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TEXTOSFUNDAMENTMS

DA FÍSICA MODERNA

II volume
SOBRE A CONSTITIJIÇÃO
DE ATOMOS E MOLÉCULAS

NIELS BOHR

Reimpressão das Memórias de 1913


publicadas no cPhilosophicál Magazinn
com uma introdução por
L. RosENFELD

Prefácio de
J. L. RODRIGUES MARTINS

Tradução de
EGfDIO NAMORADO

2. 4 edição

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN


Tradução do original inglês :
ÜN THE CoNSTITUTION OF ATOMS AND MOLECULES,
de Niels Bohr,
conforme a edição de
Munksgaard lnternational Booksellers and Publishers, Ltd.
Copenhagen, Denmark, 1963

Reservados todos os direitos


de harmonia com a lei.
Edição da
Fundação Calouste Gulbenkian.
Av. de Berna/Lisboa
PREFÁCIO À EDIÇÃO PORTUGUESA
Depois do XII Congresso Internacional de História da
Ciência, que em 1968 reuniu em Paris p'ara cima de meio
milhar de cientistas, mais uma vez se reacendeu o debate
tantas vezes renovado entre os que defendem o extraordinário
interesse pedagógico, o iniludível significado cultural e o rele-
vante alcance epistemológico da História da Ciência, e os que
a relegam para uma posição apagada e secundária, simples
fonte de valores emotivos, ou gratuita curiosidade intelectual
para as horas de repouso e disponibilidade de espírito, numa
posição duplamente marginal: marginal em relação à História
Geral e marginal em relação à própria Ciência; mais uma
vez, se abriu o debate oportuno entre os que propugnam a
prevalência duma autêntica História da Ciência em todos os
Cursos de um Ensino Superior de vocação universitária, inte-
grado numa pedagogia polivalente, personalista e cultural, de
tonalidade fortemente humanista, verdadeira Escola formadora
de Homens, abertos a todas as frentes da Cultura, e os que
defendem apenas, ou em primeiro lugar, um Ensino Superior
de V?cação tecnocrática, orientado predominantemente para
ttma visão da realidade mais polarizada, diferenciadora, linear,
acutilante e instrumental, fecunda Fábrica de Técnicos, mar-
cados por imperativos de eficiência e de produtividade, mas
amputados de todas as dimensões humanas que não apontem
directamente para uma orientação profissional. Mais uma vez
se abriu, por último, o debate entre os que, ao identificarem a

[7]
História da Ciência com o processo histórico da humanização
da Natureza, com a própria História da Consciência, procuram
integrar o pensamento científico no espaço-tempo global da
Cultura humana em que o mesmo se insere e se desenvolve e
afirmam, portanto,. que um autêntico cientista não pode, em
verdade, reinvindicar para si um perfeito e completo domínio
da Ciência que cultiva se não possuir, ao mesmo tempo, um
conhecimento igualmente completo e perfeito da evolução his-
tórica dessa mesma Ciência, até ao seu estado actual, como há
mais de meio século vem ensinando o grande historiador
George Sarton, na sua luta esforçada mas inglória contra a
fatalidade dessa miopia epistemológica de que adoece a maio-
ria dos investigadores e especialistas contemporâneos. E os que,
pelo contrário, asseguram que tais especialistas e investigadores
não podem, de certo, ultrapassar o condicionalismo que lhes é
imposto na impiedosa luta da emulação e de competição em
que estão empenhados no campo da actividade científica, e,
por isso, para assegurarem a viabilidade da conquista de direi-
tos de prioridade e de descoberta, são forçados a uma prepa-
ração intensiva, orientada exclusivamente para as exigências
imediatas dos problemas propostos, na investigação tecnológica -
ou na investigação fundamental, o que lhes não deixa qualquer
disponibilidade de tempo livre para, «mesmo de modo passa-
geiro, se poderem afastar das fecundas actividades em que
trabalham, para se dedicarem à consulta de velhas memórias
Científicas», como, melancolicamente, reconheceu o eminente
b'iologista francês Jean Rostand, no magistral discurso de
abertura ao último Congresso Internacional de História da
Ciência.
Ora, dada a diversidade, o significado e o alcance das
opções em jogo, e que para maior realce foram aqui incisiva-
mente vincadas, todos estes debates assumem tlma importância
fundamental para a caracterização e a diagnose da fenomeno-

[ 8]
logia cultural do mundo de hoje e para a dilucidação da com-
plexa problemática das crises que dilaceram a consciência do
homem contemporâneo: crise de Cultura, crise de Religião,
crise de Ciência e crise de Instituições.
Mas, não cabe, de certo, nos limites de espaço que nos
impusemos, mas talvez se enquadrasse nas intenções pedagó-
gicas deste Prefácio, aquela meditação tranquila, longa e inte-
ressada, dinamizada pelas lições de uma autêntica História da
Ciência, e que permitiria com toda a segurança, fundamentar
a conclusão optimista de que tod~s estas crises representam
apenas mais uma, e talvez a última, gestação dolorosa, demo-
rada mas fecunda, que prepara a conquista pela Ciência e pela
Consciência de uma etapa decisiva, na arrancada final para a
humanização definitiva do mundo físico e social, onde o
Homem terá de situar, no presente e no futuro, a sua vida e a
sua morte.
No entanto, neste sentido, talvez não seja de todo des-.
propositado colocar no pórtico de uma colecção de «Tex-
tos Clássicos» que a Fundação Calouste Gulbenkian tão
criteriosamente inseriu no seu Plano de Edições e que se
inicia no sector da História Física, com a publicação de
um dos seus mais admiráveis e representativos documentos,
talvez não seja, realmente, despropositado colocar aí umas
desambiciosas reflexões epistemológicas sobre a situação valo-
rativa e sobre o significado das «crises» da Física, sem
dúvida, a mais perfeita e exemplar de todas as Ciências
Exactas.

Escreveu um dia o grande geómetra suíço Gonseth: «A mi-


nha tese é, pois, esta: as Ciências particulares oferecem ao
pensamento filosófico um privilegiado campo de experimenta-
ço. Representam assim, de certo modo, como que os Labora-
tórios do pensamento humano».

[91
Com efeito, os edifícios teóricos das diferentes Ciências
apresentam-se sempre para os epistemologistas e para os his-
toriadores do conhecimento, como realizações concretas e
exemplares do próprio pensamento, como produtos da Razão
humana, como se objectos fossem no sentido material do
termo (pensamento objectivado), e a eles se podem aplicar,
portanto, os princípios gerais da metodoloçia científica.
Deste modo, os quadros teoréticas da Ciência, para além
do seu valor instrumental e pragmático constituem, outrossim,
extraordinários documentos humanos cuja análise permite ava-
liar o verdadeiro alcance e o significado de todas as vicissitudes
da Razão e da Experiência Científica (Experiência Intelectual
e Experiência Instrumental), para a construção de um «mundo
representativo» que progressivamente vai vencendo as limita-
ções e «perturbações» do cmundo sensorial», se nos conti-
nuarmos a servir da expressiva discriminação metodológica
entre os três «Universos» de Planck, para atingir no cerne
do «mundo real», zonas da realidade- o plano quântico e
subquântico, o plano cósmico-, cada vez mais distantes da
região às dimensões do próprio homem.
Daqui, o natural interesse que as Ciências Exactas, e mais
particularmente a Física e a Matemática, as duas formas mais
elaboradas e paradigmáticas do pensamento científico, oferecem
aos estudiosos da problemática da História e da Epistemologia,
motivos de atracção e centros de interesse comuns aos grandes
mestres do pensamento contemporâneo, desde um Max Planck,
um Einstein, um Niels Bohr, um Luís de Broglie, um Max
Bom, um Heisenberg, um Schrõdinger, todos prémios Nobel
da Física, até um Bachelard, um Hartmann, um Whitehead,
um Meyerson, um W eizsãcker, um Brunschwicg, um Cassirer,
um Gonseth, um Sarton, um Ullmo, um Gusdorf, um Kouz-
netsov, etc.

[ 10]
Ocupa, na verdade, a Física no plano dos valores humanos
uma posição excepcional que transcende em muito o valor
utilitário e instrumental que todos lhes reconhecem, através
das mil e uma descobertas e realizações que tornam mais
cómodo e agradável o nosso viver quotidiano, no plano indivi-
dual e no plano social.
E para o demonstrar talvez valesse a pena demorarmos
um pouco a descrever o papel que a Física tem desempenhado
na história do pensamento humano, até mesmo como expoente
e como motor das grandes transformações e «mutações» sociais
do mundo moderno e contemporâneo, a ponto de se tomarem
algumas das suas grandes descobertas como decisivos marcos
de referência e de balizagem na cronologia da História da
Civilização, como a descoberta da máquina a vapor, que
marca o surto da primeira revolução industrial, a descoberta
dos geradores e motores.eléctricos, com que se inicia a segunda
revolução industrial, a descoberta do aproveitamento e do
contrôle da energia nuclear de onde arranca a terceira revolu-
ção industrial ainda a decorrer e, por último, a descoberta da
«automação» e da «cibernética» que está em vias de prOfJocar
a «mutação» para a mais científica das fases da nossa Civiliza-
ção Tecnocrática, essa tão promissora Civilização Prospectiva,
cujos delineamentos se desenham já nos horizontes do mo-
mento presente.
Mas para não nos alongarmos, limitemo-nos apenas, neste
sentido, a recordar ainda a grande revolução espiritual provo-
cad~ no Renascimento pelo surto da Ciência Moderna, revo-
lução autêntica porque se traduziu de facto numa viragem
radical do pensamento e da Cultura humana. E é, sem dúvida,
através do contraste flagrante e profundo entre as concepções
da Física de Aristóteles e de Galileu que melhor se documenta
esse momento único da história da nossa civilização.

[ 11 ]
Com efeito, à concepção estática e organicista da Física
Escolástica, que pressupunha uma ordem natural e pré-estabe-
lecida no mundo físico, vai opôr-se então a concepção dinâmica
e mecanicista de Galileu e de Newton; ao absolutismo do rea-
lismo sensista de Escolástica, todo impregnado de motivos
biológicos e animistas, inspirados nas nossas mais imediatas
vivências individuais e colectivas, vai contrapôr-se a distinção
fundamental entre os elementos objectivos (qualidades primei-
ras dos dados sensoriais) independentes da consciência humana,
e os elementos subjectivos (qualidades segundas), distinção já
introduzida pelos atomistas gregos e de tanta relevância na
teoria do conhecimento; contra as explicações teleológicas e
cosmogónicas da Física Escolástica, nasce e radica-se com a
Física N ewtoneana a ideia de lei natural, de estrutura fun-
cional e de causalidade; contra a esterilidade do racionalismo
estático, qualitativo, classificador da Escolástica, defende-se a
fecundidade do raciocínio matemático, geométrico, quantita-
tivo e determinista; à concepção fechada e dogmática de um
saber livresco contrapõe-se, confiadamente, a força vivificadora
da dúvida metódica e o ímpeto fecundante da experimentação
científica, a «mãe de toda a certeza» no dizer tão significativo
de Da Vinci. Por último e finalmente, a uma cosmovisão teo-
lógica, mística, pessimista de um universo físico e social,
comandado por uma ordenação definitiva e por um fatalismo
finalista, em que o homem viverá eternamente amarrado à sua
«posição natural», vai suceder-se sob o impulso da Física
Newtoneana, a claridade luminosa de um humanismo indi-
vidualista, dominado pelo signo da Razão e do Progresso, vai
suceder-se a concepção de um universo físico e social coman-
dado por uma legalidade imanente, acessível à razão humana,
e a partir de cujo conhecimento, a Ciência, o homem se pode
tornar «.dono e senhor da Natureza», no dizer altivo e orgu-
lhoso, mas tão admiràvelmente expressivo de Descartes.

[ 12 ]
Todos sabemos que, no decurso das três primeiras décadas
deste século, se deu uma profunda transformação nos quadros
teoréticas da Física Clássica, atingindo-se de tal forma os seus
fundamentos e a sua estrutura lógica e conceitua!, que pode,
sem exagero, afirmar-se que a Física de hoje é, radicalmente,
distinta daquela e não apenas o seu prolongamento a novos
domínios de experiência.
Com efeito, todas as noções fundamentais da Física Clás-
sica foram mais ou menos atingidas: a noção de determinismo
pelas relações de incerteza de Heisenberg; a noção de conti-
nuidade pela finitude dos «quanta» de energia e de acção; a
noção de objectividade e de observação, pelo princípio de
complementaridade de Bohr; as noções de onda e de corpús-
culo pela Mecânica Ondulatória; as noções independentes de
espaço, tempo e matéria pela síntese físico-geométrica de um
espaço-tempp com a teoria da Relatividade Geral de Einstein;
a noção de «campo» e de «partícula» com a Electrodinâmica
Quântica; as noções de energia, massa e tempo com a teoria
da Relatividade Restrita; as noções de «sistema», de «estado»
e de «legalidade» com a Mecânica Quântica; a noção de «indi-
vidualidade» com o postulado da indiscernibilidade de Lan-
gevin; a noção de «interacção» com a Mecânica Ondulatória
dos Sistemas; as próprias regras formais de raciocínio lógico,
com a introdução de lógicas polivalentes para a descrição coe-
rente do comportamento dos micro-objectos quânticos, etc.
Longa e delicada teria de ser a análise exigida para a
discussão completa da problemática criada por e~ta extraordi-
nári'a revolução da Física Teórica, da Física Experimental e
dos próprios fundamentos da Ciência; por isso, aqui deixamos
apenas algumas observações epistemológicas que se nos afi-
guram de maior interesse:
a) Bem ao invés de uma falência de conhecimento cien-
tífico esta «crise da Física» documenta de facto, um dos mais

[ 13 ]
válidos momentos da história do pensamen_to humano: o da
conquiSta pela Razão e pela Experiência de um nm•o plano da
Realidade, o plano do Microcosmos, aí onde teriam de se
revelar naturalmente inadequados conceitos e esquemas teóricos
como os da Física Clássica, forjados ao nível da nossa expe-
riência sensorial e percepcionai, condicionados por uma técnica
laboratorial que apenas atingia fenómenos à escala macros-
cópica, humana e astronómica, e dinamizados e estruttirados
por uma Razão Científica, mal depurada ainda da herança
dos -racionalismos românticos ou especulativos das diversas
«Filosofias da Natureza», e que, por isso mesmo, projecttlfJa,
indevida e metafisicamente, sobre a totalidade do cmundo
real», pressupostos de continuidade, 'de objectividade e de
causalidade, sem qualquer «confirmação externa. dentro da
terminologia de Einstein, para além do restrito campo de expe-
rimentação da Física Clássica,
b) À heterogeneidade do Universo, progressivamente evi-
denciada por uma tecnologia experimental e laboratorial (téc-
nicas de produção, aceleração e detecção de partículas; técnicas
de espectrometria óptica e quase óptica de rádioespectrometria
micro-hertzeana, de ressonância magnética e paramagnética,
etc.) cada vez mais afinada e penetrante, e cada vez mais bem
compreendida e melhor interpretada por uma Razão Experi-
mental (construtora de experiências, condicionada pela Expe-
riência) também cada vez mais penetrante e afinada, a essa
heterogeneidade teria de corresponder, necessàriamente, uma
correlativa pluralidade e diversidade de conceitos novos, nO"Dos
esquemas e nO"Das teorias, como tão bem o documenta a
História da Física contemp~Y~·ânea da primeira metade deste
século, com os conceitos de «qu,-.ntum» de energia (Planck,
~900) na teorização do radiamento do corpo negro e o de
«quantum» de luz (fotão) na ceoria do efeito fotoeléctrico
(Einstein 1905 ); com as noções de quantificação espacial

[ 14]
(quantificação da «.acção» ou do momento cinético) e de
cestacionaridade» ou de «.não emissividade» (estados esta-
cionários), introduzidas no modelo atómico de Bohr em 1913,
pedras fundamentais que permitiram erguer a cAntiga Teoria
dos Quanta» ( 1913-1925); com as noções relativistas de
espaço, tempo, massa, energia e de cronótopo quadrimensional
na teoria da Relatividade Restrita (Einstein 1905); com a sín-
tese físico-geométrica do campo de gravitação e do contínuo
quadrimensional espaço-tempo na Teoria da Gravitação Geral
(Einstein, 1913-1917, 1928); com a noção de «onda material»
e o postulado da «.dualidade onda-corpúsculo» para todos os
micro-objectos, que permitiram estruturar a «.Nova Mecânica
Quântica» (De Broglie -1925, Schrõdinger -1926, Heisen-
berg -1927, Max Born -1927 ); com a noção de «spin»
(Uhlenbeck e Goudsmith -1925) e a sua teorização (Pauli-
1927, Dirac - 1928); com as noções de «bosão» (Bose-
1924, Einstein -1925) e de «fermião» (Fermi -1925, Di-
rac -1925), nas Estatísticas Quânticas; com as noções de
«função de repartição» e de «número de ocupação», as no-
ções de «operadores de criação» e de «.destruição» na Teoria
da Superquantificação (Dirac, Fock -1927, Wigner e 7or-
dan -1928) de onde arranca a Electrodinâmica Quântica e
a moderna Teoria Quântica dos Campos (T omonaga -1946,
Schwinger-1948, Dyson-1949, Feynman-1950), etc.,
para apenas citarmos alguns dos momentos mais altos da
criação teorética no campo da Microfísica e da Teoria da
Relatividade.
c) No entanto, apesar dos iniludíveis progressos na ocupa-
ção e prospecção, pela Ciência e pela Epistemologia, de zonas
cada vez mais amplas e diferenciadas do «.mundo real» e do
«mundo representativo», subsistem ainda graves problemas,
principalmente no campo da «linguagem da Ciência» e, em
particular, 1zo campo da linguagem da Microfísica que con-

[ 15 ]
tinua a rttili::ar conceitos e esquemas teóric_os da Física Clássica
(corpúsculo, onda, espaço, tempo, energia, massa, etc.), dema-
siadamente sobrecarregados pelo conteúdo imagético que lhes
ficou das experiências macroscópicas em que foi forjada a sua
construção.
Daí, de certo, a evidente «irracionalidade», no sentido de
Meyerson, de uma transposição pura e simples desses mesmos
co1lceitos e esquemas teóricos para o campo da Microfísica, e
que só tem sido evitada por «escapatórias epistemológicas»,
mais ou menos engenhosas e subtis, mas sempre precárias,
como por exemplo o recurso ao Princípio da Complementari-
dade de Bohr, que racionaliza a utilização de conceitos
. clássicos conjugados, dentro do âmbito das relações de Incer-
teza, ao prescrever tão-somente a viabilidade da sua existên-
cia complementar e nunca simultânea, e, ao mesmo tempo, a
dogmática suspensão de qualquer juízo de existência, mesmo
referido apenas à simples presença potencial de tais conceitos,
fora dos instantes exactos das medições-observações, que os
especificam e determinam; ou, ainda, essa outra da identifi-
cação pura e simples da noção de corpúsculo com a de número
de ocupação, simples número aritmético, desprovido, portanto,
de todo e qualquer conteúdo cinético, dinâmico ou electro-
dinâmico, mantendo-se apenas o conceito de onda, integrado
no «universo quadridimensional» da Teoria da Superquantifi-
cação, como tão inteligentemente defende Costa de Beau-
regard.
Mas todos estes e outros «obstáculos epistemológicos»,
segundo a terminologia do racionalismo «polémico» de Bache-
lard, estão em vias de serem ultrapassados por força da activa
e fecunda cooperação internacional que se tem estado a assi-
nalar principalmente a partir dos anos sessenta, e através da
qual se abriu uma fase sadia, de profunda e frutuosa recons-
trução teorética, vencido que foi, finalmente, aquele período

[ 16]
que com tanta felicidade Einstein designava como o do «enge-
nheirar da Física>>, longo período (1925-1960) de simples e
afanosa procura de resultados, ajustados, a correr, apenas a
um domínio restrito de factos ( çà colle ... ), ao sabor de hipó-
teses inventadas ad-ho~, e que «morriam rà,flidamente, tais as
flores da primavera», como !iricalilente comenta lnfeld.
Por isso, se 11ão erramos l.'tuito, podemos confiadamente
assegurar que tudo se encaminha para uma próxima e profunda
revolução conceptual e teorética do «mundo representativo da
Microfísica, muito mais radical que a revolução dos anos vinte
e cinco, tão radical pelo menos e «tão louca» no típico dizer
de Bohr, como o foi a revolução prO'Oocada na Física Clássica
pela Teoria da Relatividade de Einstein, mas orientada tam-
bém pelas linhas de rumo de racionalidade e plenitude, abertas
e iluminadas pela genialidade dessa extraordinária figura de
Cientista e de Homem.
d) Nes(JJ.s condições, talvez nos seja legítimo concluir que
a «crise da Física>> apenas veio revelar o carácter histórico e
evolutivo dos próprios quadros racionais de pensamento cien-
tífico e comprO'Oar, no mesmo lance, a historicidade da Razão
e da Consciência, as quais deixam de ser, como postulava o
racionalismo clássico, um dom intemporal, absoluto, transcen-
dente ao condicionalismo físico, social e humano, deixam de
constituir uma dádiva que se recebe passivamente, para se
tornarem, afinal, o produto de uma atormentada e acidentada
conquista, mas em que a vitória é certa: a humanização do
Universo, no sentido da bela mensagem cartesiana.
E' assim, a História da Física e de uma maneira geral a
História da Ciência se vai confwzdindo admiràvelmente com
a história do próprio homem e das sociedades humanas.

Dentro da análise sumária que estamos fazendo à situação


valorativa da Física, talvez interesse referir ai1zda um outro

[ 17 1
2
aspecto que em geral passa despercebido, _mas de grande inte-
resse e flagrante actualidade: o da criação de uma nO'Da cate-
goria profissional, autónoma e bem individualizada, a pro-
fissão de Físico que ocupa hoje uma posição cada vez mais
importante nos grandes centros de investigação fundamental
ou tecnológica das Universidades ou das grandes empresas
industriais.
Mas, dada a situação de pré-'Dalência da Física no campo
das Ciências e da Tecnologia, dada a sua importância decisiva
JtO campo do progresso técnico que tem sido a fo7tte 'Vitaliza-

dora desta nossa Civilização Tecnocrática, como explicar que


só há pouco mais de duas décadas tenha o Físico, cientista e
técnico, começado a sair da penumbra apagada e modesta onde
se desenvolma a sua actividade?
Múltiplas seriam as razões que poderíamos aptontar para
iluminar_um pouco as 'Vicissitudes desta luta silenciosa e, por
fJezes dramática, dos Físicos, cientistas e técnicos, para impo-
rem a nu~ presença e a sua voz autorizada numa sociedade que,
paradoxalmente, os renega'Da, a eles, os principais obreiros e
animadores da sua prosperidade e grandeza; mas para encurtar
razões, lembremos apenas, por um lado o divórcio entre o
sentido universalista da autêntica Ciência e o particularismo,
quase inumano, de um regime institucional pouco adaptado
às responsabilidades do exclusivo domínio de tão poderosas
forças de valorização (ou de destruição) material e humana;
por outro lado, o contraste entre a verdadeira mentalidade cien-
tífica, de tão ampla e calorosa expressão ecuménica e persona-
lista, e a mentalidade tecnocrática, marcada pela exacerbação
de um operacionalismo despersonalizante, que tão vivamente
ressalta dessa monstruosa criação do taylorismo, os cThinking
DepartmentS», com o monopólio do pensamento, expressa-
mente proibido para os outros trabalhadores das grandes fábri-
cas, onde se poderiam ler em grandes parangonas, letreiros com

[ 18]
estas trágicas legendas: «Ninguém vos pede que pensem; para
o fazer há pessoas que são expressamente pagas pela Direcção~.

Evidentemente, que não era este o clima espiritual mais


adequado para a livre expansão da Ciência, e muito menos da
Física, que 'Divia as horas fecundas de uma extraordinária
revolução teorética; e assim, talvez por natural instinto de
defesa e razão de sobre'Divência, ·a Física e os seus cultores,
Físicos e Matemáticos, refugiaram-se na «torre de marfim~
dos Laboratórios Universitários ou em outros centros de inves-
tigação mais ou menos desinteressada.
Por isso é que, se bem julgamos, ainda há pouco mais de
duas dezenas de anos, era a Física considerada ttma disciplina
essencialmente académica, e se admitia que os Físicos apenas
ser'Diam para alimentar as necessidades de pessoal docente das
Universidades, Liceus, Escolas e Institutos, oficiais ou parti-
culares.
Mas 'Dieram duas grandes guerras, e, de'Dido à realidade da
presença da Ciência e da Técnica na recuperação dos défices
e reorganização dos saldos dos pós-guerra, lá se foi finalmente
radicando a certeza de que a Ciência não era apenas uma acti-
'Didade especulativa e desinteressada, mas também uma acti'Di-
dade social, altamente compensadora do ponto de vista da
rentabilidade do capital investido.
E porque a Ciência se transformou assim numa das grandes
«potências» do mundo actual, já em nada nos surpreende a ·
posição altamente qualificada que os Físicos passaram a ocupar
no mercado da mão-de-obra especializada, que serve de apoio
ao desenvolvimento económico e social de todos os países.
E não deixa até, neste sentido, de ser bastante significativo
o facto de, em Portugal, o maior e mais importante Labora-
tório de Investigação se ter chamado ~aboratório de Física
e Engenharia Nuclear, e que a sua Direcção tenha sido entre-

[ 19 1
gue a um Físico. Portugal acompanha aqui e noutras realiza-
ções mais recentes, o movimento internac'ional de val01·ização
da Física e dos Físicas, tão bem expressos nestes dois teste-
munhos realmente significativos:
«Só agora ( 1957) principiamos a ter consciência nítida dos
enormes be11e{ícios que podem resultar do desenvolvimento
tecnológico das novas decobertas físicas. Pode até prever-se
que os Físicos figurarão entre as pessoas vitalmente mais im-
portantes das gerações mais próximas», escre1.:e o Físico bri-
tânico Norman Clark nesse curiosíssimo livro «Physics as a
Caret!r», onde se descrevem cm pormenOT as extraordinárias
possibilidades da carreit·a de Físico.
Por outro lado, o cientista norte-americano, Royal W eller,
nessa pequena mas lúcida enciclopédia da Física Moderna
que tem o expressivo título «Modern Plzysics for E11gineers»,
já antes (1954) escrevera no mesmo sentido:
«Em muitas organizações e instituições, quer govertzamen-
tais quer industriais, a relevância alcançada pela Física foi de
tal ímpeto que lançou para as posições cimeiras dessas orga-
nizações muitos Físicos como Directores dos programas téc-
nicos. E, de tal modo, que ainda hoje todos os licenciados em
Física continuam a ter as melhores perspectivas de empregos
ltlcrativos e imediatos, logo após a sua formatura, em mtlitas
organizações estaduais e industriais».

