
experiência, sem 'estilizá-la'.

Obviamente a e c têm em comum uma grande dose de


irracionalismo - o que não é de surpreender quando se recorda que a
Dialética do iluminismo definira a lógica como "dominação na esfera
conceitual"[29] e descrevera a ciência, principal portadora da razão
analítica, como uma recriação do 'mito', na medida em que implicava
uma "superstição primitiva em face da brutalidade do fato".[30] Que isso
constitua uma flagrante incompreensão da natureza da ciência,
principalmente tal como apresentada pela epistemologia moderna, nunca
preocupou aqueles que festejaram o livro de Adorno e Horkheimer
como bíblia do humanismo de esquerda. Na verdade, subjacente ao ideal
adorniano de uma dialética negativa estava a sombra de Nietzsche, o
mestre da misologia, i.e., do ataque contra a lógica e a razão. Na
Genealogia da moral (1887), Nietzsche sustentara que "só é definível o
que não tem história". Já se disse[31] que Adorno pensava o mesmo da
sociedade, medium da história. Consequentemente, sacrificou a
estabilidade de uma apreensão conceituai da estrutura social e do
processo cultural. Por isso mesmo, à sua dialética negativa faltava não
só direção, mas, até conteúdo, na arguta expressão de Kracauer.[32]
Conduzida em nome do mais alto respeito cognitivo pelo objeto, a fúria
contra a identidade terminou praticamente sem objeto - uma dialética
convertida em arte abstrata.

Adorno criticara a tentativa de Benjamin de pôr a montagem a


serviço do materialismo histórico por causa da falta de mediações
apropriadas. Mas que dizer de suas próprias mediações? Adorno
alternava habitualmente microscopias de detalhe musical com vastas
denúncias caricaturais do conjunto social, sem nada, virtualmente, no
meio. A forma musical - em Wagner, Mahler, Schoenberg, Webern e
Berg[33] - é analisada com muita perspicácia; mas a correlação dos
resultados dessa análise com tendências históricas exibe frequentemente
uma qualidade arbitrária, quase fantástica. Assim, na Filosofia da
música moderna muitas são as observações pertinentes sobre o destino
estilístico das dimensões da música tonal (melodia, harmonia,
contraponto, instrumentação, etc.); e, todavia, a tentativa de Adorno de
correlacionar a evolução das formas musicais desde os clássicos e
Beethoven até Brahms e Schoenberg com uma pretensa 'maldição'
histórica pesando sobre a individualidade e sua voz artística soa por
demais fantasiosa e forçada - especialmente quando categorias marxistas
pré-fabricadas são introduzidas na discussão. Pouca gente, para dar um
exemplo, se convenceria de que a harmonia clássica era um símbolo
sonoro de reificação apenas porque Adorno solenemente afirma que em
Wozzeck, a ópera de Berg, ouve-se um acorde de dó maior sempre que se
fala em dinheiro ...
Nem se julgue Adorno incapaz de torcer a interpretação para servir
suas conveniências. Por exemplo, ele postulou um parentesco entre o
barbarismo da música de Stravinsky e a bestialidade nazista. Porém
quando confrontado com o fato de que os nazistas tinham banido as
obras de Stravinsky do repertório alemão, explicou tranquilamente que,
ao fazê-lo, eles só mostravam que não queriam reconhecer a sua própria
barbárie... ou leia-se o seu ensaio sobre Wagner. Aqui, Adorno teve
várias coisas muito inteligentes a dizer sobre a relação entre a música de
Wagner, sua forma e orquestração, e a aspiração schopenhauriana ao
nirvana. No entanto, conforme lembra Michael Tanner (TLS 3 de julho
de 1981), Adorno compara a "a glorificada irmandade de sangue de
Parsifal'' com as sociedades secretas do nazismo - como se os cavaleiros
do Santo Graal estivessem ligados por laços raciais, fossem glorificados
e não sutilmente criticados por Wagner, e fossem uma sociedade secreta
e não uma ordem monástica. Sarastro e seus mações, na Zauberflöte de
Mozart, teriam servido muito melhor para uma comparação desse tipo!

A mais gritante contradição de Adorno envolve, porém, o


verdadeiro cerne da visão do mundo na escola de Frankfurt: a demolição
da ideia de progresso. "Nenhuma história universal conduz da selvajaria
para o humanitarismo, mas há uma que leva em linha reta da atiradeira
para a bomba de megatons."[34] Em outras palavras, não há progresso - a
não ser para pior. E, no entanto, somos advertidos, a 'inverdade' do
iluminismo consiste em que, para a razão iluminista, “o processo é
sempre pré-decidido".[35] Mas não seria esse também o caso, quando
somos informados de que nada conta em matéria de acumulação
histórica, exceto o crescimento nos meios de violência? Por que critério
objetivo está dito que devemos lançar fora todo o resto como inútil?

A Kulturkritik fala invariavelmente com a voz da asserção, não do


debate. Na Kulturkritik adorniana, onde, mais ainda que na obra do
jovem Lukács, o marxismo ocidental fica reduzido a acusações
obstinadas, e muita vez estúpidas, à sociedade industrial 'reificada', o
abuso arrogante da asserção dogmática parece esconder, como disse
Kolakowski, um real “pobreza de pensamento".[36]
Não admira que esse tom teórico tenha entrado em choque com a
pesquisa empírica. Embora contribuísse para a formulação de
questionários (inclusive a famosa ‘escala F') nos Estudos sobre
preconceito (1945-50), patrocinados pelo Instituto, pela universidade da
Califórnia e pelo American Jewish Committee, no intuito de identificar
os determinantes sociais de antissemitismo, Adorno acabou por chegar a
conclusões forçadas sobre a relação entre preconceito e estrutura da
personalidade. Ironicamente, sua própria descrição da personalidade
autoritária seria desmentida pela extensa investigação empreendida, por
Bruno Bettelheim e Morris Janowitz, no quinto e último volume dos
mesmos Studies in Prejudice. Uma vez de volta à Alemanha, Adorno e
Horkheimer pouco fizeram para encorajar investigações empíricas em
matéria de ciência social. Malgrado sua convicção preliminar de que à
filosofia social incumbia o domínio do 'empírico', eles rejeitariam sem
cerimônia o valioso aperfeiçoamento das técnicas de pesquisa
conseguido em Princeton por outro exilado, o sociólogo austríaco Paul
Lazarsfeld.

Um veredicto de esterilidade parece quase inevitável. Nas mãos de


Adorno, a dialética se torna, a despeito dela mesma, um jogo formal,
rendendo muito poucos resultados analíticos - especialmente no tocante
à teoria social. Adorno deixou um jargão filosófico que lembra, no vazio
das suas acrobacias, o desconstrucionismo. Todavia, ao contrário do
desconstrucionismo e de todos os outros principais pós-estruturalismos,
de Foucault e Deleuze a Baudrillard e Lyotard, a dialética negativa não
abraçou uma negação niilista da verdade e da objetividade.

A negação absoluta é privilégio da arte, da arte verdadeira, a qual,


em nosso tempo, Adorno acreditava consistir em "mensagens postas em
garrafas no mar da barbárie".[37] Enquanto na Estética schilleriana do
Lukács maduro a arte refletia a totalidade do homem, a Teoria estética
(1970) de Adorno rompe drasticamente com esse ideal do classicismo
de Weimar e exalta a 'participação nas trevas' (Methexis am Finsteren)
da arte moderna perversamente obscura.[38] Num ensaio de 1962, "Sobre
o engajamento", Adorno tomou partido contra o engajamento. Toda
verdadeira arte crítica é para ele hermética, como em Kafka ou Samuel
Beckett, herói da Teoria estética. Se "escrever poesia depois de
Auschwitz é bárbaro",[39] então cumpre esconjurar o fantasma de
Schiller: a arte já não pode ter, pace Marcuse,[40] um caráter
'afirmativo'. O único humanismo que resta a compele a representar, em
formas torturadas, "nossa idade satânica". Tirante o estilo enviesado do
fragmento como imagem do reprimido, tudo o que se pretende artístico
se enquadra na classificação de 'culinário', termo pejorativo predileto de
Adorno. Culinários eram os prazeres digestivos, alienantes, da 'indústria
da cultura' - a máquina estupidificada da cultura de massa, tratada por
ele com o maior desprezo. Elitista intelectual da cabeça aos pés, Adorno
jamais se cansou de descompor o espírito comercial, vulgar e
materialista, de qualquer arte capaz de agradar ao público. Embora, em
sua moral, os frankfurtianos pendessem para o hedonismo, nas mãos de
Adorno a estética da escola exibia um ascetismo melancólico: só o
martírio da forma poderia refletir, se não espelhar, a miséria do homem
moderno.

Há pouco mais de vinte anos, Lukács se referia sarcasticamente aos


Kulturpessimistas de Frankfurt como 'Grande Hotel Abismo'.[41] A
pilhéria era tudo menos tola: uma visão apocalítica da história foi
realmente o denominador comum de todas as estrelas da escola de
Frankfurt em sua fase clássica. A arte do compositor Leverkuhn, no
Doutor Fausto de Thomas Mann, é geralmente considerada uma
consumada metáfora do pathos demoníaco embutido no apocalipse do
esteticismo moderno. Pois bem: talvez convenha recordar que Adorno
contribuiu para a descrição da música de vanguarda de Leverkuhn, que
deveria assumir a forma de uma brilhante paródia do sistema
dodecafônico de Schönberg. Adorno o fez, é claro, inadvertidamente - e
não ficou nada satisfeito quando viu como Mann acabou usando a sua
ajuda ...

O certo é que o pensamento de Adorno ilustra à perfeição a nossa


tese: quanto mais alguém mergulha na Kulturkritik, tanto menos será
capaz de recolher uma teoria satisfatória do processo histórico. Nesse
ponto, os neo-hegeliana de Frankfurt foram tudo menos fiéis ao espírito
de Hegel, o primeiro grande teórico do processo. Susan Buck-Morss
exumou uma frase do manuscrito de Adorno sobre Husserl, escrito em
Oxford em meados da década de 1930: "A história está na verdade; a
verdade não está na história."[42] Em resumo: como Hegel e Nietzsche,
Adorno gostava de historicizar a cultura; mas como "a verdade não está
na história", ele se abstinha deliberadamente de oferecer uma
reconstrução da história,[43] o que significa que, na sua geração,
Frankfurt não teve, nem sequer tentou ter, o que Hegel genialmente
inaugurara: uma genuína teoria do processo.

Como o produto da escola era teoria social, tal ausência é


deplorável. Pois uma sólida teoria social requer uma visão correta do
processo a longo termo. Acresce que Adorno abandonou o melhor de
Hegel - o sentido de processo - sem descartar - longe disso - o pior: o
descaso pelo rigor analítico e pela clareza da argumentação. Trocada em
miúdos, a 'teoria crítica' só permanece 'crítica' porque pretende sustentar
uma 'crítica' e não porque tentasse, jamais, desenvolver um pensamento
analiticamente organizado. De fato, durante a chamada 'querela do
positivismo' na República Federal da Alemanha, no começo da década
de 1960 - uma disputa entre Popper e Adorno, principalmente -, ficou
claro que, para o mestre de Frankfurt, a crítica social era muito mais
importante que o cuidado rigoroso com seus próprios instrumentos de
crítica. Ironicamente, aquela teorização que, no campo marxista, mais
advertiu contra os perigos de um colapso do pensamento na práxis tirava
muito do seu atrativo de uma postura prática - o anátema contra a
sociedade industrial - apresentada num baixo nível de rigor teórico.
4. DE SARTRE A ALTHUSSER

Diante da notícia da morte de Jean-Paul Sartre (1905- 80), Louis


Althusser chamou-o "o nosso Jean-Jacques".[44] Queria dizer que Sartre
representou, em nosso tempo, o que Rousseau representou para o seu:
um contestador inflexível e intransigente da sociedade. Essa
homenagem foi prestada pelo menos sartreano dos pensadores à figura
que, mais do que qualquer outra, personificou o intelectual qua rebelde
na cultura europeia desde a guerra. E como seu background e sua
carreira de escritor engagé são tão conhecidos quanto a sua obra de
ficção e suas peças de teatro, para não falar na sua brilhante
autobiografia, Les Mots (1963), podemos tratar aqui apenas do seu
marxismo - e da via altamente peculiar pela qual ele chegou ao
marxismo.

Muito antes de tornar-se comunista, Sartre já pertencia plenamente


àquela feroz tradição de 'burguês-fobia' (a expressão é de Flaubert) que
permeara a literatura francesa, de Baudelaire aos surrealistas. Como
André Gide antes dele, e Roland Barthes depois dele, Sartre parecia ter
remontado às suas origens huguenotes para escrever em aberto desafio
tanto à moral católica quanto à moral burguesa e republicana. Mas em
vez de louvar o ato gratuito, credo de Gide, ou então, como os
surrealistas, o poder libertador da consciência espontânea, Sartre
escreveu em louvor do 'engajamento', uma ética de escolha total e total
responsabilidade. Embora formado em filosofia, sua contribuição
pessoal à teoria do ser e à análise da consciência está na aguda
preocupação moral com a qual ele aborda esses clássicos problemas da
filosofia acadêmica.
Em seu primeiro romance, A náusea (1938), o herói, Roquentin,
sofre devido a sua pungente percepção da incoerência do mundo
objetivo e, dentro dele, da absoluta contingência da sua própria
existência individual. Porém ao mesmo tempo um sentimento de
absoluta liberdade embriaga a homem sartreano, ao compreender que
tudo no mundo poderia ser diferente. Sua suma existencialista; O ser e o
nada (1943), dá um grande relevo ao insight básico da teoria
hermenêutica: a fim de entender o comportamento humano, temos,
normalmente, de compreender sentidos, levando em conta todo um
complexo jogo de valores, objetivos e intenções. Só que, em Sartre, o
jogo do sentido vira, por assim dizer, a própria estrutura da existência. O
homem é a sua liberdade, e a sua liberdade está sempre atualizando
'projetos'. No homem, a existência (i.e., a escolha) precede a essência.

Como na fenomenologia de Husserl (que ele estudou em Berlim, no


primeiro ano da Alemanha de Hitler), Sartre acentua a relação de
intencionalidade. Não existe cogito sem um cogitatum, não há sujeito
sem objeto. Todavia, no sujeito sartreano - o pour-soi - tal correlação
deveria sofrer uma surpreendente dramatização. O pour-soi é pura
negatividade: sua essência consiste numa interminável aniquilação de
cada um dos seus objetos (os en-soi). Cada demora num en-soi revela
um feio pecado ('má fé') da parte do sujeito. Pois a honra do pour-soi é
sua perpétua busca de autotranscedência.

Nem mesmo ao ego, visto como substância, se permite atrair o


sujeito para que se demore na realidade do que é dado. "O homem é
livre porque não é ego e sim autopresença." A consciência está sempre
impondo o nada ao ser. O sentido jaz eternamente para além do que é
dado. O próprio uso que Sartre faz de uma terminologia hegeliana
(pour-soi: für sich; en soi = an sich) dá testemunho do fato de que ele
quis projetar o problema da alienação no fenômeno da intencionalidade,
pondo assim a atividade normal da consciência debaixo de uma
formidável carga moral. Daí ser a liberdade sartreana real, mas
patentemente absurda: "o homem é uma paixão inútil", pois nenhum
objeto poderá jamais estancar a sua sede de autenticidade.
Lendo O ser e o tempo, de Heidegger, quando prisioneiro de guerra
(1940), Sartre descobriu a angústia como atributo essencial da
existência humana. Mas enquanto para Heidegger o existente angustiado
(Dasein) pode levar a um sentimento consolador do Ser (Sein) de há
muito esquecido pela metafísica do sujeito, para Sartre não existe tal
saída. A seu ver, a realidade humana era "por natureza uma infeliz
consciência sem possibilidade de superar seu estado de infelicidade".[45]
Assim, a ontologia niilista de Sartre ensombreia o apelo que faz ao
engajamento moral. Apesar da veemência de sua crítica da frouxidão
moral, sua apoteose decisionista da liberdade terminou numa espécie de
art pour l'art do eticismo.

Seria difícil imaginar linguagem conceitua! mais imprópria para


habitar a casa de Marx. E, todavia, foi esse o destino do pensamento de
Sartre. Do existencialismo ao revolucionarismo comunista, depois de
um longo período como companheiro da viagem através da guerra fria.
Como testemunha sua celebrada conferência O existencialismo é um
humanismo (1945), Sartre já então dava ênfase ao seu conceito de
'situação': a liberdade está sempre situada no tempo e no lugar social, de
modo que engajamento implica envolvimento. Conseqüentemente, as
escolhas existenciais nunca podem ser meros caprichos; seguem, pelo
contrário, lógicas de motivação, como acontece com os gestos da
criação estética. A liberdade é uma obra de arte moral. Do envolvimento
em abstrato à opção comunista a distância logo pareceu menor. Não
tardou que Sartre declarasse o marxismo "a inevitável filosofia” do
nosso tempo. Mas nem por isso aceitou a pedra angular da fé comunista
na salvação coletiva: o historicismo. Na "Questão de método" (1957),
introdução epistemológica à volumosa Crítica da razão dialética (1960)
- que ficaria inacabada, como ficaram O ser e o nada ou a sua biografia
de Flaubert - Sartre advertia que a ideia de progresso era mais cartesiana
que dialética. O marxismo deveria descartar o ingênuo progressismo das
suas origens. Além disso, seu tratado marxista tinha outras posições-
chave em comum com o marxismo ocidental alemão. Publicada no
mesmo ano da reedição de História e consciência de classe, de Lukács,
a Critique também rejeitava tanto a dialética de Hegel quanto a teoria do
conhecimento de Lenin.

Os comentaristas costumam apontar grande continuidade entre a


metafísica da liberdade de O ser e o nada e os temas centrais da Crítica.
O Sartre marxizado definia práxis como "atividade humana
intencional", uma tradução social de 'projeto'; e, deitando fora quase
todas as amarras objetivas da história social (as 'condições objetivas' de
Marx), fazia o 'projeto' triunfar sobre o 'processo'. A práxis sartreana é
inimiga jurada do 'prático-inerte', de todas as objetivações alienantes da
ação humana. Como tal, soa como o velho pour-soi às turras com todo e
qualquer en-soi. Aqui, também, embora oficialmente proletária, a práxis
de Sartre não está, como a de Lukács, atada à totalidade. Quando muito,
implica 'totalizações, i.e., horizontes de totalidades, indefinidos e
precários. O motivo é óbvio: a liberdade individual continua a fornecer
o modelo. Não admira que a melhor análise de "Questão de método", a
seção menos descosida e repetitiva da Crítica, tenha por foco a dialética
da escolha e circunstância, com ênfase na irredutibilidade do indivíduo.
Por exemplo: aceita a premissa de que a Revolução Francesa, na sua
fase termidoriana, necessitava uma ditadura militar, por que exatamente
o general Bonaparte, e não um outro general qualquer? A resposta, diz
Sartre, só pode ser encontrada através de um método 'progressivo-
regressivo', usando o materialismo histórico, mas também a psicologia
individual.

Na espécie de existencialismo de Sartre não há lugar para


autenticidade coletiva. Tendo abandonado um conceito assaz vago de
Heidegger, o de Mitsein, que é a coisa mais aproximada de uma
comunidade existencial, Sartre chegou a ver a interação social como um
mundo hobbesiano de consciências rivais que ninguém descreveu
melhor que ele mesmo na famosa tirada de sua peça Huis-clos (1944):
l'enfer, c'est les autres. Ele fundamentou o eticismo existencialista num
solipsismo moral inflexível. O mais longo texto dos seus anos de
namoro com a política comunista, São Genet, comediante e mártir
(1952), é uma rapsódia sobre um rebelde argui-solitário e, na verdade,
irresgatavelmente associal. A Critique, todavia, descobriu sentido e
salvação em formas intensas de solidariedade. Tudo depende da espécie
de grupo a que se pertença. Todo o louvor de Sartre vai para o 'grupo em
fusão', um pour-soi coletivo, entusiástico, que contrasta inteiramente
com as míseras rotinas da 'série'. O epítome do grupo serial é a fila; o
modelo do 'grupo em fu. são', o movimento revolucionário.

A abundância de filas no regime soviético, que Sartre tão


obstinadamente defendeu, até o esmagamento do levante húngaro de
1956, devia tê-lo acautelado contra o perigo de ignorar a possibilidade
de uma estrutura social serial nascer da alta temperatura dos grupos em
fusão revolucionários. Apesar disso, seu pessimismo habitual estava
preparado para aceitar um resultado desses. Como a rebelião, a
violência era coisa a experimentar sem ligar às consequências - até
mesmo a despeito da traição fatal das esperanças revolucionárias. A
violência é um concomitante social inevitável enquanto exista 'escassez'
- categoria que ele não se deu ao trabalho de explorar suficientemente.
Acima de tudo, porém, a violência revolucionária significava uma
catarse ético-ontológica. Libertava a história, por meio de totalizações
transitórias, da banalidade do prático-inerte. Pela sociedade, no seu dia-
a-dia, pela prosa da rotina institucional, Sartre tinha apenas desprezo.
Sempre que a sua consciência caía na armadilha dos seus objetos,
Roquentin costumava resmungar contra a 'porca bagunça' do mundo das
coisas. Da mesma forma, o Sartre marxizante parece abominar a
'coisidade' social.

Pois Sartre permaneceu em grande parte ‘cartesiano' debaixo do seu


manto dialético. Sua práxis ansiava por uma autotranscendência
imaculada, refratária a imiscuir-se em coisas e instituições. Em As
aventuras da dialética (1955), Maurice Merleau-Ponty (1908-61) pôs o
dedo na ferida: Sartre se esqueceu de que não existe só um mundo
dualista de homens e coisas, mas também um 'intermundo' de história e
simbolismo mediando entre eles. E, todavia, o verdadeiro terreno das
críticas de Merleau-Ponty era tão político quanto filosófico. Sartre dera
seus primeiros passos para o comunismo e Merleau-Ponty já escrevera
os ensaios de Humanismo e terror (1947). Resposta à clássica
condenação da violência totalitária por Arthur Koestler, em O zero e o
infinito (1940), o livro não hesita em defender o terror vermelho.
Pensador de raízes católicas, originalmente influenciado pelo
existencialismo cristão de Gabriel Marcel (1889-1973), Merleau-Ponty
começou por 'existencializar' Hegel sob o fascínio de Kojève, para
depois embarcar numa versão altamente sensual da teoria do Lebenswelt
de Husserl, na seminal Fenomenologia da percepção (1945) - manancial
do marxismo fenomenológico em lugares tão diversos quanto a Itália e o
Canadá. Em meados da década de 1950, ao tempo de Les Aventures de
la dialectique, ele tentaria usar Weber para expurgar o marxismo do
jovem Lukács do seu conteúdo leninista. Aos olhos do incerto
neoliberalismo de Merleau-Ponty, o panegírico sartreano de totalizações
revolucionárias só podia ser ominosamente totalitário - Sartre soava
como um 'ultrabolchevique' dogmático, escreveu Merleau.

