O Conhecimento, a razão e a verdade antes da Razão Moderna:
A Escolástica tem tanto um significado mais limitado, ao se referir às
disciplinas ministradas nas escolas medievais: gramática, retórica e dialética; aritmética, geometria, astronomia e música, quanto uma conotação mais ampla, ao se reportar à linha filosófica adotada pela Igreja na Idade Média. Esta modalidade de pensamento era essencialmente cristã e procurava respostas que justificassem a fé na doutrina ensinada pelo clero, guardião das verdades espirituais. Esta escola filosófica vigora do princípio do século IX até o final do século XVI. No começo seus ensinamentos eram disseminados nas catedrais e monastérios, posteriormente eles se estenderam às Universidades. Da tentativa de racionalização do pensamento cristão surgiram os dogmas católicos, os quais procuraram na mentalidade clássica dos gregos conceitos como ‘providência’, ‘revelação divina’, Criação proveniente do nada’, entre outros. A escolástica será permanentemente atravessada por dois universos distintos – a fé herdada da mentalidade platônica (Decidida aversão à filosofia que queria constituir-se unicamente com meios racionais; identificação e preferência com a revelação cristã, quando esta não concordava com a razão. Construção de uma filosofia distinta e autônoma, mas em harmonia hierárquica com a fé) e a razão aristotélica (Nossos pensamentos não surgem do contato de nossa alma com o mundo das ideias, mas da experiência sensível. "Nada está no intelecto sem antes ter passado pelos sentidos", dizia o filósofo. Conhecimento misturado com o mundo da política e da ética). Agostinho, mais tradicional, clama por um predomínio da fé, em detrimento da razão, ao passo que Tomás de Aquino acredita na independência da esfera racional no momento de buscar as respostas mais apropriadas, embora não rejeite a prioridade da fé com relação à razão. A Escolástica foi profundamente influenciada pela Bíblia Sagrada, pelos filósofos da Antiguidade e também pelos Padres da Igreja, escritores do primeiro período do Cristianismo oficial, que detinham o domínio da fé e da santidade. Portanto e, sendo assim, a verdade é Deus ou vem de Deus. O Pensamento Humano Ocidental- O Nascimento do Racionalismo Moderno nos Séculos XVI e XVII
- Individualismo: processo de atomização;
- Início do século: conjuntura política e econômica conturbada; limites deslocados constantemente (guerras e colonialismo); - Galileu Galilei (1564-1642) publica em 1638 “Diálogo sobre os dois máximos sistemas de mundo: copernicano e ptolomaico”, onde afirma verdadeiro o modelo heliostático de universo (Copérnico): retirada do homem do centro do universo. - René Descartes ( 1596-1650): racionalismo: sistema segundo o qual a realidade, absolutamente inteligível, só poderia ser idoneamente apreendida através da razão. Na obra “Discurso do Método” descreve como encontrar a verdade crível por si mesma, acessível a todo o pensar, sempre que ele funcione de modo reto e se afaste de tudo o que se interponha para desviá-lo ou entorpecê-lo. Método: é possível conhecer a verdade reduzindo ordenada e progressivamente um sistema composto à evidências simples, claras e distintas: Viabilidade de apreender o todo através da sua decomposição em partes. Sistema de pensamento com inclinação totalitária: redutor (a experiência sensível é enganadora), matemático (o “resto” é “não-ciência”), a verdade é única (negação da polissemia). Forneceu um critério classificatório da espécie humana (a razão): fulcro na igualdade (neutralização da diferença). Sistema fechado: estabilidade e intemporalidade. - Francis Bacon (1561-1626/Londres): A reforma do conhecimento é justificada em uma crítica à filosofia anterior (especialmente a Escolástica), considerada estéril por não apresentar nenhum resultado prático para a vida do homem. O conhecimento científico, para Bacon, tem por finalidade servir o homem e dar-lhe poder sobre a natureza. Empirismo: muito embora fosse o homem maleável, estivesse em transformação constante (movimento), existia uma espécie de estrutura universal das faculdades mentais sobre as quais os condicionadores podiam trabalhar, ou seja, admitiam uma natureza humana original, que não mudava entre os integrantes da espécie (universal). Embora sua lógica tendesse, através da observação, a constatação do relativismo dos povos e indivíduos, os empiristas, em sua grande maioria, não chegavam a levar ao extremo tal verificação, contentando-se em procurar o que era comum aos homens, pela via da observação e da experimentação dos fatos (a posteriori). - Issac Newton (1642-1727) publica em 1687 “Princípios matemáticos da filosofia natural”, onde definiu os princípios da gravitação universal (desvelando os movimentos dos seis planetas conhecidos, das luas, cometas, marés e equinócios, unindo a partir de uma única explicação o planeta Terra a tudo o que podia ser visto no céu), e enunciou as leis do movimento dos corpos ( a