*
* *
Dois nomes dominam toda a história da Física Contempo-
rânea: Albert Einstein e Niels Bohr, dois símbolos admiráveis
da vocação racionalista e personalista do Homem, dois ex-
poentes magníficos da força criadora e da vitalidade do Pen-
samento, dois grandes cidadãos do Universo, tão iguais pela

[ 20 1
sua ânsia de Verdade e de Justiça e pela sua fé indomável na
defesa dos sagrados direitos da Consciência, mas tão profun-
damente diferenciados nas perspectivas epistemológicas enl que
desenvolveram a sua actividade científica: o génio espiritualista
e racionalista de Einstein pairou sempre no espaço luminoso
do ideal clássico dos grandes princípios e das grandes ideias
gerais, na ânsia insofrida de uma Cosmovisão racional s #nitá-
ria de toda a vária fenomenalidade do Universo; muito ao
invés, o génio realista, se não positivista, de Bohr, apontou
sempre mais, ou sobretudo, para essa fronteira estreita ·e fugi-
dia do desconhecido, ao nível do microcosmos, aí onde ai1lda
se acoitam insuspeitadas revelações e descobertas.
Por isso, aproveitando a lição de Sérgio a propósito dos
«dois Anteros», o luminoso e o nocturno, poderíamos também,
talvez com acerto, contrapôr o desapego do Bohr nocturno
pelas ideias claras e distintas, pela alacridade do optimismo
racionalista que levou já De Broglie a aproximá-lo de Rem-
brandt, o maravilhoso artista do claro-escuro, o mago dos
contrastes de luz e sombra, poderíamos talvez contrapôr a esta
faceta romântica, dionisíaca e nocturna de Bohr, a permidade
do espírito racionalista, apolíneo e luminoso de Einstein~ tanto
mais quanto é certo que muitos dos escritos de Bohr, os de
maiores pretensões filosóficas ou especulativas, nos deixam
sempre o ressaibo amargo de um desolador cepticismo, como
se, lembra Guida Beck, pudesse Bohr admitir uma incommsu-
rabilidade absoluta entre o espírito humano e o conhecimento
científico da Microfísica, como se, acrescentamos nós, a «per-
feição e plenitude do ideal clássico de Einstein» e «a apreen-
são teorética da Microfísica» fossem, de facto, categorias
sujeitas ao Princípio de Incerteza de Heisenberg e ao de
Complementaridade de Bohr.
Como era de esperar, esta oposição tão contrastada de
mentalidades e perspectivas culturais destes dois «grandes» do

[ 21 ]
pensamento cientifico universal, teria de provocar como real-
mente prOfJocou, alguns encontros (ou melhor desencontros),
que, em Congressos e Reuniões Internacionais, deram origem
a TJivas e emocionantes discussões científicas, que se repercuti-
ram muito para além das sessões de trabalho, em publicações
nas mais categorizadas revistas, a cPhysical Revew», a cNa-
tur~, etc., mas que terminaram sempre pela retirada de
Einstein, TJencido pelos espectaculares êxitos da Mecânica
Quântica no campo da experimentação, fJencido pela sua
admirável perfeição como precioso instrumento de prospecção
do real microfísica, mas não convencido, quanto às pretensões
da Mecânica Quântica a uma teoria completa e definitiva da
realidade atómica e subatómica. Porque, importa acentuar,
se a Mecânica Quântica fornece um enquadramento extraordi-
nàriamente completo dos fenómenos observados ou observá-
veis, é incapaz de uma descrição satisfatória dos cinterfenó-
menos:., na expressiva designação de Reichenbach, que são
pura e simplesmente postos de lado, tantas vezes dogmàtica-
mente, como se, no intervalo das observações, a Realidade
ObjectifJa suspendesse a sua existência, no mais acabado sen-
tido do idealismo imaterialista de Berkeley, ou, como se os
~interfenómenoS» fossem então colocados centre parêntesis»
para nos servirmos da linguagem de Husserl (ou não será real-
mente fundamentada a sugestão de W eizsãcker quanto às incli-
nações de Bohr pelo existencialismo, à Kierkgaard?).
Mas seja como for e qual venha a ser o juízo final da
História quanto à autenticidade das derrotas de Einstein ou
das fJitórias de Bohr e da Escola de Copenhague, aqui deixa-
mos para já, o testemunho vivo e comovido do próprio Bohr
ao recordar o papel decisivo dessas mesmas discussões:
cEm cada passo em frente, dado pela Física, que parecia
derivar sem ambiguidades do precedente, ia Einstein descobrir
contradições que serviam de estimulantes a ulteriores progres-

[ 22 1
sos. A cada passo, Einstein desafi(l'()a a Ciência e, sem esses
desafios, a eoolução da Física Quântica teria sido muito mais
lenta.-.

Mas, se nos referimos com tanta insistência ao Bohr noc-


turno, foi para melhor valorizarmos agora o Bohr racionalista
e apolíneo, aquele luminoso Bohr, servido por uma singula-
ríssima e única intuição dos processos físicos, trabalhada por
uma capacidade de concentração mental e por uma agudeza
intelectual assombrosas, que lhe permitiam, num relance, loca-
lizar e desmontar as falhas mais recônditas nas orquestrações
teóricas mais engenhosas, construídas pelos seus colaboradores.
Conta, por exemplo, Guido Beck, que tantas vezes viu Heisen-
berg, com todo o apoio do seu maravilhoso instrumental mate-
mático, bater humildemente em retirada, porque Bohr com
um simples mas fulgurante raciocínio fora descobrir uma in-
consequência ou uma «brecha», e era quase sempre Bohr quem
tinha razão, e eram quase sempre os cálculos de Heisenberg
que tinham de ser reoistos.
Não haja dúvidas: Bohr foi, acima de tudo, um extraordi-
nário visionador de sendas novas, um laboriosíssimo e incan-
sável cabouqueiro sempre colocado nas fronteiras do desconhe-
cido, um extraordinário e insubstituível chefe de equipa, de
uma equipa tão ampla e complexa, que os seus colaboradores
e componentes se distribuíam quase pelo mundo inteiro. Por-
que, como é bem sabido, mais de duas dezenas de Universi-
dades europeias e não europeias, cumpriam religiosamente as
directivas emanadas de Bohr; e, por isso, é que o Instituto de
Física Teórica de Copenhague, foi, em sua vida, o centro
nervoso de toda a investigação criadora e original no campo
de Microfísica, o centro coordenador de todas as informações
científicas que a ele cheg(l'()am em primeira mão, e o órgão
de comando e de programação de todas as linhas de rumo mais

[ 23]
válidas a explorar. E de tal modo que se torna quase impossível
demarcar com justiça, qual tenha sido a mais importante con-
tribuição de Bohr para a Física Moderna; daí, talvez o mais
acertado seja indicar tão-somente os trabalhos que foram rea-
lizados efectivamente sem a participação de Bohr, e que tão
poucos são, apenas uns sete, na numerosa bibliografia científica
da Microfísica Contemporânea: os quatro originais de Einstein
- a descoberta do fotão, em 1905, a teoria quântica dos
calores específicos, em 1907, a teoria dos processos luminosos
de absorpção e de emissão induzida, em 1917, e a teoria da
Estatística Quântica dos bosões, em 1924; o trabalho funda-
mental de Luís de Broglie sobre «as ondas materiais» em 1924;
a descoberta por Schriidinger do formalismo da Mecânica
Ondulatória e da equação que tem o seu nome, em 1926;
e, por último, a descoberta por Dirac da equação relativista
do electrão e do positrão em 1926. Tudo o resto, ou é obra
original de Bohr ou dos seus colaboradores directos ou indi-
rectos, que tantos deles vieram a ter uma presença tão impor-
tante no campo da Física que foram galardoados com o prémio
Nobel: um Heisenberg, um Pauli, um Landau, um Max Born.
No entanto, se apesar de tudo nos fosse legítimo distinguir
alguns trabalhos de entre a tão vasta e valiosa bibliografia
de Bohr, poderíamos, talvez, apontar: os estudos sobre os fenó-
menos de penetração e de passagem de partículas atómicas
através da matéria, esboçados numa publicação datada de
1915 e retomados com o maior fôlego em 1948, numa mono-
grafia ainda hoje fundamental sobre esse assunto; algumas
contribuições que abriram rumos novos na Física Nuclear
(e não devemos esquecer que foi Bohr quem, de Roma, lançou
em 1931 a ordem de ataque ao reduto nuclear): a criação do
tão original conceito de «núcleo composto.», em 1936, que per-
mitiu uma interpretação imediata das reacções de ressonância
nuclear, a teoria das reacções de cisão, dentro do modelo da

[ 24]
gota líquida, em 1939, e, 110 apús-guerra, os estudos decisivos
para a estruturação do conceito de excitação colectiva e
do modelo unificado do núcleo; os notabilíssimos trabalhos
publicados de 1927 a 1930 que permitiram a cristalização
da linguagem actual da Mecânica Quântica, sem o que teria
sido quase impossível qualquer aplicação e interpretação dos
resultados, devido ao carácter demasiado abstracto e inovador
do formalismo quântico; e os trabalhos que, no mesmo sen-
tido, foram publicados a partir de 1947, para a dilucidação
do conteúdo físico da teoria Quântica dos Campos, construída
por Dirac e pelos colaboradores de Bohr, Heisenberg e Pauli;
e, por último, mas em primeiro lugar, dentro da perspectifJa
epistemológica em que nos situamos, destacaríamos, sem reser-
vas, o conjunto dos primeiros três trabalhos de Bohr, publi-
cados em 1ulho, Setembro e Novembro de 1913 com o título
genérico «On the Constitution of Atoms and Molecules» e
cuja tradução é agora apresentada em português.
Trata-se, na verdade, de um trabalho fundamental cuja
publicação marca uma data histórica na evolução das ideias
em Física, que nele hão-de mergulhar sempre as raízes mais
puras que fecundarão o desenvolvimento ulterior da Micro-
física; e é também o trabalho de Bohr de maior ressonância
universal, no bom e no mau sentido (pois não é verdade que
para o homem da rua, e para a generalidade dos que se
julgam ou são julgados cultos, o nome de Bohr está sempre
ligado, apenas, à imagem do modelo planetário do átomo,
essa pobre caricatura mecanicista do autêntico modelo de
Bohr, tão divulgada até na simbólica convencional e figura-
tiva da propaganda jornalística, livreira e outras que tais,
e até nas grandes exposições-feiras-internacionais, mais ou
menos científicas ... ).
Trata-se, na verdade, repetimos, do primeiro trabalho de
Bohr, o primeiro que me-teceu o privilégio de ser publicado

[ 25]
numa das mais categorizadas reoistas científicas da época, tra-
balho datado de 1913, é certo, mas também é certo que nele
aparecem já graoados a fogo os traços fulgurantes da geniali-
dade do seu autor: o ímpeto criador, a coragem e a indepen-
dência mental, a clara, profunda e maraoilhosa intuição da
fenomenologia da Microfísica, o cuidado e apuro na selecção e
ordenação das ideias, o equilíbrio formal e a contenção da
linguagem, e até o acabado e harmonioso da arquitectura
global que fazem desta monografia uma pequena cobra-
-primta, um precioso «hors-séri~ da literatura científica
unifJersal, e, acima de tudo, um nobre padrão da dignidade
e grandeza de pensamento humano.
Mas deixemos para a belíssima INTRODUÇÃO que fJai
seguir-se, escrita com fJerdadeiro amor intelectual pelo Pro-
fessor Rosenfeld, cientista de altos méritos, amigo íntimo
e colaborador de Bohr, a análise circunstanciada do alcance
científico deste trabalho, atraoés de comentários fundamen-
tados, sempre lúcidos e esclarecedores, pontuados por notas
tão sugestifJas e oportunas, que no conjunto oferecem também
uma mfJa e ampla panorâmica dos condicionalismos fJários
que presidiram à elaboração desta obra monumental de Bohr,
cuja tradução para a língua portuguesa representa, indis-
cutifJelmente, mais um altíssimo sermço prestado à Cultura
Nacional pela Fundação Calouste Gulbenkian.

Luanda, Laboratório de Física da UnifJersidade

FefJereiro de 1969.

]. L. RODRIGUES MARTINS
Professor Extraordinário de Física da Faculdad1
de Ciências da Universidade de Luanda

[ 26]
PREFACIO

* O quinquagésimo aniversário da publicação no cPhiloso-


phical Magazine:. da grande obra de Niels Bohr sobre a
constiruição de átomos e moléculas foi considerado como
ocasião adequada para publicar uma reimpressão destas memó-
rias que fizeram época. Estão escritas com tal clareza que,
mesmo agora, o leitor dificilmente precisará de quaisquer
comentários que o ajudem a seguir o raciocínio. Todavia, a
física atómica mudou tanto desde esses tempos heróicos que
não será sem esforço que evocará a totalidade do ambiente
em relação ao qual o trabalho de Bohr deve ser visualizado
para que possa ser convenientemente apreciado o seu impor-
tantíssimo impacto.
Além disso, o leitor perguntar-se-á, naturalmente, por que
caminhos, directos ou ínvios, as reflexões de Bohr o condu-
ziram gradualmente à plena compreensão das extraordinárias
conclusões tão lucidamente afirmadas e tão firmemente defi-
nidas na sua publicação final. Foi para fornecer pelo menos
algumas indicações deste ambiente e algumas respostas a esta
questão que foi escrita a seguinte introdução às memórias
reimpressas. Beneficiando da Jtica documentação fornecida pela
correspondência científica e pelos papéis manuscritos de Niels

* A tradução portuguesa dos textos de Niels Bohr foi graciosa-


mente autorizada pela viúva do cientista, Mrs. Margrethe Bohr.

[ 271
Bohr deixei, principalmente, que estes . documentos falassem
eloquentemente por si. Em particular, senti que não seria
deslocado reproduzir um esquema manuscrito devotado à dis-
cussão das propriedades magnéticas dos átomos, que Bohr
tencionava primitivamente tratar como um quarto capítulo do
seu trabalho; fragmentário e imperfeito como está, este es-
quema oferece um interessante complemento às memórias
publicadas e constitui a cúpula do edifício conceptual de ver-
dadeira imponência que Bohr conseguiu erigir no seu primeiro
exame ao reino inexplorado dos átomos.
Estou profundamente grato a Mrs. Margrethe Bohr pela
gentileza de me facultar o acesso a alguns papéis particulares.
Na escolha e exame da correspondência científica fui grande-
mente auxiliado pelo penoso trabalho realizado por Mr. Erik
Rüdinger na ordenação e resumo dos documentos.

[ 28]
INTRODUÇÃO
1. «SISTEMAS SATURNIANOS:.

A descoberta do núcleo atómico pode ser datada das últi-


mas semanas do ano de 1910, quando Rutherford reflectia
sobre a inesperada ocorrência de grandes ângulos de disperslo
das partículas a em placas metálicas*). No fim da notável
memória 4) de 1911 na qual refere a sua análise e conclusões,
Rutherford cita um artigo de 1904 do físico japonês H. Na-
gaoka 5), que pela época da descoberta tinha estado de visita
a Manchester**) no decurso das suas viagens na Europa.
Neste primeiro estudo, Nagaoka considera, sob o nome de
<Sistema saturniano», um modelo do átomo formado por uma
partícula central carregada positivamente rodeada por anéis
de electrões girando com uma velocidade angular comum.
Rutherford nota acertadamente que para o seu próprio racio-
cínio, no qual ele também tinha que mostrar que a carga
negativa do átomo tinha efeito desprezível sobre a dispersão
da partícula a, a distribuição real desta carga não tem impor-
tância, não fazendo mais qualquer comentário sobre este ponto.
De facto, nesse tempo, ele tinha mesmo uma ideia quanto ao
sinal real da carga central, e tratara simplesmente a carga de

*) Os testemunhos de E. Marsden e de C. C. Darwin podem


ser encontrados na ref. 2), outra prova em ref. 1), capítulo VII
(mas uma data diferente para a história .de Geiger em ref. 3) ).
**) Ver ref. 1), pág. 200.

[ 31 ]
compensação como uniformemente dist~ibuída dentro de uma
esfera de dimensões atómicas.
O fim de Nagaoka era dar simultâneamente conta dos
espectros ópticos e da emissão radioactiva de partículas {3
pelos elementos pesados (que ele supunha que deviam ter
também muitos electrões). Tentou atribuir a origem das linhas
espectrais (incluindo mesmo os espectros de bandas) a osci-
lações de configurações de anéis estáveis, ao passo que ima-
ginava que o decaimento {3 era devido à quebra do anel exte-
rior de electrões do átomo pesado. Desconhecia que tinha sido
antecipado em tais especulações por J. Perrin 6), o qual, numa
lição em 1901, sugeriu que uma «estrutura núcleo-planetária»
do átomo daria lugar à instabilidade radioactliva (ainda dos
corpúsculos exteriores, menos ligados) como às configurações
estáveis de diferentes valências químicas; além disso, fez notar
que, se um electrão se movesse numa órbita de dimensões
atómicas com uma velocidade comparável às velocidades dos
raios catódicos prodllZiidos por foto-efeito sobre aluminio, o
seu periodo de revolução seria da ordem dos períodos ópticos.
A tentativa de Nagaoka de interpretar as niscas espectrais
na base do seu modelo «Saturniano» foi retomada e grande-
mente elaborada por J. W. Nicholson numa série de memó-
rias 7) publicadas nas Monthly Notices entre Novembro de
1911 e Setembro de 1912. O astrofísico de Oxford estava
interessado nas riscas não identiflicadas que apareciam nos
espectros nebulares e no espectro da coroa solar; não se pode
descortinar qualquer relação entre o seu trabalho e a des-
coberta de Rutherford. Sob o ponto de vista matemático, a
discussão de Nicholson das condições de estabilidade relativas
às configurações anelares e dos seus modos de oscilação é um
hábil e esmerado trabalho; mas a maneira pela qual tenta
aplicar o modelo à análise das situações físlicas choca pela sua
precipitação e diletantismo, de modo que não podem deixar

[ 32]
de considerar-se como acidentes desafortunados os casos em
que realmente obteve concordância entre algumas das suas fre-
quências calculadas e as frequências das riscas espectrais
observadas.
P~ra uma dada c~rga central de v unidades, rodeada por
um anel de n electrões em movimento circular estacionário de
velocidade angular w, há n- I modos de oscilação perpendi-
culares ao plano do anel, cujas frequências têm razões defi-
nidas em relação a w: o modelo oferece deste modo uma larga
gama de razões de frequências para comparar com as frequên-
cias das riscas espectrais de interesse. Assim, acontece que,
para o sistema de anéis com v = n = 4, a razão das frequên-
cias dos dois primeiros modos coincide com a razão de du11s
riscas dos espectros nebulares: isto é suficiente para Nicholson
ver neste sistema um modelo do átomo neutro de «nebulium»;
e, por sorte, a frequência do terceiro modo, que ele pôde então
calcular, também coincidiu com a de outra risca nebular, a
qual - para tornar as coisas mais dramáticas - não era conhe-
cida quando fez a predição na sua primeira memória, mas foi
realmente encontrada um pouco mais tarde. Da mesma ma-
neira, atnibuiu riscas do espectro da coroa solar aos sistemas
de anéis completos ou incompletos correspondentes a v = 5,
que ele considerou como átomos neutros ou carregados do ele-
mento «protofluor>>. Fez mesmo uma tentativa para calcular as
massas destes átomos a partir da correcção de massa para o
movünento da partícula central: ajustou a razão entre a massa
desta partícula e a massa do electrão de modo a estabelecer
concordância entre os comprimentos de onda calculados e
observados com aproximação até à décima de A; isto deu-lhe
«pesos atómicos» de 1,3 e 2,1 para o nebulium e para o
protofluor.
Num tratamento puramente mecânico do sistema de anéis
como este, nada há que permita fixar o raio a do anel, ou a

[ 33 ]
velocidade de rotação w; nas suas prim~iras notas, Nicholson
contentou-se, por isso, em calcular estas quantidades a partir
das frequências identificadas empiricamente; deste modo en-
controu raios de alguns A nos dois casos acabados de mencio-
nar. Contudo, na terceira memória, publicada em Junho de
1912, aparece a primeira menção da constante de Planck em
conexão com o momento angular dos electrões girantes: de novo,
não há aqui lugar para qualquer raciocínio físico, mas tão-só
mais um desenvolvimento de numerologia. Deve salientar-se,
em particular, que não é considerada a essencial instabilidade
dos sistemas de anéis devida à radiação dos electrões girantes,
a qual foi o argumento decisivo de Bohr para introduzir o
quantum de acção como uma característica estabilizadora não-
-mecânica. Tudo o que Nicholson fez foi apontar que, segundo
as suas identificações, o momento angular total dos anéis elec-
trónicos com 5, 4 e 3 electrões nos sistemas de cprotofluor>
eram numericamente iguais*) a 25, 22 e 18 vezes hj21r, o que
corresponde a 5, 5% e 6 destas unidades por electrão, respec-
tivamente: uma série, acentua ele, que cnão pertence aos tipos
de Balmer, Kayser e Runge, ou de Rydberg». O único comen-
tário geral que ele faz é o seguinte: «Portanto, se a constante h
de Planck tiver, como foi sugerido por Sommerfeld, uma
significação atómica, pode significar que o momento angular
de um átomo só pode aumentar ou diminuir em quantidades
discretas quando os electrões saem ou regressam. Vê-se fàcil-
mente que este ponto de vtista apresenta menos dificuldades ao
espírito do que a interpretação mais usual, que se acredita
implicar a constituição atómica da própria energia».
Bohr não teve conhecimento das pesquisas de Nicholson,
como veremos, antes do final de 1912, quando já tinha dado

*) Esta coincidência numérica foi obtida para um valor de


h= 6,2 X l!r 2 7 erg.s, sendo portanto em qualquer caso ilegitima.

[ 34]
às suas próprias ideias sobre a estrutura atómica a forma ple-
namente desenvolvida. Se descrevemos com tal pormenor o
trabalho de Nicholson e lembrámos as primeiras sugestões de
Perrin e de Nagaoka, não quisemos de Renhwn modo apre-
sentá-los como precursores das ideias de Bohr, mas antes
evidenciar como físicos hábeis, seguindo a tendência geral do
pensamento da época, podiam especular nestas linhas. Por
contraste, a eficácia da maneira original de Bohr atacar o pro-
blema e a profundidade das suas concepções parecerão ainda
mais impressionantes.

[ 35 ]
2. BOHR EM MANCHESTER

Foi com uma disposição esperançosa mas sóbria que Niels


Bohr chegou a Manchester em meados de Março de 1912.
A sua estadia em Cambridge tinha sido para o grave e ingénuo
jovem fonte de amarga decepção. Consciente do significado
das ideias incorporadas na sua tese sobre a teoria electrónica
dos metais, tinha em vão tentado atrair para elas a atenção da
gente de Cambridge: J. J. Thomson tinha perdido o interesse
pelo assunto e não se mostrava disposto a que este jovem
estrangeiro lhe apontasse os seus erros, enquanto Jeans dificil-
mente se mostrava mais receptivo à critica de Bohr aos seus
pontos de vista sobre a radiação do corpo negro. A Cambridge
Pbilosophical Society foi de opinião que a versão inglesa da
tese era demasiado longa e a sua publicação demasiado cara.
Bohr apenas obteve bom acolhimento da parte de S. B.
McLaren, professor universitário em Birmingham, nove anos
mais velho do que ele, cujo profundo trabalho sobre os pro-
blemas fundamentais do tempo lhe teria assegurado um lugar
proeminente na história se a morre, na guerra, em 1916, lhe
não tivesse <onado tràgicamente a carreira*). De uma carta

•) As memórias de McLaren foram postumamente editadas e


publicadas, com uma notícia necrológica, sob a direcção de J. Lar-
mor 8).

[ 371
que Bohr escreveu a McLaren em 17 de Dezembro de 1911,
na qual discutia vários pontos da teoria do electrão, destacamos
a frase significativa: csabemos pouquíssimo sobre os movi-
merttos dos electrões nos metais». De facto, é claro que o pro-
fundo estudo crítico destas questões a que Bohr tinha proce-
dido para a sua tese de doutoramento já o tinha convencido de
que era necessário um radical afastamento das concepções
clássicas para dar conta dos fenómenos atómicos.
Com a sua dialéctica tendência de espírito, saudou o
modelo nuclear do átomo de Rutherford justamente porque a
sua instabilidade radiativa, inevitàvelmente decorrente da
electrodinâmica clássica, criava uma aguda contradição em
relação à evidência química e física sobre a estabilidade das
estruturas atómicas e moleculares. De facto, a compreensão
de que a estabilidade do átomo de Rutherford estava para
além do escopo das teorias clássicas significava uma conside-
rável simplificação, na medida em que ele podia, por assim
dizer, tomá-la como garantJida sem mais análises e proceder
ao desenvolvimento das outras consequências do modelo. As
suas primeiras reflexões foram dominadas pelo claro reconhe-
cimento de que o modelo oferecia a possibilidade de uma
nítida distinção entre os fenómenos químicos ordinários r; os
fenómenos intra-nucleares. A maneira como foi condmiào,
pouco depois da sua chegada a Manchester, aos conceitos de
isótopo e de número atómico e à formulação das leis do deslo-
camento radioactivo foi-nos contada por ele próprio, com a
habitual modéstia, na sua lição comemorativa de Ruther-
ford 9), de modo que não entraremos aqui neste aspecto do
seu trabalho. Que um tal raciocínüo aparentemente simples e
convincente estava muíto afastado dos modos de pensar habi-
tuais da época, foi testemunhado por um dos protagonistas,

[ 38]
A. A. Russell 10); vimos que nem Perrin nem Nagaoka pude-
ram imaginar electrões saindo do núcleo, e tanto Fajans como
Soddy foram igualmente incapazes de chegar a esta conclusão
mesmo depois de terem inferido correctamente as leis do deslo-
mento a partir dos dados experimentais acumulados. Quanto a
Van den Broek, que é creditado com excessiva generosidade
com a introdução do conceito de número atómico, a maneira
como colocou os elementos radioactivos numa sucessão linear de
carga nuclear crescente mostra que ele falhou completamente
o ponto aparentemente simples do qual Bohr concluiu pela
existência de elementos «electrõnicarnente idênticos~, como ele
na altura designou os isótopos nas suas discussões com
Hevesy *).
Não faz parte da tradição científica britânica a valorização
da força das inferências lógicas .. O malogro de Rutherford em
reconhecer a validade das consequências que Bohr tinha tirado
da sua própria descoberta não é apenas uma ilustração desta
peculiaridade geral; revela também quão limitada eta a fina-
lidade que Rutherford estava então propenso a atribuir ao seu
modelo da estrutura atómica- só adequado para explicar
as leis da dispersão dos raios a e f3 **). Estava Bohr desti-
nado a encontrar em Manchester, como em Cambridge, a
mesma decepcionante falta de compreensão? Ainda em 28 de
Maio de 1912, queixa-se ao seu irmão Harald:

«... Não há aqlliÍ ninguém que esteja realmente


interessado nestas coisas».

*) Esta denominação é ainda utilizada numa carta de Bohr a


Hevesy, de 1 de Setembro de 1913.
- ) Cf. as razões aduzidas por E. N. da C . Andrade na
ref. (2), pág. 38.

[ 39 1
Todavia, na carta seguinte, datada 4e 12 de Junho, o tom
é completamente Ctiferente:

«... As coisas não vão muito mal neste momento;


há alguns dias tive- uma pequena ideia sobre a com-
preensão da absorção dos raios a (aconteceu que um
jovem matemático daqui, C. G. Darwin (neto do
verdadeiro Darwin) acabou de publicar uma teoria
sobre esta questão parecendo-me que não só não era
matemàticamente correcta (o que não teria grande
importância) como era insatisfatória na sua concep-
ção básica) e construí uma pequena teoria sobre essa
absorção, a qual, embora modesta, talvez possa escla-
recer algumas coisas respeitantes à estrutura dos
átomos. Estou a pensar em publicar uma pequena
memória sobre este assunto. Podes imaginar como é
bom estar aqui onde há tanta gente com quem falar
(as minhas queixas diziam respeito a questões teó-
ricas mais gerais), e isto com aqueles que mais sabem
acerca destas coisas; além disso, o professor Ruther-
ford presta uma atenção viva e efectiva a tudo o que
apresenta indícios de ter algo de assinalável. Nos
últimos anos, tem elaborado uma teoria da estrutura
dos átomos que parece .bastante mais firmemente fun-
damentada do que tudo o que tem sido feito até aqui.
E não é porque a minha seja qualquer coisa com a
mesma significação ou da mesma espécie, mas por-
que o meu resultado não se afasta muito do dele
(compreendes que quero apenas dizer que o funda-
mento do meu pequeno cálculo pode ser levado a
concordar com as suas ideias) ... Tenho tantas coisas
que gostaria de tentar ... mas terão que esperar ... ».