Sérias objeções têm sido levantadas contra a Critique de Sartre. Um


crítico italiano, Pietro Chiodi, observou que o livro era, no fundo, uma
volta a Hegel, uma vez que equiparava alienação com objetivação. A
grande diferença era que faltava ao hegelianismo de Sartre o otimismo
de Hegel. A Critique não permitia uma eventual reabsorção do objeto no
sujeito.[46] Assim, um hegelianismo truncado, a escorar o permanente
pathos sartreano do fracasso, solapava a autenticidade da sua conversão
marxista. Seja como for, a Critique não foi bem recebida. Falou-se,
mesmo, em 'stalinismo metafísico'.[47] Com o estruturalismo já ao largo,
Lévi-Strauss censurou Sartre por legislar, em seu prefácio, sobre uma
'antropologia histórica'. Ignorando em grande parte as próprias dúvidas e
apreensões de Sartre com respeito ao historicismo, ele atacou a Critique
em O pensamento selvagem (1962) como um teimoso exemplo de
eurocentrismo.[48]

Negando a existência de leis históricas e rejeitando o determinismo


econômico, enquanto exaltava a suprema sabedoria do marxismo. Sartre
aceitou responsabilidades que lhe comprometiam o futuro. Raymond
Aron fez, a propósito, uma observação irônica: a Critique mostra que.
ao contrário do que Popper acreditava, aferrar-se alguém ao
individualismo metodológico (como Sartre fez. uma vez que sua
ontologia, por marxificada que fosse, reconhecia apenas, em última
análise. a ação individual) não representa nenhuma garantia contra uma
superstição historicista.[49] Acresce que a longa insistência 'socrática' de
Sartre nas virtudes de uma consciência transparente, que se manteve
inalterada até o seu Flaubert, estava, naturalmente, em desacordo com o
advento de Jacques Lacan e sua tomada de posição em favor de uma
'fissão' do inconsciente. Nem estava inteiramente esquecida a
hostilidade da Sartre à psicanálise.

Como ponte entre o existencialismo e o marxismo, a Critique não


teve grande êxito. Apesar disso, exerceu considerável influência
ideológica. Escrita durante a guerra de independência da Argélia e da
revolução cubana (movimentos que Sartre apoiou), a obra alimentou os
fogos do revolucionarismo durante uma década. No entanto, o impacto
intelectual mais sério do radicalismo de Sartre foi sobre os hereges da
psiquiatria, como o anticolonialista Frantz Fanon, de Os condenados da
terra (1961), e R. D. Laing, o criador da antipsiquiatria. Quanto a
levantes sociais, sobretudo as revoltas de estudantes de meados e fim da
década de 1960, os participantes claramente preferiam Marcuse. Afinal
de contas, eles desejavam uma romantização do marxismo, e não a
marxização de um romanticismo moderno como a filosofia da
existência. Mas a verdadeira fraqueza do marxismo sartreano pouco
tinha a ver com a sua aceitação ou rejeição do espírito de 68. A verdade
nua e crua é que ele tinha apenas um reduzido valor analítico - e, ainda
uma vez, nenhuma teoria do processo. Como o Kulturkommunismus de
Lukács e da sua progênie de Frankfurt, o marxismo eticista de Sartre era
feito de poses e atitudes muito mais que de penetração imaginativa -
para não falar em análise sistemática da história.

A dúbia, porém badaladíssima, automarxização de Sartre emprestou


o prestígio internacional do seu nome a uma modesta tradição: o
marxismo humanista francês. Tanto quanto a História e consciência de
classe, a Crítica da razão dialética dava lugar de relevo à 'consciência'.
Era, assim, um sério reforço para os marxistas heréticos,
antipositivistas, reunidos em tomo de Arguments, jornal fundado em
1956. Sua principal figura, Henri Lefebvre (* 1901). descobrira Marx
através de Hegel e Hegel a conselho de André Breton. Os surrealistas
gostavam muito da dialética e quanto mais 'báquica' melhor. Lefebvre
devotou duas décadas a uma 'crítica do cotidiano', centrada na pretensa
ubiquidade da alienação no capitalismo moderno. Como em Sartre e no
marxismo ocidental alemão, seu tipo de abordagem marxista tinha
pouca coisa em comum com uma crítica da economia política. Em
Métaphilosophie (1965), Lefebvre chegou a contraditar o conceito
marxista de práxis. Julgando-o por demais utilitário, defendeu como
contrapeso a ideia de 'poiésis'.

Outros pensadores do Arguments, como Pierre Fougeyrollas (O


marxismo em debate, 1959) ou Kostas Axelos (Marx, pensador da
técnica, 1961), tentaram corrigir Marx completando-o com Heidegger.
Suas obras puseram a escola francesa em pé de igualdade, em metas
senão em realizações, com o marxismo dissidente da Europa Oriental.
onde pensadores como o tcheco Karel Kosik (A Dialética do concreto,
1963) reformulavam empréstimos sugestivos da fenomenologia ou do
existencialismo. Entrementes, o marxismo teórico, ainda raro em França
àquele tempo, também se inclinava para o paradigma conceituai do
marxismo ocidental, como no caso de Lucien Goldmann (1913-70),
autor de Pesquisas dialéticas (1959), que se propunha combinar a
categoria central de totalidade de Lukács com os conceitos genéticos da
psicologia cognitiva de Piaget. Finalmente, até o filósofo oficial do
Partido Comunista Francês desde a defecção de Lefebvre, Roger
Garaudy (* 1913), procurou alicerçar a política de desestalinização
numa ampla reabilitação das fontes idealistas do marxismo.[50]

De maneira geral, o marxismo francês era então esmagadoramente


humanista. Era, também, fortemente antihistoricista, porque o
historicismo marxista implicava leis econômicas, noção que cheirava
demais a ‘positivismo ', ou, mais geralmente, aceitação de ‘contradições'
mais ou menos automáticas - de novo algo excessivamente objetivo e
impessoal para satisfazer a preocupação dos humanistas radicais com a
liberdade da consciência ativa.

No seio de uma cultura marxista desse tipo, a originalidade de


Louis Althusser (*1918) era dupla. Primeiro, ao contrário de muitos
filósofos marxistas na França, Althusser não era, de modo nenhum, um
comunista rebelde. Longe disso: levou sua lealdade ao partido, através
de maio de 1968 e do esmagamento da primavera de Praga, até bem
metade da década seguinte.[51] Nem sequer se tratava de um humanista.
Embora partilhasse da rejeição generalizada das crenças historicistas,
Althusser sustentava um franco anti-humanismo, altamente polêmico. O
marxismo, dizia, era estritamente científico. Não tinha nada a ver com
nebulosos humanismos.

Nascido na Argélia, como Albert Camus e Jacques Derrida,


Althusser tinha origens intelectuais católicas, semelhantes às de
Merleau-Ponty. Como Sartre e Aron. ele era um normalien, i.e., colara
grau na École Normale Supérieure de Paris, onde mais tarde teria por
aluno Michel Foucault. Com ele, o marxismo francês tomou uma
direção resolutamente escolástica e escoliasta: tornou-se objeto de um
ritual acadêmico de comentário sobre os clássicos da doutrina. Com
algumas poucas exceções qualificadas, e. g., a obra de Nichos
Poulantzas (1936-79) em sociologia política, os althusserianos
desprezavam o marxismo aplicado, perseverando em infindáveis
exegeses dos textos principais - considerando-se como tais tanto os
trabalhos do Mestre, Marx, como os do sumo sacerdote da sua
hermenêutica, o próprio Althusser.

Entretanto o ponto de partida de Althusser fora uma saudável reação


contra a sobre estimação do jovem Marx pela esquerda humanista, com
todo o seu palavrório sobre 'alienação'. Era refrescante voltar a ouvir
falar em modos de produção depois de tanto texto de segunda ordem
sobre a desumanização da vida na sociedade moderna. Com o marxismo
ocidental cada vez mais voltado para um moralismo oco, era um alívio
ouvir alguém tratar o 'homem' como uma sonora falácia, levando a
quase nenhum conhecimento. Infelizmente, porém, o alívio logo deu
lugar ao desapontamento. Althusser se livrou da retórica humanista
apenas para inserir o marxismo em fobias estruturalistas. Pois vários
fetiches estruturalistas foram prontamente adotados. A fúria
indiscriminada contra o sujeito, a alergia ao empírico, a repulsa
arbitrária às continuidades - o credo da 'cesura', como diz Hermínio
Martins. Para Althusser, a ciência se tornou, antes de mais nada, um
nítido rompimento com a ideologia e o bom-senso. O valor cognitivo
vinha em segundo plano. Segundo a solene doutrina de Em favor de
Marx (1965) e da obra coletiva que faz parelha com ele, Ler o Capital
(1965), o conhecimento científico não é um apreender realidades - a
rigor, o avanço é feito através de brechas puramente conceituais. Toda
ciência é formada por um conjunto implícito de questões - uma
'problemática'. Mascada problemática surge de uma 'natura
epistemológica' com a confusa situação conceituai anterior. Nenhum
lugar, em tudo isso, para o ajustamento conceituai à realidade 'exterior'.
Ambas as noções, 'ruptura' e 'problemática', pertencem à epistemologia
antiempirista de Gaston Bachelard (1884-1962). E Althusser estava
também familiarizado com as suas ramificações na 'lógica do conceito'
de Jean Cavaillês e nos ensaios de história da ciência de Georges
Canguilhem. Todavia, Althusser converteria seu antiempirismo numa
campanha tão vigorosa quanto mal justificada contra a própria ideia de
referenciais empíricos na ciência. A ciência althusseriana tece conceitos
perfeitamente indiferentes ao mundo que eles devem explicar. O
pensamento se torna um bicho da seda, que só de si mesmo puxa o fio.

O antirrealismo inargumentado de Althusser, bem como a sua atroz


ignorância da maior parte da moderna filosofia da ciência (nem uma
palavra sobre Popper ou Quine, Reichenbach, Nagel, Hempel, Lakatos
ou Putnam) poderiam ser postos de lado como meras idiossincrasias,
não fora o fato de ela insistir em atribuí-los a Marx. Na verdade, seu
verdadeiro tema, excetuado um obscuro curso sobre 'a filosofia
espontânea dos cientistas[52] não foi nunca epistemologia per se mas
epistemologia como justificação teórica de uma ciência específica: o
marxismo, ciência da história. Ler o Capital declarava que o problema
clássico do conhecimento era simplesmente irreal. Toda filosofia que
tenha por enigmática a relação entre conhecimento e realidade é vista
por Althusser como pura ideologia. Uma vez que "a prática teórica é...
seu próprio critério", ela confirma seus produtos desajudada. O
conhecimento é um 'efeito' da capacidade das ciências para legitimar
seus resultados por meio de 'formas de prova' que não reconhecem outra
autoridade senão a das suas próprias regras internas.[53]

Ora, Althusser atribuía opinião semelhante a Marx, na introdução à


Contribuição à crítica da economia política[54] - um dos poucos textos,
juntamente com os cadernos filosóficos de Lenin, escritos durante a
guerra, e o curto ensaio "Sobre a contradição" (1937), de Mao Zedong,
que ele aceitava como parte do cânon metodológico marxista. Não
obstante, na citada introdução de 1857, Marx absolutamente não
apresenta o conhecimento como um simples produto 'concreto' da
mente. Longe disso: o que ele faz é afirmar, explicitamente, que o
concreto é "o ponto de partida na realidade". E acrescenta mesmo que
"o verdadeiro sujeito retém sua existência autônoma fora da cabeça".[55]
O comentário de Althusser é, assim, uma interpretação
escandalosamente incorreta, exemplo típico de 'marxismo ventríloquo'
segundo a excelente expressão de André Glucksmann.[56]

Ao contrário dos marxistas humanistas ecléticos, Althusser se


ufanou do seu fundamentalismo. Descrevia a sua teoria como uma
explicação das concepções do próprio Marx, exatamente como Jacques
Lacan (1901-81) fez com as de Freud. (Althusser foi, aliás, por certo
tempo, cliente de Lacan - o que não o impediu de estrangular Mme
Althusser em 1981. Em 1964 ele escreveu um artigo, "Freud e Lacan",
[57] que marcou um momento crucial no relacionamento entre o
marxismo e a psicanálise na França.) Althusser procurou explicar “o
Marx das lacunas”: 'leituras sintomáticas', análogas às interpretações
psicanalíticas, revelariam o sentido profundo da doutrina do fundador.
Sobretudo ele tentou nas páginas mais conhecida de Em favor de Marx,
mostrar como e quando o marxismo se tornou ‘ciência da história' - e ao
mesmo tempo, como materialismo dialético a base da 'teoria da prática
teorética'; da 'Teoria, com ‘T’ grande, ou epistemologia'.

Em favor de Marx localizava o rompimento epistemológico na obra


de Marx em 1845, depois dos Manuscritos de Paris, ainda
extremamente carregados de humanismo historicismo e, naturalmente,
marcados pela bête noire de Aithusser, Hegel. Mas os críticos não
levaram muito tempo para apontar numerosos temas humanistas em
Marx; e mais de um motivo hegeliano, bem além dos seus trabalhos
da mocidade, notadamente no Grundrisse próprio Capital. Em
consequência disso, em Lenin e a filosofia (1969), Althusser,
reconhecendo que o famoso e no prefácio de 1859 à Crítica da
economia política era ainda "profundamente evolucionista e hegeliano",
limitou o Marx autenticamente marxista à Crítica do Programa Gota
(1875) e às notas periféricas que Marx escrevinhou sobre o economista
Adolf Wagner (1882). No comentário sarcástico de François George, se
as opiniões do jovem Marx persistiram por tanto tempo, até as
vésperas da sua morte (1883), então Marx deve ter conseguido
permanecer jovem toda a vida ... [5] Mas talvez a melhor glosa do fato
seja a que se deve à pena do próprio Althusser. Na Réplica a John
Lewis (19q3), ele confessou que sua noção de uma "ruptura
epistemológica" continha só dois enganos: não era nem epistemológica,
nem uma ruptura.[59] A grotesca história do demorado parto do
verdadeiro Marx tornou-se um exemplo memorável de quão fútil e até
tola pode ser a moderna escolástica marxista.

Uma vez constituído como disciplina científica, sustentava


Althusser, o marxismo encarou a história como um "processo sem
sujeito".[60] "O verdadeiro 'sujeito' são . . . as relações de produção (e as
relações sociais, políticas e ideológicas). Mas por serem 'relações' elas
não podem ser incluídas na categoria sujeito.[61] Ao que parece, isso
quer dizer que, por terem os agentes econômicos, i.e., os operadores da
produção e da distribuição, papéis definidos, e portanto serem eles, na
medida desses papéis, titulares de funções sociais definidas num modelo
dado de produção, não cabe falar da categoria sujeito. A ser assim,
contudo, patenteia-se um non sequitur. Do fato de que a análise
econômica veja os indivíduos nesses papéis não se depreende,
absolutamente, que a noção de agente humano se torna inútil. Na
verdade, corno seria possível explicar as ações que constituem o
'processo' senão por uma busca empírica do que pretendem, nos seus
vários papéis, sujeitos individuais (produtor, consumidor, trabalhador,
proprietário, etc.)?

Considere-se, por exemplo, o que Marx faz no terceiro volume do


Capital. Ele descreve a tendência à queda da taxa de lucro como uma
consequência não intencional dos cálculos racionais dos capitalistas.
Estes, investindo cada vez mais em maquinaria, reduzem sem querer a
proporção daquela parte do capital extraída do trabalho como mais-
valia. Deixando de lado a verdade ou inverdade empíricas da queda da
taxa de lucro, vamos ater-nos exclusivamente à estrutura conceituai
dessa famosa análise. Claramente, o que Marx faz é explicar um
processo econômico, fatal, segundo alega, ao capitalismo, pelas ações
de pessoas encarregadas de um dos principais papéis do enredo social
em tela - o papel de empresário. E enquanto um sensato epistemólogo da
ciência social como Raymond Boudon dá grande valor a esse tipo de
explicação, baseado, como é, na atuação do homem e na dialética entre
intenção e resultado,[62] Althusser desejaria que a desprezássemos, só
por estar fundada, obviamente, na 'categoria do sujeito'.

Pisamos em terreno mais firme quando chegamos às observações de


Althusser sobre causalidade. Ele insiste em que o verdadeiro marxismo
esposa um conceito estrutural de causação, distinto, ao mesmo tempo,
tanto da ideia de uma relação causal, transitiva, linear, entre eventos
separados, quanto da ideia (hegeliana) de causalidade 'expressiva’, i.e.,
de efeitos reveladores de uma essência oculta das coisas. E mais: essa
'causalidade estrutural' é, em geral, 'sobre determinada' - uma noção
tomada de empréstimo à psicanálise para indicar a multiplicidade de
variáveis envolvidas em qualquer progresso social significativo.
Mas Althusser insiste em que a sobredeterminação social não
significa apenas pluralidade de causas. Há sempre uma 'estrutura em
dominância'. Na prática, ele e seus discípulos associaram-na com a
tradicional primazia dos fatores econômicos na teoria marxista, embora
tenha havido nesse ponto uma longa cavilação, principalmente em torno
das célebres qualificações de Engels sobre determinação econômica "
em última análise". Assim, Balibar disse que o econômico é
determinante "por determinar qual das instâncias da estrutura social
ocupa o lugar determinante",[63] de modo que, por exemplo, sob o
feudalismo, a ordem política era autônoma porque isso é que era
permitido pela própria natureza da economia feudal. O próprio
Althusser seria bem mais sibilino, chegando a ponto de sustentar que "a
hora solitária da 'última instância' jamais chega.."[64] De qualquer
maneira, para aqueles que, como os autores ingleses de Marx's Capital
and Capitalism Today (1977), se sentiram estimulados pelo ponto de
vista de Althusser sobre a 'causalidade estrutural' sem partilhar da sua
ambivalência em matéria de determinação econômica, o resultado foi
simplesmente lançar o determinismo econômico na lata de lixo da
história intelectual.[65]

Uma segunda contribuição teórica de Althusser, de igual in fluência,


é bem mais duvidosa: sua reconceitualização da doutrina marxista da
ideologia. Em síntese, ele redefiniu de tal maneira a ideologia que, de
ilusão e suporte da luta de classes, ela passou a poderoso cimento social,
sem deixar de servir a interesses de classe. Althusser sustentou que toda
sociedade, inclusive o paraíso comunista, alimenta-se de ideologia para
funcionar, pois "o homem é, por natureza, um animal ideológico".[66] A
ideologia sempre funciona através do sujeito, explica ele; seu modelo
funcional é a interpelação cristã do indivíduo, chamado a agir de acordo
com injunções religiosas. Finalmente, inspirado por Gramsci, mas
acrescentando mais do que uma pitada holística às sugestões de
Gramsci, ele introduziu (1977) o conceito de aparelhos ideológicos do
estado. Igreja e escola foram representadas como meios de tácita
doutrinação no interesse da coesão social dominada por classes. Para
que uma classe possa assegurar seu domínio, o sistema social tal como
existe tem de ser reproduzido. E a reprodução das relações de produção
é assegurada pela 'hegemonia' de classe sobre o aparelho ideológico do
estado.[67] Assim, o althusserianismo rapidamente se fez o esteio
principal daquela 'teoria da ideologia dominante' tão criticamente
examinada pela análise sociológica mais recente.[68]

Inevitavelmente, o althusserianismo incorreu na censura de tornar a


teoria social marxista algo estranhamente semelhante à visão 'sistêmica'
do estrutural-funcionalismo de Talcott Parson, então a quintessência da
sociologia 'burguesa',[69] A ideologia como uma cola necessária e
universal era conceito tão funcionalista quanto qualquer outro. Para
fazer justiça a Althusser, o mais que se pode dizer é que houve alguma
coisa que ele isentou, em parte - juntamente com a 'teoria' - das garras
do ideológico: a arte. Um capítulo em Em favor de Marx louva o 'teatro
materialista de Brecht, e um texto em Lénine et la philosophie afirma
que a recepção estética - não confundir com conhecimento - faz-nos ver
"a ideologia da qual [a arte] procede, na qual se banha, e da qual se
despega como arte".[70] A começar com a Teoria da produção literária
(1966), de Pierre Macherey, essa linha de reflexão estética deveria gerar
apreciável volume de crítica literária, sob os auspícios do marxismo
estruturalista.

Por algum tempo, o marxismo estruturalista de Althusser passou por


uma espécie de poderosa sofisticação do marxismo sob a forma de uma
epistemologia da ciência social. Que tal impressão pudesse ter sido
causada mostra o grau de educação filosófica de muitos círculos
marxistas, na França e alhures. Pois na realidade toda a semostração
'científica' de Althusser não era nenhuma sofisticação: talvez fosse mais
uma sofística, uma pseudo-epistemologia que nunca enfrentou uma crua
contradição, logo descoberta por seus primeiros críticos: a contradição
entre a sua teimosa recusa de critérios gerais de cientificidade (sua
decisão de simplesmente ignorar o chamado problema da demarcação),
e sua reivindicação do marxismo como Teoria da prática teorética,
como tal capaz de julgar a ciência como um todo.[71] Não é de admirar
que não tenham sido os althusserianos, mas seus rivais no Partido
Comunista francês, liderados por Lucien Seve (o qual chegaria a
reabilitar Hegel) quem, a partir da década de 1970, tem sustentado um
interessante diálogo entre o marxismo francês e a ciência.[72] É verdade
que Althusser abandonou, mais tarde, seu antigo 'teoreticismo'. Mas.
infelizmente, a emenda foi pior que o soneto: tudo o que conseguiu foi
reanimar alguns sovados slogans. Exemplo, a sua definição do
marxismo (em Lénine et la philosophie) como apenas "a luta de classes
no campo da teoria".

