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Metamorfoses da Ciência

O estatuto cultural do conhecimento científico – Filosofia 11º Ano

Epistemologia – episteme + logos = discurso sobre a ciência

A ciência tal como hoje a consideramos tem a sua origem na Idade Moderna, mas a ciência é
tão antiga quanto o desejo humano de compreender racionalmente o mundo e de sobre ele
teorizar.

1ª conceção de ciência (os primeiros filósofos até à idade moderna)

Ciência Clássica – embora já orientada para o conhecimento do universal, tem essencialmente


uma matriz contemplativa, apoia-se em procedimentos dedutivos e as fronteiras do seu
conhecimento não estão ainda demarcadas, nem da Filosofia, nem da teologia.

Aristóteles – a ciência era “um conhecimento certo pelas suas causas.”

A verdade desse conhecimento estava na possibilidade da sua demonstração e os princípios


das demonstrações são definições. A filosofia era a ciência das ciências.

Idade Média – S. Tomás de Aquino (séc. XIII) – adaptou a conceção de Aristóteles à Idade
Média – a ciência não se separa da filosofia e elabora um discurso sobre o mundo a partir
duma especulação baseada na contemplação do mesmo e na autoridade da palavra da Igreja.

A natureza aparece como criação divina e a sua ordem reflecte uma finalidade incutida pelo
criador. O conhecimento não assenta na dicotomia sujeito-objeto (há uma cumplicidade e
relação de pertença entre o homem e o mundo).

Renascimento – primeiros passos numa ciência que confira poder, mas não é ainda através da
ideia de objetividade que tenta descodificar o mundo, mas sim fazendo apelo à magia e à
alquimia.

2ª conceção de ciência

Ciência Moderna (aparece no séc. XVII com Galileu e Newton) – modelo mecanicista e
determinista.

Princípios explicativos assentes na matematização e experimentação: o mundo já não é


compreendido por um discurso demonstrado logicamente, mas explicado por operações
matemáticas e observações instrumentais. A noção de lei científica constitui a novidade
marcante desta ciência.

Traços do paradigma da ciência moderna

1. A ciência moderna está associada a uma vontade de poder e domínio sobre a natureza
“Saber é poder”.
2. Na ciência moderna há novos procedimentos metodológicos – o método experimental
(pressupõe uma íntima articulação entre a experiência e a razão) que comporta várias
etapas e valoriza os procedimentos indutivos que sabe articular com os procedimentos
dedutivos.
3. A ciência moderna autonomiza-se relativamente à filosofia e à teologia. Delimita,
recorrendo à matematização da natureza, o domínio da sua investigação (mundo dse
matéria sem intencionalidade própria e cujo fundamento se assemelha a uma
máquina). Surgem novos critérios de aquisição e de validação do conhecimento.
4. A ciência moderna procede a uma dicotomização do sujeito/objeto, o que terá
consequências epistemológicas: - o sujeito descodificaria naturalmente o
funcionamento da realidade;
- O mundo é fonte de exploração (crescente
desenraizamento do homem relativamente ao seu mundo).

5. A ciência moderna conduz a uma visão absolutista e determinista, ou seja, à convicção


de que as leis formuladas à luz das regularidades observadas e possibilitadoras de prever o
comportamento futuro dos fenómenos possuem validade independentemente do tempo e do
lugar em que foram descobertas.

Conclusão

Esta conceção de ciência dominou a ciência até aos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX,
tendo como modelo de investigação ou paradigma a Mecânica de Newton.

A ciência é tomada como a mais sublime criação do espirito humano e chega a ser considerada
como a via de salvação e realização da humanidade.

Torna-se a matriz da racionalidade e o depósito das esperanças e ambições dos homens


(veiculação feita pelo positivismo e cientismo dos finais do séc. XIX – Comte).

3ª conceção de ciência

A ciência pós-moderna (tem como paradigma de referência a Mecânica quântica).

Alguns acontecimentos vieram alterar a mentalidade otimista dominante do cientismo e


conduziram à questionação da racionalidade técnico científica:

- I e II grandes guerras mundiais – o desmoronar da confiança inocente no poder da razão;

- a perplexidade face aos poderes destrutivos que a razão e as suas criações também
comportam (a morte é racionalizada);

- os conhecimentos científicos e desenvolvimentos tecnológicos permitem a autodestruição do


planeta (ameaça nuclear);

- teoria da relatividade;

- mecânica quântica;

- princípio da incerteza…

Assim, a epistemologia contemporânea (nova filosofia da ciência) pode ser vista como um
movimento de desdogmatização da ciência moderna. Questiona a ideia de que a realidade é
dada ou descoberta, afirmando que a ciência constrói e inventa a realidade que estuda.
Não há neutralidade das teorias científicas, todo o conhecimento é construção, os próprios
factos são sempre fabricados. A realidade que a ciência nos apresenta, não é a própria
realidade, mas uma forma de a abordar (indissociavelmente ligada à criatividade e ao esforço
de submeter os dados ao conjunto determinante da teoria).

Questiona a pretensa transparência do sujeito no processo do conhecimento afirmando que a


marca é ineliminável.

Às pretensões absolutistas da ciência moderna, a epistemologia contemporânea contrapõe o


relativismo das comunidades científicas.

A ciência desenvolve-se de forma descontínua e não acumulativa.

Desdogmatiza a ideia do determinismo universal, mostrando que temos de lidar também com
o incerto e com o aleatório.

Heisenberg, físico alemão, e teórico da física dos quanta, formulou o princípio da Incerteza que
coloca o indeterminismo na base da mecânica quântica. Também outros epistemólogos
insistem no facto de não se poder dissociar a ordem da desordem e a vincar a ideia de que a
ciência tem que trabalhar com o impreciso, com o indeterminado.

Conclusão

A ciência pós moderna pressupõe a incerteza e abre-se à subjectividade: a observação de um


fenómeno modifica o próprio fenómeno de forma imprevisível.

Considera que há limites ao ideal de exactidão, não há previsões, mas probabilidades.

A objectividade é aproximada, segundo Popper; é interior a um paradigma, segundo Kuhn.

A verdade é relativa a um determinado estado de desenvolvimento científico. Não há métodos


concludentes.

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