[ 40]
Torna-se claro que Bohr tinha por fim .encontrado a
atmosfera adequada à sua natureza sensível, e recuperado a
paz de espírito que lhe permitia concentrar-se .de novo numa
investigação fundamental num campo pràticamente virgem.
As cartas à noiva dão vívidos relances de esforço constante
e de antecipação penetrante à medida que o trabalho progride,
com os seus altos e bru!xos; a 5 de Julho escreve:

« ... Não parecem desencorajadoras as coisas com


os tais minúsculos átomos, ainda que os resultados
dos cálculos tenham os seus altos e baixos ... ».

A carta a Harald, de 17 de Julho, dá uma ideia da tensão


sob a qual trabalhava para acabar pelo menos as suas investi-
gações sobre a absorção dos raios a, enquanto ao mesmo
tempo tantas perspectivas novlis se abriam ao seu espírito:

«As coisas estão a ir bastante bem, pois creio


ter encontrado alguns resultados; mas, para ser
· exacto, não fui tão rápido na sua elaboração como
estUpidamente pensei. Espero acabar uma pequena
memória e mostrá-la a Rutherford antes de partir,
e por isso estou tão ocupado, tão ocupado ... ».

De novo, em 22 de Julho, diz ao irmão, com discreta


ironia:

« ...não é de falta de planos que sofro neste mo-


mento ... ».

No mesmo dia, conta à noiva que Rutherford viu a metade


acabada da memó~ia sobre os raios a; a 24 parte para
Copenhague, onde se casa a 3 de Agosto, e em 12 de Agosto
já está outra vez cm Manchester com Rutherford e a sua
jovem mulher- e com a memória completa.

[ 41 ]
A quantidade de trabalho que Bohr produziu nesses quatro
meses em .Manchester é incrível. Passou grande parte de cada
dia de trabalho no laboratório, frequentando consáenciosa-
mente um curso de medições em radioactividade e mais tarde
montando uma experiência sugerida por Rutherford. Todavia,
é lícito suspeitar-se de que, enquanto os seus dedos estavam
ocupados com o aparelho, o seu espírito estaria algumas vezes
seguindo pistas muito diferentes; de facto, foi neste período
que todas as grandes ~deias incorporadas nas duas últimas
partes da trilogia de 1913 tomaram forma e foram elaboradas
em considerável pormenor. O trabalho sobre a absorção dos
raios a 11), que exigiu - além da concepção da ideia física e
da sua expressão matemática geral- o difícil cálculo de um
certo integral*) e extensos cálculos numéricos, foi virtualmente
concluído, como vimos, durante o último mês do seu estágio;
não devia portanto estar a exagerar quando dizia à noiva (em
10 de Junho) que trabalhava nele «dia e noite».
O cálculo da perda de energia das partículas a à passagem
pela matéria era o complemento natural da determinação da
dispersão delas, e da descoberta de Rutherford, indicando, em
contraste com o que se esperava, que estas partículas, precisa-
mente como os electrões, penetravam nos átomos e entravam
em interacção principalmente com os electrões constituintes
isolados, e exigindo um novo tratamento do problema baseado
no novo modelo. A troca de energia entre uma partícula
incidente rápida e um electrão atómico podia ser calculada
como se o electrão estivesse livre, esperando Darwin que a
perda total da energia da partícula pudesse também ser obtida
sem entrar nos pormenores da ligação do electrão: contudo, ao

•) Na carta de 12 de Junho, acima citada, conta ao irmão com


grande pormenor como procedeu a este cálculo, tendo como guia
geral sõmente a Teoria do Som de Lord Rayleigh.

[ 42 1
parâmetro que ele introduziu para este fim e que identificou
com o raio atómico tinham que ser atribuídos valores que não
se coadunavam com esta interpretação do seu significado. Bohr
compreendeu que uma análise racional do processo implicava
uma comparação mais rigorosa do tempo durante o qual as
duas partículas em colisão estão efectivamente em interacção
com o período do movimento do electrão sob a influência das
forças de ligação. Assim, a gama de distâncias entre a trajec-
tória da partícula e o electrão, para a qual há uma troca de
energia apreciável durante a colisão, não é limitada, como
Darwin supunha, por uma distância fixa da ordem do raio
atómico, mas por uma distância crítica relacionada com o
período do movimento do electrão e que, por isso, é diferente
para cada electrão. A expressão resultante para a perda de
energia, discutida por Bohr com atenção característica para
todos os pormenores significativos, provou estar em excelente
concordância com todo o material experimental.
O ponto mais importante desta pesquisa foi, todavia, o
estabelecimento, por intermédio de um conjunto de parâmetros
característicos da estrutura atómica, de uma relação quanti-
tativa entre dois tipos de fenómenos profundamente diferen-
tes: na verdade, as frequências próprias, que se revelaram ser
essenciais para compreender a grandeza e a dependência da
velocidade da perda d~ energia das partículas a rápidas, eram,
conforme as ideias clássicas, as mesmas que apareciam como
a marca mais característica da dispersão óptica. Um dos mais
frutuosos aspectos do trabalho de Bohr sobre a absorção das
partíCulas a foi precisamente habilitá-lo a determinar com
grande pormenor esta relação para alguns elementos leves,
e extrair a partir da evidência experimental informações sobre
os números de electrões nos átomos destes elementos e as for-
ças relativas das suas ligações. Assim, encontramos em papel
proeminente, desde o princípio dos trabalhos atómicos de

[ 43]
Bohr, o fenómeno da dispersão óptica, a qual, nos desenvolvi-
mentos seguintes, reapareceu em cada fase e, em última análise,
forneceu a chave decisiva à formulação racional da mecânica
quântica.
No problema da absorção dos raios a, os estados de ligação
dos electrões entram somente por intermédio dos períodos dos
seus movimentos, que Bohr então idrntificou com as ressonân-
cias características que aparecem na dispersão óptica. Não
havia neste tratamento qualquer intervenção explícita do
quantum de acção: não obstante, Bohr já tinha claramente
reconhecido que era de facto indispensável um apelo ao
quantum para dar conta da própria existência de estados de
ligação estáveis dos electrões em torno do núcleo atómico.
Adquire-se uma ideia notàvelmente exacta de quão longe
tinham ido nesta época as suas concepções sobre a estrutura
atómica e molecular por um memorandum que ele prepa-
rou pouco antes de ter deixado Manchester, e que felizmente
se conserva. Este memorandum consiste em seis folhas manus-
critas cuidadosamente escritas e numeradas, coladas em tiras
de diferentes comprimentos, formando um conjunto coerente
(embora pela numeração se conclua que falta uma folha) ;
estão metidas num envelope com a seguinte indicação manus-
crita por Bohr:

«Primeiro esboço das ideias contidas na memória


«Sobre a constituição de ·átomos e moléculas» ( escri-
tas para mostrar estas considerações ao Prof. Ruther-
ford). (Junho e Julho de 1912)».

Vamos agora reproduzir este documento, de importância


capital, com duas omissões*) não essenciais; melhor do que

•) Deixamos de lado duas folhas contendo, respectivamente,


um esquema das linhas gerais do cálculo da energia de mn electrão

[ 44]
qualquer paráfrase, permitir-nos-á compreender a espantosa
extensão das primeiras realizações de Bohr. Daremos o texto
exactamente como aparece, com os seus erros de ortografia
e cdinamarquesismos:., que seria mais pedantesco corrigir do
que deixar como estão. É interessante notar que Bohr tentou
empregar a palavra c:Kern» para denominar o núcleo*);
pode imaginar-se que o próprio Rutherford deve então ter-lhe
sugerido o último nome como designação equivalente e mais
aceitável.
[ Al] De acordo com o modelo do átomo proposto pelo
Prof. Rutherford, com o fim de explicar a «grande dispersão»
das partículas a, os átomos são formados por uma carga posi-
tiva concentrada num ponto (numa extensão muito pequena
comparada com as dimensões dos átomos) rodeada por um
sistema de electrões, cuja carga total é igual à do c:Kern»
positivo; supõe-se também que· o Kern é a sede da massa do
átomo.
Num tal átomo não poderá haver qualquer configuração
de equilíbrio sem movimento dos electrões. (Não há nenhum
dado que permita determinar uma quantidade de dimensão,
um «comprimento»). Consideraremos, portanto, em primeiro
lugar as condições de estabilidade de um anel de n electrões
girando em torno de uma carga pontual positiva de grandeza
n X e.

num sistema de anéis fonnado por n electrões girando em tomo de


uma carga central de n unidades, e uma demonstração do seguinte
teorema: cNum sistema de corpúsculos carregados que possua um eixo
Ele simetria (eixo comum de rotação), a energia potencial total será
sempre igual à energia cinética total multiplicada por - 2».
*) No manuscrito, escrito em dinamarquês, do texto de umà
lição sobre a absorção dos raios a e p, proferida por Bohr em
Copenhague em Setembro de 1912, encontra-se a palavra cKeme•
empregada sistemàticamente.

[ 45]
Por uma análise análoga à utilizada por Sir J. J. Thomson
na sua teoria sobre a constituição do átomo, é possível dc:DlODIIo-
trar com grande simplicidade que um anel como o que está
em questão não possui estabilidade no sentido mecânico ordi-
nário (na verdade a estabilidade no modelo atómico de J. J.
Thomson baseia-se materialmente na circunstância de que a
força atractiva aumenta quando cresce a distância ao centro;
portanto, a estabilidade toma-se maior se colocarmos os elec-
trões dentro do anel (no seu modelo), porque estes tomam a
razão de aumento da força ainda maior; como se vê imedia-
tamente, qualquer coisa deste tipo não alterará a estabilidade
no modelo atómico do Prof. Rutherford (se os electrões não
estiverem exactamente no centro do anel mas, por exemplo,
dispostos em anéis à sua volta, a sua presença, pelo contrário,
diminuirá ligeiramente a estabilidade) ) , devendo portanto a
questão de estabilidade ser tratada de um ponto de vista
completamente diferente.
Contudo, vê-se imediatamente que há uma diferença essen-
cial entre a estabilidade dos anéis contendo um diferente
número de electrões, sendo possível demonstrar que a energia
de um electrão no anel (a soma das energias cinética e poten-
cial relativa ao Kern e aos outros electrões) é negativa se
n < 7, mas positiva se n > 7, e que portanto um electrão de
um anel contendo mais que sete electrões pode abandonar o
átomo. A hipótese segundo a qual um átomo constituído por um
só anel não pode conter mais do que sete electrões é, por isso,
muito plausível. Isto, acrescido do facto de que os anéis e
electrões interiores no modelo atómico do Prof. Rutherford
terão só pequeníssima influência (e sempre no pior caso) sobre
a estabilidade dos anéis exteriores *), parece abonar claramente

•) A diferença a este respeito entre o modelo atómico COilst-


derado e o modelo de I. I. Thomson é notabilíssima, parecendo impos-

[ 46]
em favor de uma possível explicação da lei periódica das pro-
priedades químicas dos elementos (supõe-se que as proprieda-
des químicas dependem da estabilidade do anel exterior, dos
celectrões de valência») com o auxílio do modelo atómico em
questão.
[A2] Na investigação da configuração dos electrões nos
átomos encontramos imediatamente a dificuldade (conexa com
a mencionada instabilidade), de um anel, se só forem dados a
carga central e o número de electrões nos anéis, poder girar
com um número infinitamente grande de tempos de rotação
difQ"entes, de acordo com o suposto raio diferente do anel; e
parece não haver nada (devido à instabilidade) que permita
a discriminação entre os diferentes raios e tempos de vibração
a partir de considerações mecâni<;as. Portanto, na investigação
que vamos fazer apresentaremos e faremos uso de uma hipó-
tese, a partir da qual poderemos calcular as quantidades em
questão. A hipótese é a seguinte: para qualquer anel estável
(qualquer anel que apareça nos átomos naturais) haverá uma
razão definida entre a energia cinética de um electrão do anel
e o tempo de rotação. Esta hipótese, para a qual não será dada
qualquer tentativa de justificação mecânica (pois que parece
destinada a fracassar*), é escolhida como a única que parece
poder explicar todo o conjunto de resultados experimentais,

sível dar uma explicação satisfatória da lei periódica a partir do


último modelo mencionado.
•) Isto parece não ser senão o que era de esperar, pois tudo
indica que está rigorosamente provado que a meclnica é inábil para
explicar oe factos experimentais em problemas referentes a átomos
isolados. Por analogia com o que se sabe de outros problemas, parece,
todavia, ser legítimo empregar a mecânica na investigação do com-
portamento de um sistema, se nos mantivermos alheios a questões de
estabilidade (ou de equilíbrios estatisticos f"mais).

[ 471
que abrange e parece confirmar concc;pções do mecanismo da
radiação como as propostas por Planck e Einstein.
A hipótese mencionada parece ser fortemente sustentada
pelos factos experimentais; é possível demonstrar que dá a
explicação
1) da lei periódica dos volumes atómicos dos elementos;
2) da lei de Wbiddington da relação entre a velocidade
necessária para excitar os raios de Rõntgen caracterís-
ticos de um elemento e o peso atómico desse ele-
mento*);
3) (aproximadamente) da lei de Bragg da absorção dos
raios a por diferentes elementos **);
4) parece explicar a estabilidade e o calor de combinação
de alguns compostos binários.
(A3a?] falta.
[A3b] (energia do electrão num anel) não incluída.
[A4] Figuração dos átomos nas moléculas.

*) Ver a segunda memória de Bohr, reimpressa mais adiante,


pág. 165 e também a ref. 11), pág. 26-27 (Nota do Editor).
**) Bohr tem em vista o facto de a absorção dos raios a por
unidade de área, para igual peso de matéria, decrescer para elementos
de peso atómico crescente: ver ref. 11), pág. 20 (Nota do Editor).

[ 48]
A figuração proposta parece capaz de explicar os rl!sul-
tados experimentais respeitantes à acção química da descarga
el~ctrica nos tubos de vácuo (Kirkby: Proc. Roy. Soe., A.85,
págs. 151-174, 1910. Kirkby conclui : «Estas considerações
demonstram claramente que os átomos de oxigénio, embora
se dissociem antes de se combinarem com o hidrogénio, não
têm carga durante o seu estado de dissociação. Daqui se con-
clui que a sua união com o hidrogénio não pode ser atribuída
a forças electrostáúcas.:. (loc. cit. pág. 163)) . O resultado de
Kirkby, de que o efeito mais frequente do impacto de corpús-
culos sobre uma molécula de oxigénio é de longe a divisão
da molécula em átomos sem carga (e não em iões), é exacta-
mente o que seria de esperar da molécula de oxigéruo acima
proposta. Primeiramente, a distribuição simétrica dos quatro
electrões em relação aos dois átomos parece tomar inviável
a divísão não-simétrica dos electrões entre os átomos causada
pelo impacto; e, além disso, se tal divisão assimétrica úvesse
lugar, seria consequentemente muito mais difícil separar os
átomos, em virtude das grandes forças atractivas entre os
átomos resultantes da divisão em questão.
[Em relação com a grande diferença de estabilidade entre
os iões negaúvos e posiúvos (facto que decorre imediatamente
de qualquer espécie de teoria electrónica, e parece estar na
mais ínúma relação com as grandes diferenças de mobilidade
dos iões posiúvos e negativos em gases perfeitamente secos),
pode notar-se que um anel de 4 electrões girando em tomo de
um núcleo de carga + 2e é instável no mesmo sentido em que
o é um anel de 8 electrões girando em tomo de núcleo + 8e] .
A circunstância que talvez mais fortemente sustente a
concepção de uma molécula do género proposto é a ausência
de bandas de absorção no infravermelho em gases elementares
como o hidrogénio e o oxigénio. Na verdade, se a acção quí-
mica entre dois átomos depende da transferência de corpús-

[ 49]
4
culos de um para o outro (ver J. J. Thomson: Teoria corpus-
cular da matéria, págs. 120-141), e se as ligações químicas
entre eles fossem atribuídas a forças electrostáticas devidas às
suas cargas diferentes, então deveriam existir bandas de absor-
ção no oxigénio e no hidrogénio semelhantes às observadas na
água (ver Houstoun, Proc. Roy. Soe. 1911; segundo um
mecanismo da molécula de água como o adoptado por Hous-
toun, parece necessário prever uma banda de absorção no
hidrogénio muito perto de uma das duas bandas observadas na
água). A ausência de bandas de absorção na zona infraverme-
lha para o H2 e 0 2 decorre imediatamente, segundo os mode-
los acima representados, da condição simétrica dos dois núcleos
(a mesma razão da carga para a massa).
O modelo proposto para o H 2 parece ser a única configu-
ração de equilíbrio possível de 2 núcleos e 2 electrões (não
considerando dois átomos separados), na qual os núcleos estão
em repouso. Uma molécula cujo equilíbrio dependa da velo-

cidade de rotação dos núcleos (como por exemplo •3 ) de-

verá ser uma coisa muito instável (que, de facto, terá uma
grande probabilidade de ser dividida pelas colisões entre as
moléculas) e dependerá em larga medida da temperatura.
Contudo, a molécula adoptada será muito pouco dependente
da temperatura; é possível fazer a estimatJiva da tempe-
ratura a que se tomará instável. Em primeiro lugar tor-
nar-se-á instável se a força centrífuga devida à rotação dos
núcleos for da mesma ordem de grandeza que a atracção entre
2
os electrões e os núcleos. Daqui resulta que E c:c :..._ sendo E
r
a energia cinética devida à rotação dos núcleos e r uma quan-
tidade com a ordem de grandeza do craio:. da molécula;
temos agora que a energia média de rotação de uma molécula

[50]
diatómica à temperatura T é igual a 1,3 · T · I0- 10 ; fazendo
e = 4,7 X I0- 10 e r = 10-s, obteremos para a temperatura
a que a molécula será instável aproximadamente T = 10".
Além disso, a molécula será instável se a temperatura for tão
elevada que a luz ultravioleta da radiação natural interferirá
essencialmente com a estabilidade do anel de electrões. Se-
gundo a teoria de Planck será este o caso se *)
h ·n n
- - = 0,5 ·I0- 12 · -
kT T
for da ordem de grandeza da unidade; a partir da dispersão
temos que n é cerca de 0,3 · 10+ 16 ; isto dá de novo 10~ para
ordem de grandeza de T. (Os limites aqui calculados são
excessivamente elevados; o cálculo mostra que para tais tem-
peraturas a molécula não pode existir).
[A5]

*) A potência de 10 deveria ser 10-'• (nota do Editor).

[ 51 1
O problema da estabilidade do 1:1 2 e da instabilidade do
(He2] parece ser abordável sem a intervenção de novas hipó-
teses especiais da seguinte maneira.

Suponhamos dois átomos de hidrogénio ."f.,


"..•
, combina-
dos de uma maneira ou de outra, sem receberem ou perderem

energia, formando uma molécula de configuração • ~ • ;

segundo o teorema acima demonstrado, a energia cinética de


cada electrão na ~ova configuração seria a mesma que antes,
pois que a energia total dos sistemas é a mesma; daqui resulta,
contudo, que o número de rotações por segundo será mais
pequeno na nova configuração porque a quantidade X acima
2
mencionada é maior. [Um simples cálculo dá n = •V/ emr3
X
e2 X
e E = 1h - - , onde n é a frequência e E a energia cinética
r
e2 X
de um electrão; mas isto dá r = E e consequentemente
2
n = -1
X
v·8E
-
me•
3
] . Mas segundo a concepção principal, na qual

se baseia a teoria de Planck da radiação, a entropia de um sis-


tema vibratório é maior, para a mesma energia, se o número
de vibrações por segundo for menor. O processo considerado
tem portanto uma analogia muito grande com um processo
irreversível ordinário; por conseguinte, parece talvez possível
compreender que a nova configuração irradiará energia (a qual
será observada sob a forma de calor), situando-se por isso o
anel de electrões numa posição mais próxima do núcleo (ga-
nhando energia cinética ao mesmo tempo que o sistema total
perde energia, de acordo com o teorema acima mencionado).
Contudo, segundo uma tal concepção compreende-se imedia-

[52 1
tamente que o processo não pode voltar ao estado anterior a
não ser que o sistema receba energia por radiação ou choque
mecânico.
Utilizando a hipótese especial E= K ·v deduz-se que a
energia de um sistema contendo um anel de n electrões actua-
e2
dos por uma força central - X é igual a ...;- n · X 2 · A, sendo A
r2
aproximadamente igual a 1,3 · I0- 11 erg e N ·A = 1,9 · 10' cal
(N, número de moléculas em 1 cm 3 *) do gás).
Para o calor desenvolvido pela formação de uma molécula-
-grama de H2 ([H] + [H] ~ H2) obteremos pois

2 · (t,049 2 - t,0002) · 19 · 105 = 3,8 · to• cal.

Esta quantidade tem a mesma ordem de grandeza que o


calor desenvolvido pelos processos químicos usuais. (O calor
desenvolvido pela formação de uma molécula-grama de OH 2 é
5,8 X to• cal.).
O calor obtido por formação de uma molécula-grama [He2 )
(He + He ~ [He 2)) é 4 (t,750 2 - 1,64J2) ·1,9 · t0 5 = 2,7 ·
· 10' cal.
Assim, a separação de [He2) em He + He deveria por isso
ser muito mais violenta do que qualquer processo químico
conhecido.

[A6) (energia de um sistema de partículas carregadas)


não incluído.

*) Isto significa tratar-se de 1 mole (nota do Editor).

[53 ]
3. O ESPECTRO DO HIDROGÉNIO

O memorandum transcrito revela, por um lado, que em


Julho de 1912 Bohr tinha reconhecido pràticamente todos
os pontos principais contidos nas partes II e III da publicação
final, assim como o princípio não-mecânico que fixa os estados
estacionários dos sistemas atómicos e moleculares investigados;
por outro lado, vemos que não tinha ainda a chave para o tra-
tamento dos processos de radiação, a qual desempenha um
papel tão proeminente na exposição publicada cuja parte I
é largamente dedicada à interpretação dos espectros de riscas
do hidrogénio e de outros elementos, baseada num conceito de
transição quântica profundamente afastado de qualquer des-
crição clássica. É uma questão de grande interesse investligar
quando e como conseguiu chegar a esta nova e essencial con-
cepção. Contudo, antes de o fazermos é necessário fixar um
pouco mais a atenção no primeiro passo que ele já tinha dado,
nomeadamente na concepção de estados estacionários não-
-mecânicos.
É curioso que, no memorandum, a formulação da «hipó-
tese» pela qual os anéis estáveis são determinados não faz
qualquer menção explícita do quantum de acção, falando mera-
mente de uma «razão definida:. entre a energia cinética de

[55]
um electrão do anel e a sua velocidade ~guiar de rotação *).
Não há dúvida de que Bohr (como nos diz na sua lição
Rutherford) tinha plenamente compreendido que o elemento
estabilizador das estruturas atómicas do modelo de Rutherford
devia ser procurado no quantum de acção, e que a razão em
causa estava portanto intimamente relacionada com a cons-
tante de Planck; esta relação estaria provàvelmente indicada
na página perdida, sendo lamentável que esta preciosa prova
se tenha perdido. No fim do memorandum, onde a hipótese
é expressa pela fórmula E= IC ·v, que liga a energia ciné-
tica E com a frequência de rot?ção v, a razão das duas quan-
tidades é representada pela le,ra K, distinta do símbolo lz
utilizado um pouco antes para designar a constante de Planck,
mas sente-se a falta da descrição da forma exacta da relação
entre as duas constantes. O raciocínio conducente à considera-
ção da energia cinética neste contexto não é descrito na parte
existente do memorandum, mas não pode ser outro senão o
empregado sistemàticamente nas memórias publicadas: o es-
tudo da formação do átomo por ligação sucessiva dos electrões
inicialmente em repouso a distância infinitamente grande do
núcleo; vê-se fàcilmente que a energia de ligação de um elec-
trão sobre uma órbita é igual em grandeza à sua energia ciné-
tica média considerada ao longo de um período de revolução.
Por conseguinte, a teoria quântica de Planck sugeria forte-
mente uma relação de proporcionalidade entre esta energia
cinética e a frequência de revolução, mas não fornecia qualquer
indicação imediata do valor preciso do coeficiente de propor-
cionalidade. Todas as extensões da teoria de Planck a sistemas
materiais até aí realizadas com êxito se confinavam a casos em
que os movimentos podiam assimilar-se directamente a oscila-

•) O texto diz «tempo de rotação•, mas é obviamente um


lapsus calami.

[56 1
ções harmónicas para as quais a regra de quantificação era
conhecida: mesmo a tentativa de Haas *) de quantificar o
modelo atómico de J. J. Thomson não tinha ido além deste
dominio restrito, visto que neste modelo as forças de ligação
dos electrões dentro da esfera de electricidade positiva são de
natureza elástica. É verdade que Sommerfeld tentava*) por
essa altura introduzir o quantum de acção no tratamento de
fenómenos aperiódicos tais como a Bremsstrahlung e o foto-
-efeito; mas não tinha qualquer método definido e os seus
resultados não foram além de estimativas de ordens de gran-
deza.
A quantificação do oscilador harmónico dá para o estado
mais baixo deste sistema, em vista da igualdade das energias
cinética c potencial médias, a relação E = 1h h.,, isto é, o valor
1h h para a constante K . Este é exactamente o valor que Bohr
finalmente adoptou, justificando.:O por um raciocínio de signi-
ficado muito geral. Contudo, existem provas convincentes de
que, quando escreveu o memorandum, ainda não entrevia o
caminho para fixar o valor de K, e de que não tinha feito
qualquer progresso neste ponto até ter atacado o problema do
espectro do hidrogénio. De facto, nota-se que o valor numé-
rico 1.3 · 10-u erg atribuído no fim do memorandum à quan-
tidade representada por A é apreciàvelmente diferente do que
corresponderia à escolha K = 1h h. Com efeito, a quanti-
dade A pode ser identificada com Wo (h/2K) 2 , em que Wo

•) Bohr não tinha conhecimento deste trabalho na altura.


Obtém-se uma ideia muito completa do progresso do conhecimento
e das opiniões sobre a teoria quintica nos anos decorridos desde a
descoberta de Planck pelas actas e discussões do primeiro congresso
Solvay 12), reunido em Bruxelas em Novembro de 1911; a publi-
cação destas actas em 1912 não pode, todavia, ter influenciado o
trabalho de Bohr em Manchester.