E, contudo, Althusser começara precisamente lutando contra o


esquerdismo especulativo, i.e., a tendência a reduzir a teoria marxista a
mera práxis política. Nesse ponto, pelo menos originariamente, o
marxismo estruturalista era tão fervente quanto Adorno, e mais tarde
Habermas, em Frankfurt. E. P. Thompson, seu feroz crítico inglês,
chegou a falar da "miséria da teoria" divorciada dos deveres empíricos
da pesquisa historiográfica - o que não chega a ser uma generalização
injusta com relação à escola althusseriana. Acresce que a mística da
teoria em Althusser tinha uma forte motivação: visava, como viu Mark
Poster, assegurar a autonomia dos intelectuais do partido contra os seus
políticos.[73] Longe de representar uma posição política mais flexível,
essa nova espécie de marxismo superciliar se revelou purista e sectária.
Na década de 1960, Althusser fulminou a reaproximação de Garaudy
com os cristãos, qualificando-a de revisionismo oportunista. Na década
de 1970, condenou redondamente o eurocomunismo e as políticas de
aliança com os socialistas (o 'Programa Comum' Miterrand-Marchais).

Significativamente para Althusser os pecados de Stalin tinham


pouco a ver com o regime totalitário e a implacável ideocracia. Como
diz a Réplica a John Lewis, o stalinismo foi antes um triste caso de
economismo agravado por humanismo. Stalin errou por estar obcecado
com o crescimento industrial (economismo), e preferiu ignorar a luta de
classes (humanismo) . . . Do tirano de mão de ferro, que pôs o mercado
russo sob uma rígida antieconomia ideocrática, eliminando, no curso do
processo, camadas inteiras da população como os kulaks, nem uma
palavra. E até mesmo a insistência althusseriana nas nítidas rupturas
entre modos de produção parecia condizente com a crença na
necessidade da revolução violenta.[74]

Dado o implacável anti-hegelianismo de Althusser, esse último


ponto não deixa de ser irônico. Ao tempo da II Internacional, o mais
conhecido anti-hegeliano entre os marxistas da velha guarda, Bernstein,
afirmava que a crença supersticiosa na necessidade de transições
explosivas era algo que Marx herdara da sua formação hegeliana. O fato
de que Hegel preferisse mudanças qualitativas- abruptas à evolução
incremental deu a Marx uma disposição de espírito não imune - pelo
menos na opinião de Bernstein - ao culto blanquista da violência. Os
legados cumulativos de Hegel e Blanqui fizeram de Marx um
revolucionário em vez de um evolucionista. Deram-lhe uma visão
'plutônica' e não 'netuniana' da mudança, mais favorável ao fogo das
explosões sociais que às graduais conquistas das águas institucionais. A
ironia reside no fato de que Althusser, com toda a sua ojeriza a Hegel,
tivesse conservado o mesmo ponto de vista 'plutoniano'. Ele queria
desafiar o gradualismo do partido com uma teoria da história como uma
sucessão de bruscas cesuras - um modelo de mudança tão vulcânico
quanto o da dialética idealista clássica. Aparentemente, o fantasma de
Hegel não era assim tão fácil de exorcizar.

Contudo, todas essas façanhas de purismo doutrinário em política


não prejudicam o papel de Althusser como aprovisionador do delicado
gosto intelectual da crescente intelligentsia de sofisticados humanistas
de esquerda. Como Raymond Aron percebeu,[75] o marxismo
estruturalista, preservando embora palavras chave como produção,
práxis (habilmente pluralizada) e determinação econômica, tornou seu
conteúdo muito mais flexível e, portanto, muito mais aceitável por um
público de intelectuais marxizante familiarizado com Weber e Freud,
Saussure e Lévi-Strauss, Barthes e Braudel. Althusser acenava com um
marxismo 'fino', digno da cultura dos agrégés de philo. Acima de tudo:
sua teoria insistia na rejeição do capitalismo e defendia a revolução sem
nem por um momento depreciar o papel das superestruturas. Na
verdade, ele ressaltava expressamente a sua importância. Que poderia
ser mais lisonjeiro para os servos do Intelecto, a confraria dos scholars?

Compreensivelmente, tão insólita mistura de sectarismo político e


heterodoxia teorética parecia, muita vez, insuportavelmente enigmática.
Aos olhos dos ferozes gauchistes do começo da década de 1970, as
bizantinices da escola althusseriana apenas refletiam as crises do
stalinismo e do revisionismo.[76] As notórias simpatias maoístas do
Mestre e dos seus discípulos confirmavam o elemento stalinista (muitos
marxistas humanistas, ao contrário, eram simpáticos à 'linha italiana').
Os desvios da vulgata, inclusive uma concordância secreta com o ataque
de Sartre à dialética da natureza e, ça va sans dire, à teoria do
conhecimento-reflexo, deram ao althusserianismo uma fachada
revisionista. Dessa vez, no entanto, o revisionismo servia mais para
reforçar que para demolir mito e dogma na política marxista e na sua
errônea interpretação da história moderna. A única razão pela qual isso
era menos que evidente é o fato de que a contemplação do umbigo pelos
althusserianos raras vezes levou a 'teoria' a abordar deveras a história,
passada ou presente. Ao fim, sua teoria da história como ciência não
produziu nem uma coisa nem outra.
5. DE MARCUSE A HABERMAS

Enquanto o marxismo estrutural fazia tamanha sensação entre a


nova esquerda britânica, a recepção era glacial do outro lado do Reno. O
motivo não é difícil de identificar. Com uma sólida, multiforme tradição
de Historismo atrás deles, os marxistas alemães não poderiam acolher
com alegria a exigência althusseriana de separar teoria e história. A
escola de Frankfurt exprobou a Althusser justamente esse rompimento,
numa crítica especial, História e estrutura (1971), devida a Alfred
Schmidt. Além disso, lançou contra o marxismo estrutural a grave pecha
de 'regressão ontológica', em razão de seu descaso pela historicidade
fundamental do homem.[77] Afinal de contas, desde o princípio, a escola
de Frankfurt tinha lutado para historicizar em profundidade as
categorias marxistas.

Herbert Marcuse (1898-1979) é um exemplo. Começara sua carreira


filosófica tentando historicizar a ontologia de Hegel com a ajuda de
Heidegger (A ontologia de Hegel e os fundamentos de uma teoria da
historicidade, 1932). No auge da fama de Althusser, o professor
Marcuse se tornara um teorista social cujos livros tinham tiragens de
best-sellers e cujo renome extravasava muito além das paredes
universitárias. Foi ele o principal guru da década de 1960, com todos os
seus desvarios, o profeta do revolucionismo dos campi, de Berkeley a
Berlim e a Paris. Rudi Dutschke e Daniel Cohn-Bendit, os líderes da
revolta dos estudantes, jamais se importaram grande coisa com
Althusser - mas passavam por bons marcusianos. E, cumpre admiti-lo,
Marcuse, mais do que qualquer outro astro maduro do marxismo
ocidental, sabia que cantiga agradava aos impacientes ouvidos dos
radicais. "Todo pensamento que não se mostra consciente da radical
falsidade das formas de vida vigentes... não é apenas imoral, é falso [78]
- essa espécie de rejeicionismo intransigente soava como o melhor
prelúdio possível à insurreição. O autor, ademais, tinha um pedigrée
quase impecável. Judeu de Berlim, nascido em berço de ouro, como
Benjamin, Marcuse fora um socialista de esquerda no primeiro pós-
guerra. Mais tarde trocaria seu fascínio por Heidegger por uma precoce
matrícula no então bem vermelho Instituto de Pesquisa Social (1932).
Mais tarde ainda, viraria a coqueluche da esquerda californiana e da
Freie Universität de Berlim. E em todo esse trajeto jamais se
comprometera com o stalinismo.

Além disso, nos seus anos de Frankfurt, Marcuse demonstrara uma


visão muito diversa da progressiva desilusão, o desalentado
Kulturpessimismus de Adorno e Horkheimer. Seus principais ensaios da
década de 1930, parcialmente coligidos em Cultura e sociedade (1968),
eram altamente simpáticos ao elemento utópico na arte e na cultura da
burguesia. Enquanto a corrente principal do pensamento de Frankfurt se
concentrava nos estigmas da repressão, Marcuse preferia o lado
'afirmativo' do passado cultural. Não admira que, por volta de 1933,
escrevendo sobre os Manuscritos de Paris, de Marx, recentemente
descobertos (e para os quais foi dos primeiros a chamar a atenção),
Marcuse via ainda o trabalho, mesmo o trabalho de domesticação da
natureza, como um atributo da essência humana. Nada menos adorniano.

Trata-se, no entanto, e apenas, do jovem Marcuse. Na sua obra da


maturidade, não existe nada nem remotamente prometeico. E, todavia, é
típico dele que tivesse emergido da década de 1940, quando seus
companheiros de exílio da escola de Frankfurt viviam mergulhados num
profundo desespero histórico-mundial, com seu otimismo intato. Só que,
ao contrário do marxismo clássico, Marcuse já não via alternativa para a
miséria humana no desenvolvimento histórico, nas contradições de uma
ordem social moribunda. Em vez disso, voltou-se para a psique. Essa é,
pelo menos, a mensagem de Eros e a civilização (1955). No prefácio,
aprendemos que, em nosso tempo, as categorias psicológicas se
tomaram conceitos políticos. Caso a história descarrilasse, e a
perspectiva marxista de uma revolução proletária se visse cancelada,
Freud viria resgatar o homem da alienação capitalista. O que a
sociedade, durante a indolência da práxis, teimosamente negara às
nossas necessidades humanas, o instinto concederia. E foi por isso que
Marcuse tanto se enfureceu com outro ex-frankfurtiano, Erich Fromm
(1900·80): pois Fromm, ponta-de-lança da 'escola cultural' em
psicanálise, tentou libertar a teoria freudiana do instinto. substituindo a
explicação em termos de impulsos libidinais por interpretações em
termos de condições culturais, lançando fora, concomitantemente, o
determinismo de Freud. Marcuse, ao contrário, não se interessava pela
psicanálise como terapêutica. Tudo o que ele queria era sublinhar a luta
entre a libido e a sociedade. Com a maior veemência, tomou a
psicologia individual num nível baixo, elementar; "a psicologia
individual é, . . . em si, psicologia de grupo, na medida em que o próprio
indivíduo ainda se encontra numa identidade arcaica com a espécie."[79]
Desse modo, tentou conformar a velha preocupação frankfurtiana
quanto ao individual empírico com os fantasiosos conceitos filogênicos
do Freud dos últimos anos, o Freud de Para além do princípio do prazer
(1920) e de O descontentamento na cultura (1930).

Engenhosa, senão convincentemente, Marcuse 'historicizou' a


sombria visão de Freud dos incompatíveis instintos da vida e da morte,
apresentando o trabalho e a ordem na civilização industrial moderna
como escravos de um princípio da realidade hostil ao desejo e à
satisfação. A repressão tradicional, dizia ele, ainda funciona através de
mecanismos de coerção objetivos, externos, como por exemplo as
ameaças ao emprego e ao status de cada um. Na sociedade industrial
adiantada, ao contrário, a repressão opera através da psique: é a própria
vida subjetiva que se torna objeto de controle e manipulação.[80] Mas
Eros e civilização aponta para uma transformação. A idade da afluência,
em que a sociedade de consumo estava prestes a entrar, permitiria à
cultura operar debaixo de um diferente princípio da realidade, mais
humano e menos inclinado a pregar a renúncia. No passado, sempre se
dera tal valor à renúncia que até o primeiro grande pensador a favorecer
o instinto vital, Nietzsche, ainda aceitava a dor como parte do seu ideal
humano. Agora, alegava Marcuse, já não havia motivo para resistir aos
impulsos hedonistas. Posta sob a égide de Orfeu e Narciso, uma nova
civilização libidinal poderia "criar sua própria divisão do trabalho, suas
próprias prioridades, sua própria hierarquia", longe das restrições e
coerções da organização vigente.

O ousado utopismo de Eros e civilização combinava temas de


Fourier (redivisão do trabalho para ajustar-se à libido de cada
indivíduo), Saint-Simon (administração de coisas para substituir o
governo de homens) e Schiller (a humanidade lúdica num 'estado
estético'). Marcuse proclamava, especialmente, um paraíso erótico (mas
não genital) e lúdico, livre da monótona ética do desempenho em que
nós, coitados, vivemos ou sobrevivemos. Harmonia social e ventura
pessoal, num éden desse tipo, andam de mãos dadas. Quando muito,
Marcuse advertiu um companheiro de sonhos, Norman Brown, de que
poderia haver algumas tensões no terreno do eros - mas nada de
desagradável, apressou-se em acrescentar; pois essas tensões seriam
'não-antagonísticas'. Tomou nota, inclusive, de uma ideia extravagante
de Hans Sachs: a ausência de progresso tecnológico na Grécia antiga se
deveria ao 'fato' de os gregos amarem tanto o corpo. Para Nareiso,
Prometeu era um ser desprezível.

Desgraçadamente, essa rósea visão das coisas não durou muito.


Menos de uma década depois, em O homem unidimensional: estudos
sobre a ideologia da sociedade industrial adiantada (1964), a exaltação
libidinal do seu tratado sobre eros e cultura cedeu lugar a uma paisagem
melancólica: a humanidade reprimida num cárcere tecnológico. Dessa
vez, Freud foi deixado em paz. Em vez da psicanálise, Marcuse retomou
sua interpretação peculiar de Hegel, originariamente exposta em Razão
e revolução (1941), que transmudou o grande realista num paladino do
'pensamento negativo', quer dizer, do pensamento que sustenta ideais
utópicos a despeito de realidades históricas, complacentes ou não. A
'segunda dimensão' perdida pelo homem ocidental era, precisamente,
tudo quanto fosse capaz de corporificar a substituição crítica da
moderna cultura industrial. Quanto ao 'novo Hegel', Marcuse,
desfraldava a bandeira de uma 'Grande Recusa' à 'repressão extra' e às
'dessublimações repressivas' (cap. 3) da nossa falecida ordem
capitalista. O homem unidimensional nos via algemados a uma
sociedade beneficente e armada (ing. 'welfare warfare society'),
profunda e terrivelmente desumanizante, desde o ‘contágio' do nazismo.
O centro desse inferno social eram, naturalmente, os Estados Unidos,
que Marcuse julgava perfeitamente totalitários, " pois totalitarismo não
é só uma coordenação política de natureza terrorista da sociedade, mas
também uma coordenação econômica técnica não-terrorista, que
funciona através da manipulação das necessidades pelos interesses
estabelecidos[81] Por quê? Porque uma sociedade assim, manipulada,
consegue também impossibilitar "a oposição ao conjunto social".
Naturalmente, o professor Marcuse julgava abaixo da sua dignidade
intelectual indagar das pessoas de carne e osso se estavam ou não felizes
com o 'conjunto', senão com cada uma das suas partes. Também, nem
precisava fazê-lo. 'Sabia' que as pessoas não passavam de zumbis
manipulados que o consumismo tomara cegos e dóceis.

A obra de Marcuse é percorrida por uma desconfiança apaixonada


da ciência e da tecnologia:

O conceito mesmo de razão técnica pode ser ideológico. Não só a


aplicação da tecnologia mas a tecnologia em si é dominação (da natureza e
dos homens)... propósitos específicos e interesses de dominação não são
impingidos à tecnologia a posteriori, de fora; mas entram na própria
construção do mecanismo técnico... Tal propósito de dominação é
'substantivo' e nessa medida pertence à própria forma de razão técnica.[82]

Todo o capítulo 5 de O homem unidimensional é uma curiosa peça


de misologia, uma surrada defesa da dialética fundada na ideia de que,
uma vez que a lógica opera através da subsunção do particular no geral,
a ‘lógica do pensamento' é uma ‘lógica de dominação'. No fim do livro,
Marcuse entretém a visão de uma ciência essencialmente 'diferente'
numa sociedade 'pacificada'.[83] Mas se a ciência tem de mudar tanto,
segue-se que a ciência tal como hoje existe é intrinsecamente perversa.
Que um sub-romantismo tão crasso pudesse jamais posar de
neomarxismo mostra até que ponto o marxismo ocidental se rendeu aos
piores clichês da Kulturkritik.

Há, no entanto, uma continuidade subjacente entre Eros e


civilização e O homem unidimensional, os dois livros que mais fizeram
pelo renome de Marcuse no seio da esquerda contracultural. Em nenhum
dos dois a história é vista como veículo de redenção social. A práxis não
é um dos convidados ao banquete de Eros; nunca permite realizar a
‘segunda dimensão'. A sociologia histórica esquemática de O homem
unidimensional, que constitui a primeira das suas três partes, não hesita
em reconhecer a irrelevância da sociologia de Marx na sociedade
contemporânea. Onde está a classe trabalhadora que serviu de base à
teoria da mais-valia? pergunta Marcuse. O número de 'homens de
macacão' diminui constantemente. A 'dimensão psicológica' do trabalho
explorado desaparece em face dos progressos da automação. A luta de
classes definha. Embora Marcuse não se sentisse capaz de conceder a
Serge Mallet, o teórico revisionista das novas classes trabalhadoras do
grupo de Arguments, que os trabalhadores se estão integrando
voluntariamente no capitalismo tecnológico, não padece dúvida que,
para ele como para Mallet, a tendência da economia contemporânea era
no sentido da determinação da produtividade por máquinas e não por
uma produção individual impossível de aferir.[84] Destruía-se assim a
própria base do conceito de mais-valia, esteio da 'crítica da economia
política' de Marx. Numa sociedade dessas, 'sem oposição', a tecnologia
reifica a tudo e a todos, desimpedidamente.

Para além do alcance da tecnologia, no entanto, e "por baixo da


base popular conservadora" das nossas sociedades industriais liberais,
existe um número apreciável de "despossuídos e marginalizados". E.
com esses que Marcuse fecha. A Grande Recusa se dá em favor do
underdog: as minorias raciais oprimidas e o lumpemproletariado. Mais
tarde, Marcuse aliciou estudantes rebeldes e camponeses explorados do
Terceiro Mundo para os exércitos da sua revolução cultural. Mas no
final do seu livro de 1964, sem rebelião à vista, limitou-se a reconhecer
que "a teoria crítica da sociedade não tem conceitos que possam
transpor o abismo entre o presente e o futuro. Sem promessas a fazer ou
resultados a exibir, ela permanece negativa".[85] Sua melancólica
investida contra a cultura moderna termina com o motto de Benjamin
sobre "a esperança em nome dos que não têm esperança''. Talvez valha a
pena lembrar que Marcuse tirou a ideia melodramática de uma recusa
absoluta de Maurice Blanchot, o sutil ensaísta que, depois de um
demorado flerte com o fascismo, fundiu a poética de Mallarmé e a
ontologia de Heidegger num apocalipse literário perturbadoramente
irracionalista.

O extático aplauso da contracultura na esteira dos tumultos


estudantis deliciou Marcuse. Sem se fazer de rogado, ele abandonaria
prontamente sua visão sombria da marcha da história. Em Um ensaio
sobre a libertação (1969), continuou a não contar com os dóceis
trabalhadores, perdidos para o capitalismo. Mas depositou grandes
esperanças nos estudantes e nos negros. Marcuse retornou ao
biologismo libertário de Eros e civilização: o impulso instintual, uma
vez mais, supera o pseudo-hegelianismo do 'pensamento negativo'. Mas
assim que a contracultura ameaçou tornar-se uma anticultura
generalizada, o filósofo começou a temer suas alas mais militantes. Seu
último livro, A dimensão estética (1977). se distancia do novo
vandalismo - a violência estridente daquilo a que Habermas ousou
chamar de 'fascismo da esquerda'.

Marcuse apadrinhara muito desse neofascismo vermelho em sua


tola, perigosa investida contra as liberdades institucionais e as práticas
civilizadas. Pois não havia ele defendido, em "Tolerância repressiva"
(1965) a substituição da tolerância liberal por uma atitude
sistematicamente tendenciosa, em favor do libertarismo 'esclarecido'?
Não tinha ele escarnecido do respeito à lei, comparado a polícia
americana à SS, e formulado um argumento extremamente especioso no
sentido de que enquanto, no passado, muitos avanços sociais haviam
sido conseguidos pela violência revolucionária, a aplicação
conscienciosa da tolerância democrática permitirá a Hitler tomar o
poder?[86] Marcuse se esquecia apenas de que a questão não era mostrar
que a violência é benéfica ou, até, inevitável, em contextos pré-
democráticos, mas sim que ela permanece necessária e valiosa - e
superior aos meios democráticos - nos sistemas liberais-democráticos
dos nossos dias. Mas acontece que o autoritarismo como tal jamais
assustou Marcuse. "De Platão a Rousseau", escreveu ele, "a única
solução é a ideia de uma ditadura educativa[87] - frase que, seguramente,
fez o autor do Contrato social dar voltas na sepultura.[88] Talvez tenha
sido essa a razão pela qual, em O marxismo soviético (1958), malgrado
todas as suas críticas à ordem leninista, ele conseguiu negar que a elite
do poder comunista tivesse interesses de classe próprios: pois não eram
os herdeiros de Lenin apenas um bando de déspotas educativos,
temporariamente desgarrados? ...

Desde o começo, Marcuse foi o mais político dos frankfurtianos.


Que o seu marxismo fosse sem história nem proletariado, e que à sua
disposição para uma revolução sem dia-D faltasse credibilidade pouco
importava aos novos militantes radicais. O que eles queriam era uma
racionalização para sua revolta ritual, não uma análise convincente de
males largamente imaginários. O essencial era ligar de novo o marxismo
ocidental às emoções do protesto de rua e do ódio ativo ao
establishment. E isso Marcuse tinha, e muito: quer por meio de uma
utopia libidinal e eufórica (ainda no prefácio à sua A dimensão estética,
ele continuava a louvar o veio escatológico em Marx), quer por meio de
uma Recusa pessimista. Essas duas disposições de ânimo combinavam
com o revolucionarismo da sociedade afluente, fadado a ser mais
'cultural' e simbólico que social e real. O mito da repressão
psicocultural generalizada vinha de fato a calhar. Economizava a
incômoda obrigação de reconhecer a diminuição da opressão
propriamente dita no nosso meio social, liberal e permissivo. O
'pensamento negativo' de Marcuse, sua glorificação da Recusa,
tornaram-se parte predileta do jargão do ataque compulsivo à repressão.
Assim, a extinta chama do fervor de Lukács foi reanimada, juntamente
com o falso hegelianismo do espírito de História e consciência de classe
e o virulento antipositivismo de Lukács. Se jamais houve um clássico da
Kulturkritik vulgar mascarado de neomarxista, seu nome foi Herbert
Marcuse. Naturalmente, não há meio de extrair uma teoria do processo
histórico de semelhante material. Na verdade, a história foi sacrificada
duas vezes: primeiro, no instintivismo cru de Eros e civilização; depois,
na teoria social uniforme de O homem unidimensional, um retrato da
sociedade moderna tão estático quanto monolítico. E sem um mínimo de
processo, como se poderia ter uma teoria do processo?
6. JÜRGEN HABERMAS E O SANTO GRAAL DO DIÁLOGO

O paradigma já não é a observação, mas o diálogo.

