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a Edição
SIDEREUS NUNCIUS
EDIÇÕES
DA FUNDAÇAo CALOUSTE GULBENKIAN
TEXTOS CLÁSSICOS - As raízes da cultura estão naquelas obras chamadas clás Galileu Galilei
sicas, obras cuja mensagem se não esgotou e permanecem fontes vivas do progresso
humano. Por isso a Fundação, ao esquematizar o seu Plano de Edições, julgou que o MENSAGEIRO DAS ESTRELAS
seria indispensável colocar ao alcance do público lusófono livros que marcassem
momentos decisivos na história dos vários sectores da civilização. Da ciência pura à
tecnologia, da quantidade abstracta ao humanismo concreto, procurar-se-á que os
depoimentos mais representativos figurem nesta nova série editorial. Para dificultar
ao mínimo o acesso do leitor, todas as obras serão vertidas em português e apresen
tadas com a dignidade e a segurança que naturalmente lhes são devidas. Integrando
na língua pátria estes grandes nomes estrangeiros, supomos contribuir para lima
mais perfeita consciência da própria cultura nacional, cujos clássicos terão tamhém
GaWeu GaWei
o lugar que lhes compete no Plano de Edições da Fundação Calouste Gulbenkian .
• GALILEU GALILEI (1564-1642), nascido em Pisa, é um dos maIs célebres
homens de ciência da Europa e uma das figuras mais emblemáticas do período ll ue
se convencionou chamar "revolução científica". Na sequência das suas excepcionais
descobertas astronómicas, feitas entre 1609 e 1611 com o auxílio do telescópIo.
iniciou uma ampla campanha em favor do heliocentrismo coperniciano, lançando
um ataque implacável à ftlosofia natural aristotélica, envolvendo-se em debates, dis
putas de prioridade, e acesas polémicas que culminariam com um famoso proCt"sso
inquisitorial em 1633. Fez desenvolvimentos da maior importância cicntílic;1 C1I1
•
estrangeiras entre as quais se destaca Academia das Ciências de LisboJ. a Ill\tory
of Science Society e a European Society for the History of Scic:ncc (mcmbro
do «Scientific Board»). É o único português membro da prestigi.Hh AtJdémic:
Internationale d'Histoire des Sciences.
Fundação
Calouste
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
ISBN 978-972-31-1317-4
Gulbenkian SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS
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9 789 723 113 1 74
SIDEREUS NUNCIUS
o MENSAGEIRO DAS ESTRELAS
Galileu Galilei
SIDEREUS NUNCIUS
o MENSAGEIRO DAS ESTRELAS
Galileu Galilei
3. a Edição
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construiu o seu próprio telescópio melhorado; para o uso de
evidência visual na disciplina da astronomia embora não
fosse a primeira vez, as imagens nunca haviam sido tão impor-
tantes como as gravuras lunares do Sidereus Nuncius; para a
definição da disciplina de astronomia como parte da filosofia
natural (ou da física, como diríamos hoje) - o livro foi enten-
dido como uma defesa do copernicianismo. Por todas estas
razões celebrámos 2009, quatrocentos anos depois das primeiras
observações telescópicas de Galileu, como o Ano Internacional
da Astronomia. As celebrações começaram em 2008 com uma
conferência comemorando o primeiro pedido de patente para
um telescópio pelo vidreiro oculista de Middelburg, Hans Lip-
perhey, em Setembro de 1608. O ano de 2009 assistiu a uma
série de conferências sobre Galileu e a história da astronomia,
que tiveram lugar em locais desde o Médio Oriente à Europa
e à América Latina, dirigidas a todas as audiências, desde espe-
cialistas até crianças. No momento em que escrevo, em Janeiro
de 2010, o pó de toda esta actividade começa a assentar. Cele-
brámos, mas será que também aprendemos algo?
O Sidereus Nuncius de Galileu é um livro de tal modo
importante que cada geração de estudiosos retorna a ele, des-
cobrindo sempre novos ângulos: Mario Biagioli sublinhou a
importância do mecenato; historiadores de arte, de Samuel Y.
Edgerton a Horst Bredekamp, discutiram a importância dos
contextos artísticos para as imagens lunares do Sidereus Nun-
cius; e outros, como Fernand Hallyn, tornaram as qualidades
literárias e poéticas do livro inteligíveis para todos nós. Esta
atenção renovada e interdisciplinar é talvez a melhor evidência
da importância do livro, não apenas como texto científico, mas
como um produto de cultura, com o qual cada nova geração se
tem de enfrentar, analisando, contextualizando e traduzindo-o.
Talvez o aspecto mais notável do trabalho recente sobre Gali-
leu, o telescópio e o Sidereus Nuncius, que veio à superfície,
mais ou menos, nos últimos dois anos (enquanto celebráva-
mos), tenha sido a importância da cultura material na astrono-
8
mia de Galileu. Foi feita investigação acerca das lentes e 6culos
que antecederam as de Galileu, que nos ajuda a compreender
quão importante a artesania e o talento prático foram para o
telesc6pio. Veio à luz do dia uma lista de compras de Galileu,
escrevinhada nas costas de uma carta, que mostra como Gali-
leu, insatisfeito com as lentes que conseguia adquirir, recolheu
os materiais e as técnicas para construir o melhor telescópio da
altura. Além disso, cuidadosas investigações de exemplares do
próprio livro, por Albert van Helden, Owen Gingerích e Horst
Bredekamp, revelaram tanta informação nova que podemos
agora seguir a composição do Sidereus Nuncius quase dia a dia.
Mas tudo isto se pode ler nas páginas da excelente introdução
pelo distinto historiador da ciência Henrique Leitão.
H. Leitão recolhe toda a erudição relevante sobre Galileu,
o telescópio, e o Sidereus Nuncius, numa bela síntese que
(estou convencido) definirá o standard por muitos anos. Mas o
leitor também encontrará muito para desfrutar sobre a perspec-
tiva portuguesa deste famoso episódio da história da ciência,
que merece ser melhor conhecida fora de Portugal. É seguido
pela primeira tradução do Sidereus Nuncius feita em Portugal.
Isto torna este livro de uma importância cultural singular para
todos os que são menos versados em Latim, mas não em
conhecimentos e cultura algo que Galileu, que escreveu
sobretudo em italiano, teria certamente apreciado.
SVEN DupRf
Ghent, Janeiro 2010
9
PREFAcIO
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matórÍo e moralista em que muitas vezes se redigem textos
sobre ele. l
Galileu parece ter adquirido, na sociedade portuguesa, o
estatuto paradoxal do ícone do homem de saber, de curiosi-
dade fervilhante, apaixonado pelo conhecimento, com um espí-
rito indómito em busca da verdade, mas que não suscita pelo
seu exemplo, nem curiosidade, nem amor ao saber, ao estudo e
à investigação. Pelo menos no que diz respeito à sua própria
obra isso é certo. Há aqui, parece-me, muita matéria para a
reflexão dos especialistas em questões de sociedade, e talvez a
sugestão de alguma prudência nas análises que, com demasiada
facilidade, equacionam "cultura científica" com a popularidade
de certos nomes e a transacção de chavões.
O trabalho que agora se apresenta não se dirige, evidente-
mente, ao especialista; tem, sobretudo, um propósito de divul-
gação junto de um público culto e informado, mas desconhe-
cedor dos meandros da erudição galileana. O especialista nunca
dispensará a leitura do texto de Galileu na versão latina origi-
nal, mas o mesmo já não se pode pedir ao amador, por muito
interessado que seja por estes temas. Por esta razão, não se jus-
tificava que se preparassem anotações muito detalhadas e muito
técnicas, numa edição que tem propósitos de leitura amplos.
12
Mas, por outro lado, sem os elementos essenCiaIS de con-
textualização e alguns esclarecimentos pontuais, a obra seria
dificilmente compreensível para o leitor actual. Nenhum texto
flutua a-historicamente sobre a época em que foi escrito,
encontrando-se sempre relacionado com as polémicas, as perso-
nagens e o espírito do seu tempo, de maneira que a com-
preensão fica muito melhorada com o esclarecimento destes
elementos externos.
A decisão de preparar uma versão portuguesa destinada a
um público culto, mas não especializado, corresponde também
à intenção que moveu Galileu a escrever a sua obra. O uso do
latim - que Galileu abandonou em trabalhos posteriores -
revela que visava uma audiência instruída e internacional, mas
a estrutura e o conteúdo do livro foram pensados de modo a
permitir a leitura pelos que eram pouco versados em astrono-
mia ou nas ciências matemáticas.
Como sucede com todos os grandes textos da cultura oci-
dental, a variedade e riqueza de traduções, para diversos idio-
mas, entre as quais se encontram algumas de excelente quali-
dade, significa que todos os problemas de compreensão e/ou
tradução se acham resolvidos, e que todas as passagens de
interpretação dúbia foram já amplamente discutidas e analisa-
das. Há, de facto, uma vasta literatura em torno do Sídereus
Nuncíus e, como ficará evidente no que segue, sou imensa-
mente devedor desses trabalhos, que usei com abundância e a
que me refiro com frequência.
Mas o livro que agora se apresenta tentou atingir algumas
metas que o distinguem de outras traduções e edições em cir-
culação.
Em primeiro lugar, foi feito um esforço para trazer ao
conhecimento do leitor os estudos mais actuais. A quantidade
de trabalhos sobre Galileu não tem cessado de aumentar, com
desenvolvimentos de grande importância nas últimas duas
décadas. Incluir os dados mais recentes e dar indicação dos
estudos mais modernos da historiografia galileana foi aqui uma
obrigação.
13
Em segundo lugar, nos dias de hoje praticamente todos os
materiais que se referem neste livro, quer fontes, quer literatura
secundária, encontram-se com muita facilidade, estando a
maior parte deles já disponibilizados online. Para dar apenas o
exemplo mais significativo, a monumental edição das Opere di
Galileo Galilei, por Antonio Favaro, que é o elemento de tra-
balho imprescindível para qualquer interessado em assuntos
galileanos, está hoje integralmente disponível online, sem qual-
quer custo. Na verdade, os estudos eruditos sofreram uma
revolução silenciosa nos últimos dez anos, motivada pelo facto
de o acesso às fontes ser hoje quase instantâneo. Publicar um
livro sobre Galileu, em 2010, sem levar isto em conta, seria
uma tolice. As indicações de fontes primárias que aqui se dão,
além de preencherem um dos quesitos básicos de qualquer tra-
balho erudito, são um convite ao leitor a que, agora que o
pode fazer com toda a comodidade em sua casa, explore com
algum pormenor esses documentos.
Finalmente, em terceiro lugar, há aspectos relativos à
divulgação das descobertas telescópicas de Galileu - e do pró-
prio telescópio - em Portugal a que se deu um especial des-
taque neste trabalho. A história das novidades galileanas e do
telescópio entre nós é um dos episódios mais interessantes da
nossa história científica, reflexo do período particularmente
rico e internacional da ciência portuguesa que foram as pri-
meiras décadas do século XVII. Pareceu-nos adequado recordar
aqui esses factos, ainda que brevemente.
***
14
acompanha já há anos outros projectos editoriais em que estou
envolvido, e que acompanhou também este com a sua habitual
combinação de profissionalismo, simpatia e suave insistência no
cumprimento de prazos. Ainda na Fundação Gulbenkian, tive,
também, a oportunidade de discutir alguns dos assuntos aqui
tratados com o Ptof. João Caraça, que além disso me indicou
bibliografia e deu sugestões; para ele também o meu agradeci-
mento.
Aos meus colegas e amigos Ana Simões, Bernardo Mota,
Carlota Simões, Guilherme de Almeida, João Filipe Queiró,
José Vaqueto, Luís Miguel Carolino, Luís Tirapicos e Samuel
Gessner, tenho a agradecer muitas conversas em torno dos
assuntos desta obra, correcções, sugestões e esclarecimentos
demasiados para enumerar, o empréstimo de bibliografia ou
apenas as simples, mas importantes, palavras de estímulo. Devo
um agradecimento muito especial ao Prof. Domingos Lucas
Dias, que há muitos anos, com uma generosidade e uma
paciência que ainda hoje me enchem de espanto, me introdu-
ziu na beleza e na precisão da língua latina, e agora me auxi-
liou uma vez mais, eliminando alguns erros e sugerindo muitos
melhoramentos de estilo na minha tradução. Como é evidente,
quaisquer lapsos ou infelicidades estilísticas que ainda subsis-
tam são da minha inteira responsabilidade. Estou também par-
ticularmente reconhecido ao Dr. Sven Dupré, um dos maiores
especialistas da actualidade no telescópio de Galileu, que tenho
o privilégio de contar entre os meus amigos, e que teve a ama-
bilidade de enriquecer este livro com a sua preciosa nota de
abertura. A todos estes e aos muitos outros colegas e amigos
que ao longo dos anos me têm ajudado, aqui fica o meu reco-
nhecimento.
A Janjão e os miúdos aturaram, com a sua habitual boa
disposição, um marido e pai que não tem horários, trabalha
em qualquer divisão da casa e insiste em que todos estejam a
par do último assuntO que está a estudar, por mais recôndito
que seja. É mais que justo que lhes dedique este livro, em
modesta compensação do que os fiz penar.
15
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HENRIQUE LEITÃO
Universidade de Lisboa
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ESTUDO INTRODUTÓRIO
por
HENRIQUE LEITÃO
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Uma Gazeta Sideral com "osservazioni di infinito stupore"
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o Sidatu! Ntau;us é a obra em que Galileu deu a co nhe-
cer as novidades que descobrira com o telescópio, em observa-
ções que vinha a fazer desde Outubro ou Novembro de 1609.
Consciente da excepcionalidade do que observara, nos primei-
ros meses de 161 0 ocupou+se febrilmente na preparação de um
pequeno resumo desses faCtOS novos e sensacio nais. Num
registo rápido, cm pouco mais de 60 páginas, Gali leu deu a
conhecer que a Lua tem uma superfície irregular, com monta-
nhas e vales, que há muiro mais estrelas fi xas do que aquelas
que se co nseguem distingui r a olho nu , que a Via Lactea é
const ituida por mirfades de esrrelas mui to próximas e, sobre-
rudo, que Júpiter tem satélites. Deu também a conhecer ao
mundo o telescópio, instrumento com que fizera essas observa-
ções e que foi imediatamente saudado em inúmeras peças lite-
rárias e numa iconografia variada, mostrando que causara ranro
espanto como as descobertas em si.
A nodcia dos descobrimentos astronóm icos de Galileu
arravessou a Itália como um relâmpago e alca nçou quase de
imedialO as regiões ma is disranres da Europa. O grande astró+
nomo alemão Joha nnes Kepler 057 1-1 630) coma que so ube
desres factos, em particular dos s:Hélites de Júpiter, por volta de
15 de Março de 1610, por intermédio de um amigo, Johann
Matthaus \\í'ackhcr, que, de uma carruagem diante de sua casa,
o pôs ao corrente das novidades sensacionais, e do esp:lIHO e
júbilo com que os dois celeb raram estes descobrimemos. l
1 O episódio vem rererido por Keple r numa carla cnv i~d~ ~ G~Ii·
lcu cm 19 de Au ril de 1610 (Oprrt, X, 320) . EsI~ CUla, depois de
°
expandida c revisla, roi publicad~ com titulo de Diurrtat;o cum lIullâo
lidrrto (Png~. D~niel Snl.o~nus. 1610). onde r~mbt':m se ~ch~ ore
rdaro. Mais ~di~OIe volt';lremos a <:Sle importante lexlO. Kepler roi nlvn
°
o melhor ~ mais imponame leitor do 5idrrttlJ N UI/rim e a sua ca rr~i ra
roi também prorundamcntc arecuda pelo apar~cimento da obra e do
telescópio. Os estudos sobre Kcpl~r teln tido um gnndco d(';Scm'OlvimenIO
nos ultimos ~nos. A mdhor biografia continua a ser a d~ MAX CA,sPAR.
Krpla, lrad. por C. Doris H~Jlman (Ncw York: Abd~rd Schuman, 1959;
depois reim pressa e melho rada, Ncw Yorle Ouver. 1993), mas são lireiS
I~mbém as SC'guintcs obras: ARTItUR KOESTLER, Thr Wllunhrd: II
20
Kepler, como outros na altura, não hesitou em comparar Gali-
leu a um novo Colombo (Opere, X, 296).3 Em muito poucos
anos as notícias circulavam pelo mundo inteiro. Em 1611
haviam chegado a Moscovo, em 1612, à índia e em 1614,
pelas mãos de um português, era redigido, em Pequim, o pn-
meiro sumário destas notícias extraordinárias em chinês. 4
21
o Sidereus Nuncius é um opúsculo pensado deliberada-
mente para causar sensação. É um relato de coisas espantosas e
admiráveis, algumas nunca antes vistas nem sequer imaginadas,
contadas numa narrativa rápida de tom claramente jornalístico.
As demonstrações são reduzidas ao mínimo, não se citam auto-
res nem se referem outras fontes, não se entra em discussão
com os clássicos nem com os contemporâneos, todas os desen-
volvimentos mais longos são remetidos para outras obras que
se anunciam.
Galileu refere-se muitas vezes ao seu livro como um
"Avviso", por vezes especificando, "Avviso astronomico", isto é,
um texto destinado a relatar novidades com um tom jornalís-
tico. 5 Esta intenção reflecte-se desde logo no título, com a
famosa ambiguidade entre "mensagem" e "mensageiro" criada
pela palavra Nuncius, uma ambiguidade que atormenta todos
os tradutores que lidaram com esta ohra. 6 Isabelle Pantin assi-
nala que a melhor tradução francesa para o título, isto é,
aquela que, respeitando o título latino melhor se adequa ao
género do livro, seria "Le courrier des astres". Não optou por
este título sobretudo porque ele perdia a tensão poética do ori-
ginaI.? Entre os tradutores modernos só um parece ter corrido
o risco de acentuar deliberadamente a conotação jornalística da
obra chamando-a "Gaceta Sideral".8
22
o Sidereus Nuncius assinala a primeira grande entrada em
cena do próprio Galileu, até aí um professor universitário dis-
creto, muito talentoso, sem dúvida, mas praticamente sem pro-
vas dada~. Era agora o anunciador das mais espantosas notícias,
um "Mercurius alter" (Opere, X, 396), que, com a publicação
do opúsculo, de um dia para o outro, passou a ser considerado
o maior homem de ciência da Itália e da Europa. O Sidereus
Nuncius transformou Galileu; na feliz expressão de Noel Swer-
dlow, "as descobertas de Galileu mudaram o mundo, mas pri-
meiro mudaram Galileu"9. Esta mudança deu-se pelo menos
em dois sentidos, intimamente relacionados. Em primeiro
lugar, o livro assinala uma drástica alteração nos principais
interesses científicos de Galileu, até aí preocupado principal-
mente com assuntos de mecânica, para a astronomia. É certo
que nunca abandonará as investigações mecânicas, e que estas
virão a tdr a sua coroação máxima no final da sua vida, com a
publicação dos famosos Discorsi e dimostrazion,i matematiche
intorno a due nuove scienze (1638), mas a astronomia tomava
agora um lugar central nas suas reflexões. Em segundo lugar, e
talvez ainda mais importante, o Sidereus Nuncius anuncia o
aparecimento público de Galileu, o coperniciano.
A adesão de Galileu às teses copernicianas parece ter sido
um processo complicado, com hesitações, avanços e recuos. A
30 de Maio de 1597, escrevia a }acopo Manzoni dando aque-
las que são as primeiras informações conhecidas acerca do seu
23
copernlclanismo (Opere, II, 197-202) e, poucas semanas
depois, a 4 de Agosto de 1597, numa bem conhecida carta a
Kepler, declarava que havia aderido às ideias de Copérnico "há
já muitos anos" (Uin Copernici sententiam multis abhinc annis
venerim", Opere, X, 68-69). Os historiadores têm lido sempre
esta afirmação com muita reserva, tanto mais que nessa mesma
carta Galileu anunciava ter várias provas do copernicianismo, o
que não era seguramente verdade. 10 Nos anos seguintes, con-
tudo, até 1610, pouco se pode discernir nos seus textos acerca
deste assunto. Dois dos maiores especialistas de Galileu, os
historiadores Stillman Drake e William Wallace, advogam
que este teria suspendido ou abandonado as suas convicções
copernicianas no período entre 1604 e 1610. Seriam as obser-
vações com o telescópio o factor crucial a tornar Galileu num
defensor do copernicianismo, como aliás ele próprio reconhece
num passo do seu Dialogo sopra i due massimi sistemi dei
mondo (1632) (Opere, VII, 356) ". Todavia, no Sidereus
Nuncius, a forma como revela a sua adesão ao copernicianismo,
se bem que inequívoca, é ainda algo discreta. Uma defesa
pública e explícita do heliocentrismo copernicano só se dará a
partir de 1613, com a publicação da [storia e dimostrazioni
intorno alie macchie solari, onde torna cada vez mais explícita a
sua campanha em prol do novo modelo de ordenamento
cósmico.
24
De todas as formas, quando publica o Sidereus Nuncius,
Galileu tem já muito daras as conclusões que pretende retirar
dos novos fàctos·, anunciando por três vezes ao longo do texto
a sua intenção de apresentar uma obra de grande envergadura
sobre o sistema do mundo. De facto, muitas das implicações
do que vira nestes meses com o telescópio só serão desenvolvi-
das inteiramente no Dialogo sopra i due massimi sistemi, em
1632.
O Sidereus Nuncius anuncia ainda outras novidades, não
estritamente astronómicas, mas nem por isso menos dramáticas
ou de consequências menos duradouras. O tom e o estilo do
livro antecipam aquilo que será a marca do famoso pisano e
revelam desde logo uma atitude de aproximação ao estudo da
natureza profundamente diferente da preconizada e praticada
nas aulas de filosofia naturaL O profundo desprezo de Galileu
pelos filósofos que ele considera meros "comparadores de
textos" (Opere, X, 423) - e, ainda mais, pela "abordagem 610-
sófica" ao estudo da natureza, é evidente em inúmeros passos
dos seus escritos, mesmo antes de ter razão de queixa das intri-
gas e manobras de professores de filosofia contra si. Estes, por
seu lado, constituíram os seus adversários mais constantes e
mais tenazes. Quando não evidenciaram uma hostilidade
aberta, mostraram-se incapazes de compreender a grandeza dos
25
seus descobrimentos. Como observou Stillman Drake há já
alguns anos, com a excepção de Campanella, nenhum filósofo
apoiou Galileu - uma afirmação que talvez peque por ser um
pouco exagerada, mas que traduz aquele que foi o sentimento
geral dos filósofos para com o famoso cientista. 12
Galileu ensaiou também a utilização de uma nova lingua-
gem visual, num corte absoluto com os códigos de representa-
ção habitualmente usados em astronomia. As suas gravuras da
Lua foram possivelmente mais determinantes na aceitação
da natureza rugosa da superfície do satélite do que qualquer
argumento ou demonstração, e a sua descrição visual do movi-
mentO dos satélites de Júpiter é completamente inovadora,
aproximando-se quase de uma narrativa cinematográfica.
Igualmente importante é o facto de o Sidereus Nuncius ter
sido peça capital na aproximação que Galileu vinha a desen-
volver à corte do Grão Ducado da Toscana e à família Mediei.
As apuradas técnicas de ascenção social, de gestão da sua car-
reira, de relação com os seus mecenas e o seu hábil sentido de
cortesão têm recebido muita atenção nos últimos anos e é hoje
claro que nenhuma descrição da carreira e feitos de Galileu
pode prescindir do conhecimento destes elementos 13.
26
Já há alguns anos que Galileu planeava obter emprego ou,
pelo menos, transitar para a esfera de protecção da corte Tos-
cana. Fora tutor de matemática do jovem Cosme de' Medici
no Verão de 1604 e mantivera depois disso o contacto com
ele, que se intensificou em 1609, quando Cosme ascendeu ao
cargo de Grão-Duque. A 30 de Janeiro de 1610, escreveu um
breve relatório das suas descobertas, que enviou para a corte,
iniciando assim um processo de aproximção que culminaria
com a nomeação dos satélites de Júpiter e a dedicatória do
Sidereus Nuncíus a Cosme. O nome dos Medici fICava para
sempre ligado às mais importantes descobertas observacionais
da história da astronomia, e Galileu seria recompensado com a
entrada na corte florentina. Galileu planeou cuidadosamente
esta aproximação, em busca de um estatuto que lhe era indis-
pensável para a legitimação das suas ideias científicas. Na ver-
dade, era uma jogada muito ambiciosa, já que tinha como
objectivo a criação de uma categoria socioprofissional sem pre-
cedentes, a de filósofo e matemático de corte, estatuto que ele
negociou e conseguiu obter dos Mediei. 14
27
É também o livro onde GaliJeu revela publicamente de
maneira mais clara a sua participação em práticas astrológicas,
um envolvimento que os historiadores de épocas passadas, que-
rendo acentuar os traços modernos da sua personalidade, em
geral ocultaram. Só Antonio Favaro dedicou alguma atenção ao
assunto, mas o seu trabalho mais importante sobre o tema aca-
bou praticamente esquecido. 15 Nas últimas décadas, contudo, o
cenário mudou radicalmente e, hoje em dia, sabe-se bastante
mais sobre estas actividades. Não existem dúvidas de que Gali-
leu praticou astrologia durante toda a sua carreira e especial-
mente durante o seu período paduano. Bem mais importante
do que os horóscopos que fez para mecenas e patronos
- pois, naturalmente, parte das suas obrigações na corte da
Toscana consistia em fazer previsões astrológicas - , fez horós-
copos para as suas fllhas (Opere, XIX, 218-220), para alunos e
para alguns amigos (Opere, XIX, 205-206). O seu amigo Gian-
francesco Sagredo (1571-1620) solicitava-lhe horóscopos regu-
larmente e Galileu aconselhava-o com base em previsões astro-
lógicas (Opere, X, 96-97). Conhecem-se também duas cartas
astrais que Galileu fez para o seu próprio nascimento. 16 É mais
complexo apurar qual o valor que atribuía às previsões astroló-
gicas, pois um famoso passo no Dialogo sopra i due massími sis-
temi (1632) (Opere, VII, 135-136) e outras indicações dispersas
parecem indicar algum cepticismo ou descrença em pelo menos
algumas destas práticas. I?
28
o telescópio
29
os segredos do cosmos, convertia cada homem num rei com
senhorio sobre as obras da criação.l!!
Galileu nunca reclamou ter sido o inventor do instru-
mento, mas fez sempre questão em deixar claro que construíra
ele próprio os seus telescópios e que, tendo-os aperfeiçoado
muito, fora ele quem os convertera realmente em instrumentos
científicos, tendo feito estes descobrimentos e progressos por
uma especial graça de Deus. Esta posição é evidentemente
atreita a más interpretações, quer por parte dos contemporâ-
neos, quer dos historiadores, que foi exactamente o que acon-
teceu. 19 Para mais, a história da invenção do telescópio foi
sempre polémica, permanentemente envolvida em dúvidas e
atormentada por inúmeras questões de prioridade. O delicado
equilíbrio que Galileu escolheu para descrever a sua posição
relativamente à génese do instrumento parece ter sido apenas
mais um episódio numa história já de si mergulhada em equí-
vocos e discussões. 2o
nunca deu qualquer passo para corrigir os que pensavam ter sido ele o
inventor do instrumento. Um dos que assim pensaram foi Giovanni Bar-
toli, no prefácio que escreveu na obra de Marcantonio de Dominis, De
radiis et /ucis in vitris perspectivis et iride (Veneza, 1611). Seja como for,
importa sublinhar que, estritamente falando, Galileu nunca se apresentou
como inventor do telesc6pio. Veja-se, sobretudo, o modo como ele se
explica no II Saggiatore (Opere, X, 258-259). Sobre esta questão veja-se
também o trabalho de EDWARD ROSEN, «Did Galileo claim he invented
the telescope?», Proceedings oi the Amerícan Philosophical Society, 98
(1954) 304-312.
20 O trabalho clássico sobre a origem do telesc6pio, recolhendo
30
Conhecem-se desde a mais remota antiguidade "tubos
ópticos" (evidentemente sem lentes) empregues em observações
astronómicas, que continuaram a ser usados ao longo da Idade
Média em várias culturas. É· claro que estes "instrumentos"
31
nada têm que ver com o instrumento óptico, mas o seu apare-
cimento em relatos escritos e em alguma iconografia foi sufi-
ciente para gerar fábulas sobre a origem do telescópio. 21 Na
verdade, a pré-história do telescópio está ligada à confecção
medieval de lentes e aos progressos artesanais na arte de polir
o vidro e fabricar óculos durante a Idade Média. As lentes
apareceram na Europa medieval em finais do século XlII e os
óculos adaptados para a leirura existem desde os inícios do
século XIV, sendo a mais antiga representação conhecida de uns
óculos de 1350.
Ao longo da Idade Média, a qualidade dos vidros e as
técnicas de polimento foram sucessivamente melhorando, con-
tando-se Florença e Veneza entre os mais importantes centros
de produção de vidro e lentes. No início do século XVI estavam
reunidos todos os conhecimentos práticos capazes de levar à
construção das primeiras lunetasY Não admira, pois, que a
partir de então se comecem a multipliar as reclamações de
prioridade na invenção do telescópio. O estudioso Domenico
Argentieri sugeriu que Leonardo da Vinci (1452-1512) havia já
montado um sistema de duas lentes para ver ao longe, por
32
volta de 1508, antecipando assim os fabricantes holandeses e
Galileu em mais de um século. 23 Sempre atentos a que os seus
compatriotas não sejam deixados para trás, os historiadores bri-
tânicos também se pronunciaram, defendendo que o telescópio
tinha sido feito primeiramente pelos ingleses Thomas Digges
(ca. 1546-1595) e William Bourne (ca. 1535-1582).24 Segundo
outros, o invento já viria anunciado na Homocentrica (1538) de
Girolamo Fracastoro (ca. 1478-1553), e recentemente, como se
o assunto não fosse já bastante confuso, foi argumentado que o
telescópio teria tido a sua origem na Catalunha. 25 Esta profu-
Vinci (New York: Reynal and Company, 1956), pp. 405-436; original-
mente: Leonardo da Vinci (Novara: Istituto Geografico De Agostini,
1940). S. L VAVlLOV, "Galileo in the History of Optics», Soviet Physics
Uspekhi, 7 (1965) 569-616 [originalmente: Usp. Fiz. Nauk. 83 (1964)
583-615].
24 Trata-se daquilo que é conhecido na literatura como o "telescó-
33
são de candidatos tem alguma justificação pois imediatamente
após a publicação do Sidereus Nuncius foram muitos os que
reclamaram a prioridade no invento do instrumento, a tal
ponto que quem se interessar por perseguir este assunto deve
estar pronto para entrar naquilo a que Favaro chamou "un
dedalo inestricabile di nomi" 26,
De todos os possíveis inventores do telescópio no século
XVI apenas Giovanni Baptista Della Porta (1535-1615) parece
recolher o consenso dos investigadores. Na sua famosa Magiae
natura/is sive de miracu/is rerum (1558 e 1589), Porta discutiu
muitos fenómenos e artefactos ópticos. A primeira edição da
obra (Nápoles, 1558) tinha apenas quatro livros, mas a
segunda edição (Nápoles, 1589), muito mais expandida, em
vinte livros, teve urna enorme difusão, sendo inclusivamente
traduzida para vários idiomas. Foi nesta edição que apresentou
um arranjo óptico com duas lentes, para aumentar a visão.27
Depois de ter sabido do aparecimento do telescópio galileano,
Della Porta escreveu ao príncipe Cesi, na Accademia dei Lincei,
em Roma, a 28 de Agosto de 1609, reclamando a sua priori-
dade no invento do instrumento que, segundo ele, já fizera nos
anos oitenta do século dezasseis (Opere, X, 252).28 Esta recla-
mação parece ter ficado mais ou menos aceite entre os mem-
bros da Accademia dei Lincei, corno se deduz de um verso
composto por Johann Faber (Giovanni Fabro) , secretário dessa
34
Academia. 29 Também Kepler sabia que Della Porta havia pro-
posto o telescópio antes e disse-o numa carta a Galileu. 30 Em
abono desta tese que faz remontar o invento do telescópio a
Itália deve ainda registar-se que o filho de Zacharias Jansen
(1588-1632) - um dos holandeses associado ao aparecimento
dos primeiros telescópios relatou que o seu pai fabricara o
primeiro telescópio em 1604, seguindo o modelo de um InS-
trumento italiano que ostentava os dizeres "anno 1590".31
impossibile aut novum nequaquam est; nec super a Belgis prodiit, sed tot
iam annis antea proditam a lo. Baptista Porta, Magiae Naturalis libro
XVII, Cap. X." Trata-se da carta de 19 de Abril de 1610 (Opere, X, 323-
-324), que depois foi impressa como Dissertatio cum Nuntio Sidereo em
Praga, 1610, e logo depois em Florença.
31 A informação é transmitida por Isaac Beeckman (1588-1637),
35
Seja como for, o entendimento actual entre os historia-
dores parece ser o de que, apesar de ser provável que em
finais do século XVI alguém tenha chegado à combinação ade-
quada de lentes que permitem obter o efeito do telesc6pio, a
hist6ria do instrumento deve começar obrigatoriamente com
o "telesc6pio holandês", não s6 porque a evidência documental
é incontroversa a partir daí, mas também porque os seus
inventores foram os primeiros a dar sinal de terem compreen-
dido as imensas potencialidades do instrumento, tentando
patenteá-lo e comercializá-lo.
Em Setembro de 1608, Hans Lipperhey (faI. 1619), um
vidreiro (oculista) de Middelburg, deslocou-se até Haia, a capi-
tal da República Holandesa, para submeter uma patente de um
instrumento para ver ao longe. Lipperhey aproveitou a sua
estadia para propagandear o seu instrumento, mostrando-o e
fazendo demonstrações do seu uso a vários nobres, cortesãos e
outras pessoas influentes, inclusivamente ao príncipe Maurício
de Orange. O excepcional interesse do instrumento ficou claro
desde logo e Lipperhey foi instado a produzir mais telesc6pios.
Ao mesmo tempo, as noticias começaram a circular de ime-
diato. Mas o assunto rapidamente se complicou pois a autoria
do invento foi logo disputada, com reclamações de Zacharias
Jansen, também de Middleburg, e de Jacob Metius (faI. 1628),
de Alkmaar. A patente não foi concedida a Lipperhey, e em
resultado da polémica a notícia do telesc6pio ainda mais se
propagou.
E não s6 a noticia. Nos meses seguintes foram distribuí-
dos alguns telesc6pios a governantes e notáveis da Europa. Para
além dos que estavam na posse das autoridades holandesas,
sabe-se que por esta altura foram enviados telescópios para o
Rei de França e o seu primeiro-ministro, e para o Papa, em
Roma. 32
36
o primeiro relato impresso mencionando um telescópio
acha-se num pequeno folheto publicado em Haia em 1608,
sem nome de autor nem de impressor, dando notícia da visita
de uma embaixada do Sião. No final, sem qualquer relação
com o assunto anterior, recolhe-se a notícia do excitante novo
invento:
37
semblables occasions, car d'une lieue loing et plus, on
peut aussi distinctement remarquer toutes choses, comme
si elles estoyent tout aupres de nous : et mesmes les etoi-
les qui ordinairement ne paroissent à nostre veue et à nos
yeux pour leur petitesse et foiblesse de nostre veue, se
peuuent voir par le moyen de cest instrument. 33 [ ••• ]
38
1609 já se encontravam à venda, em Paris, lunetas rudimenta-
res, com um poder de ampliação de três vezes, e o número de
relatos acerca do novo artefacto óptico multiplicou-se. 36 Pouco
depois, as primeiras notícias chegavam ao sábio italiano.
Galileu deixou três relatos acerca do modo como chegou
ao conhecimento do telescópio. Para além do que conta no
Sidereus Nuncius, explicou os acontecimentos numa carta de 29
de Agosto de 1609 a Benedetto Landucci (Opere, X, 253), e,
anos depois, em 1623, no II Saggiatore (Opere, VI, 258). Infe-
lizmente, esses três relatos apresentam discordâncias significati-
vas, o que, aliado ao facto de não se conhecer correspondência
de Galileu no período entre 9 de Março e 24 de Agosto de
1609, torna impossível reconstituir com segurança o que se
passouY Aqui, e na Cronologia, no final deste Estudo, resu-
mimos o que parece ser a sucessão de eventos mais provável e
consensual entre os historiadores.
39
Segundo parece, tudo terá começado com uma notícia do
telescópio holandês que chegou a Paolo Sarpi (1552-1623), em
Veneza, em Novembro de 1608. 38 Sarpi, um amigo e corres-
pondente, com quem Galileu discutiria variados assuntos cien-
tíficos ao longo dos anos, transmitiu, por sua vez, essas novi-
dades a alguns correspondentes franceses, em particular a
Jacques Badovere, em Paris, a quem, numa carta de 30 de
Março de 1609, pediu confirmação dos rumores. 39
Galileu pode ter recebido as primeiras notícas acerca do
telescópio em Maio de 1609 quer através de Sarpi, quer de
Badovere a quem alude no Sidereus Nuncius - não
podendo excluir-se ainda uma outra fonte, visto saber-se que, a
partir da Primavera de 1609, vários telescópios circulavam já
por Itália. Se se der crédito completo a Galileu, ele não teve
40
ocaslao de ter nas mãos qualquer exemplar destas lunetas
holandesas, tendo apenas recebido informações oralmente, mas
sem ver directamente qualquer instrumento.
Outra possibilidade é que Galileu só tenha ouvido falar
do telescópio pela primeira vez aquando de uma estadia em
Veneza, entre 18 de Julho e 3 de Agosto de 1609. Nessa oca-
sião teria tido oportunidade para discutir com Paolo Sarpi estes
assuntos, não se podendo eliminar completamente a possibili-
dade de até ter visto um telescópio.
O que não oferece dúvidas é que, no Verão de 1609,
Galileu já sabia que precisava de polir uma lente objectiva
convexa (na realidade, plano-convexa)· e uma ocular plano-côn-
cava e alinhá-las convenientemente. Entre finais de Julho e
os primeiros dias de Agosto desse ano, Galileu construiu o
seu primeiro telescópio. Seria uma luneta com um aumento
de três vezes, que em muito pouco se deveria distinguir das
lunetas holandesas que se vendiam em muitos mercados da
Europa. Sabe-se muito pouco acerca desse primeiro instru-
mento. Importa recordar que quando Galileu teve as primeiras
notícias se encontrava particularmente bem preparado para
explorar as potencialidades que agora se abriam. Dominava
bem a tradição perspectivista medieval e, o que talvez seja mais
significativo, parece ter tido alguma experiência prática neste
campo. Galileu estava em contacto frequente com os fabrican-
tes de óculos e já em 1602, um seu correspondente relatava
que havia recebido um par de "occhiali" da sua oficina (Opere,
X,93).
Se se aceita que Galileu teve as primeiras notícias em
Maio, o intervalo de tempo entre essas notícias e a efectiva
construção de um telescópio só em Julho/Agosto parece exigir
alguma explicação e tem levado a algumas especulações. Sabe-
-se hoje que ele e muitos dos seus contemporaneos perseguiam,
já há algum tempo, a concepção de um instrumento que per-
mitisse ver ao longe, ensaiando combinações de lentes e espe-
lhos. É muito possível que ao ouvir os primeiros rumores
Galileu tenha julgado tratar-se de mais um desses instrumen-
tOS, tendo gastado algumas semanas a testar arranjos com len-
41
tes e espelhos, até mudar para a configuração adequada, com
duas lentes. 4o
Por tentativa e erro, melhorando as suas técnicas de poli-
mento, é muito provável que Galileu tenha descoberto que, na
configuração usada (objectiva convexa e ocular côncava), o
efeito telescópico resulta de a objectiva ser fracamente conver-
gente e a ocular fortemente divergente. Em meados de Agosto,
havia já conseguido construir uma luneta com ampliação de
cerca de nove vezes (Opere, X, 250), a que passou a chamar
perspicillum. Na posse do novo instrumento, pensou na possi-
bilidade de obter algumas vantagens e, então, com o auxílio de
Paolo Sarpi, estabeleceu contactos com o Senado de Veneza.