partir de uma perspectiva de tempo linear, determinista e simétrica: conhecendo as condições iniciais de um sistema, era possível calcular todos os estados seguintes, bem como os precedentes). Tempo absoluto (igual para qualquer observador situado em qualquer lugar, desde que usasse medidor preciso); espaço relativo (o movimento é um conceito relacional. Newton nunca aceitou esta consequência de suas teorias). - No XVII o “devir” não desalojou o “ser”, e nem o desafiou seriamente (Baumer): o pensamento, inobstante as inúmeras descobertas cientificas e as profundas modificações, continuou com ênfase no permanente, no fixo, no absoluto, na estabilidade, no universal, na perfeição das idéias “eternas”, entendendo a mudança como sinal de defeito ou irrealidade. Século XVIII
- Início do século: ciências humanas eram desprestigiadas (método
cartesiano de constatações apriorísticas-dedutivas para as ciências exatas e empirismo baconiano a posteriori para as ciências naturais). Giambattista Vico (1668-1744) propõe o método da “imaginação reconstrutiva” para as humanidades, através do qual se poderia chegar à “realidade em transformação”, que para ele é a história dos homens: partindo-se do estudo dos meios de expressão (mitos, fábulas, monumentos, rituais, etc.), de como eram compreendidos e interpretados por um agrupamento humano, permitir-se-ia uma aproximação à realidade que eles pressupõe e articulam. Espanto: isso não podia ser provado pelo método cartesiano!! Opositor do cartesianismo: valorização da imaginação, crítica da necessidade da certeza na ciência (verossimilhança), opera com probabilidades. - Iluminismo: racionalidade; crença no progresso do conhecimento e no controle do homem sobre a natureza, individualismo, vontade de secularização e de afastamento da “obscuridade” da Idade Média, igualdade. - Continuava-se acreditando na universalidade do homem (possibilitadora de uma igualdade), mas agora se pensava que ele poderia aperfeiçoar-se através da educação disciplinada pela razão (de modo que a perfeição era possível e provável, pelo desenvolvimento da inteligência e da moral). Se o homem podia se modificar para melhor, era natural que também pensasse o mesmo do mundo: crença num projeto de aprimoramento para o mundo, efetivável pela ciência e pela técnica, ambos produtos do logos. Crença no progresso linear em direção à ética, à felicidade, à perfeição: éden na terra. - sobretudo a partir da década de 80: Romantismo: reação contra o que se julgava a “estreiteza” da filosofia, das ciências, das artes, derivada de um pensamento eminentemente racional, mecanicista, redutor, que fabricava modelos ideais com regras universais para todos os planos da vida humana. Proclamava a existência de um espírito (componente) irracional ou inconsciente ( em um sentido mais metafísico do que científico), uma parcela de forças ocultas e obscuras, incontroláveis, perturbadoras mas também criativas: recusa do homem transparente, racional, ordenado e cognoscível, previsível porque sujeito à regras universais. Século XIX
- Romantismo & Neo-Iluminismo (razão; crença na
humanidade (“humanização de Deus”); progresso científico; culto à ciência (cientificismo); determinismo). - Segunda metade do século: evolucionismo (vertente Darwiniana), que acentuou o sentimento de fluxo, de movimento, de impermanência. Acaso e espontaneidade banidos da ciência: determinismo. Já se fazia sentir o movimento, mas ainda havia bastante conservadorismo: sistema fechado, completo, dotado de leis fixas. - Final do século: o racionalismo cientificista Neo-Iluminista continuava forte, porém em um número cada vez maior de pessoas crescia um sentimento de crise e se aguça o espírito crítico. - Sigmund Freud: a teoria sobre o inconsciente corroeu a idéia de racionalidade totalizadora. O cientista entendia essencial abandonar a supervalorização da propriedade do estar consciente para que se pudesse formar um juízo correto do que é psíquico (última parte de “A interpretação dos sonhos”- 1899). As mais complexas operações da psique residiriam no inconsciente. Mas Freud era um moderno...: ferocidade com que defende a ciência como única forma de “encontrar a realidade” (rechaço à intuição, à religiosidade, e ao imaginativo- Vide “o futuro de uma ilusão”); crença no progresso da humanidade de uma barbárie instintual para uma civilização racional, progresso a ser conduzido pelos “mais capazes” (líderes); crença de que nada poderia unir os homens de forma tão completa e firme quanto a submissão dos instintos dos indivíduos aos domínios da razão (“Por que a guerra?”). - Sentimento de desorientação, condenação à errância, angustia, absurdo, privação de referências, decadência que solapava o progresso, “o homem estava sentir-se problemático” (Baumer). Vide Edvard Munch (“O grito”, Sartre ( “A náusea = dor física e psíquica, embrulho no estômago causado pela percepção dessa gratuidade = todo ente nasce sem razão, se prolonga por