Habermas

A obra de Jürgen Habermas é descrita, algumas vezes, como uma


atenuação de qualquer resíduo radical porventura deixado na 'teoria
crítica' da escola de Frankfurt. Nascido na Renânia em 1929, Habermas
passou seus anos de formação num contexto social e político muito
diferente daquele que cercou a juventude de Benjamin, Adorno ou
Marcuse. Enquanto eles foram testemunhas dos tumultos da república
de Weimar, Habermas chegou à meia-idade na Alemanha Ocidental "
sem-esquerda” da guerra fria. Nietzsche costumava zombar do fato de
serem tantos os pensadores alemães, como ele mesmo, filhos de
clérigos. Isso - escreveu ele-os predispunha à docilidade e à
aquiescência na sua visão do mundo. Habermas, filho de burocrata, e
neto de ministro luterano, não seria exceção à regra: é muitas vezes tido
como o erudito pensador que extraiu o veneno da subversão da teoria
crítica.

No entanto, a fagulha que acendeu o pensamento de Habermas foi


uma conferência sobre Freud feita pelo radical Marcuse em Frankfurt,
em 1956 - ano do centenário de Freud e da admissão de Habermas ao
Institut für Sozialforschung. Aos olhos do jovem calouro, Marcuse deu
vida nova à velha chama política da escola de Frankfurt.[89] A
esplêndida profecia de Eros parecia varrer o opressivo
Kulturpessimismus de Horkheimer e Adorno.

Não que Habermas tenha sido jamais um marcusiano, pouco se


importava ele com a base instintual da natureza humana - tema de Eros
e civilização. O que lhe interessava era o desenvolvimento sem limites
do homem, um verdadeiro motivo hegeliano. E ele não queria nada com
aquele outro veio neorromântico dos frankfurtianos, o anelo de uma
ressurreição da natureza. Muito pelo contrário: tal mito, declarou com
rude franqueza, era incompatível com o materialismo.[90] Habermas
fizera sua tese de doutorado sobre Schelling (1954) e assim estava bem
familiarizado com o pensamento romântico. Mas sua posição equivalia,
quase que de começo, a um "retorno ao iluminismo". Representava um
nítido rompimento com a lúgubre visão apocalítica da 'dialética
negativa'. A meio de sua carreira, não hesitaria em qualificar a obra de
Adorno de "exercício vazio de autoreflexão".[91] Em seu lugar,
Habermas quis promover um retorno à análise socioeconômica concreta.
Nisso, pelo menos, mostrava-se fiel ao programa original de Frankfurt
de 'filosofia social' (v. acima p. 161). Alinhava-se resolutamente com os
que viam no marxismo uma 'crítica' global, em vez de reduzi-lo - como
Schumpeter - a um conjunto de teorias separáveis, algumas das quais
dotadas de valor científico.[92] E outra vigorosa linha de continuidade
com a escola de Frankfurt clássica era sua preocupação com os males da
'repressão' e com o poder redentor do pensamento reflexivo.

O primeiro livro importante de Habermas, Transformação


estrutural da esfera pública (1962), respirava um ethos muito diverso
do ressentido hedonismo dos críticos culturais de Frankfurt. Inspirava-
se na ‘nostalgia helênica' de Hannah Arendt,[93] a exaltação de um
"espaço público de fala e de ação" como meio próprio para a liberdade e
dignidade humanas. Estudando a disseminação da privacidade nos
costumes modernos, Habermas via a esfera pública como um primeiro
campo burguês de emancipação, ligado, de início, à ascensão da opinião
pública e aos primeiros vagidos da democracia moderna, mas hoje
ameaçado pela síndrome contemporânea de tecnocratismo e alienação.
No mundo da grande empresa, da grande ciência e do estado tentacular,
a opinião pública autêntica se reduz à impotência ou desimportância,
porque as decisões maiores são fruto de acordos e barganhas negociados
por poderosos grupos de interesse em vez de refletirem processos
demorados de debate livre e racional. E a imprensa, dada à publicidade
e ao divertimento, também se esquiva à sua função de informar e de
debater. Assim, o livro combinava ecos da tese da 'indústria cultural',
ponto de vista tradicional de Frankfurt, com a problemática 'cívica' de
Arendt.

O projeto habermasiano de restaurar o marxismo como crítica


global deixava-o "entre filosofia e ciência". Observe-se a diferença em
relação à visão althusseriana do marxismo como ciência: do
materialismo histórico como ciência da história, e do materialismo
dialético como teoria da ciência. Mas a restauração por Habermas de
uma crítica global implicava, por sua vez, uma completa reconstrução
do marxismo ocidental. Para Habermas, a base de tal empresa tinha de
ser epistemológica. Deixando de lado as fantasias marcusianas em torno
de "outra espécie de ciência", Habermas explicitamente justificou a
preocupação de Kant com o rigor do conhecimento contra o desdém
hegeliano pelos escrúpulos epistemológicos,[94] Daí sua louvável
reserva diante da caricatura maniqueísta da ciência traçada por Adorno e
Marcuse. Significativamente, para Habermas, 'positivismo' significava
menos uma legitimação do dado que uma recusa, por parte do
conhecimento, de refletir no homem como sujeito do processo
cognitivo.

Na sua epistemologia da ciência social, Habermas procedeu em


cinco etapas, cada qual representando uma superação teórica de uma
escola conhecida. Na etapa I jogou o princípio da análise reflexiva
contra o estrutural-funcionalismo parsoniano, àquela altura dominante
na sociologia americana. Do ponto de vista da escola alemã de ciências
culturais (Geisteswissenschaften), dizia Habermas, o postulado de
Parsons de uma básica harmonia entre os motivos da ação social e os
valores institucionais do sistema social importa numa perda teórica, pois
ele não admitia espaço para o complexo papel da intersubjetividade na
tradição e na sociedade. Donde a etapa 2: Habermas voltou-se para a
teoria social fenomenológica de Alfred Schütz. Mas Schütz, por sua vez,
tinha fechado os olhos à dimensão lingüística da comunicação social.
Em vista disso (etapa 3), Habermas sentiu-se forçado a complementar a
sociologia fenomenológica com a filosofia linguística do Wittgenstein
da maturidade. Mas os jogos linguísticos de Wittgenstein constituem
formas de vida fechadas em si mesmas. Ora, um sentido completo de
intersubjetividade in actu implica contatos constantes entre universos
linguísticos diferentes, além disso abertos. Ergo (etapa 4), a
hermenêutica de Gadamer, com sua ênfase na tradição como tradução
viva de diferentes horizontes socioculturais, complementa a teorização
de Wittgenstein. No entanto. também a hermenêutica exige retificação:
pois a teoria da 'tradução’ transcultural tende a esquecer que linguagem
e cultura também podem servir de instrumentos de repressão.
Consequentemente (etapa 5), Gadamer deve ser completado com o
auxílio de Freud e da crítica marxista da ideologia. A abordagem
Habermasiana de Freud não era, por sua vez, nada marcusiana: o que
interessa Habermas, na psicanálise, é precisamente o projeto
terapêutico, não a metapsicologia que inspirara Eros e civilização. O
que atrai Habermas é o potencial emancipatório do ideal de
autorreflexão, muito mais que a descrição freudiana de forças psíquicas.

Tal é, em resumo sumaríssimo, o esquema de Sobre a lógica da


ciência social (1967). Mas o objetivo da epistemologia habermasiana
não ficaria restrito à teoria social. Um ano depois da sua Lógica,
Habermas publicou uma obra mais geral, Conhecimento e interesse
(1968). Nessa obra, criticando Kant por sustentar o princípio da
cognição desinteressada, ele se lança ao desenvolvimento da conexão,
prevista por Fichte, entre interesse e conhecimento. Segundo Habermas,
há três tipos de ciência, cada um dos quais baseado num conhecimento-
interesse principal: interesses técnicos dão origem a ciências empíricas
analíticas; interesses práticos, a ciências históricas interpretativas; e
interesses emancipatórios, a ciências de ação, criticamente orientadas,
como a economia, a sociologia e a teoria política. Só essas ciências da
ação têm na autorreflexão o seu método.

A autorreflexão, naturalmente, é apresentada como produto da


repressão. Na verdade, a repressão é a própria raison d'être do
pensamento reflexivo crítico. E a profundidade e escala do "sofrimento
inequivocamente identificável", oriundo da repressão, explica
Habermas, que gera a necessidade de uma ciência social crítica. Acresce
que o conceito de repressão, eminentemente psicológico como é (na
melhor tradição da psicossociologia de Frankfurt), está conforme a
convicção 'socrática' de Habermas de que a razão pela qual as relações
de poder em nossa sociedade conservam a sua ascendência sobre nós é
que "elas não foram ainda desmascaradas". Em resumo, o poder nos
mantém sob a sua férula por causa da nossa falsa consciência - um
clássico tema marxista.

Vamos agora voltar aos três maiores interesses do conhecimento -


técnico, prático e emancipatório. Habermas acredita que estão,
respectivamente, ligados a três meios de organização social: trabalho,
linguagem, poder. Daí três domínios cognitivos: a informação, que visa
ao controle técnico na esfera do trabalho; a interpretação, que assegura a
orientação da ação através da linguagem, dentro de tradições comuns;
enfim, a análise, que liberta a consciência do poder disfarçado em
ideologia. Conhecimento e interesse adjudica um modelo
epistemológico predominante a cada domínio. A lógica da descoberta
científica de Popper cobre a informação; a hermenêutica de Gadamer, a
interpretação; a psicologia profunda de Freud, a análise.

Enquanto constitutivos de domínios científicos objetivos, os três


interesses cognitivos desfrutam de um status transcendental no sentido
kantiano: denotam condições, ou formas a priori, do saber. Mas
Habermas acrescenta que eles são também empíricos por derivarem da
história natural da humanidade. De qualquer maneira, como 'constantes',
i.e., tendências fundamente arraigadas na história da espécie, os
interesses cognitivos são assunto mais apropriado para uma antropologia
filosófica que para uma mera sociologia do conhecimento relativista.[95]
Já mencionamos trabalho, linguagem e poder como práticas ligadas aos
interesses-conhecimento. Todavia, quase toda a obra de Habermas é, na
verdade, construída em torno da polaridade de trabalho e interação, que
ele tomou emprestada ao jovem Hegel. Como indicou Martin Jay,[96] no
curso da sua participação na chamada querela sobre o positivismo de
meados da década de 1960 (essencialmente uma guerra epistemológica
entre popperianos e adomianos), Habermas chegou a substituir o antigo
conceito de totalidade do marxismo ocidental por uma nova ênfase no
conceito idealista de espírito. Agora, o espírito reaparecia como campo
de diálogo, em vez de ser um ego unificado. Tal conceito fora
prefigurado na primeira Fenomenologia do espírito, de Hegel, obra
escrita em 1805, em Jena. O texto chave de Habermas a esse respeito é
um ensaio, "Trabalho e interação", escrito em 1967 para um Festschrift
em honra de Karl Löwith.[97] Habermas sustenta que enquanto o
'trabalho' é governado por normas técnicas manifestas, evidentes por si
mesmas, a 'interação' obedece a normas sociais, autorizadas por
consenso - ao qual se chega depois de algum grau de diálogo e
persuasão.

No segundo capítulo de Conhecimento e interesse, a antítese


trabalho/interação estimula uma interessante crítica de Marx. Habermas
elogia Marx como historiador social pela sua atenção à dimensão
interativa do esforço humano. Mas condena Marx como teórico social
por desprezá-la, concebendo a emancipação humana como fruto de um
processo fundado apenas no trabalho e na capacidade técnica. Em suma,
Karl Marx é acusado de reduzir a ação autogenerativa da espécie (que
ele tanto louvara em Hegel) a uma síntese (naturalista) efetuada pelo
trabalho social, esquecendo-se da complexa dialética da interação e da
comunicação simbólica.

Mas o afastamento de Habermas em relação a Marx não se limita a


isso. No ensaio-título da coleção Técnica e ciência como 'ideologia'
(1968), ele argumenta que, sob o capitalismo mais recente, diversas
afirmações chave do materialismo histórico, na sua forma clássica,
precisam ser substituídas. Uma vez que a) a própria ciência se tomou, da
'segunda Revolução Industrial' em diante, uma força de produção; b) a
economia obedece agora a todo um conjunto de regulamentos estatais; e
c) o conflito de classes foi desarmado pelo gerenciamento keynesiano, a
teoria crítica da sociedade não pode mais atuar, como em Marx,
mediante a crítica da economia política. Desde 1960, Habermas advertia
que "devido à introdução de elementos da superestrutura na própria
base, a clássica relação de dependência da política para com a economia
se rompeu".[98]

O alcance e grau das preocupações epistemológicas de Habermas


não têm precedente na escola de Frankfurt. No entanto, seria ilusório
pensar que ele as usa em lugar da velha ênfase na 'crítica' e do ethos
humanista de Kulturkritik. O conceito de linguagem e comunicação
como instrumento de autorreflexão - a principal contribuição tanto de
Lógica e ciência social quanto de Conhecimento e interesse - apontam
para uma 'situação ideal de fala' como estrela-guia de todo contexto
interativo entre humanos. A verdade se torna, até esse ponto, uma
função do diálogo entre interlocutores verazes, pessoas de boa vontade.
"A verdade do que é dito está ligada, em última análise, à intenção da
vida correta." [99]

Uma frase da importante introdução à quarta edição alemã (1971)


de Teoria e práxis condensa a substância de tudo isso: "o paradigma já
não é a observação mas o diálogo.[100] Assim, a sóbria mística do
diálogo, espécie de versão epistemológica do espaço público de discurso
e ação de Arendt, substitui, em Habermas, as imagens tradicionais da
vida correta. A linguagem está pejada de virtude soteriológica, de um
poder de salvação a que a dialética torcida de Adorno só poderia aludir
de modo indireto e intermitente. Não obstante, o espírito da Kulturkritik,
embora atenuado, ainda calça essa ética da comunhão pela
comunicação. Isso fica patente na diagnose do capitalismo tardio feita
por Habermas em Problemas de legitimação no capitalismo tardio
(1973) - para muitos, o mais acessível dos seus livros.

Problemas de legitimação usa as categorias de trabalho e interação


para apoiar a distinção entre 'crise do sistema' e crise de identidade. O
propósito de tal distinção é ressaltar que os problemas da condução de
um sistema social só chegam a um ponto crítico quando a Lebenswelt
dos seus socii passa por tal crise que eles sentem a própria identidade
cultural como profundamente problemática. O livro termina com uma
ampla discussão da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, um teórico
com o qual Habermas vem mantendo uma sofisticada polêmica desde
1971.[101] Espécie de Parsons alemão, voltado para a cibernética em vez
da teoria sociológica clássica, Luhmann vê a integração de sistemas de
um ponto de vista funcionalista. Para ele, a coesão do sistema é
largamente independente da integração social nutrida em
mundividências.[102] Obviamente, essa abordagem deixava pouca
margem para questões de identidade cultural.

A teoria dos sistemas não é, todavia, a única linha teórica, quando


se quer fazer vista grossa a crises de identidade. O próprio Marx se
concentrara numa única espécie de crise de sistema: os engarrafamentos
econômicos criados pela nêmese da competição. Habermas não se
aprofunda nas complexidades da 'literatura do colapso', i.e., do debate,
hoje famoso, sobre se a) teria Marx (ou não) sustentado a teoria do
colapso do capitalismo; e b) se o fez, qual a natureza do processo de
desintegração.

Tugan-Baranovsky, Hilferding e Luxemburgo, os primeiros grandes


nomes da literatura da desintegração, não são mencionados em
Problemas de legitimação. Mas o que preocupa Habemas é a
obsolescência da teoria dos valores de Marx na idade da alta tecnologia
e da economia keynesiana.

Sua alegação é que a crítica da economia política apreendeu o


sentido da sociedade do século XIX porque, no capitalismo liberal, a
integração (tanto social como sistêmica) se fundava na economia. Com a
separação de estado e sociedade civil as relações de classe foram
institucionalizadas através do mercado. E o mesmo mercado impessoal -
e não o estado - assumiu o encargo de satisfazer as necessidades sociais.
Em consequência, as crises econômicas se traduziam diretamente em
crises de legitimação. Qualquer pequena dificuldade do sistema
repercutia na integração social. Porém nas sociedades modernas,
dirigidas pelo estado, acontece o contrário: a integração social e a
sistêmica ficaram 'desacopladas'. A ideologia econômica, o princípio de
intercâmbio, já não é, em nosso meio, a norma diretora da integração
social. Acresce que o estado intervém regularmente na economia (daí,
na integração sistêmica), e a consequente politização das relações de
classe apaga os antigos contornos, nitidamente contrastantes, da
estrutura de classe. Em tais circunstâncias, a teoria crítica não pode mais
assumir a forma de uma crítica do pensamento econômico.

O novo papel do estado na vida econômica põe fora de foco as


categorias de Marx. Por isso mesmo, Habermas desvia a análise para o
sistema político. Aqui, os principais problemas do sistema tendem a
surgir, como uma 'crise de racionalidade', da 'crise fiscal do estado', que
ocorre sempre que o estado moderno, keynesiano, já não encontra
recursos para financiar o crescimento econômico e a estrutura de
serviços sociais. Habermas reconhece a possibilidade disso; mas, ao
contrário de James O'Connor e outros teóricos da crise fiscal, não a
exagera. Prefere acentuar a questão da legitimidade como dimensão
crucial de possíveis crises na esfera política. Enquanto o povo confia no
estado, as crises de racionalidade, por elas mesmas, não causam grande
dano. 'Déficits de legitimação', por outro lado, o causam. Para
Habermas, ó estado moderno procura subornar os focos sociais dos
déficits d legitimação administrando significações partilhadas e
garantindo o bem-estar graças ao crescimento econômico. Mas enquanto
a comunhão de sentido pode enfrentar problemas derivados da
incongruência entre a ideologia da 'comunidade' ou dos 'interesses
nacionais', advogada pelo estado, e as realidades da estrutura de classe,
as tentativas de preencher os vazios da legitimidade através do
crescimento ficam ameaçadas por perigo maior: a cultura moderna é
capaz de gerar demandas sociais de natureza impossível de satisfazer em
termos econômicos e tecnocráticos. Em tal conjuntura, o déficit de
legitimação, que constitui a crise de identidade do sistema político do
capitalismo tardio, se desdobra numa profunda 'crise de motivação',
minando a identidade do conjunto da cultura contemporânea. Habermas
acredita que mudanças nos valores da sociedade ocidental, de que dão
testemunho os movimentos de juventude, e a extensão à cultura social
da postura de Kulturkritik mantida há tantos anos pela maior parte da
arte moderna mais avançada, estão minando a motivação em sentido
adverso ao sistema capitalista. Críticos como John Hall [103] não
perderam tempo em apontar um paralelo entre Habermas e o discurso de
Daniel Bell sobre as 'contradições culturais do capitalismo', com a
ênfase no fato de que a ideologia modernista se vem tornando, como
credo contracultural, uma força social crescente.

Assim, Habermas concordou, até certo ponto, com o lema de maio


de 1968: "mudar a vida." Mas sua aprovação da Kulturkritik estava
longe de estender-se à política violenta muitas vezes associada às
revoltas de estudantes da época. Deu sua bênção ao movimento Juso, a
ala jovem da esquerda entre os sociais-democratas. Mas, diferentemente
de Marcuse, absteve-se de encorajar os protestos nos campi. Pareceu, ao
contrário, preferir uma velha utopia do progressismo germânico:
Bildung, como alternativa à revolução. A seu ver, "em face das diversas
iniciativas sectárias, poder-se-ia hoje dizer que, no capitalismo já
avançado, mudar a estrutura do sistema geral de educação pode ser mais
importante para a organização do pensamento emancipatório do que o
treinamento ineficaz de quadros, ou a construção de partidos
impotentes".[104] Não admira, então, que o 'reformismo radical'[105] de
Habermas fosse, durante alguns anos, um dos alvos do ativismo
gauchiste.

Dois aspectos pelo menos de Legitimationsprobleme merecem


comentário. O primeiro é uma ironia histórica que pode ser despachada
numa penada. O livro reflete o impacto, embora não a estridência nem o
espírito, das rebeliões estudantis da década de 1960. Mais precisamente:
a teoria da crise de Habermas, indo, como ia, do bloqueio econômico e
impasses de administração para lacunas de legitimidade e retração
cultural, curvou-se à noção de que os dias da racionalidade instrumental
estavam contados. No entanto, por volta de 1973, a maré da 'revolução
cultural’ já entrara na vazante. E mais: a recessão mundial estava prestes
a desencadear uma década de crises econômicas que prejudicaram
seriamente a sabedoria keynesiana que Habermas tinha por intocável. Se
o pêndulo da história se moveu, foi em sentido contrário: para longe da
insatisfação cultural, e no sentido de um regresso às aflições
econômicas.

Em segundo lugar, a marca do dualismo trabalho/interação é


conspícua em Legitimationsprobleme. Segundo Habermas, enquanto a
interação, sob o disfarce de motivação cultural, é, ao mesmo tempo, o
que pode arruinar e o que pode salvar a nossa sociedade industrial
avançada, os fatos do 'trabalho', i.e., do crescimento, da tecnologia, da
tecnocracia, não podem preservá-la, uma vez que não existe maneira
pela qual eles possam satisfazer a sede de legitimidade experimentada
pela cultura, cada vez mais desajustada, do capitalismo adiantado.
Assim, o conceito de interação confirma a ideia de que um estado
constante de crise de identidade emergiu na sociedade moderna, em vez
das crises econômicas, violentas, mas episódicas, do capitalismo
pregresso. Mas, a essa altura, cumpre indagar: onde termina a sociologia
da modernidade, e onde começa a velha melodia da Kulturkritik? Qual é
o grau de apoio empírico reunido por Habermas no seu retrato de um
capitalismo desmotivado? E, mais importante ainda: que tal se a ordem
capitalista funcionar melhor sem muita 'fé' cultural, alimentando-se
apenas da aquiescência ou condescendência geral, baseada a) em
expectativas utilitárias fornecidas pelo crescimento econômico em
contextos democráticos; e b) na percepção popular de que as
alternativas existentes em termos de sistema social são piores, em
matéria de fornecer bem-estar e, ainda por cima mais opressivas? A obra
de alguns sociólogos recentes, notadamente Frank Parking e Michael
Mann, contém agudas reflexões justamente sobre essa possibilidade.