[57]
(como na segunda e terceira memórias,_ cf. segunda memória,
pág. 149) representa a unidade atómica de energia 21r 2 e4 mjh 2 ,
numericamente igual (com os valores das constantes conhe-
cidos por Bohr) a 2.0 · 10-u erg, indicando, deste modo, o
valor atribuído a A que ele tinha calculado o valor de K como
sendo aproximadamente igual a 0,6 h. Sou tentado a conjectu-
rar que a estimativa foi deduzida da relação (Kfh) 3 =
= (Wo/ h v) (% X) 2 obtida por eliminação de r das equações.
ez
-X=Kv e
2r

na verdade, aquele valor deduz-se desta relação aplicada à


molécula de hidrogénio H 2 , com X= 1,049, desde que se
identifique a frequência de rotação v com a frequência de res-
sonância 3.5 · 10u s- 1 derivada das medidas de dispersão ( cf.
terceira memória, pág. 864). Uma tal identificação estaria na
linha das que ele faz no seu trabalho sobre absorção dos
raios a; enquanto o tratamento dÃferente dado na terceira
memória (págs. 179-180), o qual é coerente com a relação
K = % h, faz uma utilização essencial do postulado quântico
sobre as transições radioactivas.
Por mna carta a Hevesy inferimos que não houve modifi-
cação desta situação até 7 de Fevereiro de 1913. Esta carta
interessantíssima merece ser aquí apresentada na sua totali-
dade, pois corrobora fortemente a inferência tirada do memo-
randum com o qual deverá ser comparada em pormenor. A re-
ferida carta foi a reacção de Bohr a uma questão directa posta
por Hevesy e também a trabalhos*) deste que acabara de
receber e lançavam luz sobre as propriedades químicas dos

•) Estes trabalhos são os seguintes: G. Hevesy, Physik. Zs. 14


( 1913) 49; G. Hevesy e L. v. Putnoky, Physik. Zs. 14 (1913) 63.

[ 58 ]
elementos radioactivos; corroboraram a dedução teórica prévia
de Bohr das leis do deslocamento obtidas a partir do modelo
de Rutherford à qual ele tinha sido conduzido pelas suas con-
versas com Hevesy no período de Manchester. Ver-se-á que
a carta enumera os mesmos pontos principais que figuram no
memorandum, com excepção de três tópicos: dispersão óptica,
magnetismo e radioactividade, que não são especificados no
memorandum, mas que, como sabemos, não eram novos para
Bohr. Não só não há uma palavra sobre espectros de riscas,
mas também a descrição do método pelo qual ele caracteriza
os estados estacionários não mostra qualquer variação em rela-
ção ao memorandum: depois de explicar que estuda a
formação dos átomos por sucessiva ligação de electrões, dá
mesmo no texto da carta escrito à máquina a relação entre a
eneq~ia E da radiação emitida no processo de ligação e a
frequência de revolução v na forma E = hv, e s6 se arrepende
numa nota de fim de página escrita à mão, mencionando que
esta relação deve ser corrigida por um factor numérico cde
acordo com o que era de esperar por considerações teóricas:..

3 St. Jakob119ade. Copenhague


7 de F"ereiro de 1913

Caro Senhor V, Hevesy

Agradeço-lhe muito os seus trabalhos e a sua amcivel carta.


As suas memórias interessaram-me grandemente: 08 belos resul-
tados foram exactamente 08 que eu esperava de acordo com o
ponto de vista que tenho sustentado sobre a constituição dos
átomos.
Desde que regressei de Manchester tenho estado ocupado -
continuar o meu trabalho sobre a teoria da estrutura dos átomos
e moléculas baseada no modelo at6mico do Prof. Rutherford.

[59 1
Tenho esperança de que em breve poderei-publicar uma memó-
ria sobre ela.
Em resposta às suas perguntas tentarei caracterizar resumi-
damente as ideias que utilizei como fundamento dos meus
cálculos.
Como diz na sua carta. a principal dificuldade é a questão
da estabilidade: ou. como também pode dizer-se sob um ponto
de vista um pouco diferente, os problemas das dimensões do
sistema de electrões que rodeia o núcleo. Contràriamente aos
modelos atómicos como o de J. J. Thomson, nada existe nas
quantidades que determinam um modelo atómico como o de
Rutherford de onde se possa determinar um comprimento com a
mesma ordem de gnmdeza das dimensões dos citomos, com o
auxilio da mecânica usual.
A partir da discussão teórica dos fenómenos de radiação
sabemos. no entanto, que o problema em questão não pode ser
plenamente discutido com base na mecânica ordinária. Pode
agora provar-se que. tomando em conta a teoria da radiação
de Planck, é possível encontrar. de maneira simples uma res-
posta às nossas questões.
Se supusermos que oe sistemas considerados são formados
por ligação sucessiva de electrões ao núcleo até que o sistema
total sela neutro (considere-se a formação de um citomo de
hélio a partir de uma partfcula a). e se admitirmos além disso
que a ene19ia emitida como radiação por esta ligação é igual
à constante de Planck*) multiplicada pela frequência de rota-
ção do electrão considerado na sua órbita final, obtemos resul-
tados que parecem estar em conformidade com as experi&n_cias.
Com o auxilio de tais consideraçõea é possível explicar
não s6 a ordem de grandeza das dimensões dos citomos, mas
também a maneira como os volumes atómicos variam com a
valência do elemento considerado (iato é, com o número de elec-
tões do anel exterior). Obtive, além disso, uma concordância
muito Intima com experiências sobre raios de Rontgen caracte-
rfsticos, os quais, segundo a teoria, constituem a radiação emi-

•) A consl4nte que entra nos cálculos niio i exaci<Jmente i,ua.l d CMUI4nte


de Planck, diferindo dela por um factor numirico, de acordo com o qu• era
de esperar tror cMUidertJfÕes IIÓricas.

[ 60]
tida durante o anemio do sistema se um electrão de um doa
anéis maia pr6ximos do núcleo for removido, por exemplo, pelo
choque de partlculas cat6dicaa.
Além de uma indicação muito sugestiva para a compreensão
do sistema peri6dico doa elementos, as considerações em ques-
tão levam-nos a uma teoria das combinações quimicas. teoria
que permite seguir o processo de combinação doa átomos em
pormenor, e, aplicada aos sistemas maia simples, dá imediata-
mente como resultado que 2 átomos de hidrogénio se combinam
formando uma molécula. o que não acontecerá com doia átomos
de hélio.
Estes últimos resultados e o acordo entre a teoria e a expe-
ri6ncia em vários fen6menos muito diferentes (dispersão, mape.
tiamo, radioactividade), firmaram-me no ponto de vista que já
sustentava em Manchester; que, realmente, por simples apli-
cação de considerações como as acima indicadas, podemos
esperar obter um conhecimento da estrutura dos sistemas de
electrões que rodeiam os núcleos nos átomos e moléculas
e. portanto, a comprensão pomienorizada do que podemos cha-
mar as propriedades «quimicaa e fisicaa• da matéria. Pela
deno~ação «quimicaa e fisicaa• excluo a gravitação e a
radioactividade, que são independentes do estado quimico e
fisico e que. de acordo com o ponto de vista adoptado, s6
dependem da estrutura intema dos núcleos, enquanto as outras
propriedades são apenas dependentes do sistema de elec-
trões, o qual, segundo a teoria em questão, é completamente
determinado pela carga total do núcleo.
Por intermédio dos fen6menos de radioactividade observamos
a explosão dos núcleos; e. de acordo com o que se diz anterior-
mente, as propriedades fisicaa e quimicaa dos novos elementos
formados dependerão somente da carga doa novos núcleos. a
qual dependerei .. por sua vez, da carga doa raios emitidos. Esta
'última relação é precisamente aquela que encontrou nas suas
experi6nciaa; os seus resultados foram. portanto, os que eu
esperava.
Estou certo de que compreenderá que lhe escrevo na mesma
disposição em que lhe falava em Manchester, isto é, que não
falo do resultado que julgo poder encontrar com os meus pobres
meios, mas a6 do ponto de vista- em que espero e creio, de

[ 61]
um futuro (talYez muito próximo) de&envolv~ento enorme e ines-
perado da nossa compreensão - à qual fui leYado pelas consi-
derações acima referidas. Espero que nos encontremos em breve
e desejaria discutir novamente consigo todos estes assuntos.
Com os melhores Yotos para o novo ano, sou sinceramente

Niels Bohr

O último parágrafo da carta é notabilíssimo: dá expressão


eloquente (ainda que em inglês muito pobre!) ao optimismo
esclarecido do jovem neste período intensamente criador.
Percebe-se um eco da mesma impetuosidade em outra carta
quase da mesma data ( 5 de Fevereiro de 1913 ) , na qual agra-
dece a Oseen (a quem tinha acabado de visitar em U ppsala)
o «encorajamento» que era para ele poder falar-lhe e ouvir a
sua opinião sobre tudo o que estava a fazer:

cSó espero não o fatigar demasiado com toda


a minha tagarelice».

Não sabemos o que ele disse a Oseen, mas, a julgar pela


surpresa que este último exterioriza quando mais tarde, no
mesmo ano, lê a dedução da constante de Rydberg na pri-
meira memória de Bohr*), podemos ter a certeza de que
então não se falou sobre os espectros de riscas.
Desde Setembro de 1912, Bohr começara a trabalhar como
assistente do Professor Knudsen na Universidade de Cope-
·nhague e no Outono desse ano (desde 16 de Outubro a 18
de Dezembro) deu um curso sobre co fundamento mecânico
da termodinâmica»: o tempo de que dispunha para prosseguir
o seu próprio trabalho de investigação era, portanto, muito

*) Ver mais adiante a carta de Oseen de 11 de Novembro


de 1913.

[ 62]
limitado, mas tinha o segredo de aproveitar cada minuto
desse tempo. Com o constante auxíLio da jovem esposa (muitos
manuscritos e minutas de cartas deste período estão escritos
com a letra de sua mulher) continuou ininterruptamente a
escrever as suas ideias e resultados sob a forma de um grande
tratado em vários capítulos, segundo as linhas do memoran-
dum. Havia ainda muitos pormenores que precisavam de ser
revistos; assim, .em 4 de Novembro de 1912, escreve a
Rutherford: c:Fãz alguns [pequenos] *) progressos em rela-
ção à questão da dispersão. O número de electrões nos átomos
de hidrogénio e de hélio calculado a partir da dispersão parece
deste modo aproximar-se mais, respectivamente, de 1 e 2 se se
admitir que as forças que actuam sobre os electrões variam
inversamente com o quadrado da distância do que se, como
na teoria de Drude, supusermos que são do tipo elástico.
Todavia, encontrei precisamente neste cálculo algumas sérias
dificuldades resultantes da instabilidade dos sistemas em ques-
tão que não permitiram a execução do cálculo na extensão
desejável. Espero poder acabar o trabalho dentro de algumas
semanas ... ». Rutherford responde em 11 de Novembro: c:Não
se precipite, pois não me parece que alguém esteja trabalhando
nesse assunto». A medida que o tempo passa e começam a
aparecer trabalhos relacionados - alguns bem-vindos, como o
já citado de Hevesy, outros menos bem recebidos, como o de
van den Broek sobre o sistema periódico, ambos do princípio
de Fevereiro de 1913- Bohr denuncia uma certa impaciência:

« . .. Sinto que devo apressar-me, se quiser ser ori-


ginal quando aparecer em público; a questão é de tal
modo escaldante,»

*) Riscado no rascunho.

[ 63]
31 St. ]acobsgade
CÕpenbague
31 de ]aneUo de 1913

Caro Professor Rutherford:


Agradeço-lhe muito a sua amável carta. Enviando o meu traba-
lho sobre os raios a, aproveito a oportunidade para lhe agradecer
o auxílio que me deu e o interesse que mostrou por ele.
Em breve espero poder mandar-lhe o meu trabalho sobre os
átomos; ·tem-me absorvido muito mais tempo do que pensava; con-
tudo, julgo ter realizado alguns progressos nos últimos tempos.
Estou actualmente muito mais esclarecido sobre os fundamentos
das minhas considerações e penso que também compreendo agora
melhor a relação e a diferença entre os meus cálculos e, por exemplo,
cálculos como os publicados em trabalhos recentes de Nicholson
sobre os espectros de nebulosas estelares e da coroa solar.
A teoria de Nicbolson dá aparentemente resultados que estão em
flagrante desacordo com os que obtive; por essa razão pensei primei-
ramente que uns ou outros estavam necessAriamente errados. Todavia,
o meu ponto de vista actual é o seguinte.
Nos seus cálculos, Nicbolson trata, como eu, de sistemas com
a mesma constituição que o seu modelo atómico; ao determinar as
dimensões e a energia desses sistemas, ele, como eu, procura uma
base na relação entre a energia e a frequência sugeridas pela teoria
da radiação de Planck. O estado dos sistemas considerados nos meus
cálculos é, contudo - entre os estados em conformidade com a rela-
ção em questão - caracterizado como aquele em que os sistemas
possuem a quantidade de energia mais pequena possível, isto é,
aquele em cuja formação é irradiada a maior quantidade de energia
possível.
Parece-me, portanto, ser uma hipótese razoável supor que o
estado dos sistemas considerados nos meus cálculos deve ser identifi-
cado com o dos átomos no seu estado permanente (natural). [Esta
hipótese parece justificar-se pela concordância entre a teoria e as
experiências sobre volumes atómicos e raios de Rõntgen, que
obtive desde o primeiro momento e que tenho tentado levar ainda
mais longe) .
Segundo a hipótese em questão, os estados dos sistemas conside-
rados por Nicbolson são, pelo contrário, de natureza menos estável;

[ 64]
escreve ele a Oseen (cana de 5 de Fevereiro de 1913) ; e de
novo em 17 de Fevereiro a sua mulher:

«... Tenho pensado em tantas coisas, mas estou


ansioso por publicar quanto antes».

Foi cerca do fim de 1912 que teve conhecimento dos tra-


balhos de Nicholson que o impressionaram muitíssimo. A pri-
meira referência sobre eles que encontrei no arquivo foi um
divenido postal destinado a enviar saudações de N atai a seu
irmão, mas em que, ainda que com sentimento de culpa, não
pôde coibir-se de contar a Harald, em letra muito pequena,
as suas últimas impressões sobre o possível significado da
teoria de Nicholson: «P. S. Embora não fique bem num
canão de N atai, um de nós gostaria de dizer que a teo-
ria de Nicholson não é incompatível com a sua própria.
De facto, os cálculos seriam válidos para o estado final, quí-
mico, dos átomos, enquanto Nicholson se referiria a átomos
emitindo radiação, quando os electrões estão em processo de
perda de energia antes de terem ocupado as suas posições
finais. Assim, a radiação teria lugar por impulsos (o que
é muito a seu favor) e Nicholson estaria a considerar os átomos
enquanto o seu conteúdo de energia é ainda tão grande que
emitem luz no espectro visível. Depois, a luz é emitida no
ultravioleta, até que toda a energia que pode ser radiada se
perca ... ». Deve ter sido um dos mais reveladores canões de
boas-festas jamais escritos, lançando luz como lança sobre os
primeiros vislumbres de Bohr em relação ao problema da
radiação.
Estas considerações são repetidas e elaboradas na seguinte
carta a Rutherford, digna de ser reproduzida na íntegra:

[ 65]
são estados que se passaram durante a formação dos átomos, nos
quais é irradiada a energia correspondente às riscas do espectro
características do elemento em questão. A partir deste ponto de vista,
os sistemas num estado como o considerado por Nicholson só estão
presentes em quantidades sensíveis em lugares onde os átomos são
continuamente decompostos e reconstituídos; isto é, em locais como
os tubos de vácuo excitados e as nebulosas estelares.
Não obstante, devo notar que as considerações aqui esboçadas
não representam qualquer papel essencial na investigação empreendida
no meu trabalho. Não trato, de modo nenhum, da questão do cálculo
das frequências correspondentes às riscas do espectro visível. Tentei
apenas, com base na hipótese simples que utilizei desde o princípio,
discutir a constituição dos átomos e das moléculas no seu estado
«permanente»; quer dizer, tentei deduzir algumas propriedades gerais
dos sistemas em questão, sem entrar- de acordo com o seu conse-
lho - em cálculos pormeriorizados de qualquer sistema especial
afastado do caso mais simples.
De entre os resultados que obtive desde que saí de Manchester,
mencionarei apenas que parece possível, com o fundamento consi-
derado, desenvolver uma teoria do processo de combinação dos
átomos com formação de moléculas, teoria que permite seguir esse
processo passo a passo.
Estou ansioso por saber o que pensará de tudo isto, e espero
enviar-lhe a memória tão depressa quanto me for possível. Com os
melhores votos para o Novo Ano para si e para Mrs. Rutherford,
de minha mulher e da minha parte,
sinceramente
Niels Bohr.

Quando se lê nesta carta a frase «Não trato, de modo


nenhum, da questão do cálculo das frequências correspondentes
às riscas do espectro visível», flicamos surpreendidos por saber
que, apenas um mês mais tarde, a 6 de Março de 1913, foi
enviado a Rutherford, acompanhado por uma carta que tam-
bém merece ser reproduzida na íntegra, um trabalho completo

[ 66]
- o primeiro da famosa série - contendo a solução do pro-
blema:
Copenhague, 6 de Março de 1913.

Caro Professor Rutherford:


Agradeço-lhe muitíssimo a sua carta. Fiquei cheio de alegria
por saber o que se vai passando no laboratório. Estou imensamente
interessado em tudo, mas especialmente nos resultados do seu trabalho
sobre os raios y.
Juntamente envio o primeiro capítulo do meu trabalho sobre
a constituição dos átoinos. Espero mandar-lhe os capítulos seguintes
dentro de algumas semanas. Nos últímos tempos tenho conseguido
bons progressos no meu trabalho e penso ter obtido êxito na extensão
das considerações utilizadas a alguns fenómenos diferentes, tais como
a emissão dos espectros de riscas, o magnetísmo e possivelmente uma
indicação para uma teoria da constituição das estruturas cristalinas.
Contudo, tenho algumas dificuldades em prosseguir tudo ao
mesmo tempo e, por isso, agradar-me-ia publicar uma parte tão cedo
quanto possível em virtude da literatura que sobre o assunto se está
a acumular. Além disso, o trabalho está a tomar-se demasiado longo
para publicação de uma só vez num periódico, parecendo melhor
publicá-lo em partes. Por conseguinte, ficar-lhe-ei muito grato se
quiser ter, em meu nome, a amabilidade de comunicar o presente
primeiro capítulo ao Phil. Mag.
Como verá, o primeiro cap:tulo trata principalmente do pro-
blema da emissão dos espectros de riscas, considerados sob o ponto
de vista esboçado na carta que lhe escrevi. Tentei demonstrar que,
segundo esse ponto de vista, parece possível dar uma interpretação
simples da lei do espectro do hidrogénio, e que do cálculo resulta
um acordo quantitativo íntimo com . as experiências. (Dei as razões
que mostram que, se o fundamento da teoria for certo, podemos
supor que

2'1T'me'
--
h'
-= 3 290 . 10"
,

Tomando o seu valor, e= 4,65 · 10-'0, obtenho h = 6,25 · lO-".


Tomando o valor de Millikan, e = 4,87 · lO-'?, obtenho
h= 6,76 ·lO-"

[ 67]
Infelizmente, a oonstante de Planck não ~ conhecida com grande
rigor).
O segundo capítulo trata dos átomos, o terceiro das moléculas
e os últimos capítulos tratam do magnetismo e de algumas oonsid~a­
ções gerais.
Espero que concorde em que adoptei um ponto de vista razoável
em relação à questão delicada da utilização simultinea da antiga
mecinica e dos novos pressupostos introduzidos pela teoria da radia-
ção de Planck. Estou ansioso por saber o que pensa de tudo isto.
Como verá, fui conduzido pelas considerações do primeiro capí-
tulo a um interpretação, difennte da geralmente seguida, acerca da
origem de algumas séries de riscas observadas nas estrelas, e também
recentemente por Fowler num tubo de vácuo cheio de uma mistura
de hidrogénio e de hBio. Em vez de as atribuir ao hidrogénio, tentei
aduzir razões para as atribuir ao hBio. Este último ponto poderia,
no entanto, ser verificado experimentalmente. Numa conferência em
que propus o meu ponto de vista e tentei explicar (como fiz no meu
artigo) que a presença de hidrogénio nas experiências de Fowler
poderia ser a causa indirecta do aparecimento das riscas conside-
radas, o químico Dr. Bjerrum sugeriu-me que, se a minha maneira
de ver fosse exacta, as riscas deveriam também aparecer num tubo
contendo uma mistura de hBio e cloro (oxigénio, ou outras substân-
cias electronegativas); de facto, foi sugerido que as riscas poderiam
ser ainda mais fortes neste caso. Todavia, não temos, em Copenhague,
oportunidade de realizar satisfatoriamente uma tal experiência; per-
gunto-lhe, por isso, se seria possível realizá-la no seu laboratório,
ou sugeri-la a Mr. Fowler, que talvez ainda tenha montado o dispo-
sitivo que utilizou.
Quando tiver acabado o meu artigo, espero poder fazer uma
pequena visita a Manchester e tratar desta eventualidade com o
maior prazer.
Com os melhores cumprimentos para si e para Mrs. Rutherford,
meus e de minha mulher, e agradecendo uma vez mais a sua amável
carta

Muito sinceramente seu

Niels Bohr.

[ 68]
Sabendo quão longe ele estava ainda de todo o assunto
dos espectros de riscas algumas semanas antes, não podemos
deixar de ficar impressionados, ao lermos esta cana, pela maes-
tria que adquiriu tão ràpidamente na matéria. Para precipitar
este desenvolvimento dramático bastara apenas Bohr ter tido
conhecimento do trabalho de Rydberg sobre a classificação
das séries espectrais: cLogo que vi a fórmula de Balmer», dis-
se-me mais do que uma vez, ctudo se tomou inteiramente claro
para mim». Naqueles tempos, o físico de Copenhague com o
qual Bohr tinha mais afinidades era H. M. Hansen, mais novo
um ano do que ele e assistente no laboratório de física da
Escola Politécníca. Durante os dois anos anteriores, de Abril
de 1911 a Agosto de 1912, tinha trabalhado em Gõttingen sob
a orientação de Voigt, de quem foi assistente nos dois últimos
semestres do seu estágio. Realizara medidas rigorosas do efeito
de Zeeman inverso no lítio e tomara-se um espectroscopista
hábil. Desde o seu regresso a Copenhague estava a escrever
uma tese de doutoramento sobre o tema do seu trabalho aceita
pela Faculdade em 30 de Junho de 1913. Pode bem imagi-
nar-se o cunho que tomaram as conversações entre os dois
jovens no principio de 1913, quando Bohr, como vimos, con-
centrou cada vez mais a atenção em problemas ópticos. Hansen
perguntou a Bohr *) como explicaria, à luz da sua teoria, a
existência das regularidades dos espectros. Bohr não se inte-
ressara até então por este aspecto da questão, porque julgava
esses espectros demasiado complicados para darem qualquer
chave para o conhecimento da estrutura dos sistemas atómicos.
Nesta altura Hansen objectou-lhe chamando a sua atenção
para a grande simplicidade com que Rydberg conseguira repre-
sentar as séries espectrais; Rydberg estava mais interessado em

*) Tive conhecimento deste facto numa conversa com Bohr em


23 de Junho de 1954, da qual tomei algumas notas.

[ 691
encontrar fórmulas susceptíveis de exprimir leis gerais do que
em conseguir o maior rigor possível em relação a séries iso-
ladas*).
A partir deste ponto, é bastante fácil reconstruir a poste-
riori os passos ~ucessivos da análise que culminou na dedução
da expressão da constante de Rydberg em função das cons-
tantes universais e da massa do electrão. A variação com T- 2
dos termos que ocorrem na fórmula de Balmer, comparada
com a variação com K- 2 da fórmula que exprime as energias
de ligação dos estados estacionários, é sugestiva de uma iden-
tificação das duas quantidades, implicando que a constante K
para o estado de ordem T é proporcional a Th, implicando
então a estrutura da fórmula de Balmer a concepção do meca-
nismo da emissão radioactiva como uma transição entre dois
estados estacionários, cujas característJicas quantitativas são
fixadas da maneira indicada pelo postulado quântico. O valor
numérico da constante de Rydberg é assim obtido se se adoptar
para a constante K a determinação mais simples sugerida pela
quantificação do oscilador de Planck, ou seja, K = % Th.
É um pouco simplista, evidentemente (tenho plena cons-
ciência disso), apresentar a tremenda criação mental de Bohr
desta maneira um pouco primária; no entanto, conhecendo
bem a força lógica que marcou o funcionar habitual do seu
espírito, estou bastante certo de que o curso real dos seus pen-
samentos deve ter seguido estas linhas. Posso imaginar distin-
tamente o que aconteceu a seguir: no seu espírito teria pacien-
temente virado e revirado a fórmula de Balmer como, por
assim dizer, um geólogo vira e revira uma pedra nos dedos,
olhando-a de vários ângulos, perscrutando todos os pormeno-

*) Este carácter do trabalho de Rydberg foi salientado por


Bohr na sua intervenção na conferência comemorativa do centenário
de Rydberg 13 ).

[ 701
res da sua estrutura, tentando abordá-la de várias maneiras,
pondo à prova a necessidade lógica de cada passo que tivesse
dado; exploraria num rápido relance as suas consequências
e sujeitá-las-ia ininu.ciosamente à prova da experiência. Assim,
como seria de esperar, não se poupa a esforços para encontrar
um fundamento firme para a propriedade, expressa pela fór-
mula K = % -rh, que caracteriza os estados estacionários.
Uma se~ção completa (§ 3) da primeira memória é dedicada
a este problema crucial. É aqui que aparece o primeiro exem-
plo do método baseado no caso limite dos números quânticos
muito grandes, no qual é de esperar que o comportamento
quântico se funda com o comportamento clássico, - método
cedo transformado num poderoso instrumento heurístico, a que
Bohr costumava chamar o «argumento de correspondência».
Aqui, na admirável discussão da absorção de rad~ação ( § 4 ) ,
designa-o por «analogia», e na carta a Rutherford de 21 de
Março de 1913, citada mais adiante, fala com boas razões da
«mais bela analogia entre a velha electrodinâmica e as consi-
derações utilizadas no meu artigo».
O carácter arrojado (para não dizer escandaloso) do pos-
tulado quântico de Bohr nunca poderá ser acentuado com
ênfase excessiva: que a frequência de uma raruação emitida
ou absorvida por um átomo não coincidisse com qualquer
frequência do seu mov·imento interno deve ter parecido à maior
parte dos fí~cos contemporâneos como quase impensável.
Bohr estava plenamente consciente desta característica · emi-
nentemente herética das suas con~derações: refere-a com
ênfase apropriada no seu artigo (pág. 117). Numa carta diri-
gida um pouco mais tarde a McLaren (de 1 de Setembro
de 1913) escreve: «Penso que estamos de acordo quanto à
necessidade de novas hipóteses; mas pensa que serão necessá-
rios pressupostos tão desconcertantes como os que utilizei?
De momento estou inclinado para ideias mais radicais e con-

[ 71]
sidero a aplicação da mecânica como tendo apenas validade
formab. Na verdade, McLaren tinha àfirmado numa carta
anterior (de 15 de Fevereiro): c:Pela minha parte estou a
inclinar-me para acreditar que as noções da antiga mecânica
são irremediáveis». Contudo, havia pouca gente de espírito
tão livre como McLaren.
Uma ilustração flagrante da impressão produzida pelas
ideias de Bohr sobre os homens de pensamento Ç dada pela
reacção de Einstein às notícias de que as experiências de Evans
tinham confirmado a opinião de Bohr atribuindo as séries de
Pickering e de Fowler ao hélio (ver a carta a Rutherford de
6 de Março de 1913, já transcrita, e a primeira memória,
pág. 108). Recebeu a notícia por intermédio de Hevesy quando
se encontraram em Viena em Setembro de 1913; Hevesy
descreveu a entrevista por duas vezes, numa carta a Bohr de
23 de Setembro e noutra carta a Rutherford de 14 de Outu-
bro*). A Bohr escreve: «... depois perguntei-lhe a opinião
sobre a sua teoria. Ele disse-me que a achava muito interes-
sante, que se estivesse certa seria muito importante, etc., e que
já há muitos anos lhe tinham ocorrido ideias semelhantes mas
que não tivera ânimo para as desenvolver; eu disse-lhe então
que já está estabelecido com certeza que o espectro de
Pickering-Fowler pertence ao He. Quando ouviu isto ficou
extremamente surpreendido e disse-me: c:Então a frequência
da luz não depende nada da frequência do electrão~ (eu com-
preendi-o assim??). Isto é um êxito enorme. A teoria de Bohr
deve portanto estar certa. Não tenho palavras que exprimam
como fiquei contente e, em boa verdade, dificilmente haveria
outra coisa que me desse mais prazer do que este juizo espon-
tâneo de Einstein~. Na carta a Rutherford há um toque pito-

*) Esta carta vem reproduzida na ref. 1), págs. 224-226.