fraqueza, e morre por acaso) e Kafka. - Henri Bérgson: incorporou o movimento no pensamento científico; rompeu com a dualidade físico/psicológico, apregoando que tais sistemas são solidários ( o cérebro não é um lugar específico do corpo); o conhecimento ocorre com a atividade interpenetrada dos instintos e da inteligência; papel da criatividade na produção da vida: bifurcações, tendências, cargas de imprevisibilidade e de desordem inerentes ao sistema vital. - Friedrich Nietzsche: atingiu os pilares da cultura moderna ( identidade fixa, sujeito, consciência, igualdade, moral, racionalidade, possibilidade de domínio da realidade através da ciência, estabilidade), bombardeando tais cristalizações a ponto de tomar a forma de um complô: não se limitando a diagnosticar a conjuntura da época, suas ideias serviram como instrumento de intervenção, de deslocamento de perspectivas (Klossowsky). Século XX
- Albert Einstein: teoria da relatividade em 1905 ( o
tempo é relativo ao referencial – na velocidade da luz o tempo pára); teoria geral da relatividade em 1916 (quatro dimensões; espaço-tempo (conotação integrada)). Permaneceram, contudo, o determinismo e a simetria temporal (apesar de seus cálculos indicarem que o universo estava em expansão, Einstein introduziu uma “constante cosmológica” para que a sua teoria corroborasse a sua crença em um universo estático). - Werner Karl Heisenberg: princípio da incerteza (1927): as entidades subatômicas não podem ter sua posição e velocidade medidas concomitantemente de forma absolutamente precisa. Os resultados dos cálculos velocidade/posição só poderiam ser expressos por meio de probabilidade. E mais, a própria medição altera o resultado obtido. Durante muitos anos a física presumira o determinismo dos processos da natureza e a precisão rigorosa de suas medições: Heisenberg, através da mecânica quântica, inseriu a probabilidade e a incerteza no âmago do mundo natural. - Primeira Guerra Mundial: (1914-1918): a racionalidade por tanto tempo compreendida como redentora, sustentáculo de um processo de desenvolvimento rumo ao éden, mostrou sua face destrutiva. - Segunda Guerra Mundial (1939-1945): a shoah não foi produto da irracionalidade humana. Gestão burocrática da morte, visando a máxima eficácia, sob o apelo e o amparo científico: produção programada de sofrimento. - Bombas atômicas/ 1945: dois Maracanãs de pessoas reduzidas a nada um segundos. Atualidade:
- Complexidade: coexistência de elementos antigos e recentes, e não,
tanto, a substituição (superação) gradual de uns pelos outros; Passar para além das identidades originais e puras para perceber que o humano se forma no entre-lugar, no interstício e no deslocamento dos domínios da diferença: Homi Bhabha; - O Tempo das Tribos: Mafessoli; - Sociedade do Risco Global: Beck e Douglas; - Homus Complexus: Morin; - Aceleração e vertigem da velocidade: Virílio; - O universo de possibilidades (termodinâmica do não-equilíbrio); o caos que se auto-organiza: Prigogine; Bibliografia MAFFESOLI, Michel. No tempo das Tribos. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1987. BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2001. BECK, Ulrich. A Sociedade do Risco. UNESP, 2004. DESCARTES, René. O Discurso do Método. São Paulo, Martins Fontes, 2002. DUMONT, Louis. O Individualismo: Uma perspectiva Antropológica da Ideologia Moderna. Rio de Janeiro, Rocco, 1985. DURKHEIM, Émile - Lições de Sociologia: a Moral, o Direito e o Estado. São Paulo: T. A. Queiroz/ EdUSP, 1983. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar 2004. FOUCAULT, Michel. Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. Rio de Janeiro: Graal, 1984. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1984. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. KAFKA, Franz. Contos, Fábulas e Aforismos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2001. KLOSSOWSKY, Pierre, Nietzsche e o círculo vicioso, Rio de Janeiro, Pazulin, 200. MATTA, Roberto da. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Petrópolis: Vozes, 1981. MORIN, Edgar, Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. São Paulo, Cortez, 2003. NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos. Lisboa, Edições 70, 2000. OLIVEN, Ruben. A antropologia de grupos urbanos. Petrópolis: Vozes, 1985. ORO, Ari Pedro. Representações sociais e humanismo no Brasil atual: religião, política, família e trabalho. Editora da UFRGS, 2004. PEIRANO, Mariza. Rituais: ontem e hoje. Coleção Passo a Passo, 24. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. PRIGOGINE, Ilya. O Fim das Certezas. Tempo, Caos e as Leis da Natureza. São Paulo, Editora da Universidade Estadual Paulistana, 1996. SARTRE, Jean-Paul. A Náusea. Rio de janeiro, Nova fronteira, 2000. VELHO, Gilberto. Desvio e divergência: uma crítica social da patologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. VIRILIO, Paul. Velocidade e Política. São Paulo, Estação Liberdade, 1996.