Nos últimos quinze anos Habermas se tem concentrado em defender


seu sistema e:ontra um mar de críticas. Por exemplo: Habermas tem sido
atormentado por alegações de que o seu conceito de conhecimento-
interesse constitui uma redução do conhecimento a imperativos técnicos
e necessidades sociais. Dando ênfase aos interesses. essa espécie de
epistemologia, argumenta-se, condena-se ao relativismo do
pragmatismo. Na introdução de Teoria e práxis, Habermas procura
safar-se, distinguindo "entre a comunicação, que permanece presa ao
contexto da ação, e os discursos, que transcendem as coerções da ação".
Discurso é um nível metacomunicativo em que asserções da verdade
(discurso teórico) ou normas (discurso prático) são examinadas.

Outro grande problema na obra de Habermas até Conhecimento e


interesse era o lado prático da sua confiança nos maravilhosos poderes
da reflexão. Como até o seu competente e simpático intérprete, Thomas
McCarthy, reconhece, na teoria dos conhecimentos-interesse
emancipatórios havia uma identidade não demonstrada de razão e
vontade.[106] Mais especificamente, postulava-se uma vontade-para-a-
razão, pressupondo uma universalidade de autorreflexão difícil de
reconciliar com a situação dos pretensos beneficiários da emancipação
esclarecida. Inicialmente, cumpre objetar, como o fez Richard
Bernstein, à suposição de um motivo para a autorreflexão. Mesmo
aceitando que o te/os de todo discurso seja, na verdade, a comunicação
não deformada, ainda assim se gostaria de saber o que é que
verdadeiramente impele o homem a buscar tais formas ideais de
interação <[107] - e disso os textos de Habermas pouco tratam, e de
maneira pouco precisa. É óbvio que a teoria dos interesses cognitivos é
genérica demais para valer como explicação. O diabo com os
conhecimentos-interesse de Habermas, diz Nikolaus Lobkowicz, é que
são interesses em que ninguém está habitualmente interessado, em
nenhum sentido empiricamente demonstrável.[108] Além do que, o
modelo psicanalítico de autorreflexão dificilmente poderia aplicar-se à
sociedade em geral.

Habermas tentou escapar a essas acusações distinguindo entre


'autorreflexão' e 'reconstrução'. Um pós-escrito a Conhecimento e
interesse de 1973 afirma que, enquanto a autorreflexão traz à
consciência as particularidades de um indivíduo, a Bildung, pessoal,
auto formativa, "a reconstrução racional se ocupa de sistemas de
normas" que "não abrangem a subjetividade".[109] Parece que, para
Habermas, as reconstruções se referem a uma Bildung da espécie e,
como tal, fornecem 'estruturas' convenientes para os necessários atos
individuais de reflexão dentro da interação.
Esse ponto de vista antropológico ditou a maior parte do argumento
central de Para a reconstrução do materialismo histórico (1976). O
propósito fundamental de Habermas é dar ao seu ideal dialógico um
mecanismo operativo no homem qua homem - uma 'competência
comunicativa'[110] que faria pela interação linguística o que a gramática
gerativa de Noam Chomsky supostamente faz pela capacidade
linguística individual. Habermas tenciona mostrar que "a espécie
aprende não só na dimensão do conhecimento tecnicamente útil,
decisivo para o desenvolvimento de forças produtivas, mas também na
dimensão da consciência prático-moral, decisiva para as estruturas de
interação".[111] O centro do exercício era uma teoria da 'pragmática
universal', distinta de uma sociolinguística meramente empírica.[112]
'Pragmática universal' é apenas um novo nome para 'competência
comunicativa', a abstrusa gramática interativa que alicerça sua
concepção de um diálogo livre como arma principal da emancipação.

Habermas estofou a ética universal do discurso louvando- se nas


teorias do filósofo californiano John Searle sobre os atos da fala (speech
acts), as quais, por sua vez, foram largamente baseadas no conceito
'performativo' desenvolvido pelo primeiro mentor de Searle, o filósofo
de Oxford J. L. Austin (+ 1960). Austin e Searle deram maior
importância àqueles aspectos de uma afirmação que denotam ou
conotam as intenções da pessoa que fala que aos que transmitem
informação sobre o mundo em geral. A teoria dos Speech acts
estabeleceu a noção de que falar é um modo de agir. Mas, enquanto
Austin e Searle distinguem as diversas espécies de atos que alguém
pode executar com diferentes enunciados, a preocupação de Habermas
era com alguns pressupostos gerais, subjacentes às nossas expressões ou
proferidas em resposta a elas. Cada vez que executamos um ato de fala
orientado para a compreensão, em oposição aos que servem a um alvo
egoísta, jogamos com postulados de validade, fundados em razões, de
modo que quem fala pode, em princípio, 'motivar racionalmente' os
ouvintes a aceitar esses postulados - estes são, por natureza, 'resgatáveis'
por meio de argumentação. Assim, Habermas procura chamar atenção
não só para as intenções de quem fala, mas também para o contexto das
expectativas que ele partilha com seus ouvintes - a estrutura
comunicativa, implícita ou explicitamente dialógica, de atos de fala que
visam a uma compreensão dos postulados de validade. Além disso,
pretende Habermas, esses atos discursivos sempre antecipam uma
situação ideal de discurso, livre de compulsão ou fraude, em que cada
pronunciamento preenche quatro condições: compreensibilidade,
verdade, veracidade e correção, no sentido de ser apropriado a um
contexto normativo reconhecido tanto por quem fala quanto pelo
ouvinte. Naturalmente, as declarações podem ser mentirosas; mesmo
essas, porém, na opinião de Habermas, pressupõem, mesmo a contrário,
as quatro obrigações acima arroladas. Embutido no falso discurso
estaria a homenagem que o vício presta à virtude. Searle mais do que
Chomsky fornece a Habermas os fundamentos conceituais da
pragmática universal - e isso porque Habermas acha a teoria de
Chomsky por demais monológica; e também deseja substituir o inatismo
de Chomsky por uma visão 'desenvolvimental' das habilidades
comunicativas, moldada, com alguma liberdade, na psicologia cognitiva
genética de Piaget e na obra de outros psicólogos do desenvolvimento,
como Lawrence Kohlberg e Jane Loewinger.

Junto com sua ênfase na espécie, a adoção de uma postura


desenvolvimental deu a Habermas uma concepção 'diferencial' de
progresso - muito longe da primitiva e dogmática repulsa frankfurtiana
pelas ideias evolucionistas. Todavia, na evolução habermasiana, a
primazia da 'interação' sobre o 'trabalho', com todas as suas implicações
antinaturalistas, não perde terreno. O diálogo continua a ter precedência
sobre a produção, a linguagem sobre a tecnologia. Enquanto se rejeita o
tema marxista dos determinantes infra estruturais, o desenvolvimento de
estruturas normativas é apresentado outra vez como "o marca-passo da
evolução social".[113] "Os grandes avanços endógenos, evolutivos, que
levaram às primeiras civilizações ou ao advento do capitalismo europeu
não foram condicionados, mas seguidos, pelo significativo
desenvolvimento de forças produtivas."[114]
A recente suma de Habermas, Teoria da ação comunicativa (1981),
em dois volumes, com 1.167 páginas no original alemão, começou a ser
escrita em 1977. Mantém, corajosamente, o ponto de vista
evolucionista. Essa vasta, laboriosa e muitas vezes opaca Teoria[115]
marca a culminação do que se poderia chamar, no interesse da
brevidade, Habermas II. Habermas I girava, conforme vimos, em torno
dos conceitos de conhecimento-interesse e autorreflexão. Habermas II
faz, principalmente, duas coisas: a) dá posição privilegiada ao conceito
de ação comunicativa - uma tradução linguístico-antropológica da sua
velha preocupação arendtiana pela sobrevivência de uma 'esfera pública'
como nobre esfera de livre interação humana; e b) reforça o ponto de
vista 'reconstrutivo', i.e., evolucionista, por ele adotado em meados da
década de 1970.

Demoremo-nos por um instante na evolução social tal como vem


descrita na sua Teoria da ação comunicativa. Na interação de todo dia,
postulados de validade relativos a enunciados são tidos como coisa
certa, uma vez que partilhamos com aqueles com os quais interagimos
um mundo de vida (Lebenswelt), i.e., todo um conjunto de valores e
crenças. A Lebenswelt de determinada sociedade assegura essa
transmissão de uma geração a outra - a reprodução simbólica da
sociedade, que é distinta dos processos de produção e reprodução de
bens e serviços - o que Habermas chama 'sistemas funcionais'.

Forte dessa distinção entre sistema e Lebenswelt como modelos de


reprodução social, da ligação bem como da Lebenswelt com a ação
comunicativa, envolvendo postulados de validade e sua virtual
justificação, Habermas se põe a corrigir a celebrada explicação
weberiana da evolução cultural em termos de uma racionalização
progressiva. Caracteristicamente, Habermas diz que Weber errou ao
igualar o crescimento da diferenciação institucional com racionalização
crescente. Mas isso é porque Habermas sustenta (como Weber também
sustentou[116] - mas deixemos isso de lado) um conceito de
racionalidade como algo mais que meramente instrumental, i.e.,
racionalidade de meios e fins. O que ele pede é o deslocamento de um
conceito predominantemente teleológico da ação para um foco no
comunicativo.

Habermas alega que, através da evolução cultural da humanidade da


sociedade do clã para o mundo moderno, os dois mecanismos
reprodutivos, 'sistema' e Lebenswelt, ficaram cada vez mais às turras um
com o outro. Por outro lado, a ‘reprodução simbólica’ assistiu a uma
racionalização da Lebenswelt que, de maneira progressiva, solapou as
teorias e crenças tradicionais, fazendo a ação comunicativa mais e mais
dependente da análise racional. Por outro lado, o crescimento e a
complexidade de 'sistemas' têm colidido com a Lebenswelt, ameaçando,
com sua lógica muito diferente, asfixiar aquele mesmo potencial de
racionalidade comunicativa. E a isso que Habermas chama 'colonização'
da Lebenswelt pela racionalidade instrumental e técnica. Na sua opinião,
aí jaz a raiz do problema da cultura moderna, A Teoria também resume o
diagnóstico de Legitimàtionsprobleme, salientando que, enquanto a luta
de classes retrocedeu no capitalismo adiantado, os níveis mais
profundos de fricção e tensão localizam-se hoje em áreas em que a
economia e o estado gerencial agem como veículos da supracitada
colonização da Lebenswelt - provocando, assim, reações como o
movimento ecológico e a campanha pela desnuclearização:

Um ponto chave na discussão do estado da civilização ocidental na


Teoria é a ideia de um 'projeto de modernidade' inconcluso. O
argumento foi resumido pelo próprio Habermas ao receber, em setembro
de 1980, o prêmio Adorno, da cidade de Frankfurt.[117] Seu ponto de
partida lembra as posições de Weber sobre a racionalização como
diferenciação funcional progressiva de esferas sociais de ação. "O
projeto da modernidade", disse, "formulado no século XVIII pelos
filósofos do iluminismo, consistia em seus esforços para desenvolver a
ciência objetiva, a moralidade universal e o direito, e uma arte
autônoma, segundo a lógica interior de cada uma dessas coisas." Tudo
na esperança de que as artes e as ciências promoveriam o controle da
natureza, favorecendo nossa compreensão do mundo e de nós mesmos, e
introduzindo no mundo moderno justiça e felicidade. O problema é que,
em nosso tempo, essas esperanças se frustraram. A diferenciação de
ciência, moral e arte resultou em segmentos desvinculados da
Lebenswelt da comunicação habitual - o próprio estofo do cotidiano. Daí
todas as tentativas de negar a cultura moderna, desde as heroicas
vanguardas do primeiro modernismo até os movimentos pós-modernos
do nosso tempo. Sabiamente, Habermas se recusa a responder à
acusação de 'razão terrorista' levantada contra a tradição do iluminismo
pela postura ferozmente antimoderna de pensadores pós-estruturalistas
como Foucault e Derrida. Em vez disso, pergunta com sincera angústia:
"devemos permanecer fiéis às intenções do iluminismo, por débeis que
sejam - ou devemos dar todo o projeto da modernidade como perdido?"
[118] O próprio fato de que ele chama ideólogos como Foucault e

Derrida[119] 'jovens conservadores', que muitas vezes se veem, objetiva


ainda que não intencionalmente, aliados aos velhos preconceitos
conservadores contra as ofensivas emancipadoras que ainda surgem da
fonte iluminista, indica para que lado se inclina a sua resposta.

A corajosa resistência de Habermas à voga do pós-estruturalismo


merece nosso respeito. Ele é hoje, entre os filósofos europeus de maior
influência, o pensador que defende os valores universalistas contra uma
tempestade de relativismos desvairados e cínicos, de mal fundamentados
niilismos. Significativamente, Habermas não deu nenhum sinal de
conivência com o culto de Nietzsche, o principal rito pós-estruturalista
de simulação de pedigree filosófico. Mas devemos começar qualquer
avaliação da sua obra impressionante fazendo notar, antes de mais nada
- em obediência à nossa problemática - como ele ainda deixa de captar,
ou recobrar, um verdadeiro sentido do processo histórico, de maneira
digna de Hegel ou de Marx. Pois embora Habermas concorde com as
intenções do iluminismo, parece despreparado para aceitar seus
resultados históricos. Sua versão da "tragédia do iluminismo", para
empregar a frase de Paul Connerton, é muito mais razoável, muito
menos apocalítica e, pensando bem, muito menos tola e melodramática
que as de Adorno e Marcuse - mas, em última análise, também ele toma
o partido da Kulturkritik, em vez de aceitar de coração aberto a
modernidade cultural. Até certo ponto, sua postura é um paradoxo, pois
chega a reconhecer o progresso sem de fato aceitar a direção do
processo.

A preocupação de Habermas com a imunização da Lebenswelt


contra a razão instrumental é um exemplo revelador dessa posição de
meio-termo. E nesse passo tenho de concordar com um dos mais
perspicazes dos seus críticos, John Hall: a busca da salvação
('emancipação') através do conhecimento-como-diálogo cheira por
demais ao desejo de 'reencantar' o mundo[120] - e é por isso um ponto de
vista neorromântico. Habermas reconhece que a ciência natural tem de
proceder objetivamente. Mas, na sua hierarquia do conhecimento, o
ápice é dado a uma verdade 'consensual', na qual o peso da
correspondência entre discurso e realidade exterior é quase nulo. Como
observa Mary Hesse, sua justificação dos truth claims permanece pouco
clara e insatisfatória - e o próprio Habermas já o reconheceu.[121]

E depois, temos o problema da racionalidade unificada como alvo


de uma interação reflexiva fundada na competência comunicativa do
homem."Kónnen komplexe Gesellschaften eine vernünftige Identitiit
ausbilden?" (Podem sociedades complexas construir-se uma identidade
racional?) Habermas fez dessa pergunta o título mesmo de sua alocução
quando a cidade de Stuttgart lhe concedeu o prêmio Hegel, no começo
de 1974. [122] Habermas, o teórico social filosófico, acredita que sim. Os
cientistas sociais são mais céticos. Assim, Steven Lukes não encontrou
nada na vasta obra habermasiana que demonstrasse cabalmente a
possibilidade de uma base racional unificada para a teoria crítica. Mas
se não nos exibem tal base, então não há como prescindirmos do papel
de decisão em matéria de moral e de pensamento político; e, por
consequência, voltamos ao pluralismo axiológico de Weber, a eterna
guerra dos deuses sociais, contra o consenso, mesmo processual e
dialógico como é o de Habermas.[123]

Essa crítica pode ser estendida igualmente ao nível epistemológico.


Como muito bem percebeu Gerard Radnitsky, o núcleo da argumentação
de Habermas é que nunca existe, falando propriamente, uma opção pela
razão em assuntos cognitivos. Pelo contrário, sempre nos vemos 'em'
razão, porque entrar em ação dialogal comunicativa já significa
reconhecer a razão crítica como o alvo imanente da verdadeira
comunicação.[124] Desde Teoria e prática, Habermas ofereceu, na
verdade, essa perspectiva como um sucedâneo do decisionismo de
Popper quando se trata de justificar a opção última pelo conhecimento
crítico. Mas nem todo mundo acha o seu pretenso sucedâneo
convincente.

A rigor, a noção de que exista um impulso de racionalidade


'inevitável' em qualquer discurso, prático ou teórico, no que concerne a
sua substância, muitas vezes acarreta, necessariamente, um non
sequitur. Habermas insiste em que nossa reação a postulados de
validade implicados em atos discursivos comunicativos compromete
tantos oradores quanto ouvintes na busca de uma racionalidade padrão
não menos constringente que aquelas que a lógica ou a ciência
costumam empregar. W. G. Runciman, porém, discorda. Uma coisa, diz
ele, é concordar com Kant que, quando dizemos que algo é belo,
queremos dizer que todo mundo deveria gostar desse algo; outra, muito
diferente, sustentar (como Kant jamais o fez) que o apelo à
universalidade latente em nossos juízos estéticos é tão obrigatório
quanto a racionalidade da lógica e da ciência regida pela lógica. Ora, a
afirmação de Habermas de que a) existem padrões de racionalidade
entranhados em cada diálogo veraz e correto sobre· qualquer coisa pode
ser tida como um equivalente lógico da famosa observação de Kant
sobre a vocação universal dos juízos estéticos. No entanto, sua
pretensão de que b) esses padrões sejam tão obrigatórios quanto a razão
lógica é injustificada ou, na melhor das hipóteses, indemonstrada. O
passo de a a b não é um passo, diz Runciman - é um salto.[125]

O salto parece, de algum modo, ligado ao que Perry Anderson


chamou o 'angelismo' da visão da linguagem, diálogo e discurso em
Habermas. Em contraste com os pós-estruturalistas franceses, que
demonizaram a linguagem, esvaziando-a de sentido e verdade, nosso
Aufklärer linguístico transformou o discurso num suporte verdadeiro e
confiável da cultura, garantindo a moralidade e a harmonia social - e
funcionando, ainda por cima, como a força motriz da história.[126] De
um ângulo diferente, Anthony Giddens também protestou contra a
idealização habermasiana da 'interação'. A seu ver, Habermas reduziu
interação a comunicação espontânea, esquecendo irrealisticamente as
imbricações entre interação e poder.[127]

O projeto de Habermas consistia em restaurar a força ofensiva da


teoria crítica sem recair na ingenuidade do revolucionarismo padrão.
[128] E, todavia, seu tipo paralinguístico de teoria crítica acabou

impotente no nível de organização. As situações especiais de discurso


eram criaturas apenas um pouco menos desencarnadas que o etéreo
pensamento negativo de Adorno. Sua própria honestidade ao recusar, em
Marcuse, a busca fácil de ersatzs para um proletariado refratário e a
autoindulgência elitista das 'ditaduras educacionais' deixou Habermas
sem nenhum veículo social para a sua utopia comunicativa. Um dos seus
críticos alemães, Bernard Willms, chega até a ver a lacuna institucional
na teoria social de Habermas como 'congênita', uma vez que toda
instituição implica muita ação instrumental e técnica, e isso pertence ao
reino vil do 'trabalho' e não da nobre 'interação'.[129] Mas esse é o juízo
da esquerda radical, ansiosa por cobrar resultados políticos à obra de
Habermas. Um veredicto menos parcial ou apaixonado poderia mostrar
que, com ele, a Kulturkritik - elemento medular no marxismo ocidental -
tornou-se infinitamente menos virulenta. Cumpre, no entanto,
reconhecer que, apesar de toda a ambiciosa recuperação de perspectivas
evolucionistas, Habermas foi incapaz, até agora, de nos dar não um
lamento contracultural, mas uma verdadeira teoria do processo
histórico.

A teoria crítica de Habermas poderia, a rigor, falhar como remédio


político e como exposição histórica e, mesmo assim, vingar como uma
epistemologia nova, no seu próprio nível 'reflexivo’ (num nível mais
geral, que inclui o problema da verdade, já vimos que ela também
falha). Afinal de contas, o cerne da taxinomia habermasiana do
conhecimento é a pilha das ciências 'reflexivas', em cujo domínio ele
pretende haver proposto e justificado um novo tipo de cognição: o
conhecimento crítico, inspirado em Marx e também em Freud. Nem isso
é tudo, Habermas faz questão de demonstrar que, a fim de serem
verdadeiramente válidas, nossas convicções normativas têm de
constituir conhecimento genuíno - afirmação muito discutível. A rigor,
ela nada mais é que imagem especular da pretensão positivista de que as
crenças não cientificamente fundadas são apenas preferências
arbitrárias.[130]

Agora: independentemente do imenso problema, acima referido, de


supor uma motivação social generalizada para a participação no
discurso livre como médium para a emancipação, Habermas soa
implausível quando se trata de aferir qual seria o consenso das suas
situações ideais de discurso. Para um dos seus críticos mais insuspeitos
e cuidadosos, Raymond Geuss, o altruísmo consensual de Habermas é
de todo absurdo e irrealizável. Pois é muito mais natural supor que os
participantes de um diálogo espontâneo venham munidos de suas
próprias (e, com frequência, discordantes) concepções de valores,
morais e de outras espécies. Seja como for, Geuss conclui que o
conhecimento emancipatório de Habermas não satisfaz os critérios
públicos, aceitáveis, para uma ação bem-sucedida - condição que o
próprio Habermas reivindica. A exigência de publicidade ou
intersubjetividade não pode, de maneira nenhuma, significar que os
participantes da comunicação emancipatória tenham de chegar a um
consenso - deve referir-se a algo muito mais independente e neutro,
entre prováveis candidatos a um acordo consensual.[131] Resumindo:
mesmo em nível 'reflexivo', o 'diálogo' não funciona sem, pelo menos,
algum básico equivalente da 'observação'.