Galileu fez uma primeira demonstração do uso do teles-
cópio, para um grupo de notáveis venezianos, a 21 de Agosto,
a partir do campaníle da catedral de São Marcos, e no dia 24
mostrou-o ao Senado. 41 Ele próprio descreveu a sensação pro-
vocada pelo novo instrumento referindo o "infinito stupore", e
o facto de mesmo homens idosos, senadores e outros nobres,
terem subido a escadaria para poderem presenciar a demonstra-
ção. 42 Muitos anos depois ainda recordava, com evidente pra-
VES, Galileos Glassworks. The Telescope and the Mirror (Cambridge and
London: Harvard Vniversity Press, 2008).
41 O nobre veneziano Antonio Priuli, que viria a ser Doge de
42
zer, a sensação que causara em Veneza (Opere, VI, 258). A
carta ao Doge que acompanhava o telescópio que doou ao
Senado, e que é o primeiro documento em que descreve o ins-
trumento, refere "un nuovo artifizio di un occhiale cavato dalle
piu recondite speculazioni di prospettiva, il quale conduce
gl' oggetti visibili cosi vicini ali' occhio, et COSI grandi et distinti
gli rappresenta, che quello che e distante, verbi grazia, nove
miglia, ci apparisce come se fusse lontano un miglio solo"
(Opere, X, 250-251). Galileu explica de seguida as vantagens
militares que resultam do instrumento, sublinhando que "per
ogni negozio et impresa marittima o terrestre puo essere di gio-
vamento inestimabile".
O resultado desta iniciativa foi muito positivo. Convenci-
dos das grandes vantagens da luneta, as autoridades venezianas
recompensaram os esforços de Galileu com a garantia de que o
seu contrato na universidade de Pádua seria renovado até ao
final da vida e que o seu salário seria aumentado para 1000
florins por ano (Opere, X, 254; XIX, 115-117, 501). Mas, ou
porque esta oferta continha algumas condições que lhe desa-
gradavam, ou porque tinha alimentado expectativas ainda mais
elevadas, Galileu recebeu estas notícias com decepção. 43
tia per scoprire ín mare vele e vasselli tanto lontaní, che venendo a mtte
vele verso ii porto, passavano 2 hore e piu di tempo avanti che, senza il
mio occhiale, potessero essere veduti" (Opere, X, 253).
43 (Opere, XIX, 116-117). Curiosamente, Galileu nunca referiria
Sarpí como sua fonte de informação, nem como elemento central nos
seus contactos com o Senado de Veneza, e é possível que este tivesse
ficado magoado com a omissão. Tudo leva a crer que as relações entre os
dois homens se tivessem esfriado nesse período, muito possivelmente por
questões de prioridade e por Sarpí achar que os seus contributos não
haviam tido o reconhecimento devido por parte de Galileu. Embora a 16
de Março de 1610 (isto é, 3 dias após a publicação do Siderem Nuncius),
Sarpi fale sobre o telescópio (Opere, X, 290), não diz nada sobre o livro
e, surpreendentemente, a 27 de Abril de 1610, numa altura em que em
Veneza não se falava de outra coisa. numa carta a Jacques Leschassier, diz
que ainda não leu o livro de Galileu. Vide PAOLO SARPI, Lettere ai Gal/i-
43
o que Galileu fez em seguida iria mudar o curso da his-
tória da ciência. Consciente de que outros facilmente fariam
telescópios de qualidade comparável às dos que então dispu-
nha, concentrou-se em melhorar apreciavelmente a qualidade
dos seus instrumentos. Em Novembro de 1609, tinha conse-
guido um telescópio com ampliação da ordem das vinte vezes
e, no início de 1610, dispunha já de telescópios com amplia-
ção de trinta vezes, que no Sidereus Nuncius classifica de "exce-
lentes" e que diz ter construído sem olhar a canseiras nem des-
pesas. 44 Com melhores instrumenros, Galileu começou a
observar os céus.
Quais seriam as características ópticas dos primeiros teles-
cópios galileanos, em particular daqueles que usou para fazer as
observações relatadas no SidereusNuncius? Não há qualquer
44
dúvida que, por parâmetros actuais, se podem considerar ins-
trumentos muito deficientes, o que, aliás, só põe em relevo a
excepcional capacidade e a determinação do sábio pisano. 45
O telescópio com que Galileu fez as observações do Side-
reus Nuncius é um tubo com duas lentes nos extremos: uma
ocular plano-côncava com uma distância foc~l de cerca de
cinco centímetros, e uma objectiva plano-convexa com distân-
cia focal de aproximadamente 70 a 100 cm. Tratava-se de
lunetas com aberturas de aproximadamente 40 mm e amplia-
ções ligeiramente superiores a 20 vezes. O campo visual anda-
ria pelos 12-15 minutos e a resolução pelos 1,25 minutos de
arco. A estes parâmetros muito modestos haveria que somar a
má qualidade do vidro, com muitas bolhas, ainda longe de ser
incolor, e os graves efeitos de aberração cromática e aberração
esférica. Galileu aprendeu a minimizar os problemas de aber-
ração esférica colocando um diafragma, isto é, um ecrã diante
da objectiva, reduzindo as aberturas para cerca de 15-20 mm,
utilizando apenas a região em torno do eixo das lentes (Opere,
X, 485, SOl). A primeiro menção de Galileu ao uso de dia-
fragmas encontra-se numa carta de 7 de Janeiro de 1610, onde
explica que a objectiva convexa deve ser parcialmente tapada,
45
com o que as imagens ficam muito mais nítidas. 46 Dois dos
telescópios de Galileu que sobreviveram até aos nossos dias
mostram, de facto, o emprego de um diafragma de cartão para
tapar parte da objectivaY O melhoramento gerado pela aplíca-
ção do diafragma deve atribuir-se a Galileu já que os telescó-
pios holandeses originais não o tinham e não há notícia de que
antes de Galileu alguém os tivesse usado. 48 Segundo o próprio
46 "E bene che ii vetro colmo, che e ii lontano dalI' occhio, sia in
parte coperto, et che ii pertuso che si laseia aperto sia di figura ovale,
perche cosl si vedranno li oggetti assai piu distintamente" (Opere, X,
278). Esta carta de 7 de Janeiro de 1610 (Opere, X, 273-278), que tere-
mos oportunidade de citar algumas vezes, é de grande importância na
história da composição do Sidereus Nuncius já que se trata do primeiro
relato de observações astronómicas feitas por Galileu e corresponde efec-
tivamente a um primeiro esboço do que viria depois a ser o livro. Foi
enviada a um destinatário não identificado, mas Favaro argumentou que
se tratava de Antonio de' Mediei, um personagem importante na corte
toscana. Apesar de Drake ter questionado esta atribuição, sugerindo que
o destinatário seria Enea Piccolomini [STILLMAN DRAKE, «Galileo's first
telescopic observations», Journal for the History o[ Astronomy, 7 (1976)
153-168J, a sugestão de Favaro tem sido aceite por quase todos os histo-
riadores. O efeito e a função do diafragma não foram imediatamente
compreendidos por toda a gente. Em Dezembro de 1610, Cristóvão Clá-
vio perguntava a Galileu qual a utilidade de tapar parcialmente as objec-
tivas (Opere, X, 485).
47 ALBERT VAN HELDEN, Catalogue o[ Early Telescopes (Firenze:
Giunti, 1999), pp. 30-33. Num dos telescópios a objectiva tem uma
abertura de 37mm mas o diafragma reduz a uma abertura de 15mm; no
outro, a abertura da lente de 51 mm está reduzida a 26 mm pelo dia-
fragama. Os testes modernos confirmam que realmente o uso de dia-
fragma melhora substancialmente a qualidade das imagens fornecidas
pelo telescópio. Vid. VICENZO GRECO, GIUSEPPE MOLESINI, FRANCO
QUERCIOU, «Optical tests of Galileo's lenses», Nature, 358 (1992) 101;
YAAKOV ZIK, «Galileo and the telescope: The status of theoretical and
practical knowledge and techniques of measurement and experimentation
in the development of the instrument», Nuncius, 14 (1999) 31-67; YAA-
KOV ZIK, «Galileo and optical aberrations», Nuncius, 17 (2002) 455-465.
48 Sven Dupré argumentou que Galileu introduziu diafragmas nos
seus telescópios em consequência dos seus estudos sobre a natureza da
46
Galileu, o emprego do diafragma resultava em melhores ima-
gens, por duas razões: por um lado, porque era sempre conve-
niente polir lentes grandes, pois assim se atenuavam os efeitos
devidos às irregularidades nos bordos, uma conhecida causa de
imperfeições, e, por outro, porque embora as lentes maiores
proporcionassem maiores campos de visão, davam origem' tam-
bém a imagens mais nebuladas (Opere, X, 501-502).
A combinação de uma objectiva convergente com uma
ocular divergente (aquilo a que depois se chamou a configura-
ção "galileana", por oposição a outras, como, por exemplo, a
"keplerianà', em que a ocular é uma lente convexa, conver-
gente) dá origem a uma imagem direita. Neste tipo de telescó-
pios, a ocular possui uma distância focal reduzida, f, e a objec-
tiva a distância F. A objectiva produz uma imagem real
invertida e a ocular uma imagem final, que é virtual e direita.
No chamado "ajustamento normal", o objecto e a imagem
estão situados no inflnito e os focos das duas lentes coincidem,
sendo então a separação entre as duas lentes dada por L = F +f
(sendo f negativo, de acordo com as convenções). A ampliação
angular (m) para ajustamento normal será dada, para os ângu-
los pequenos que interessam, pela razão -FIf, isto é, pelo quo-
ciente das distâncias focais da duas lentes.
A questão histórica de interesse prende-se em saber o que
é que Galileu compreendia de tudo isto e de que maneira foi
capaz de ir melhorando progressivamente os seus telesc6pios,
em particular, conseguindo melhores ampliações. Alguns his-
toriadores (van Helden, por exemplo) são da opinião de que
foi apenas por tentativa e erro que Galileu percebeu que a
ampliação dependia da razão das distâncis focais das duas len-
tes, mas recentemente Sven Dupré argumentou que o asSUntO
é mais complexo, pois no final do século dezasseis não era
claro que uma lente côncava tivesse também uma distância
luz dos astros, que vinha a fazer desde o aparecimento da nova de 1604.
Vid. SVEN DUPRl!, «Galileo's telescope and celestial light», Journal for the
History o/ Astronomy, 34 (2003) 369-399.
47
foca1. 49 Segundo este investigador, Galileu baseou-se na óptica
do seu tempo, cujos princípios levavam a considerar que a
ampliação do telescópio estaria relacionada com o diâmetro da
lente convexa; mas embora Galileu continuasse a pensar que a
ampliação estava apenas relacionada com a lente convexa
(objectiva), percebeu que não tinha que ver com o seu diâme-
tro, mas sim com a sua distância focal,5°
A descrição, muito sumária, apresentada no Sidereus Nun-
cius, não menciona a possibilidade de focagem e seguramente
muitos dos primeiros leitores não consideraram esse problema e
a sua possível solução. Todavia, algumas das primeiras lunetas
que circularam em Itália já tinham essa capacidade e numa
carta de 28 de Agosto de 1609, de Giovanni Battista della
Porta ao príncipe Cesi, mostra-se uma luneta cujo compri-
mento pode ser variado, permitindo a focagem (Opere, X,
252). Galileu fala explicitamente do assunto na carta de 7 de
JaneÍro de 1610 a Antonio de' Medici, explicando que "e bene
che ii cannone si possa alungare e scociare un poco, cioe 3 o
GALLUZZI (ed.), Novità Cclesti e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbera,
1984), pp. 149-158; SVEN DUPRÉ, «Ausonids mirrors and Galileo's len-
ses: The telescope and sixteenth century practical optical knowledge»,
Galilaeana. Journal of Galilean Studies, 2 (2005) 145-180.
50 No 11 Saggiatore (1623) explicou que a ampliação é função do
ângulo visual subtendido pelo olho: "ii telescopia ingrandisce gli ogetti
cal portargli Sono maggior angola" (Opere, VI, 254). O ponto é subtil e
deve registar-se que nem Kepler compreendia que a ampliação é dada
pela razão entre as distâncias focais, pensando que o efeito era devido
apenas à lente convexa. Esta noção dominará a compreensão do efeito
telescópico ao longo de todo o século XVII, durante o qual o aumento da
ampliação dos telescópios foi feito a partir do uso de lentes convexas
com distâncias focais cada vez maiores. Vide Á"ITONI MALET, «Kepler
and the Tdescope», Annals of Science, 60 (2003) 107-136; ALBERT VAN
HELDEN, «The tdescope in the seventeenth century», Isis, 65 (1974) 38-
58; ALBERT VAN HELDEN, "The Astronomical Tdescope, 1611-1650»,
Annali de1l7stituto e Museo di Storia della Scienza, 1 (1976) 13-35.
48
4 dita in circa" e que se lhe deve antepor um diafragma
(Opere, X, 278).
Galileu praticamente nada disse acerca da teoria que
explica o funcionamento do instrumento, apesar de prometer
uma explicação no Sidereus Nuncius. Embora tivesse reclamado
em vários locais que chegara à concepção do telescópio devido
a "recondite speculazioni di prospettiva", isto é, às suas análises
dos princípios teóricos da ciência da perspectiva, a verdade é
que parece nunca ter dominado os princípios ópticos subjacen-
tes ao funcionamento do instrumento. 51 Em particular, é óbvio
que não entendeu a Dioptrice (1611) de Kepler, e numa con-
versa ocorrida nos meses finais de 1614, com um francês que
o visitava (Jean Tarde), queixou-se de que o livro de Kepler era
"si obscur qu'il semble que l'autheur mesme ne s'est pas
entendu"52 - uma apreciação que só pode classificar-se como
muito injusta e como mais um exemplo do surpreendente des-
prezo a que votou o matemático alemão. A 13 de Setembro de
1616, um seu correspondente, Malatesta Porta, escrevia-lhe
recordando a promessa feita,53 mas nem nesta ocasião, nem nos
anos seguintes, Galileu colmatou esta lacuna, limitando-se a
dar indicações muitO vagas no II Saggiatore (Roma, 1623)
(Opere, VI, 259) e em alguma correspondência dispersa.
49
A insistência no reduzidissimo domínio de óptica teórica
por Galileu tem sido um topos da literatura especializada, san-
cionada por autoridades como Vasco Ronchi, Olaf Pedersen,
David Lindberg, entre muitos outros. Recentemente, contudo,
Sven Dupré tem mostrado como Galileu conseguiu ter uma
compreensão do funcionamento do telescópio baseando-se nos
conhecimentos disponíveis junto dos praticantes da matemática
do século XVI, muito em especial como a Theorica specu/i con-
cavi sphaerici de Ettore Ausonio, que Galileu conhecia bem e
copiou entre 1592 e 1601, foi importante para as suas ideias
sobre o funcionamento do telescópio. 54
Como é evidente, é também possível que Galileu soubesse
muito mais do que explicou, e que tivesse mantido a máxima.
discrição sobre os princípios ópticos relevantes para o funcio-
namento do telescópio pelo desejo de os manter secretos. 55
Se não esclareceu quase nada acerca dos princípios teóri-
cos, Galileu, tal camo os seus contemporâneos, também não
divulgou quase nenhumas indicações concretas sobre os méto-
dos práticos pelos quais construiu o telescópio, a tal ponto que
há muitas interrogações sobre o modo como, na prática, se
levava a cabo este procedimento. 56 Só em 1618 surgiria o livro
50
de Geronimo Sirtori, Telescopium: Siue ars perficiendi novum
illud Galilaei visorium instrumentum ad sidera, com informação
detalhada sobre as técnicas para polir lentes adequadas e cons-
truir telescópios. (Curiosamente, como explicaremos adiante
mais detidamente, neste assunto são importantes as notas de
construção de telescópio de um professor do colégio jesuíta de
Santo Antão em Lisboa.) A documentação também não per-
mite clarificar totalmente se, nos primeiros tempos, Galileu
recorria a artesãos para o ajudarem na construção dos telescó-
pios, embora se saiba que, em anos posteriores, vários artesãos
trabalharam para ele construindo telescópios e que pelo menos
um deles, Ippolito Francini, teve alguma mmaY
A despeito das suas limitações, os telescópios construídos
por Galileu foram, durante alguns anos, os melhores telescó-
pios do mundo. Foram, por isso, solicitados por muitas pes-
soas, e o próprio Galileu tomou a iniciativa de os enviar a
muitos, tendo para isso transformado a sua casa numa verda-
deira oficina de produção de instrumentos ópticos. 58
51
A documentação da época permite verificar como era difí-
cil realizar observações com os deficientes instrumentos da
altura. Escrevendo a um correspondente, Galileu transmitiu
informações preciosas acerca do uso do instrumento na prática:
sono molto rari, et io, tra piu di 60 fatti com grande spesa et fatica, non
ne ho potuti elegger se non piccolissimo numero" (Opere. X, 301). No
rascunho dessa carta escrevera que só dez em mais de cem eram aceitá-
veis (Opere, X, 298), mas mesmo que estes números contenham algum
exagero é indubitável a dificuldade em produzir telescópios capazes.
52
res pois, depois de polidas, só pouquíssimas eram aprovadas
para serem aplicadas em telescópios. 60
O próprio Galileu teve, por vezes, dificuldades em mos-
trar os novos corpos celestes. Em Abril de 1610, deslocou-se a
Bolonha com o intuito de pessoalmente mostrar estas novida-
des ao famoso astrónomo Giovanni Antonio Magini (1555-
-1617), num episódio que redundou num clamoroso fracasso,
tendo Galileu de retirar-se mais cedo, humilhado. 61 E noutras
ocasiões (por exemplo, na corte dos Mediei), recomendou enfa-
ticamente que não tentassem ver as luas de Júpiter sem ele
estar presente para ajudar (Opere, X, 289).
E as dificuldades práticas não eram tudo. O telescópio
introduzia ainda um conjunto de problemas novos, com os
quais Galileu iria ter de se confrontar ao longo da vida. Como
justificar que as observações telescópicas não eram meras ilusões
ópticas quando imediatamente se verificou que as lunetas tam-
bém geravam, com facilidade, ilusões ópticas? Como aceitar os
resultados - muitas vezes perturbadores - de um instru-
mento cujo funcionamento não se compreendia nem se sabia
explicar? E uma vez que muitas observações telescópicas não se
limitavam simplesmente a melhorar as observações feitas à vista
simpática de Martin Horky, não oferece dúvida o desastre que esta ten-
tativa de mostrar os novos planetas a Magini supôs para Galileu. Numa
carta para Kepler, de 27 de Abril de 1610, Horky relata os acontecimen-
tos que presenciou, dizendo que embora todos tivessem reconhecido que
o telescópio funcionava como Galileu dizia para as observações terrestres,
isso já não era verdade para as observações astronómicas. Al, concorda-
vam todos os presentes nas sessões em casa de Magini, o telescópio ilu-
dia. Galileu foi incapaz de proporcionar observações incontroversas e,
ficando muito calado, saiu rapidamente (Opere, X, 343).
53
desarmada, mas entravam em conflito directo com essas, como
explicar as discrepâncias? No fundo, como foi possível a Galileu
tornar aceites e credíveis as suas descobertas com o telescópio?62
As estratégias desenvolvidas por Galileu - confirmações
alternativas, testemunhas, representações visuais convincentes,
insistência na superioridade dos própios telescópios, etc. -
revelar-se-iam de imenso sucesso. Como fez notar o historiador
Albert van Helden, o que é realmente surpreendente não é que
tenham surgido dúvidas e hesitações, mas, pelo contrário, que
tantos tivessem ficado convencidos das descobertas de Galileu
em tão pouco tempo, quando se pensa nas dificuldades das
observações, na sua fraca qualidade e na oposição generalizada
ao copernicianismo. 63
54
satélites de Júpiter - introduzidos por umas breves pagmas
acerca do telescópio, e separados por uma digressão, também
de poucas páginas, sobre as estrelas fIxas.
A superfície da Lua
55
Lua, com um primeiro desenho feito em Julho de 1609. Har-
riot, contudo, parece nunca ter tido mais do que um interesse
estritamente cartográfico, representando o que pensava serem
os continentes, mares e litorais da Lua. E, na verdade, mesmo
depois de ter lido o Sidereus Nuncius, fez desenhos da super-
fície lunar com algum detalhe, mas muito inferiores aos de
Galileu. 65 De facto, o italiano empreendeu estes estudos com
uma determinação e uma genialidade sem igual, possuindo, na
altura, uma luneta com uma ampliação e uma resolução muito
melhor do que as de Harriot.
56
A natureza da Lua e, em particular, da sua superfície, fora
sempre objecto de discussões e debates desde a Antiguidade, ao
longo de toda a Idade Média até às vésperas do surgimento do
telescópio. As manchas da Lua são bem visíveis a olho nu e
levaram a que praticamente todos os povos as tenham tentado
interpretar. Já no Neolítico se havia discutido essas manchas.
Uma ideia que circulava desde a antiguidade, inicialmente pro-
posta por Clearco, era a de que essas manchas se deviam ao
reflexo da superfície da Terra. Anaxágoras havia já declarado
que a Lua era feita como a Terra, com planícies e ravinas e
vários outros, como Heraclides e Platã.o (pela boca de Sócrates,
no Pédon) , haviam argumentado que a Lua era como uma
outra Terra. 66
Acima de tudo, havia Plutarco, que dedicara uma obra
importante e muito divulgada ao assunto, De fade quae in orbe
lunae apparet [Sobre a face que se vê no disco lunar], onde afir-
mava que a Lua é como a Terra, com montanhas e vales, e
onde discutia muitos outros temas relacionados, como as man-
chas lunares, a explicação da origem e natureza da luz que
irradia da Lua, a matéria de que a Lua é feita, os eclipses, a
possibilidade de a Lua ser habitada, etc.67 Estas discussões pro-
57
longaram-se por toda a Idade Média e Renascimento, influen-
ciando pensadores e artistas. Era corrente a explicação, de ori-
gem averroista, segundo a qual a Lua recebia a luz do Sol dife-
rentemente, em função da sua densidade, o que explicaria a
existência das diferentes tonalidades, isto é, das manchas na sua
superfície. 68 Mesmo nas vésperas das descobertas galilelanas,
estes assuntos eram discutidos em alguns dos texto mais
influentes, como, por exemplo, no comentário ao De caelo
(1593) do Curso conímbríceme e, sobretudo, por Kepler, na sua
Optica (1604).69 Kepler não se limitou a citar Plutarco abun-
in the context of medieval lunar theory», Studies in the History and Phi-
losophy o/ Science, 15 (1984) 213-226. De notar também que as repre-
sentações artísticas captaram a irregularidade da superfície da Lua muito
antes do aparecimento do telescópio. Por exemplo, as representações
naturalistas da Lua pelo pintor flamengo Jan Van Eyck (1385?-1441),
feitas entre 1420 e 1437 (vide S. L. MONTGOMERY, «The fim natura-
listic drawing of the Moam>, Journal for the History o/ Astronomy,
25 (1994) 317-320) ou os desenhos feitos por Leonardo da Vinci entre
1505-1514 (vide G. REAVES and C PEDRETTI, "Leonardo da Vinci's
drawings of the surface features of the Moon», Journal for the History
o/ Astronomy, 18 (1987) 55-58), estão longe de representar um astro com
atributos de perfeição celeste.
69 Commentarii Collegii Conimbricemis Societatis Iesu in Quatuor
58
dantemente, subscrevendo a sua tese central acerca de uma
equivalência essencial entre a Lua e Terra, mas, mais impor-
tante, introduziu uma noção muito inovadora ao afirmar que a
aceitação dessas ideias acerca da natureza da Lua era o primeiro
passo na aceitação do copernicianismoJo Aliás, Kepler ficaria
tão fascinado com o De focie quae in orbe lunae apparet, de
Plutarco, que, anos mais tarde, faria uma tradução completa a
partir do original grego.? 1
Galileu, contudo, certamente para acentuar a espectacula-
ridade das suas próprias observações e a importância do teles-
cópio, não deu qualquer indicação destas discussões nem da
existência de uma longa tradição' polémica acerca da natureza
da Lua, nem muito menos da posição de Kepler acerca deste
assunto. Limitou-se, numa frase breve, a mencionar a "opinião
59
pitagórica de que a Lua é uma outra Terrà'.· O aparecimento
do telescópio permitia a Galileu fazer uma ousada manobra
retórica, impondo um verdadeiro corte na longa tradição dos
estudos sobre a Lua. Ao ignorar todos os textos e as ricas dis-
cussões do passado, Galileu indicava implicitamente que o
telescópio inaugurava uma nova era. Não se sentia, assim, na
necessidade de dialogar com as opiniões do passado que
haviam ficado ultrapassadas - mas não necessariamente reba-
tidas - com o advento da luneta.
Nem todos ficaram convencidos com esta manobra.
Quando começaram a ser divulgadas as observações galileanas
da superfície da Lua, alguns contemporâneos acharam que o
que se estava a divulgar como novo era assunto antigo e bem
sabido. 72 E tinham bastante razão pois até o próprio Galileu já
era da opinião de que a Lua era como a Terra, com montanhas
e vales, alguns anos antes de a ver com o telescópio. Em 1606,
na sequência das discussões provocadas pelo aparecimento da
nova estrela de 1604, publicara, sob o pseudónimo de Alim-
berto Mauri, uma obra intitulada Considerazioni { . .} intorno
alia stella apparita 1604, onde defendia já esta ideia.73 No
entanto, como rapidamente se constataria, uma coisa é discutir
com base em textos, argumentos, e autoridades. Outra coisa,
muito diferente, é ver, sobretudo quando o "ver" era guiado
pela pena e pela mente de um homem genial.
60
Entre 30 de Novembro e 18 de Dezembro, Galileu obser-
vou a Lua em diversas fases, fazendo cuidadosos desenhos do
que via. Para além das gravuras que estão no Sidereus Nuncius,
conhecem-se alguns outros desenhos e aguarelas da Lua tam-
bém feitos por ele.74 Muito recentemente foi localizado um
exemplar do Sidereus Nuncius, absolutamente idêntico aos da
primeira edição, mas que, em lugar das gravuras, apresenta
aguarelas que tudo leva a crer foram feitas pelo próprio Gali-
leu.l5 As gravuras da edição original do Sidereus Nuncius são de
boa qualidade, mas nas edições seguintes decaíram muito de
nível.
61
o estudo da superfície lunar por Galileu é antes de mais
nada um monumento à sua capacidade de observação e ao seu
talento gráfico. Fica bem patente a sua grande capacidade artís-
tica, mas fica ainda mais explícita a sua compreensão da
importância das representações visuais como elementos persua-
sivos de imenso poder,76 No Sidereus Nuncius Galileu apresenta
cinco gravuras da Lua na verdade apenas quatro são distin-
tas pois há uma repetição em diferentes fases, procurando,
muito mais do que uma cartografia precisa da Lua, fazer uma
descrição visual dos diferentes tipos de acidentes e relevos da
superfície lunar e a sua semelhança com os correspondentes
terrestres.
Algumas destas observações haviam sido dadas a conhecer
na carta de 7 de Janeiro de 1610 que enviou a Antonio de'
Mediei e, na verdade, quando semanas depois preparou o Side-
reus Nuncius usou muito do texto que escrevera nessa missiva.
deixadas por Galileu, mas seria insensato não chamar a atenção do leitor
para a descoberta das novas aguarelas, uma das maiores novidades nos
estudos galileanos nos últimos anos, comunicada pela Universidade de
Pádua a 28 de Março de 2007 e analisada por William R. Shea a Horst
Bredekamp. Vide GIOVANNI CAP RARA, "E Galileo dipinse ii volto della
Luna», Corriere della Sera, 27 Março 2007, pp. 15-18; RICHARD OWEN,
«The Galil.eo sketches that turned the universe on its head», The Times,
28 Março 2007, pp. 6-7; M. BECKER, «Galileis erste Mond-Bilder ent-
deckt», Spiegel 30 Março 2007; JEFF ISRAELY, «Galileo's Moon View» ,
Time, 16 Agosto 2007.
76 Acerca deste tema, a literatura recente tem sido adicionada com
62
Ao redigir o Siderem Nuncius, Galileu percebeu que necessitava
de criar uma nova linguagem visual para acompanhar a descri-
ção de factos tão surpreendentes. As gravuras que preparou não
têm a pretensão de cartografar a superfície lunar e, quando
comparadas com imagens reais da Lua, imediatamente se reco-
nhece que estão muito longe de serem representações fiéis. Pelo
menos desde meados do século XVII que vários astrónomos
fizeram notar que, consideradas como descrições cartográficas
da Lua, as gravuras do Sidereus Nuncim são muito deficientes?7
Mas a representação exacta dos detalhes lunares nunca foi a
intenção de Galileu. As gravuras que apresenta são peças
visuais de um argumento. Aliás, a comparação das aguarelas
que primeiramente desenhou, enquanto observava com o teles-
cópio, com as gravuras depois publicadas, mostra que as pri-
meiras são muito mais fiéis à realidade e que Galileu intencio-
nalmente deformou e exagerou muitos aspectos do que vira,
. para construir e ilustrar os seus argumentos. As imagens apre-
sentadas são o ponto de partida e apoio visual de um argu-
mento que Galileu monta acerca das zonas claras e escuras da
Lua, do modo como essas zonas de claridade e escuridão vão
variando com a passagem do tempo, e do que se pode deduzir
dessas mutações.
A análise de Galileu é verdadeiramente excepcional, sendo
toda baseada na observação de pontos luminosos e escuros e
manchas mais ou menos brilhantes na superfície da Lua, na
sua distribuição espacial e sua variação com o decorrer do
tempo. O telescópio não lhe mostrou directamente o perfil de
63
montanhas lunares, nem nunca Galileu reclamou tal coisa. Pelo
contrário, como explicou numa carta ao matemático jesuíta
Christoph Grienberger, a conclusão de que a Lua tem monta-
nhas não é obtida pelos sentidos directamente, mas sim pela
"conjunção do discurso com as observações e aparências" 78. A
existência de montanhas e vales, cordilheiras e depressões é,
pois, uma dedução a partir das propriedades do brilho da
superfície da Lua, uma dedução com que nem todos concor-
dariam.
Observando com o telescópio e interpretando os resulta-
dos foi possível concluir que a Lua tem zonas de planície,
montanhas e vales. Esta natureza irregular e montanhosa da
Lua é especialmente evidente examinando o terminador, isto é,
a linha que separa a região escura da região iluminada. Com-
preendendo que alguns pontos brilhantes, na zona obscurecida
da Lua, seriam os cumes de montanhas lunares iluminados
pelo $pl, Galileu foi ainda capaz de fornecer estimativas para a
altura das montanhas da Lua, com um argumento geométrico
simples mas muito engenhoso.79 Explicou ainda porque é que
textos que tratam deste assunto. Para uma discussão mais pormenorizada,
ver: FLORIAN CAJORI, «History of determination of the heights of moun-
tains», !sis, 12 (1929) 482-514; C. W. ADAMS, <<A note on Galileo's
determination of the height of lunar mountains», Isi!, 17 (1932) 427-
-429. É importante ter presente que no início do século XVII são ainda
extremamente grosseiras as estimativas das alturas das próprias montanhas
da Terra. Este cálculo parece ter sido uma das últimas secções a ser
incluída no livro, quando algumas outras partes já se encontravam
impressas e para o fazer usou alguns dos desenhos que tinha feito. Vide
OWEN GINGERICH and ALBERT VAN HELDEN, «From Occhiale to Printed
Page: The Making of Galileo's Sidercus Nuncius», Journal for the History
o[ Astronomy, 34 (2003) 251-267.
64
essas montanhas não tornavam de aspecto rugoso o perfil exte-
rior do disco lunar, como uma consequência da sobreposição
visual de muitas cordilheiras lunares ou devido ao efeito óptico
dos vapores atmosféricos da Lua, o que explicou detalhada-
mente com um diagrama (Galileu abandonaria mais tarde, só
depois da publicação do Sidereus Nuncius, a ideia de qualquer
fenómeno atmosférico na Lua).
A importância que ele atribuía às gravuras da Lua é
evidente pois quando pensou em fazer uma nova edição do
Sidereus Nuncius, uma das suas intenções era melhorar essas
representações, incluindo uma série completa de imagens da
superfície da Lua para toda uma lunação (Opere, X, 300).
Um dos pontos centrais em toda a discussão acerca da
Lua tem que ver com o fenómeno da chamada Lua cinzenta,
ou Lua cendrada, a que Galileu chamará "luz secundária" da
Lua, isto é, a ténue luminosidade que se pode observar na
parte obscura da Lua quando está na fase crescente. A inter-
pretação mais tradicional desta iluminação subtil atribuía-a à
luz solar, baseando-se na ideia de que o globo lunar era par-
cialmente translúcido e que, quando era exposto à luz do Sol,
ficava impregnado dessa iluminação. Galileu discutiu o fenó-
meno com atenção e mostrou tratar-se de luz que atinge a Lua
depois de ter sido reflectida pela Terra (tal como a Lua ilumina
a Terra com luz reflectida do Sol, também a Terra ilumina a
Lua com luz reflectida). Diz que já discutira e explicara este
assunto alguns anos antes, mas não refere que nem sequer fora
o primeiro a fazê-lo. 80 É possível que não estivesse a par de
que um século antes já Leonardo da Vinci havia sugerido uma
tal explicação, num dos seus apontamentos manuscritos, mas
sabia certamente que Michael Maestlin (1550-1631), na sua
Disputatio de eclipsibus solis et /unae (Tübingen,1596), já tratara
65
do assunto, e que Kepler já dera uma explicação completa do
fenómeno na sua Optica (1604).81 Mas o que torna este
assunto de importância capital é que, para Galileu, a luz secun-
dária, revelando uma simetria entre a Lua e a Terra, servia
como uma das indicações mais convincentes a favor do esta-
tuto planetário da Terra, isto é, do copernicianismo. O assunto
permaneceria de grande importância no programa coperniciano
em que Galileu se empenhou ao longo dos anos. Mesmo já
nos seus últimos anos de vida voltaria a este assuntO a propó-
sito do livro de Fortunio Liceti, Litheosphorus, sive de lapide
Bononiensí lucem (Udine, 1640), em que o autor defendia que
a luz da Lua era devida a um fenómeno semelhante ao da
pedra de Bolonha, isto é, um fenómeno de fosforescência. 82
Todavia, como foi já argumentado convincentemente por
Roger Ariew, não pode dizer-se que as observações de Galileu
66
tivessem anulado completamente a descrição averroista. 83 Talvez
por isso, ou porque a observação da superfície lunar com um
telescópio é muito simples de fazer, estas descobertas acerca do
relevo da Lua e do seu brilho secundário foram as que suscita-
ram mais reservas e contestações. O mmoso matemático jesuíta
Cristovão Clávio [Clavius) (1538-1612), se bem que estivesse
pronto para aceitar todas as outras observações telescópicas de
Galileu, incluindo a supreendente observação de satélites de
Júpiter, nunca aceitou completamente as opiniões de Galileu
relativas à Lua.
A análise da superfície da Lua por Galileu é um feito do
mais notável brilhantismo científico. Para que seja conveniente-
mente apreciado importa ter presente que foi realizado em
condições muito desfavoráveis: os campos visuais dos telescó-
pios de que dispunha (cerca 12 a 15 minutos de arco) apenas
lhe permitiam ver cerca de um quarto da Lua cheia. Galileu
praticamente abandonou o estudo da superfície da Lua após a
redacção do Sidereus Nuncius, o que se viria a converter num
campo de intenso trabalho científico sob o nome de Seleno-
grafia. Todavia ainda fez mais uma descoberta importante, ao
observar, na década de 1630, as librações da Lua84 •
67
Toda a discussão em torno da Lua serviu a Galileu de
ocasião para introduzir, como um tema que se irá repetindo
em toda a sua obra posterior, a ideia da semelhança e da
co-familiaridade entre a Lua e a Terra e, portanto, a afirmação
de que a Terra é apenas mais um planeta. Aliás, será durante a
discussão da superfície lunar que Galileu fará a mais explícita
referência ao movimento da Terra em todo o Sidereus Nuncius.
A natureza da Lua, do seu brilho e a sua semelhança com a
Terra são extensamente tratadas no Dialogo sopra i due massimi
sistemi del mondo (Florença, 1632), constituindo uma parte
central das discussões do primeiro dia (Opere, VII, 86-131).
As estrelas fIXas
68
por reflectirem luz. 86 Com o telescópio, contudo, corrigiu essa
primeira explicação, concluindo que os planetas apenas reflec-
tem luz, e que somente as estrelas brilham com luz própria.
Mas a observação telescópica de estrelas revelaria um compor-
tamento inesperado. Galileu notou que quando as via com o
telescópio, embora elas se passassem a ver com brilhos muito
mais intensos do que a olho nu, continuavam a aparecer muito
pequenas, pontuais. Um comportamento muito diferente, por-
tanto, dos planetas, que, observados com o telescópio, revelam
uma forma bem definida de discos. A 7 de Janeiro relatava
estes factos do seguinte modo:
69
A ideia de Galileu para explicar este estranho facto con-
sistiu em argumentar que, à vista desarmada, as estrelas são
vistas sempre rodeadas de uma irradiação, uma espécie de
"cabeleirà' de raios luminosos que saem da estrela em todas as
direcções, que as faz parecer de muito maior dimensão, mas
que esta irradiação seria eliminada (como que "rapada", é a
expressão que usa) ao passar pelo telescópio. Com esta explica-
ção Galileu conseguia não somente tornar coerente o funciona-
mento do telescópio, produzindo o mesmo efeito para todos os
objectos celestes observados, mas conseguia também anular
uma importante crítica de Tycho Brahe contra o sistema de
Copérnico. 88
É interessante notar que, para explicar este assunto, Gali-
leu invocou observações não-telescópicas das estrelas. Podia
assim atacar as estimativas e os argumentos de Tycho Brahe
(que nunca tivera telescópios), ao mesmo tempo que desligava
o problema do diâmetro das estrelas da questão da fiabilidade
do instrumento. 89
O problema do brilho das estrelas ocupá-lo-ia até ao fim
da vida e serviria para introduzir uma profunda análise e crí-
tica das ideias tradicionais associadas à percepção visual. Depois
das primeiras menções no Sidereus Nuncius, voltaria ao assunto
copie observations concerning the size of the fixed stars», Isis, 69 (1978)
77-82.
70
na terceira carta sobre as manchas solares, em Istorie e dimos-
trazioni intorno alie macchie solari (1613) (Opere, V, 196-197)
no Discorso delle comete (1619), escrito em nome de Mario
Guiducci (Opere, VI, 79-85), no II Saggiatore (1623) (Opere,
VI, 354-361), onde está a discussão mais desenvolvida deste
tema, no Dialogo sopra i due massimi sistemi dei mondo (1632)
(Opere, VII, 356-365), e mesmo no Le operazioni astronomiche,
um trabalho redigido já quase no fim da vida que ficaria
incompleto (Opere, VIII, 453-464). O argumento que Galileu
foi progressivamente desenvolvendo nestes trabalhos era o de
que a vista desarmada produz ilusões ópticas que o telescópio
resolve, e que, portanto, a nossa visão directa não deve ser con-
fiada quando se trata de observações de fenómenos astro nó-
micos. 90
Observando com o telescópio duas zonas bem conhecidas
do céu - na constelação de Orionte a zona do cinturão e da
espada, e as Plêiades, na constelação do Touro - , Galileu veri-
ficou a existência de dezenas de novas estrelas fixas, invisíveis a
olho nu e por isso totalmente desconhecidas até então. 91 As
71
Plêiades são um enxame aberto (Messier 45) conhecido desde a
mais remota antiguidade. Pelo menos seis estrelas são bem visí-
veis sem instrumentos ópticos, mas em condições favoráveis
podem chegar a ser vistas 14. Estes dois exemplos eram sufi-
cientes para deixar claro o que sucederia se todos os céus
fossem examinados sistematicamente. De uma assentada, o
número de estrelas e, portanto, o gigantismo do universo,
aumentava espantosamente. Deve ainda mencionar-se que as
gravuras que Galileu apresentou não são absolutamente rigoro-
sas quanto à localização das estrelas, mas são surpreendente-
mente completas já que apresentam quase sem falhas todas as
estrelas até uma magnitude de +6.