[ 72]
resco: «Quando lhe falei do espectro de Fowler os grandes
olhos de Einstein tornaram-se ainda maiores e disse-me:
«Então é uma das mais grandiosas descobertas». Senti-me
muito feliz ao ouvir Einstein falar desta maneira».
A fonte da segurança de Bohr ao propor o seu postulado
quântico deve procurar-se nas meditações epistemológicas da
sua primeira juventude, as quais lhe tinham permitido recon-
quistar esse sentido da natureza dialéctica dos nossos proces-
sos mentais que se tinha tão completamente obliterado na tra-
dição científica. Esta atitude tinha-o ajudado a compreender
que o conflito entre a representação clássica dos fenómenos e
as suas características quânticas era irredutível, e que problema
real não era eliminá-lo da nossa visão do mundo, mas sim
integrar os dois aspectos em conflito numa síntese racional.
No modelo atómico de Rutherford, encontrara um caso em
que a inevitabilidade do dilema era particularmente mani-
festa e, na transparente simplicidade da fórmula de Balmer,
o único processo de incorporar o quantum de acção na des-
crição dos sistemas atómicos. Para ele, o enunciado do pos-
tulado quântico não era uma adivinhação, mas sim o resul-
tado de um esforço consciente de síntese harmoniosa. Daí a
cautela, sempre visível, com que introduz na anáLise elementos
não clássicos e a sua constante preocupação em determinar
tão claramente quanto possível os limites de validade da des-
crição clássica; daí também a sua firme convicção de que
seguia o rumo certo.

[ 73 ]
4. A GRANDE TRILOGIA

Após o tremendo esforço criador deste memorável mês


de Fevereiro de 1913, Bohr não teve um momento de des-
canso, lançando-se com a mesma energia a nova redacção
do estudo quase acabado, tomada necessária pelo novo desen-
volvimento, destinada agora a ser a continuação da publica-
ção tão brilhantemente iniciada. Não era evidentemente uma
tarefa mecânica, mas sim um contínuo melhoramento e poli-
mento de forma e conteúdo. No entanto, o trabalho progre-
dia bastante ràpidamente; é possível seguir todas as suas
fases com o auxilio da correSpondência com Rutherford. Assim,
em 31 de Março, enviou a Rutherford algumas alterações e
aditamentos à primeira memória, com a seguinte carta expli-
cativa:

3. St. Jacobsgade
Copenhague
21 de Março de 1913

Caro Prof. Rutherford

Desde que lhe mandei o meu artigo trabalhei um pouco mais


no assunto, donde resultou que achei necessário introduzir algu-
mas pequenas alterações e aditamentos. Estes, que introduzi na
cópia junta, são, todavia, só de carácter formal. Primeiramente
referem-se à teoria de Nicholson. Na cópia que lhe enviei não

[ 75 1
tinha formado optruao clara do signifi~do desta teoria e estava
numa atitude bastante céptica.
Agora cheguei à conclusão de que as diferenças entre as leis
que governam os hpectros de riscas normais e as que governam
os espectros discutidos por Nicholson podem ser devidas à circuns-
tância de que nos primeiros espectros observamos uma verdadeira
emissão de luz, enquanto nos últimos só há dispersão de radiação.
Na pág. 42 da cópia revista tentei dar as razões desta hipótese.
Se for correcta, a teoria de Nicholson ajustar-se-ia extremamente
bem às considerações do meu artigo. Outro aditamento é a intro-
dução (págs. 25-34) de algumas considerações sobre a absorção
de radiação. Tentei apresentar a teoria numa forma geral, que
pensei pudesse ter algum interesse. Em alguns raciocínios utilizei
sugestões propostas nas suas memórias sobre a origem dos raios fJ e y.
As minhas considerações não fazem muito mais do que exprimir
os resultados de experiências em novas palavras. Sugerem, todavia,
um possível e muito simples caminho para abarcar uma quantidade
de factos e, além disso, para mostrar uma excelente analogia entre
a velha electrodinâmica e as coosiderações aplicadas no meu artigo.
Nos últimos dias, vi que a teoria da emissão e da absorção esboçada
é susceptível de permitir uma interpretação muito simples da fór-
mula da radiação de Planck [estando sem livros, porque a biblioteca
está fechada, não pude, por isso, completar este ponto; se se mostrar
correcto pensarei em incluir uma nota sobre ele nas provas] . Estou
agora ocupado na elaboração dos capítulos seguintes. Espero poder
ir muito em breve a Manchester, e com imenso prazer aproveitaria
a oportunidade para ouvir a sua opinião sobre diferentes questões.
Com os melhores cumprimentos,

muito sinceramente seu


Niels Bohr

Por esta carta, ficamos a saber que uma secção ( § 4),


muito boa e importante, sobre a absorção de radiação não
foi. escrita sem muita reflexão e esforço; vemos também que
a opinião final de Bohr sobre a possível significação da teoria
de Nicholson (págs. 126-127) surgiu como um reflexão pos-

[ 76]
terior. Claramente, ele tinha-a primeiro repudiado na sua
totalidade, como incompatível com a sua recém-adquirida
concepção sobre a origem dos espectros de riscas; mais tarde,
ocorreu-lhe que talvez ainda pudesse ser salva se se supusesse
que as riscas do espectro da coroa que pareciam ser interpre-
tadas pelo mecanismo de Nicholson não eram devidas a uma
autêntica emissão, mas sim à dispersão de radiação. Esta
sugestão não podia, evidentemente, conferir aos trabalhos de
Nicholson mais substância do que eles continham; é mais
interessante como indicação da extensão com que, então, pare-
cia possível, a Bohr, tratar clàssicamente a dispersão óptica.
Antes de ir para impressão, o primeiro artigo tinha ainda
um dificílimo obstáculo a vencer. Logo que os aditamentos
que acabámos de mencionar foram enviados, chegou a carta
ansiosamente esperada (datada de 20 de Março de 1913 )*) na
qual Rutherford acusava a recepção do manuscrito na sua pri-
meira forma. Embora exprimisse toda a aprovação do ponto
de vista de Bohr que se poderia razoàvelmente esperar, Ruther- .
ford provocou grande alarme pela sua crítica à extensão do
artigo e pela proposta bem intencionada, como ele disse, de
cconar toda a matéria que eu considerasse desnecessária:..
Depois de receber a nova versão, ainda mais longa, Rutherford
insistiu no assunto com acrescida acuidade:

17, Wilmslow Road, Withington, Manchester.


25 de Março de 1913
Caro Dr. Bohr
Recebi esta manhã o manuscrito emendado do seu artigo, que
li outra vez. Penso que os aditamentos são excelentes e parecem
perfeitamente razoáveis; a dificuldade está, no entanto, em que o seu

•) Esta carta está reproduzida na lição de Bohr em memória


de Rutherford').

[77]
artigo é já bastante denso e longo para_ uma s6 publicação. Julgo
que é realmeote desejável que abrevie algumas das discussões para
o reduzir a um tamanho mais razoável. Como sabe, é costume em
Inglaterra apresentar os assuntos muito resumidos e sõbriamente, em
contraste com o método germânico, onde se considera como virtude
ser tão verboso quanto possivel.
Gostaria portanto que me dissesse quais as partes que pensa
poderiam ser deixadas de lado ou cortadas. Julgo que não seria
düícil reduzir o artigo de um terço sem sacrificar quaisquer pontos
essenciais. Como disse na minha última carta, é conveniente não
publicar memórias demasiado longas, porque isso amedronta pràti-
camente todos os leitores.
Muito sinceramente seu
E. Rutherford

Contudo, quando esta carta estava a caminho de Cope-


nhague, já Bohr corria para Manchester para defender pessoal-
mente a sua causa. Ele próprio contou com humor, na sua
lição Rutherford, a maneira como, com obstinação inabalável,
conseguiu salvar de quaisquer cortes perniciosos a composição
delicadamente equilibrada do seu artigo. Rutherford ficou tão
impressionado pela maneira criteriosa que Bohr utilizava na
redação das suas memórias e pela sua pertinaz defesa de cada
palavra que tinha escrito que, muitos anos depois, ainda se
lembrava claramente do incidente, e relatou-mo com grande
gosto quando soube que eu estava a auxiliar Bohr na redac-
ção de algumas das suas lições.
As provas do primeiro artigo foram devolvidas a Ruther-
ford em 10 de Maio de 1913, com o seguinte comentário:
« ... Fiz poucas alterações e não introduzi nada de novo. Toda-
via, tentei dar à hipótese principal uma forma que me parece
ao mesmo tempo mais correcta e mais clara». Ficamos também
a saber que o progresso da segunda parte foi retardado por

[ 78]
«enfadonhos cálculos numéricos» relativos à estabilidade dos
sistemas de órbitas electrónicas. Abrangendo várias páginas,
conservou-se uma quantidade considerável de tais cálculos, que
testemunham do trabalho e cuidado postos por Bohr neste
trabalho. Contudo, em 10 de Junho, foi enviado o manuscrito
da segunda memória, e, com poucas alterações, foi em 22 de
Julho mandado imprimir por Rutherford sem mais comentá-
rios. Já cm 1 de Julho pôde ser enviada a Rutherford pelo
menos uma parte substancial da terceira memória; sabemos
(carta de Bohr a Rutherford de 29 de Julho de 1913) que
Bohr trabalhava para finalizar a terceira parte em fins de
Julho e que a última versão estava pronta à volta de 27 de
Agosto. As três memórias apareceram sucessivamente nos
números de Julho, Setembro e Novembro do Pbilosophical
Magazine. Desde o fim de Julho, Bohr estava activamente
empenhado na investigação das propriedades magnéticas dos
sistemas atómicos, de acordo com o seu ponto de vista; estava
a princípio convencido de que poderia incluir um apanhado
das suas ideias nas provas da segunda parte, que estava a
rever nos primeiros dias de Agosto (cartas a Harald Bohr de
30 de Julho e de 3 de Agosto de 1913), pensou depois em as
incluir na terceira parte (carta a Hevesy de 30 de Julho de
1913 ), mas finalmente desistiu. Pensou-se que seria interes-
sante publicar, como complemento aos três grandes artigos,
o rascunho do texto*) existente que Bohr tencionava acrescen-
tar às provas da parte II, para se ver até onde ele tinha pro-
gredido neste problema nesta fase precoce ;embora ainda num
estádio grosseiro de composição, apresenta claramente os pon-
tos essenciais.

*) A correcção da identificação pode inferir-se da referência à


«nota da pág. ( )» na qual são citados os valores de e/m e e/h:
existe de facto essa nota na pág. 487 do segundo artigo.

[ 79 1
Embora inevitàvelmente ofuscad9s pela primeira parte, os
outros ainda compensam um estudo cuidadoso. Ganham uma
grande beleza pelo rigor da argumentação, a qual, em virtude
da situação lógica absolutamente nova decorrente da «mistura
das ideias de Planck com a velha mecânica:. (para empregar
a frase irreverente de Rutherford), é um 'verdadeiro tour de
force na arte de navegar entre Cila e Caribdes. É ainda uma
grande lição observar com que perícia Bohr opera com o
argumento a que mais tarde chamou o «princípio da transfor-
mabilidade mecânica'>, em certa medida coincidente com o
principio de Ehrenfest da invariância adiabãtica. A invariância
aqui considerada é a do momento angular dos electrões ao
longo do eixo de simetria das suas trajectórias (circulares).
Tinha feito notar na parte I (fim do § 3) que a condição que
fixa os estados estacionários, para as órbitas circulares que
estava a considerar, corresponde a atribuir o valor hj27r ao
momento angular de cada electrão ao longo do eixo da ór-
bita*). Para os sistemas de anéis que discute, supõe portanto,
em conformidade com o princípio acima mencionado, aquilo
a que chama a «Constância universal do momento angular
dos electrões~ quando os sistemas sofrem deformações lentas
contínuas. Por uma engenhosa escolha de tais deformações
é-lhe possível tirar conclusões surpreendentemente precisas e
variadas sobre as estruturas orbitais dos ãtomos pesados (nas
quais jã detecta uma tendência para a periodicidade no sentido
do quadro de Mendeleev) e acerca da possibilidade ou da
impossibilidade das combinações químicas.

•) :S desnecessário dizer que a referência de Bohr às memó-


rias de Nicholson em conexão com a quantificação do momento
angular é só motivada por questão de cortesia: como vimos, as ideias
de Nicholson sobre a relação entre o momento angular e a constante
& Planck eram tão confusas que não tinham utilidade.

[ 80]
Particularmente intrigante é a sua concepção da ligação
química como um anel de electrões compartilhados pelos áto-
mos combinados: concepção que tão curiosamente prefigura
o conceito moderno de ligação homopolar. A maneira rigorosa
como podiam funcionar modelos meloculares aparentemente
tão imperfeitos é ilustrada por um incidente relacionado com a
energia de dissociação da molécula de hidrogénio. O valor cal-
culado de acordo com o modelo revelou-se inferior a metade
do que fora recentemente calculado por Langmuir (ver terceira
memória, pág. 180). Todavia, pouco depois do aparecimento
da parte III, Langmuir deu a saber que medições aperfei-
çoadas tinham entretanto fornecido um valor muito mais baixo,
de facto mUJito próximo da predição original de Bohr.
«A grande diferença entre os meus cálculos e as suas belas
experiências», escreveu Bohr em 17 de Dezembro de 1913
a Langmuir, que _lhe tinha mandado os seus novos resultados,
«foi causa de muitas dúvidas que tive quanto à correcção das
minhas hipóteses sobre a constituição da molécula do hidro-
génio. Compreenderá por isso qual foi o meu interesse quando
soube que as novas experiências indicam que o desacordo em
questão é consideràvelmente menor».
Quanto às propriedades magnéticas da matéria, era natural
que Bohr pusesse à prova em relação a elas o poder dos seus
métodos, pois demonstrara na sua tese, por um argumento
notàvelmente simples, que um tratamento clássico era total-
mente incapaz de as explicar. De novo, encontrou uma saída
na extensão ao caso dos sistemas colocados num campo magné-
tico da constância universal do momento angular, a qual asse-
gura a estabilidade dos estados estacionários e impede, assim,
a compensação dos momentos paramagnéticos e diamagnéticos
que era uma consequência inevitável da teoria clássica.
Por fecundos que fossem em resultados todos estes desen-
volvimentos, e mais ricos ainda em perspectivas, foram inegà-

[ 81 ]
6
velmente a interpretação da fórmula .de Balmer e a dedução
da constante de Rydberg que, pela sua transparente simpli-
cidade e fundamental significação, causaram a mais profunda
impressão no mundo da física. Esta impressão foi fortalecida,
em não pequena extensão, pela rápida conclusão da contro-
vérsia que, no decorrer do Verão e Outono deste ano cheio
de acontecimentos, opôs o ainda desconhecido jovem intruso
aos mais experimentados espectroscopistas e terminou pelo
triunfo do intruso*).
Foi uma sorte para Bohr que, graças ao sexto sentido de
Rutherford para apreender o ponto essencial de qualquer
questão e à eficiência sem par do seu laboratório, a iconoclasta
atribuição da série de Pickering e Fowler ao hélio, apresentada
na primeira memória, tivesse sido testada por Evans com tanta
rapidez e êxito. Foi também uma felicíssima circunstância
que a última objecção de Fowler, deduzida da pequena discre-
pância aparente entre os comprimentos de onda medidos e
calculados, pudesse ter sido tão fàcilmente rebatida pelo
recurso à correcção de massa da constante de Rydberg e assim
tenha resultado em decisiva confirmação dos últimos refina-
mentos da teoria. Já vimos o efeito que o desenlace das expe-
riências de Evans teve em Einstein, cuja reacção deve ser para-
digma para o teórico; mas talvez o mais importante nesta
fase crítica fosse a repercussão da controvérsia em experimen-
tadores como Fowler e o próprio Rutherford, pois forçou a
sua adesão, demonstrando que a teoria era adequada.

•) A história pormeoorizada é conuda por Bohr na sua lição


em memória de Rutherford 9).

[ 82 1
5. PRIMEIRAS REACÇõES

A primeira ocasião em que a teoria de Bohr foi SUJeita


a discussão perante um auditório mais vasto foi a reunião
da Associação Britânica para o Avanço da Ciência, em Bir-
mingham, em meados de Setembro de 1913. Em 12 de Setem-
bro, J eans fez dela uma exposição clara e completa no seu
relatório sobre os problemas da teoria da radiação:
cO Dr. Bohr conseguiu uma explicação engenhosíssima
e sugestiva, e penso que devemos acrescentar convincente, das
leis das riscas espectrais». Acerca das hipóteses fundamentais
de Bohr o seu comentário característico foi que a única justi-
ficação delas, até então, cera uma justificação de grande
peso - o êxito». Esta atitude simpatizante deu intensa satis-
fação a Bohr. Com modéstia tocante escreveu à mulher (em
19 de Setembro):
«.. .Penso que Jeans está convencido que há pelo
menos alguma realidade por detrás das minhas re-
flexões ... ».
Ao longo de toda a sua vida, Bohr conservou a lembrança
deste dia, e, sempre que o nome de J eans era mencionado na
sua presença, não deixava de recordar com calorosas expres-
sões de gratidão o primeiro reconhecimento que as suas ideias
receberam da parte dele.

[ 83 1
A reacção dos «leões:. foi, contudo., mais reticente. Lord
Rayleigh evitou comprometer-se com uma observação inteli-
gente e espirituosa sobre a inconveniência de pessoas de mais
de sessenta anos proferirem juízos sobre ideias modernas.
A maneira concisa como pôs a questão diveniu a assistência
e em panicular .Bohr, ·que mais tarde não perdia nenhuma
oponunidade de contar a anedota*). Quando Bohr inter-
veio **) na discussão para dar «uma pequena explicação
sobre o seu átomo» teve que enfrentar a pergunta céptica de
Lorentz de ccomo era mecâncamente explicado o átomo de
Bohr» e que admitir «que esta pane da sua teoria não era
completa mas que, admitindo a teoria quântica, tomava-se
necessário qualquer esquema da espécie sugerida».
Com J. J. Thompson houve uma troca de palavras menos
agradável, como se sabe pela cana de Hevesy a Ruther-
ford***), já citada. Fazendo um comentário sobre os contro-
vertidos raios positivos representados por «Xa», Thomson
argumentou que deviam ser identificados como moléculas tria-
tómácas de hidrogénio. Bohr levantou-se para sugerir «à sua
maneira modesta habitual» a possibilidade de que devessem
antes atribuir-se a átomos de hidrogénio «tendo um núcleo três
vezes mais pesado do que o hidrogénio». Hevesy continua
como segue:

«Ele sugeriu que se fizesse difundir uma mistura de H


e X 8 através de paládio e se tentasse separá-los, se possível,
pois que o átomo X 3 , mais pesado, deveria difundir-se mais
lentamente.

*) Contou-a pela última vez na sua lição Rutherford 9).


**) S~gundo o relato aparecido na Nature 14 ), que é mais
completo neste aspecto do que as Actas oficiais da reunião.
***) A carta está publicada na ref. 1), pág. 224.

[ 84]
Bohr não foi bem compreendido e Thomson deu uma res-
posta seca, dizendo - depois de uma breve consulta com
Ramsay- que a sugestão de Bohr era sem valor, pois só os
átomos e não as moléculas de H se difundem através do palá-
dio. - Certamente, mas essa era justamente a questão para
Bohr. . . A impressão global era que ele dissera algo de muito
inteligente e Bohr algo de muito estúpido. Ora o caso era
precisamente o contrário. Por isso senti-me obrigado a apoiar
Bohr e expliquei o sentido da sugestão em termos mais con-
cretos, dizendo que a ideia de Bohr significa que, possivel-
mente, X 3 é um elemento quimicamente inseparável do hidro-
génio ... Evidentemente não é muito provável, mas é em todo
o caso uma hipótese interessante, que não deveria ser precipi-
tadamente afastada ... :..

Hevesy, que tinha estabelecido uma calorosa amizade com


Bohr desde que ambos se tinham encontrado em Manchester
(onde, como Bohr gostava de recordar, o jovem «aristocrata
húngaro» tinha sido eficiente em fazer integrar o tímido dina-
marquês na sociedade um tanto restrita do laboratório de
Rutherford), foi o primeiro a dar a Bohr, mesmo antes de
Jeans, um desses sinais de simpatia e compreensão humanas a
que ele era tão sensível. Bohr mandou-lhe cópias dos manus-
critos dos seus trabalhos logo que ficaram prontos, recebendo
de Hevesy, então em férias em Herts, a seguinte carta alta-
mente apreciativa, datada de 6 de Agosto de 1913:

The Hall, Bushey, Herts


6 de Agosto de 1913
Meu caro Bohr
Embora interessadíssimo nos seus trabalhos não tive oportu-
nidade em Manchester de os estudar a fundo. Sou infelizmente uma
pessoa nervosa e não tenho paciência nem energia suficientes para

[ 85]
estudar um trabalho teórico ao mesmo tempo que realizo trabalho
experimental.
A única possibilidade que tenho para o fazer é ir para um
lugar sossegado e, depois de descansar, sentar-me na praia ou num
bonito jardim e começar a ler e a pensar.
Foi o que fiz agora, e devo dizer-lhe que os seus trabalhos foram
para mim uma grande fonte de prazer.
Ernest Mach, embora errado na sua oposição à física cinética,
ainda um dos melhores cconnoisseuru da cteoria de fazer ciência»
apontou dois motivos caracteristicos principais que nos induzem a
fazer ciência: 1.") economia de pensamento, e o que ele chama:
2.") Beseitung intellectuelen Unbehageos *). Um espírito inteligente
não se sente feliz senão quando consegue ligar os factos isolados que
observa.
Tem interesse salientar que embora sejamos muitas vezes com-
pelidos a explicar matérias cientificas a espíritos completaJmnte não-
-científicos, o uso e natureza da ciência como uma espécie de eco-
nomia de pensamento, é muito mais esta cansiedade intelectuab que
nos induz a pensar, a fazer ciêricia.
Compreenderá agora por que razão a leitura dos seus trabalhos
foi para mim uma fonte de prazer.
Espero interessadíssimo o resultado dos ~us cálculos mais
elaborados. Até aqui tudo é tão claro, o comportamento do hidro-
génio e do hélio descrito pela teoria tão coerente que ninguém pode
deixar de ficar impressionado.
A única sugestão que tenho a fazer é a seguinte: seria de grande
ajuda para outras pessoas, e mesmo para si, possuir alguns modelos
que representassem as díferentes estruturas de átomos e moléculas.
Seria uma tarefa fácil para um bom mecânico.
Como explica a díferença entre valências primárias e secundá-
rias? (Haupt und Nebenvalenzen). Estarão as primeiras ligadas com
o anel exterior e as segundas, embora indirectamente, com os outros
an~s?
Ficarei aqui por alguns dias e depois voltarei outra vez para
Manchester.

•) l!liminaçio do mal-estar intelectual. (N. do T.)

[ 86 1
Fiquei contente por saber que gostou do seu estágio em Cam-
bridge; é indubitAvelmente um grande lugar e os átomos dificilmente
encontrarão noutro sítio melhor acolhimento.
Foi para mim um grande prazer ter coohecido Mrs. Bohr e
espero tornar a vê-la em breve, deste ou do outro lado do Canal.
A si vê-lo-ei com certeza em Binningham.
Com os melhores cumprimentos para si e Mrs. Bohr

Sou
Muito sinceramente seu
G. Hevesy

Outra reacção quase imediata que foi preciosa para Bohr


foi a de Sommerfeld, num postal escrito de Berchtesgaden <+>,
datado de 4 de Setembro de 1913:

4. IX. 13
Sehr geehrter Herr College!

lch danke lhnen vielmals für die übersendung lhrer hochinte-


ressanten Arbeit, die ich schon im Phil. Mag. studiert hatte. Das
Problem, die Rydberg-Ritz'sche Constante durch das Planck'sche h
auszudrücken, hat mir schoa tange vorgeschwebt. lch habe davon vor
einigen Jahren zu Debye gesprochen. Wenn ich auch vorlãuf"Jg noch
etwas skeptisch bin gegenüber den Atommodellen überhaupt, so liegt
in der Berechnung jener Constanten fraglos eine grosse Leistung vor.
übrigens wird die numerische übereinstinunung mit neuen Planck'-
schen Wert h= 6,4 X lO-" noch besser. - Werden Sie lhr Atom-
modell auch auf den Zeeman-Effekt anwenden? lch wollte mich
damit beschãftigen. Von Hn. Rutherford, den ich im Oktober zu
sehen hoffe, kann ich vieUeicht Nãheres über lhre Plãne erfahren.

lhr sehr ergebeoer


A. Sommerfdd

(+) N . do T.: Em alemio no teno.

[ 87]
Prezado Colega

Agradeço-lhe muito o : envio do seu interessantíssimo trabalho,


que eu já estudara no Philosophical Magazine. O problema de expri-
mir a constante de. Rydberg-Ritz mediante a constante h de Planck
desde há muito que me traz suspenso. Há alguns anos, falei nele a
Debye. Conquanto eu seja ainda um pouco céptico perante os
modelos atómicos em geral, há sem dúvida nos domínios daquela
constante muito trabalho por fazer. Aliás, a estimativa numérica
efectuada com o novo valor de h= 6,4 X I0- 11 é ainda melhor.
Aplicou o seu modelo atómico ao efeito de Zeeman? Gostaria de
tratar desse problema. Talvez possa em breve saber mais sobre os
planos por intermédio de Rutherford, que espero ver em Outubro.

Seu dedicado
A. Sommerfeld

( Tradução dn Dr. 7orce Branco, a quem agradecemos.)

Bohr costumava mais tarde referir-se um pouco divertido


ao cepticismo inicial de Sommerfelçl «perante os modelos ató-
micos em geral».
Igualmente encorajadora foi a carta de Oseen de 11 de
Novembro de 1913, que reproduzimos; escreve com um senti-
mento de admiração nascido de profunda compreensão e
amizade:

«0 que gostaria de dizer-lhe em primeiro lugar é que,


embora já conhecesse a orientação do seu pensamento e
mesmo algumas das conclusões a que o conduziu, fiquei sur-
preendido num ponto pela beleza do seu resultado. Este ponto
foi a relação entre h e a constante de Balmer-Rydberg. Na
medida em que se pode avaliar, atingiu neste ponto, além da
região das hipóteses e das teorias, a própria verdade dos factos.

[ 88 ]
Nenhum teórico pode chegar mais alto, por isso felicito-o de
todo o meu coração.
Como muito bem sabe, a sua teoria levanta várias questões
de diferentes espécies. Uma é, evidentemente, a questão dos
espectros. Outra é a de saber como deverá ser modificada a
teoria de Maxwell-Lorentz para que um átomo do tipo que
propõe possa existir. É principalmente com esta última questão
que tenho estado ocupado. Até aqui só posso dizer que cada
vez vejo melhor quão profunda deverá ser essa modificação!
Mas creio que é necessária.