Ler Habermas [diz Quentin Skinner], é como ler Lutero, só


que este último escrevia uma prosa admirável. Ambos
insistem em que a nossa vontade está escravizada pela nossa
maneira pecaminosa de viver. . . Ambos prometem que uma
conversão nos libertará da atual servidão e nos levará a um
estado de liberdade perfeita. Acima de tudo, ambos põem sua
confiança no "poder redentor da reflexão" (frase de
Habermas), daí nossa capacidade de nos salvarmos através
das propriedades redentoras da Palavra ou Verbo (que
Habermas prefere chamar discurso). mas. . . seguramente,
temos direito a esperar dos nossos filósofos sociais algo mais
que uma continuação do protestantismo por outros meios . . .
[132]

Dificilmente se poderia fazer apreciação melhor que essa.


Habermas, o Parsifal da teoria crítica, tão puro de coração quanto
valente nos seus feitos de armas, conquistou o Santo Graal do diálogo e
da interação para curar as amargas feridas deixadas pelo
Kulturpessimismus no corpo do marxismo ocidental. A salvação que,
para Lukács, deveria vir da revolução como apreensão da totalidade, é
agora redefinida de modo a derivar de fonas mais altas, mais humanas,
de conhecimento. A epistemologia se tornou soteriologia, enquanto a
teoria política ficou discretamente reformista. Porém nisso a primeira
perdeu bastante de sua racionalidade e a última, de sua eficácia.

Se a reconstrução da teoria crítica por Habermas dá com os burros


n'água, tanto como epistemologia quanto como teoria social, as
consequências disso para o marxismo ocidental como um todo são
calamitosas. Hoje em dia, a corrente principal do marxismo ocidental é
o marxismo alemão. Dentro dele, depois do cometa lukacsiano, a
proeminência da escola de Frankfurt é indiscutível. Mas o tipo
frankfurtiano de marxismo como 'crítica' de há muito labora em dois
equívocos principais. Primeiro, tendia a fundir capitalismo e sociedade
industrial, demonizando, em consequência, a difusão da racionalidade
instrumental.[133] A ambivalência da sociologia alemã clássica, de
Toennies a Simmel e Weber, em face do crescimento da racionalização
se converteu em aberto repúdio à tendência da cultura moderna.
O segundo equívoco era um exorcismo correlativo praticado no
intelecto científico. Nas palavras de Lucio Colletti, "o marxismo,
nascido como análise científica do capitalismo, descobriu que a ciência
era ... filha legítima do capital".[134] Quando essa convicção
neorromântica, decadente, ficou ainda mais sombria em razão do
colapso da esperança no revolucionarismo proletário, a 'teoria crítica'
recolheu-se a um mal disfarçado irracionalismo. Ficava muito bem para
Adorno ser mordaz com os irracionalismos 'oficiais', como o solene
pathos e os mistificantes calembours da 'ontologia fundamental' de
Heidegger; mas a pura verdade é que ele também enfiou a sua dialética
negativa num beco sem saída de tal ordem que a única - e débil - luz do
pensamento como redenção limitava-se à estética.[135] Só a mimese
artística se mantinha em contato com a natureza e com a humanidade,
longe da difusão perniciosa da razão instrumental. Todo o valor de
Habermas consiste na sua determinação de combater essa trajetória
rumo à irracionalidade. Porém se de fato se conclui que seu marxismo
ocidental, assim recauchutado, é por demais precário, então será difícil
resistir à impressão de que o marxismo ocidental, é, por natureza, no
fundo, um inimigo incurável do espírito da razão crítica.
IV

ALGUMAS CONCLUSÕES GERAIS

O marxismo é o ópio dos marxistas


— Joan Robinson

O marxismo ocidental, nascido do espírito da revolução contra o


determinismo do materialismo dialético, terminou por abraçar o mais
negro pessimismo ou por esposar o mais vago dos reformismos. A única
grande exceção a esse improfícuo programa - a prescrição de uma
Grande Recusa por Marcuse - significava mais uma revolta moral do
que uma revolução social; e o mesmo poderia ser dito da malograda
marxificação do existencialismo por Sartre. Além disso, excetuando
outra vez a Kulturkritik pop de Marcuse, a abstenção política era
acompanhada de uma escassez geral de qualquer nova análise das
realidades sociais e tendências históricas, principalmente em nível
econômico, social e político. Nos seus esforços mais consistentes, o
marxismo ocidental recolheu-se à teoria. Ocupou-se da natureza da
ciência social - mas só a aplicou com muita parcimônia.

O teorismo à custa da análise sociológica afligiu o marxismo


ocidental desde o começo. A acusação se aplica a História e consciência
de classe, ao principal da obra de Adorno, ao melhor da Crítica de
Sartre ou ao conjunto da obra de Habermas. O único caso em que seria
flagrantemente injusto falar de teorismo é o de Gramsci. Mas aí se trata,
significativamente, de um marxismo ocidental marginal, de caráter mais
histórico-filológico que filosófico. E, naturalmente, tudo o que foi
sugerido nos capítulos anteriores sobre a irredutibilidade da Kulturkritik
à análise histórica confirma decididamente a ausência de carne histórica
em que meter o dente no marxismo ocidental, na medida em que esta
tem sido, primordialmente, uma Kulturkritik de esquerda.

No principal, portanto, é difícil não subscrever o contundente


veredicto de Perry Anderson: o marxismo ocidental é o "método como
impotência, a arte como consolação, o pessimismo como quiescência".
[1] Seria preciso, sem dúvida, distinguir entre cada autor ou escola no

seio do marxismo ocidental; mas de maneira geral esse juízo é tão


verdadeiro quanto severo. Curiosamente, Anderson não foi o único a
associar teorismo com esterilidade. Em 1974, numa entrevista político-
filosófica de grande repercussão com a New Left Review; Lucio Colletti
advertia sobre a possibilidade de um suícídie-gnoseológico do marxismo
ocidental. A não ser que fosse feita uma análise mais concreta, disse,
criando modernos sucessores para o Finanzkapital (1910) de Hilferding,
ou para A acumulação do capital (1913) de Rosa Luxemburgo, o
marxismo sofisticado corre o risco de tornar-se apenas um penchant de
uris poucos professores universitários."[2]

Com uma década de distância, professores marxistas ou marxizantes


podem parecer tudo menos poucos. Colletti já não é um deles, mas seu
número permanece considerável nas universidades do Ocidente. Mas
voltemos ao problema do teorismo. Anderson também oferece uma
explicação para a pestilência metodológica (para usar a frase de Weber)
do marxismo ocidental. Ele a atribui à falta de contato com a práxis
política.[3] Disso, porém, não tenho tanta certeza. Na Itália, por
exemplo, o apogeu do marxismo ocidental não-gramsciano, do fim da
década de 1960 aos meados da década de 1970, assistiu a uma frenética
importação de temas frankfurtianos: repúdio do produtivismo, rejeição
da ciência e da tecnologia, acoimadas de ideologias burguesas, slogans
anarquistas (marcusianos), etc. E, todavia, tudo isso era apoiado por um
operaísmo militante, i.e., uma versão enfaticamente proletária da práxis
revolucioná1.ia herdada do espírito de maio de 1968.

Mesmo os que concordam com o diagnóstico de Anderson não


acompanham necessariamente a sua avaliação. Assim, Russell Jacoby
reconhece que o marxismo ocidental estava, de fato, dominado pela
impotência política, mas recusa ver a implícita 'dialética da derrota'
como uma desvantagem teórica. Pondo em dúvida, explicitamente, as
Considerações sobre o marxismo ocidental (1976) de Anderson, Jacoby
insistiu em que o marxismo ocidental, com a óbvia exceção da sua bête
noire, Althusser, representava uma saudável corrente hegeliana no seio
do pensamento marxista em geral. Um tipo de marxismo como 'crítica',
ao mesmo tempo mais humano e mais profundo que as receitas do
materialismo dialético, de Engels a Althusser. "O marxismo não
ortodoxo", escreve Jacoby, "é inconcebível sem Hegel. Os pontos de
partida e de chegada insubstituíveis para superar o marxismo
conformista são encontrados em Hegel. De Gramsci a Merleau-Ponty, os
marxistas escaparam às peias da ortodoxia abeberando-se em Hegel".[4]

Como Jacoby é o primeiro a admitir, Hegel foi usado pelo


marxismo de muitas maneiras. Mas Jacoby percebe um padrão básico,
formado por duas tradições hegelianas antagonistas. De um lado, há a
'linha' histórica, que valoriza o Hegel da história aberta e da
subjetividade dinâmica, o Hegel da Fenomenologia do espírito. De
outro, há uma tradição 'científica', que louva o Hegel da Ciência da
lógica, se compraz em 'leis' históricas, e formaliza a dialética numa
gramática de desenvolvimento.[5] Em suma: há o Hegel de Engels e o
Hegel de Lukács.

Jacoby se alinha ostensivamente com a tradição histórico-humanista


- e a invoca para defender o marxismo ocidental como seu principal
representante entre nós. Mas o problema dessa defesa hegeliana do
marxismo ocidental é duplo. Primeiro, ele ignora em vez de refutar a
acusação de teorismo estéril feita por Anderson. Segundo, leva o
hegelianismo do marxismo ocidental demasiadamente a sério. Em
última análise, vimos que o marxismo ocidental não era tão hegeliano
assim - na verdade, era frequentemente não-hegeliano à outrance, na
adoção de posições eticistas. De Lukács a Marcuse e Sartre, o marxismo
ocidental muitas vezes jogou a pureza de altos ideais contra o prosaísmo
do processo. O que Lucien Goldmann escreveu certa vez sobre Razão e
revolução, de Marcuse - que ele servia Fichte embrulhado como Hegel -
vai diretamente ao coração do problema.[6] Além do mais, Adorno, na
Dialética negativa, observou que a teoria lukacsiana da reificação,
dominada pelo tema da consciência, permanecia algo demasiado
fichtiano. E agora temos pelo menos uma valente tentativa de mostrar
que o marxismo ocidental, de Lukács a Frankfurt, desde Adorno até
Habermas, é, no fundo, uma reprise neokantiana, condenada - et pour
cause - ao metodologismo. Refiro-me ao brilhante, se bem que muita
vez elítico Hegel contra Sociologia (1981) de Gillian Rose.

Seria o caso de desprezar o conteúdo da réplica de Jacoby a


Andersen, aceitando, porém, a sua tentativa de justificar o marxismo
ocidental em termos históricos como uma crítica que a derrota
ensombreceu, uma resistência humanista à época? Penso que não, e por
dois motivos. Para começo de conversa, adotar essa posição seria
corroborar a Kulturkritik, quando tudo o que sugerimos até aqui é que
uma verdadeira compreensão da história moderna não justifica a fúria e
o desespero dos inimigos da modernidade. Mas há também o fato de que
a única abordagem disponível de uma explicação histórica da evolução
do marxismo está longe de confirmar a ligação entre a dialética como
crítica e tempos 'difíceis' para a revolução. Quando muito, sugere
justamente o oposto.

A abordagem histórica que tenho em mente foi primeiro


apresentada nas Aventuras da dialética de Merleau Ponty. Podemos
chamá-la 'teoria das marés'. Segundo Merleau, o marxismo conheceu
dois modelos principais. Na sua fase jovem, revolucionária, ele aparece
como um pensamento dialético, tratando com quase desprezo a 'inércia
das infraestruturas'. E o tempo de maré alta na história do marxismo. Na
esteira das derrotas revolucionárias, ao contrário, ele se fez,
teimosamente, determinista e mecanicista. Assim, o próprio Marx, até
1848, tinha sido um humanista perito em dialética. Depois, na segunda
metade do século, quando a maré da 'idade da revolução' já entrara em
vazante, tornou-se determinista e preocupado com a ciência, a ponto de
procurar as 'leis naturais' da produção capitalista. Com a restauração das
esperanças revolucionárias depois de 1917, viria uma nova maré de
dialética antideterminista - o momento de Lukács. Vista do meio da
década de 1950, a conversão de Lukács à linha oficial do materialismo
dialético pare eia refletir o refluxo da revolução nas décadas centrais do
nosso século.[7]

Uns doze anos depois da análise de Merleau-Ponty, o insigne


marxólogo alemão Iring Fetscher esboçou o que pode ser tido como uma
interessante alternativa sociológica à teoria das 'marés'. A seu ver o
humanismo revolucionário está ligado a uma certa fluidez nas bases
sociais do ideário marxista. Sempre que, ao contrário, a ação coletiva e
consciente do proletariado foi substituída por poderosas organizações da
classe operária, atuando no seio da ordem social burguesa, o marxismo
tendeu a acentuar seus aspectos deterministas. A verdade sociológica
desse fenômeno é que o materialismo dialético se enquadrava muito
bem no processo a que Aron gostava de chamar a 'educação política' dos
trabalhadores alemães pelo marxismo. O marxismo ortodoxo era a
religião leiga dos sindicatos e dos partidos de trabalhadores, cujos
líderes intelectuais gostavam de guardar distância de visões não-
marxistas do mundo - uma determinação muito clara tanto em Engels
(principalmente no Anti-Dühring de 1878) quanto em Lenin. E as
afinidades eletivas entre marxismo organizacional e doutrinas
inflexíveis como o materialismo dialético eram reforçadas pelo contexto
histórico. Desde que "as revoluções marxistas só têm ocorrido, até
agora, em países agrários extremamente atrasados, onde não caberia
falar em ação consciente do proletariado", o humanismo revolucionário
permaneceu, em grande parte, como "um episódio limitado a uma clique
pouco numerosa de intelectuais".[8]

Porém quer se acentue o contexto histórico, como na 'teoria das


marés' de Merleau-Ponty, quer seu substrato sociológico, como na
referência de Fetscher à variável organizacional, as ideias marxistas
devem ainda ser apreciadas nelas mesmas, independentemente das
vicissitudes do seu destino social. Se o malogro revolucionário e o
isolamento político levaram ao teorismo e à contemplação metodológica
do próprio umbigo, é nesses termos que o marxismo ocidental tem de
ser examinado. E reexames do marxismo ocidental já se mostraram na
verdade dispostos a enfrentar o debate das ideias per se. O mais
exaustivo até agora é o de Martin Jay, Marxism and Totality - the
adventures of a concept from Lukács to Habermas (1984). Especialista
na escola de Frankfurt, Jay se afasta sutilmente da posição de Andersen
para afirmar que o pecado do marxismo ocidental está menos no seu
distanciamento da práxis política que nas tendências elitistas; e tende a
ver com simpatia a reforma de Habermas, que julga uma metamorfose
teórica capaz de evitar o impasse do Kulturpessimismus recair no
ingênuo pathos quiliástico do jovem Lukács.[9]

No entanto, como já vimos, o edifício de Habermas está longe de


sólido, seja como epistemologia, seja como teoria social. Uma vez
concedido que, de maneira geral, o marxismo ocidental anterior a ele, ao
tratar de história substantiva, partilhava do anátema lançado pela
Kulturkritik contra a civilização moderna, não será exagero dizer que,
no marxismo ocidental, um excesso de significado foi extraído à força
do marxismo pelos luminares de uma clerezia humanista em guerra com
a modernidade. O resultado pouco enriqueceu nosso conhecimento da
história - coisa que não deve causar espanto a ninguém.

"O dia de glória do alemão'', escreveu Schiller, "é a colheita do


tempo como um todo".[10] Se o eixo Hegel-Marx era a suprema
realização de tal destino intelectual, pode-se dizer que o marxismo
ocidental constitui sua forma perversa - o colapso de uma tradição de
filosofias da história abrangentes nas avassaladoras acusações da
Kulturkritik. É verdade que, imediatamente antes do nascimento do
marxismo ocidental, o maior nome da teoria social alemã, Max Weber,
desafiara a teoria clássica (hegeliana) do processo. Enquanto para Hegel
o sentido do processo era o progresso da liberdade, e o advento do
Ocidente moderno como última fase da história mundial devia ser visto
como a corporificação de uma razão mais alta, para Weber o gênio da
cultura moderna - a racionalidade instrumental - não era de modo
nenhum um atributo do homem histórico, mas uma criação do homem
ocidental que, de qualquer modo, não gozava de qualquer superioridade
além da técnica em relação a culturas passadas ou estrangeiras.[10]
Nisso, sua teoria do processo não era, como as de Hegel ou Marx, uma
justificação da modernidade. E, todavia, não era também um repúdio da
história moderna, um produto da mentalidade neorromântica e
antimoderna exibida por muitos marxistas ocidentais.

Em grande parte, a história do marxismo ocidental se torna uma


história de traição - a traição da substância do hegelianismo por
pretensos marxistas hegelianos. Obviamente, isso não se aplica às
escolas epistemológicas de della Volpe e Althusser. O caso de Althusser
é de negação e não de traição de Hegel - uma negação que se fez ainda
mais estéril que a traição dos outros. Mas, de regra, a acusação de
pseudo-hegelianismo permanece válida para o restante do marxismo
ocidental alemão, que é, afinal de contas, a principal corrente do
marxismo ocidental.

Não se veja nisso a intenção de sugerir que, a fim de praticar uma


análise histórica interessante e fecunda, alguém precise ter, desde que
marxista, uma conformação de espírito hegeliana. Os marxistas
austríacos não a tinham e no entanto abriram, luminosamente, novos
domínios à análise marxista. Por outro lado, não basta dizer que o
marxismo ocidental tem direito a deixar de parte a análise histórica pelo
fato de ter sido sempre, no principal, uma empresa de filósofos e não de
historiadores, economistas ou sociólogos. Sem história, o marxismo
simplesmente não tem sentido - em termos, note-se, marxistas.

Talvez a distância crescente da política e da história que tem


caracterizado o marxismo ocidental ajude a explicar por que, desde
aproximadamente 1970, a teoria política radical, bem como a
historiografia radical mais reflexiva, têm, muitas vezes, operado na
presunção tácita ou mais ou menos explícita de um horizonte pós-
marxista. Talvez não seja aqui o lugar de descrever esse desvio do
marxismo. Basta dizer, essencialmente, que ele tomou duas formas: um
radicalismo pós-marxista em teoria política, e uma crítica do
materialismo histórico clássico. Um radicalismo pós-marxista pode ser
visto a olho nu nos escritos de teóricos da revolução como o Régis
Debray dos primeiros tempos (do período de Revolução na revolução)
ou Cornelius Castoriadis. Ambos retêm o conceito de revolução, mas
abandonam a análise marxista do processo que a ela conduzia. Quanto à
crítica do materialismo histórico na sua forma clássica, é possível
distinguir duas escolas de pensamento. A primeira consiste naquilo que
me vejo tentado a chamar de crítica da história econômica, a saber, a
obra de Immanuel Wallerstein e seus seguidores. A análise
wallersteiniana da 'economia mundial' é sabidamente uma combinação
da teoria clássica do imperialismo com a ótica de Fernand Braudel. Mas
a estrutura braudeliana da história da 'economia mundial' situa essa
economia a anos-luz do marxismo. Ao contrário da descrição do
capitalismo de Marx, a de Braudel não tem por foco os meios de
produção, mas sim um tipo específico de troca, i.e., um comércio em
condições de competição particularmente desiguais. Além disso,
Braudel tende a tratar as tendências monopolísticas, as quais, para o
marxismo clássico mais tardio. eram a nota dominante da última fase do
capitalismo, como a verdadeira essência do capitalismo, manifestada
desde os seus começos, no Renascimento.[12] E para completar, o papel
dos determinantes geográficos, crucial na história econômica de
Braudel, não tem paralelo no paradigma marxista.

Uma segunda ala, dentro dessa nova abordagem crítica do


materialismo histórico, permanece mais teórica que histórica. Um texto
característico veio a lume recentemente. Trata-se de Contemporary
Critique of Historical Materialism (1982) do sociólogo de Cambridge
Anthony Giddens. Esse teórico social não-marxista construiu sua obra
em torno da tríplice bandeira do pluralismo causal, reducionismo
anticlasses, e antievolucionismo.[13] No campo marxista, porém, o
ataque de maior repercussão aos conceitos principais do materialismo
histórico talvez tenha vindo dos pós-althusserianos ingleses Barry
Hindess e Paul Hirst. Para consternação dos historiadores da nova
esquerda, seu début foi ferozmente anti-histórico. Não é por isso de
causar surpresa que, em publicações subsequentes, eles acabassem por
deitar fora todo o conceito do modelo de produção[14] - e, com ele, a
espinha dorsal da teoria marxista do processo. Na história econômica de
Wallerstein a teoria do processo sobreviveu, mas sob uma forma
distintamente não-marxista. Em Hindess e Hirst ela seria totalmente
abandonada.

Haverá também um horizonte pós-marxista no pensamento radical


europeu, em contraposição à teorização anglo-saxã? Aqui, será bastante
mencionar algumas tendências teóricas chave. No marxismo alemão
emergiu, em começo da década de 1970, o 'debate da derivação do
estado', lançado por Wolfgang Müller e Christel Neusüss.[15] Seu ímpeto
tem sido claramente polêmico - e a polêmica, dirigida contra o
marxismo ocidental. O ponto de partida da teoria da derivação do estado
foi um ataque a Habermas e Claus Offe (cuja análise política marcou
muito o Habermas de Legitimationsprobléme), por separarem ambos a
teoria da crise do estudo da acumulação do capital. Os teóricos da
derivação do estado acentuam que a recessão mundial começada em
1973-4 lançou no descrédito a minimização habermasiana das crises
econômicas. Rejeitando abordagens baseadas na 'autonomia do político',
eles se opuseram também à suposição althusseriana de esferas
largamente autônomas (economia, estado, etc.). A seu ver, essa
diferenciação funcional do conjunto social, longe de ser uma
característica de todas as formações sociais, é uma peculiaridade do
capitalismo, a ser explicada pela forma da exploração de classe. Isso se
tornou a preocupação central da escola da 'lógica do capital' de Joachim
Hirsch. Inspirados pela escola alemã, os teóricos britânicos John
Holloway e Sol Picciotto criticaram, um depois do outro, os marxistas
neo-ricardianos. Os neo-ricardianos, acompanhando Sraffa, livraram-se
da teoria marxiana do valor do trabalho. Em consequência, tendem a ver
os salários (e, a partir daí, na sua visão marxista, a exploração) como
alguma coisa determinada mais pela luta pelo poder entre as classes que
pela 'composição orgânica do capital'. A conclusão é uma concepção da
política e da economia como duas esferas separadas - o pecado supremo,
para os teoristas da lógica do capital.
Chamemos a esse pecado 'politismo' - a superestimação indébita do
elemento político, desligado de mecanismos econômicos. Para a escola
da lógica do capital, os culpados não são apenas os economistas neo-
ricardianos, mas também os filósofos do marxismo ocidental, de
Gramsci a Habermas e aos althusserianos. Contudo, rompendo com o
'politismo' da 'derivação do estado' no marxismo ocidental, a escola da
lógica do capital não pretende substituir a autonomia do político pelo
velho e bom determinismo. "O que se deseja', dizem eles, "não é uma
teoria econômica do estado, mas uma teoria materialista.[16] Em
consequência, os membros dessa escola veem nas crises econômicas o
efeito da luta de classes, dando muitas vezes a impressão de que apenas
parafraseiam o tema politista sob um disfarce econômico - aliás, já
foram repreendidos (por Alex Callinicos) exatamente por causa disso.
Lembrando que a luta de classes era para Marx o explanandum e não o
explanans do processo histórico, Callinicos deplora "a tendência por
parte de grande número de marxistas contemporâneos a fazer da luta de
classes o elemento determinante do processo histórico" como 'forma de
voluntarismo'.[17] Ora, o voluntarismo, aberto ou velado, sempre foi
abordagem pouco adequada ao aprofundamento da análise histórica
empírica. De modo que, se Callinicos está certo, a controvérsia sobre
estado e capital, que começou como um desafio ao marxismo ocidental,
tornou-se uma continuação disfarçada das suas fraquezas principais.