Galileu dirigiu também o seu telescópio para duas zonas
celestes que na altura se julgavam ser nebulosas. Observou
que a "nebulosà' da cabeça de Orionte [nebuia capita Orionis,
À-Orionis] e a "nebulosà' de Presépio, no Caranguejo, que no
catálogo de Ptolomeu são descritas como nebulosas, e sempre
assim haviam sido consideradas pelos astrónomos, eram, afinal,
constituídas por numerosas estrelas, muito próximas umas das
outras. Na altura em que publicou estes resultados, o consenso
em torno deste assunto começava a desaparecer, pois desde o
início do século XVII, antes mesmo do aparecimento do teles-
cópio, já vários autores haviam questionado a descrição antiga:
no famoso catálogo de Johannes Bayer (1564-1617), Uranome-
tria (Augsburg, 1603), o mais influente atlas celeste do século
XVII, a "nebulosà' da cabeça de Orionte aparece já resolvida
em três estrelas, sendo o aspecto nebular abandonado.92 Mas
72
seria Galileu, ao mostrar que essa "nebulosa" era afinal um
agregado de 21 estrelas muito próximas, quem desferiria a der-
radeira machadada na concepção antiga.
De modo semelhante, a "nebulosà' do Presépio (hoje em
dia com a designação de agregado Messier 44 [M44, NGC
2632], um enxame aberto), facilmente visível a olho nu, é
conhecida desde a mais remota antiguidade; os gregos chama-
vam-lhe Manjedoura, e Ptolomeu, no seu famoso Catálogo,
inclui-a também entre as sete nebulosas listadas no Almagesto. 93
Sem lentes não se conseguem distinguir as estrelas, vendo-se
apenas uma mancha difusa, mas Galileu, com o telescópio,
resolveu-a num aglomerado de 38 estrelas.
Estas observações telescópicas pareciam resolver definitiva-
mente a questão da verdadeira natureza das zonas nebulosas do
céu, e, baseado neste esclarecimento, Galileu explicava que era
exactamente o que também se observava na Via Láctea, sobre
73
cuja verdadeira natureza leitosa sempre houvera grandes contro-
vérsias. 94
As observações .de agregados estelares descritas no Sidereus
Nuncíus cóntêm, como já foi notado há muito, uma curiosa
ausência que é o facto de Galileu não fazer qualquer menção à
famosa Nebulosa de Orionte (M42), um objecto estelar cujo
aspecto nebular é facilmente visto a olho nu, e que surge
espectacular mesmo quando visto com telescópios muito
modestos. Tendo Galileu prescrutado com atenção toda a cons-
telação de Orionte, é difícil compreender como lhe possa ter
escapado este corpo celeste. 95 Para mais, a nebulosa de Orionte
seria descoberta poucos meses depois, no final de 1610, por
Nicholas-Claude Fabri de Peiresc (1580-1637), e seria dese-
nhada pela primeira vez em 1653, pelo astrónomo siciliano
Giovanni Battista Hodierna (1597-1660).96
74
É também interessante notar o que não estd dito no Side-
reus Nuncius relativamente às estrelas fixas, isto é, qualquer
menção do uso do telescópio para tentar observar a paralaxe
anual dessas estrelas. 97 Galileu tinha perfeitamente presente
75
a importância da observação de paralaxe estelar, o que seria
uma confirmação indiscutível do movimento anual da Terra e,
portanto, do copernicianismo. Na sua correspondência com
Kepler, depois de, em Agosto de 1597, lhe confidenciar que
era copernicano "há já muitos anos", o matemático alemão res-
pondeu, a 13 de Outubro de 1597, instando-o a medir a para-
laxe estelar (Opere, X, 68-71). Quando, a partir de finais de
1609, conseguiu ter telescópios adequados, seria naturalíssimo
que tivesse tentado fazer essas medições cruciais. Aliás, alguns
contemporâneos julgaram, em Julho de 1610, que a comoção
em torno do Sidereus Nuncius se devia ao facto de Galileu ter
medido a paralaxe estelar, provando assim a veracidade da teo-
ria heliocêntrica (Opere, Xl, 133-136). Todavia, não o fez, nem
deu notícia de o ter tentado nos meses que antecederam a
publicação do Sidereus Nuncius, sendo o livro completamente
omisso quanto a esta medição crucial.
Os desenvolvimentos principais relativamente a este
assunto ocorreriam já após a publicação do livro. 98 Em 23 de
Julho de 1611, um correspondente, Giovanni Lodovico Ram-
poni, escrevia a Galileu explicando um método engenhoso para
medir a paralaxe a partir da observação de estrelas muito pró-
ximas (Opere, Xl, 159-162). Nos anos seguintes, sobretudo em
companhia do seu discípulo e amigo Benedetto Castelli (I 578-
-1643), Galileu envolveu-se em várias tentativas para medir a
paralaxe. Estava persuadido de que o valor do ângulo de para-
laxe, se bem que diminuto, estava ao alcance dos seus melho-
res telescópios, mas acabou por constatar que isso não era pos-
síveL No Dialogo sopra i due massimi sistemi deI mondo (1632),
76
pela boca de Salviati, Galileu discutiu longamente a importân-
cia da paralaxe anual e o facto de se tratar de um teste crucial
para o copernicianismo. No entanto, apesar de explicar como
se deveria levar a cabo essa observação (segundo o método pro-
posto por Ramponi, mas sem o citar), omitiu completamente o
facto de ele próprio se ter dedicado a essas medidas, o que se
pode talvez explicar pelo falhanço das suas tentativas (Opere,
VII, 399-416).
Os satélites de Júpiter
77
tinha fornecido indícios nesse sentido. lOo Galileu declarou que
essa descoberta fora uma graça especial que Deus lhe concedera
e insistiu sempre que ninguém antes dele tinha alguma vez
visto, ou sequer suspeitado da existência desses astros, e que ele
fora absolutamente o primeiro a observá-los.
Em Janeiro de 1610, Júpiter estava em condições parti-
cularmente favoráveis para ser observado. linha passado a opo-
sição, quando estava à menor distância da Terra, e era o astro
mais brilhante da noite. 101 Galileu estava seguramente interes-
sado em observar o movimento do planeta que, por esses dias,
percorria um arco de retrogradação (i.e., de Leste para Oeste).
No dia 7 de Janeiro, observou Júpiter, notando que tinha
três pequenas estrelas perto de si, duas para o lado Este e uma
para o lado Oeste. Nesse mesmo dia, escrevendo a Antonio de'
Mediei, dava a primeira notícia dessa observação curiosa:
"questa sera ho veduto Giove accompagnato da 3 stelle fisse
totalmente invisibili per la lar picciolezzà' (Opere, X, 277), e
num desenho reproduzia a observação. As estrelas encontra-
vam-se dispostas ao longo de uma linha recta paralela à eclíp-
tica, uma disposição curiosa, mas muito útil para quem queria
78
inspeccionar em detalhe o movimento de Júpiter. No dia 8,
contudo, observou que, estranhamente, a disposição dessas
pequenas estrelas era diferente. No dia 9, não pôde fazer
observações porque estava enevoado, mas no dia 10 voltou a
observar que as estrelas se dispunham num arranjo diferente de
qualquer um que tivesse visto até então. Galileu concluiu que
eram as próprias estrelas que se estavam a deslocar: um com-
portamento estranhíssimo.
No dia 13, a perplexidade aumentava, pois surgia agora
uma quarta pequena estrela que Galileu não vira anteriormente
(devido ao pequeno campo de visão das suas lunetas e ao facto
de em dias anteriores alguns dos satélites terem estado quase
sobrepostos ou demasiado próximos de Júpiter). Alguns his-
toriadores especularam que teria sido a observação de quatro
pequenas estrelas que decidira Galileu a dirigir-se aos qua-
tro Mediei. 102
Galileu não demorou muitos dias a chegar à conclusão
absolutamente surpreendente - de que se tratavam de saté-
lites de Júpiter. A 30 de Janeiro, dava conta, pela primeira vez,
desta extraordinária descoberta, numa carta a Belisario Vinta,
relatando o seu descobrimento de quatro novos planetas orbi-
tando em torno de uma "stella molto grande". Estava tão entu-
siasmado com o seu descobrimento e tão preocupado que
outra pessoa o pudesse também fazer que, prudentemente, não
especificou que a "estrela" em causa se tratava de Júpiter. 103
tou Westfall, talvez com algum cinismo: "Now Galileo was sure he had
found what he wanted, a ticket to Florence", RICHARD S. WESTFALL,
«Science and patronage: Galileo and the te/escope», !sis, 76 (1985)
11-30, na p. 19.
103 "Ma quello che eccede tutte le meraviglie, ho ritrovati quattro
79
Galileu designa sempre os novos astros que descobriu
por stel/a, pequenas estrelas (stellulae) ou planeta, mas Kepler
sugeriu um termo específico, propondo inicialmente circu/a-
tores (Opere, X, 337) e, meses depois, numa carta a Galileu
em Outubro de 1610, designando-os pela primeira vr:::z como
"satélites de Júpiter" (Jovíales satellítes) (Opere, X, 458), termo
que usou no título do relatório das suas próprias observações,
Narratío de observatís a se quatuor Iovís satellitíbus (1611). Gali-
leu, contudo, nunca usou o termo satélite, nem tão pouco
luna. 104
No Sidereus Nuncius são relatadas as observações dos saté-
lites de Júpiter feitas entre 7 de Janeiro e 2 de Março de 1610,
num rotai de 65 observações. Para dar conta deste descobri-
mento sensacional e também, sem dúvida, para eliminar possí-
veis objecções, Galileu alterou completamente os códigos de
representação habituais em astronomia, apresentando as suas
observações, dia-a-dia, numa sequência de diagramas: uma
apresentação verdadeiramente inovadora, quase cinematográfica,
em que a enorme profusão de imagens ilustrando as diferentes
posições dos satélites em torno de Júpiter, impõe-se quase dis-
pensando mais argumentos, mas simplesmente pelo peso esma-
gador da evidência visual.
Não se devem esquecer as dificuldades em observar estes
pequenos planetas com instrumentos tão deficientes como os
de que Galileu dispunha. No manuscrito original do Sidereus
Nuncius Galileu assinalava algumas destas dificuldades dizendo
que ainda não havia sido capaz de determinar os períodos des-
80
ses planetas e que ainda não havia sido capaz de os distinguir
convenientemente uns dos outros, pois não diferiam significati-
vamente em cor ou tamanho (Opere, IIIII, 46), mas depois ris-
cou este trecho que na versão impressa acabou. por ser omitido.
Galileu percebeu imediatamente não apenas a importância
científica da sua descoberta, mas também as suas potencialida-
des na muito desejada aproximação à corte dos Mediei, e,
como explicaremos mais adiante, decidiu dedicá-la a Cosme II.
A meio de Fevereiro, enquando ainda fazia observações, entrou
em contacto com Belisario Vinta, o Secretário de Estado da
corte toscana, para se informar do melhor modo de levar a
efeito esta dedicação.
Ciente da excepcionalidade destas observações e da rela-
tiva fucilidade em as fàzer, para quem possuísse um telescópio
de qualidade aceitável, Galileu foi extremamente cauteloso na
divulgação destas notícias. Nas primeiras folhas manuscritas
que deixou ao impressor havia apenas menção de grandes des-
cobertas e de novas "Cosmica Sydera", mas nenhuma revelação
de que circulavam nas vizinhanças de Júpiter e durante algu-
mas semanas a sua correspondência revela que, embora fosse
dando a saber que descobrira novos astros, nunca fala de
Júpiter.
Após a publicação do Siderem Nuncius, Galileu continuou
a estudar intensamente o movimento destes satélites, com o
objectivo de determinar os seus períodos sinódicos, num traba-
lho que é um monumento de genialidade científica, quer do
ponto de vista teórico, quer do ponto de vista da dificuldade
das observações por ele levadas a cabo. lO ) Em 1612, conseguiu
81
finalmente determinar esses períodos. Publicou imediatamente
os resultados, aproveitando para isso o facto de estar a dar aos
prelos o Discorso [. .. ] intorno alle cose che stanno in su l'acqua
(; che in quella si muovono, um livro que, no entanto, nada
tinha a ver com a questão astronómica. 106
Os historiadores concordam em geral que a descoberta
dos satélites de Júpiter, esvaziando assim a objecção que pre-
tendia negar o movimento da Terra pela impossibilidade de a
Lua a acompanhar, foi um facto decisivo na conversão de Gali-
leu a um copernicianismo explícito e militante. Para mais,
82
quando foi capaz de estabelecer os períodos, deu-se conta de
que os satélites mais interiores eram mais rápidos e os mais
exteriores mais lentos, exactamente como no sistema coperni-
ciano. No Sidereus Nuncius Galileu não desenvolveu em detalhe
todos estes argumentos, fazendo apenas notar que os planetas
mais interiores têm períodos menores do que os mais exterio-
res e usando a comparação entre Júpiter com os seus satélites e
a Terra com a Lua para refutar o sistema de Tycho Brahe (sem
o nomear). Mas mais tarde, no Dialogo sopra i due massimi sis-
temi deI mondo (1632), invocaria as suas observações destes
satélites para fundamentar o sistema coperniciano.
Galileu continuou sempre interessado nos satélites de
Júpiter, o que o levou a propor um processo de determinação
da longitude baseado no seu movimento. Tendo observado pela
primeira vez, em 1612, um eclipse de um satélite de Júpiter,
deu-se conta de que esses eclipses podiam servir como fenóme-
nos capazes de proporcionar uma medição absoluta do tempo
e, portanto, um dos ingredientes indispensáveis para a medição
da longitude. O princípio era exacto, mas tudo ficava depen-
dente da possibilidade de preparar tabelas de eclipses suficien-
temente precisas e de fazer observações com o rigor necessário.
A partir de 1613, Galileu tentou convencer o governo de Espa-
nha da aplicabilidade do método, mas sem grande sucesso. No
final da sua vida, retomou estas tentativas, mas agora com o
governo dos Países Baixos. IO?
83
No ano de 1614, Simon Mayr [Marius] (1570-1624)
publicava em Nuremberga uma obra intitulada Mundus Iovialis
anno MDC.IX Detectus Ope Perspicilli Belgici onde reclamava
ter observado os satélites de Júpiter desde finais de Novembro
de 1609, começando a registar sistematicamente as suas posi-
ções a partir de 29 de Dezembro de 1609. Galileu publicou
uma refutação devastadora no II Saggiatore (1623), mas hoje
em dia é muito difíCil apurar quem tinha razão. lOS Num
aspecto, contudo, Marius saiu vencedor, pois a designação
«estrelas de Mediei» foi rapidamente abandonada, em favor da
designação de inspiração clássica de lo, Europa, Ganimede,
Calisto que Marius propusera no Mundus Iovialis.
84
A escrita do Sidereus Nuncius e a ligação aos Mediei
que se encontra in: (Operr, II, 363-424). Veja-se a edição inglesa, com
um importante estudo: GALlLEO GALlLEI, Operations of the Geometric and
Militar} Compass, translated, with an introduction by STILLMAN DRAKE
(Washington: Smithsonian InstitutÍon Press, 1978).
85
adiantado, quase pronto. lIO No dia 30 de Janeiro, Galileu
encontrava-se em Veneza para tratar já da impressão da obra,
escrevendo então a Belisario Vinta:
86
aproximação à corte do Grão-Ducado da Toscana. lI2 A ligação
de Galileu à família Mediei tinha já alguns anos; fora tutor de
matemática do jovem Cosme, tendo passado várias temporadas
na corte toscana: quase todo o Verão de 1605 (Opere, X, 144-
-145), algumas semanas em Outubro de 1606 (Opere, X,
158-162), e quase todo o Verão de 1608 tOpere, X, 214-215).
Em 1606, dedicara a Cosme o seu Le Operazioni dei compasso
geometrico et militare (Padova, 1606)113 e em Setembro de
1608, aquando do casamento de Cosme e Maria Madalena de
Áustria, havia escrito à Grã-Duquesa Cristina propondo uma
nova representação heráldica. Mas, apesar de todo o empenho
colocado por Galileu, que nunca escondeu o seu desejo de
regressar a Florença, abandonando a Universidade de Pádua,
estas aproximações não tiveram qualquer efeito duradouro.
Em 1609, Cosme sucedia a seu pai, Fernando I, ascen-
dendo ao cargo de quarto Grão-Duque da Toscana, o que
abria novas possibilidades. Galileu não estava particularmente
feliz com a sua situação na Universidade de Pádua e, como
vimos, uma das primeiras coisas que fez após se ter dado conta
do potencial do telescópio havia sido a tentativa, no Verão de
1609, junto do Senado de Veneza, de melhorar as condições
contratuais que o ligavam à Universidade de Pádua. O resul-
VASOLI (ed.), Idee, istituzioni, scienza ed arti nella f:<"irenze dei Medici
(Firenze, 1980), pp. 189-215; RICHARD S. WESTI'ALL, "Science and
patronage: Galileo and the telescope», Isis, 76 (1985) 11-30; MARIO BlA-
GIOLl, «Galileo the Emblem Maken" Isis, 81 (1990) 230-258; MARIO
BlAGIOLl, «Galileo's System of Patronage», History 01 Science, 28 (1990)
1-62, e, sobretudo: MARIO BlAGIOLl, Galileo Courtier: The Practice 01
Science in the Culture 01 Absolutism (Chicago and London: The Univer-
sity of Chicago Press, 1993). [Tradução portuguesa: Galileu Cortesão. A
Prática da Ciência na Cultura do Absolutismo, trad. por Ana Sampaio
(Porto: Porro Editora, 2003)J.
113 Vide a dedicatória a Cosme, em Opere, II, 367-368, que deve
87
tado deste esforço, apesar de favorável, não havia agradado
inteiramente a Galileu, que terá certamente pensado em
melhores alternativas, possivelmente em Florença.
Mas o que alteraria completamente os acontecimentos
seria a extraordinária descoberta de satélites em torno de Júpi-
ter, no início de Janeiro de 1610 e a decisão, tomada poucos
dias depois, de escrever um livro relatando esses factos notáveis.
A 30 de Janeiro de 1610, escreveu um breve relatório das suas
descobertas, que enviou à Corte dos Mediei (Opere, X, 280-
-281), iniciando assim um processo de aproximação que culmi-
naria com a dedicatória do Sidereus Nuncius a Cosme II e o
baptismo dos satélites como "estrelas mediceias".
A 13 de Fevereiro, isto é, pouco mais de um mês depois
de ter observado pela primeira vez um dos novos corpos celes-
tes, Galileu escrevia a Belisario Vinta dando a conhecer a sua
intenção de baptizar os noyos planetas com um nome relacio-
nado com os Medici e pedindo o parecer sobre qual a melhor
designação a atribuir às luas de Júpiter. Galileu hesitava entre
Cosmica Sydera, em honra de Cosme, e Medicea Sydera, em
homenagem a toda a família (Opere, X, 283). Poucos dias
depois, Vinta respondia dizendo que a designação Cosmica
deveria ser evitada por causa da ambiguidade que poderia cau-
sar (entre Cosme e cosmos), e que a designação Medicea Sydera
deveria ser usada (Opere, X, 284-285). Mas Galileu, que vivia
estes dias em estado quase febril de emoção, não esperara pela
resposta e já mandara imprimir a parte inicial da obra que abria
com um título que dizia "Cosmica Sydera" (fuI. 5). Não houve
mais remédio senão colar uma tira de papel com o nome cor-
rigido, Medicea, em todos os exemplares que foi possível.
O nome dos Mediei ficava assim para sempre ligado às
mais importantes descobertas observacionais da história da
astronomia, e Galileu seria recompensado com a nomeação de
matemático e filósofo da corte florentina. A importância desta
ligação estreita aos Mediei não deve ser diminuída, e não
somente porque as condições materiais passariam a ser muito
mais favoráveis, permitindo a Galileu o sossego suficiente para
se dedicar às suas investigações. Como o historiador Robert
88
Westman fez notar já há alguns anos, a elevada distinção social
associada ao cargo de matemático e filósofo particular dos
Medici viria a ter repercussões muito mais profundas, já que o
baixo estatuto disciplinar das matemáticas aplicadas, como a
astronomia, a óptica e a mecânica, haviam constituído um dos
principais, se não mesmo o principal, obstáculo para a legiti-
mação epistemológica do copernicianismo. 1I4 Consciente ou não
de todas estas implicações, quando Galileu decidiu dedicar as
luas de Júpiter à célebre família florentina, estava a tomar um
dos mais importantes passos na divulgação do copernicianismo.
A impressão foi febril. Entre o dia em que Galileu pela
primeira vez entregou texto manuscrito ao impressor e a saída
da obra dos prelos decorreram apenas seis semanas, e o pro-
cesso foi tudo menos sereno, com várias adições de material e
alterações de última hora. O próprio Galileu, numa carta a
Belisario Vinta, desculpava-se de o livro não ter saído com o
aprumo que o assunto merecia devido à urgência em o publi-
car, revelando que o Sidereus Nuncius estava ainda a ser escrito
quando as partes iniciais estavam já a ser impressas, com receio
de que outra pessoa o pudesse ultrapassar na descoberta e
divulgação dessas notícias (Opere, X, 300). De facto, decidiu, à
última hora, incluir algumas coisas (por exemplo, os cálculos
sobre a altura das montanhas da Lua) e outras partes foram
introduzidas quando o livro já se encontrava a imprimir (parte
do texto sobre as estrelas fixas, entre foI. 16ve foI. 17r), aca-
bando toda a montagem tipográfica do livro por revelar algum
desacerto. 1l5
89
o corpo do livro estava praticamente todo impresso
em meados de Fevereiro e por essas datas Galileu começou a
ocupar-se das derradeiras questões administrativas, das autoriza-
ções e das páginas de abertura, que o tipógrafo foi apressada-
mente imprimindo à medida que lhe eram entregues. A 26 de
Fevereiro, os Riflrmatori do Estudo de Pádua, encarregues de
examinar a obra, comunicavam ao Conselho dos Dez não ter
objecções à publicação da obra - que é designada nestes
documentos por Astronomica Denuntiatio ad Astrologos (Opere,
XIX, 227) - e passados poucos dias, a 1 de Março, o mesmo
Conselho dos Dez concedeu a necessária autorização de publica-
ção (Opere, XIX, 227-228).
A dedicatória foi datada de 12 de Março e nesse mesmo
dia, ou no seguinte, Galileu tinha nas mãos um primeiro
exemplar, ainda sem acabamentos, da sua extraordinária obra. 116
No dia l3 de Março de 1610, o Sidereus Nuncius estava final-
mente disponível para o público.
Com o livro nas mãos, Galileu iniciou o que viria a ser
uma enorme e bem planeada campanha de divulgação. Mas,
antes de mais nada, era urgente selar as relações com os
Mediei. No próprio dia em que o livro era publicado escreveu
ao Grão-Duque oferecendo-se para levar um telescópio (Opere,
X, 289). Galileu não tinha agora grandes dúvidas de que con-
seguiria o ambicionado lugar na corte do Grão-Duque e tra-
tava já dos últimos detalhes. Um dos mais importantes era a
90
sua designação precisa, que Galileu sempre insistiu que
incluísse, além de matemático, também o título de filósofo. A
7 de Maio de 1610, escrevia a Belisario Vinta, recordando a
necessidade imperiosa de adicionar o título de filósofo natural,
oferecendo a justificação, pouco convincente, de ter gasto
muitO mais tempo a estudar filosofia do que matemática. 117 A
razão verdadeira era mais profunda, mas mais difícil de expli-
car. Apesar de toda a sua desconfiança, e até aversão, pelos filó-
sofos e pelos estudos filosóficos, Galileu sabia bem que, só
como matemático, dificilmente teria credibilidade e autoridade
suficientes para a campanha coperniciana que planeava ini-
ciar. IIB
Em Julho de 1610 estavam finalmente definidas as condi-
ções contratuais que ligariam Galileu à corte dos Medici. Essas
condições eram o melhor que se poderia esperar: Galileu seria
professor de matemática na Universidade de Pisa, mas sem
obrigação de dar aulas ou sequer de residir em Pisa, e seria o
filósofo e matemático do Grão-Duque, com um vencimento
anual de 1000 scudi florentinos. Resolvidas algumas questões
domésticas - que incluíram o abandono de Marina Gamba, a
mulher que em Pádua lhe dera três filhos, mas que, presumi-
91
velmente, Galileu não considerava companhia adequada para o
ambiente sofisticado da corte florentina 1l9 - ficou tudo
pronto para a mudança. No dia 7 de Setembro de 1610, Gali-
leu partia de Pádua, chegando a Florença a 12 de Setembro de
1610.
Saturno tricorpóreo
119 As duas filhas, Virginia (n. 1600) e Livia (n. 1601) foram com
Galileu para Florença, tendo o filho Vincenzo (n. 1606) ficado com a
mãe por ser muito pequeno, até que, anos mais tarde, em 1613, Galileu
também o mandou buscar.
120 Galileu foi noticiando várias destas descobertas em cartas e
92
"Saturno tricorpóreo". Sabemos hoje que se trata do facto de
Saturno estar rodeado por um anel, mas que Galileu não pôde
observar nitidamente.
Esta descoberta vinha mesmo a calhar, pois embora ainda
não tivesse entrado formalmente ao serviço do Grão-Duque,
Galileu sentia já a pressão em cumprir o que havia prometido,
apresentando novas e admiráveis nodcias dos céus. Poucos dias
depois (a 30 de Julho), escreveu a Belisario Vinta relatando
estes factos extraordinários e desenhando a configuração obser- .
vada, mas pedindo o maior segredo (Opere, X, 409-410). Para
garantir a sua prioridade, Galileu transmitiu também a desco-
berta a alguns astrónomos, entre os quais Kepler, na forma de
um anagrama. 121
Só a 13 Novembro, numa carta a Giuliano de' Mediei,
Galileu esclareceu o anagrama, que devia ler-se: altissimum pla-
netam tergeminum observa vi, ("observei o planeta mais alto
[= Saturno) tricorpóreo"). Explicava também, nessa carta, as
observações que havia feito, avisando que, se Saturno fosse
observado com telescópios de fraca qualidade, a sua real confi-
narra acerca deles na sua Narratio de observa tis a se quatuor [ovis satteliti-
bis (1611) (Opere, I1I1I, 185) e depois, mais detalhadamente, no impor-
tante prefácio, «ln Dioptricen praefatio de usu et praestantia perspicilli
nuper inventi deque Novis coelestibus per id detectis», nas pp. 1-28 da
Dioptrice seu demonstratio e01-um quae visui et visibilibus propter Conspi-
cili4 non ita pridem inventa accidunt (Augsburg, 1611); a parte relativa a
Saturno está nas pp. 15-16. Como explica, Kepler recebeu de Galileu o
anagrama: $ m a is m r m i I m e p o e t a I e u mi b une n ugt t
a u i r a $, que resolveu na forma: Salve umbistineum geminatum Martia
proles [= Salve, dupla companhia, filhos de Marte], ficando assim con-
vencido (erradamente) de que Galileu anunciava a descoberta de satélites
de Marte. A Dioptrice encontra-se no voI. IV de Johannes Kepler Gesam-
melte ~rke. Pode encontrar-se uma tradução inglesa de parte do prefácio
em: The Sidereal Messenger of Galileo Galilei: and a Part of the Prefoce to
Kepler~ Dioptrics, te. EDWARD STAFFORD CARLOS (London: Rivingrons,
1880; reprinted, London: Dawsons of Pall Mail, 1%0), pp. 77-111.
93
guração não se observaria, parecendo apenas um astro oblongo
(Opere, X, 474) - exactamente como alguns dos seus contem-
porâneos o iriam ver.
Tudo isto era verdadeiramente sensacional, mas estavam
guardadas ainda mais surpresas. No final de 1612, ao observar
de novo Saturno, constatou que a configuração havia mudado:
agora não se avistavam as pequenas "estrelas" dos seus lados.
Galileu, que havia dedicado ao assunto certamente muitas
horas de reflexão e observação predisse, no entanto, que elas
reapareceriam no ano de 1613 (Opere, V, 237). Realmente,
nesse ano de novo se voltaram a ver os dois pequenos astros
que ladeavam Saturno, mas ficava lançado o problema aos
astrónomos: o que eram estas configurações mutáveis de
Saturno? A questão consistia, no essencial, em saber qual das
duas possibilidades era a verdadeira: se Saturno era esférico e
estava rodeado de dois pequenos planetas, ou se o próprio
Saturno era tricorpóreo. O assunto era de tal modo intrigante
que Galileu não o podia abandonar, mas o mistério iria aden-
sar-se ainda mais. Com efeito, no Verão de 1616, observou
que a sua forma tinha mudado, parecendo agora que dos lados
do corpo de Saturno saiam duas alças ou pegas, numa confi-
guração que passou então a designar por ansae (pegas) (Opere,
XII, 276).122 Galileu continuou a observar e a desenhar a
forma de Saturno ao longo dos anos. Em 1623, no II Saggia-
tore apresenta um diagrama de Saturno na configuração com
pegas (Opere, VI, 361), e em 1640, já perto do final da sua
vida, escrevia a Benedetto Castelli relatando as suas observações
(Opere, XVIII, 238-239).
94
o problema, entretanto, já havia atraído a atenção de
outros, como Gassendi e Francesco Fontana, e, depois, a partir
dos anos quarenta, muitos outros, como Bouilliau, Hevelius,
Riccioli e Grimaldi, juntar-se-iam às observações sistemáticas e
ao estudo da forma de Saturno. Galileu suspeitara que estas
estranhas configurações de Saturno tivessem que ver com o ali-
nhamento entre o planeta e a Terra, mas o enigma só seria cla-
rificado com o esclarecimento definitivo da existência de um
anel em redor de Saturno, algumas décadas depois, por Chris-
tiaan Huygens (l629-1695), nas suas obras De Saturni tuna
observatio nova (den Haag, 1656) e Systema Saturnium, sive de
causis mirandorum Saturni Phanenomenon, et comite ejus planeta
novo (den Haag, 1659) e, ainda mais tarde, quando Jean
Dominique [Giovani Domenico] Cassini (1625-1712), em
1675, notou que esse anel era duplo.123
Fases de Vénus
sini, Campani und der Saturnring», in JÜRGEN HAMEL, INGE KEIL (eds.),
Der Meister und die Fernrohre. Das Wechselspiel zwischen Astronomie und
Optik in der Geschichte [= Acta Historica Astronomiae, vol. 33] (Frank-
furt am Main: Harri Deutsch, 2007), pp. 164-184. As duas obras de
Huygens referidas estão no vol. 15 das Oeuvres Completes de Christian
Huygens publiées par la Société Hollandaise des Sciences, 22 vols. (La Haye:
M. Nijhoff, 1888-1950).
95
quês Tycho Brahe (1546-1601) havia sugerido, no seu livro De
mundi aetherei recentioribus phaenomenis, publicado em 1588,
um arranjo cosmológico que mantinha a Terra imóvel no cen-
tro do universo e o Sol rodando em torno dela, mas com
todos os planetas orbitando em torno do Sol. Este sistema
tinha as vantagens de manter a imobilidade da Terra, sendo, ao
mesmo tempo, do ponto de vista cinemático, completamente
equivalente ao heliocentrismo de Copérnico. 124
No sistema de Ptolomeu, Vénus apareceria sempre como
um crescente, de maior ou menor tamanho, quando visto da
Terra - se se considerasse, como era o mais habitual, que
estava abaixo do Sol. Se, por outro lado, se achasse que estava
acima do Sol, apareceria sempre como um disco. Porém, se
Vénus circulasse em torno do Sol - como acontece no
modelo de Copérnico e de Tycho Brahe - , apresentaria um
ciclo de fases completo, passando de um crescente para um
disco (Vénus cheio), à semelhança das fases exibidas pela Lua.
O próprio Copérnico, no início do capítulo lOdo livro I do
De revo/utioníbus se referira à diferente aparência de Vénus
96
dependendo da sua posição relativamente ao Sol. Mas Copér-
nico, sem telescópio, não tinha qualquer possibilidade de
observar a face de Vénus.
Quando Galileu observou Vénus com um telescópio,
constatou que o planeta exibia ao longo dos dias um ciclo de
fases completo, passando de Vénus crescente a Vénus cheio.
Ficava assim demonstrado que Vénus circulava em torno do
Sol: um resultado excepcionalmente importante, que lançava
um golpe definitivo no sistema ptolomaico. As duas únicas
possibilidades eram agora o ordenamento planetário segundo
Copérnico ou segundo Tycho Brahe.
A 1 de Janeiro de 1611, Galileu escreveu a Giuliano de'
Medici explicando a extraordinária importância da observação
das fases de Vénus que, segundo ele, era dupla: por um lado
resolvia uma antiga discussão, confirmando que os planetas não
têm luz própria e, por outro, mostrava inequivocamente que
Vénus circula em torno do Sol. Galileu omitia qualquer men-
ção ao sistema de Tycho Brahe, tornando assim as fases de
Vénus num poderosíssimo argumento a favor do copernicia-
nismo. 125 De facto, esta observação convertir-se-ia para Galileu
talvez no mais poderoso argumento a favor do copernicia-
nismo, a tal ponto que, no Dialogo sopra i due massimí sístemi
deI mondo (1632), fez o elogio de Copérnico por este ter pro-
posto o heliocentrismo mesmo sem observar as fases de Vénus.
A história da descoberta das fases de Vénus gerou uma
viva polémica entre os historiadores pois alguns, baseados em
certas peculiaridades do desenvolvimento cronológico destes
descobrimentos, argumentaram que Galileu teria procedido
97
desonestamente, "roubando" a ideia ao seu discípulo Benedetto
Castelli. A cronologia dos acontecimentos foi a seguinte. A 11
de Dezembro de 1610, Galileu escreveu a Giuliano de' Mediei,
enviando um anagrama que continha a observação de que
Vénus apresentava fases tal como a Lua (Opere, X, 483). No
final desse ano tornou pública a descoberta, relatando-a a Clá-
vio e a Castelli, a 30 de Dezembro (Opere, X, 499-505), e
decifrando o anagrama a Giuliano de' Medici, na já men-
cionada carta de 1 de Janeiro de 1611 (Opere, XI, 11-12).
Sucede, porém, que no dia 5 de Dezembro de 1610, Bene-
detto Castelli enviara uma carta a Galileu - carta que este
receberia por volta do dia 11 de Dezembro, se não mesmo
nesse pr6prio dia - , prevendo as fases de Vénus (Opere, X,
480-482). Embora Galileu viesse a dizer que já tinha feito essas
observações "da 3 mesi in quà', alguns historiadores lançaram
dúvidas sobre esta afirmação, "acusando-o" de ter usado, sem
dar crédito, uma ideia que era originalmente de Castelli. Cer-
tos traços da personalidade de Galileu - em particular a sua
habitual renitência em dar a outros o crédito devido -- torna-
ram plausível esta tese, mas, apesar disso, hoje em dia poucos
a subscrevem, sendo consensual que Galileu já observara as
fases de Vénus antes que a carta de Castelli lhe tivesse che-
gado. 126
98
Manchas solares
DRAKE, «Galileo, Kepler, and phases of Venus», Journal for the History of
Astronomy, 15 (1984) 198-208 [também em: STILLMAN DRAKE, Essays on
Galiko and the History and Philosophy of Science. Selected and introduced
by N. M. SWERDLOW and T H. LEVERE (Toronto: University of Toronto
Press, 1999), vol. 1, pp. 396-409.]; OWEN GINGERICH, «The phases of
Venus in 1610», Journal for the History of Astronomy, 15 (1984) 209-10;
WILUAM T PETERS, «The Appearences of Venus and Mars in 1610»,
Journal for the History of Astronomy, 15 (1984) 211-214. A última peça
contra a tese da desonestidade terá sido o trabalho de PAOLO PALMIERI,
«Galileo did nor steal the discovery of Venus' phases. A counter-argu-
mem to Westfall», in JosÉ MONTESINOS y CARLos SOLis (eds.), Largo
Campo di Filosofore. Eurosymposium Galileo 2001 (La Orotava: Fundación
Canaria Orotava de la Historia de la Ciencia, 2001), pp. 433-444, e
PAOLO PALMIERI, «GaHleo and the discovery of the phases of Vénus»,
Journal for the History of Astronomy, 32 (2001) 109-129.
127 Estas observações estão catalogadas em: A D. WITTMANN and
99
o seu estudo sistemático e científico, contudo, só foi realizado
na Europa a partir de 1609, com o aparecimento do telescó-
pio. A questão de quem foi o primeiro europeu a observar
manchas solares com telescópio permanece controversa. Não
subsistem dúvidas de que a primeira obra impressa sobre o
assunto tenha sido o livro de Johannes Fabricius, De maculis in
Sole observatis, publicado no Outono de 1611, mas é sabido
não ter sido Fabricius o primeiro a observá-las. Galileu e
Thomas Harriot observaram manchas em finais de 1610,
enquanto Johannes e David Fabcicius as observaram pela pri-
meira vez só em Março de 1611.
Galileu mostrou imagens de manchas solares a muitas
pessoas em Roma durante a sua viagem em 1611, mas não
empreendeu, nessa altura, qualquer estudo sistemático do
assunto. 128 Só se ocuparia destas observações a partir de Abril
100
de 1612. Quem já estava a fazer estudos sistemáticos das
manchas solares desde Outubro de 1611 era Christoph Schei-
ner (1573-1650), um jesuíta professor de matemática em
Ingolstadt, que publicou uma obra dedicada exclusivamente ao
tema em Janeiro de 1612 : Tres Epistolae de Maculis Solaribus
Scriptae ad Marcum Welserum. Quando Galileu recebeu esse
livro, com um pedido para que expressasse a sua opinião,
encontrava-se doente e ocupado com a publicação do Discorso
[ .. } intomo alle cose che stanno in su l'acqua, e só alguns meses
depois teve oportunidade de investigar em detalhe com o seu
discípulo Benedetto Castelli. Scheiner defendera que as man-
chas eram devidas ao trânsito de satélites em torno do Sol, ao
passo que Galileu, embora sem ter a certeza do que se tratava,
explicou que as manchas estavam localizadas na superfície
do Sol.
A breve trecho envolveram-se numa polémica famosa
durante o ano de 1612 que culminaria com a publicação, no
Verão de 1613, das três cartas de Galileu que, em certa
medida, assinalam o fim da polémica. Galileu só voltaria ao
assunto anos depois no II Saggiatore (1623), mas, entretanto,
Scheiner tinha prosseguido e aumentado as suas investigações,
publicando entre 1626 e 1630 a Rosa Ursina, uma verdadeira
enciclopédia do assunto.
101
Neptuno
102
Dezembro de 1609, quando ainda não tinha sequer formado a
intenção de redigir um opúsculo dedicado ao assunto. A 7 de
Janeiro de 1610, escrevia a Antonio de' Medici um primeiro
relatório, extenso, acerca desses descobrimentos (Opere, X, 273-
-278) e, nas semanas seguintes, revelaria, de modo esporádico e
fragmentário, mais algumas das novidades.
O aparecimento do Sidereus Nuncius provocou um
impacto imediato. Em poucos dias, primeiro Veneza, depois
toda a Itália, e finalmente os mais diversos pontos da Europa,
receberam com espanto, excitação ou incredulidade, as sensa-
cionais notícias. Os quinhentos e cinquenta exemplares postos
à venda esgotaram em menos de uma semana (Opere, X, 300),
e tal era a apetência por infurmações acerca destes factos que
ainda no ano de 1610 apareceu em Frankfurt uma edição ile-
gal do livro.