Uma vez mais, as maiores felicitações!» .

Vou terminar, quase como comecei, com uma referência


ao venerável pioneiro japonês- Nagaoka. Deste recebeu Bohr
um interessante postal com o retrato de Lagrange e a menção
«Festival de Newton, 1913», explicada por uma nota manus-
crita: «0 festival de Newton realiza-se todos os anos no dia
do seu aniversário ( 25 de Dezembro) em comemoração dos
seus trabalhos e das obras dos que lhe sucederam». O texto
do postal é como segue:

Tóquio, 27 de Dezembro de 1913


Meu caro Senhor

Do coração lhe agràdeço a amabilidade de me ter enviado vários


trabalhos sobre a estrutura atómica; parece estar intimamente ligada
com o átomo Saturniano de que me ocupei há cerca de 10 anos.

Seu
Nagaoka

[ 89]
Quando li isto, lembrei-me de uma tarde de Março de 1931
em que, num brilhante improviso, Bohr, lançado no assunto
por Delbrück, redescobriu no quadro preto a explicação da
estabilidade dos anéis de Saturno que Maxwell tinha dado no
seu trabalho clássico. Emocionado pela simplicidade da solu-
ção, exprimiu a sua admiração pelo funcionar da natureza
à escala cósmica. Depois acrescentou, com uma cintilação no
olhar: cA estabilidade dos átomos é também maravilhosa~.

[ 90]
REFE~NCIAS

1) A. S. Eve, Rutherford (Cambridge University Press, 1939).


2) ]. B. Birks (editor), Rutherford at Manchester (Londres,
Heywood, 1962) .
3) ]. G. Crowder, British scientists of the twentieth century
(Routledge, Londres, 1952), capítulo II (Emest Rutherford).
4) E. Rutherford, Phil. Mag. 21 (1911) 669; reimpresso em
ref. 2), pág. 182
5) H. Nagaoka, Phil. Mag. 7 ( 1904) 442.
6) J. Perrin, Revue scientifique 15 ( 1901) 449; reimpresso in
Oeuvres scientifiques (CNRS, Paris, 1950), pág. 165.
7) ]. W. Nicholson, Monthly Notices Roy. Astron. Soe. 72
( 1911-12) 49, 139, 671, 693, 129.
8} S. B. McLaren, Scientific Papers (Cambridge University
Press, 1925).
9) N. Bohr, The Rutherford memorial lecture 1958, Proc. Phys.
Soe. 78 (1961) 1083; reimpresso em ref. 2), pág. 114 (ver
especialmente págs. 116-118).
10) A. S. Russell, Rutherford memorial lecture 1950, Proc. Phys.
Soe. 64 ( 1951) 217; reimpresso em Ruthuford by those who
knew him (Londres, 1954) e na ref. 2), pág. 87 (ver espe-
cialmente págs. 97-100).
11) N. Bohr, Phil. Mag. 25 (1913) 10.
12) P. Langevin e M. de Broglie (editores), La théorie du rayon-
nement et les quanta (Gauthier-Villars, Paris, 1912).
13) N. Bohr, Proc. Rydberg centennial conference on atomic spec-
troscopy, Kgl. Fysiograf. Sãllsk. Handl. 65, Nr. 21 (1955).
14) Physics at the British Association, Nature 92 (1913) 305.

[ 91 ]
TRADUÇÃO DAS TMS M.E.MóRIAS
PUBLICADAS NO PHILOSOPHICAL
MAGAZINE
DE JULHO, SETEMBRO E NOVEMBRO DE 1913,
E
DO ESBOÇO DE UMA SECÇÃO IN:eDITA
SOBRE MAGNETIS.\10
PHILOSOPMCAL MAGAZim, S. 6. Vol. 26. N• 151. JULHO DE 1913

SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE ATOMOS


E MOLÉCULAS

Por N. BOHR, DR. PIUL., Copenhague*)

INTRODUÇÃO

Com a finalidade de explicar os resultados das experiên-


cias sobre a dispersão dos raios a pela matéria, o Prof. Ruther-
ford+ criou uma teoria da estrutura dos átomos. Segundo esta
teoria, os átomos são constituidos por um núcleo carregado
positivamente, rodeado por um sistema de electrões ligados
pelas forças atractivas do núcleo; a carga negativa total dos
electrões é igual à carga positiva do núcleo. Além disso,
supõe-se que o núcleo é a sede da parte essencial da massa
do átomo e que tem dimensões lineares extremamente peque-
nas comparadas com as dimensões lineares do átomo total.
Deduz-se que o número de electrões de um átomo é aproxima-
damente igual a metade do peso atómico. Deve atribuir-se um
grande interesse a este modelo atómico; na verdade, como
mostrou Rutherford, a hipótese da existência de núcleos, como
os considerados, parece ser necessária para dar conta dos resul-
tados das experiências sobre os ângulos de dispersão muito
grandes dos raios a++.
Numa tentativa de explicar algumas das propriedades da
matéria baseada neste modelo atómico deparamos, todavia,

*) Comunicada pelo Prof. E. Rutherford, F. R. S.


+ E. Rutherford, Phil. Mag. XXI, pág. 669 (1911) .
++ Ver também Geiger e Marsden, Phil. Mag., Abril 1913.

[ 95]
com dificuldades de natureza muito ~ria derivadas da apa-
rente instabilidade do sistema de electrões: dificuldade delibe-
radamente evitada nos modelos atómicos previamente consi-
derados como, por exemplo no proposto por Sir J. J. Thom-
son *. Segundo a teoria de Thomson, o átomo é formado
por uma esfera de electrização positiva uniforme, dentro da
qual os electrões se movem em órbitas circulares.
A principal diferença entre os modelos atómicos propostos
por Thomson e Rutherford consiste na circunstância de que
as forças que actuam sobre os electrões no modelo de Thom-
son permitem certas configurações e movimentos dos electrões
para os quais o sistema está em equilíbrio estável; todavia,
para o segundo modelo não existem aparentemente tais con-
figurações. A natureza da diferença em questão ver-se-á tal-
vez mais claramente notando que entre as quantidades que
caracterizam o primeiro átomo aparece uma quantidade - o
raio da esfera positiva- com as dimensões de um compri-
mento e com a mesma ordem de grandeza da extensão
linear do átomo, enquanto esse comprimento não aparece entre
as quantidades que caracterizam o segundo átomo, ou sejam,
as cargas e massas dos electrões e o núcleo positivo, nem pode
ser determinado por intermédio destas últimas quantidades.
Contudo, a maneira de considerar um problema desta
espécie sofreu alterações essenciais em anos recentes devido
ao desenvolvimento da teoria da radiação de energia e à
confirmação directa dos novos pressupostos introduzidos nesta
teoria, encontrada em experiências relacionadas com fenó-
menos muito · diferentes tais como calores especüicos, efeito
fotoeléctrico, raios de Rõntgen, etc. O resultado da discussão
destas questões parece ser um reconhecimento geral de que

*) J. ]. Thomson, Phil. Mag. VII, pág. 237 (1904).

[ 961
a electrodinâmica clássica não consegue descrever o compor-
tamento de sistemas de dimensões atómicas *. Qualquer que
seja a alteração das leis do movimento dos electrões, parece
necessário introduzir nas leis em questão uma quantidade
alheia à electrodinâmica clássica, a constante de Planck,
ou, como muitas vezes é designada, o quantum elementar de
acção. Pela introdução' desta grandeza, a questão da configura-
ção estável dos electrões nos átomos é essencialmente modifi-
cada, visto que esta constante tem dimensões e grandeza tais
que, juntamente com a massa e a carga das particulas, permite
determinar um comprimento da ·ordem de grandeza reque-
rida.
Esta memória é uma tentativa para mostrar que a aplica-
ção das ideias acima mencionadas ao modelo atómico de
Rutherford constitui uma base para uma teoria da constitui-
ção dos átomos. Mostrar-se-á, além disso, que a partir desta
teoria somos conduzidos a uma teoria da constituição das
moléculas.
Nesta primeira parte do trabalho é discutido o mecanàsmo
da ligação dos electrões a um núcleo positivo em relação com
a teoria de Planck. Demonstrar-se-á que é possível, sob o
ponto de vista adoptado, explicar de maneira simples a lei do
espectro de riscas do hidrogénio. Além disso, são dadas as
. razões para uma hipótese fundamental em que se baseiam as
considerações contidas nas partes seguintes.
Desejo exprimir aqui ao Prof. Rutherford os meus agra-
decimentos pelo seu amável e encorajante interesse por este
trabalho.

'*) Ver por ex., cThéorie du rayonnemeni et les quanta». Rela-


tórios da reunião de Bruxelas, Nov. 1911. Paris, 1912.

[ 97]
7
PARTE I - LIGAÇÃO DE ELECTRÕES PQR NúCLEOS POSITIVOS

§ 1. Considerações Gerais

A incapacidade da electrodinâmica clássica para explicar as


propriedades dos átomos partindo de um modelo atómico
como o de Rutherford, aparecerá claramente se considerarmos
um sistema simples formado por um núcleo de d4mensões
muito pequenas carregado positivamente e por um electrão
descrevendo órbitas fechadas em tomo dele. Para simplificar,
suponhamos que a massa do electrão é desprezàvelmente dimi-
nuta em comparação com a do núcleo e, além disso, que a
velocidade do electrão é pequena comparada com a da luz.
Suponhamos em primeiro lugar que não há radiação de
energia. Neste caso, o electrão descreverá órbitas elípticas esta-
cionárias. A frequência de revolução w e o eixo maior da
órbita, 2a, dependerão da quantidade de energia W que deve
ser fornecida ao sistema para remover o electrão para uma
distância do núcleo infinitamente grande. Representando a
carga do electrão e do núcleo por - e e E, respectivamente,
e a massa do electrão por m, obtemos

v'T W 3/2 eE
w=-- 2a= W . (1)
eEy;; '

Além disso, demonstra-se fàcilmente que o valor médio da


energia cinética do electrão numa revolução completa é igual
a W. Vê-se que se o valor de W não for dado, não haverá
valores de w e a característicos para o sistema em questão.
No entanto, tomemos agora em consideração o efeito
da radiação de energia, calculado pela maneira habitual a
partir da aceleração do electrão. Neste caso, o electrão já
não descreverá órbitas estacionárias. W aumentará continua-

[ 981
mente, e o electrão aproximar-se-á do núcleo descrevendo
órbitas de dimensões cada vez mais pequenas e com frequên-
cia cada vez maior; em média, o electrão ganha energia ciné-
tica ao mesmo tempo que todo o sistema perde energia.
O processo continuará até que as dimensões da órbita sejam
da mesma ordem de grandeza que as dimensões do electrão
ou do núcleo. Um cálculo simples mostra que a energia irra-
diada durante o processo considerado será extremamente
grande em comparação com a que é irradiada nos processos
moleculares ordinários.
É óbvio que o comportamento de um tal sistema será
muito diferente do funcionamento de um sistema atómico
natural. Em primeiro lugar, os átomos reais no seu estado
permanente parecem ter dimensões e frequências absoluta-
mente fixas. Além disso, se considerarmos qualquer processo
molecular, o resultado parece 'ser sempre que, após ter sido
irradiada uma certa quantidade de energú;t característica dos
sistemas em causa, estes atingem um novo estado de equi-
líbrio, no qual as distâncias têm a mesma ordem de grandeza
que antes do processo.
Ora o ponto essencial na teoria da radiação de Planck é
que a !irradiação de energia por um sistema atómico não tem
lugar da maneira contínua admitida na electrodinâmica usual,
mas que, pelo contrário, se dá por emissões distintamente
separadas, sendo a quantidade de energia irradiada numa só
emissão por um vibrador atómico de frequência v igual a Thv,
em que T é um número inteiro e h uma constante unàversal *.
Voltando ao caso simples de um electrão e de um núcleo
positivo, considerado acima, suponhamos que o electrão, no

* Ver, por ex., M. Planck, Ann. d. Phys. XXXI, pág. 758


(1910); XXXVII, pág. 642 (1912); Verh. deutsch. Phys. Ges.
1911, pág. 138.

[ 99]
início da interacção com o núcleo, estava muito afastado e não
tinha velocidade apreciável em relação a ele. Suponhamos,
além disso, que o electrão, depois de se ter dado a interacção
entrou numa órbita estacionária em tomo do núcleo. Admitire-
mos, por motivos que serão referidos mais tarde, que a órbita
em questão é circular; esta hipótese não alterará, no entanto,
os cálculos para sistemas que contenham um só electrão.
Suponhamos agora que, durante a ligação do electrão, é
emitida uma radiação homogénea de frequência v, igual a
metade da frequência de revolução do electrão na sua órbita
final; então, de acordo com a teoria de Planck, seria de espe-
rar que a quantidade de energia emitida pelo processo consi-
derado fosse igual a Thv, sendo h a constante de Planck e T
um número inteiro. Admitindo que a radiação emitida é homo-
génea, a segunda hipótese respeitante à frequência da radiação
decorre imediatamente, visto que a frequência de revolução
do electrão no início da emissão é O. Contudo, a questão
da validade rigorosa de ambas as hipóteses, assim como a da
aplicação da teoria de Planck, será mais minuciosamente dis-
cutida no § 3.
Tomando
(!)

W = Th-, . . (2)
2

obtemos com o auxílio da fórmula ( 1)

(3)

Se dermos a T diferentes valores nestas expressões,


obteremos uma série de valores para W, w e a correspondentes
a uma série de configurações do sistema. Segundo as consi-
derações anteriores, somos levados a admitir que estas configu-

[ 100]
rações corresponderão a estados do sistema nos quais não há
radiação de energia; estados que consequentemente serão esta-
cionários enquanto o sistema não for perturbado do exterior.
Vemos que W tem o valor máximo quando T tem o seu valor
mínimo 1. Este caso corresponderá portanto ao estado mais
estável do sistema, isto é, corresponderá à ligação do elec-
trão que exigirá maior quantidade de energia para ser desfeita.
Fazendo nas expressões anteriores T = 1 e E = e, e substi-
tuindo os valores experimentais

e
e= 4,7 X lo-10 , - = 5,31 X 1011 , h= 6,5 X 1o-ar,
m

obtemos

1 w
2a = 1,1 X 1()-8 cm, w = 6,2 X 10 1 ~ - , - = 13 volt
s e

Vê-se que estes valores são da ordem de grandeza das


dimensões l,ineares dos átomos, das frequências ópticas e dos
potenciais de ionização.
A importância geral da teoria de Planck para a discussão
do comportamento dos sistemas atómicos foi primeiramente
assinalada por Einstein*. As considerações de Einstein foram
desenvolvidas e aplicadas a diferentes fenómenos, especial-
mente por Stark, Nemst e Sommerfeld. A concordância quanto
à ordem de grandeza entre os valores observados das frequên-
cias e dimensões dos átomos e os valores destas quantidades
calculados por considerações semelhantes às feitas acima foi
tema de muitas discussões. Foi em primeiro lugar apontada

* A. Einstein, Ann. d. Phys., XVII, pág. 132 (1905); XX.


pág. 199 (1906); XXII pág. 180 (1907).

[ 101]
por Haas *, numa tentativa para explicar o significado c o
valor da constante de Planck baseada no modelo atómico de
J. J. Thomson, por intermédio das dimensões lineares e da
frequência de um átomo de hidrogénio.
Sistemas da espécie considerada neste trabalho, nos quais
as forças entre as panículas variam na razão inversa do
quadrado da distância, são discutidos, em relação com a teoria
de Planck, por J. W. Nicholson+. Numa série de memórias,
este autor mostrou que parece possível explicar o apareci-
mento de riscas de origem até aqui desconhecida nos espectros
das nebulosas estelares e no da coroa solar, supondo presen-
tes nestes corpos certos elementos hipotéticos de constituição
exactamente ándicada. Admite-se que os átomos destes elemen-
tos são formados simplesmente por um anel com alguns elec-
trões em tomo de um núcleo positivo de dimensões desprezá-
veis. As razões entre as frequências correspondentes às riscas
em questão são comparadas com as razões entre as frequências
correspondentes a diferentes modos de vibração do anel de
electrões. Nicholson obteve uma relação com a teoria de
Planck mostrando que as razões entre os comprimentos de
onda dos diferentes conjuntos de riscos do espectro coronal
podem ser explicadas com grande rigor supondo que a razão
entre a energia do sistema e a frequência de rotação do anel
é igual a um múltiplo da constante de Planck. A quan-
tidade a que Nicholson se refere como sendo a energia é

* A. E. Haas, 1ahrb. d. Rad. u. El. VII. pág. 261 (1910).


Ver, além disso, A. Schidlof, A1111. d. Phys. XXXV. pág. 90 ( 1911);
E. Wertheimer, Phys. Zeitsch~. XII. pág. 409 (1911), Velzr. deutsch .
Phys. Ges. 1912, pág. 431; F. A. Lindemann, Vehr. deutsclz . Phys.
Ges. 1911, págs. 482, 1107; F. Haber, Vehr. dcutsch. Ph}'s. Ge.( .
1911, pâg. 1117.
+ J. W. Nicholson, Month. Not. Roy. Astr. Soe. LXXII,
págs. 49, 139, 677, 693, 729 (1912).

[ 102]
igual a duas vezes a quantidade que acima representámos
por W. Na última memória citada Nicholson achou necessário
dar à troria uma forma mais complicada representando, con-
tudo, a razão entre a energia e a frequência ainda por uma
função 1imples de números inteiros.
A e:::celente concordância entre os valores calculados e os
valores observados das razões entre os comprimentos de onda
em ques:ão parece ser um argumento forte a favor da validade
do fundamento dos cálculos de Nicholson. No entanto, podem
levantar-se objecções sérias contra a teoria. Estas objecções
estão irtimamente relacionadas com o problema da homoge-
neidade da radiação emitida. Nos cálculos de Nicholson a
frequência das riscas num espectro é identificada com a fre-
quência de vibração de um sistema mecânico num estado de
equilíbrio bem definido. Como é utilizada uma relação obtida
a partir da teoria de Planck, a radiação deveria ser emitida
sob a forma de quanta, mas sistemas como os considerados,
nos quais a frequência é uma função da energia, não podem
emitir uma quantidade finita de uma radiação homogénea;
a razio deste facto está em que, logo que começa a emissão
de radiação, a energia e portanto a frequência do sistema são
alteradas. Além disso, segundo o cálculo de Nicholson, os sis-
temas são instáveis para alguns modos de vibração. Pondo de
parte estas objecções- que podem ser apenas formais (ver
pág. 127) - deve notar-se que a teoria na forma dada não
parece ser capaz de explicar as bem conhecidas leis de Balmer
e Rydberg que relacionam as frequências das linhas nos espec-
tros de riscas dos elementos ordinários.
Tentar-se-á agora mostrar que as dificuldades em ques-
tão desaparecem se considerarmos os problemas sob o ponto
de vista adoptado nesta memória. Antes de continuarmos é
útil enunciar de novo, resumidamente, as ideias que caracteri-
zam os cálculos da pág. 101.

[ 103]
Os principais pressupostos utilizados são:

1) Que o equilíbrio dinâmico dos sistemas nos estados


estacionários pode ser discutido por meio da necânica
ordinária, enquanto a passagem dos sistemas entre
diferentes estados estacionários não pode ser tratada
nessa base.
2) Que este último processo é seguido pela emissão de
uma radiação homogénea, para a qual a relação entre
a frequência e a quantidade de energia emitida é a
dada pela teoria de Planck.

A primeira hipótese parece impor-se por si mema; na


verdade, sabe-se que a mecânica ordinária não pode ter vali-
dade absoluta, sendo apenas legítima cm cálculos de certos
valores médios do movimento dos electrões. Por outro lado,
nos cálculos do equilíbrio dinâmico num estado estacionário
em que não há deslocamento relativo das particulas, não é
necessário distinguir entre os movümentos reais e os seus valo-
res médios. A segunda hipótese está em contraste evidente
com as ideias habituais da electrodinâmica, mas parece ser
necessária para explicar factos experimentais.
Nos cálculos da pág. 100 utilizámos, além disso, pressupos-
tos mais específicos, a saber: que os diferentes estados estacio-
nários correspondem à emissão de um número diferente de
quanta de energia de Planck, e que a frequência da radiação
emitida durante a passagem do sistema de um estado no qual
nenhuma radiação é ainda irradiada para um dos estados
estacionárüos é igual a metade da frequência de revolução do
electrão no último estado. Contudo, é também possível (ver
§ 3) diegar às expressões ( 3 ) para os estados estacionários
empregando hipóteses de forma um pouco diferente. Por con-
seguinte, deixaremos para mais tarde a discussão dos pressu-

[ 104 1
postos espeCiais e mostraremos primeiro, pelo emprego das
hipóteses principais acima referidas e das expressões (3) para
os estados estacionários, como pode explicar-se o espectro de
riscas do hidrogénio.

~ 2. Emissão de espectros de riscas

Espectro do hidrogénio. Uma evidência de ordem geral


indica que o átomo de hidrogénio é formado simplesmente
por um electrão que gira em tomo de um núcleo positivo de
carga e*.
A reconstituição do átomo de hidrogénio, quando o electrão
foi removido para distâncias muito afastadas do núcleo- por
ex., por efeito da descarga eléctrica num tubo de vácuo - cor-
responderá portanto à fixação de um electrão por um núcleo
positivo considerada na pág. 100. Se em ( 3) fizermos E = e,
obteremos para a quantidade total de energia emitida ao for-
mar-se um dos estados estacionátios,

A quantidade de energia emitida pela passagem do sistema


de um estado correspondente a T = T1, para outro correspon-
dente a T 2 , é consequentemente

WT2- WTl = _2_1r_:m-~_e4_ (-T-~~-- -T-~~-) .


• Ver, por ex., N. Bohr, Phil. Mag. XXV, pág. 24 (1913) .
A conclusão apresentada na memória citada é fortemente confirmada
pelo facto de o hidrogénio, nas experiências de J. J. Thomson com
raios positivos, ser o único elemento que nunca aparece com uma
carga positiva correspondente l perda de mais do que um electrão
(comp. Phil. Mag. XXIV, pág. 672 (1912)).

[ 105]
Se supusermos agora que a radiação-em questão é homogénea,
e que a quantidade de energia eminida é igual a hv, sendo v
a frequência da radiação, obtemos

e daqui

(4)

Vê-se que esta expressão abrange a lei que relaciona as riscas


no espectro do hidrogénio. Se fixarmos r 2 = 2 e fizermos va-
riar r, obtemos a série de Balmer. Se r 2 = 3, obteremos a
série observada por Paschen * na região infravermelha e pre-
viamente suspeitada por Ritz. Escrevendo r 2 = 1 e r 2 = 4,
5, .. , obteremos séries situadas, respectivamente, no extremo
ultravioleta e no extremo infravermelho, não observadas mas
cuja existência deve esperar-se.
A concordância em questão não é só qualitativa mas tam-
bém quantlitativa. Fazendo

e
e= 4,7 X 1ü-10, - = 5,31 X 1017, e h= 6,5 X 1ü-27 ,
m
obtemos

O valor observado para o factor situado fora da parêntesis na


fórmula ( 4) é

3,290 X 10".

* F. Paschen, Ann. d. Phys. XXVII, pág. 565 (1908).

[ 106)
A coincidência entre os valores teóricos e observados
está dentro da incerteza devida aos erros experimentais das
constantes que entram na expressão para o valor teórico.
Voltaremos no § 3 a considerar a importância possível da
concordância em questão.
Deve notar-se que a facto de não ter sido possível observar
mais do que 12 riscas da série de Balmer nas experiências com
tubos de vácuo, ao passo que se observam 33 riscas nos espec-
tros de alguns corpos celestes, é exactamente a conclusão da
teoria acima exposta. Segundo a equação ( 3), o diâmetro da
órbita do electrão nos diferentes estados estacionários é pro-
porcional a T 2 • Para T = 12 o diâmetro é igual a 1,6 X 1o-s cm,
ou igual à distância média entre as moléculas de um gás à
pressão de cerca de 7 mm de mercúrio; para T = 33 o dââ-
metro é igual a 1,2 X 10-~ . cm, correspondente à distância
média das moléculas à pressão de cerca de 0,02 mm de mer-
cúrio. Segundo a teoria, a condição necessária para o apareci-
mento de um grande número de riscas é, portanto, uma den-
sidade muito pequena do gás; para se obter simultâneamente
uma intensidade suficiente para a observação, o espaço preen-
chido pelo gás deve ser muito grande. Se a teorúa estiver
certa, nunca poderão observar-se, em experiências com tu-
bos de vácuo, as riscas correspondentes a números elevados
da série de Balmer do espectro de emissão do hidrogénio;
contudo, seria possível observar essas riscas investigando o
espectro de absorção deste gás (ver § 4).
Observar-se-á que da maneira acima descrita não obte-
mos outras séries de riscas, geralmente atribuídas ao hidro-
génio; por exemplo, a série primeiro observada por Picke-
ring * no espectro da estrela C Puppis, e o conjunto de séries

* E. C. Pickering, Astrophys. J. IV. pág. 369 ( 1896 ) ; V.


pág. 92 (1897).

[ 107]
recentemente encontradas por Fowler+ em experiências com
tubos de vácuo contendo uma mistura de hidrogénio e hélio.
Todavia, veremos que a teoria acima exposta engloba natural-
mente estas séries de riscas se as atribuirmos ao hélio.
Um átomo neutro deste último elemento é formado,
segundo a teoria de Rutherford, por um núcleo positivo de
carga 2e e por dois electrões. Considerando a ligação de um
sú electrão a um núcleo de hélio, obtemos, fazendo E = 2e
nas expressões ( 3) da pág. 100, procedendo de maneira
exactamente análoga à anterior

Se nesta fórmula fizermos T2 = 1 ou T2 = 2, obteremos


séries de riscas situadas no ultravioleta extremo. Se tomar-
mos T2 = 3 e fizermos variar Tu obteremos uma série que
inclui duas das séries observadas por Fowler e por ele identifi-
cadas como sendo a primeira e segunda séries principais do
espectro do hidrogénio. Se fizermos T2 = 4, obteremos a série
observada por Pickering no espectro de ~ Puppis. Cada
segunda risca desta série é idêntica a uma risca da série de
Balmer do espectro do hidrogénio; a presença de hidrogénio
na estrela em questão pode portanto explicar o facto de estas
riscas apresentarem maior intensidade · do que as restantes
riscas da série. Esta série é também observada nas experiên-
cias de Fowler e designada por ele por «sharp series» do
espectro do hidrogénio. Finalmente, se na fórmula anterior
fizermos T2 = 5,6 ... , obteremos séries cujas riscas de maior
intensidade deverão encontrar-se no infravermelho.

+ A. Fowler, Month. Not. Roy. Astr. Soe. LXXIII. Dez. 1912.

[ 108]
Se o espectro considerado não se observa nos tubos de
hélio usuais, é talvez porque, nesses tubos, a ionização do
hélio não é tão completa como na estrela referida ou nas
experiências de Fowler, nas quais se dá uma descarga forte
através de uma mistura de hidrogénio e hélio. A condição para
o aparecimento do espectro será, de acordo com a teoria acima
proposta, que os átomos de hélio estejam presentes num estado
em que perderam ambos os seus electrões. Depois, é necessá-
rio supor que a quantidade de energia gasta para remover o
segundo elctrão do átomo de hélio deverá ser muito maior
do que a que foi utilizada na remoção do primeiro. Além
disso, sabe-se, como resultado de experiências feitas com raios
positivos, que os átomos de hidrogénio podem adquirir carga
negativa; por conseguinte, a presença de hidrogénio nas expe-
riências de Fowler pode criar condições para que saiam mais
electrões de alguns átomos de hélio do que sairiam se só o hélio
estivesse presente.
Espectros de outras substâncias. Em casos de sistemas que
contenham mais electrões deverão prever-se - em confortni-
dade com o resultado das experiências - , leis dos espectros
de riscas mais compLicadas do que as consideradas. Tentarei
demonstrar que o ponto de vista adoptado pertnite, em qual-
quer caso, uma certa compreensão das leis observadas.
Segundo a teoria de Rydberg- com a generalização dada
por Ritz * - a frequência correspondente às riscas do espectro
de um elemento pode exprimir-se por

onde T1 e T2 são números inteiros, e F 1 , F 2 , F 3, ••• são funções

* W. Ritz, Phys. Zeitschr. IX. pág. 521 (1908).