Nos dois maiores países latinos de forte cultura marxista também


têm aparecido síndromes teóricas de natureza pós-marxista. Na França,
o pensamento radical mais prestigioso depois de 1968 pode ser dividido
em duas direções principais. Há uma teoria radical de origens não
marxistas, como a 'microfísica do poder' de Michel Foucault; e há
pensadores radicais de background marxista ou marxizante, como
Claude Lefort e Cornelius Castoriadis. Talvez Lefort deva ser
considerado apenas um caso marginal, uma vez que a principal
referência teórica da sua obra - Elementos para uma crítica da
burocracia (1971) - é Merleau-Ponty e não Marx. Escritor prolixo,
Lefort habitualmente rumina um libertarismo vago e difuso, com pouco
apoio na realidade sociológica. Sua definição de democracia - "a
intenção de fazer face à heterogeneidade dos valores . . . e de converter
os conflitos em força impulsionadora do crescimento"[18] - não está
muito longe do credo liberal, podado da sua habitual sofisticação
jurídica e constitucional.

Caracteristicamente, Lefort rompeu com Castoriadis, nos últimos


anos da década de 1950, por causa da questão da organização política.
Assumiu, então, uma posição espontaneísta, um esquerdismo liberal, por
assim dizer. Originariamente, porém, tanto ele quanto Castoriadis eram
pós-trotskistas, críticos do comunismo soviético dispostos a ir além de A
revolução traída (1937) de Trotsky. Castoriadis, refugiado da guerra
civil grega, e trabalhando para a OECD em Paris, era a alma do
principal jornal do gauchisme, Socialismo ou Barbárie (1949- 65).
Durante todo o período da guerra fria, manteria uma vigorosa linha
antissoviética, incorrendo na fúria de Sartre e de outros companheiros
de viagem do comunismo soviético. A arma especulativa do jornal era a
crítica da burocracia. Mas ao contrário de outros trotskistas, como,
notadamente, o James Bumham de The Managerial Revolution (1941),
Castoriadis não converteu seu antiburocratismo em adeus à revolução.
Pelo contrário, aplicando seu conceito de 'capitalismo burocrático' tanto
ao bloco soviético quanto às economias adiantadas do Ocidente, insistiu
em que a supressão da hierarquia era tão importante quanto a abolição
da propriedade privada dos meios de produção, e defendeu a autogestão
na indústria.

Isso pôs Castoriadis no centro da ideologia gauchista durante a era


De Gaulle. Maio de 1968 foi, como é sabido, muito mais gauchiste que
marxista, e líderes estudantis como Cohn-Bendit saudaram Castoriadis
juntamente com Marcuse. De certo modo, Castoriadis já retribuíra o
cumprimento ao insistir em que as verdadeiras crises do capitalismo
burocrático se tinham deslocado da base econômica para as
superestruturas políticas e culturais, e que a alienação contava tanto
quanto a exploração. Tais crises subvertiam tudo, a família, a juventude,
o sentido do trabalho, o papel das mulheres, a legitimidade do estado,
etc. Como se vê, o gauchisme, como interpretação do capitalismo
avançado, não diferia muito do marxismo ocidental de Marcuse ou
Habermas. Mas o ponto é que Castoriadis já não era um neomarxista.
Ao contrário, insistia na exigência de uma escolha: "ou se fica sendo
marxista ou se fica sendo revolucionário", escreveu ele.[19] O gauchisme
pode ter começado como um ex-trotskismo - mas terminou como um
pós-marxismo.

Na Itália, o mais notável desenvolvimento especulativo, o de Lucio


Colletti, conduziu, da mesma forma, a um desfecho nitidamente pós-
marxista, embora com resultados políticos muito diversos. Colletti
passou do comunismo de esquerda, no começo da década de 1960, para
o liberalismo socialdemocrata. Sua teoria da ciência social substituiu
della Volpe por Popper, deixando para trás, no caminho, não só a
dialética, mas o núcleo mitológico do marxismo: a doutrina da
alienação. Numa palavra, sua posição agora diz: se algo é ciência social,
então (já) não é marxismo. Nesse sentido, a luta que Perry Anderson de
há muito trava no Reino Unido em prol de uma história marxista é a
antítese da nítida desmarxização de Colletti.

Entretanto Anderson - para voltar ao marxismo na Inglaterra -


chegou a apontar no marxismo algumas lacunas monumentais e erros
dos mais crassos. As páginas finais de suas Considerações sobre o
marxismo ocidental especificam três áreas "em que a obra de Marx
parece centralmente insegura". Anderson mostra que as profecias
marxianas do colapso do capitalismo (seja por mecanismos sociais, seja
por mecanismos estritamente (econômicos), bem como a ambígua teoria
do valor nunca foram comprovadas. E o catastrofismo econômico) de
Marx, por sua vez, tomou redundante o desenvolvimento de uma teoria
política apropriada, de modo que Marx nunca ofereceu uma explicação
coerente das estruturas do poder burguês, nem compreendeu o fenômeno
decisivo do nacionalismo.[20]

Mais recentemente, em Na pista do materialismo histórico (1983),


Anderson foi ainda mais longe. Convidando o marxismo a fazer "um
desvio do eixo dos valores para o das instituições, nas projeções de um
futuro socialista ou comunista", ele elogia a postura pró-mercado da
obra, francamente revisionista, de Alec Nove (The Economics of
Feasible Socialism, 1983). Andersen pretende que "o legado do
pensamento institucional no seio do marxismo clássico foi... sempre
muito fraco", e exclui noções utópicas como a abolição da divisão do
trabalho (que Marx aproveitou de Fourier) ou a substituição do governo
dos homens pela administração das coisas, idem, de Saint-Simon) como
de todo incompatíveis com as necessidades institucionais reais de uma
sociedade pós-capitalista.[21]

Não se deve, porém, aplicar com açodamento o rótulo de 'pós-


marxista'. Andersen o repudiaria, aceitando, talvez, a etiqueta mais
ambígua, 'neomarxista'. Por outro lado, mesmo um pós-marxismo
deliberado não é garantia de maior perspicácia sociológica. Considere-
se, por exemplo, a obra de André Gorz, contemporâneo de Castoriadis e
Lefort. Como antigo sartriano, Gorz passou da defesa da autogestão em
Les Temps Modernes a uma investida violenta contra a divisão do
trabalho e a tecnologia. Bombardeia agora a 'moral produtivista' e
escreve mais e mais como um Marcuse ecológico, como em Adieux au
prolétariat (1980).

No seu revisionismo, alguns pensadores marxistas chegam ao ponto


de alijar até uma pedra angular do materialismo histórico clássico: o
dogma da luta de classes. O conceito althusseriano de ideologia como
atributo social sistêmico muito contribuiu para esfumar a noção de
conflito entre os interesses das diferentes classes. Quanto à escola de
Frankfurt, ela chega praticamente a um marxismo sem classes - estranho
destino para teórico cuja inspiração inicial jazia na apoteose no jovem
Lukács da consciência de classe! Com toda a sua busca tardia de
sucedâneos para o proletariado, Marcuse fez dobrar os sinos para a ideia
marxista do papel das classes ao reconhecer que a capacidade de
satisfazer as necessidades materiais por parte da sociedade de consumo
desmonta a explosividade da contradição entre as necessidades vitais
das massas trabalhadoras e as relações de classe de tipo capitalista. Daí
seu foco, tipicamente frankfurtiano, e outros tipos de necessidades
humanas mais que sociais, tais como a aspiração à satisfação dos
instintos, à criatividade, à plenitude da personalidade ─ em suma, a
cantiga do marxismo de alienação.

A mesma tendência domina a obra da hoje exilada escola


neolukacsiana de Budapeste, liderada por Agnes Heller. Sua exegese da
visão moral de Marx em The Theory of Need in Marx (1976) tem seu
ponto de partida no colapso da teoria de classe utilitária, baseada numa
penúria do proletariado - teoria aposentada pelo industrialismo
avançado. Como acentuou Jean Cohen (Telos, 33), Heller rejeita a ideia
de interesse de classe, tenta "separar a teoria das necessidades radicais
da teoria da classe", e não faz nenhum caso da ligação marxista entre
alienação e a objetificação dos poderes humanos através da história -
exatamente o tema hegeliano, na visão antropológica de Marx. É óbvio
que para uma teoria dessas, de necessidades radicais - a mais bela flor,
talvez, do hodierno humanismo neomarxista -, uma teoria do processo
não tem nenhuma utilidade. Heller é por demais sóbria para permitir-se
anátemas estridentes como os da Kulturkritik (a escola de Budapeste
também aprendeu algo do velho Lukács); mas tampouco fica do lado da
história contra o ideal desencarnado.

Nenhum dos nomes mais ilustres, no horizonte pós-marxista ou nas


suas cercanias, a partir da década de 1960 - Debray, Castoriadis, Gorz,
Heller, Hirsch, Holloway, Hindess e Hirst, Wallerstein, Anderson ou
Colletti - é habitualmente descrito como marxista ocidental. Além disso,
neomarxistas como Anderson e marxistas neoclássicos professos como
Hirsch ou Hoiloway tem sido tão críticos do marxismo ocidental quanto
o ex-marxista Colletti. Isso prova apenas que o marxismo ocidental não
é, simplesmente, marxismo no Ocidente. Era, a rigor, um conjunto de
desvios heréticos do marxismo, moldado, na sua primeira fase (de
Lukács a Adorno) pelo pathos da Kulturkritik; e na segunda, por uma
propensão epistemológica (Althusser, Habermas). Nos dois casos, e
exceto no que diz respeito ao althusserianismo, o feitio do marxismo
ocidental era inconfundivelmente 'humanista'. O que o movia era uma
oposição de princípio à ideia do marxismo como ciência.
Porque o feixe Kulturkritik/humanismo/teorismo ocupa o coração
da teoria do marxismo ocidental, nada dissemos sobre algumas
tendências fora dessa órbita, como o círculo de della Volpe na Itália por
volta de 1960, o revolucionarismo obreirista teorizado por Marie Tronti
em Trabalhadores e capital (1966) e o ataque naturalista ao conceito de
valor de Marx conduzido por Marco Lippi em Valor e naturalismo em
Marx (1976). De qualquer maneira, a economia marxista, inclusive no
ramo japonês (Morishima, etc.), é empresa teorética por demais técnica
e 'regional' para comparar-se à teoria social do marxismo ocidental -
embora desvende frequentemente implicações cruciais para a
problemática pós-marxismo, conforme entrevisto em nossa breve
referência à crítica neoricardiana. Assim, um dos ramos mais
consistentes da economia marxista japonesa - o que deriva de Princípios
de economia política (1964) de Kozo Uno - suscita questões de
relevância direta para uma teoria do processo com preocupações
causais. Lamento ter de convidar o leitor a descobri-lo (ou ponderá-lo)
por si.

Nada também foi dito sobre o pensamento marxista nos Estados


Unidos. Um exemplo: a contribuição do marxismo americano, muitas
vezes ignorada pelos intelectuais europeus, tem sido relevante desde a
década de 1960, no campo da economia (Paul Baran e Paul Sweezy,
Robert Heilbroner), da história social (Harry Braverman) e da crítica
literária (Frederick Jameson). Mas embora já exista todo um conjunto de
interpretações norte americanas, das mais perceptivas, de mestres do
marxismo ocidental, ainda não surgiu nos Estados Unidos qualquer
corrente filosófica significativa do marxismo ocidental. Last but not
least nosso foco no feixe Kulturkritiklteorismo, cerne do marxismo
ocidental, impediu que discutíssemos a recente emergência do chamado
'marxismo analítico' na obra de G. A. Gohen, Ton Elster e John Roemer
- talvez a mais excitante atividade especulativa ora em curso em nome
do marxismo.[22]

Nem um alto grau de rigor analítico nem uma linha adequada de


estudos históricos prevalecem, hélas, no campo da pretensa
intelligentsia onde as rosas do marxismo ocidental costumam florir.
'Humanistas' de alto a baixo, os entusiastas do marxismo ocidental e
seus subprodutos pouco caso fazem do cuidado do historiador com as
lições do passado ou com as inquietações dos esquerdistas mais lúcidos
com a viabilidade de mudanças institucionais em larga escala. O próprio
marxismo ocidental ensinou-os a prestar pouca atenção a tais ninharias.
Pois não são sempre os 'fatos', como queria o jovem Lukács, um bicho-
papão brandido pelos reacionários? Os leitores dos marxistas ocidentais
raras vezes pedem aos seus autores outra credencial que uma postura
marxista com algumas tinturas de dissidência com relação ao Gulag -
uma espécie de ortodoxia na heresia. História ruim ou nenhuma história
- que importa? Que os burgueses se atormentem com a necessidade de
restaurar nosso domínio intelectual sobre o processo.[23] A Kulturkritik
é, acima de tudo, um estado de ânimo, não um conhecimento. E o
marxismo ocidental é, de modo geral, uma Kulturkritik sublimada em
especulação vazia.

Uma coisa é certa: a produção global do marxismo ocidental jamais


atingiu a fecundidade de perspectivas sobre temas cruciais da ciência
social que distinguiu o marxismo clássico, entre o Capital ou o 18
Brumário de Luís Bonaparte e as principais contribuições dos
austríacos. Remova-se Gramsci do cânon do marxismo ocidental e não
restará nada que se compare, com, por exemplo, o vigor dos escritos de
Trotsky sobre a revolução em condições de atraso e desenvolvimento
desigual, ou a temática pioneira de Bukharin sobre 'economia mundial' e
'capitalismo de estado' - no entanto, os primeiros datam de 1905-1908 e
os últimos são conceitos elaborados entre 1915 e 1920! A ciência social,
marxista ou não, deve infinitamente mais aos clássicos que à badalada
sofisticação dos seus detratores, os 'humanistas' do marxismo ocidental.

Nenhuma tentativa foi feita nestas páginas para esboçar uma


abordagem de tipo 'sociologia do conhecimento' do marxismo ocidental,
localizando suas fontes experienciais dentro de diversos contextos
sociais especificados - uma tarefa deveras fascinante, mas estranha ao
nosso propósito. Como qualquer outro corpus de ideias, o marxismo
ocidental tem direito a ser analisado em si mesmo, sem que a análise
fique prejudicada por conclusões sobre suas origens de classe e seu
significado social. No entanto, parece não haver dúvida que, a fim de
explicar sua aceitação, depois de aferir e interpretar seu conteúdo social,
convém examinar a nova demografia intelectual de que gozam as
ideologias radicais em nosso meio. E. uma demografia cujos vastos
números têm pouco em comum com as minúsculas coteries de
intelectuais em que nasceu o marxismo ocidental, na Viena ou na
Frankfurt no primeiro pós-guerra. Trata-se também de uma situação em
que o radicalismo tomou conta de muitos lugares estratégicos na
'reprodução simbólica' da universidade ocidental. Agora que sua fase
criativa parece esgotada, o marxismo ocidental está em vias de tornar-se
uma forma suave de contracultura institucionalizada - o romantismo dos
professores - insípido, encharcado de jargão, altamente ritualista - no
reino de humanidades aguerridas contra a evolução da sociedade
moderna. Para o historiador de ideias, não há nisso maior mistério: em
conjunto, o marxismo ocidental (1920-70) foi apenas um episódio na
longa história de uma velha patologia do pensamento ocidental cujo
nome é, e continua a ser, irracionalismo.
NOTAS

Um conceito e seu background

[1] — Cf. "Class Consciousness", 1920, in Lukács,1971b,


[2] — Mandelbaum, 1971, p.6.
[3] — Sobre esse ponto, v. Niel, 1945, passim.
[4] — Kolakowski, 1978, v. I, cap. 1.
[5] — Cf. Topitsch, "Marxismus und Gnosis", in Topitsch, 1961.
[6] — Cf. Avineri, 1972, p. 1.23n.
[7] — Cf. Toews, 1985, p. 132.
[8] — V. os comentários de Ritter, 1957, seção III.
[9] — Taylor, 1975, cap. 3.
[10] — No seu verbete sobre Hegel para a Encyclopaedia of Philosophy, ed. Paul Edwards,
Macmillan, 1967.
[11] — V. seu verbete sobre Hegel in Makers of Nineteenth-Century Culture, ed. Justin Wintle;
Londres, Routledge and Kegan Paul, 1982.
[12] — Cf. Riedet, 1984, cap. 7.
[13] — Bobbio, 1981, p. 27.
[14] — Taylor, op. cit., p. 541.
[15] — Getlner, 1979, p. 39.
[16] — Cf. Roger Scruton, The Meaning of Conservatism, Harmondsworth, Penguin, 1980.
[17] — Cf. Coltini, Winch e Burrow, 1983, cap. 10.
[18] — Kojeve, "Hegel, Marx et le christianisme", Critique, I, 1946, p. 360.
[19] — O'Brien, 1975, p. 174.
[20] — Pelcynski, 1971, p. 230-41.
[21] — Fetscher, 1971, p. 49.
[22] — Sobre esse ponto, v. Merquior, 1979, cap. 3. Para um bom exemplo, v.. Shaw, 1978,.
cap. 5.
[23] — Cf. Henderson, 1976, cit. in Hutchison, 1981, p. 13.
[24] — Da Crítica do Programa de Gotha, cf. Marx, 1974, p. 352.
[25] — Ver seu curto ensaio sobre cultura e socialismo, 1928, reimpresso in Die Forderung
des Tages, Berlim, Fischer, 1930.
[26] — Em Grundrisse, cf. Marx, 1973c, p. 611.
[27] — Grundrisse, ed. alemã, p. 161.
[28] — Segundo Loewenstein, 1980, p. 69.
[29] — Aron, "Le marxisme de Marx", resumo de curso,1976-77, Le Débat, 28, jan. 1984, p.
28.
[30] — Marx, 1976-81, v. II, p. 212; para um comentário perspicaz,
[31] — v. Loewenstein, 1980, p. 83-4.
[32] — V. a discussão deles in Thomas, 1980, cap. 3-5.
[33] — Avineri, 1968, p.208.
[34] — Para uma discussão concisa e magistral desse ponto, v. Andrzej Walicki, "Marx and
Freedom", New York Review of Books, 24 nov. 1983, p.50-6.
[35] — Ibid., p. 55.
[36] — Joan Robinson, New left Review, 31, 1965.
[37] — Roemer, "Exploitation, Class and Property Relations", in Batl and Farr, 1984, p. 209-
10.
[38] — Sobre a importância revolucionária do campesinato, v. Skocpol, 1979.