No próprio dia em que o Siderem Nundus era publicado
(13 de Março), o embaixador inglês em Veneza, Sir Henry
Wotton, apressava-se a escrever para fazer chegar o mais rapi-
damente possível ao rei Jaime I a informação acerca desta
"strangest piece of news". Wotton dava a conhecer a comoção
que se vivia em Veneza com a divulgação dessas inauditas novi-
dades celestes que pareciam deitar por terra convicções milená-
rias. 130
130 "I sent herewith unto his Majesty the strangest piece of news
(as 1 may justly call it) that he hath ever yet receíved from any part of
the world; whích is the annexed book (come abroad this very day) of the
Mathematical Professor at Padua, who by the help of an optical instru-
ment (which both enlargeth and approximateth the obj ect) ". Carta ao
conde de Salísbury, 13 de Março de 1610, in: LoGAN PEARSAll SMITH,
The Lifo and Lettm o/ Sir Henry Wotton, 2 vols. (Oxford: Clarendon
Pres5, 1907), voI. I, pp. 486-487. Ao embaixador inglês também não lhe
escaparam as implicações astrológicas dos satélites de Júpiter. Ver também
I. BERNARD COHEN, The Birth o/ a New Physícs, 2. a ed. (New York: W.
W. Norton, 1985), pp. 75-76. Há uma tradução portuguesa: O Nasci-
mento de uma Nova Física (Lisboa: Gradiva, 1988).
103
Haviam passado somente alguns dias sobre o apareci-
mento do livro e já Galileu escrevia a Belisario Vinta, a 19 de
Março, revelando a sua intenção de, a "brevissimo tempo" fazer
uma reimpressão, mas com as figuras melhoradas e incluindo
muitas mais: planeava mostrar diagramas da Lua ao longo de
toda uma lunação, desenhar muito mais constelações e deter-
minar o período dos satélites de Júpiter. Planeava também que
essa edição fosse em italiano (Opere, X, 299-300). Nos meses
seguintes, vários amigos de Galileu, como, por exemplo, Fede-
rico Cesi, insistiram para que desse aos prelos quanto antes
uma nova edição do Sidereus Nuncius, com as novas observa-
ções (Opere, XI, 175). O aparecimento da edição pirata, em
Frankfurt, ainda no ano de 1610, de algum modo saciou o
interesse dos muitos leitores que ainda não tinham podido ler
a obra, mas não correspondia à actualização que muitos espe-
ravam: essa edição mantinha o texto original, sem quaisquer
acrescentos ou alterações, e apresentava gravuras de qualidade
inferior às da edição original.
Benedetto Castelli recebeu o livro poucos dias após a
publicação e imediatamente o leu "piu di dieci volte con
som ma meraviglia e dolzezza grande d'animo" (Opere, X, 310).
E foi também passados apenas poucos dias que, a muitas cen-
tenas de quilómetros de distância de Veneza, em Praga, Kepler
teve as primeiras notícias destes factos. l3l A opinião de Kepler
foi das mais procuradas neste período. Em Praga, Rudolfo II
recebeu uma das primeiras cópias do Sidereus Nuncíus e, dese-
joso de um julgamento abalizado sobre o conteúdo, mostrou-a
ao seu matemático imperial. Mas também Galileu estava
ansioso por saber a opinião de Kepler e, através do embaixador
da Toscana em Praga, fez-lhe chegar uma cópia, com o pedido
expresso de que este desse a sua opinião. Kepler recebeu este
104
exemplar em 8 de Abril de 1610. Dias depois (a 13), Kepler
visitava o embaixador, altura em que este lhe anunciou que
Galileu muito desejava saber a sua opinião mas, infelizmente,
isso teria que ser feito depressa pois os correios partiam para
Florença em breve. Kepler, como sempre, acedeu ao pedido de
Galileu com generosidade e entusiasmo e, em menos de uma
semana, a 19 de Abril, entregou ao embaixador uma carta,
dirigida a Galileu, com as suas opiniões sobre o Sídereus Nun-
cius (Opere, X, 319-340).
De todas as partes continuavam a chegar a Kepler pedi-
dos de confirmação de tão sensacionais descobrimentos. Para
satisfazer a todas essas solicitações, ele começou a divulgar a
carta que tinha mandado a Galileu e, pouco depois, tendo-a
corrigido e ampliado um pouco, imprimiu-a num opúsculo
que dedicou ao embaixador da Toscana em Praga, intitulando-a
Dissertatio cum nuncio sidereo. m A despeito dos elogios com
que cobriu o autor do Sidereus Nuncius, o astrónomo alemão
teve também o cuidado de, delicadamente, clarificar assuntos
105
que Galileu, por temperamento e por estratégia, muitas vezes
deixava de modo pouco claro. Kepler explicou que Galileu não
fora o inventor do telescópio, que não fora o primeiro a falar
da natureza rugosa da superfície lunar e que não fora também
o primeiro a referir que havia muito mais estrelas nos céus. 133
Mas o tom geral era de aprovação incondicional e a Dissertatio
cum nuncio sidereo rapidamente se divulgou. Uma boa indica-
ção do enorme interesse que todas estas novidades suscitavam
foi o aparecimento de uma edição pirata da Dissertatio, o que
muito desagradou a Kepler.
A confirmação das observações de Galileu por Kepler e o
modo entusiasmado e elogioso como este publicitou os argu-
mentos e as deduções do italiano foram a mais importante
validação do Sidereus Nuncius que Galileu podia desejar. Que
passadas apenas algumas semanas da publicação do livro come-
çasse a circular, a partir de Abril de 1610, primeiro em manus-
crito e depois em impresso, um texto pela mão do mais
respeitado astrónomo da Alemanha, confirmando as novas
observações, foi um dos mais importantes factores na credibili-
zação dos novos descobrimentos.
Kepler, contudo, tinha confirmado o Sidereus Nuncius
sem que tivesse alguma vez observado com um telescópio. Por
isso, como tantos outros faziam nessa altura, a 9 de Agosto
de 1610 pediu a Galileu um telescópio com o qual pudesse
observar os satélites de Júpiter (Opere, X, 413-417). A resposta
de Galileu roça o escândalo. Tendo já garantida a aprovação
pública do Sidereus Nuncius por Kepler, não lhe interessava
que um génio do calibre do alemão começasse a fazer obser-
133 Meses mais tarde, Michael Maesdin escrevia uma breve carta ao
seu antigo aluno ]ohannes Kepler onde saudava a publicação da Disserta-
tio cum Nuncio Sidereo e onde, visivelmente irritado com a apropriação
por Galileu de feitos que não eram seus, e a sua desagradável incapaci-
dade em dar o crédito devido aos que o haviam precedido, saudava
Kepler por ter clarificado este asSUntO, "arrancando as penas" com que o
italiano indevidamente se ornamentara. (Opere, X, 428).
106
vações: a 19 de Agosto, Galileu respondeu a Kepler dizendo
que não tinha nenhum telescópio disponível (Opere, X, 421-
-422).
Só no final do ano Kepler conseguiria obter um telescó-
pio, por outras vias, iniciando imediatamente as suas próprias
observações e iniciando-se também na construção destes instru-
mentos. O resultado destas investigações seria da maior impor-
tância. Para além da confirmação das descobertas galileanas, fez
o seu próprio programa de investigação dos satélites de Júpiter,
que publicou em Narratío de observatís a se quatuor Iovis satel-
litíbus (1611) (Opere,III/l, 185), mas sobretudo, ele, que já
havia publicado o Ad Vitellionem Paralipomena, quibus Astrono-
miae Pars Optíca Traditur (Frankfurt, 1604), usou todo o seu
domínio de assuntos ópticos para reformular os princípios
teóricos da ciência à luz do novo instrumento, produzindo
a Dioptrice (Augsburg, 1611), a obra que funda a óptica
moderna.
Entretanto, os encómios ao livro e ao génio de Galileu
pareciam não ter limite, cada um saudando-o da maneira mais
entusiasmada e eloquente de que era capaz. Na prisão, em
Nápoles, Tommaso Campanella (1568-1639), louvava-o numa
carta plena de elogios, como o descobridor de "um novo céu e
uma nova Terrà' (Opere, XI, 23), e em Inglaterra um admira-
dor dizia que Galileu "hath done more in his threefold disco-
verie than Magellane in opening the streights to the South
Seà'134.
O louvor era geral, mas não era unânime. Sobre um
fundo de aplauso genaralizado ouviam-se apesar de tudo algu-
mas vozes discordantes e algumas opiniões desfavoráveis. Ape-
nas um mês havia passado sobre o aparecimento da obra e
107
já Georg Fugger escrevia a Kepler, a 16 de Abril de 1610,
acusando Galileu de se apropriar de ideias de outros e de ter
apenas copiado um telescópio que vira (Opere, X, 316). Protes-
tos deste género e reclamações de prioridade foram-se multipli-
cando nas semanas seguintes, mas, para além destas, outro tipo
de objecções não tardaram em aparecer.
Logo em Junho de 1610, Martin Horky (n. ca. 1590),
que era assistente do astrónomo Giovanni Antonio Magini e
havia estado presente quando, em Abril, Galileu tentara sem
sucesso mostrar os satélites de Júpiter na casa de Magini,
publicou uma Brevissima peregrinatio contra Nuncium Sidereum
(Opere, IIIIl, 127-145). A obra não tinha qualidade e o ataque
acabou por se traduzir num fiasco, a tal ponto que Magini
escreveu a Galileu explicando que não tinha nada a ver com o
assunto e expulsou Horky de sua casa. Mais importante, e de
consequências que viriam a ser mais nefastas, foi o texto inti-
tulado Contra ii moto della Terra que Ludovico delle Colombe
(1565-1616) escreveu entre finais de 1610 e o ano de 1611, e
que fez circular em diversas cópias, contendo um arrazoado de
objecções sem muito nexo ou consistência mas em que, pela
primeira vez, eram levantadas objecções de origem escriturística
às observações de Galileu (Opere, IlIIl, 251-290). Pela mão de
um professor de filosofia, o argumento religioso entrava em
cena.
Poucos meses depois, Francesco Sizzi (ca. 1585-1618)
publicou em Veneza a Dianoia Astronomica, Optica, Physica
(1611) contendo também objecções - não muito convincen-
tes, diga-se - às observações de Galileu (Opere, III/I, 201-
-250). Em particular, Sizzi usava argumentos numerológicos
para "provar" que os satélites de Júpiter não podiam existir
realmente. No ano seguinte, Giulio Cesare Lagalla (1576-
-1624), professor de filosofia em Roma, publicava o De phae-
nomenis in orbe lunae novi telescopii um nunc iterum suscitatis
(Veneza, 1612), uma obra inspirada no texto de Plutarco,
questionando não a capacidade do novo instrumento, mas a
argumentação usada por Galileu na análise da superfície da
Lua. Como já se assinalou, as observações lunares contidas no
108
Sidereus Nuncius foram o aspecto mais questionado do livro,
tendo gerado várias refutações. 135
Alguns ataques, como o de Francesco Sizzi e o de Ludo~
vico Delle Colombe foram especialmente desagradáveis, por
virem de homens que se mexiam com muito à vontade nos
círculos mais restritos da corte florentina e terem publicado as
suas diatribes em obras dedicadas aos Mediei.
109
dos céus. l36 O aparecimento do Sidereus Nuncius, em Março de
1610, tornou ainda mais urgentes as investigações dos jesuítas.
Quando, alguns anos mais tarde, Christoph Grienberger,
um dos mais competentes matemáticos jesuítas, escreveu a
Galileu relatando os primeiros tempos do uso do telescópio no
colégio romano, referiu que, entre Abril e Setembro de 1610,
um dos seus confrades, o padre Giovanni Paolo Lembo, sem
ter informações de Galileu, construíra um telescópio com o
qual rora capaz de observar a irregularidade da superfície lunar,
as muitas estrelas novas nas Plêiades, em Orionte e em muitas
outras constelações, mas sem conseguir ver os novos planetas,
isto é, os satélites de }úpiter. 137
110
..
Apesar dos esforços, os jesuítas foram durante algum
tempo incapazes de observar as luas de Júpiter, e este incapaci-
dade tornou-os progressivamente cépticos relativamente a esta
novidade; por volta de Setembro as suas sérias dúvidas come-
çam a ser conhecidas. Em Outubro, Lembo, provavelmente
com o apoio de Grienberger, tinha pronto um segundo teles-
cópio, de melhor qualidade. Com este novo instrumento foi
possível observar pela primeira vez, as fases de Vénus, fenó-
meno que investigaram sistematicamente durante quatro meses.
Os jesuítas conseguiram também, finalmente, observar os saté-
lites de Júpiter mas continuaram com dúvidas se se tratariam
de planetas ou não.
Em Novembro-Dezembro, Antonio Santini enviou de
Veneza um telescópio de excelente qualidade como presente
para Clávio. Com este melhor telescópio, os jesuítas finalmente
fizeram observações inequívocas dos satélites de Júpiter e da
forma peculiar de Saturno. A 17 de Dezembro de 1610, Clá-
vio escreveu a Galileu uma carta cheia de louvores, informando
que todas as novas observações haviam sido confirmadas pelas
observações do colégio romano (Opere, X, 484-485).
Por esta altura, os matemáticos do colégio romano já
tinham resolvido todos os problemas técnicos e levavam a cabo
observações telescópicas sistematicamente. Na verdade, o colé-
gio romano tornara-se mesmo num dos mais importantes focos
de divulgação e confirmação de tão espantosas novidades.
Cientes da importância das observações astronómicas, as
autoridades eclesiásticas de Roma tentaram confirmar esses fac-
tos extraordinários. A 19 de Abril de 1611, o cardeal Roberto
Bellarmino questionava os matemáticos jesuítas acerca das
novas observações, colocando, em particular, as seguintes per-
guntas (Opere, Xl, 87-88); 1. Se é verdade que com o telescó-
pio se vê uma multidão de novas estrelas. 2. Se Saturno se
acha realmente rodeado por dois planetas mais pequenos. 3. Se
Vénus tem fases. 4. Se a Lua tem uma aparência irregular.
5. Se Júpiter tem satélites. Uns dias depois (a 24 de Abril), os
matemáticos responderam, confirmando as observações galilea-
111
nas, manifestando apenas alguma incerteza acerca do que real-
mente se via na Lua (Opere, Xl, 92-93).138
A confirmação das observações telescópicas pelos jesuítas
do colégio romano fOi talvez o mais importante passo na cre-
112
dibilização das novidades que Galileu descobrira e do valor do
instrumento que usara para as descobrir.
113
vma a nascer o termo "telescopium", proposto por Demisiani
ou pelo próprio Cesi (Opere, Xl, 420). Galileu foi formalmente
recebido como o sexto membro dessa Academia a 25 de Abril
de 1611, uma honra que muito prezou, tendo desde então pas-
sado a assinar o seu nome como "Galileo Galilei Linceo".
Mas Galileu estava sob~etudo interessado em recolher as
honras e o crédito que os matemáticos jesuítas lhe poderiam
conferir. O enorme prestígio científico do Colégio Romano,
agora que os padres haviam confirmado as suas observações,
era um capital de credibilidade que não se podia desperdiçar. 14o
Aceitando o convite para visitar o colégio, teve várias discus-
sões científicas com os matemáticos jesuítas e, no princípio de
Maio, foi recebido apoteoticamente para uma série de celebra-
ções que culminaram com um discurso do jesuíta flamengo
Oddo van Maekote (1572-1615) (Opere, I1III, 293-99).
Por volta de 1612, entre os jesuítas, o telescópio tinha
passado a circular muito para além do círculo restrito dos
fabricantes de instrumentos ou dos especialistas matemáticos e
muito para lá também das sessões de demonstração para aristo-
cratas e soberanos. Tinha-se tornado parte indispensável do
treino científico de qualquer pessoa culta.
A euforia com que os jesuítas se associaram a estes desco-
brimentOs e com que celebraram o seu descobridor não ocul-
tava, contudo, as dificuldades que se levantavam. As novas
115
I
sobre o próprio Clâ'vio, que faleceria pouco depois, em 1612.
A possibilidade óbvia de uma adesão ao sistema de Tycho
Brahe não se mostrava, à partida, tão atractiva, em parte por-
que o próprio Clávio nunca ocultara o seu desagrado por esse
modelo. O astrónomo dinamarquês nunca é mencionado na
vasta obra do jesuíta alemão e Jan Vremann (I 583-1620)
- um jesuíta croata que trabalhou com Clávio em Roma e
que passaria por Portugal - confidenciou na sua corres-
pondência que Clávio, "per varií rispetti e poco amico di
Tichone" 143. Os jesuítas encontravam-se, pois, numa situação
complicada. Os anos seguintes foram de intenso debate interno
na Companhia, debates que em certo sentido terminaram com
a publicação, em 1620, da Sphaera mundi seu cosmographia, de
Giuseppe Biancani 0566-1624), que marca a adopção oficial
pela Companhia de Jesus do sistema de Tycho Brahe. l44
Galileu vivia então o momento mais alto da sua carreira.
As objecções aos factos do Sidereus Nuncius e demais observa-
ções telescópicas caiam, uma por uma, sob o peso da contínua
les jésuites ou le chant du cygne de Clavius», in: Luce Giard, (dir.), Les
Jésuites à la Renaissance. Systeme éducatif et production du savoir (Paris:
Presses Universitaires de France, 1995) pp. 145-185; W G. L. RA,.'lDLES,
The Unmaking of the Medieval Christian Cosmos, 1500-1160. From Solid
Heavens to Boundless Aether (Aldershot: Ashgate, 1999), pp. 174-181;
EDWARD GRANT, «The Partial Transformation of Medieval Cosmology by
Jesuits in the sixteenth and seventeenth centurÍes», in: MORDECHAI FEIN-
GOLO (ed.), Jesuit Science and the Republic of Letters (Cambridge, Mass.:
The MIT Press, 2003), pp. 127-155; Luis MIGUEL CAROUNO, «The
making of a Tychonic cosmology: Cristoforo Borri and the development
of Tycho Brahe's astronomical system in the early seventeenth-century»,
Journal for the History of Astronomy, 39 (2008) 313-344.
116
confirmação das observações iniciais. Roma estava rendida ao
seu génio científico e à importância das suas descobertas. O
cardeal Francesco Maria dei Monte escrevia ao Grã-Duque
Cosme II, a 31 de Maio de 1611, dando conta do grande
sucesso de Galileu em Roma e dizendo que, se ainda fossem os
tempos da antiga República Romana, lhe seria erguida uma
estátua no Capitólio (Opere, Xl, 119).
117
discutidas em Lisboa pouco depois. 145 Examinando a lista de
professores de matemática do colégio de Santo Antão verifica-
-se que, no período entre 1610 e 1614, leccionou o padre
Sebastião Dias, e essas aulas foram possivelmente a primeira
ocasião para a divulgação das novidades telescópicas em Por-
tugal. Infelizmente não se conhecem quaisquer notas de aula
deste professor, o que não permite confirmar esta suposição.
Sabe-se, todavia, que por estes anos as notícias circulavam já
por Lisboa.
Em Novembro de 1612, da fndia, o padre Giovanni
Antonio Rubino (1578-1643), que partira de Lisboa a 25 de
Março de 1602, escrevia uma carta surpreendente, revelando
que já lhe chegara a notícia dos telescópios e das novas desco-
bertas que com eles se haviam feito:
118
miglia lontano et si scuoprono molte novità ne' cieli,
principalmente nelli pianeti. Sarà grande charità mandar-
meli Vostra Riverenza et insieme qualche tratatello sopra
tali occhialí se v'e dimonstratione delle cose che si veg-
gono. E se V. R. non me li puo mandare, per non haver
commodità o per non haver danari, la prego quanto
posso che mi mandi in scriptis et in figuris il modo e l'in-
ventione come si fanno, quanto piu chiaramente sarà pos-
sibile; ch'io in questi paesi li mandaro fare, perche non
mancano o fficial i ne moIta copia di cristalli. 146
(1900), pp. 17-18 A carta vem também citada em: PASQUALE D'ELIA,
Galileo in Cina. Relazioni attraverso íl Collegio Romano tra Galileo e i
gesuiti scienziati missionari in Cina (1610-1640) (Romae: Apud Aedes
Universitatis Gregorianae, 1947). [Existe urna tradução inglesa: PASQUALE
D'ELIA, Galíleo in China. Relations through the Roman College between
Galiieo and the Jesuit scientist-missionaries (1610-1640), trad. R. Suter
and M. Sciascia (Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1%0),
pp. 18-19)
147 Na altura o Pe. Odo van Maelcote pronunciou um discurso de
119
excepcional o funoso Tianwen /üe (Sumário de questões sobre o
Céu), que o jesuíta português Manuel Dias Júnior (1574-1659)
publicou na China em 1615,148 Esta seria uma das mais lidas e
citadas entre todas as obras publicadas pelos jesuítas na China
durante o século XV1I, e é notável a vários títulos. O facto mais
relevante, contudo, é que, no final, contém algumas páginas
descrevendo as observações de Galileu - as primeiras que
alguma vez foram redigidas em chinês:
120
das 28 constelações. [... ] No dia em que este instrumento
chegar à China daremos mais pormenores do seu maravi-
lhoso uso. 149
121
do mundo. Quanto ao aparecimento do próprio instrumento,
a primeira notícia concreta de um telescópio em mãos portu-
guesas vem do Brasil. No relatório da batalha de Guanxan-
duba, travada a 19 de Novembro de 1614, o Major Diogo de
Campos Moreno refere que o comandante Jerónimo de Albu-
querque observava o inimigo com "hum oculo de longa
vista".151 A aparente banalidade com que o assunto é referido
deixa supor que o telescópio não fosse já uma grande novi-
dade.
Mas a personalidade a quem mais se ficou devendo a
introdução das ideias de Galileu e do telescópio no nosso país
foi ao padre Giovanni Paolo Lembo que, como já referimos,
fora o principal responsável pela construção de telescópios no
Collegio Romano e que confirmara as observações de Galileu
no importante relatório ao cardeal Bellarmino em Abril de
1611. 152 Lembo começou a leccionar na «Aula da Esfera» do
122
colégio de Santo Antão em Abril de 1615. Aparecia, assim, em
Lisboa, nos anos cruciais do debate cosmológico, um dos
homens mais informados acerca destes assuntos; a sua activi-
dade lectiva na "Aúla da Esfera", no período em que o debate
em torno das questões cosmológicas literalmente explodia pela
Europa, é um dos acontecimentos de maior importância na
história científica do Colégio de Santo Antão.
O curso que Giovanni Paolo Lembo leu em Santo Antão
nos anos 1615-1617 é um dos documentos mais importantes
da história da ciência em PortugaL Chegou até nós através das
notas tomadas por um aluno não identificado, num manus-
crito de cerca de 140 fólios, redigido em português, e que se
encontra em bom estado de conservação.153 Tem muitas figu-
ras, desenhadas à mão, sobretudo diagramas astronómicos e
matemáticos, representações de máquinas e outros artefactos
tecnológicos, cobrindo um leque de assuntos muito ambicioso.
Para além das matérias De Sphera e das questões náuticas, que
são uma constante nos cursos deste período, Lembo tratou um
conjunto de outras matérias, que incluem noções de trigono-
metria, uma introdução à geometria de Euclides, e noções
sobre o cômputo eclesiástico. Figuram de maneira proeminente
neste curso muitos aspectos relacionados com máquinas e ins-
trumentação vária, reflectindo possivelmente os interesses do
professor que, como já dissemos, se destacara como construtor
de instrumentos no Colégio Romano.
sobre Lembo são recolhidos de BALDlNI, "As assistências ibéricas», op. cit.,
p. 232, e de ROMANO GAITO, Tra Scienza e lmmaginazione. Le mate-
matiche presso ii coliegío gesuitico napoletano (1552-1670 ca.) (Firenze:
Olschlci, 1994), p. 35.
153 Lisboa, ANTT, Manuscritos de Livraria, 1770; Sphaera Mundi:
123
A parte maiS tnteressante deste curso, naturalmente, é a
dedicada à astronomia. Logo no Prólogo, Lembo alude aos
"longemirà' modernos (foI. Iv), naquela que é muito possivel-
mente a primeira referência ao telescópio em português. Mais
adiante, ao discutir o número de orbes, menciona pela pri-
meira vez o nome de Copérnico, "varão doctíssimo". O autor
prossegue analísando seguidamente o movimento dos orbes
celestes, cotejando as várias hipóteses cosmológicas, o que
obriga a fàzer uma primeira referência ao possível movimento
da Terra. l54 Depois de descrito, o heliocentrismo coperniciano
é rejeitado. Como se tornará habitual entre os professores da
«Aula da Esfera», a objecção ao heliocentrismo está centrada
sobretudo em argumentos técnicos (físicos e astronómicos) e
só marginalmente são aludidos os problemas escriturÍsticos
que levantava. Mas se a opinião de Copérnico parece de rejei-
tar, Giovanni Lembo mostra que também o modelo geocên-
trico defendido pelo seu mestre Clávio não é aceitável em vista
dos novos descobrimentos na astronomia, explicando que o
próprio Clávio, no fim da vida, confrontado com essas novas
observações, indicara a necessidade de repensar todo o ordena-
mento cosmológico.1 55 Ou seja, segundo o teor das aulas de
124
Lembo em Lisboa, o problema cosmológico, do correcto orde-
namento dos orbes celestes de modo a salvar as aparências e
tomando em consideração as novas observações de 1610, está
em aberto.
A mais importante de todas as observações telescópicas,
pelo menos no que se refere ao ordenamento dos orbes, é a de
que Vénus exibe fases. Todas as outras observações (mesmo a
dos satélites de Júpiter) podem, apesar de tudo, ser incorpora-
das num esquema ptolomaico. A observação de fases em
Vénus, contudo, ao mostrar que Vénus não está sempre entre
a Terra e o Sol, obriga a uma radical transformação do
esquema planetário tradicional. O curso de Lembo revela uma
completa compreensão deste facto. O professor italiano desen-
bases digo em cuias basses estão postos 2 vidros ou occulos, pelo quoal
os obiectos que estão longe nos pareçem muito perto e muito [fl.33r]
maiores do que realmente são com este instrumento se vem muitas
estrellas no firmamento que sem elle de nenhum modo se podem ver,
prinçipalmente no 7 estrello yunto da nebulosa de Cancro, no Orion, na
via Lactea que comummente chamão estrada de sam Tiago, e noutras
partes mas isto não repugna ao que assima dissemos do numero das
estrellas serem 1022 porque ahi fallamos das estrellas que sem ajuda
deste instrumento se podem ver commodamente. A Lua tambem
quoando esta com pontos ou mea chea pareçe noctauelmente despeda-
cada e a aspera, de modo que não posso deixar de me espantar muito
auer tantas desigoaldades no corpo da luã. Mas açerca deste pOntO veiasse
Galileu Galileu, no Libra que intitulou nuntio das estreilas, e se empri-
mio em Venesa no anno de 1610, no quoal escreueo varias obseruaçóins
das estrellas que eIle primeiro fez entre outras cousas que com este ins-
trumento se vem he huã espantosa scilicet que venus recebe a luz do Sol
ao modo da luã de modo que appareçe com pontas maiores, ou meno-
res, conforme á distançia que tem do Sol, o que muitas veses com outros
obseruei estando aqui em Roma, e Saturno tem 2 estrellas maes pequenas
iuntas assi, huã para o Oriente e outra pata o Ocçidente }uppiter tem 4
estrellas erratícas as quoaes varião o sitio que entre sy tem e com o
mesmo Planeta }uppiter marauilhosamente pello que vejão os astronomos
como hão de ordenar os orbes crelestes para saluar estas Phenomenas e
apparençias, e atee qui Clauio. (fls. 32v-33r).
125
volverá o seu argumento, que o levará a propor uma nova dis-
posição dos orbes. Lembo começa por relatar a observação de
fases no planeta Vénus que fizera em Roma, em 1610, e
depois, num passo que é do maior interesse para a história da
ciência em Portugal, revela que fizera o mesmo em Lisboa:
126
o professor italiano que o mesmo fenómeno se dá com Mercú-
rio e que a dificuldade em o observar é simplesmente devida à
pequenez do planeta e ao facto de estar sempre mais próximo
do Sol do que Vénus. Uma vez mais, o autor refere as obser-
vações levadas a cabo em Lisboa. O facto dos planetas Vénus e
Mercúrio exibirem fases tem profundas implicações no ordena-
mento dos orbes, revelando que esses dois planetas orbitam em
torno do SoL Lemho apresenta, então, o seu modelo de orde-
namento cosmológico, que é uma variação do sistema de
Tycho Brahe. 157 .
Na parte final do manuscrito (fl. 135r-v), encontram-se
instruções para a construção de um telescópio. Trata-se de ins-
truções muito práticas, relacionadas com a técnica necessária
para o polimento das lentes. São muito importantes e interes-
santes, pois instruções práticas sobre o modo de polir lentes só
começam a aparecer no início do século dezassete, já que até aí
estes conhecimentos eram transmitidos apenas no âmbito
muito reservado da formação de artesãos. Tanto quanto conse-
guimos apurar, o Colégio de Santo Antão foi a primeira insti-
tuição jesuíta da Europa onde os alunos foram iniciados no
polimento de lentes para construção de telescópios.
As notas de aula de Giovanni Paolo Lembo são do maior
interesse pois revelam a vitalidade das discussões em torno das
novidades astronómicas na «Aula da Esfera» pelos anos de
1615-17. Por elas se fica a saber que nessa altura já se fàziam
observações telescópicas em Lisboa e se discutiam as implica-
ções dos vários fenómenos observados. Fica também a saber-se
que, no Colégio de Santo Antão, se construíam telescópios e se
ensinava que o modelo de Ptolomeu estava irremediavelmente
ultrapassado. Também se percebe que a influência da «Aula da
Esfera» se estendia para além dos limites das suas lições e dos
127
seus alunos. Os seus mestres eram reconhecidos e as suas
opiniões eram procuradas e, como se viu, as demonstrações
eram também, por vezes, seguidas por outras "pessoas curiosas".
Não tem qualquer fundamento supor que em Portugal não
se conhecessem as novidades astronómicas descobertas por
Galileu e os debates que elas originaram. Pelo contrário, o
local por onde essas novidades entraram no país, onde foram
conhecidas e discutidas, foi precisamente o colégio dos jesuítas
em Lisboa.
As aulas de Lembo e a discussão dos possíveis arranjos
cosmológicos não foram uma excepção em Santo Antão, muito
pelo contrário. Nas primeiras décadas do século XVII todos os
professores da «Aula da Esfera» discutiram nas suas lições os
graves problemas astronómicos e cosmológicos que dominavam
a atenção da Europa culta da altura. Nessas aulas as novidades
galileanas foram estudadas em detalhe. O modelo cosmológico
ptolomaico foi rejeitado, o modelo astronómico coperniciano,
embora não aceite, foi discutido e explicado. Como pratica-
mente todos os matemáticos da Companhia de Jesus - e, na
verdade, a maioria dos astrónomos europeus da altura - , os
professores da «Aula da Esfera» defenderam a adopção do sis-
tema de Tycho Brahe (ou alguma variante) que, adequando-se
à nova evidência observacional, não levantava os problemas de
uma Terra em movimento.
Sensivelmente pela altura em que Lembo deixava de lec-
cionar, passava por Lisboa um impressionante grupo de jesuí-
tas-matemáticos que estiveràm em Portugal pelos anos de 1617-
-1618, acabando por partir para o Oriente em Abril de 1618:
Giacomo Rho (ca. 1592-1638), Johannes Schreck (1576-
-1630), Wenzel Pantaleon Kirwitzer (ca. 1589-1626), e Johann
Adam Schall von BeU (1591-1666). Todos estes homens eram
autoridades em assuntos científicos e destacar-se-iam pela sua
acção científica no Extremo Oriente. Traziam consigo não ape-
nas livros e instrumentos, mas sobretudo o domínio mais avan-
çado de muitos assuntos científicos e o conhecimento das polé-
micas cosmológicas, que assim eram discutidas em Santo Antão
por professores, alunos, e "muitas outras pessoas curiosas".
128
No Outono de 1620, iniciava as suas aulas de matemática
em Santo Antão o alemão Johann Chrisostomus Gall (IS86~
-1643), que havia estudado no colégio de Ingolstad e acompa~
nhara de perto o debate acerca do ordenamento cosmológico.
Evidentemente, nas suas lições [BNP, Cod. 1869] dedicou uma
atenção especial aos assuntos cosmológicos e aos debates em
torno do ordenamento celeste. As notas destas aulas que sobre-
viveram mostram uma discussão cuidada dos novos factos
observados com o telescópio que Gall designa por "óculo
astronómico" (foI. 81r) ou "óculo comprido" (foI. 81v) - e
uma discussão pormenorizada dos vários sistemas celestes: o de
Ptolomeu, o de Tycho Brahe e o de Copérnico. A discussão
destes tópicos no curso de Gall é muito interessante, pois
mostra que, mesmo após a condenação do heliocentrismo, em
1616, o assunto era discutido abertamente no Colégio de
Santo Antão.
Gall leccionou durante vários anos, num período crítico
de debates cientIficos. Foi sucedido por um homem ainda
mais interessante a que já aludimos, o jesuíta italiano Cris-
toforo Borri, que viria a desempenhar um papel de grande
importância nos debates cosmológicos da época. 158 A his-
129
toriografla portuguesa mais antiga identificara Borri como o
homem que introduzira o conhecimento de Galileu e das des-
cobertas galileanas em Portugal. Na verdade, ele não foi de
modo algum o primeiro, pois, vários anos antes, Lembo já o
havia feito, e depois Gall continuara. Mas porque Borri foi
uma personalidade muito mais expansiva do que Lembo ou
Gall e, sobretudo, porque viria a publicar, em Portugal, um
livro sobre o assunto, o seu papel como divulgador das novi-
dades astronómicas foi de fàcto excepcional.
Borri passara uma primeira vez por Lisboa por volta de
1615, em trânsito para o Oriente, e já nessa altura discutira
em Portugal as novas ideias astronómicas. Após alguns anos na
Ásia (onde, entre outros afazeres, se continuou a envolver em
questões de astronomia), retornou à Europa. Foi nesse período
que deu aulas no colégio de Santo Antão, entre 1627 e 1628.
Tal como Lembo ou Gall, Cristovão Borri explicou nas suas
aulas que em face das novas observações cosmológicas o sis-
tema cosmológico ptolomaico não era aceitável. Explicou a
natureza das novas observações, comentou em detalhe o fun-
cionamento e os princípios ópticos do telescópio, insistiu tam-
bém na necessidade de reformular profundamente a filosofia
natural de base aristotélica, defendendo, em particular, que os
céus teriam uma natureza fluida, não sendo compostos de
orbes rígidas. Borri não achou que o sistema copernici;.no
- cujos prós e contras discutiu - fosse aceitável e avançou
com um ordenamento cosmológico semelhante ao de Tycho
Brahe.
Embora estas polémicas novidades tenham sido discutidas
pelos jesuítas de formação matemática que leccionavam na
"Aula da Esfera", isso não significa que todos os jesuítas em
Portugal as abraçassem. Como noutras regiões da Europa, tam-
bém no nosso país os filósofos da Companhia tiveram muitas
vezes dificuldades em compreender e em aceitar as novidades
que os seus confrades matemáticos lhes transmitiam. Borri
envolveu-se em polémicas com alguns jesuítas portugueses,
sobretudo com os filósofos do colégio de Coimbra, e algumas
130
delas parecem ter tido como base a diferença de opinião acerca
de assuntos astronómicos;159
Um dos momentos mais importantes na difusão destes
novos saberes foi a publicação, em 1631, em Lisboa, depois de
vencidas algumas resistências, da Col/ecta astronomica, a excep-
cional obra em que Borri deu a conhecer ao público geral as
novidades astronómicas. A Collecta astronomica é o primeiro
livro publicado em Portugal em que se discutem de maneira
desenvolvida o telescópio, as novas observações astronómicas e
as suas implicações cosmológicas, e os vários sistemas astronó-
micos; é o primeiro livro impresso no nosso país em que se
explica porque o modelo de Ptolomeu é insustentável e em que
se defende que os céus têm uma natureza fluida e não rígida.
Trata-se, portanto, de um documento do maior valor na histó-
ria da ciência em Portugal, e mesmo da ciência europeia da
época, pois o seu impacto sentiu-se muito para além das fron-
teiras nacionais.
Nos anos seguintes, o inglês Ignace Stafford (1599-1642),
que leccionou na «Aula da Esfera» entre 1630 e 1636, conti-
nuou a analisar estes importantes assuntos astronómicos nas
suas aulas. Merece atenção especial o completíssimo tratado
sobre a natureza e usos dos paralaxes (BNP, PBA 240, p. 351-
-393) que existe em várias cópias. Neste texto cita alguns dos
131
mais importantes astr6nomos do período, incluindo alguns que
pela sua afiliação religiosa ou pelas opiniões que publicamente
defenderam talvez não se esperassem encontrar citados num
colégio jesuíta: Rothman, Kepler, Scaliger, etc.
Entre 1638 e 1641, foi professor na <lAula da Esfera» o
inglês Simon Fallon (I604-1642) que, a avaliar pelas notas de
aulas que chegaram até aos dias de hoje, usou boa parte das
suas lições para discutir muitos aspectos da nova astronomia.
O curso por ele leccionado em 1639 aparece dividido em três
Tratados (BNP, Cod 2258). No primeiro são apresentadas
noções gerais relacionadas com a esfera terrestre, os seus cír-
culos, princípios astron6micos básicos, eclipses, aplicações à
navegação, etc. No tratado segundo, sobre a esfera sublunar,
analisa-se longamente o delicado problema da relação da esfera
da água com a esfera da terra, fazendo-se uma primeira, e pas-
sageira, abordagem ao assunto «Se se move e como se move a
Terra?», (foI. 59r). A parte mais importante das aulas, contudo,
é a que se explana no Tratado 3.°: «Da Sphera celeste». Fallon
começa por descrever os "phenomenos, ou apparencias com-
muns que observarão os Mathematicos antigos" (foI. 92 r) , dis-
cutindo em detalhe nove aparências celestes. No capítulo
segundo, «Lançasse fora alguns modos de saluar essas apparen-
cias celestes, e especialmente se rejeita a hypotesi de Nicolao
Copernico» (foI. 95v), apresenta uma detalhada descrição do
sistema coperniciano, concluindo que "Com esta hipothesi
salua Copernico todas as apparencias" (foI. 96r). Passa, então, a
explicar detalhadamente como todas as nove aparências ante-
riormente explicadas são "salvas" com este modelo. O professor
jesuíta termina cOIlJ o seguinte juízo: "Hua cousa somente tem
contra sy esta hypothesique a faz de todo improvavel, e he o
movimento que concebe à Terra" (foI. 97r), e, para jusúficar
esta rejeição, alinha contra o sistema coperniciano as várias
objecções: escriturísticas, físicas, etc.
O desenrolar da matéria segue então o desenvolvimento
que já se tornara habitual nas licões de Santo Antão. Explicada
a impossibilidade de aceitar o esquema planetário de Copér-
nico e explicada também a necessidade de descartar o ordena-
132
mento ptolomaico tradicional (no capítulo de título «Propense
e reietasse a hypothesi ptolemaica, e comum acerca do numero
e ordem das spheras celestes»), no capítulo quarto deste Tra-
tado 3.°, "Apontaose alguns Phenomenos e apparencias novas
que os Mathematicos destes tempos observão" (foI. 102r) são
examinadas as novidades astronómicas que levam a que, no
capítulo quinto, se chegue à proposta final: "Poense a nossa e
verdadeira hypothesi que he a Tichonianà' (foI. 105v).