[ 109]
K K
de r aproximadamente iguais a
(r + a1) ' (r + a2) 2 ' · · · ·
2
K é uma constante universal, igual ao factor que está fora do
parêntesis na fórmula ( 4) para o espectro do hidrogénio. As
diferentes séries aparecem se fizermos r 1 e r 2 iguais a um
número e deixarmos variar os outros.
A circunstância de a frequência poder ser representada
pela diferença entre duas funções de números inteiros sugere
para as riscas dos espectros em causa uma origem seme-
lhante à que postulámos para o hidrogénio; isto é, as riscas
corresponderão a uma radiação emitida durante a passagem
do sistema entre dois estados estacionários diferentes. Para
sistemas que contenham mais do que um electrão, a discus-
são pormenorizada pode ser muito complicada, visto que
haverá muitas configurações diferentes dos electrões a serem
consideradas como estados estacionários. Isto pode explicar
os diferentes conjuntos de séries existentes nos espectros de
riscas emitidos pelas substâncias em questão. Aqui tentarei
apenas mostrar como, utilizando a teoria, poderá explicar-se,
de maneira simples, que a constante K que entra na fórmula
de Rydberg é a mesma para todas as substâncias.
Suponhamos que o espectro em causa corresponde à radia-
ção emitida durante a ligação de um electrão; e suponhamos,
além disso, que é neutro o sistema que inclui o electrão con-
siderado. A força exercida sobre o electrão, quando colocado
a grande distância do núcleo e dos electrões previamente liga-
dos, será muito aproximadamente igual à que se exerce no
caso antes considerado d::. ligaça·J de um electrão por um
núcleo de hidrogénio. A energia correspondente a um dos
estados estacionários, parll r gr~.nde, será muito próxima da
energia dada pela expressão (3) da pág. 100, se fizermos E=e.

[ 110]
Para T grande obteremos, consequentemente

em conformidade com a teoria de Rydberg.

§ 3. Continuação das Considerações Gerais

Voltaremos agora à discussão (ver pág. 104) dos pressu-


postos especiais empregados na dedução das expressões ( 3)
da pág. 100 relativas aos estados estacionários de um sistema
formado por um electrão girando em torno de um núcleo.
Supusemos antes que os diferentes estados estacionários
correspondem à emissão de um número diferente de quanta
de energia. Todavia, considerando sistemas nos quais a fre-
quência é função da energia, esta hipótese pode ser encarada
como improvável visto que, logo que é emitido um quantum, a
frequência fica alterada. Vamos ver agora que é possível aban-
donar a hipótese e manter ainda a equação (2) da pág. 100,
e desse modo a analogia formal com a teoria de Planck.
Primeiramente, observar-se-á que não foi necessário, para
explicar a lei dos espectros por meio das expressões ( 3 ) para
os estados estacionários, supor que em qualquer caso é emitida
uma radiação correspondente a mais do que um quantum
de energüa, hv. É possível obter mais ânformações sobre a
frequência da radiação comparando os cálculos da radiação de
energia na região de vibrações lentas baseadas nos postulados
acima admitidos com os cálculos baseados na mecânica usual.
Como se sabe, estes últimos estão de acordo com as experiên-
cias sobre a radiação de energia na região mencionada.
Admitamos que a razão entre a quantidade total de energia
emitida e a frequência de revolução do electrão para os dife-

[ 111 ]
rentes estados estacionários é dada pela equação W = f (r),
em vez de ser pela equação ( 2). Procedendo como antes,
obtemos, neste caso, em lugar de ( 3)

Supondo como antes que a quantidade de energia emitida


durante a passagem do sistema de um estado correspondente
a r = r 1 para outro para o qual r = r2 é igual a hv, obtere-
remos em vez de ( 4)

v=

Vê-se que para se obter uma expressão da mesma forma que


a série de Balmer se deve considerar f (r) = c r.
Para determinarmos . c consideremos agora a transição do
sistema entre dois estados estacionários sucessivos correspon-
dentes a r= N e r= N- 1; substituindo f(r) =c r, obte-
mos para frequência da radiação emitida

2N -1
v = - -- -

Para frequências de revolução do electrão antes e depois


da emissão temos

Se N for grande, a razão entre as frequências antes e


depois da emissão será aproximadamente igual a 1 ; segundo
a electrodinâmica usual deveríamos esperar, portanto, que a

[ 112]
razão entre a frequência de radiação e a frequência de revolu-
ção fosse também muito próxima de 1. Esta condição só será
T
satisfeita se c = %. Contudo, fazendo /( T) = - , chegamos
2
novamente à equação (2) e consequentemente à expressão (3)
para estados estacionários.
Se considerarmos a transição do sistema entre dois estados
correspondentes a T = N e T = N - n, onde n é pequeno
em comparação com N, obtemos com aproximação igual à
T
anterior, fazendo /( T) = -
2
v= 1lw.

A possibilidade de emissão de uma radiação com essa fre-


quência pode também ser interpretada, por analogia com a
electrodinâmica usual, como resultado de um electrão girando
em tomo do núcleo em órbita elíptica o qual emitirá uma
radiação resolúvel em componentes homogéneas por aplicação
do teorema de Fourier; as frequências dessas componentes
serão nw, se w for a frequência de revolução do electrão.
Somos assim levados a supor que a interpretação da equa-
ção (2) não consiste em que os diferentes estados estacionários
correspondem à emissão de diferentes quanta de energia, mas
em que a frequência da energia emitida durante a passagem do
sistema dum estado em que ainda é emitida energia para outro
dos diferentes estados estacionários é igual a diferentes múltiplos

de 2 , em que w é a frequência de revolução do electrão no


(J)

estado considerado. A partir desta hipótese obtemos expressões


exactamente iguais às obtidas anteriormente para os estados
estacionários, e a partir destes, utilizando os postulados prin-
cipais da pág. 104, a mesma expressão para a lei do espectro

[ 113 1
8
do hidrogénio. Consequentemente, poderemos encarar as nossas
considerações preliminares. da pág. 100 apenas como uma
forma simples de representar os resultados da teoria.
Antes de deixarmos a discussão desta questão, voltaremos
por momentos ao problema da significação do acordo entre os
valores observados e calculados da constante que entra nas
expressões ( 4) referentes à série de Balmer do espectro do
hidrogénio. Partindo das considerações acima invocadas seguir-
-se-á que, começando pela forma da lei do espectro do hidro-
génio e supondo que as diferentes riscas correspondem a uma
radiação homogénia emitida na transição entre diferentes esta-
dos estacionários, chegaremos exactamente à mesma expressão
da constante em causa, dada por ( 4), bastando supor: ( 1 ) que
a radiação é libertada em quanta hv, e (2) que a frequência
da radiação emitida durante a passagem entre estados estacio-
nários sucessi~os coincidirá com a frequência de revolução do
electrão na região de vibrações lentas.
Como todos os pressupostos utilizados nesta última maneira
de representar a teoria têm o que podemos chamar um carác-
ter qualitativo, justifica-se que esperemos - se todo o modo
de raciocinar for bem fundamentado- uma concordância
absoluta entre os valores calculados e observados da constante
em causa, e não apenas uma C<'ncordância aproximada. A fór-
mula ( 4) pode portanto ter valor na discussão dos resultados
das determinações experimentais das constantes e, m e h.
Conquanto não esteja obviamente em questão a funda-
mentação mecânica dos cálculos apresentados nesta memória,
é, todavia, possível dar uma interpretação muito simples do
resultado do cálculo da pág. 101 empregando simbolo3 tirados
da mecânica usual. Representando por M o momento angular
do electrão em tomo do núcleo, temos imediatamente para
T
uma órbita circular '~~"M = - , sendo w a frequência de revo-
w

[ 1141
lução c T a cncrgüa cmeuca do electrão; para uma órbita
circular temos, além disso, T = W (ver pág. 98) e de ( 2) ,,
pág. 100, obtemos consequentemente

onde

h
Mo =- = 1,04 X 10-27 •
271"

Por conseguinte, se postularmos que a órbita do electrão


nos estados estacionários é circular, o resultado do cálculo da
pág. 100 pode ser expresso pela condição simples seguinte: o
momento angular do electrão em tomo do núcleo, num estado
estacionário do sistema, é igual a um múltiplo inteiro de um
valor universal, independente da carga do núcleo. A possível
importância do momento angular na discussão dos sistemas
atómicos em relação com a teoria de Planck é realçada por
Nicholson *.
O grande número de estados estacionários diferentes não
é observado a não ser investigando a emissão e absorção de
radiação. Todavia, na maior parte dos outros fenómenos físi-
cos, observamos apenas os átomos da matéria num só estado
distinto, isto é, o estado dos átomos a baixa temperatura. Das
considerações precedentes somos imediatamente conduzidos à
hipótese de que o estado «permanente» é aquele de entre os
estados estacionários durante a formação do qual é emitida
uma quantidade de energia mais elevada. Segundo a equa-
ção (3 ), da pág. 100, este estado é o que corresponde a T = 1.

• J. W. Nicholson, loc. cit. pág. 679.

[ 115 1
§ 4. Absorção de Radiação

Para se compreender a lei de Kirchhoff é necessário fazer


intervir hipóteses sobre o mecanismo da absorção de radiação
que correspondam às utilizadas ao considerarmos a emissão.
Assim, devemos admitir que um sistema formado por um
núcleo e por um electrão girando à sua volta em certas cir-
cunstâncias pode absorver uma radiação de frequência igual
à frequência da radiação homogénia emitida durante a pas-
sagem do sistema entre estados estacionários diferentes. Con-
sideremos a radiação emitida durante a transição do sistema do
estado estacionário A1 para o estado estacionário A2 corres-
pondentes a valores de r iguais a r1 e r2, com r1 > r2. Como
a condição necessária para a emissão da radiação em causa
era a presença de sistemas no estado A1, deve admitir-se que
a condição necessária para absorção da radiação é a presença
de sistemas no estado A2.
Estas considerações parecem estar em conformidade com
experiências sobre absorção nos gases. No hidrogénio em con-
dições usuais, por exemplo, não há qualquer absorção de uma
radiação de frequência correspondente ao espectro de riscas
deste gás; tal absorção só é observada no hidrogénio num
estado luminoso. É o que se deveria passar de acordo com o
que se disse. Na pág. 106 supusemos que a radiação em ques-
tão era emitida durante a transição dos sistemas entre estados
estacionários correspondentes a r >2. O estado dos átomos
no hidrogénio em condições ordinárias deveria, contudo, cor-
responder a r = 1; além disso, os átomos de hidrogénio em
condições usuais combinam-se formando moléculas, isto é,
sistemas nos quais os electrões têm frequências diferentes das
que possuem nos átomos (ver Parte III). Da circunstância
de que certas substâncias num estado não-luminoso, como,
por exemplo, o vapor de sódio, absorvem radiação correspon-

[ 116]
dente às linhas dos espectros de riscas das substâncias, pode-
mos, por outro lado, conduir que as riscas em causa são emi-
tidas durante a transição do sistema de um estado para outro,
um dos quais é o estado permanente.
A maneira mais clara de mostrar a medida em que
as considerações acima feitas diferem da interpretação ba-
seada na electrodinâmica usual, talvez resida no facto de
termos sido forçados a supor que um sistema de electrões
absorverá uma radiação de frequência diferente da frequência
de vibração dos electrões calculada ao modo habitual. Pode
ter interesse mencionar neste contexto uma generalização das
considerações a que somos conduzidos por experiências sobre
o efeito fotoeléctrico, as quais permitem talvez lançar alguma
luz sobre o problema em causa. Consideremos um estado do
sistema no qual o electrão é livre, quer dizer, no qual o elec-
trão possui energia cinética suficiente para se afastar para dis-
tância infinita do núdeo. Se admitirmos que o movimento do
electrão é governado pela mecânica habitual e que não há
radiação (sensível) de energia, a energia total do sistema será
constante - como nos estados estacionários que temos conside-
rado. Além disso, haverá perfeita continuidade entre as duas
espécies de estados, visto que a diferença entre a frequência e
as dimensões dos sistemas em sucessivos estados estacionários
diminuirá sem limite se T aumentar. Para abreviar, daqui por
diante às duas espécies de estados em questão daremos o
nome de estados «mecânicos»; com esta designação queremos
apenas sublinhar a hipótese de que o movimento do electrão
em ambos os casos pode ser compreendido pela mecânica
usual.
Marcando a analogia entre as duas espécies de estados
mecânicos, poderiamos agora esperar a possibilidade de uma
absorção de radiação, não somente correspondente à tr8nsição
do sistema entre dois estados estacionários diferentes, mas

[ 117]
também correspondendo à passagem- de um dos estados esta-
cionários para outro estado em que o electrão é livre; e, como
acima, é de esperar que a frequência desta radiação seja deter-
minada pela relação E = hv, onde E é igual à diferença entre
as energias totais do sistema nos dois estados. Como se verá,
essa absorção de radiação é precisamente a que se observa nas
experiências de ionização pela luz ultravioleta e pelos raios
de Rõntgen. Desta maneira, obtemos evidentemente para a
energia cinética de um electrão ejectado de um átomo por
efeito fotoeléctrico uma expressão igual à deduzida por Eins-
tein*, ou seja, T = hv - W, sendo T a energia cinética do
electrão ejectado, e W a quantidade total de energia emitida
durante a ligação primitiva do electrão.
As considerações anteriores permitem, além disso, com-
preender o resultado de algumas experiências de R. W. W ood +
sobre a absorção de luz pelo vapor de sódio. Nestas experiên-
cias, observa-se uma absorção correspondente a um número
muito grande de riscas da série principal do espectro do sódio,
e, por acréscimo, uma absorção contínua que começa à cabeça
da série e se estende até ao ultravioleta extremo. Isto é exacta-
mente o que seria de esperar de acordo com a analogia em
questão, e, como veremos, um exame mais de perto das
experiências mencionadas permitir-nos-á levar a analogia ainda
mais longe. Como se disse na pág. 107, os raios das órbitas dos
electrões para estados estacionários correspondentes a valo-
res de -r elevados serão muito grandes em comparação com as
dimensões atómicas usuais. Esta circunstância foi utilizada
como explicação do não aparecimento das riscas correspon-
dentes aos números mais altos da série de Balmer do espectro

* A. Einstein, Ann. d. Phys. XVII, pág. 146 (1905).


+ R. W. Wood, Physical Optics, pág. 513 (1911).

[ 1181
do hidrogénio nas experiências com tubos de vácuo. O que fica
dito está também em conformidade com experiências realizadas
sobre o espectro de emissão do sódio; na série principal do es-
pectro de emissão desta substância observam-se bastante pou-
cas riscas. Ora, nas experiências de W ood a pressão não era
muito baixa, e, por conseguinte, os estados correspondentes a
valores elevados de r não podiam aparecer; no entanto, no es-
pectro de absorção foram detectadas cerca de 50 riscas. Conse-
quentemente, nas experiências referidas observamos uma absor-
ção de radiação que não é acompanhada por uma transição
completa entre dois estados estacionários diferentes. Segundo a
presente teoria deverá admitir-se que esta absorção é seguida
por uma emissão de energia durante a qual os sistemas voltarão
ao estado estacionário original. Se não houver colisões entre
os diferentes sistemas esta energia será emitida sob a forma
de radiação com frequência igual à que foi absorvida, não
havendo verdadeira absorção mas só dispersão da radiação
primitiva; só haverá verdadeira absorção se a energia em ques-
tão for transformada por choques em energia cinética de par-
tículas livres. Por analogia, poderemos agora concluir a partir
das experiências citadas que um electrão ligado - também
em casos em que não há ionização - terá influência absorvente
(dispersão) sobre uma radiação homogénea, logo que a fre-
quência da radiação seja maior do que W /h, onde W é a
quantidade total de energia libertada durante a ligação do
electrão. Este facto seria fortemente a favor de uma teoria
da absorção como a esboçada acima, visto que em tal caso
não poderá dar-se a coincidência da frequência da radiação e
de uma frequência de vibração característica do electrão.
Ver-se-á, além disso, que a hipótese de que haverá absorção
(dispersão) de qualquer radiação correspondente a uma tran-
sição entre dois estados mecânicos diferentes está em perfeita
analogia com a hipótese geralmente utilizada de que um elec-

[ 1191
trão livre terá influência absorvente ( dispersante) sobre luz de
qualquer frequência. Considerações semelhantes serão também
verdadeiras para a emissão de radiação.
Anàlogamente à hipótese utilizada nesta memória de que
a emissão dos espectros de riscas é devida à reconstituição de
átomos após terem sido removidos um ou mais dos electrões
fracamente ligados, podemos supor que a radiação de Rõntgen
homogénea é emitida durante o restabelecimento dos sistemas
depois de se ter escapado um dos electrões fortemente ligados,
por exemplo, pelo impacto de partículas catódicas*. Na parte
seguinte deste trabalho, ao tratarmos da constituição dos
átomos, consideraremos a questão mais pormenorizadamente
e tentaremos mostrar que o cálculo baseado nesta hipótese é
quantitativamente compatível com os resultados das experiên-
cias; aqui, faremos apenas rápida menção de um problema
com o qual deparamos naquele cálculo.
As experiências sobre os fenómenos que se passam com os
raios X sugerem que não são apenas a emissão e a absorção de
radiação que não podem ser tratadas pela electrodinâmica
usual, mas que também é impossível explicar o que se passa
no choque entre dois electrões, um dos quais esteja ligado a um
átomo. Este facto é talvez explicado da maneira mais clara
por alguns cálculos muito elucidativos sobre a energia das
partículas {3 emitidas por substâncias radioactivas recentemente
publicados por Rutherford **. Estes.cálculos sugerem com forte
grau de evidência que um electrão de grande velocidade ao pas-
sar através de um átomo e ao colidir com os electrões ligados
perderá energia sob a forma de quanta finitos distintos. Como

• Comparar com J. J. Thomson, Phil. Mag. XXIII, pág. 456


(1912).
•• E. Rutherford, Phil Mag. XXIV, págs. 453 e 893 (19_12) .

[ 120]
se vê IÍi'nediatamcntc, isto é muito diferente do que seria de es-
perar se o resultado dos choques fosse governado pelas leis da
mecânica usual. A falência da mecânica clássica num problema
deste género seria também antecipadamente previsível a partir
de algo como a ausência da equipartição da energia cinética
entre electrões livres e electrões ligados no interior dos áto-
mos. Sob o ponto de vüsta dos estados «mecânicos:. vemos,
todavia, que a seguinte hipótese - a qual está de acordo com
a analogia referida - poderia explicar o resultado do cálculo
de Rutherford c a ausência de equipartição da energia cinética:
dois electrões que se chocam, quer estejam livres ou ligados,
estarão em estados mecânicos, tanto depois como antes do
choque. Evidentemente, a introdução desta hipótese não faria
qualquer alteração necessária ao tratamento clássico de uma
colisão entre duas parúculas livres. Mas considerando o choque
entre um electrão livre e um electrão ligado, concluir-se-ia que
o electrão ligado não poderia adquirir pela colisão uma quan-
tidade de energia menor do que a diferença de energia corres-
pondente a estados estacionários sucessivos e, consequente-
mente, que o electrão livre que colide com ele não poderia
perder uma quantidade menor do que essa.
O carácter preliminar e hipotético das considerações ante-
riores não precisa de ser sublinhado. No entanto, a nossa inten-
ção foi mostrar que a generalização da teoria dos estados esta-
cionários esboçada fornecerá possivelmente uma base simples
de representação de bastantes factos experimentais que não po-
dem ser explicados por meio da electrodinâmica ordinária, e
que as hipóteses utilizadas não parecem ser inconsistentes com
as experiências de fenómenos para os quais não foi dada expli-
cação satisfatória pela dinâmica clássica e pela teoria ondula-
tória da luz.

[ 121 ]
§ 5. O Estado Permanente de um Sistema Atómico
Voltaremos agora ao objecto principal desta memória-
a discussão do estado «permanente» de um sistema constituído
por núcleos e electrões ligados. Para um sistema formado por
um núcleo e por um electrão girando à sua volta, este estado
é determinado, segundo o que se tem dito, pela condição de
h
ser igual a - o momento angular do electrão em tomo do
2;r
núcleo.
A luz da teoria exposta nesta memorua, o único átomo
neutro que contém um só electrão é o átomo de hidrogénio.
O estado permanente deste átomo corresponderia aos valores
de a e w calculados na pág. 101. Contudo, infelizmente
sabemos muito pouco acerca do comportamento dos átomos
de hidrogénio devido à fraca dissociação das moléculas de
hidrogénio às temperaturas ordinárias. Para se conseguir uma
comparação mais próxima com as experiências é necessário
considerar sistemas mais complicados.
Considerando sistemas nos quais estão ligados a um núcleo
positivo electrões em maior número, a configuração destes elec-
trões . que se apresenta como um estado permanente será a
configuração em que os electrões estão dispostos sobre um
anel em tomo do núcleo. Na discussão deste problema baseada
na electrodinâmica usual, deparam-se - mesmo pondo de parte
a radiação de energlia - novas dificuldades devidas à questão
da estabilidade do anel. Abstraindo por um momento desta
última dificuldade, considerare:mos cm primeiro lugar as
dimensões e a frequência dos sistemas em relação com a teo-
ria de Planck da radiação.
Consideremos um anel formado por n electrões rodando
em tomo de um núcleo de carga E, estando os electrões dis-

[ 122]
postos em intçivalos angulares iguais ao longo da arcun-
ferência de raio a.
A energia potencial total do sistema formado pelos elec-
trões e pelo núcleo é

ne
P =- - (E - es,.),
a

onde
1 s=n-1 S7T
s,. =- ~ cosec - .
4 s=l n
Para a força radial exercida sobre um electrão pelo núcleo
e pelos outros electrões obtém-se a expressão

1 dP e
F =- - - =- - (E - esn) •
n da a2

Representando a energia cinética de um electrão por T e


desprezando as forças electromagnéticas devidas ao movimento
dos electrões (ver Parte II), obtemos, fazendo a força centrí-
fuga do electrão igual à força radial

2T e
- = - 2 (E - esn),
a a

ou
e
T = - (E - esn) .
2a

Desta fórmula conclui-se que a frequência de revolução é

w= _1_ V e(E- esn)


211 ma 8

[ 123 1
A quantidade total de encr~ia, W, que é necessário fornecer
ao sistema para afastar os electrões para distâncias infinitas do
núcleo e uns dos outros é

ne
W =- P -nT = - ( E - esn) = nT,
2a

igual à energia cinética total dos electrões.


Vê-se que a única ruferença entre esta fórmula e as que
se verificam para o movimento de um só electrão numa
órbita circular em tomo do núcleo é a substituição de E
por E - esn. Vê-se também imediatamente que, correspon-
dendo ao movimento de um electrão numa órbita elíptica em
tomo de um núcleo, haverá um movimento dos n electrões
no qual cada um gira em órbita elíptica com o núcleo no foco,
e que os n electrões em qualquer momento estão distribuídos
em intervalos angulares iguais sobre uma circunferência, tendo
o núcleo como centro. O eixo maior e a frequência da órbita
dos el.ectrões isolados serão dados, para este movimento, pelas
expressões ( 1) da pág. 98 se substituirmos E por E- esn e W
w
por - • Suponhamos agora que o sistema de n electrões mo-
n
vendo-se sobre um anel em volta do núcleo é constituído de
maneira análoga à assumida por um só electrão girando em
tomo de um núcleo. Supor-se-á, deste modo, que os electrões,
antes de captados pelo núcleo, estavam a grande distância dele
e não possuíam velocidades sensíveis, e também que, durante
a ligação, é emitida uma radiação homogénea. Como no caso
de um só electrão, temos aqui que a quantidade total de
energia emitida durante a formação do sistema é igual à
energia cinética final dos electrões. Se supusermos agora que
durante a formação do sistema os electrões em qualquer
momento estão situados em intervalos angulares iguais sobre

[ 1241
urna circunferência em cujo centro está o núcleo, somos leva-'
dos por analogia com as considerações da pág. 100, a admitir
a existência de urna série de configurações estacionárias · nas
(I)

quais a energia cinética por electrão é igual a Th-, sendo


2
T um número inteiro, h a constante de Planck, e w a fre-

quência de revolução. A configuração em que é emritida a


maior quantidade de energia é, como antes, aquela em que
T = 1. Admitiremos que esta configuração será o estado per-

manente do sistema se os electrões neste estado estiverem


dispostos sobre um só anel. Como para o caso do electrão
isolado, temos que o momento angular de cada um dos elec-
lz
trões é igual a - . Poder-se-ia objectar que, em vez de consi-
27r
derarmos os electrões isolados,' poderíamos ter tomado o anel
como urna entidade. Contudo, este modo. de ver conduziria
ao mesmo resultado, pois que, neste caso, a frequência de revo-
lução w seria substituída pela frequência nw da radiação do
anel todo calculada a partir da electrodinâmica usual, e T
pela energia cinética total nT.
Pode haver muitos outros estados estacionários correspon-
dentes e outras maneiras de formar o sistema. A hipótese da
existêncía de tais estados parece necessária para explticar os
espectros de riscas de sistemas que contêm mais do que um
electrão (pág. 109); a hipótese é também sugerida pela Teoria
de Nicholson mencionada na pág. 102, à qual voltaremos
daqui a pouco. No entanto, na medida em que posso ter um
vislumbre, a consideração dos espectros não dá qualquer indi-
cação da existência de estados estacionários nos quais todos os
electrões estejam dispostos sobre um anel e que correspondam
a valores para a energia total emitida maiores do que aquele
que acima admitimos ser o estado permanente.

[ 125 ]
Além disso, pode haver configurações estacionárias de um
sistema de 1z electrões c de um núcleo de carga E nas quais os
electrões não estejam distribuídos ao longo de um só anel. No
entanto, a questão da elist~ ncia dessas configurações estacio-
nárias não é essencial para a nossa determinação do estado
permanente, desde que admitamos que os electrões neste
estado do sistema estão dispostos num só anel. Na pág. 128
serão discutidos sistemas correspondentes a configurações mais
complicadas.
w
Utilizando a relação T = h- e por intermédio das expres-
2
sões de T e w acima dadas, obtemos para a e w os valores
correspondentes ao estado permanente do sistema que só dife-
rem dos dados pelas equações (3) da pág. 100 por substitui-
ção de E por E - esu.
A questão da estabilidade de um anel de electrões girando
em torno de uma carga positiva é discutida com grande por-
menor por Sir J. J. Thomson*. Nicholson + fez uma adapta-
ção da análise de Thomson para o caso aqui considerado de
um anel em rotação em torno de um núcleo de dimensões
Lineares desprezàvelmente pequenas. A investigação do pro-
blema em questão divide-se naturalmente em duas partes:
uma respeitante à estabilidade para deslocamentos dos elec-
trões no plano do anel; a outra relativa a deslocamentos per-
pendiculares a este plano. Como mostram os cálculos de
Nicholson, a resposta à questão da estabilidade difere muitís-
simo nos dois casos em questão. Enquanto para os últimos
deslocamentos é em geral estável se o número de electrões não

* Loc. cit.
+ Loc. cit.