Os fundamentos do marxismo ocidental

[1] — Jaspers, Heidelberger Johrbücher, 5, 1961, cit. in Konder, 1980, p. 25. Jaspers atribuía
a autoria da pilhéria a E. Lask.
[2] — Para o background social e ideológico, v. Congdon, 1983, introdução.
[3] — Escrito entre 1906 e 1909, publicado em Budapeste em 1911; parcialmente traduzido em
inglês como "The Sociology of Modem Drama" in Lukács, 1965a.
[4] — Sobre a ligação Simmel/Lukács, v. a judiciosa comparação de David Frisby na
introdução à sua tradução de The Philosophyof Money, Simmel, 1978, p. 15-21.
[5] — Cf. Congdon, op. cit., p. 52-62.
[6] — Para a sua filosofia da arte (1912-14) e estética (1916-18) de Heidelberg, v. os escritos
do coeditor dos textos, Gyorgy Markus, in Heller, ed., 1977, p. 192-240, bem como seu artigo "The
Soul and Life: the Young Lukács and the Problem of Culture" in Telos, 32, 1977, p. 95-115, agora
in Heller, ed., 1983, cap. 1.
[7] — Mas o texto alemão tinha aparecido desde 1962 in Max Dessoir, Zeitschrift für Aesthetik
und allgemeine Kuntwissenschaft.
[8] — Na sua introdução a uma reimpressão de 1962 da Teoria do romance.
[9] — Para essa associação, v. a tese de Eva Karady sobre Weber e Lukács, in Wolfgang
Mommsen et ai., Max Weber and his Contemporaries, Oxford, Blackwell, no prelo.
[10] — Os estudos modernos sobre Sorel muito contribuíram para corrigir interpretações
anteriores que exageravam o seu irracionalismo. Para comentários sobre essa evolução, v. meu
artigo sobre Sorel in Rediscoveries, John Hall, ed., Oxford, OUP, 1986.
[11] — Cf. Andrew Arato, "Lukács' Path to Marxism", Telos, 7, 1971, p. 136.
[12] — Bloch, entrevista in Neus Forum, dez. 1967, cit. in Konder, op. cit., p. 30.
[13] — Cf. Lowy, 1976, cap. 4.
[14] — Introdução à reimpressão de 1967 de Geschichte und Klassenbewusstsein.
[15] — Lukács, 1971b, p. 2-3.
[16] — Cf. Weber, "Objective Possibility and Adequate Causation in Historical Explanation",
parte II de "Criticai Studies in the Logic of the Cultural Sciences", 1906, in Weber, 1949, p, 164-88.
[17] — Lukács, 1971b, p. 315.
Cf. os judiciosos comentários de Rudolf Schlesinger no seu ensaio sobre a moldura histórica
de História e Consciência de classe, in Mészáros, 1971.
[18] — Kettler, "Culture and Revolution: Lukács in the Hungarian Revolution", Telos, 7,
primavera 1971.
[19] — Tradução inglesa in Lukács, 1973.
[20] — Para a substância da critica de Bloch intitulada "Aktualitãt und Utopie", 1923,
reimpressa in v. X das suas obras completas, Frankfurt, 1969, v. Howard, 1977, p. 69-72.
[21] — Lukács, 1972, p. 15 (de "Tactics and Ethics").
[22] — Habermas, 1971, cap. 6.
[23] — Para citações da crítica de Kautsky, 1924, v. Rusconi, 1968, p. 121.
[24] — Por exemplo, Morris Watnick in "George Lukács: An Intelectual Biography", Survey,
23-7, 1958-59; e Lowy, op. cit., p. 221-3.
[25] — Lukács, 1974a, p. 87.
[26] — Cf. Bloch, entrevista de 1974 a Michael Lõwy in apêndice a Lowy, op. cit.
[27] — Lukács, 1971b, p. 293.
[28] — Ibid., p. 1.
[29] — Cf. Adorno, 1973c, p. 189-97.
[30] — Arato & Breines, 1979, p. 128; Jay, 1984a, p. 106-11.
[31] — Para uma reflexão sobre o ponto de vista frankfurtiano na douta discussão em torno de
Lukács, v. Perlini, 1968.
[32] — Marck, "Neukritizistische und neuhegelsche Auffassung der marxistischen Dialektik",
Die Gesellschaft, 1924, reproduzido in Marck et ai., 1971.
[33] — Kolakowski, 1978, v. III, cap. 7.
[34] — Cf. Schumpeter, 1954; e Lõwith, 1949.
[35] — Para a crítica do economismo histórico, v. Gramsci, 1971, p. 158-68. A frase sobre a
impossibilidade de predição está na p. 438.
[36] — Ibid., p. 462.
[37] — Ibid., p. 465.
[38] — V. o comentário de Cesare Luporini, "Appunti su alcuni nessi interni dei pensiero di
Gramsci", 1958, reproduzido em Luporini, 1974, p. 4 3 - 5 1 .
[39] — Esse ponto na formação filológica de Gramsci foi ressaltado por lo Piparo, 1979.
[40] — Cf. Gramsci, 1971, p. 118-20; e Gramsci, 1965, 619-20 (carta de maio 1932).
[41] — lbid., p. 104-6.
[42] — Adamson, 1980, p. 216.
[43] — Sobre esse ponto, v. Boggs, 1976, p. 116.
[44] — Sobre essa mudança semântica, v. o fino artigo de Perry Anderson, "The antinomies of
Antonio Gramsci", New Left
[45] — Review, 100, nov. 1976/jan. 1977.
[46] — Anderson, op. cit., p. 26 (parêntese acrescentado).
[47] — lbid., p. 61-4.
[48] — Cf. Gramsci, 1971. p. 227.
[49] — Ibid., p. 108.
[50] — lbid., p. 108.
[51] — Ibid., p. 365.
[52] — V., por exemplo, a discussão dos intelectuais como organizadores da hegemonia in
Sassoon, 1980.
[53] — Anderson, op. cit., p. 44.
[54] — Por G. GaIIi, in "Gramsci e le teorie delle elites" in Rossi, ed., 1975.
[55] — Kolakowski, op. cit., p. 250-51.
[56] — Coutinho, 1981, p. 126 e 66.
[57] — Cf. Tamburrano, 1963. Giuseppe Tamburrano era um intelectual e socialista moderado.
Nem todo social-democrata italiano concordava com sua benévola opinião sobre Gramsci. Por
exemplo, o velho Rodolfo Mondolfo, muitas vezes considerado a figura central do marxismo
italiano entre a morte de Labriola (1904) e a publicação dos Quaderni de Gramsci, escreveu
rudemente que pôr o príncipe do partido "no trono da veneração popular" só poderia conduzir "ao
totalitarismo" (Mondolfo, "Le antinomie di Gramsci", Critica Sociale, 23 [15 dez. 1963]).
[58] — Carl Levy, "Max Weber and Antonio Gramsci" in Max Weber and his Contemporaries
(v. nota 9).
[59] — Colletti, 1979, p. 181.
[60] — Aqui as opiniões de Gramsci não parecem muito distantes das de Alexander Bogdanov
(1873-1928), comunista russo de esquerda, hoje esquecido, cuja epistemologia machiana Lenin
fustigou (sem, no entanto, refutá-la) in Materialísm and Empirío-Criticísm (1908). A Tectologia de
Bogdanov ( t 922), uma teoria geral da 'organização', pretendia que a maquinaria automática daria
ao trabalhador, que desempenhava antes tarefas alienantes um grau decisivo de "controle e
intervenção consciente". Sobre Bogdanov, v. o ensaio de S. V. Utechin in Labedz, 1962, p. 117-25.
[61] — Fernia, 1981, p. 232.
[62] — lbid., p. 243-4.
[63] — Sobre della Volpe e sua escola, v. Fraser, 1977.
[64] — Cf. seu ensaio "II rapporto Hegel-Marx" in Cassano, ed. 1973, p. 164-70.

O pós-guerra

[1] — Cf. Tom Bottomore, introdução a Bottomore e Goode, 1978, p. 9-10.


[2] — Adorno, 1967, p. 31.
[3] — Borkenau, 1938.
[4] — L. Lowenthal, cit. in Roberts, 1982, p. 173.
[5] — Horkheimer, 1972, p. 237-8 (de Teoria tradicional e crítica, 1937).
Mesmo aqueles que lutam para ressaltar o radicalismo da teoria crítica mais antiga são compelidos,
no fim, a reconhecer que, depois da década de 1930, ela possuía apenas "um relacionamento tênue"
e ambivalente com o marxismo (cf. Douglas Kellner, "The Frankfurt School Revisited", uma crítica
de Jay, 1973), New German Critique, 4, inverno 1975, p. 148-52.
[6] — Horkheimer, "The Authoritarian State", in Arato e Gebhardt, 1978, p. 107.
[7] — O choque entre as posições de Pollock e Neumann está bem exposto in Jay, 1973, cap.
5. V. também Held, 1980, p. 52-65.
[8] — Horkheimer, "Zum Problem der Wehrheit", in Horkheimer, 1968, v. I, p. 256 (v.
Horkheimer, 1972).
[9] — Por Buck-Morss, 1977, p. 09-9 e 102-3.
[10] — Benjamin, 1977, p. 29 e 32.
[11] — Para uma discussão perceptiva da influência de K.lage sobre Benjamin, v. Roberts,
1982, p. 104-9.
[12] — Roberts, op. cit., p. 126-32.
[13] — Sobre Cohen, v. Willey, 1978, p. 105-16.
[14] — Um empréstimo de Wolin, 1982, p. 44. 15

comentário,
comentário,
v. Peter
v. Peter
[15] — Benjamin, 1973a, p. 256.
[16] — Também das Teses. Para um excelente comentário, v. Peter Szondi, "Hope in the Past:
on Walter Benjamin". traduzido por Harvey Mendelsohn, ín Criticai lnquiry, 4, primavera 1978,
p.491-506, um ensaio de 1961, reproduzido em Szondi, 1964.
[17] — Benjamin, 1979b, p. 104
[18] — Benjamin, 1973a, p. 224.
[19] — O texto alemão, na íntegra, foi publicado por Rolf Tiedemann há três anos. Fragmentos
dele foram traduzidos in Benja min 1973b. Para uma excelente análise da Passagenwerk como um
todo, v. Sergio Paulo Rouanet, "As passagens de Paris", Tempo Brasileiro, Rio, n. 68, jan./mar.
1982, p. 43-79; e n. 69, abr./ jun. 1982, p. 13-39.
[20] — Benjamin, 1973c, p. 87.
[21] — V. ensaio com esse título (1934) - o mais extremo brechtianismo de Benjamin - reunido
in Benjamin, 1973c. Em meados da década de 1930, houve uma nutrida correspondência entre
Tretjakov e Brecht.
[22] — Benjamin, 1973c, p. 90. 23
[23] — Benjamin, 1973b, p.132.
[24] — O ponto é convincentemente discutido por Eugene Lunn,
[25] — 1982, p. 201-7.
[26] — Horkheimer e Adorno, 1972, p. 203-4. Adorno, 1974, p. 129.
[27] — Ibid., p. 195.
[28] — Horkheimer e Adorno, op. cit., p. 132-3.
[29] — lbid., p. 14.
[30] — lbid., p. 93.
[31] — Por Rose, 1978, p. 22 e 24.
[32] — Kracauer, 1969, p. 201. Sobre Kracauer a respeito de Adorno, v. Martin Jay, "The
Extraterritorial Life of Siegfried Kracauer", Salmagundi, 31-2, outono 1975/inverno 1976, e
"Adorno and Kracauer: Notes on a Troubled Friendship", Salmagundi, 40, inverno 1978.
[33] — Para os três últimos compositores, v. Adorno, 1973a; para Wagner, Adorno, 1981; e
para Mahler, Adorno, 1960. Adorno, com efeito, foi para Viena em 1925 a fim de estudar com
Alban Berg.
[34] — Adorno, 1973c, p. 320.
[35] — Horkheimer e Adorno, op. cit., p. 24.
[36] — Kolakowski, 1978, v. IH, p.368.
[37] — Adorno, 1974, p. 134.
[38] — Adorno, 1970, p. 179-205.
[39] — Adorno, 1967, p. 34.
[40] — Marcuse, "The Affirmative Character in Culture", 1936, in Mercuse, 1968.
[41] — No seu prefácio à reimpressão de 1962 da Teoria doromance.
[42] — Buck-Morss, op. cit., p. 46.
[43] — Sobre esse ponto, v. o comentário (aprovador) de Held, 1980, p. 149.
[44] — Althusser, 1976, p. 59.
[45] — Sartre, 1957, p. 110.
[46] — Chiodi, 1976, passim e principalmente p. 100.
[47] — V. a crítica de Lionel Abel i� Dissent, primavera 1961, p. 137-52.
[48] — Para um comentário sobre o seu choque com Sartre em torno do conceito de história, v.
meu From Prague to Paris, cap. 3, X I .
[49] — Aron, 1975, cap. 6.
[50] — Sobre o marxismo francês desde a guerra, v. Poster, 1975; Hirsh, 1981; Michael Kelly,
1982, cap. 3-5; e Jay, 1984a, cap. 9-12.
[51] — Em 1976 ele divergiu, mas da decisão do partido de abandonar o princípio de uma
ditadura do proletariado! Só dois anos mais tarde, depois do colapso da Union de la Gauche,
condenaria o regime soviético pelo Gulag (cf. New Left Review, 109 [maio-jun. 1978]).
[52] — Althusser, 1974.
[53] — Althusser, 1970, p. 52-9.
[54] — Cf. a terceira seção do ensaio sobre a dialética materialista, 1963, in Althusser, 1969.
[55] — Para essa crítica, v. Michael Kelly, op. cit., p. 133; para o texto de Marx, v. Marx,
1973c, p. 81-111.
[56] — Glucksmann, "A Ventriloquist Marxism", in New Left Review (ed.), 1977.
Originariamente in Les Temps Modernes, 250, mar. 1967.
[57] — Agora in Althusser, 1971.
[58] — F. George, "Lire Althusser", Les Temps Modernes, 24:275, maio 1969.
[59] — Althusser, 1976, p. 71.
[60] — Althusser, 1971, p. 201.
[61] — Althusser, 1970, p. 180.
[62] — Boudon, 1982, cap. 7.
[63] — Althusser, 1970, p. 224.
[64] — Althusser, 1969, p. 113.
[65] — Cf. Cutler, 1977.
[66] — Althusser, 1977, p. 171.
[67] — Ibid., p. 139.
[68] — Para uma crítica clássica, v. Abercrombie et ai., 1980.
[69] — Essa crítica é repetidamente lançada contra ele, como, por exemplo, pelos diversos co-
autores de Contre Althusser (cf. Vincent et al., 1974).
[70] — AIthusser, 1977, p. 222.
[71] — Cf., entre outros, Callinicos, 1976, principalmente p. 59-60, 72 e 88.
[72] — Para um bom estudo, v. Michael Kelly, op. cit., p. 200-6. Sobre Seve, cf. ibid.,
principalmente p. 169-72 e 191-98.
[73] — Poster, op. cit., p. 342.
[74] — Como não escapou à atenção de um ex-althusseriano, Jacques Ranciere, 1974, p. 95.
[75] — Aron, 1 9 6 9 .
[76] — Cf. Jean-Marie Brohm in Vincent, op. cit., p. 16.
[77] — Schmidt, 1983, p. 66 e passim.
[78] — Para o seu prefácio à edição de 1960 de Razão e revolução.
[79] — Marcuse, 1955, p. 51.
[80] — Cf. "Agressiveness in Advanced Industrial Society", in Marcuse, 1968, p. 248-68.
[81] — Marcuse, 1964, p. 3.
[82] — Marcuse, 1968, p. 223-4.
[83] — Marcuse, 1964, p. 166-7.
[84] — lbid., p. 24-32.
[85] — Ibid., p. 256-7.
[86] — Marcuse, "Repressive Tolerance", in Marcuse, Wolff e Moore, 1969, p. 81-117.
[87] — Marcuse, 1955, p. 206.
[88] — Para uma discussão crítica dessa espécie de nonsense tradicional sobre Rousseau, v.
Merquior, 1980, p. 35-76.
[89] — V. seu próprio testemunho em "Psychic Thermidor and the Rebirth of Rebellious
Subjectivity", Berkeley /oumal o/ Sociology 25, 1980.
[90] — Habermas, 1972, p. 33.
[91] — Cf. Habermas, "Why More Philosophy", Social Research, 38:4, inverno 1971.
[92] — V. seu conhecido ensaio “Between Philosophy and Science: Marxism as Critique",
1960, mais tarde reimpresso como cap. 6 de Habermas, 1974.
[93] — Se é que posso tomar esse adequado rótulo de empréstimo ao ensaio de Noel Sullivan
sobre Arendt in Crepigny e Minogue, 1975.
[94] — Para a crítica das idéias de Marcuse sobre ciência alternativa, v. Habermas, 1968; para
a defesa de Kant contra a epistemologia de Hegel, v. o começo de Habermas, 1972.
[95] — Cf. Habermas, 1974, p. 21 e 8. 96
[96] — Jay, 1984a., p. 473-4.
[97] — Reproduzido em Habermas, 1968, e, em inglês, em Habermas, 1974, cap. 4.
[98] — Habermas, 1974, p. 237 (do ensaio mencionado na nota 100). Ele acompanha, nesse
ponto, a tese de Claus Offe sobre a emergência de 'instrumentalidades políticas' largamente
independentes de interesses econômicos na sociedade capitalista adiantada. V. Offe, 1972, passim.
[99] — Habermas, 1972, p. 14.
[100] — Habermas, 1974, p. 11.
[101] — V. Habermas e Luhmenn, 1971. 102
[102] — Habermas, 1976, p. 131.
[103] — Hall, 1981, p. 81.
[104] — Habermas, 1974, p. 31-2.
[105] — Ele usa a expressão na sua introdução a Habermas, 1971b (tradução resumida da
introdução (Ein/eitung) ao livro original em alemão, de 1969.
[106] — McCarthy, 1978, p. 95ff. 107
[107] — Bernstein, 1976, p. 223-4.
[108] — Lobkövicz, "Interests and Objectivity", Philosophy of the Social Sciences 2, 1972, p.
201.
[109] — Publicado in Philosophy of the Social Sciences 3, 1973. Idéias da mesma espécie
ocorrem na introdução a Teoria e práxis citada na nota 108.
[110] — Cf. Habennas, "Toward a Theory of Communícative Competence", Recent Sociology,
2 (Hans Peter Dreitzel, ed.), Londres, 1970.
[111] — Habermas, 1979, p. 148.
[112] — Habermas, "What is Universal Pragmatics", 1976, cap. 1, in Habermas, 1979
[113] — Isso está explícito no cap. 3 de Habermas, 1979, "The Development of Normative
Structures", ensaio que, no original alemão, apareceu como introdução a Zur Rekonstruktion des
Historischen Materialismus
[114] — Habermas, 1979, p. 146.
[115] — Para um excelente sumário, v. John B. Thompson, crítica da Theorie, TLS, 8 abr.
1983, p. 357.
[116] — Grande parte da melhor literatura recente sobre Weber é, com efeito, uma brava
tentativa de provar que Weber não estava enamorado da racionalidade instrumental; para um
exemplo convincente, v. Stephen Kalberg, "Max Weber's Types of Rationality - Cornerstones for
the Analysis of Rationalization Processes in History", American Journal of Sociology, 85, n.º 5,
1980, p. 1.145-79.
[117] — Cf. a tradução inglesa de Habermas, "Modernity versus Postmodernity", New German
Critique, 22, inverno 1981.
[118] — lbid., p. 9.
[119] — Para uma crítica da ideologia de Foucàult, v. Merquior, 1985; e de Derrida, v. meu
From Prague to Paris, cap. 5, V e VI (1986).
[120] — Hall, op. cit.,p. 54 e 65-6.
[121] — Cf. sua crítica in Thompson e Held, 1982, cap. 5, prmc1- palmente p. 114, Em sua
resposta no fim do mesmo volume, p. 274, Habermas reconhece haver descuidado da "dimensão
evidenciai da verdade".
[122] — Cf. McCarthy, op. cit., p. 459. Para uma tradução resumida em inglês, v. Habermas,
"On Social [dentity", Telos, 19, primavera 1974.
[123] — Lukes, cap. 7, in Thompson e Held op. cit., principalmente p. 145.
[124] — Radnitzky, 1970, v. II, p. 179-80.
[125] — Cf. W. G. Runciman, crítica à Teoria da ação comunicativa,v. 1, in London Review of
Books, 4 out. 1984, p. 19.
[126] — Anderson, 1983, p. 64.
[127] — Cf. cap. 8 in Thompson e Held, op. cit., principalmente p. 159-60.
[128] — Sobre esse ponto, v. o artigo de Axel Honneth "Communication and Reconciliatión -
Habermas' critique of Adorno", Tetos, 39, primavera 1979, p. 46.
[129] — Cf. Willms, 1973, passim.
[130] — Esse ponto foi brilhantemente estabelecido por Quentin Skinner in "Habermas'
Reformation" New York Review o/ Books, 7 out. 1982, p. 38.
[131] — Geuss, 1981, p. 88-91.
[132] — Skinner, v. nota 138.
[133] — Como foi notado, entre outros, por Connerton, 1980, p. 134.
[134] — Colletti, 1981, p. 61.
[135] — Essa tendência de Adorno de sobrecarregar a arte com a tarefa de resolver os
impasses da filosofia e da teoria social começa a ser questionada abertamente. V., por exemplo,
Rüdiger Bubner, "Ober einige Bedingungen gegenwiirtiger Aesthetik" in Neue Hefte für
Philosophie, 5, Gõttingen, 1973, p. 38-73.

Algumas conclusões gerais

A epígrafe é tirada de Robinson, 1953.


[1] — Anderson, 1976, p. 93.
[2] — Colletti, New Left Review, 86, jul/ago. 1974.
[3] — Anderson, op. cit., p. 52ff. e 76ff.
[4] — Cf. Jacoby, 1981, p. 37.
[5] — Ibid., p. 37-8.
[6] — Goldmann, "Understanding Marcuse'', Partisan Review, 38:3, 1971; cit. in Jay, 1984a, p.
326.
[7] — Merleau-Ponty, 1973a, p. 63-4.
[8] — Fetscher, 1971, p. 178-9.
[9] — Jay, 1984a, p. 10-13, e cap. 15 (sobre Habermas).
[10] — A citação é tirada das notas para o poema inacabado "Grandeza alemã" de 1797,
lembrado por George Armstrong Kelly, 1978, p. 57.
[11] — Essa é a interpretação padrão (e acurada) do principal contraste entre Hegel e Weber
com relação às suas opiniões substantivas. Para uma reformulação convincente e elegante, v. Pietro
Rossi, 1982, principalmente p. 11-12 e 116.
[12] — Os dois pontos vêm sendo ressaltados na crescente literatura sobre Braudel. Para uma
avaliação crítica recente v. Keith Thomas, artigo in New York Review of Books, 22 nov. 1984.
[13] — Giddens, 1982, passim. Há uma importante discussão crítica in Erik Olin Wright,
"Giddens's Critique of Marxism", New Left Review, 138, mar./abr. 1983, p. 11-35.
[14] — Cf. Hindess e Hirst, 1975, p, 312; e 1977.
[15] — O sinal de partida do debate foi dado por Müller e Neussüs no seu ensaio "The
Welfare-state Illusion and the Contradiction between Wage-labour and Capital", agora resumido
como cap. 2 de Holloway e Picciotto, 1978. Há uma tradução completa in Telos, 25, 1975.
[16] — Holloway e Picciotto, op. cit., p. 14. 17
[17] — Callinicos, 1982, p. 156-9.
[18] — Lefort, 1971, p. 348 (minha tradução).
[19] — De "Marxisme et Théorie Révolutionnaire", Socialisme ou Barbarie, 36, jun. 1965. Cit.
in Hirsh, 1981, cap. 5 - uma excelente e concisa análise do pensamento de Castoriadis e sua
evolução. Um comentário mais breve in Poster, 1975, p. 201-5. Para uma análise mais longa,
cobrindo as divergências entre Lefort e Castoriadis, v. Howard, 1977, cap. 9 e 10.
[20] — Anderson, 1976, p. 114-20.
[21] — Anderson, 1983, p. 104, 100 e 98.
[22] — Cf. G. A. Cohen, 1978; Roemer, 1982; e Elster, 1985. V. também Bali e Farr, 1984,
principalmente cap. 2 e 9.
[23] — Penso em dois filósofos (não relacionados um com o outro): Nathan Rotenstreicht
(1976) e George Armstrong Kelly (1969, 1978). O primeiro lançou um protesto válido contra o
abandono de questões substantivas pela moderna filosofia da história, mostrando o quanto a
conscienciosa concentração por parte dela em problemas epistemológicos está juncada de
suposições ocultas sobre o processo - sobre a história qua eventos e não a história como
conhecimento. Quanto a G. A. Kelly, ele tem defendido vigorosamente a necessidade de revitalizar
o nosso pensamento sobre a ligação, tão cara a Hegel, entre filosofia, história e política.
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