Esta edição
133
De 1610 a 1900 foram preparadas nove edições, em
latim, do Sídereus Nuncius. Quatro em publicações .indepen-
dentes ou incluídas em obras de outros autores (Veneza, 1610;
Frankfurt, 1610; Londres, 1653; Amsterdão, 1682) e cinco em
colectâneas de obras de Galileu (1655/56; 1718; 1744; 1843;
1892).161
Cotejámos a nossa tradução com aquelas que são actual-
mente as traduções de referência: a muito recente, em língua
inglesa, Galileo's Sídereus Nuncius or A Siderea/ltl/essage. Transla-
ted from the Latin by WILI.IAM R. SHEA; Introduction and
Notes by William R. Shea and Tiziana Bascelli (Sagamore
Beach: Science History Publications, 2009), e a outra, também
para língua inglesa, Ga/í/eo GaMei. Sidereus Nuncius or The
Siderea/ Messenger. Translated with introduction, conclusion
and notes by Albert van Helden (Chicago and London: The
University of Chicago Press, 1989); as de língua francesa, Ga/i-
/eo Galilei. Le Messager des Étoiles. Traduit du latin, presenté et
annoté par Fernand Hallyn (Paris: Seuil, 1992) e Sidereus Nun-
eius. Le Messager Cê/este. Texte, traduction et notes établis par
Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992); a italiana, Ga/i-
/eo Ga/ilei. Sidereus Nuncius. Traduzione con testo a fronte e
note di Maria Timpanaro Cardini (Firenze: Sansoni, 1948), e
na versão moderna, a cura di Andrea Battistini (Venezia: Mar-
silio, 1993); a espanhola, Ga/i/eo Galileí. La Gaceta Sideral,
johannes Kepler. Conversación con el mensajero sideral Introduc-
ción, traducción y notas de Carlos Solís Santos (Madrid:
Alianza Editorial, 2007 [1 a ed. 1984]), com o Sidereus Nuncius
nas pp. 37-116; e a tradução alemã, por Malte Hossenfelder,
Gali/eo Galilei. Sidereus Nuncius. Nachricht von neuen Sternen.
Dialog über die Weltsysteme (Auswahl). Vermessung der Holle
Dantes. Marginalien zu Tasso. Herausgegeben und eingeleitet
notes établis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992), pp.
xc-xcvii, para uma descrição bibliográfica detalhada dessas edições.
134
von Hans Blumenberg (Frankfurt am Main: Insel Verlag,
1965), com o Sidereus Nuncius nas pp. 79-131.
162 Por outro lado, não nos pareceu necessário consultar outras tra-
135
1987), que depois foi reeditada com o título modificado:
GALILEU GALILEI, O Mensageiro das Estrelas (São Paulo: Duetto
Editorial, Scientific American Brasil, 2009). O texto produzido
visou deliberademente um público amplo, não tendo havido
hesitações em modernizar, o que foi sempre feito pela mão
segura do tradutor, um especialista em história de ciência de
créditos firmados. O estudo introdutório é muito breve e as
notas explicativas e de contexto reduzidas ao mínimo. Ou seja,
uma obra de qualidade indiscutível, mas de propósitos e ambi-
ções diversos dos nossos.
Recordamos que o texto original do Sidereus Nuncius é,
hoje em dia, de consulta muito fácil já que se encontra dispo-
nibilizado em versões digitalizadas, na Internet. As obras com-
pletas de Galileu, com a versão do Sidereus Nuncius editada por
Favaro, estão também disponíveis na rede. Uma última menção
para o CD-ROM editado pela empresa Octavo, com uma
excepcional digitalização da obra de Galileu e da tradução
inglesa de Albert van Helden, com todas as facilidades de
busca (vid: www.octavo.com]
A sempre difícil tarefa de traduzir Galileu foi norteada
pelo desejo de procurar respeitar algumas das características do
seu estilo e, em particular, do estilo que empregou no Sidereus
Nuncíus. Galileu é, ao mesmo tempo, um autor com grande
preocupação de claridade e precisão na linguagem, mas tam-
bém muito atento ao efeito retórico dos seus textos. Tem um
bom domínio da língua latina, mas no Sidereus Nuncius optou
por uma linguagem despida, sem adornos, por vezes roçando
um registo quase meramente técnico, tendo alguns achado o
estilo "aridus" (Opere, X, 316). Contudo, não há qualquer
monotonia no texto, que se apresenta sempre incisivo e tenso
em cada página.
HENRIQUE LEITÃO
Universidade de Lisboa
136
BREVE CRONOLOGIA
137
Nov. 30. Em Pádua, pouco depois do pôr do sol,
observa e desenha a Lua de quatro dias,
usando um telescópio com ampliação de cerca
de vinte vezes. Continua a observar até a Lua
"quase se pôr:' (por volta das 8 da tarde),
fazendo, neste dia e nos seguintes, mais dese-
nhos.
138
Jan.9 Grande desejo de observar Júpiter é impedido
pelas nuvens.
139
Mar. 3 em diante
Escreve, ou pelo menos completa, uma cópia
do texto para o impressor durante este
período; provavelmente muda de "8" para "10"
meses e escreve a dedicatória.
140
GALILEU GALILEI
AO SERENíSSIMO
COSME II DE MEDICI,
QUARTO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA7,
145
humanos acabam por perecer sob a força do tempo e da
velhice, concebeu símbolos mais incorruptíveis em relação
aos quais o tempo voraz11 e a invejosa velhice não reivin-
dicassem para si nenhum direito. E, assim, passando para
os céus, inscreveu naqueles conhecidos orbes eternos dos
astros mais brilhantes os nomes daqueles que, por seus
feitos ilustres e quase divinos, foram julgados dignos de
disfrutar com as estrelas de uma vida eterna. Por isso, a
fama de Júpiter, Marte, Mercúrio, Hércules, e outros
her6is por cujos nomes as estrelas são designadas, não se
apagará antes que o pr6prio resplendor das estrelas se
extinga. Ora, esta invenção da sagacidade humana, nobre
e admirável entre todas, caiu no esquecimento há muitos
séculos, ocupando os antigos her6is essas brilhantes sedes
e mantendo-as como que por direito pr6prio. Em vão a
piedade de Augusto se esforçou por incluir Júlio César no
seu número, pois, quando ele desejou nomear como astro
Juliano a estrela que tinha aparecido no seu tempo,
daquelas a que os gregos chamam «cometa» e que n6s
chamamos «cabeleira» 12, ela, desaparecendo pouco depois,
frustrou a esperança de tão grande ambição.13 Mas agora,
Príncipe Sereníssimo, podemos augurar a Vossa Alteza
coisas mais verdadeiras e mais felizes, pois mal começaram
a brilhar na terra os imortais ornamentos da vossa alma,
mostraram-se nos céus uns astros brilhante que, como lín-
guas, [3r] hão-de narrar e celebrar por todo o tempo as
vossas extraordinárias virrudes. 14 Eis, pois, quatro estrelas
reservadas para o vosso nome ilustre, e não são elas da
multidão das menos notáveis estrelas ftxas, mas da ordem
ilustre das estrelas vagueantes, que, com movimentos sem
dúvida diferentes, fazem os seus percursos e 6rbitas com
uma velocidade maravilhosa em torno da estrela de J úpi-
ter, a mais nobre de todas elas, como sua autêntica des-
cendência, enquanto todas juntas, em mútua harmonia,
completam as suas revoluções cada doze anos em torno
do centro do mundo, isto é, em torno do próprio SoL 15
146
Na verdade, parece que, com argumentos claros, o
próprio Criador dos Astros me exortava a designar esses
novos planetas pelo nome ilustre de Vossa Alteza, de pre-
ferência a todos os outros. Efectivamente, do mesmo
modo que essas estrelas, como digna descendência de
Júpiter, nunca se afastam do seu lado senão por pequena
distância, assim, quem ignora que a clemência, a bondade
de espírito, a gentileza das maneiras, o esplendor do san-
gue real, a majestade no agir e a amplidão da autoridade
e mando sobre os outros, todas estas qualidades que acha-
ram um domicílio e sede em Vossa Alteza, quem, digo
eu, ignora que tudo isto emana da benigna estrela de
Júpiter, segundo [ordem de] Deus que é a fonte de todo
o bem? Foi Júpiter, Júpiter digo eu, que no nascimento
de Vossa Alteza, tendo já passado pelos vapores turvos do
horizonte, ocupando o meio do céu 16 e iluminando o
ângulo ocidental a partir da sua casa real I?, desse sublime
trono olhou sobre o Vosso nascimento afortunado e der-
ramou todo o seu esplendor e grandeza sobre o ar mais
puro, a fim de [3v] que o Vosso pequeno e terno corpo
juntamente com a Vossa alma, adornada já por Deus com
os mais nobres ornamentos, haurisse com o seu primeiro
sopro todo esse poder universal e autoridade. Mas porque
uso argumentos prováveis quando posso tudo deduzir e
demonstrar a partir de razões necessárias? Aprouve a Deus
Todo-Poderoso que eu não fosse julgado indigno pelos
Vossos Sereníssimos Pais para a tarefa de instruir Vossa
Alteza nas ciências matemáticas, tarefa que cumpri nos
passados quatro anos, na altura do ano em que é mais
habitual descansar de estudos mais severos. 18 Quanto a
isso, visto ter eu, por evidente acção divina, a felicidade
de servir Vossa Alteza e, por isso, receber de mais perto
os raios da vossa inaudita demência e benignidade, será
porventura uma surpresa que eu, que sou Vosso súbdito
não apenas por desejo mas também por origem e natu-
reza,19 tivesse o meu espírito de tal modo inflamado que,
147
dia e noite, não pensasse em quase nada mais do que em
tornar conhecido quão grato estou para convosco e quão
desejoso de promover a vossa glória?
E, assim, uma vez que sob os vossos auspícios, Sere-
níssimo COSME, descobri essas estrelas, desconhecidas de
todos os anteriores astrónomos, decidi, com todo o
direito, adorná-las com o muito augusto nome da Vossa
família. Se fui o primeiro a descobri-las, quem me negará
o direito de também lhes atribuir um nome e as chamar
ESTRELAS MEDICEIAS, esperando que tanta dignidade
seja adicionada a estes astros por esta designação como foi
conferida a outras estrelas por outros heróis? Pois, sem
falar dos vossos Sereníssimos Ancestrais, de cuja glória
eterna [4r] todos os monumentos da história dão teste-
munho, apenas o Vosso mérito, Supremo Herói, pode
garantir a essas estrelas a imortalidade do nome. Quem,
de facto, duvidará que por grande que seja a expectativa
que suscitastes com os mais auspiciosos começos do vosso
reino, não só a mantereis e defendereis, mas a havereis de
superar por larga margem, de modo que, uma vez venci-
dos os vossos pares, vos confrontareis convosco e dia a dia
vos superareis a vós e à vossa grandeza?
Galileu Galilei
148
Suas Excelências os Senhores Chefes do Excelente Conse-
lho dos Dez 21, abaixo assinados, com o testemunho dos
Senhores Reformadores do Estudo de Pádua, segundo o
relatório de dois a este assunto designados, a saber, do
Reverendo Pe. Inquisidor, e do secretário examinador do
Senado Giovanni Marauiglia, sob juramento, como no
livro intitulado SYDEREVS NVNCIVS, etc. do senhor
Galileu Galilei não se encontra coisa alguma contrária à
Santa Fé Católica, aos princípios e aos bons costumes, e
que é digno de ser impresso, concedem a licença para que
possa ser impresso nesta cidade.
Senhor Marco
.
Antonio Valaresso } Cheres
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o ce ente
Senhor Nlcolú Bon Conselho dos Dez
Senhor Lunardo Marcello
Bartolomeo Comi no
Secretário do Mui Ilustre Conselho dos Dez
149
MENSAGEM ASTRONÓMICN 2 ,
que contém (? apresenta
AS RECENTES OBSERVA ÇÓES>
flitas com uma nova luneta, da superficie- "; Lua,
da Via Láctea e dtJ.S nebulosas, de inumeráveis e.:;t;relas fixas,
e ainda de quatrc planetas designados. par .
ASTROS DE COSME23,
nunca até hoje vistos.
151
diâmetro dessa mesma Lua parece quase trinta vezes, a
sua superfície noventa vezes e o seu volume quase vinte
e sete mil vezes maiores do que quando são vistos sim-
plesmente à vista desarmada. 26 Daí, consequentemente,
que qualquer pessoa compreenda, com a certeza dos sen-
tidos, que a Lua não é de maneira nenhuma revestida
de uma superfície lisa e perfeitamente polida, mas sim de
uma superfície acidentada e desigual, e que, como a pró-
pria face da Terra, está coberta em todas as partes por
enormes protuberâncias, depressões profundas, e sinuosi-
dades.
Além disso, não parece coisa de somenos ter elimi-
nado as controvérsias acerca da Galáxia ou Via Láctea e
ter revelado a sua natureza aos sentidos, quanto mais
à inteligência; e será' maravilhoso e sumamente belo.
demonstrar claramente, como se apontando com um
dedo, que a substância dessas estrelas, que até ao presente
todos os astrónomos chamavam nebulosas, é muito dife-
rente do que até agora se pensou.
Mas aquilo que excede imensamente toda a admira-
ção, e o que especialmente nos impeliu a dar notícia a
todos os astrónomos e filósofos, é que descobrimos quatro
estrelas errantes 27, nem conhecidas nem observadas por
ninguém antes de nós, que,tal como Vénus e Mercúrio
em torno do $01 28 , têm os seus períodos em torno de um
certo astro insigne entre o número dos conhecidos, ora o
precedendo, ora o seguindo, e nunca ficando afastadas
dele para .além de certos limites. Todas estas coisas foram
descobertas e observadas há alguns dias 29 por meio de
uma luneta concebida por mim depois de ter sido ilumi-
nado pela graça divina 30.
Coisas talvez mais excelentes serão descobertas com o
tempo, ou por mim ou por outros, com a ajuda de um
instrumento semelhante, cuja forma e construção, assim
152
como as circunstâncias de sua invenção, [6r] mencionarei
brevemente em primeiro lugar, e depois resumirei a histó-
ria das observações feitas por mim.
153
ção das celestes. Primeiro, vi a Lua de tão perto [6v]
como se ela estivesse afastada apenas por dois raios terres-
tres 37. Depois observei muitas vezes, com incrível alegria
na alma, tanto as estrelas fixas como as errantes, e, ao
verificar o seu grande número, comecei a imaginar um
método pelo qual pudesse medir a distância entre elas, o
que por fim descobri. Neste assunto, convém pôr de
sobreaviso todos os que pretendam fazer este tipo
de observações. Em primeiro lugar, com efeito, é necessá-
rio que preparem uma luneta de grande precisão, que
apresente os objectos de maneira brilhante, distintamente,
sem estarem obscurecidos, e que os aumente pelo menos
quatrocentas vezes, pois então os mostrará vinte vezes
mais próximos. 38 De facto, se o instrumento não for de
tal sorte, tentarão em vão ver todas aquelas coisas que nós
observámos nos céus e abaixo enumeraremos. Mas para
que qualquer pessoa consiga, com pouco trabalho, deter-
minar a ampliação do instrumento, desenhe dois círculos
ou dois quadrados num papel, um dos quais será qua-
trocentas vezes maior do que o outro, o que sucederá
quando o diâmetro do maior for vinte vezes o compri-
mento do outrO. 39 Depois olhará de longe, em simultâ-
neo, ambas as folhas postas numa mesma parede, a mais
pequena com o olho aplicado à luneta e a maior com o
outro olho, à vista desarmada. Isto pode ser feito facil-
mente com ambos os olhos abertos ao mesmo tempo. k
duas figuras aparecerão, então, do mesmo tamanho, se o
instrumento ampliar os objectos de acordo com a propor-
ção desejada.
Depois de um tal instrumento ter sido preparado,
deverá investigar-se o método de medir distâncias, o que
é conseguido da seguinte maneira. Para facilitar a com-
preensão, seja ABCD o tubo e E o olho do observador.
Quando não há lentes no tubo, os raios visuais seguem
154
até ao objecto FG segundo as linhas rectas ECF e EDG,
mas, colocadas as lentes, [7r] seguem ao longo das linhas
refractadas ECH e EDI.40 Com efeito, os raios são aper-
tados e onde antes, [propagando-se] livremente, eram
dirigidos para o objecto FG, agora apenas compreendem
a parte HUI
.,
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E-:t
C
::1
D
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(i
155
distinguirei em duas partes, uma mais clara e outra mais
escura. 44 A mais clara parece rodear e inundar [de luz] 45
todo o hemisfério, enquanto a mais escura cobre, como
uma nuvem, essa face, enchendo-a de manchas. Estas
manchas, um pouço escuras e bastante vastas, são visíveis
a todos e em todas as épocas foram observadas. Por essa
razão lhes chamaremos as manchas grandes ou antigas,
para as diferenciar de outras, de menor tamanho, mas a
tal ponto numerosas que recobrem toda a superfície lunar
mas especialmente a parte mais luminosa. Estas, na ver-
dade, não foram observadas por ninguém antes de nós.
Do seu exame muitas vezes repetido deduzimos que
podemos discernir com certeza que a superfície da Lua
não é perfeitamente polida, uniforme e exactamente esfé-
rica, como um exército de filósofos acreditou, acerca dela
e dos outros corpos celestes, mas é, pelo contrário, desi-
gual, acidentada, constituída por cavidades e protuberân-
cias, como a face da própria Terra, que está marcada, aqui
e acolá, por cadeias de montanhas e profundezas de vales.
As aparências a partir das quais isro se pode deduzir são
as seguintes:
No quarto ou quinto dia após a conjunção, quando
a Lua se nos apresenta com cornos resplandecentes, o
limite que separa a sua parte escura da sua parte luminosa
não se estende regularmente, seguindo uma linha oval,
como sucederia num sólido perfeitamente esférico, mas
traça uma linha desigual, acidentada e notavelmente
sinuosa, como a figura aqui ao lado mostra. 46 Com efeito,
uma espécie de excrescências brilhantes estendem-se em
grande número na parte escura, para lá da fronteira entre
a luz e as trevas e, ao contrário, pequenas partes escuras
avançam para dentro da parte luminosa. Além disso, tam-
bém uma grande quantidade de pequenas manchas ene-
grecidas, [8r] completamente separadas da parte obscura,
156
espalha-se por quase roda a extensâo já inundada pela luz
do Sol, com excepção rodavia daquela parte que tem as
manchas grandes e antigas. Ora, notámos logo que essas
pequenas manchas têm todas e sempre em comum que a
sua parre enegrecida está virada para O Sol, enquanto, do
lado opOSto ao Sol, estão coroadas de extremidades mais
luminosas, como arestas resp landecentes. Ora, remos na
Terra uma visão tOralmente semelhante, no momento do
nascer do Sol, quando dirigimos o nosso olhar sobre os
vales que ainda não estão banhados de luz, e as monta-
nhas que os cercam resplandecem, já do lado opostO, ao
Sol. E, tal como as sombras das cavidades terrestres dimi-
nuem 11 medida que o Sol se eleva, assim também estas
manchas lunares perdem as suas trevas 11 medida que a
pane luminosa cresce.
157
[8v] Na verdade, não se vê apenas que na Lua a fronteira
entre as trevas e a luz é desigual e sinuosa, mas - o que
suscita ainda mais espanto - que um enorme número de
pontos brilhantes aparece no seio da parte escurecida da
Lua, completamente separados e desligados da zona ilu-
minada e afastados dela por um intervalo que não é
pequeno. Estes pontos aumentam pouco a pouco, passado
algum tempo, em grandeza e luminosidade, e, passadas
duas ou três horas, juntam-se ao resto da zona brilhante
que então aumentou. Entretanto, contudo, mais e mais
pontos como que pululando daqui e dali, iluminam-se,
na parte escura, aumentam e finalmente unem-se à super-
fície luminosa, que agora está ainda mais dilatada. A
mesma figura mostra-nos o exemplo disso. Ora, não é
verdade que na Terra, antes do nascer do Sol, quando a
sombra ainda cobre as planícies, os cimos dos montes
mais elevados estão iluminados pelos raios solares? E que
após um curto intervalo de tempo a luz se espalha, ilu-
minando as partes médias e mais largas desses montes? E,
por fim, quando o Sol já se levantou, não se juntam as
iluminações das planícies e das colinas umas às outras?
Na Lua, todavia, este contraste entre as elevações e as
depressões parece exceder em muito a desigualdade do
relevo terrestre, como mostraremos mais adiante.
Entretanto, não quero de maneira nenhuma passar
em silêncio um facto digno de atenção, que observei
quando a Lua avançava para a primeira quadratura 47 e
acerca do qual o mesmo desenho precedente dá uma ima-
gem. Um enorme golfo tenebroso, com efeito, situado
para o lado do corno inferior, insinua-se na parte lumi-
nosa. Tendo observado durante muito tempo este golfo
sombreado e vendo-o todo mergulhado na escuridão,
finalmente, passadas cerca de duas horas, começou a des-
pontar uma espécie de cume luminoso, um pouco abaixo
do meio da cavidade. Crescendo pouco a pouco, apresen-
tava uma forma triangular e estava ainda completamente
158
separado e desligado da zona luminosa. Logo depois,
começaram a brilhar em torno dele três outras pequenas
pontas, [9r] até que, quando a 'Lua tendia já para o
ocaso, essa figura triangular estendeu-se e ampliou-se,
para finalmente se unir ao resto da parte luminosa e,
como um enorme promontório, sempre rodeada dos três
picos brilhantes já mencionados, irrompeu no golfo escuro.
Nas extremidades dos cornos, tanto do corno superior
como do corno inferior, emergiam também alguns pontos
resplandecentes e completamente isolados do resto da luz,
como se vê desenhado na mesma figura. Havia, também,
uma grande quantidade de manchas escuras em cada
corno, mas sobretudo no inferior; entre essas manchas,
aquelas que estão mais perto da fronteira entre luz e tre-
vas aparecem maiores e mais escuras, enquanto as mais
afastadas aparecem menos escuras e mais apagadas. Mas
sempre, como já dissemos antes, a parte escurecida da
mancha está do lado da irradiação solar, enquanto uma
franja mais resplandecente bordeja a mancha na parte
oposta ao Sol e virada para a zona sombria da Lua. Esta
superfície da Lua, onde está assinalada pelas manchas
como a cauda de um pavão está pelos olhos de azur, asse-
melha-se a esses pequenos vasos de vidro que, mergulha-
dos ainda incandescentes na água fria, adquirem uma
superfície encarquilhada e ondulada de onde lhes vem a
designação popular de «taças de gelo».
No que respeita às manchas grandes da Lua, não se
vêem tão interrompidas e cobertas de depressões e protu-
berâncias, aparecendo mais regulares e uniformes, emer-
gindo apenas nelas, aqui e ali, pequenas zonas brilhantes.
Deste modo, se alguém quiser ressuscitar a antiga opinião
pitagórica segundo a qual a Lua seria uma outra Terra 48,
a sua parte mais brilhante seria mais apta a representar a
superfície terrena e a sua parte mais obscura a superfície
aquosa 49. Quanto a mim, nunca duvidei de que, se o
globo terrestre, banhado pelos raios solares, fosse visto de
159
longe, a superfície de {erra firme se oferece ri a mais clara
ao olhar [9vJ e a parte de água mais escura. Além disso.
na Lua, vê-se que as grandes manchas são mais cavadas
do que as zonas mais claras, pois tanro na fase crescenre
co mo na fase minguante, vê-se sempre surgir no limi te da
luz c das trevas, aqui e ali, em torno das próprias man-
chas grandes. os bo rdos da partc mais clara. como tivé-
mos o cuidado de mOStrar nas figuras . E os conrornos das
di tas manchas não são somenre mais cavados, mas tam-
bém mais uniformes c não cmrecorrados por rugas ou
as perezas. A parte mais ilumi nada, além di sso, eleva-se
mu ito perto das manchas, a tal ponro que antes da pri-
meira quadratura, como nas vizi nhanças da segu nda,
enormes protuberâncias se elevam acentuadamenre, perto
de uma certa mancha ocupando a região superior, isto é,
boreal, da Lua, tanto acima co mo aba ixo del a, co mo os
desenhos aqui juntos mostram:
160
IIOr]
I GI
[IOv]
162
[llr] Há uma outra coisa que observei não sem alguma
admiração e que não posso· omitir. A área em torno do
centro da Lua está ocupada por uma cavidade maior do
que todas as outras e de forma perfeitamente redonda. 50
Observei isto perto de ambas as quadraturas e dese-
nhei-o tanto quanto me foi possível na segunda figura
acima. Oferece o mesmo aspecto, quanto à sombra e à
iluminação, que ofereceria na Terra uma região seme-
lhante à Boémia se fosse encerrada por todos os lados por
montanhas muito altas, colocadas na periferia num cír-
culo perfeito. Ora, na Lua, está rodeada de cordilheiras
tão elevadas que o lado que é vizinho à parte escura da
Lua se vê banhado de luz antes que a linha divisória
entre a luz e as sombras chegue ao diâmetro que secciona
em dois essa figura. Mas, tal como nas outras manchas, a
sua parte sombreada está diante do Sol, enquanto a parte
brilhante está virada para a parte escura da Lua, o que,
sugiro eu pela terceira vez, se deve considerar um argu-
mento muito forte acerca da rugosidade e irregularidade
espalhadas em toda a região brilhante da Lua. Ora, entre
essas manchas são sempre mais escuras as que são vizinhas
à fronteira entre a luz e a escuridão, enquanto as mais
afastadas aparecem ou mais pequenas ou menos escuras,
de tal modo que, finalmente, quando a Lua está em opo-
sição e cheia, a escuridão das depressões difere da lumi-
nosidade das proeminências por uma muito ligeira e
ténue diferença.
Estas coisas que acabámos de descrever foram vistas
nas partes mais brilhantes da Lua. Nas manchas grandes,
porém, tal contraste entre depressões e proeminências não
se vê da mesma maneira como o que somos necessaria-
mente levados a reconhecer nas partes brilhantes, devido à
mudança de formas causada pela variável iluminação dos
raios do Sol ao divisar a Lua de muitas diferentes posi-
ções. No entanto, nas manchas grandes há, sem dúvida,
[11 v] áreas mais escuras, como mostramos nas figuras,
163
mas têm sempre a mesma aparência e a sua escuridão não
aumenta nem diminui. Elas aparecem, com diferenças
muito ligeiras, ora um pouco mais escuras, ora um pouco
mais claras, consoante os raios de Sol incidem nelas mais
ou menos obliquamente. Além disso, unem-se de modo
fluido com as partes vizinhas das manchas numa união
suave, misturando e confundindo as suas fronteiras. Con-
tudo, as coisas sucedem de modo diferente às manchas
que estão na parte mais brilhante da Lua, pois, tal como
penhascos íngremes eriçados de rochas de arestas vivas,
eles estão divididos por uma linha que separa abtupta-
mente a luz das trevas. Além disso, no interior dessas
manchas maiores são vistas outras áreas mais claras - na
verdade, algumas muito brilhantes. Mas a aparência destas
e das mais escuras é sempre a mesma, sem qualquer
mudança na forma, luz ou sombra. É então sabido com
certeza e fora de qualquer dúvida que elas se vêem desta
maneira por causa de uma dissemelhança real das partes e
não apenas por causa das desigualdades nas figuras que
tomam essas zonas, segundo as diferentes iluminaçóes do
Sol que move diversamente as sombras. Isto sucede de
facto nas outras manchas, mais pequenas, que ocupam a
parte mais brilhante da Lua; elas alteram-se dia a dia,
aumentando, diminuindo e desaparecendo, visto que só
resultam das sombras das proeminências que se elevam.
Mas sinto que muitas pessoas são afectadas por gran-
des dúvidas neste assunto e ficam tão embaraçadas por
uma grave dificuldade que são levadas a pôr em dúvida a
conclusão já explicada e confirmada por tantas aparências.
Pois se aquela parte da superfície da Lua que reflecte de
maneira mais brilhante os raios de Sol está cheia de
sinuosidades, isto é, de inumeráveis elevações e depres-
sões, porque é que na Lua crescente o bordo virado para
o ocaso, e na Lua decrescente o bordo virado para o
Oriente, e na [12r] Lua cheia toda a periferia, não são
vistos desiguais, rugosos e sinuosos, mas perfeitamente
164
redondos e circulares e não irregulares, com proemmen-
cias e depressões? Tanto mais que todo o bordo é com-
posto da substância lunar mais brilhante que, como disse-
mos, é completamente irregular e coberto com depressões,
pois nenhuma das manchas grandes chega até ao extremo
do bordo, mas todas se vêem aglomeradas longe da peri-
feria. Uma vez que tais aparências apresentam uma opor-
tunidade para sérias dúvidas, proponho uma explicação
dupla e daqui uma dupla resolução da dúvidaY Primeiro,
se as proeminências e depressões no corpo lunar estives-
sem espalhadas apenas ao longo da periferia circular que
delimita o hemisfério visto por nós, então a Lua poderia,
sem dúvida, e deveria mesmo, mostrar-se-nos numa
forma análoga a uma roda dentada, isto é, delimitada por
uma linha eriçadã e sinuosa. Se, contudo, não houvesse
apenas uma única cadeia de proeminências distribuídas
apenas ao longo de uma única circunferência, mas antes
muitas filas de montanhas, com as suas lacunas e sinuosi-
dades, dispostas ao longo do circuito externo da Lua - e
estas não apenas no hemisfério visível mas também do
outro lado (mas perto da fronteira entre os hemisférios) -
então o olho, vendo de longe, não poderia de modo
algum distinguir entre proeminências e depressões. Pois os
intervalos entre os montes dispostos num mesmo círculo
ou numa mesma cadeia estão escondidos pela interposição
de fila após fila de outras proeminências; e isto especial-
mente se o olho do observador estiver localizado numa
mesma linha com os cumes dessas elevações. Assim, na
Terra, os cumes de muitas montanhas situadas próximas
umas das outras parecem estar dispostos numa superfície
plana se o observador estiver muito longe e situado na
mesma altitude. Assim também, num mar encapelado, as
cristas elevadas das ondas parecem estender-se num
mesmo plano, [12v] muito embora, entre as ondas, haja
muitas cavas e golfos tão fundos que não apenas as qui-
lhas mas também os convés, os mastros e as velas de
165
navios grandes ficam ocultos. Uma vez, pois, que na pró-
pria Lua e em torno do seu perímetro há uma disposição
complexa de proeminências e depressões, e o olho, vendo
de longe, está localizado aproximadamente no mesmo
plano que esses picos, ninguém se deve surpreender que,
com os raios visuais rasantes, eles se mostrem numa linha
uniforme e nada sinuosa. A esta razão pode adicionar-se
uma outra, nomeadamente que, tal como em torno da
Terra, existe em torno do corpo lunar um orbe de subs-
tância mais densa do que o resto do éter, capaz de rece-
ber e reflectir a irradiação solar, embora sem tanta opaci-
dade que- possa inibir a passagem da visão (especialmente
quando não é iluminado).s2 Esse orbe, iluminado pelos
raios solares, oferece e mostra o corpo lunar com o
aspecto de uma esfera maior e, se fosse mais espesso,
poderia limitar a nossa vista de modo a não alcançar
o corpo sólido da Lua. E é, de facto, mais espesso em
volta da periferia da Lua; não absolutamente espesso, digo
eu, mas mais espesso em relação aos nossos raios visuais
que o intersectam obliquamente. Por isso, pode dificultar
a nossa visão e, especialmente quando está iluminado,
esconder a periferia da Lua que está exposta ao Sol. Isto
vê-se claramente na figura junta, na qual o corpo lunar
ABC está rodeado pelo orbe vaporoso DEG:
166
[l3r] o olho, desde F, alcança as partes médias da Lua,
como em A, através dos vapores mais finos DA; para o
lado das partes extremas, porém, uma abundância de
vapores mais profundos, EB, bloqueia com o seu limite
a nossa visão. Uma indicação disto é que a parte da
Lua banhada pela luz parece ser de maior circunferência
do que o restante orbe mergulhado nas trevas. Poderá tal-
vez achar-se esta mesma causa razoável para explicar por-
que é que em parte nenhuma se vêem as manchas maio-
res da Lua estender-se até ao limite exterior, embora fosse
esperado que algumas delas se encontrassem perto dele.
Parece plausível, contudo, que sejam invisíveis porque
estão escondidas sob vapores mais espessos e mais bri-
lhantes.
Parece-me ter ficado suficientemente claro, pelas apa-
rências já explicadas, que a superfície mais brilhante da
Lua esteja coberta por todo o lado com proeminências e
depressões. Falta-nos agora falar acerca dos seus tamanhos,
demonstrando que as rugosidades terrestres são muito
menores do que as lunares; digo menores falando absolu-
tamente, não apenas em proporção aos tamanhos dos seus
globos. Isto vê-se claramente da seguinte maneira.
Como foi muitas vezes observado por mim que, em
diferentes posições da Lua relativamente ao Sol, dentro
da parte escura da Lua alguns cumes aparecem banhados
de luz, mesmo estando muito longe da linha divisória da
luz, comparando a sua distância a essa linha com o diâ-
metro lunar total, descobri que essa distância algumas
vezes excede a vigésima parte do diâmetro 53. Assumindo
isto, considere-se o globo lunar, cujo círculo máximo é
CAp, e o centro é E, e cujo diâmetro, CF, está para o
diâmetro da Terra como dois está para sete. E visto que
de acordo com as observações mais rigorosas o diâmetro
terrestre tem 7000 milhas italianas, CF terá 2000 milhas,
[13v] CE 1000 e a vigésima parte de todo CF será de
167
100 milhas 54. Seja agora CF o diâmetro do círculo
máximo
168
[14r] do que 4 milhas italianas. Mas na Terra não existem
montanhas que tenham sequer a altura de 1 milha verti-
cal. É, pois, evidente que as proeminências lunares são
mais elevadas do que as terrestres. 55
Gostaria de explicar aqui a causa de um outro fenó-
meno lunar digno de admiração. Este fenómeno foi por
nós observado, não recentemente mas há já muitos anos,
mostrado a alguns amigos próximos e alunos, explicado, e
dele dei uma demonstração causal. 56 Mas uma vez que a
sua observação é facilitada e mais notória com o auxílio
da luneta, pareceu-me que não era desajustado repeti-la
aqui, especialmente para que o parentesco e a semelhança
entre a Lua e a Terra apareçam mais claramente. 57
Quando a Lua, quer antes quer depois das conjun-
ções, se encontra próxima do Sol, oferece à nossa vista
não apenas aquela parte do seu disco que está adornada
com cornos brilhantes, mas também um ténue círculo,
levemente reluzente, que parece delimitar o contorno da
parte escura (isto é, a parte afastada do Sol) e separá-la
do fundo mais escuro do próprio éter. Mas se examinar-
mos este assunto com mais cuidado, veremos não apenas
o rebordo extremo da parte escura brilhando com brilho
ténue, mas toda a face da Lua - nomeadamente aquela
parte que ainda não sente o brilho do Sol - branqueada
por alguma luz não despicienda. A primeira vista, con-
tudo, só aparece uma fina circunferência brilhante devido
à proximidade das partes mais escuras do céu em torno
dela, enquanto, pelo contrário, o resto da superfície
parece mais escuro devido ao contacto com os cornos bri-
lhantes, que escurecem a nossa visão. Mas se se escolher
um lugar tal que esses cornos brilhantes fiquem ocultos
por um tecto, uma chaminé, ou outro obstáculo entre o
nosso olho e a Lua (mas colocado longe do olho),
ficando a restante parte [14v] do globo lunar exposta à
nossa vista, então descobrir-se-á que esta região da Lua,
embora desprovida de luz solar, também brilha com uma
169
luz considerável, e especialmente quando as trevas noctur-
nas já forem espessas devido à ausência do Sol; pois sobre
um fundo mais escuro a mesma luz parece mais brilhante.
Também se verifica que este brilho, por assim dizer,
secundário da Lua, é tanto maior quanto menos distante
a Lua estiver do Sol, pois, à medida que ela fica mais dis-
tante dele, decresce mais e mais de tal maneira que, após
a primeira quadratura e antes da segunda, aparece fraco e
muito dúbio, mesmo observando num céu mais escuro,
enquanto que, no sextilo ou em elongações menores 58,
brilha de uma maneira admirável mesmo no crepúsculo.
Na verdade, brilha de tal modo que, com a ajuda de uma
luneta precisa, se podem ver nela as manchas maiores.
Este brilho maravilhoso causou não pouco espanto
nos que se aplicam à filosofia, tendo avançado alguns
com uma razão e outros com outra, como sua explicação.
Alguns disseram tratar-se do brilho natural e intrínseco da
própria Lua, outros que lhe é conferido por Vénus 59,
outros pelas estrelas; e ainda outros disseram que é dado
pelo Sol, que penetraria a vasta massa da Lua com os seus
raios. Mas tais sugestões refutam-se sem muito esforço e
demonstra-se serem falsas. Pois se este género de luz fosse
próprio da Lua, ou conferido pelas estrelas, a Lua retê-
-la-ia e mostrá-la-ia especialmente durante os eclipses
quando está num céu muito escuro. Mas isto é contrário
à experiência, pois a luz que aparece na Lua durante um
eclipse é muito mais fraca, avermelhada, quase cúprea,
enquanto que esta luz é mais brilhante e mais branca. A
luz que aparece durante um eclipse é, além disso, mutável
e move-se, pairando sobre a face da Lua de tal maneira
que a parte mais perto do bordo do círculo da sombra da
Terra se vê sempre mais brilhante e o resto mais escuro.
Daqui se compreende, sem qualquer dúvida, que esta luz
surge [15r] devido à proximidade dos raios solares inci-
dindo sobre alguma região mais densa que todeia a Lua
de todos os lados. Por causa deste contacto uma espécie
170
de aurora é espalhada na Lua nas regiões vizinhas [da
periferia], tal como na Terra a luz crepuscular é espalhada
de manhã e de tarde. Trataremos deste assunto mais
desenvolvidamente no livro sobre o Sistema do Mund0 60 •
Quanto a afirmar que esta luz é conferida por Vénus, é
tão infantil a ponto de não merecer resposta. Pois quem
é tão ignorante que não saiba que perto das conjunções e
no aspecto sextil é completamente impossível para a parte
da Lua oposta ao Sol ser vista de Vénus? Mas é igual-
mente inaceitável que esta luz seja devida ao Sol que,
com a sua luz, penetre e invada o corpo sólido da Lua.
Nesse caso nunca diminuiria, uma vez que um hemisfério
da Lua está sempre iluminado pelo Sol, excepto no
momento dos eclipses lunares. Ora, a luz diminui quando
a Lua se ap~oxima da quadratura e desvanece-se comple-
tamente quando ela passa a quadratura.
Uma vez, pois, que esta luz secundária não é intrín-
seca e própria à Lua, e também não é emprestada por
nenhuma estrela nem pelo Sol, e visto que na vastidão do
mundo não resta nenhum outro corpo a não ser a Terra,
pergunto então o que devemos pensar? Que devemos
propor? Será que o corpo lunar, como qualquer outro
corpo escuro e opaco, é banhado de luz pela Terra? Mas
o que é que isso tem de tão espantoso? Mais do que isso:
a Terra, numa troca igual e agradecida, retribui à Lua
uma luz igual àquela que recebe da Lua durante quase
todo o tempo na mais profunda escuridão da noite.
Expliquemos o assunto mais claramente. A Lua, nas
conjunções, quando ocupa um lugar entre o Sol e a
Terra, é inundada pelos raios solares no seu hemisfério
superior, que está virado para o lado oposto da Terra,
enquanto o hemisfério inferior, que está virado para a
Terra, está coberto de escuridão e por isso não ilumina de
maneira alguma a superfície terrestre. Quando a Lua se
afasta pouco a pouco do Sol, uma parte do hemisfério
inferior virado para nós passa a ser iluminada e mostra-
171
-nos uns finos cornos esbranquiçados, iluminando ligeira-
mente a Terra. A iluminação solar cresce na Lua [15v]
agora que ela chega à quadratura, e, na Terra, o reflexo da
sua luz aumenta. À medida que o brilho da Lua se
estende ainda mais, para além do semicírculo, as nossas
noites brilham mais claras. Finalmente, toda a face da
Lua que está voltada para a Terra é iluminada com uma
luz muito brilhante que vem do Sol em oposição, e a
superfície da Terra brilha por todas as partes, inundada
pelo esplendor lunar. Depois, quando a Lua começa a
decrescer, emite raios mais fracos na nossa direcção e a
Terra é iluminada mais fracamente; e à medida que a Lua
se aproxima da conjunção, a noite escura vem sobre a
Terra. Nesta sequência, portanto, numa sucessão alter-
nada, a luz lunar espalha sobre nós as suas iluminações
mensais, umas vezes mais brilhantes, outras mais fracas.
Mas o favor é retribuído da mesma maneira pela Terra,
pois quando a Lua está sob o Sol, próximo das conjun-
ções, ela está diante da superfície inteira do hemisfério da
Terra exposta ao Sol e iluminada por raios vigorosos,
recebendo luz reflectida dela. E, assim, por causa desta
reflexão, o hemisfério inferior da Lua, embora destituído
de luz solar, aparece com um brilho considerável. Quando
a Lua está afastada do Sol por um quadrante, ela apenas
vê uma metade iluminada do hemisfério terrestre, a saber,
o ocidental, pois a outra, a metade oriental, está escure-
cida pela noite. A Lua é, pois, iluminada menos brilhan-
temente pela Terra, e a sua luz secundária aparece-nos por
consequência mais fraca. Pois, se supusermos a Lua em
oposição ao Sol, ela terá diante o hemisfério completa-
mente tenebroso e coberto de noite escura da Terra
situada a meio. Se, portanto, uma tal oposição se der na
eclíptica 61, a Lua não receberá qualquer iluminação,
ficando privada de ambas as radiações, solar e terrestre.
Nas suas diferentes posições em relação ao Sol e à Terra,
a Lua recebe mais ou menos luz da reflexão terrestre ao
172
estar diante de uma parte maior ou menor do hemisfério
terrestre iluminado. Pois as posições relativas desses dois
globos são sempre tais que, quando a Terra está mais ilu-
minada pela Lua, a Lua está menos iluminada pela Terra
[16r] e více-versa. Sejam suficientes estas breves coisas que
dissemos aqui acerca deste assunto. Diremos mais no
nosso Sistema do Mundo 62 , onde, com muitos argumentos
e experiências, demonstraremos a reflexão muito forte da
luz solar pela Terra àqueles que defendem que a Terra
deve ser excluída da dança das estrelas, especialmente por-
que não tem movimento nem luz. Mostraremos, pois,
que ela é [um astro] errante e que ultrapassa a Lua em
brilho, e que não é a lixeira da porcaria e detritos do uni-
verso 63, e confirmaremos isto com inumeráveis 64 argu-
mentos a partir da natureza.
173
isto se perceba melhor [16v] a partir do seguinte: as estre-
las, emergindo por entre as primeiras luzes no crepúsculo
vespertino, mesmo se forem de primeira grandeza 65, apa-
recem muito pequenas, e até Vénus, se se nos apresenta
ao meio-dia, é visto tão pequeno que mal parece igualar
uma pequena estrela de última grandeza. As coisas são
diferentes para outros objectos e para a própria Lua, que,
quer seja observada ao meio dia ou na mais profunda
escuridão, parece-nos sempre do mesmo tamanho. As
estrelas vêem-se, por isso, raiadas no meio da escuridão,
mas a luz do dia pode rapá-las da sua cabeleira 66; e isso
sucede não apenas com a luz do dia mas também com
uma nuvem pequena e ténue que se interponha entre a
estrela e o olho do observador. O mesmo efeito também
se consegue com véus escuros ou vidros coloridos, que,
interpondo-se e opondo-se, fazem com que o brilho
envolvente abandone as estrelas. A luneta faz a mesma
coisa, pois, primeiro, retira às estrelas o brilho emprestado
e acidental e, depois, aumenta os seus globos simples (se
de facto as suas figuras são globulares), e por isso parecem
aumentadas por uma razão muito menor. Efectivamente,
pequenas estrelas de quinta ou sexta grandeza parecem de
primeira grandeza quando vistas pela luneta. o7
A diferença entre a aparência dos planetas e das
estrelas fixas também parece digna de nota. Com efeito,
os planetas apresentam os seus globos exactamente redon-
dos e circulares, como pequenas luas, inteiramente cober-
tos de luz, ao passo que as estrelas fixas não aparecem de
modo algum delimitadas por contornos circulares mas, ao
invés, como luminárias cintilando em toda a volta com
raios brilhantes. Elas aparecem com a mesma forma
quando são observadas com a luneta como com a vista
desarmada, mas muito maiores, de tal maneira que uma
pequena estrela de quinta ou sexta grandeza parece igual
ao Cão, que é certamente a maior de todas as estrelas
fixas. 6s [17r']
174
Na verdade, com a luneta poderá ver-se uma tal
multidão de outras estrelas abaixo da sexta grandeza, que
escapam à vista desarmada, tão numerosa que é quase
inacreditável, pois podem observar-se mais do que seis
outras ordens de grandeza. As maiores destas, que pode-
mos designar de sétima grandeza, ou primeira grandeza
das invisíveis, mostram-se maiores e mais brilhantes com
o auxílio da luneta do que as estrelas da segunda grandeza
quando vistas a olho nu. Para que possam ver-se um ou
dois exemplos da quase inconcebível multidão delas,
decidi reproduzir dois asterismos, para que a partir desses
exemplos se possa formar um julgamento acerca das
outras. No primeiro tinha decidido representar toda a
constelação de Orionté9 mas, vencido pela enorme mul-
tidão de estrelas e pela falta de tempo, diferi esse
empreendimento para uma outra ocasião. Com efeito,
dentro do limite de um ou dois graus existem e dissemi-
nam-se, em torno das antigas, mais de quinhentas 70 novas
estrelas. Por esta razão, às três no cinturão de Orionte e
às seis na sua espada que já foram observadas de há
muito 71 adicionei oitenta, muito próximas, vistas recente-
mente, respeitando as suas distâncias tão rigorosamente
quanto possível. Para que se distingam desenhei maiores
as conhecidas ou antigas, traçando os seus contornos com
linhas duplas, e as outras invisíveis, menores, usando
linhas simples. Também respeitei tanto quanto possível a
diferença de tamanhos.
No segundo exemplo, desenhei as seis estrelas do
Touro chamadas PLÊIADES (digo seis porque a sétima
quase nunca aparece) contidas nos céus entre limites
muito estreitos. 72 Perto destas encontram-se mais de qua-
renta outras estrelas invisíveis, nenhuma das quais afastada
das seis antes mencionadas mais do que meio grau. Assi-
nalei apenas trinta e seis destas, respeitando as suas dis-
tâncias mútuas, os tamanhos, e a distinção entre antigas e
novas, tal como no caso de Orionte.
175
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Asterismo do cinturão e espada de Orionte
176
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• * * 1t~ ~ 4' it'
-*
. it-
177
NEBULOSAS por todp, ,astrónomos até hoje são
enxames de pequenas esr'. -L" reunidas de forma espan-
tosa. Embora cada uma individualmente escape à nossa
vista, por causa da sua pequenez ou da sua grande dis-
tância a nós, da junção dos seus raios nasce aquele brilho
que até hoje se atribuía a uma parte mais densa dos céus,
capaz de reflectir os raios das estrelas ou do Sol. Obser-
vámos algumas destas e queremos reproduzir os asterÍsmos
de duas delas.
No primeiro tem-se a NEBULOSA chamada Cabeça
de Orionte, na qual contámos vinte e uma estrelas.
Na segunda está a NEBULOSA chamada PRESÉ-
PIO, que não é apenas uma única estrela mas a reunião
de mais de quarenta pequenas estrelas. Além dos Aselos
assinalámos trinta e seis estrelas, dispostas como segue: 75
,x-
* * *-"'"
~
**1(.-
~~ * ** * ~
'* lC
* *
.* ** .* * ~-
:te
it~
* '*
*"*
*'"
*f<--*
Nebulosa de Orionte
*
Nebulosa do Presépio
178
[19r'] Descrevemos brevemente as observações feitas, até
agora, da Lua, das estrelas fixas e da GALÁXIA. Falta-nos
revelar e divulgar aquilo que parece ser o mais importante
da presente matéria: quatro PLANETAS nunca vistos
desde o principio do mundo até aos nossos dias, as cir-
cunstâncias da sua descoberta e observação, as suas posi-
ções e as observações feitas nos últimos dois meses 76
acerca dos seus deslocamentos e mudanças. E convoco
todos os astrónomos a que se dediquem a investigar e a
determinar os seus períodos, o que, por falta de tempo,
não nos foi possível levar a cabo até agora. Contudo,
advertimo-los novamente de que necessitarão de uma
luneta muito precisa, como a que descrevemos no princí-
pio deste nosso relato, se não arriscam-se a empreender
essa investigação em vão.
Assim, então, no sétimo dia de Janeiro do presente
ano de 1610, na primeira hora da noite 77, quando eu
examinava os astros do céu através da luneta, Júpiter
mostrou-se, e, como me tinha munido de um instru-
mento excelente, vi (o que não tinha acontecido antes
devido à fraqueza do outro instrumento) que três peque-
nas estrelas estavam perto dele - pequenas, mas muito
brilhantes. Embora achasse que eram do número das
estrelas fixas, apesar de tudo intrigaram-me, pois pareciam
estar dispostas exactamente ao longo de uma linha recta
paralela à eclíptica, e ser mais brilhantes do que as outras
da mesma gtandeza. A sua disposição entre si e em rela-
ção a Júpiter era a seguinte:
Ori.
* O * Occ.
179
mamente com a distância entre elas e Júpiter, pois, como
já disse antes, achei que eram estrelas fixas. Mas quando,
no oitavo [dia] voltei a estas observações, guiado não sei
por que destino 78, encontrei um arranjo muito diferente.
As três pequenas estrelas estavam todas para o Oeste de
Júpiter, achando-se mais perto umas das outras do que na
noite anterior, separadas por intervalos iguais, como se
mostra no desenho seguinte:
Od.
o * * * Oec.
Oec.
* * O
Od.
180
com Júpiter e localizadas exactamente segundo a longi-
tude do Zodíaco. Tendo visto estas coisas e porque não
me era possível de maneira nenhuma atribuir semelhantes
mutações a Júpiter [20r'] e porque, além disso, me dei
conta de que eram sempre as mesmas estrelas (pois
nenhumas outras, quer precedendo, quer seguindo Júpi-
ter, estavam presentes ao longo do Zodíaco por uma
grande distância), mudei desde aí a minha perplexidade
em admiração, concluindo que a permutação aparente
tinha a sua origem não em Júpiter, mas nas ditas estrelas.
Por esta razão decidi continuar daí em diante as observa-
ções com mais exactidão e rigor.
Foi assim que, no dia décimo primeiro, vi a seguinte
disposição:
Ori,
** o Oec:.
181
foram feitas mais do que uma na mesma noite, pois as
revoluções destes planetas são tão céleres que é geralmente
possível aperceber diferenças de hora em hora.
Assim, no décimo segundo dia, na primeira hora da
noite, vi os astros dispostos desta maneira:
Ori. o cc.
Oti. Occ;
182
No décimo quarto dia o tempo estava nebuloso.
No décimo quinto dia, à terceira hora da noite, as
quatro estrelas estavam dispostas relativamente a Júpiter
como na figura seguinte:
Ori. o *
Occ.
Od. o * * *
Occ.
183
Ori. O cc.
*
Duas flanqueavam Júpiter, afastadas dele, em cada lado,
quarenta segundos BO, e a terceira estava a oito minutos de
Júpiter no Oeste. As mais próximas de Júpiter pareciam
ser não maiores, mas mais brilhantes do que a mais afas-
tada.
No décimo sétimo dia, trinta minutos após o ocaso,
a configuração era a seguinte:
Ori.
* O * O cc.
Ori.
** o * Occ.
184
Ori.
* o * Occ.
Od.
* o * *
Occ.
Oli. Occ.
* • O * *
Além disso, esta estrela observada em último lugar era
muito pequena; todavia, pela hora sexta, tinha quase a
mesma grandeza que as outras.
185
No vigésimo dia, à uma hora e qumze minutos, foi
observado um arranjo deste tipo:
Oc<:.
Od. Oc<:.
Oti. Oc<:.
186
No vigésimo primeiro dia, às zero horas e trinta
minutos, estavam três estrelas pequenas para Leste, igual-
mente espaçadas umas das outras e de Júpiter.
Ori. O CC'.
OrL O cC'.
* *
A distância da [estrela] oriental a Júpiter era de cinco
minutos; a distância de Júpiter à mais ocidental era de
sete minutos. As duas estrelas ocidentais do meio estavam
a quarenta segundos uma da outra, estando a mais pró-
xima de Júpiter a um minuto dele. As pequenas estrelas
no meio eram menores do que as dos extremos e estavam
na mesma linha traçada ao longo do Zodíaco, excepto
que das três ocidentais a do meio estava ligeiramentedes-
viada para o Sul. Mas na sexta hora da noite apareceram
neste arranjo:
O ri. .. o * 'N<'''''
O cC'.
187
A oriental era muito pequena e, como antes, distava cinco
minutos de Júpiter. As três ocidentais estavam igualmente
afastadas de Júpiter e entre si, com intervalos de cerca um
minuto e vinte segundos cada; [23r'] a estrela mais pró-
xima de Júpiter aparecia menor do que as outras duas
que se seguiam; e todas pareciam estar exactamente ao
longo da mesma linha recta.
No vigésimo terceiro dia, quarenta minutos depois
do ocaso, a configuração das estrelas era esta:
Od. O cC'.
* * O *
Estavam três estrelas alinhadas com Júpiter ao longo do
Zodíaco, como sempre tinham aparecido; duas encontra-
vam-se para oriente e apenas uma para ocidente. A mais
oriental estava a sete minutos da seguinte, e esta a dois
minutos e quarenta segundos de Júpiter, e Júpiter a três
minutos e vinte segundos da ocidental. Eram todas apro-
ximadamente da mesma grandeza. Mas na quinta hora, as
duas estrelas que antes estavam mais próximas de Júpiter
já não eram visíveis, escondendo-se, em minha opinião,
atrás de Júpiter; a disposição era esta:
Oti. O cC'.
* O
No vigésimo quarto dia foram observadas três estrelas,
todas para o lado Leste, e aproximadamente na mesma
linha recta com Júpiter, pois a do meio desviava-se ligei-
ramente para o Sul. A estrela mais próxima de Júpiter
estava a dois minutos dele, a seguinte a trinta segundos
188
desta, e a mais oriental a nove minutos daquela; e todas
eram muito brilhantes.
Oei. Oct'.
* ** O
Mas à hora sexta só se divisavam duas, neste arranjo:81
* o
Oei. Oct'.
Oei.
* * o Oct'.
Oei. * * o *
Oct'.
189
Viam-se realmente três estrelas das quais duas estavam
para Leste e a terceira para Oeste de Júpiter. Esta última
estava a cinco minutos dele, enquanto a oriental do meio
estava a cinco minutos e vinte segundos dele. A mais
oriental estava a seis minutos da do meio. Estavam dis-
postas numa mesma linha recta e eram da mesma gran-
deza. Seguidamente, na hora quinta, a disposição era
quase a mesma, diferindo apenas nisto, que perto de
Júpiter uma quarta estrela havia aparecido no Leste,
menor do que as outras, e então afastada trinta segundos
de Júpiter, mas ligeiramente elevada para o Norte acima
da linha recta, como se vê na figura junta:
Oei.
*0 o cc.
* * *
No vigésimo sétimo dia, uma hora depois do ocaso, ape-
nas se divisava uma [24r'] pequena estrela que estava para
o Leste, nesta configuração: .
Od. o o cc.
Era verdadeiramente pequena e distante de Júpiter sete
minutos.
No vigésimo oitavo e vigésimo nono dias, não foi
possível observar nada por causa da interposição das
nuvens.
No trigésimo dia, à primeira hora da noite, viram-se
as estrelas dispostas desta maneira: 82
o cc.
Od.
* O *.
190
Uma estava para Leste, a dois minutos e trinta segundos
de Júpiter, e duas estavam para Oeste, das quais a mais
próxima de Júpiter estava a três minutos dele e a outra a
um minuto desta. As estrelas mais exteriores e Júpiter
estavam dispostas numa linha recta, mas a estrela do meio
estava ligeiramente elevada para Norte; a mais ocidental
era menor do que as outras.
No último dia [de Janeiro], na segunda hora, apare-
ceram duas estrelas para o Leste e uma para Oeste:
o cc.
Oei.
** O
A estrela no meio das orientais estava a dois minutos e
vinte segundos de Júpiter; a mais oriental a trinta segun-
dos da do meio. A estrela ocidental estava a dez minutos
de Júpiter. Estavam aproximadamente na mesma linha
recta, estando apenas a oriental, mais perto de Júpiter,
ligeiramente elevada para Norte. Mas à quarta hora as
duas mais orientais estavam ainda mais próximas uma da
outra:
Oei. O o cc.
*
[24v'] Estavam, com efeito, apenas distanciadas de vinte
segundos. Nestas observações a estrela ocidental aparecia
muito pequena.
No primeiro dia de Fevereiro, à segunda hora da
noite, a formação era a seguinte:
Oei. ~O * o ce.
*
191
A estrela mais oriental estava a seis minutos de Júpiter e
a ocidental a oito [minutos]. Para o Leste, uma estrela
muito pequena estava vinte segundos afastada de Júpiter.
Traçavam uma linha perfeitamente recta.
No segundo dia [de Fevereiro], as estrelas apareciam
nesta ordem:
Oei. * o * * Occ.
Oei.
* *0 * * Occ.
Ori. Occ.
*
192
A oriental estava a um minuto e trinta segundos de Júpi-
ter, a ocidental mais próxima [25r'] a dois minutos; e a
outra ocidental estava dez minutos afastada desta. Esta-
vam precisamente na mesma linha recta e eram de igual
grandeza.
No quarto dia, à segunda hora, havia quatro estrelas
em torno de Júpiter, duas orientais e duas ocidentais, dis-
postas exactamente numa mesma linha recta, como na
figura junta.
Od. ~O o ce.
* * *
A mais oriental distava três minutos da seguinte,
enquanto esta estava a quarenta segundos de Júpiter;
Júpiter estava a quatro minutos da ocidental mais pró-
xima, e esta, a seis minutos da mais ocidental. As suas
grandezas eram aproximadamente iguais; a que estava
mais perto de Júpiter parecia um pouco menor do que as
outras. Mas à sétima hora as estrelas orientais estavam
apenas afastadas [entre elas] trinta segundos.
Od. O ce.
** O * *
Júpiter estava a dois minutos da [estrela] oriental mais
próxima e a quatro minutos da [estrela] ocidental
seguinte, e esta estava a três minutos da mais ocidental de
todas. Eram todas iguais e estavam dispostas numa
mesma linha recta traçada ao longo da eclíptica.
No quinto dia o céu estava enevoado.
No sexto dia, apareciam apenas duas estrelas a flan-
quear Júpiter, como se vê na figura junta:
193
Od.
* o * Oec.
Od. Oec.
Oli. -o Oec.
194
Júpiter quase o tocava. Estava apenas a dez segundos dele,
enquanto as outras se tinham afastado de Júpiter, estando
a do meio a seis minutos de Júpiter. Finalmente, na
quarta hora, aquela que antes estava mais próxima de
Júpiter, agora não se via, por estar unida com ele.
No nono dia, às zero horas e trinta minutos, estavam
duas estrelas perto de Júpiter [26r'] para o Leste, e uma
para o Oeste, nesta formação:
OrL • * o • Oe".
Ori. • -o Oe".
195
* * o *
Ori. Oe('.
* -o *
Ori. Oe('.
*
[26v'] e ligeiramente desviada para Norte da linha recta
traçada pelas outras estrelas. Eram todas muito brilhantes
e bem visíveis. Mas na quinta hora e meia a estrela orien-
tal mais próxima de Júpiter, tendo-se afastado dele, tinha
alcançado uma posição no meio entre ele e a estrela mais
oriental sua vizinha. E estavam todas precisamente ao
longo da mesma linha recta e eram da mesma grandeza,
como se pode ver na figura aqui:
Ori.
* **O *
Oe('.
Ori. Oe('.
* *
196
A estrela oriental mais afastada estava a dez minutos
de Júpiter enquanto a mais remota para Oeste estava afas-
tada oito minutos. Eram ambas muito conspícuas. As
outras duas estrelas estavam muito perto de Júpiter e
eram muito pequenas, especialmente a mais oriental, que
estava a quarenta segundos de Júpiter, enquanto a ociden-
tal estava a um minuto. Mas na quarta hora, a pequena
estrela que estava próxima de Júpiter para o Leste já não
aparecIa.
No décimo terceiro dia, às zero horas e trinta minu-
tos, viam-se duas estrelas para o Leste e também duas
para o Oeste.
o CC'.
Od.
* O "'*
A estrela oriental mais próxima de Júpiter, bastante visí-
vel, estava a dois minutos dele, e a mais oriental, menos
aparente, estava quatro minutos afastada desta. Das oci-
dentais, [27 r'] a mais afastada de Júpiter, que era bem
visível, estava separada dele por quatro minutos. Entre ela
e Júpiter aparecia uma pequena estrelinha mais perto da
estrela mais ocidental, pois não estava a mais de trinta
segundos dela. Estavam todas precisamente numa mesma
linha recta, ao longo do Zodíaco.
No décimo quinto dia (pois no décimo quarto o céu
esteve coberto de nuvens), à primeira hora, a posição das
estrelas era assim:
Oei.
*"'0 O cc.
197
estava a cinquenta segundos dele, a seguinte estava a vinte
segundos desta, e a estrela mais oriental, a dois minutos
desta última e era maior do que as outras, pois as duas
mais próximas de Júpiter eram muitíssimo pequenas. Mas
por volta da hora quinta só se via uma das estrelas perto
de Júpiter, afastada dele trinta segundos:
* -o o cc.
Ori.
Od. o cc.
*
No décimo sexto dia, à sexta hora, estavam na disposição
seguinte:
Od. * o * * o cc.
198
No décimo sétimo dia, à primeira hora, estavam pre-
sentes duas estrelas, uma oriental, a três minutos de Júpi-
ter, e outra ocidental distanciada dez minutos. Esta
[estrela) era algo menor do que a oriental:
Ori..
* o • Oee.
* o
Ori. *- Oee.
*
A estrela oriental estava a três minutos de Júpiter, a oci-
dental, mais próxima a dois minutos, e a outra estrela
mais ocidental estava a oito minutos da do meio. Todas
estavam precisamente na mesma linha recta e tinham
aproximadamente a mesma grandeza. Mas à segunda hora
as estrelas mais próximas de Júpiter estavam afastadas por
espaços iguais pois a ocidental estava agora três minutos
afastada dele. Mas na sexta hora apareceu uma quarta
pequena estrela entre a mais oriental e Júpiter, na confi-
guração seguinte:
Ori.
* * * Oce.
199
A estrela mais oriental estava a três minutos da seguinte,
[28r'] e esta estava a um minuto e cinquenta segundos
de Júpiter; Júpiter estava a três minutos da estrela oci-
. dental seguinte, e esta a sete minutos da estrela mais
ocidental. Eram todas quase iguais, apenas a oriental
perto de Júpiter era um pouco menor do que as outras, e
estavam todas na mesma linha recta paralela à eclíptica.
No dia 19, às zero horas e quarenta minutos, viam-
-se apenas duas estrelas, bastante grandes, para o lado
Oeste de Júpiter, precisamente alinhadas com Júpiter na
mesma linha traçada ao longo da eclíptica:
Od. o * * Oee.
Oei.
o Occ.
Oei. • . o o cC'•
200
duas para Leste, cujas distâncias entre elas e Júpiter eram
iguais [28v'] a quatro minutos. A Oeste havia uma única
estrela, a dois minutos de Júpiter. Estavam precisamente
numa mesma linha recta, ao longo da eclíptica.
No dia 26, às zero horas e trinta minutos, só havia
duas estrelas, uma para Leste a d'::Z minutos de Júpiter e
a outra para o Oeste, afastada seis minutos:
Oei. o *
Oe,".
Orá. Oe,".
*
para o Oeste, muito pequena, que antes tinha estado
oculta atrás de Júpiter, e que estava a um minuto dele. A
[estrela] oriental aparecia mais afastada do que antes, isto
é, estava agora a onze minutos de Júpiter. Nesta noite foi
possível observar, pela primeira vez, o avanço de Júpiter e
dos seus planetas adjacentes ao longo do Zodíaco, tendo
por referência uma estrela fixa; observava-se, com efeito,
uma estrela fixa a Leste, a onze minutos do planeta mais
oriental e algo deslocada para o Sul, do seguinte modo:
Orá. o- *
* fixa
201
No dia 27, à uma hora e quarenta minutos,83 as estrelas
apareceram nesta configuração: 84
Od.
* ** O cC'.
* fixa
A [estrela] mais oriental estava a dez minutos de Júpiter,
a estrela seguinte, perto de Júpiter, a trinta segundos; a
ocidental seguinte estava (29r'] a dois minutos e trinta
segundos de Júpiter, e a estrela mais ocidental estava dis-
tante desta um minuto. As estrelas mais perto de Júpiter
apareciam pequenas, especialmente a oriental, enquanto as
estrelas mais exteriores eram muito visíveis, especialmente
a ocidental. Formavam uma linha recta traçada exacta-
mente ao longo da eclíptica. O avanço destes planetas
para o Leste discernia-se claramente pela comparação com
a já referida estrela fixa. De facto, Júpiter, com o seu cor-
tejo de planetas, aproximava-se dela, como pode ser visto
na figura junto. Mas, à quinta hora, a estrela oriental
mais perto de Júpiter estava um minuto afastada dele.
No dia 28, à primeira hora, só se viam duas estrelas,
uma oriental, a nove minutos de Júpiter, e uma ocidental
a dois minutos dele. Eram razoavelmente conspícuas e
encontravam-se numa mesma linha recta. Esta linha era
intersectada perpendicularmente por uma linha da estrela
fixa ao planeta oriental, como se mostra na figura:
Od.
o * o cC'.
*
*fixa
202
Mas à quinta hora distinguia-se uma terceira pequena
estrela, para Leste, afastada de Júpiter dois minutos,
numa disposição deste tipo:
Od.
* *O * Oce.
Oce.
Ori. O *
*fixa
203
o mais oriental estava a sete minutos de Júpiter,
enquanto este estava a trinta segundos do planeta
seguinte. O ocidental estava dois minutos afastado de
Júpiter. Os [planetas] mais exteriores eram maiores e mais
brilhantes do que o outro, que aparecia muito pequeno.
O mais oriental parecia um pouco elevado para o Norte,
acima da linha recta, passando por Júpiter e pelos outros.
A estrela fixa que já referimos estava afastada oito minu-
tos do planeta ocidental ao longo da linha traçada desse
planeta 85 perpendicularmente à linha recta, passando por
todos os planetas, como a figura mostra.
Pareceu-me bem adicionar estas comparações de
Júpiter e os seus planetas adjacentes com a estrela fixa
[30r'] para que a partir delas qualquer pessoa possa com-
preender que o avanço dos ditos planetas, em longitude e
em latitude, está exactamente de acordo com os mOVi-
mentos que se deduzem das tabelas.
204
Depreende-se ainda que as revoluções dos planetas
que descrevem círculos menores em torno de Júpiter são
mais rápidas. Com efeito, as estrelas mais próximas de
Júpiter são vistas muitas vezes para o Leste quando no dia
anterior apareciam para o Oeste, e vice-versa, enquanto,
do exame cuidadoso dos seus retornos minuciosamente
anotados, o planeta que percorre o maior orbe parece ter
um período semimensal 86•
Temos, além disso, um excelente e esplêndido argu-
mento para eliminar os escrúpulos daqueles que, embora
admitindo tranquilamente a revolução dos planetas em
torno do Sol no sistema coperniciano 87, ficam tão pertur-
bados pela circulação de uma única Lua em torno da
Terra, enquanto as duas juntas completam um orbe anual
em torno do Sol, que concluem que esta constituição do
universo deve ser recusada como impossível. Pois aqui
temos não apenas um planeta revolvendo em torno de
outro enquanto ambos se deslocam ao longo de um
grande círculo em torno do Sol, mas os nossos sentidos
mostram-nos quatro estrelas vagueantes [30v'] em torno
de Júpiter, à semelhança da Lua em torno da Terra, ao
mesmo tempo que todas elas com Júpiter percorrem um
grande orbe em torno do Sol no intervalo de doze anos.a8
Finalmente, não podemos passar em silêncio a razão
por que sucede que as estrelas Mediceias, enquanto com-
pletam as suas revoluções muito pequenas em torno de
Júpiter, parecem por vezes duplicar de tamanho. Não
podemos de maneira nenhuma buscar a razão nos vapores
terrestres, pois as estrelas aparecem maiores ou mais
pequenas enquanto os tamanhos de Júpiter e das estrelas
fixas vizinhas se vêem completamente inalterados. Por
outro lado, parece absolutamente inconcebível que elas se
aproximem e afastem da Terra no perigeu e apogeu das
suas revoluções a ponto de causar tais grandes mudanças.
De facto, o pequeno círculo que percorrem não pode, de
205
maneira nenhuma, ser capaz de produzir esse efeito;
quanto a um movimento oval (que neste caso teria que
. ser quase direito), parece ser inconcebível e de maneira
nenhuma concordante com as aparências. 89
Ofereço com agrado o que me parece neste assunto e
submeto-o ao julgamento e censura dos bons filósofos. É
bem sabido que por causa da interposição dos vapores
terrestres o Sol e a Lua parecem maiores, mas as estrelas
fixas e os planetas mais pequenos. Por esta razão, perto
do horizonte as luminárias parecem maiores mas as estre-
las mais pequenas e geralmente invisíveis; e diminuem
ainda mais se esses vapores são inundados de luz. 90 Por
essa razão, as estrelas parecem muito pequenas durante o
dia e nos crepúsculos; mas não a Lua, como já afirmámos
antes. Pelo que já dissemos acima e também pelas coisas
que serão discutidas mais amplamente no nosso Sistema 91,
é igualmente certo que não apenas a Terra mas também a
Lua tem o seu próprio orbe vaporoso em seu redor. E
podemos, por isso, fazer o mesmo julgamento acerca dos
restantes planetas, de tal maneira que não parece inconce-
bível colocar ao redor de Júpiter um orbe mais denso do
que o resto do éter em torno do qual os planetas MEDI-
CEUS são levados, como a Lua em torno da esfera dos
elementos. E no apogeu, pela interposição deste orbe, eles
parecem mais pequenos, enquanto no perigeu, por causa
da ausência ou. atenuação deste orbe, parecem maiores.
A falta de tempo impede-me de prosseguir este
assunto. O honesto leitor pode esperar em breve mais
sobre estes temas.
FIM
206
NOTAS
207
Archivio Storico Italiano, 47 (1911) 346-378, mas qualquer boa bio-
grafia de Galileu esclarece as suas origens. Veja-se em especial
MICHELE CAMEROTA, Galíleo GaMei e la Cultura Scientifica nell'età
della Controriforma (Roma: Salerno Editrice, 2004), pp. 25-37 e as
indicações bibliográficas aí apresentadas. Pode ver-se a árvore genealó-
gica de Galileu em: Opere, XIX, 17.
208
S Perspicilli nuper a se reperti. Muito se escreveu já sobre o
sentido correcto a atribuir a esta expressão, que depende da tradução
do verbo reperio. Drake: "lately invented by him"; Van Helden:
"lately devised by him"; Hallyn: "récemment conçue par lui"; Pandn:
"qu'il venait d'inventer". A posição de Galileu acerca disto foi clara,
embora nem sempre compreendida por todos. Galileu reconheceu
que os holandeses haviam sido os primeiros a fazer um telescópio e
sempre disse que a notícia disso lhe tinha chegado. Por exemplo, no
II Saggiatore (1623) foi completamente claro acerca da prioridade da
invenção, falando de um "Olandese, primo inventor del telescopio"
(Opere, VI, 259). Mas também sempre insistiu em que a sua concep-
ção, se bem que posterior, havia sido independente, e não uma cópia
de qualquer telescópio. Veja-se EDWARD ROSEN, «Did Galileo daim
he invented the telescope?», Proceedings 01 the American Philosophical
Society, 98 (1954) 304-312.
209
8 Sobre o estilo deste prefácio recorde-se a feliz expressão de A.
gias de Propércio (liv. III, no. 2, verso 19): "Nam neque Pyramidum
sumptus ad sidera ducti", na tradução portuguesa: "Pois nem o
esplendor das Pirâmides erguidas até aos astros", in: PROPÉRCIO, Ele-
gias. Tradução portuguesa de Aires A. Nascimento, Maria Cristina
Pimentel, Paulo F. Alberto, J. A. Segurado e Campos (Lisboa: Centro
de Estudos Clássicos; Assis: Accademia Properziana dei Subasio,
2002), p. 153.
210
12Tal como a palavra grega Cometes [K0J..lTj1:TJS], também o
termo latino Crinitas significa farta cabeleira.
211
17 Orientalemque angulum sua Regia illustrans. O ângulo
oriental é o formado pela intersecção da eclíptica com o horizonte
oriental, isto é, refere-se ao signo que está a nascer. O passo tem
alguma dificuldade de tradução que, no entanto, já foi resolvida pelos
anteriores tradutores. O ablativo "sua Regia" tem aqui valor instru-
mental e refere-se à casa regida por Júpiter, isto é, Sagitário. Galileu
dá, portanto, uma indicação temporal bastante precisa: Júpiter encon-
trava-se no ponto mais elevado da sua trajectória e o signo Sagitário
estava a nascer. Estes factos são confirmados nos dois horóscopos
(cartas natais) de Cosme II que Galileu fez (só um está completo).
212
expressão "astronomicus nuncius" tem sido sempre traduzida com o
sentido de "mensagem astronómica". Astronomicus nuncius parece ter
sido o segundo título que Galileu pensou para o livro, já que antes o
havia designado por Astronomica denuntiatio, e depois passou a cha-
mar Sidereus Nuncius.
213
29 Signific;,. que esta parte do texto foi escrita pouco depois da
descoberta dos satélites de Júpiter, isto é, em meados de Janeiro de
1610.
Hallyn considera que o termo "ne peut être traduit que par une
périphrase" e propõe: "un habitant des Provinces des Pays-Bas"
(HALLYN, p. 117). No II Saggiatore (I623) Galileu usa o termo "un
Olandese" (Opere, VI, 258).
214
(Roma: Istituto delta Encidopedia Italiana, 1960), vol. 5, pp. 114-
-116; FRANCO MUSARRA, «Giacomo Badovere e il problema dei
'Libertini'», Ateneo Véneto, 11 (1973) 121-137.
215
alterar de forma significativa o trajecto dos raios. Como se explica no
Estudo introdutório, isto parece estar de acordo com o que se julga
ter sido a compreensão de Galileu da óptica involvida.
216
dade, com especial destaque para Plutarco, haviam defendido que a
Lua era como a Terra, com montanhas e vales.
217
55 A demonstração da altura dos montes da Lua foi contestada
por um Johann Georg Brengger, e depois defendida por Galileu,
numa troca de correspondência entre finais de 1610 e o início de
161l. Vid. Opere, X, 461-462, 466-473; XI, 13-14, 38-41.
218
A 7 de Maio de 1610, ou seja, poucos dias depois da publicação do
Siderem Nuncius, numa carta a Belisario Vinta, listando as obras que
planeava escrever, Galileu refere um "De sistemate seu constítutione
universi, concetto immenso e pieno di filosofia, astronomia e geome-
tria" (Opere, X, 351). A obra a que alude s6 surgiria mais de trinta
anos depois e trata-se evidentemente do Dialogo sopra i due massimi
sistemi (1632). Embora as origens do termo "sistema" [crúcr't1]I.lU,
.rystema] radiquem no sentido que lhe era dado pelos est6icos da anti-
guidade, a expressão "sistema do mundo" [.rystema mundt] só entrou
no vocabulário corrente da astronomia no final do século XVI. Sobre
a expressão "sistema do mundo", ver: MICHEL-PIERRE LERNER, «The
origin and meaning of "World System"», Journal for the History 01
Astronomy, 36 (2005) 407-44l.
219
creation, to which the dregs and baser e1ements sank. The actual cen-
tre indeed was hell", ARTHUR O LOVEJOY, The Great Chain 01 Being
(New York: Harper and Row, 1960), pp. 101-102. A opinião de que
o centro é o pior lugar do mundo aparece claramente em Aristóteles
(De caelo, liv. II, cap. 3, 293 a) e em Cícero (De natura deorum, liv.
II, cap. 6, 17), por exemplo. Em 1640, John Wilkins defendia que o
principal argumento contra o copernicianismo a ser refutado era
aquele "fram the Víleness of our Earth, because it consists of a more
sordid and base Matter than any other part of the World; and there-
fore must be situated in the Center, which is the worst place, and at
the greatest distance from those Purer incorruptible Bodies, the Hea-
vens", «A Discourse concerning a new planet, tending to prove, that
('tis probable) our Earth is one of the Planets», in JOHN WILKINS,
Mathematical and Philosophical W0rks (London: John Nicholson,
1708), p. 200. Sobre este assunto, vide REMI BRAGUE, «Le géocen-
trisme comme humiliation de l'homme», in R. BRAGUE et J. F.
COURTiNE (eds.), Herméneutique et ontologie. Hommage à P. Aubenque
(Paris, 1990), pp. 203-223, depois como: REMI BRAGUE, «Geocen-
trism as a humiliation for man», Medieval Encounters, 3 (I997) 187-
210; DENNIS R. DANIELSON, «The great copernican cliché», American
Journal 01 Physics, 69 (2001) 1029-1035; DENNIS R. DANIELSON,
«The bones of Copernicus», American Scientist, 97 (2009) 50-57;
DENNIS R. DANIELSON, «Myth 6: That copernicanism demoted
humans fram the center of the cosmos», in: RONALD L. NUMBERS
(ed.), Galileo goes to jail and other myths about science and religion
(Cambridge, Mass. and London: Harvard University Press, 2009),
pp. 50-58.
.
64 Rationibus sexcentibus. Galileu escreve, literalmente, "selS-
centos argumentos", com o sentido de muitos ou inumeráveis.
220
chamadas de primeira grandeza, as outras a seguir de segunda gran-
deza e assim em diante, até às de sexta grandeza. Na versão portu-
guesa do Atlas Celeste de Flamsteed, edição de 1804 [Atlas Celeste,
arranjado por Flamsteed (... ) Primeíra edição portugueza, revista e cor-
recta pelo Doutor Francisco Antonio Ciera, e pelo Coronel Custódio
Gomes Vi/las-Boas (Lisboa: na Impressão Régia, 1804)] usa-se ainda o
termo "grandeza". Sobre magnitude estelar, ver: MAxIMO FERREIRA e
GUILHERME DE ALMEIDA, Introdução à Astronomia e às Observações
Astronómicas (Lisboa: Plátano, 1995), pp. 196-201.
221
71 As três estrelas no cinturão de Orionte são as conhecidas
"três Marias": Mintaka (o-Orionis), Alnilam (e-Orionis) e Alnitak
(Ç-Orionis). Entre as seis da espada conta-se a nebulosa de Orionte
(M42) que, como se explica no Estudo, estranhamente Galileu não
refere (supra, p. 74).
222
77 Hora sequentis noctis prima. A primeira hora da noite não
se refere à uma hora depois da meia noite. No tempo de Galileu, o
tempo era contado a partir do põr do sol e o dia civil começava e
terminava com o põr do sol. A primeira hora em Pádua a 7 de
Janeiro de 1610 começou por volta das 16h30.
223
mais ilações desta observação, mas ela é de extremo significado.
Alguns historiadores sugeriram que este argumento teria desempe-
nhado um papel central na aceitação do sistema coperniciano: "I
would suggest that this realization that the earth could likewise keep
the moon in tow was absolutely central to Galileo's conversion to a
strong. enthusiastic heliocentrismo Later, when he had determined the
periods of the circumjovials. he realized thar the innermost satellite
was rhe quickest to round Jupiter, the outee satellite was the slowest,
and so on. Behold! A miniature Copernican system!", OWEN GINGE-
RlCH, «Truth in Science: Proof, Persuasion, and the Galileo AfIain> ,
Perspectives on Science and Christian Faith, 55 (2003) 80-87, cito na
p.84.
224
GALILEU GALILEI
S/DEREUS NUNe/us
Reprodução facsimilada da edição de Veneza,
Tommaso Baglioni, 1610
SIDEREVS
NVNCIVS
MAGNA, LONGEQVE ADMln.AnlLlA
!>pl.'dacula r~ndeD6 ~ fufj,icicodaq1re propom:ns
vnicuiquc .. pr:rfcrrun vero
P lJ 1 L O S O P II IS, <11'1 AS 7'.Iro NO M I S ~ 'lN" J
GALILEO GALILEO
PATRITIO FLORENTINO
Pat311ioi GYl110anj Publico Mathematico
P E R S PI C I L L I
){lIperàfcrcpertiberle/icioftml obft1ltat:zin lP~ F.ACIE, Fl'X1S rN::
'Nj'MEJUS, UCT E.O CIR,.CPLO, STE!LI S '1\!-BPLOSlS,
Jppmne "Pero in
~V A T V O'R P L A N E T J S.
Cire.l J o V I S Srcll:lIU di(paribus intcruaIlis, atque pcriodis. celcri·
lue mirabili circu mllolutís; <juos. nemini in bane vfque
dienn cogniccs. nouifftme Author deprz-
bcr.dit rrnJlus; :1rque
MEDICEA SIDERA
NVNCVPANDOS DECREVIT ..
V ENETlIS, ApudThomamB.tglionum. M De X.
$lIleriDY1'lm Per"'iÚIl.> & prtrlilegifl.
,'1.
[227]
SERENISSIMO
COSMO MEDICES II.
MAGN O HiETRVRllE
D vC I 1111·
'1\.ttclarum fim" Allple hUlIlI!11itatis
pIe num tOrUm jUft mflitutum, qui
excellentium f7./irtute "'PirOrUTIJ tU
prttclare g.eflAs Ab imlid,a tutari ~
eorumque immol·tAlitate digna no ..
mma ab cbllUione , atque Imcri/tI
'Vindicare conal; flnt. Hine Ad mcmor;am paflerita.
tit prodrttt ImAgines, "'Pel mart/Jore inJculpttt, "Vel ex
tt,f. fiatt; hinc POjitlC .Ú.1tlflt tA1I1 pedelires''fuà1n..J
cqu~flresj hinc Co/umnarum,at'fue 7Jyramidum,"Ptin ..
quit il!e,fomptur ad Sydera dua,; hinc.denique'VrIJfs
a:dip"catl?, {orumquc I11fignittt IJomimbus , 'luos gral"
pojleritAS II:ternit ati comrnendandos exi!hmault'. Eiu]:
TI10dltfi mimbumanlt mentis conditio J "'Pt "ifi alJidu;s
rcrum fimu!acris m tam extrin(uus irrumpentibus
ptdfctur, omnis ex illa recordatio lad/e eJ/luat.
Veí'llm alij firrâora, ac diulttrtJiora j}eflanleS,ttte r ..
?Ulm fumN10rum 'Virorum prttconium non foxú,ac me..
eA. 2. tal/is
[229]
tal/ii ,{eJ ."'fu/ârllmtufl(Jái~ & ÍlJ(()rruptis li/fera ..
j
Iligm ha!.uú font, qui 'VnJ cum eA.flris ~uo ftmpiter ...
110fruerentur. ~am 06 rem 11011 prius 10uis:1 (!..'ll ar-
. tis, .5l-1ercurij , Hercl!lis" citterorumquc heroum''l"rJ..
rum '11~tnini6I1s Stellit tl,fpeUtl,11ttlr "lã"Ja ohftldr.tbi- .
tur" q"àm ipforum Syderum jplendor extinguatur.
Boc tl,utem hl41J1t1,1M I"gtl,citdtis inumlunl cum primis
nflbile tl,C lIlirAnd"m mu/tortlm iam flc"lQrum inter-
J
[230J
!
Jlantiftitn41 'Vir/llttI IU41 in (JtJ1lJt ttmpusl0'luantur,
'" ,elebrlm. En igitur ,!ualuor Sydcr4 tuo ,",lytO "o ...
mini referu4ta) neljue i#a de gregario J ae minus in{l-
gni inerrantium numero, fld ex illuflr; 'Vagantium
lJrdine , qu~ quidem difparibul ;nterfo mOlibus tir ..
,um Iouil ~'te"am e~terarum lIJbi/1]imam, tan'luam
germana tius pr9geniel) mrfos fuos) or"esque (onft...
âlln! ce/eritAre mirab;!i interea dum '7.JnAntmi con ...
cordia cirea mundi eentrum, cir,a Solem nempe tE'''
fi/m, oml1ia fimul duoderimo qU0'lue Anno magnas
CO"UO!Uti011eS ablôluunt. 'Vt a"tem ínclito Celfiludi-
11is tUd: nomini pr" c&teris nONOS bofle 'PlanetAS de ..
fli11ltrem, 'pfêmet Syderum Opifex perfpicúis 14rg.umtn
tis me admonere 'VijUs efl. Etenim que1IJAdmoduIII
bte Stell.e tamquam Ioue digna proles nunquam ab il-
lie,,s latere, nijí exíguo interual/o di/cedunt; ila qllis
iglJOrat clementia1n, animi manfoetNdinem J moru",
foatltitatem, regij fangllinis (plendorem, in aélioni..
Ims mllieflarem J authoritatis ~ &' lm/,erq in alios
ámplitnJinrm, qUdi qUidt'm omnia in tll4 Ce/fitudme
fi6i dortliclllUm, fAC fldem collocarunt ~ quis inqutt11l
ignorat /JótC omnia ex benignijJimo lluis Afiro, Ihu,,-
dum 7JCUffJ omlzillm bonorum fintem, emanáre? 11Ip-
piter, [u/,/,iur inquarn, à primo CeljitJidmis tu.e ortll
turbidos H()ri~1Jtis "Ptf/,ores iAm trtm/gr:lJüs meduunq;
reli carJinem o"upans ) Orientalemq!le angulum lu"
7\egia i/luflrans,ftzlicijJimum /,Artúex flblim:- illo tro
no projpexit,omnemq;fplendorewJ atq; am;/lttld:1JC11I
ruam in F"rijJimum Aer(m projúd'l J 'VI ''7.milJ.crj.trI'
útam
[231]
'Ila m t'f,'im ) tI( potcJIdum une"u", corpuftulum 1'T.I11J
(um animo 110/;;lí07;bIlS ornam, 71tis iam À Dco dccnr4-
to ~p"imolPiríttl hAuriret. V crum 'luid c...(O proba6;.
libus t'Vtor argtJmentatiol1ibUS:> (um rd ncajfari4 pro-
pemodum ratltme cOl1cll"dere ) ac demonflrare qutam I
r.pIMu;t7)eo Dptimo Maximo:> "Ptà Seren~lfmis pa...
rentibus tuis no» indignus exi/Hmarer:> qui Ce/fitudi..
'fIi tute itJ lradendh Jvlathemttticis diftplinis operam
nauarem, quod quidem pr~fíiti qllatl~or foperioribus
1J.111Jis pl'oxtmJ elapfts, tO al1l1i tcmpare ii quo 4 fluerio.
ribus jludijs ocium ej(e confieuit. .i00 drca cum mi·
bi di,,;nitus plane comigerit;'Pt Ce/filudi"; tu.e i'ft(er-
uirem:> atque ;deo incredibilis Clemtnti~, de bmi;;ni-
tatis IU.e radlOs propius exaperim; quid mirum fi ani-
mus meus adeo incaluit:> 'VI nihil aliud propfmodum
dia, notiesque meditetur:> qUd11J rvt e,go.1 qui nOI1 (o.
lum a»imIJ> fid ttiam ipfo o1'tu.1 ae natura.fol, tUd...J
Jominatione fom, tuoe e,lori.e cupidijJimus:> cr qulll1J
gratijJimtfs {rgare cjJecr. .e:no.fc4r! Ji(.u~cum itaftnt:t
(um te Aujpice C OS ME SerenijJime, has Sul/as
!uperiori/;us Aflronom;s omnibus incognitas explora.
uerim ~ optimo iure eM r:Auguflilfmo l'].>rofoPi.e tu.e no-
mine in{iglúre dureu;. i!.!.,odft il/as primus indaga-
ui) 'luis me iure reprtChendat, fi ijfliem quoque nome."
impofuero,ac ME DIC AE A sr DE 1{ A Appel-
laro ?jperanJ [ore, 'Vt tantl~m dignitatis ex hac appel-
latione ijs S"derilJUs acudat.) qÚIl'l1/um ttlitt ctetcr;s
Heroibus attt,tlerrmt. :JV:.!.m "Pt taceam de SefenijJimil
tui! c.9J-laioribt-:s.) '1uorll.m gloriam jttlipiurnam om-
nwm
[232]
4-
nium hiftor;ArUm mOnUlnt11t4 tefl4ntur ) fol4 tU4 'Vir..
tus ) Maxime H eros , illit eAflris impertir; poteft 1If1 ..
tninis immortalitatrm. CHi mim duMum effe poteJi
'1U;lI 'luam tui expellationem ft/ici(s imis lmperij Au-'
fpicijs concitaft;, quamuis fommam ~ tam 1I01l1"/um.
Jieffineas, aC tuear;s , 'Vlrum etiam longo intel-ual{a
flperatt~rus /is ? "Pt cum alios tui /imites 'Vieeril, te...
Cum nJhiJominus ipfe certes.) ti, te ipfo , Ae magllitudi.
"Oe tua in dies 1IIaior eUdias •
Sufcipe itaque Clemcnriflime '1'rineeps bane ti"; ali
eAftris' refiruatam gemiliciam gloriam, & illis diNinis
bonis, 1Utl non tam ti Stellir, quttm d Stellttrum Opi-
fiee .) ac ModerAtore 'Defl ti"i Jeferuntur, '1"4111 d,ll ..
tiflime fruere.
, DAtum Pat4úij 4.Iàus M4rty, ""l 'De x.
Celfitudinis tUI:
tAJJirJifsimul SeruiiJ
[233]
cu :EcccllentimmiSignori Cari deU; Etc. Conr. de' X.
infràfcritti) hauuia fede dalli Sig.Reformatori dc:J Studio
d~Padoua"per reJarione delli due à qucfto deputati , doe
daI Reuer.P .1nquifitoT,& dai Circ:Sccrcrario dei Scn~lto
Gio.Marauiglia~con giuramc:r:rc 1 come nelljbro ImitoIa..
to S Y DE R E V S N VNCIVS" &c. di D.Ga-
liIeo GaJilci. non li troua aleuna cofa contraria alia Santa
Fede CattQlica,Prendpi)& buoni cofiumi.& che cdegDO
di Sta1llpa,conccdono licenza, che poffi cífer ftampato in
quefia.Cinà.
D.atumDie primo Martij 1610.
D.M.Ant.Val~e{ro
l>.Nicoio BOA ( Capi deU'E". Conf. de' X.
D,Lunardo Mar,eUo .)
[234]
ASTRONOMICVS
NVNCIVS
o BSE R. Y .4 T 10 N ES Jl. B C E N S H.4 BIT'" 6
N 'IIi Ptrj}killiiI,nll.;' ;~L"",~fMir~L"éie, çir"'-
Stt/li.rf, ncbllújis ~ ;n""meril jxis ~ fi/til'.;.
(jllll'lIor p/4nclis
C O S M I C -Â S r DEitA
t,.,i",1I1
IJII1:CNp/llis ~ nlllUjfl/l1ll Ç"'Ú,lJis t1dhllç J
.11'1'11 tltÇl"TAIU.
A-C N Arequidern in b3C exigua
tralbtione fingulis de Natura
fpeculantibus infpicienda, coo·
tcmpJanda<.]uc propono. Magna.
inquam ~ tum ob rei ipJius prz-
fiantiam, rum ob inauditam per
étuum nouitarem) tum criam
propter Organum) cuius bem:-
tido eadcm fen(ui notlro obuiam fefe fecerunt •
Magnum fane eft Cupra numeroram 'lnerrandum
Stdlarum ll1ulritudinem, qUíe nat'UraJi facultare in
hune vfque diem confpici potl1erunt~ aHas innume.
f3S fuperaddere .. oculiíquc palàm exponcrc, anteha,
conípcétas nunquam, &ql1a!' vcteres~ ac notas plus-
quan1 fupra dccupbm muJtiplidtatC'rn fupcrenr.
Pukhcrrimum, atque viru iocundiffimum cft, Lu ..
n:t~c corplls per fex dcnas fere terrcares diametrol
à l10bis retnQtum, tam expropinquo intueri ,"ô'!C fi
B per
[235]
OBSElt VAT. SIDERBAH
per duas tantum cafdem dimenfiones dillaret; adeo
vt eiufJcm Lunz diameter vicibus quafi terdenis, fu-
perficies vera noningcntis:# foliduln autem corpus
vkibus pl'Oxime viginti feptem mil11bu$ mains appa.
reat,J quam dum libera tantumacie fpeétatur: ex qUQ
deinde [enfaea certitudine quifpiam intelligat, Lun3m
fuperficie leni 1 & perpalita nequaquam effi: indutam...
fcd a[peta. & ina:quali, de vduti ipfiusmet Telluris
facies ingentibus tumoribus" profundis lacunis, ate
que anfi-aétibus vndiquaque confeItam exifiere.
Altcrcationes infuper de Galaxya,J feu de Laéteo
circulo fubfiuliífe:l eiufquc. elfentiam fenfui, nedum
inteUcétui manifeftaífe, parui momcnti exirtimandulD
rninime videtur dnfuperque fubfi.amiam Stcllarú.. quas.
Nebulofas hucvfque Afironomorum quilibet appella...
uit digit.o demonfirareo longeque aliam dfe quam ere-
ditum haétcnus efi,iocundum erit, arque perpulcrum..
Verum, quod omnem admirationem longe fupe..
rat, quodve ad Monitos faciendos cundos Afiro-
nomos,. atque Philofophos nos· apprime impulit.,. ii·
lud ell:, quod [ciJicet Quatllor Erraricas Srellas nemi ..
ni eoruro, quI ante nos,. cogruras) aut obt.eruatas ad.
inuenimus,. qua: drca StdIam quandam infignem e
numero cognit3rum ,. inllar Veneris) atque MercuriJ
circa Solem, ruas. habent periodos.) ea.mque modo
pr;eeunt, modo fubfcquunrur) nunqu<lmcxtra: certos
limites ab illa di~redientes. Qu~ eO:tnja ope Perfpi-
cmi à me excogitati diuina prius illuminante grada~.
pauds. abhinc diebus reperta:#. atque obferuata fue~
[UDt •
Alia forte przffanti'ora) vel à me)o vel ab alijs in-
dies adinuenientur coníimilis· Organi beneficio, cuius
formam" & appa.ratum~ acenon illius excogitandi oe-
cafionem.
[236]
ItECENS HABITAE. ,
caGonem prius breuiter commemorabo , d einde habi..
tarum à me ObCeruationum hiftoriam recenfebo.
[237]
OBSElt VAT. SIDEREAE
tuitus"ac fi vix per duas Telluris diametros abcfTet..
Poll bane Stellas tutn fixas, tum vagas incredibHi a·
nimi iocunditate fa;opius obferuaui j eumque harum
maximam frequenriam vidC'rcm. de ratione qua illa-
rum interlHtia dimetiri poífem excogitare c~pi" ac
d~mum reperi. Q,tIa de re IinguJos pra!monitos elfc
decet. qui ad huiufcemodi obferuationes accedere
volum. Primo eoim necefiadum ea, vt fibi Perfpicil·
Jum pareiU exaél:jffimum) quod ohieéta peUucida)
diíHnda, & DuUa caligine obduêla reprcrfenret) ca-
demquead minus fccuooum quatereemuplam ratio-
nem multiplicet. tune enim ma bisdccupl0 viGiniora
communHrabit; niti cnim tale fucIit lnftrumemum,.
ca omnla" qux à nobi$. confpe~a wal in c~lis II quzvê
intra enumer:lbunrur II intueri tenrabitur trunra. VI:
autem de muldplicatione inílrumcQd quilibet parua
nego do ,crdor reddatur> circulos binos. aut quadra..
ta bina eartac~a concornabit II quorum alrcrulll qua.
terccnties altero majus exUl:at) id autem crit tune "dí
maioris di:unetcr" ad diamcuum altcrius longitudinc:
fuerj;: vigecupla;. dciode fupcrficies ambas in eodem
paricte inEiAas íimul à longe fpedabir ~ minoré qui-
dem altero oculo ad Perfpicillum admoto t ntaiorclU
vere ~!te:o oeulo libero i commodê cnim id ficri li..
(;Ct vno codcmque tempore oculis ambobus adaper..
tis; tune enim figurz 301bz eiufdem apparchullt lua-
gnitudinis, fi Organum [ccundum optaram propor-
tionem obic:éla multiplicaucrit. ConlimiJi parat& ln ...
firumento, de ratioue dilbntiaru:n dimetiendarum
inquifcndum crit .; quod tali artificio aífequemur. Sit
enim ,fadlioris intelligenti3! gratià,'). Tubus A li CD.
Oculus infPidentis eno E. radi; ~ dum nulla in Tubu
adcílent Perfpidlla 3d .obiedum F G. fccundum li·
neas reGtas B.C.F. E D G.tcrrcntur) íedappolitis Pcr-
fp"illis
[238]
R.ECENS HABIT AE. .,
fpicUtis ferantu! fccunduQl liDcas refradas E C H.
E D L. coarltanrur enim ) & qui prius liberi ad F G.
()blcGtum duijcbautur , partem caDtummodo H I. cõ-
.,
C
Â.
E-=f )
D
~ HJ
G
[239]
OBSEtt VAT. SIOEltEAH
v~rgit primo loco dicamus .. quam fadlioris inteIJigen ..
tia: .grada in duas' palres difiinguo ~ alteram nempe
danorem ,obfcuriorem alteram: darior videtur totum
Emifphzrium ambire, arque perfundcre i obfcurior
vero veluti nubes quórdam fadem ipfam inneit, macu-
lofamque rcddir j ifta: autem macula: fubofcura:, &
fatis amplre vnicuique funt obuire, illafque reuum om..
ne confpexir; quapropter magnas~' feu antiquas eas
appelJabimus .. ad diíferentiam aliarum macularum am-
plitudine minorum, ar frequenda ira confitarum, vt
totam Lunarem fuperflciem) pra:fcrtim vero lucidio ..
rem partem confpergant l ha: vero à nemjne ante nos
obferuata: fuerunt i ex ipfarum autcm firpius iteratis
infpcétionibus ~ in cam dedué'ti fumus fementiam J vt
certo intelligamus~ Luna: fuperncic:m;, non perpoJi~
,tam ) requabilem , exaébffima:que fpha:ricitaris cxiftere,
vr magna Philofophorum coors de ipfa, deque reliquis
corporibus cceleftibus opinara cft) Ced contra inrequa..
!em, arperam , ,auiratibus , tumoribtiíque confcrram.
non fecus;) ac ipliusmetTeJlurisfacieh qua: momium
iugis ,vaIliumque profunditatibus hincindediíHngui-
tur. Apparentia: vero ex quibus hzc colligerelicuit
cilJrmodi rum.
Q!Ja.rta aut quinta poft coniundionem die .. cum
íplcndidís Luna fefe nobís comibus offert ~ iam
tCTminus ~ partem obfeuram à Juminofa diuidens,
non a:quabilitcr fc(;undum ouakm lineamextendi-
tur.. vtluti in folido 'perfede fphreri(oaccidcret ;
fed in(equabili) afpera) & -admodum finuofa linea
defignarur, veluti appa-fira figura r-epra?fentar. com-
pIures ením ve1utiexcrefcentiz lucidre vltra lueis te-
nebrarumqtiê conttuia. in partt"ln obkuram exten-
duntur .. & contra renebricora: paniculz jntta .,Iumen
mgrcdiuniur. Quinimo;) & magna nigricantium ma-
cularum
(240J
REC ENS HAB lT AE. g
cularum t:xiguarum copia , amoin o à tt l1cbrofa parte
{eparatarum} COram feri: plagam iam Satis lumine pc!'~
furam vndiquaquc conrpergit, illa r.ltem ~cepta par·
te quz magni s ,& antiquis maculis cfl aftcaa . Adno -
tauimus autem) modÇ> diébs cxiguas maculas in hoc
1cmpcr ~ & OInnes conuc nirc) vt panem habcant ni·
grican tem locum Salis rerpicientemi ex aduerCo amem
.solis lucidioribus tcrminis ~ qualí candcnribus iugis co
ronen tur. Ar confimilcm pçnitus afpcGtum babemus
in Terra cirea Salis cxortu m) dum vallc:s nondulU lu..
mine perfuf3.s) monte s vero iIlas ex aducrf o Salis. dr..
cundamcs i.:.m iam fplendorc: fuJgcntcs intuemur! ae
vcluti rcrrefidum cauiratum vmbrol Sole fublimio ra
perente immim uuntu r, ir:! & Lunares jíl:r maculz s
,rc:fccntc parte lumin ar.. te m:br~s ami[[u ll[ •
1241 J
OBSEJ\ VAT. SIDERBAH
Verom 0011· modo tenebrarum & luminis confioJ.
in Luna inzqualia , ac finuora cernuntur, fcd .. quod
maiorem infere: admirationem, pcrmulc:!' apparenc
lucida: cufpidcs intra tenebrofam Lunx partem ·om. .
nino ab lIIuminata plaga diuifoe .. & auulfa", ab eac.;uc
non per cxiguam intercapedinem djffita:, quz paula..
tim aliqua interieéla mora magnitudine, & lumine
augentur; roll vero [cçundam horam, aut t(rtiam,
reJiquz parti Iucida!,& ampliori iam fadz iungunrur;
ínterim tamen ali~ .. arque aliz hincinde quafi pulIu-
la·ntes intra tcnebrofam partem acccnduntur, augen:
tur, 3(: demum C'idem Juminofa;o fuperfidei magis 3d·
huccxtenfz, copulantur. Huius cxemplum eadem fi.
gura nobiscxibet. Ar non ne in eerris ante SoUs exor
tum, vmbr3adhuc p13flities occupanre, :l1d!limomm
cacnmina montium Solaribus rê\dijs iJ1uIlrantur? non·
ne exiguo inrcrieao tempore ampliJcur lumen dum
mcdÍll',,&brgiores corundemmonrium part.es ilJumi.
llantur j ac tandem erro iam Sole planicierum, & col~
Hum i1Jumln:uiones iunguntur f Huiufmodi autem
cmíncnti:".nlln ) & cauitarum difcrimina in Luna longê
lat.eque terrcfirem afperitatem fuperarevidentur li vt
infral~cmonfirabimus. Intcrim filenuo minimc inuol"
uam quid animaduerftone dignum à me Qbferu.uum '
dum Luna ad primam quadraturam properaret , euiu!
ctiam imaginem eadem Cupra polira delineado pra-fe-
fen; ingcns eoim finus renebrofus jn partem lumino ..
fam fubit li vcrfus inferius cornu· locatus; quem quidé
finu11l cum diutius obferuaffem , rotumque obfcurum
vidiffem, tandem poft duas fere horas paulO inEia me·
diulll cauicatis vcncx quidam lUI11!nofus exurgcre ele-
pit I hic vero paulatiOl ,refcens trigonam figur,j m PI a!
fe fCl"cbat, eratquc omnino atlhuc à lumino13 t:'tdc rc·
uulíus, ac fcparatus; mex circ.a .il1um trcs alia:: ctl11}iJc.\'
exigucr
[242]
Jl E C EN S H A BIT AB. ,
exjgu~ Jucere c~perunt; dom~c, Luna iam occafuDl
verfus tendente. trigo na illa figura extenfa, & 3m.
plior iam fàéta cum reliqua luminofa pane neétebatur..
ac inftar ingentis promontorij, à tribus iam comme..
nlOratis Iucidis vcrtidbus adhuc obldfa. in tenebro..
fum finum erumpebat. ln extremis quoque cornibus
tàm fuperiori ilquàm inferiori fplendlda qUírdam pua
da t & ornnino à rcliquo lumine diliunétaemerge-
bane ; ",eJuei in eadem figuradepidum cernitur. Erat..
que magna obfcurarummacularum vis in vtroquecor
nu, maxime autem in inferiori ; quarum maiores, &
-ob[curiores apparent , qu~ termino lucis, & tentbra-
rum viciniores [unt ;remotiores vero obfcura' minus.
ac magis dilu t-3?Sempcr tamen ) vt fupra quoque me..
mimmus ) nigricans iplius macula: pars irradiationis
Solaris locum r-efpidt .. [plendidiorveró limbuI nigri-
cantem maculam in pane SoU auerfa, & Lunz tene..
Inolam plagam refpidente, circundat. Hzc Lunaris
[LI pel fides, q uà maculis, inftar Pauonis cauda cfrUe
leis oculis> ditlinguitur .. vitrcis illis vafculis redditut'
coniimilis ii qU:l adhuc calcmia in frigidam immilfa
perfraétam :> vndofamq; Cupedidem acquiruBtJcx quo
à vulgo GladalesCial'l nuneun'pantur. Verummagna:
eiufdem Lunz maeul~ confimili modo interrupta!) at·
<lue lacunis) & emincntijs conferrz minime cernútur;
[cd magis zquabilcs . . &vniformes; fOlummodo cnhn
c!arioribus nOllnullis arc:olis hàc i1Iàc featent) adcó vc
fi quis vctercm Pythagoreorum fcntcntiam exfukit.lrc
vclir) Lunam fcilket tife quafi Tellurem alteram, dus
pars luddior rcrrenam fupc:rficiem , 'obfcurior vero
aqucam magis congrue rcprxfentet : mihi <lutem du·
bium fui!: nunquam, Terrdlr,is globi à longe confpc-
di)3tl)Ue à r;ldijs .)olaribus pertuli ) tCI'ream fupedidé
dariorcm~ obr'uriorcm vcró aqucam fc fc in confre:
C "um
[243]
OBSHVAT. SIDEREAE
&um daturam. DcprdIíores iofuper in Luna ccrnun-
tur magnzmacub:, quim dariores plagz; in illa c:nim
ram crCfceatc j qoam dccrcfec:ntc (eroper in lucis tene-
brarumque confitúo l promiocntc hincinde dn:a iplas
magnas maculu contcrmiui partis lucidioris i vclutl in
deCcribcndis ngufi.s obferuauimus j ncque dcprcfii.ores
tantummodo fune diaarum macularum tcrmini, (cd
zquabiliorcs,Dee rugis, aue afpt.rlr3ubus interrupti.
l.ucidior veró pars maxime pro pc maculas eminet i a-
dto vt, & ante quadraturaul primam ~ & in ipla ferme
fecunda circamacul.1m quandam ,fupcriorcrn J barca-
km ncmp~ Lun~ pJagam occupantcm valdi: a((QUan-
tur tam Cupra iUam" quàm intra ingentes qU.l.'d;t emi·
DeDU"', vcluti appoútz przec/CrUnt dclincationcs.
HóEC
(244J
....~~RECENS HABITAE. n
-
H~c ~adem m:rcuTa ante quadraturam
ni grioribus quibufdam ttrminis circumualJ.1flt C'onfpi.
ciwr i qui t3nquam altillima montiwu juga (;x parte
Soli aucrfa obfcuriores apparcnt» quà vcro Solc:m re·
fpiciunr Jucidiorcs extant; cuius oppofitum in cauit3-
tibus.acci ..iit) quaruO'\ p3rJ SoU auerfa fplendcns ap-
parte) obfcura vero) ac vmbl'ofa) quz ex pane Solis
{ir,] di . lmminuta deindc luminor; fupcrticic, cum
primum t O ta fteme diaa macula tcncbtis cfiobduda,
dariora rnõtium d?rf3 cmincntcr [cncbras rcandunt.
HJnc dupliccm apparcnd,uu fc:quente$ .6gur~ ,om-
molleam.
c • Vnum
[2451
•
--- _. .- ... ..
[246J
R E C EN S H A BIT AE. rr
Vnum quoque obliuioni minime tradam, quod nó
niRaliqua c\Im admiratione adnotaui: mcdium qua-
fi Lunz locum à cauitate quadam OccupatLlm cffe ce-
liquis olunibus maiori,ac figura perfeétz rotunditatis;
hane: prope quadraturas ambas confpexi eandemque
in Cecundis Cupra poRtis liguris quantLlm licuit imita-
tus fum •. Eundenl qu\o ad obumbrationem, & illu.
minationem facit afpetlum, ac faceret in terds regio
confirnilis BoemlZ',) li montibu, altjffimis, inquc pe.
ripha:riam perfeéH cin:uli difpofids ocduderetur vn·
dique: in Luna cnim adeo ela tis iugis vallatur, Vt C).'.
trema horatenebroCa: Lume parti contermina Solis
lumine perfura fpeétetur ~ priufquàm tueis v-mbrcrque
terminus ad médiam ipfius figura: diameuum penin-
gat. De more au.tCtn reliquarum macularum,vmbro-
fa ilIius pau Solemrefpicit ~ lurninoíà vero verfus [e-
ncbras Lume confiítuitur ; '1uod tcrdo Jibenter obier.
uandum admoneo, tanquam firrniffimum argumen.
tum) aCperitatum, ina:qualiratulnque per totam Lu-
na: e:lariorem plagam dtiperfarum ~ quarum quident.
macuJarum fcmpcr nigriores funtillz) qu.r confinio
luminis, & renebrarum contermina: fuDt ;.remotiores
ver o tum minores I'tum obfcura: minus apparent) ita
vt tandem cum Luna in oppo[ttione torum impleue..
rir orbem .. modico, admodumq~e renui dif,rimine.
cauitatum opacitas. ab eminentiarum ,andore difac.
perHa;c
• quz receW.unnus
_I'. • .. 1 oh L
10 c anOfl us unz regIa-
o· •
nibus obferuantur, verum in magnis mae:ulis tal is nó
confpici tur lacu naru m) eminentiarum4.ue differen tia,
ql1alem nece(fariõ confiituere e:ogimur in partelucidio
ri .. ob mutatioDem figurarum ex alia, atque alia iIlu-
minatione radiorum. Solis· ,. prout mnltiplid pofitu.
LW1a1Uref~icitj. atin magtÜ$ maculise.xifiuot quidem
areolz
[247]
OBSEtt VAT. SIDEltEAE
areoJél' nonnulJ~ fubobfcuriorcs vc1uti in figuris adno·
tanimus I attamen ma;! eundem femper faeium: afpe.
dum, neque inrenditut eatum opaciras, aut remiui·
tur) [ed exiguo admodum difcriminc:: pauJulum ob.
fcuriores modo apparent, modo vero darior,es i fi ma-
gis ,aut minus obliqui in eas radij Solares incidanr ~
iunguntur pra!rcrea cum proximis maéularum parti-
bus leni quadam copula.) confinia mifeentes, ac con..
fundentes; {ecus vero in maculis accidit fplendidioré
Lun:l fuperfieiem occupantibus; quafi emm abrupta'!
rupes afperis, & angularis feopulis confirz, vmbrarú,
Juminumque rudibus difcriminibus ad fineam difrer.
m;na'ltur. Speét.lOtur infuper intra eafdem magnas
maculas areolor quredam alia! dariores, imo nonnullz
lucidiffima': vtrum & harum, & obfeuriorum idem fem
per eft afpeélus, nulIa , aut figurarllm t aUI: Jucis ,aue
opacitatis mutatio; adeo vt cvmperrum, indubita..
tumque fit,apparcrc ilI;I$ ob veram partium diIlimila.
ritarem, non amem oh imrqualitates tantum in figu-
ris eafundem partium , vmbras ex varijs Solis illumi.
nalioOlbus diuer6modc mouentibus; quod bene c-on-
tingit de macuJis alijs minoribus clariorem Luna' par.
tcm occupantibus; indies cnim permutanrur, augen-
tur, imminuuntur ,abolenrur; quippe qua: ab vmbris .
t:lnturn eminentiarum ortum ducunr.
Verum magna hic dubitatione complu res affici fen-
tio, adeoque graui difllcultatc occupad , vt iam expli-
catam ,& toe -'pparcntijs confirmatam concJufionem
in dubium reuocaie cogantur. Si enim pau illa Lu-
natis fu perficiei ~ q Ua! fplendidius Solares radios fel or.
quet, anfi aGtibus;) tumoribus feificet, & lacunis innu-
meris dt rCplctà; cur in crcfcemi Luna extrema dr..
cumfcrenria, qu~ occalum verfus lpedat, in dccre-
fcemi vera altera femidrcumferenda oricntalis, ac in
p1eniiu-
[248]
RECENS HABIT AE. II
pieoilunio tota periph~ria non inzoquabilis) afpera» &
finuofa) verunl exaéte rotunda, & ciJcínar.lJOoulhíque
tumoribus) aut cauiratibus corrofà eonfpich:ur! arque
tx eo maxime, quia tOtuS integer limbus ex dariori
Lunre fubltaoria conaat, '-luam tuberofam, laeuno-
f.zmque totam etre di\(imus) magnarum cnim ma,u-
larulll nuIla ad extremum vfque perimetfUm exporri.
gitUf, fed omoes procul ab orbita aggregátír ,eroun·
tur. Huius apparentizo anfam tam grauiter dubitan.
di prrebends" duplicem ,aufam JO ac proiodeduplicem
dubitationis foJutionem in medium affero. Primo e..
nim; fi tumores) & cauitates in corpore Lunari fc-
cundum vnicam t3DtUnl circuli periphreriam) emi[.
phrerium nobis confpicuum tcrminantem, protende"
renrur i tune poífct quidem, imo deberet Luna fUD
fpeeie quaíi dentara! rotzo fe fe nobás ofteodere ~ tu-
herofo nempe ~ ac finuofo ambitu terminata, ar fi non
vna tantum eminentiarum feries, iuxta vnicam folum-
modo circumfc:renriam difpofitaruJn, fed permulei
montium ordines cum fuis lacunis. & anfraétibus cir-
ea extremum Ll1nz 'ambitum coordinari fuerint, ijq;
non modo in emifph.zrio apparenre) fed in auerfo criá
(prope ramen emifphiriorum finitorem) tuoe oculus
à looge protpidens cminentiarum cauil:atunlque di.'
(crímina depraohendere min.ime poterit~. intercapedi-
ncs emm momium in codem circulo ~ feu in eadem
ferie difpofitorum :. obieétu aliarum eminentiarum in
all;s) atque aJijs ordinibus conftiturarum) occultaotuf»
idque maxime I fi oculus afpicíentis in cadem reda cú
diétarum eminentiarum verricibus fucdt Ioeatus. Si;
in terra multorum ) ac frequencium montium iuga fe-
eundum planam fuperfidem difpofita appal'ent,fi pro.
fpidens procul fuerit ,& in pari aJtitudine conftitu[us.
,sic cftuofi pelagi fublimes vndarum vertices fecunJum
. ideal
[249]
OBSEllVATIONES SIDEREAE
idem planum videmur atenu ,quamuis inter fluélus
maxima voraginum,)& lacunarum fitfrequentia,adc:o ..
que profund~rum ~ vt fublimium nauigioru Innon mo-
do carinz, verum eriam puppes, m;aJi ~ ac vela inter
mas ahfcondantur. Quia igittlr in ipf.1 Luna, & drca
eiu$ pc:rimetrum muJriplex efl cminentiarum ,& caui.
tatum coordinatio) & oculus elonginquo Cpedans in
eodcmfcre plano cumvcrtidbus iHarum loçarur ine~
mini mirnm elfe debet quod radio viCorio iIlos abra·
dcnti, fecUl1dum zquabilem Jineam) minimeque an·
fraétuofam fe fe off-crant. Huic rationi altera 1ubncéli
porefl~ quod nempe drca Lunarc corpus efi.. vehu:i d:-
ta Tcrr,:uD, orbis quidam denfióris fubfiantiz reliquo
a;terc;, qui Solis irradiationem concipere .. atque refie-
dere valet, quamuis tanta non fit opacitate przdims,
vrvifui (pra:ofcrrlm dum ilIuminarusnon fuerir) tran·
íitum imberc valeat. Orbis ifiz à radiJs Solaribus illu-
minatus .. Lunare corpus fub maioris fpha:ore fpedem
rcddit. repra:fematque: etfetque potisaciem noLham
terminare quominus ad Luna:' Colidiratem pertinge-
ter, ti cr:dIities eius fotet profundior; arque profun-
dior quidcm dt circa Lun~ periphaoriam, profundíor
inquam non abfoluLe., [ed ad radios nofiros) oblique
iIlum; Cccantes, r.elatus; ac proinde vifum nofirum jni.
bere potcfl, ac pra:fertim luminofus exifiens, Lunçquc
pcripheriam Soli expofitam obtegere. Quod clarius in
appotita figura intdligitlu;in qua Lunare corpus ABC.
[250]
RECENS HABIT AE. 13
ab orbe vaporofo dreundacur DE G. Oeulus v(ro
ex F. :ld pauesintermedias Luna:) vt ad A. pcrtin-
git per vapores DA. roinus profundos i at \'crius ex-
tremam Íloram" profllndiommcopia vaporum E B.
afpeétum' nonrum ruo termino pra-cJudit. Signuffi
huius efi, quod pars Luna: lumine perfuCa amplió-
ris circumfcremi.r apparet.) quam reliquum orbis
tcnc.:brofi : atque hane eandem ,aufam quifpíam for ..
te t.ationabilcm exiClimabif, (ur maiores Luna: macu·
JS; nulla ex parte ad cxtremum vfque ambitum proten-
di confpiciamur, cum tamen opinabjle Ut nonnullas
ctiam ,irea iHum reperiri; incon[picuas:tamen etfc ue·
dibJle videtur ex co" quod fub profundiori, ac lud~
diori vaporum copia abfcond:mrur •
Eífe igitUr dariorem Luna: fuperfidem tumoribus;t
~tque lacunis vndiquaque confperfam, ex iam expli<:a.
tis apparitionibuçíàtis apertum eífe reor; fupercíl: vt
de illorum m:lgnitudinibus dicamus, demonltrantes
Tcrrefrrcs afpcritates lunaribus eífc longe minores:
roinoresinquam criam abrolute IQquendo" non aucem
in ratione tamum ad fuorunigloborum magnitudil1es;
idque fie maoifeíle dcc1ar.ltur.
,Cum l:~pjus à me oblcru:lturn fir in alijs arque.aHjs
Lun~ ad Solem conílitutionibus venh:cs nonn~ílos
intra tenebro[am LuOéE' partem, licet à termino lu-
ds làtis remotos" lumine perfufas o1pparerc; conre-
rens eorum difrantiam ad integram Luna: dii1!ncaum,
cognoui ioccrílitium hoc vigciilllam imcrdum <'1ia-
IT.ctri panem fupc:rare. ~o iumpro; intcUigJlUr
Lunaris globus:. cuius maximus circulus C A F. ccn-
trum vero E. Dinu:tiens. C F. qui ad tcmr dia-
metrum eU VI: duo" ad feprem; cumque tcrrcllds
diamerer) fCCUlldl1m c~aetiorcs obkruationcs mil-
liaria ltalica 7000. comlneat,criL C F. 2.000. CE.
D \'Cl'Cl
[251]
OBSElt VAT. SIDEREAB
vero 1000. pars Jurem vige1ima tOdus. C F. milil
ria 100. Sit modo C F. Dimetiens drcul.i. maximi .
[252]
RBCBNS HABtT AE. 14
miliaribus Italids 4- verumin TelIure nulli ext3nt mOR
tes, qui vix ad vnius miliarij altitudinem perpendicu-
larem acced.mq manifefium igiturrelinquitur ) Luna-
res eminencias terrefiriblJs .etre fublimiores.
Lubet hoc 10.co alterius cuiufdam Lunaris arpar...
tionis admiratione dignre caufam affignare, qu~licet
à nobis non recens , fed multis abhinc annis obferuata
fir, nonnullifque familiaribus amid~, & difcipulis o-
ftenfa" explicata ~ atque per caufam declaraia; quia
!amen ..eius.obferuatioPerfpicilli opefadlior rcdditur,
atque-euidentior ~ nonincongrue hocin loco reponen
dam effe duxi;idque etiam tum maxime. vt cognatio)
atque íimilitudo .inter Lunam ,atque Tellul'cm ela-
fius appareat.
D.nm Luna·tum ante, tumetiam pofi: conilJnétione
non pro~ul.à Sole: rcperitur, non modo ipfius globus ex:
parte qua lucentibl:fs cornibus .cxorn3tur vifui nofiro
fpedandum fc fe offcrt ,.verum etiam tenuis qu~dam
fublucens pcriphreria, tencbrof;:e partis. Soli ncmpe
aucrf;:eorbitam delineare) arque ab ipfius retheris ob-
fcuriori campo f('itJngere vid ur. Verum .fiexadio.
ri in (petl:ione rcm confideremus ) videbimus non tan·
tum extremum cenébrofre partis limbum incerta <)ua-
dam clarirate lucentcrn; ledintcgram Lunx fadem,
ilIalu.nempe, qu~ Solisfulgorem.nondum fentit,lu.
mine ·<}uodam, nec cexiguo ) albicarc; appar~t tamcn
primo intuitu fubtilis untulllmodo circumfercnria
lucens) proptcrohfcuriores ca:li partes fibj conter-
minas i rcliqua vetà fupcrficics obfcurior e contra vi-
detur 1 ·ob .fuJgentium cornuum adem nofiram oh-
tenebrantium concadum. Verum, li quis talem fibi
cligat :Útum, vt 3 tedo, vel camino, aut aliquo alio
obice intcrvifUm" & Lunam ( fcd proeul ab ceulo
polito) comua ipfa luçcmia occulu:ntur ~ pars vcro
D a reliqua
[253]
OBSEIt VAro SIDERBAB
reliqua Lunaris globi afpcétui nofiro. expolira l'elin·
quatur) tuncIuce non exigua hanc quoque Lunxpla-
gam, lkct Solari lumine defiitutam lplendcrc depr~
hcnder, idque potiIIimum .. fi ialn noéturnus orror ob
folis abfenei:un increuerit,) in campo coim obfcurio-
ri eadem lux darior apparet. Compcrtum infupcr eH,
hane fecundam (vt ica dic3.In) Lun~ dariratem ma-
iorém cne qua ipfa minus à Sole dilliterit; per elonga-
tioncm enim ab co remittitur magis, magisquc > ~dco
''c pofi primam quadratur.:un, & ante fecundam, de-
bilis, & acmodum incerta comperiatur, licct ln 00·
[curiori ccrIo (peaetur; cum tamcn in fextiti, & mi.
nori eJongatione, quamuis inter crepufcula mirum
immodl101 flllgear : fiJIgeac inquam adco ~ vt ope exa-
di Perfpicilli magn~ maculiE in ipfa difringu:mtur.Hic
mirabHis fulgor non modicam philofophantibus intu-
lit admirationem; pro cuius C3tlf.1 affercnd.1 a1ij alia
in medium protulerunt. Q.!.lidam coim proprium cOe)
ae naturalem jpfiusmer: Lun;r fplendorclll dixerunt ;
alij à Venere illi cífeimpcnitum, alij à Stt:llis omni.
bus, alij à Sole/'quiradijs fuis profundam Lun~ foli.
diratem permeet. Verum huiufcemodi prolaea exi·
guo labore coarguuntur .J ac fàl!i[atis euincuntur. Si
cnim aut proprium eífct.J am i Stellis collatum dur-
modi lumen, ilfud maxime in Ec1ypfibus n:tinerct, Q.
ílcnderetque:J cum in ob[curiffimo cttlo deftil:uatur;
quod tamcn aduerfatur experienri;r: fulgor cnim qui
in deliquijs apparel: in Luna longe minor ett ~ (ubru. .
Jils, ac quafi aencus; hic vero darior, & candidior; eft
infiJ per ille mutabilis) ac loco mobilis i v.agatur cnim
per Lunre fadem, ade ove pars ma, qu;r pcriphxriz
circuli \'mbr~ terrefiris propinquior dl:.J darior, re-
liqua vera obícurior [cmper fpcdetur; ele quo omni
proculdubio id acddere intelligimus, ex radiorum 50.
larfum
[254J
RECENS HABIT AE. I'
larium \Ticinitate tangentium craffiorcm quandam regict-
nem)quz Lunam orbiculariter ambit,eIC quo cõtadu Ao
foraquórdam in uicinasLunzplagas ctrunditur .. nófecus
ac in terris tum mane) tum vefperi crepufculinUln fpargi-
túr lumen; qua de re fufiu! in libra de Sifiemate mundi
pertraétabimus.Alferere autem à Venere impertitam tiuf
modi lucem puerile adco dl1vt refponfione fit indignum;
quis'enim adco infcius erit,vt non intelligar.. drca coniun
tHonem.& intra fatilem afpeétúlpartcm Lunz,Soli auer.
Cam vt à Venercfpeéietur omnino eífeimpolIibilc' EIlc ao
tem ex Sole,qui ruo lumine profundam Lun~ roliditatem
penetrct,a tque perfundatJpariter efi inopinabilc; nunqui
cnim imminueretur)cum femper emjfph~rium Lunz àSo
lc fi[ ilJuftratum, tempore Lunarium Edypfium excepto:
dinúnuirur tamen dum Luna ad quadraturam properat.&
omnino ét heb~atur Idum quadratum fuperauerit. Cum
itaque eiufmodi recundarius fufgor..nec Lunz fit congeni
tus,atq ue proprius,nec à Stellisvllis)nec. à. Sole mutuatus,
cumq; iam in Mu ndi vaftitare corpus aliud fuperMt nullú.
nili rola Tellusi quid qU2'foopinandum? quid proferen-
dum? llunquid à Terra ipfum Lunare corpus,3ut quidpii
aliud opacum, atque tcnehro[um lumine perfundi' quid
mirum? maxime: éequa gr31:aqiJe permutatione rependit
TeIlus parem illuminationem ipli Luna;'lqualem & ipfai
Luna in profundioribus noais tenebris toto fere tempo-
re recipil:. Rem darius aperíamus. Lunain coniund!o.
nibus,.cum medium inter Solem & Terram obrinet locú t
Solaribus radijs in fuperiori ruo emi[ph~rio T err~ auerfo
pertunditur; emirph~JÍum vero inferius, quo Tcrram
a[pieit tcnebris eU ()bduétum; nullatenus jgitur terrefiré
fuperficiem ilJuUrat. Luna pau latim à Sole digrelfa iam
iall1 aliqua ex parte in emifphzrio inferiori ad nos ver.
gente illuminatur, albicantia cornua .. fubtilia tamen ad
nosconuenit;&leuiter Tcrram illufirat: crefcitin Luna
D 3 iam
[255]
OBSEl VAT. SIDEREAE
iam ad quàdraturam accedcnte SoIaris: i.J1omióatio; lu-
getur in tereis eius Juminis reflexio; exrenditur adhuç
(upra femieirculum fplendor in Luna;. & noftr~ dàriorcs
effulgentnoétes j. tandem integer Lun2vultus) quo ter·
ramatpicic, ab oppolito Sole dariffimis fu1goribus frra-
diatur; enitetlonge lateque terreflris filpcrficies Lun~.
ri [plendore perfufa; poRmodum decref,cns Luna debl-
liores ad nos radios emittit, debilius ilIuminatur terra j
Luna ad,coniuntlionel11 properat. atra nox Terram oe·
,upat. Taliitaque periodo alternis vldbus Lunaris fal-
gormenftruasiUuminationcs dariores modo) debiliores.
alias nebis largitur ;. verum ~qua lance b cncudum à T d'·
lure compenfatur. Dum enim Luna fub Sole di'ca' coo.
iunélioncsreperitur, fupcrfiGiem terrefiris emilphedj So-
li apoliei, viuidisque radijs ilJuflr·ati integram refpieir ~,
ttaexumque ab irra lumen con-cipit :·ac proiI:1dc ex tali
reflexione ínferius· cmifph~rium Lun~, licet Solar! lu ..
mine deftitutum , nonmodicê Iucens· apparet., Eadem
l.una,per qU3dranten\ à.,Sole remota .l'·dimjdiuro rantum
c:crrefiris·. cmiipha:rjjilluminatum confpidt .l'fcilicct Geei..
duurn., altera' onim mcdietas oriental is noéte obrc:nebra·
tur:.crgo &ipfaLuna fplendide minus àTcrra iJlufira'"
tuf,. eiufve proiodc lux. iHa fecundaria exílior oobisap-
parct •. Qgàd fi lunamin·oppolirione adSoJem ,oofti-·
tuas: fpeólabit ipfà emjfph~rillm intumcdix TdJuds om
nino tcncbrolhm, obfcuraque noéle perfúfum; fi igitut
~dyptica fucrit talis 0ppc tido, nuU~m prorfus iIlumína..
tionem rcdpjet Luna ,,~olari limul, ac (crreftri irradia-
tione delHtula. ln alijs,3rquc:aJijsaqTerrarn~ & adSo~
lero habitudinjbus· maius, minusvc à tcrrcítri refllxio·
ne I('dpic lun~cn.,.· prout maiorcm ... :mt minorem terre-
ilris cmiJphil'riJ illuminati 'panem fp(;étaucrjr ; is <mim
mter duos.hoíi.;e Globos feruatur tenor, vt quibustem"
poribus maximç ~. Luna ,U1uftratur TçHus ~ j jfdtm mÍl'
nus
[256J
ltECENS HABITAE. 16
nus vice verfa à Terra illuminetur Lt:ma, &e'côntrà..
Arque h~c pauca de hac rc in pr~fendlo,o diéta fuf.:
ficiant .. fu {ius enim in no!l:ro Sy{tematc Mundi; vbi
complurimis & rationibus, & experimentis vaHdiffi..
ma Solaris luminis e Tcru reflcxio ofienditur illis 2"
qui c:am à Stellarum corea arccndam cífe iaélitant 2
ex co poti1limum> quod à motu" & à lumine fit va-
(ua: vagam enim iJIam, ac Lunam fplendol'efupc-
fantem, non autem fordium, mundanarumque fcoo;
C11m fentinam, eífe demonihabimus, & nlturalibus,
CJuoque radonibus fexecntis connrmabimus.
Dixünushucu[quc: de Obferuationibus· circaLuna-
re corpus habids) nunc de Stellis fixis ea quz aélenus
à nobis infpcéla fuerunt brcuírer in medium adfel'a-;
mus. Ac primo illud animaduerfione dignum efi,
quod fdlicet Stellz tam nxz" quam errabundre, dum,
adhibiro Perf.pici110 [pcétantur ~ nequ3quam magni~
tu dine augeri videntur iuxta proporcionem eandem.,
fecundum quam obieda reliqua, & ipfamet quoquc
Luna, aeguirunt incrementa; verum in SteUis talis
audio longe minor appartt : adco vt Perfpicillum2
quod reliqul obieét4 [ecundum centupIam" gratia c ..
xempU racionem multiplicare potens crir,) vix fecun-
dum quadruplam, aut quintuplam Stc:llas multiplices
rcddcre credas: ratio autem hulus cft, quod feilicet
Afira dum liberal' ac naturali oculorum ade fpeétan-
tur, non fccundum íiJam fimplicem ~ nudam{lue, vt
ita dicam, magnitudinem fe 1<:: nobis otferunt, ícd tul.
goribus quibufdam irradiara ii- micllntibusque radijs
,finita, idq:uc pociffimum,(:um iam increu,crit nox; ex
quo longe maiores videntur "q~am ~. ~dtijs illi~ ,r~.
nibllseífenr ~uta: angulus emm VlrOrIUS non a pu-·
malioStclla: c.orpufculo,) fcdà late circumfufo lplcn..
d.ore tCl'minatur., Hoc apertülime intclligas Jjcet ex
. e~
[257]
OBSEft VAT. SIDEltEAE
eo J quod Stellz. in Sotis occafu inter pdm:! trepa-
fculaemergeotes .. tamedi primz fuerint magoitudi·
nis) exiguzadmodum apparent; & Venus ipfa fi quam
do circa meridicm fe nobJs in confpedum dcderit,
.dco exiHs cernicur, 'ft vix Stellulam magnirudinis vI-
timir orquare videatur. Secus in ali,s obieétis, & in ip ..
(<tmet Luna contingir) quz Liue in meridiana luce, fi·
ucinter profundiofcs tenebràsfpeétccur) dufdem fem
per molis apparet. imonfa igitur io medijs tcncbris
JpcdantQf Afira, ,rines tamen illorum diurna lux ab.
radere poteO: i at non lux ma cantum. fcd renuis quo-
que nubecula, qUir inter Sydus~ & oculum afpidcntis
irtterponatur; idem qnoque proríl:ant aigrá ve1amina"
ac viera colora ta ,quorum obieétu ,atque interpofitio-
lle circumfutifulgorcsSteUasdeferunt. Hocidem pz-
riterefficit Pcrfpicillum, prius enim adfcititios,3cciden-
talesque àStellis fulgores adimic ) illarum inde globu ...
los fimpHces (fi, tamen figura fuerintglobofa) augct,
atque adeo fecundum minorem multipJicitacem adau-.
tia videntur: Stellula enim quintz, auc fClCtir magnitu.
dinis per Perfpicillum vifa, tanquam magnitudiois pri..
O1f reprzlentatur.
Adnocadone quoque dignum videtur dfc djfcri.
men jncer Planetarum .. aeque fixarum Stellarum a{pe..
tius: Planeta! cnim globulos fuos cxatlC rotundos,
ac circinatos obijciunt .. ac veluti Lunulz quzdam vn..
dique lumincpcrfufz, orbiculares apparcnt: Fix3!ve--
ro Stel1z peripheria circulará nequaquam terminaff CÓ"
fpiciuncur.. fed vc:lutifulgores quidam radios dn;;umcir
ca vibrantes) arque admodum (cintillantes: conftmili
tandem figura pr~dirz apparent cum Perfpicillo, ac
dum nacurali intuitu fpeétantur) [cd adco maiores" vc
Stellula quinc:r, aut fcxtz magnitudinis Cancm, ma..
xiwaw ncmpê llxasum omnium í.rquere videatur.
Verum.
[258]
lt E C EN S H A BIT AE. '7
Vel um infra Stellas magnitudióis rext~,adeo numerorum
gregcm aliarum)naturalcm iotuirum fugieotium,per Per-
1pidllum intueberis. vt vix credibile fit->plures coim quam
fcxaliremagnitudinum differenti~videas licet. quarú ma
iares. qual magnitudinis·feptimx, (eu prim..r inuifibiliurn
appcllare po.ífumus, PcrfpiciUi beneficio maiores, & ela-
riores apparcnr~ quam magnitudinis fecundz Sydera ade
naturali vifa.Vt :lutem de inopinabili fcrê hlarum frequen
tia vnam)alteramve atteftationc:m vidcas Afierifmos duos
fubfcribere placuit. vt ab corum exemplo de ,reteris iudi-
cium feras. ln primo integram Orionis Conílellatiollcm
pingere decreueram; verum ab ingenti Stellarum copia,
temporis vero inopia obrums ,aggreffionem hane in aliá
occafionem difiuli; adO:ant enim. & drea vetcres ·intra v-
nius, aut alterius gradus limites diffi:minantur plures quin
gentis: quapropter tribus qUa! in Cingulo, & fenis qu~
ill Enfc iampridtm adnotatx fucrum. alias adiaccntes o-
étuaginra reeens vifas appofuimus;earurnq; intcrftitia quo
exaélius licuit feruiluimus; notas" feu vetc:res,diftint-Honis
gratia,Ol.3.iores pinximus.. aç dupliciHnea contornauimus)
alias inconfpicuas,rniaores"ae vnis lineis notauimus; ma-
gnitudinum quoqucdifcrimina quo magis licuit reruaui~
nlUS. ln altero exemplofex StellasTaurj"PLEIAOAS di-
etas depinximus (dico autem fex,quandoquidem fçptima
fere nunquam apparet) intra anguiliaimos in ccelocan·
ceUos obclufas, quibus aliz plures quam quadragiotain-
uiíibiles adiacent; quarumtnuUa ab aliqua ex pr:rdiétis
fex vix vltra femigradum clongatur ; barum nos tantum
nigintafcx adnot3uimu$ i earumque internitia" magnitu·
dines ) ncenon veterum nouarumque diferimina veluti in
Odonc rcruauimus.
[259]
*
4J
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** * ~
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[260]
PLEIA DVM CoNSTELLATIO.
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* *
Quod tcnio loco à nobis fuit' obCeruatum) eO: ipftuf..
met LACTEI Circuli etfentja~ feu materies, quam Per-
fpicilli beneficio adeo ad fenCum Iicet inmeri ) Vt & alter·
cationes omnes,qua" per tot (recu}a PhiloCophos excrucia
runt aboculata cercicudil1e dirimanrllr)nosque à vcrbofis
dirputationibus Hberemur. Efi enim G A L A XY A nihil
aliud ~ QU3U1 innumerarum.Stellarum coaceru3tim confi-
tarum congcries;inquamcunq; enim rcgionem iIlius Per-
fpicillum dirigas,ffatim Stellarum ingens frequcntia fc fe
in confpeélum profert,quarum complures fatis magn~,ac
valde confpicuz videntur;fed exiguarum multi tudo pror..
fus inexpIorabilis ctt
Atcum non tallt'l1m in GALAXYAIadeusille c~ndor.
vcluti albicantis nubis rpeéletur,fed complurc:s confimi1is
coloris 3reoJz rparfim per zthera úlbfulgcant,fi in ilIarum
qua lnlibet Specillum conuertas Stc:l1ar um coo íl:i pa tlrum
cç:tum
[261]
OBSElt VAT. SIDEREAB
ccctum oIfendes. Amplius (quod magis mirabilis) StcIla;o
ab ARronomis fingulisin hancvfqucdié NEBVLOSAE
appellat~, StclluJ.ll"um mirum immodum confirarum grc
gesfut1t; ex quarum radiorum commixtionc .. dum vna-
queque ob exiliratcrn,feu maximam à nobis remotionem,
oculorum adem fugir. candor me confurgir, qui denuo!:'
pars c<X!li >Srcllarurn, am Solis radios retorquere valens,
hucufque creditu$ eft. Nos exiUis nonnullas obfcruaui-
mus; & dl1al"um Afterifmos fubncétcre \'oIl1imuS'.
ln primo habes NEBVLOSAM Capicis Orionis appe1-
latam.. in qua Stellas vigintivnas numcrauim uso
Secundus NEBVLOSAM PRAESEPE nnncupatam
continct,qure non vna untú SteIla cO:..fed congcries Sec!.
lularum plurium quam quadragima: nos prxtcr Ardlos
triginrafcx notauimus ln Ilune ~ qui feq uÍtur o rJincm di·
fpautas.
NEBVLO S A pRAESEPE.
NEBVLOSA ORIONIS.
** * *~
J(. 'Yf ~
* *"
-#-
~
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.* **
*
*"
[262]
RS CE N S HAB IT AE. ,.Pf~ 1-:';
De Luna ) de inerrant ibus S tdJis) ac de Gala:xya /
qua: haétenus,obferuat:1 funt breuiter enarr.1uimus.
Supcrefi vr, quod maximum in pnrfenti negodo exi"
ítimandum videtur, qllatuor PLANETAS à primo
mundi c:xordio 3d nofira vÚlue tt;mpora nunquam
confpetIos, occafionem reperiendi, arque obCeruan'·
di ,nec non jpforum loca, atque per dU0S proximê
menfes obfcruadones circa eorundem latÍones ~ ac
mutationes habitas, aperi:.unus ,ac prLmulgcmlj~: a·
firollQmos omnes COnLl0C3nres ) vt ad il!orllln perío~
dos inquirendas, atq; dcfiniendas Ce confel':!Or, quod
,l1obis in h;,ínc vfqll~ dÍi:m ou remporis anguttiam af·
ft:qui minímc licuit. lhos tamen itcrum monims fa-
,cimus, nc ad ralem infpcétiollcm incaíIllm accedant ,
Pcrfpicillo cxaélíflinlo opus effc ,& quale in principio
fcrmoni'i hUÍus, ~cfcriplimus. .
Díc üaquc t~pdma lanuarij infiantis anni millcli.'
mi fCXcclltdimi dcdmi, hOfl fC<luenris noélis prima)
com cfldtia (ydcra per Perfpicillmll fpc(tarcm ~ lup.
piter te fe obuiam tedt, cumqlic adl11odull1 excd·
kns mihi paraíTem infirumcntum;) (luoa antea ob
altcrius Organi c.kbilitatclll minime (:ontigcrat) nes
mi aditare lldlul~ls.) exíguas, q:rídt:m~ vcrunt~tmen da-
riflimas,cognoui; qure licet e numel'O inerrantiumà
me Cl'edcrcntur, non llulbl11 ramen inn.. !crl1nt ad-
mh'ationem ~ eo "}l1O.I ftcunJum cxatlam Jitl!.:~lIn re-
dam ~ a[(luc Eclyptk.l' parardJam difpolitil' vkh.:bl111·
tur: ac cfteris magnicudine paribus fptendidioru:
cIarque ilIarum int\:r fc & i.td loutm tahs co I1ftit LI tio •
Od.
* O * Occ.
E ex parte"
[263]
OBSERVATIONES SIDER EAE
ex pane {'eilieee Odentali dure aderant Stell.z , vn3 ve-
ro Occ3fum vcrfus. Odentalior arque Ocddentalis, re·
liqua paulo maiores apparabant) de diféantia intel'
ipfas & Iouem minime follicicus tili ;fi,,~ cnim vti di·
ximus primo creditz fuerunt; cum amem die oétaua,
ncfdo quo Fato duélus ,ad infpcétiom:m. ci,lndem re~
llerfus eífcm.) longe aliam cófiitutlonem reped ; erant
cnim tres SteUul~ oecidcntalcs·ornncs à loue) .ltque
inter fe quam fuperiori node vidniores, paribufque
incerfiitijs mutuo dilrcparat~ .. ve1uti appouta prafe.
fere delineado. Hk lícct ad mutuam Stetlarum ap...
propinquationem minirnc cogitaciollcUl appulltfem,.
Ori.
o*** Occ.
Ori.
* * O Occ.
[264]
lt E C B N S H A BIT AE. 'l.&Y
nulla radone reponi poífe inrclligerem , atque iofuper
fpedat3S Stellas femper cafdem lilifle cognofcerem,
( nullor enim alior:l aut pra-cedentcs, aut confequea-
tes intra magnum interuallum iuxta longitudincm Zo-
diaci aderant) iam ambiguitatenl in admirationcm
pcrmutans) apparenrem commurationem non in loue,
têd in Stellis adnoratis repofitã eífe compcri ; ac pro.
inde ocul:uc ~ & fcrupulose magis deinceps obferuan.
dum tore fum ratus.
Die itaq; vndccima eiufcemodi confiitutionem vidi:
Od.
** o Oe,.
[265]
OBSERVAT. SIDEREAE
o ri. o cc.
Oti. Occ.
[266]
RECEN S HA BIT AE. J..9 :2'
lulum in boream atcollcbatur; propinquior Ioui Cl·at
OlnniUffi minima.) rcJiqu3; confcquentcr maioresap.
parCbélnt ; intcruaJla inter louem,& tria confequantia
~ydera crant a:qualia omnia, ac duorum minutorum:
at occidentálius aucrar à tibi propinquo minutis qua-
tUOl". Eram lucida vaI de ) & nihiJ fi.. intillanri a :I llualia
fl.:mpt:r rum ~HllC) tum poct apparucrunt. Vcrumho-
ra fcptíllía trcs íolummodo aderal1t SteU.r, in huiuf·
Oei. o "* *
O cC'.
Oei. O cC'.
*
intcrdpicb:1llt ab co per ~lin: o. r~c: 40. hin~il1dc remo
r.e" tcrria vcro occidcl1tJlis à lone din:ab~lt min: 8. lo..
ui proxim.r non maiores) fcd Juddl0l'CS apparcbant
rcmoriori.
Uic.: dccituafcptimahora ab occaú, o. min: 30' huiuf-
modi fuit conf1gur.u.io. ~tclla VIU tamum oriclualis i
Oei.
* O * O cC'.
loue
[267]
OBSEll VAT. SIDEREAH
lave di nabat min: 3- occidentalis pari ter \'oa à Ioue
difians min: I I , OrientaHs duplo maior apparebat cc·
cidenrali i nec plures aderanr quam ifi.r duer. Vcrum
pofi horas quatuor , hora oempe proximê quinra ~ ter...
tia ex pane orientaJi enaergere cçpir:1 qu~ ante~, VI:
opinor cum priori iunéta erat; fuitque talis paGuo •
Ori.
** O * Occ.
Ori. O *
*
ii, & à loue difians min: pr: 8. Occidentalis verà à
OCC.
1011 C "bcr.:lt
mio: 1 o.
Dk UCCllllanona hOl'a nodis fecunda talis ruit SteI-
larum coanlioatiQ: erant ncmpc fecundum reaanlli-
Ori.
* O * *
OCC.
[268]
lt E CE N S HABIT AE. ,.,.
di medi um iam inter '9uem) & oriental cm S[ellam
locum exquifitc OI;'U pantem,J ita Vt talis fuerit confi:·
Oti. Occ.
* •O * *
guratia. SteIla inful'er nouHnmc cOi1fp~cll adllV)dunl
cxigua fuit; vcruntamen hora fcxta rcliquis UlJgnitu ..
dine fere fuit a:qualis.
Die vigefima hora I. min: I S. coníHtu [io conlimilis
vifa cfi. Aderant tres 5tcllula: adcoexigua:) vt vi~
Occ.
Od. Occ.
Oti. .. O . ,. . . Occ.
[269]
OBSERVAT. SIDEREAE
ab occidenraliori non pluribus decem fc:cundis remota.
Die vigefimaprima hora. o. m: 3 o. adcrant ex oriente
StcUu!z tres) zqualiter inter fe, & à Ioue dixrantes ;
Oci. Oec.
Oci. Oec.
* *
rum primorum ,.. fui r inreru:lllum à Ioue ad oeciden-
t:lliorcm pr: 7. Dure vero oeddcntales incermcdi.:e dix
tab.:mt 3d inuiccm minto {eé:40' propinquior vero Iam
abcrat ab illo m. p. I. lpfre mc(lire Stellulx 1 minores
erant C'xtrcmis: file!ul1t vcro fecundum eandem rc:-
étam lincam iuxta lodiaci longitudinem e~tenf;e, nUi
quod tdum occideotalium media paululum in aulh i't
ddledebat. Sed hora noêlis fcxta in hac confritu tio-
Ori. Oec.
[270J
· RECENSHABITAB. ~
me·: & Stclla loui vicinior rcliquis duabus.requl:oti":
bus minorapparcbat; omnefquein eadem reGtac:xqui.
{ite dixpofit~ vidcbantur.
Die vigefima tertia hora o. min: 40. ab oc·eafu, in húc
{erme modum Stcllarum ,ollLUtutio le ha.buit: tr,mt
Oec.
Oei.
* * O *
tres SteJIz cum Ioue in relta linea fecundum Zodia-
ci longitudincm; veluti femper fuerunt: OrÍentales
crant dUa!, vna véro ocddenc:alis _ OrJentalioraberat
·à fcquenti mio: pr: 7- h.rc vera à Ioue mino 2. [e'=-4o.
luppiter ab occidentali min: 3. fec::o. erantque omnes
magnitudine t-':I'C i;l;'1 uales _Sed hora quinta, duz S[cl..
lêe, qux prius {oui erant proxim~ainpJius noncerne-
bantur ~ fuo lvue vt arbüror ladtantcs fuitque rabs
afpettus.
Od.
* o Oec.
Ori. Oec.
* ** O
dia cnim modicê in aulhum ddleaehar. Ioui propin..
quior difrabat ab co min: 2. fc:quens ab hac mim O-
o
(ec: 30. .ah hac ver aherat orientàlior min: 9. erantq;
omncs admodulll Ip1endidée. Hora vero í\.xta) dua:
Oei.
* OF Oec.
foIum-
[271]
OBSE'R. VATIONES SIDERBAS
folulDlDodo feCe otferebant StelJz in hoc potitu: nem..
pecumloue in eadem reéb lineaad vnguem"à quo
cIongabatur propinquior min: p~ 3' altera vero ab bac
min: p:8. in vnam, Di fafior ,coierant dutE mediz priu$
obfcruatz Stellufór.
Dic Yigelimaquinta hora J. min: +0. ira Ce habebat
Ori.
* o OC<:'.
Ori. * * o *
OC<:'.
Ori. * * *0 * OC<:'.
[272]
RECE N S HABtT AE. ii-
tum Stenula confpiciebatur ~ eaquc orieDtalis recua-
OcL o O cc.
O ri. o te.
ãill:aD$ min: 2. fcc: 3 o. duo vera ex occidente, quo.
rum !ouj propinquius aberat aO eo mio: 3- rcJiquum
ab hoc min: J.e eICtremorum & lOllis pofitus in eadcID
teda hnea fuit ar media Stella paululum in Boream
I
OcL
** O O te.
Ori.
** O F*z
O te.
res
[273J
OBSERVAT. SIDEREAE
res ad inuicem adhuc erant; aherant enim Colummo..
do min: Cec. 2 o. apparuit in hiCce obferuatiollibus oe-
cidentaIis Stclfa Caris exígua.
Die Februarij prim3. hora nodis fecunda conlimilis
fuit confiitutio. Diftabat orientalior StcUa à Ioue
Oei.
* * O ce.
Od. * o * * O ce.
Od. * *0 * * o ce.
quas luppitcr mediam occupabat fedeln. HarlJmSret-
lJru ln orkntalior dHb.bar à [equenti min: of. hil'e à lo...
ue min: 1. fcc: 40. luppiter ab occidentali fibi vicinio-
ri aberat mim 6. hmc vera aD. occidentaliori min.8.
cralltque parirer omncs jn <:.ldeln reélalinea, fecundá
Zodiaci longitudin:!\u exten'à..
Die tema hora reptima in bac ferie dirp06tt fuerunt
Stdl~.OIie1ltalis .i loue diJ1&bat tlÚn: l.f«: 30. o cc i,...
. dentalis
[274]
RECENS HABITAR. 2~
dentaJis proxima mino ~. ab hac vero elongabatur oe-
Ode Oec.
*
cidentalior altera mim 10. erant pr~cise in cadem re-
tta:l & magnitudinis zqualis. .
Die quarta hora fecunda drca Iouem quatuor fia·
bant 8cclléE, oriemalcs du~, ac dUlE occidcmales io
Ori. Oec.
** O * *
ab orientali viciniori aoerat mino :.ab ocddentali ve-
ro fequcnre mino 4. hxc vero áb oécidentaliori dilta-
bat min'3. erant(lue aqualcs omues ,& in cademreda
fecu odum Eclypticam cxtellCa.
Dic quinta Crelum fuit nubiloCum.
Die fexta dUa! folummodo apparucrunt Stcllz me-
Ode
* O * Oec.
dium
[275]
OBSERVAT. SIDEREAE
dium lo uem intercipientes ~ vt in figura appolira fpe-
aatur : orientalis à. loue di(bbat min.2.. occidtntaJis
verÓ mino 3' era'nt in eadem reda cum 10ue, & magni.
tudioe pares.
Die feprima dUér adftabant StclIz # à Ione orienta·
Ori. OeC'.
O ri. -o OeC'.
[276]
R E C EN S H A BIT AE. , .•
orientales, & voa occ;identalis ia tali difpofitione •O~
Od.
- * o • OC<:'.
Oei. • 40 OCC'•
*
* o *
Od. OC<:'•.
Oei.
* -O * Oc<:'.
*
Stella quarta Ioui proxima ab oriente vua eR, reliquis
minoI
[277]
OBSER. VAT. SIDEREAE
minor) à Ioue diffita per mine o. fec. 30. & à reGla li-
nea per reJiquas Src:llas protrada modkum in Aqui1o~
nem defleétens, fplendidifsimao erant omnes, ac v:lldc
conrpicuír. Hora vero quinta cum dimidia iam SteUa
oric:malis loui proxima) ab ilIo rc:motior fada mediú
imer ipfum, & ~tellam oriemaHorcm libi propinquam
obtinc:bat locum , crantque omnes jn cadem red.. li.
nca ad vnguem, & cjufdc:m magnitUdinis, vt in appo-
fita defcriptione videre licet.
Od.
* ** O *
Oee.
Ori. .. * O .* o ce.
vi,inior fatis pelfpicua diílabar ab co mino 2. ab h:l<:
oJientaHor minus apparens abcrat min.... Ex oeci·
dcntali·
[278]
RECE N S HABtT AE. '-7
denta1ibu s remotior à louc confpicua vald~ ab eó di..
rimebatur mino 4. illter bane & loucm interddebat
Stelll1la exigua) ac. occidcntaliori 5teltre vicinior)Cl1m
ab ea non magis abeffet mino o. fec. 3o. eram omnes
in eadem reda fccundum Ec1ypti,.z longirudinem 3d
vnguem.
Die decimaquinta ( nam dccimaquarta cO!Ium nu.
bibus fuir obduétum ) hora prima talis fuir anrorum
politus. trcs ncmpe erant orientales Stell6r , nuI!a ve·
Oei. ~O o cC'.
*
lis loui proxhnis vna tantum cerncbatur à Ioue di":
fians mino o. fec. 30. Oricntalioris vero eJongatio à
10U(: ;:dauéla erat ~ fuit enim tune mino 4. Ar hora
fcxta prlrter duas I vt modo didum til ab oriente
Oei. o cC'.
*
conilitutas) vna verrus occafum cerncbàtur Stcllula
admodum exigua, à Joue remota min.2.
Die decimalcxta hora fexta in tali con!Hcutione
Ilctcrunt. SteUôI nempe oricntalis à Iouc: min: 7. a·
G bc:ru
[279]
OBSERVAT. SIDEREAE
berat: tuppiter à fequenti occidua mino 5'. h~c ve-
ro à reliqua occident.lliori mino 3.. erant omnes duf-
Ori. * o * * OCC'.
Ori..
* o .. o CC'.
mino 10. h~c er:n aliquanto minor orientali •. Sed hora
6. orienralis proximior erat lo ui diftabat nempe mi ~.
fec. 5o.ocddcntalis vero remonor fui t ) Cciliccc mino u.
Fuerunt ln vtraque obferuatione in eàdem reéta,& am-
hor fatis exigua!;.pra:fertim orientalis in fecunda obfaua.
iione.
Die J 8.110.1, tres adCr3'1t Stcllz; quarum dua: oeci.·
dc:nta1cs 1 oricntaüsvero vna;·diftabat oricntalls à loue
Ori.
* o *. *
OCC'.
[280]
RECENS HA BITAB. 21
Ioue m.x.fec. So.luppiter:lb oc:cidcntalifequcntim. 3-
Oti.
* * Oce.
Od. o * Occ.
Od.
•
=- o· Oce.
Od. •
o · Oe('.
[281]
OBSERVAT.SIDEREAE
aquàJes fueru Llt)<lC min'4.0ccidcntalis vna aberat à 10-
ue mine l. Eram in cldcm reda ad voguem, fecundnm
Eclyptk:e du{tltln •
Dic 2.6. Hora o. m. 30. bÍn~ tantum áàcrant SteH.l'.
OricntaIis vna diítans à Ioue m. 10. OccidcntaHs altera
o ri. !ti
o * o cc.
difians m.6. Orientalis crat aliquanto minor occidenra
li. Scd Hora 5. eres "i[;eJullt Stellx,pra:tel' cnim duas iá
o ri. .. *
o cc.
adno:atas tcnia ex occidente prope Iouem admodUlll
cxigua cernebatur,qll~ prius fuh lo ue Jatitahat, difia·
bar(ple ab eo m. I. OrieQtalis vero remotior.. quam an-
(ea vJdebacur,difians nernpe à loue m.lI. Hac no.!te pri
nlUm rouis & adlacentium l>!anctarum progrc:I1um fe·
cundum Zodiaci long(tudinem fada relatione ad fixam
quandam obftruare placuit: fpcélabatur enim fixa Ste1
la orientem verfus difrans à Planeta oricnt3li m. II. &
paululum in AuLlrum dcneacbzlr~ in hunc (l:.ti fcquitu.r
modum.
Ori.
o- *
* fixa
Die 27. Ho.l. m.4. Appar'cbant SrelIa: in talí conR·
guratioue. Orientalior diftabat à loue mino 10. fequens
J.oui proximamjn.ó.fec'3 o.O"identaljs fcqucns. abcrat
,um.:.
(282]
RECENS HABITAE. 2!1
min.:.fcc. 3o.ab bac occidentalior di1l:abat min.l. Vicio
Od.
* o ** Oee.
* fixa
Oei. * o* Oee.
*fixa
fatis confpicux, & in eadc1l1 red:..: :Jd quam Iinc~am fixa
pcrpendicufarirer incidebat in Planetam orientalé, ve·
luti in figura. Sed hora S. tertia Stellula ex oriente di·
Oti. * *O * Oee.
[283]
OBSER. VAT. SIDEREAE
omnes confpcdz funt)quarum Ioui proxima aberat ab
co m.a. [equc:ns ab hac m.l. rertia m.o. [c(.2.o. crar/Iue
Oei. *_ .. o o cC'.
* fixa
Oei.
o * o cC'.
* lixa
[285J
OBSERVAT. SIDEREAE
~antes offen Stc:JIas,dtlm oEs timul cú Ioue 1~. annorum
jpacio magnú circa Sole pe.meant orbE. Praofcreundú tan
dem non efilEJua nã róne contingat) vt Mcdicea Sidera dú
angufriffimas drca ioue rotadoncs.abfoluunt > femetipfis
intcrdum plusq. duplo maiora vide:antur.Caufam in vapo
ribus rerrenis minimhí.rere polfumils: apparentenim au.
étaJeu mjnuta~dú Iouis ,& propinquarú fixarú moles'Oil
immutatzcernuntur.Acçedereaut illos,adeoq;à tem. c·
longad' circafua: ,õuerfionis perigeú,aut apogeu,vt tant~
mutarionis cãm nandfcantur,oÍno inopinabile vrjná artta
circlllaris latit) id nulla rõnc'prfltare valet;ouafis vero mo
tus(qui i11 hoc cafu l'cétus fcrotffet)&inoprnabllis)& ijs q
apparem nuUa rónc confonus dfe vr. Qpodhacin rc fuc-
currit lubens profero,ac reétê philolophantift iudicio,cé-
furxq; cxhibeo.Cõ!lat terrefiriú \'apoJüobitétu Solé,Lu..
namq; maior<.s,fed fixas, atq; Planeta' minores aprarcrc:
hinc Luminaria prope orizouté maio ra,Steila: vtfo mino
reS.3C plerunqi inconfpicua:.ii·mminlluntur çt magis fi ijde
vapores lumine fherint perfuti- j iddrco SteJlre iuterdiu,ac
intra crepurcula admodumexiles apparentiLuna non ité,
\'t fupra quoq; monuimus. Caníbt infupernõ modo T d
)uremJcd ét Lunam fuum baberevaporofum orbé drcú.
fufufu ,tum ex his'qua: ruprad~imus, tUtU maximc exijs,
qu:r fu6us in nofiro Sifiemate dicentur;at idE qttoqi de re
ltquis Planetis ierre illdiclú congrue poffumus; ad'covt ét
circa Iouem deníiorem reliquo rethcre pone.t:~ orhem in-
opináb:le minime videalur,cü'caquem,inLbr Lun.rcirc:!
elemel1toruin fpheram)Pt~cta: MEDiCEA circumducan
tur atqúebuius.orbís obiedu dum apogei fueriat miná..
J
[286]
ÍNDICE DE MATÉRIAS
ISBN 978-972-31-1317-4