[ 126]
for grande, o anel não é estável cm nenhum caso conside-
rado por Nicholson para deslocamentos da primeira espécie.
No entanto, sob o ponto de vista adoptado neste trabalho,
a qucstio da e~tabilidade dos deslocamentos dos electrões no
pbno do anel está intimamente relacionada com a questão do
mecanismo da ligação dos electrões, e, como esta última, não
pode ser tratada com fundamento na dinâmica usual. A hipó-
tese que utilizamos no que segue consiste em admitir que a
estabilidade de um anel de electrões girando em torno do
núcleo é assegurada pela condição antes postulada da cons-
tância universal do momento angular, acrescida da condição
segundo a qual a configuração tomada pelas partículas é
aquela cm cuja formação é libertada a quantidade de energia
máxima. Como se demonstrará, no que respeita ao problema
da estabilidade para um deslocamento dos electrões perpen-
dicularmente ao plano do aneí, esta hipótese é equivalente à
utilizada nos cálculos da mecânica habitual.
Voltando à teoria de Ncicholson sobre a origem dar; riscas
observadas no espectro da coroa solar, veremos agora que as
dificuldades mencionadas na pág. 103 só podem ser formais.
Em primeiro lugar, sob o ponto de vista acima considerado,
a objecção quanto à instabilidade para deslocamentos dos
electrões no plano do anel pode não ser válida. Além disso, a
objecção quanto à emissão da radiação em quanta não fará
referência aos cálculos em causa, se admií:innos que no
espectro da coroa não se trata de uma verdadeira emissão mas
tão-só de uma dispersão de radiação. Esta hipótese parece pro-
vável se considerarmos as condições que reinam no corpo
celeste em causa; com efeito, devüdo à enorme rarefacção da
matéria os choques são poucos para poderem perturbar os esta-
dos estacionários e para provocarem uma autêntica emissão de
luz correspondente à transição entre diferentes estados estado-
nários; por outro lado, haverá na coroa solar intensa iluminação

[ 127]
por luz de todas as frequências que podem excitar as vibra-
ções naturais dos sistemas nos diferentes estados estacionários.
Se a hipótese anterior for exacta, compreendemos imediata-
mente a forma inteiramente diferente das leis que relacionam
as riscas discutlidas por Nicholson e das que relacionam os
espectros de riscas ordinárias considerados nesta memória.
Continuando a considerar sistemas de constituição mais
complicada, utilizaremos o seguinte teorema simplicissima-
mente demonstrável: -
cEm qualquer sistema formado por electrões e núcleos
positivos, no qual os núcleos estão em repouso e os electrões
se movem em órbitas circulares com velocidade pequena em
comparação com a velocidade da luz, a energia cinética será
numericamente igual a metade da energia potenciaL»
Por intermédio deste teorema - como nos casos previa-
mente estudados de um só electrão ou de um anel girando em
tomo de um núcleo - concluímos que a quantidade total de
energia emitida na formação dos sistemas a partir de uma con-
fdguração em que as distâncias entre as particulas são infinita-
mente grandes e na qual as partículas têm velocidades nulas
umas em relação às outras é igual à energia cinética dos elec-
trões na configuração final.
Anàlogamente ao caso de um só anel, somos aqui levados
a admitir que, correspondendo a qualquer configuração de
equilíbrio, existirá uma série de configurações estacionárias do
sistema, geometricamente semelhantes, nas quais a energia
cinética de cada electrão é igual à frequência de revolução
T
multiplicada por - h, sendo T um número inteiro e h a cons-
2
tante de Planck. Em qualquer dessas séries de configurações
estáveis, a que corresponde à quantidade máxima de energia
emitida Será aquela em que T, para quaquer electrão, é igual
a 1. Considerando que a razão entre a energia cinética e a

[ 128 J
frequência para uma panícula que gira numa órbita circular
é igual a 71" vezes o momento angular em tomo do centro
da órbita, somos portanto levados à seguinte generalização
simples das hipóteses mencionadas nas págs. 115 e 125.
«Em qualquer sistema molecular formado por núcleos posi-
tivos e electrões no qual os núcleos estão em repouso uns rela-
tivameute aos outros, e no qual os electrões se movem em
órbitas circulares, o momento angular de cada electrão em
torno do centro da sua órbita será, no estado permanente do
h
sistema, igual a - , sendo h a constante de Planck*».
27.
Por analogia com as consideraçôes feitas na pág. 127,
suporemos que uma configuração que satisfaz a esta condição
será estável se a energia total do sistema for menor do que
em qualquer configuração vizii:lha que satisfaça a mesma
condição do momento angular dos electrões.
Como se disse na introdução, esta hipótese será utilizada,
numa comunicação que se há-de seguir, como base de uma
teoria da constituição de átomos e moléculas. Mostrar-se-á
que essa teoria conduz a resultados que parecem estar em
conformidade com os resultados experimentais de vários fenó-
menos diferentes.
O fundamento da hipótese foi procurado inteiramente na
sua relação com a teoria de Planck da radiação; com o auxí-
lio de outras considerações tentar-se-á lançar mais alguma luz
acerca do fundamento dela sob outro ponto de vista.

5 de Abril de 1913 .

.*- Nas considerações que levam a esta hipótese supusemos


qu_e a velOcidade dos electrões é pequena em comparação oom a velo-
cidade_da .luz. Os limites da validade deste pressuposto serão discuti-
dos na Parte II.

[ 129]
Do PHILOSOPHICAL MAGAZINE de S etembro de 1913

A CONSTITUIÇÃO DE ATOMOS E MOLÉCULAS


Sobre a Constituição de Átomos e Moléculas

Pelo DR. N. BoHR, DR. PHIL. Copenhague*

PARTE II- SISTEMAS QUE CoNJ"ÊM UM SÓ NúcLEo+

§ 1. Pressupostos Gerais

Seguindo a teoria de Rutherford, supomos que os átomos


dos elementos são formados por um núcleo carregado positi-
vamente rodeado por um enxame de electrões. No núcleo
está concentrada a pane essencial da massa do átomo, sendo
as suas dimensões lineares extremamente pequenas em com-
paração com as distâncias entre os electrõesc que o rodeiam.
Como na memória anterior, admitliremos que o enxame de
electrões se forma por captação sucessiva, pelo núcleo, dos
electrões inicialmente quase em repouso, ao mesmo tempo que
se dá radiação de energia. Este processo continuará até que
(quando a carga negativa total dos electrões for numerica-
mente igual à carga positiva do núcleo) o sistema fique neu-
tro e não possa exercer forças sensíveis sobres electrões situa-
dos a distâncias do núcleo que sejam grandes em comparação
com as dimensões das órbitas dos electrões ligados. Podemos
encarar a formação de hélio a partir dos raios a como exemplo
observável de um processo desta espécie; nesta concepção a
panícula a será idêntica ao núcleo do átomo de hélio.
Devido às pequenas dimensões do núcleo, a sua estrutura
interna não, terá influência sensível sobre a constituição da

* Comunicado pelo Prof. E. Rutherford, F.R.S.


+ A Parte I foi publicada no Phil. Mag. XXVI, pág. 1 ( 1913).

[ 133]
nuvem de electrões e, consequentemente, não terá qualquer
efeito sobre as propriedades físicas e químicas ordinárias do
átomo. Estas últimas propriedades, segundo a teoria, depen-
derão inteiramente da carga total e da massa do núcleo; a
estrutura interna do núcleo só terá influência nos fenómenos
de radioactividade.
A partir do resultado das experiências sobre os grandes
ângulos de dispersão dos raios a, Rutherford* determinou,
para carga eléctrica do núcleo, um valor correspondente por
átomo a um número de electrões aproximadamente igual a
metade do peso atómico. Este resultado parece concordar com
o número de electrões por átomo, calculado pelas experiências
de dispersão realizadas com raios de Rõntgen **. Todos os
dados experimentais são favoráveis à hipótese*** de que o
número real de electrões. existentes num átomo neutro, com
algumas excepções, é igual ao número que indica a posição
do elemento correspondente na série dos elementos dispostos
em ordem crescente dos pesos atómicos. Como exemplo desta
maneira de ver, temos o átomo de oxigénio que, senão o
oitavo elemento da série, tem oito electrões e um núcleo con-
tendo oito cargas unitárias.
Postularemos que os electrões estão dispostos em inter-
valos angulares iguais, rodando sobre anéis coaxiais em tomo
do núcleo. Com o fim de determinar a frequência e dimen-
sões dos anéis empregaremos a hipótese principal do primeiro
artigo, ou seja: que, no estado permanente de um átomo, o
momento angular de cada electrão em tomo do centro da sua

• Comp. também Geiger e Marsden, Phill. Mag. XXV. pág.


604 (1913) .
**. Comp. C. G . Barkla, Phil. Mag. XXI. pág. 648 (1911).
••• Comp. A. v. d. Brock, Phys. Zeitschr. XIV. pág. 32
( 1913 ).

r 134 1
h
órbita é igual ao valor universal - , sendo h a constante de
271" .
Planck. Tomaremos como condição de estabilidade que a
energia total do sistema, na configuração em questão, seja
menor do que cm qualquer configuração vizinha que satisfaça
a mesma condição do momento angular dos electrões.
Se a carga do núcleo e o número de electrões existentes
nos diferentes anéis for conhecida, a condição relativa ao
momento angular dos electrões determinará completamente
a configuração .do sistema como se mostrará no § 2, isto é>
a frequência de revolução e as dimensões lineares dos anéis.
No entanto, em geral, correspondendo a diferentes distribui-
ções dos electrões nos anéis, haverá mais do que uma configu-
ração que satisfará a condição do momento angular jüntamente
com a condição de estabilidade.
Nos parágrafos 3 e 4 demonstrar-se-á que, sobre a con-
cepção geral da formação dos átomos, somos levados a indica-
ções da disposição dos electrões nos anéis coerentes com as
sugeridas pelas propriedades químicas do elemento corres-
pondente.
No § 5 demonstrar-se-á que é possível, a partJir da teoria>
calcular a velocidade mínima dos raios catódicos necessária
para .produzir a radiação de Rõntgen característica do ele-
mento, e que esta concorda aproximadamente com os valores
experimentais.
No § 6 serão considerados sumàriamente os fenómenos
de radioactividade em relação com a teoria.

§ 2. Configuração e Estabilidade dos Sistemas ·

Consideremos um electrão de carga e e massa m, móvel


sobre uma órbita circular de raio a com velocidade t? pequena
em comparação com a velocidade da luz. Representemos a

[ 135]
ez
força radial que actua sobre os electrões por - 2 F, sendo F,
. a
em geral, dependente de a. A condição de equilíbrio dinâ-
mico dá

Fazendo intervir a condição de constância universal do


momento angular do electrão, temos

h
mva = - - .
27T
A partir destas duas condições obteremos agora

e, consequentemente, para a frequência de revolução (r)

(2)

Se F for conhecido, as dimensões e a frequência da órbita


correspondente serão determinadas simplesmente por ( 1) e
( 2). Para um anel de n .electrões rodando em torno de um
núcleo de cargo Ne temos ( cf. Parte I, pág. 122)

1 s=n-1 S7T
F = N - s,., em que s,. = - ~
cosec - - .
4 s=I n
Os valores de s,., de n= 1 a n = 16, serão dados na tabela
da pág. 141.
Para sistemas formados por núcleos e electrões em que os
primeiros estão em repouso e os últimos se movem em órbi-

[ 1361
tas circulares com velocidade pequena em comparação com
a velocidade da luz, demonstrámos (ver Parte I, pág. 128)
que a energia cinética total dos electrões é igual à quantidade
total de energia emitida durante a formação do sistema a par-
tir de uma configuração primitiva na qual as partículas estão
todas em repouso e a distâncias infinitas umas das outras.
Representando esta quantidade de energia por W, obteremos
consequentemente

(3).

e
Fazendo em (1), (2) e (3), e=4,7Xlo-10, - =5,31XlQ1 7
m
e h=6,5Xlo-27, obtemos

e
a=0,55Xlo-8 F-1, v=2,1Xl08 F, .~6,2XIO"F' I (4)

Ao desprezai-mos as forças magnéticas devidas ao movi-


mento dos electrões, supusemos, na Parte I, que as veloci-
dades das partículas são pequenas quando comparadas com a
velocidade da luz. Os cálculos anteriores mostram que F deve
ser pequeno em relação a 150 para que isto se verifique. Como
veremos, esta última condição será satisfeita para todos os
electrões dos átomos de baixo peso atómico e para a maior
parte dos electrões contidos nos átomos de outros elementos.
Se a velocidade dos electrões não for pequena relativa-
mente à velocidade da luz, a constância do momento angu-
lar deixa de implicar uma relação constante entre a energia
e a frequência de revolução. Sem a introdução de novas hipó-
teses, é portanto impossível determinar neste caso a configu-
ração dos sistemas com base nas considerações feitas na

[ 1371
Parte I. Todavia, forneceremos mais .tàrde argwnentos que su-
gerem que a cons~cia do momento angular é a condição prin-
cipal. Aplicando esta condição ao caso de velocidades não
pequenas relativamente à velocidade da luz, obtemos para "
uma expressão igual à dada por ( 1), enquanto a quantidade
m
m das expressões de a e é substituída por
(I) , e na
V 1 - v 2 fc 2
expressão de W por

Como se afirmou na Parte I, o cálculo baseado na mecâ-


. nica usual dá como resultado que um anel de electrões rodando
em tomo de um núcleo positivo é em geral instávei para des- .
locamentos dos electrões no plano do anel. A fim de escapar-
mos a esta dificuldade, supusemos que os princípios ordiná-
rios da mecânica não têm aplicação na discussão do problema
em causa, assim como na discussão do problema conexo do
·mecanismo da ligação de electrões. Postulámos também que
a estabilidade desses deslocamentos é assegurada pela intro-
dução da hipótese da constância universal do momento angu-
lar dos electrões.
Çomo se demonstra fàcilmente, este último postulado está
incluído na condição de estabilidade referida no § 1. Conside-
remos um anel de electrões rodando em volta de um núcleo
e suponhamos que o sistema está em equilibrio dinâmico e que
o seu raio é a0 , a velocidade dos electrões v 0 , a energia cinética
total To e a energia potencial P 0 • Como se viu na Parte I
(pág. 123) temos Po =- 2To. Consideremos em seguida uma
confliguração do sistema na qual os electrões, sob a influência
de forças estranhas, rodam com o mesmo momento angular
em tomo do núcleo numa órbita de raio a = aa0 • Neste caso

[ 138 ]
1
temos P = - P o, e, devido à uniformidade do momento
a
1 1
angular, v =- v0 e T = -- T 0• Empregando a relação
a a2
P o = - 2To, obteremos

2
1 Po +-To
P + T =- 1 = Po + To + To ( 1 - - 1 ) .
2
a a a

Vê-se que a energia total da nova configuração é maior do que


antes. Consequentemente, segundo a condição de estabilidade
do § 1, o sistema é estável para o deslocamento considerado.
Em relação com isto, dev~ notar-se que na Parte I supusemos
que a frequência da radiação emitida ou absorvida pelos sis-
temas não pode ser determinada a partir das frequências de
vibração dos electrões no plano das órbitas, calculadas por
intermédio da mecânica usual. Postulámos, ao contrário, que
a frequência da radiação é determinada pela condição hv = E,
sendo ,, a frequência, h a constante de Planck e E a diferença
das energias correspondentes a dois diferentes estados «estacio-
nários» do sistema.
Considerando a estabilidade de um anel de electrões
girando em torno de um núcleo para deslocamentos dos elec-
trões perpendiculares ao plano desse anel, imaginemos uma
configuração do sistema na qual os electrões são deslocados
de 8z1, 8z2, ... , 8z11 respectivamente, e suponhamos que os elec-
trões, sob a influência de forças estranhas, giram em órbitas
circulares, paralelas ao plano inicial, com os mesmos raios
e iguais momentos angulares em torno do eixo do sistep1a,
como antes. A energia cinétlica não é alterada pelo desloca-
mento e, desprezando as potências das quantidades 8z1, 8z2, ... ,

[ 139]
8z,. de expoente superior a dois, o aúmento da energia poten-
cial do sistema será dado por

1 e2
-N~(8z) 2 - --~~
1 e
2
Icosec 1 1r(r - s) I(8z - 8z ) 2
2 a' 32 a' n ,. ' '

sendo a o raio do anel, N e a carga do núcleo e n o número


de electrões. Segundo a condição de estabilidade do § 1, o
sistema será estável relativamente aos deslocamentos conside-
rados se a expressão anterior for positiva para valores arbi-
trários de 8zu 8z2, ••• , 8z,.. Por um cálculo simples é possível
demonstrar que a última condição é equivalente à condição

N > p,., o - p,., ,,., (5)


em que m representa o número inteiro (menor do que n) para
o qual

1 s=n-l S7r S7r


p,.," = - ~ cos2k- cosec8 -
8 s=l n n
tem o valor mínimo. Esta condição é idêntica à condição de
estabilidade para deslocamentos dos electrões perpendiculares
ao plano do anel, deduzida recorrendo a considerações da
mecânica usual*.
Obtém-se uma ilustração sugestiva imaginando que os
deslocamentos. considerados são produzidos pelo efeito de for-
ças exteriores actuando sobre os electrões numa direcção para-
lela ao eixo do anel. Se os deslocamentos forem produzidos
com velocidade infinitamente pequena, o movimento dos elec-
trões será em qualquer momento paralelo ao plano inicial do
anel, e o momento angular de cada um dos electrões em tomo

* Cf. J. W. Nicholson, Month. Not. Roy. Astr. Soe. 72.


pág. 52 (1912) .

. [140]
do centro da sua órbita será obviamente igual ao seu valor
primitivo; o aumento da energia potencial do sistema será
igual ao trabalho realizado pelas forças exteriores durante os
deslocamentos. Como consequência destas considerações somos
levados a supor que a mecânica usual pode ser utilizada no
cálculo das vibrações dos electrões perpendiculares ao plano
do anel- contràriamente ao caso de vúbrações no plano do
anel. Esta hipótese é confirmada pela concordância com as
observações obtida por Nicholson na sua teoria sobre a origem
das riscas dos espectros da coroa solar e das nebulosas este-
lares (ver Parte I, págs. 102 e 127). Além disso, demonstrar-
-se-á mais tarde que a hipótese parece estar de acordo com
as experiências de dispersão.
A tabela seguinte fornece os valores de s,. e de p,., 0 - p,.,,.
desde n = 1 a n = 16.
n, s,., p,., o-p,., m n, s,., p,., o-p,., ,.
1 . .... .. . ... o o 9 .... ... ... 3,328 13,14
2 . . ....... .. 0,25 0,25 10 .... ····· · 3,863 18,13
3 . ...... .. .. 0,511 0,58 11 .. ........ 4,416 23,60
4 . .. ..... .. . 0,957 1,41 12 .. ... ... .. 4,984 30,80
5 ..... ..... . 1,377 2,43 13 .... . .. ... 5,565 38,57
6 ... ..... .. . 1,828 4,25 14 ......... ., 6,159 48,38
7 . .... .... .. 2,305 6,35 .
15 . . . . . . . . . 6,764 58,83
8 ...... .... . 2,805 9,56 16 .. ........ 7,379 11,65

Vê-se por esta tabela que o número de electrões que podem


girar num só anel em volta de um núcleo de carga N e aumenta
só muito lentamente quando N é crescente; para N = 20 o
valor máximo é n = 10; para N = 40, n = 13; para N = 60,
=
n 15. Vê-se, além disso, que um anel de n electrões não
pode girar num só anel em tomo de um núcleo de carga ne a
não ser quando n < 8.
Até agora supusemos que os electrões se movem sob a
influência de uma força radial estacionária e que as suas

[ 141]
órbitas ·são exactamente circulares. Ã primeira condição nio
será satisfeita se considerarmos um sistema contendo vários
anéis de electrões que girem com diferentes frequências.
No entanto, se a distância entre os anéis nio for pequena em
comparação com os seus raios, e se a razão entre as suas fre-
quências nio for próxima da unidade, as órbitas serão muito
pouco difqentes de órbitas circulares e o movimento dos elec-
trões pode com boa aproximação ser considerado idêntico ao
obtido pressupondo que a carga dos electrões está uniforme-
mente distribuída ao longo da circunferência dos anéis. Se a
razão entre os raios dos anéis não for próxima da unidade,
as condições de estabilidade obtidas nesta hipótese devem
também ser consideradas como suficientes.
·Admitimos no § 1 que os electrões giram nos átomos em
anéis coaxiais. O cálculo indica que só no caso de sistemas
contendo um grande número de electrões, os planos dos anéis
se separam; no caso de sistemas contendo um número mode-
rado de electrões, os anéis estarão todos situados num só plano
que passa pelo núcleo. Para não nos alongarmos, considerare-
mos apenas o último caso.
Suponhamos uma carga eléctrica E uniformemente distri-
buída ao longo de uma circunferência de raio a.
Num ponto à distância z do plano do anel, e à distância r
do seu eixo, o potencial electrostático é dado por

U = - .!_ E (" _ _ _ _ _d{}_ _ _ __


-rr J 0 ~1(a 2 + r + z2 -
2
2ar cos 6)
r
Fazendo nesta expressão z =O e - = tg2 a, e empre-
a
gando a notação ·
"
K(a) = !o"i v' (1 -~~a cos D) 2 '

[ 142]
obteremos para a força radial exercida sobre um electrão num
ponto do plano do anel
au
e·--
Ee
= -Q(a),
ar 2
r
onde
2
Q(a) = -sin•a (K(2a)- cotaK'(2a)).
71'

A força correspondente perpendicular ao plano do anel à


distância r do seu centro e a pequena distância Sz do seu plano
é dada -por
JU Ee8z
e z = - - R(a),
a r
sendo
2 .
R(a) = -sm8a(K(2a) + tg(2a)K'(2a)).
71'

Na pág. 145 dá-se uma breve tábua das funções Q(a) e R(a).
Consideremos a seguir um sistema constituído por uma
quantidade de anéis concêntricos de electrões que giram no
mesmo plano em tomo de um núcleo de carga Ne. Sejam al)
~, .... , os raios dos anéis e n1, n2 . . . • os números de elec-
trões nesses diferentes anéis.
~ ~
Fazendo- = tg2 (am), obteremos o valor- Fr para
a, art
a força radial que actua sobre um dos electrões do anel de
ordem r, sendo
Fr = N- s,. -l;n,Q(am);
a soma deve estender-se a todos os anéis excepto o que está
a ser considerado.
Se soubermos qual a distribuição dos electrões nos dife-
rentes anéis, poderemos determinar au a 2, • • • • , a partir des-
tes conhecimentos e da relação (1), da pág. 136. É possível
efectuar o cálculo por aproximações sucessivas, partindo de

[ 143]
um conjunto de valores para os aa; e destes calcular os F, e
em seguida tomar a determinar os aa pela relação ( 1) que dá
Fa a,
- = - = tg2 (a,.), e assim sucessivamente.
F, a.
Como no caso de um anel isolado, supõe-se que os siste-
mas são estáveis para deslocamentos dos electrões no plano
das suas órbitas. Num cálculo como o da pág. 139, a interacção
dos anéis deveria rigorosamente ser tomada em conta. Esta
interacção imp!kará que as quantidades F não são constantes,
como para um anel isolado rodando em volta de um núcleo,
devendo variar com os raios dos anéis; todavia, a variação
em F, se a razão entre os raios dos anéis não for muito pró-
xima da unidade, será demasiadamente pequena para influen-
ciar o resultado do cálculo.
Considerando a estabilidade dos sistemas para desloca-
mentos dos electrões perpendiculares ao plano dos anéis, é
necessário distinguir entre os deslocamentos para os quais os
centros de gravidade dos electrões nos anéis isolados não se
alteram, e os deslocamentos nos quais todos os electrões per-
tencentes ao mesmo anel são deslocados na mesma direcção.
A condição de estabilâdade para a primeira espécie de deslo-
camentos é dada pela condição ( 5) da pág. 140, se para cada
anel substituirmos N por uma quantidade G, determinada pela
é .
condição de que- G, 8z seja igual à componente, perpen-
a,s
dicular ao plano do anel, da força - devida ao núcleo e aos
electrões dos outros anéis - que actua sobre um dos electrões
se ele tiver recebido um pequeno deslocamento 8z. Empre-
gando a notação anterior, obtemos
G, = N- l:n.R(a,.).
Se os electrões de um dos anéis se deslocarem todos na
mesma direcção por acção de forças exteriores, o desloca-

[ 144]
mento produzirá deslocamentos correspondentes dos electrões
nos outros anéis; esta interacção terá influência sobre a esta-
bilidade. Como exemplo, consideremos um sistema de m anéis
concêntricos girando num plano em tomo de um núcleo de
carga N e e suponhamos que os electrões existentes nos diferen-
tes anéis se deslocam perpendicularmente ao plano de 8z1 ,
8z2, .... , Bz,., respectivamente. Com a notação anterior o
aumento da energia potencial do sistema é dado por
1 e2 1 e2
- N~n.- (8z,) 2 - :-:~~n,.n, -R(am)(Bz,- 8z,) 2 •
2 a,.8 4 a,3
A condição de estabilidade é que esta expressão seja positiva
para valores arbitrários de 8z 1, • • •• , Bz,.. Esta condição pode
ser tratada simplesmente da maneira habitual. Não tem in-
fluência sensível em comparação com a condição de estabili-
dade para os deslocamentos acima considerados, excepto em
casos em que o sistema contém vários anéis com poucos elec-
trões.
O quadro seguinte, contendo os valores de Q(a) e R(a)
de 5 em 5 graus desde a= 200 a a= 700, dá uma estima-
tiva da ordem de grandeza destas funções: -

a. tg'a. Q(a). R(a).

20 .. .... . .... . 0,132 0,001 0,002


25 ... .. .. ..... 0,217 0,005 0,011
30 ........ ... . 0,333 0,021 0,048
35 . .. . . .... ... 0,490 0,080 0,217
40 .. ....... ... 0,704 0,373 1,549
45 ...... . ... .. 1,000 ....... ......
50 ... . .... .. .. 1,420 1,708 4,438
ss ........ .... 2,040 1,233 1,839
60 ·· ···· · ··· ·· 3,000 1,093 1,301
65 ............ 4,599 1,037 1,115
70 . ... .... .. .. 7,548 1,013 1,041

[ 145]
tO
tg2a indica a razão entre os raios dos ~éis ( tg2( am) .= :: ) ·
Os valores de Q (a) m~stram que, a não ser que a razão dos
raios dos anéis seja aproximadamente igual à unidade, o efeito
dos anéis exteriores sobre as dimensões dos anéis interiores é
muito pequeno, e que o efeito correspondente dos anéis inte-
riores sobre os exteriores é neutralizar aproximadamente o
efeito de uma parte da carga do núcleo .correspondente ao
número de electrões do anel. Os valores de R(a) mostram
que o efeito dos anéis exteriores sobre a estabilidade dos inte-
riores- embora maior do que o efeito sobre as dimensões- é
pequeno, mas que, a não ser que a razão entre os raios seja
· muito grande, o efeito dos anéis interiores sobre a estabilidade
dos exteriores é consideràvelinente maior do que a simples .
neutralização de uma parte correspondente da carga do núcleo.
{) número máximo de electrões que o anel mais interior
pode conter sem ser instável é aproximadamente igual ao cal-
culado na pág. 141 para um só anel rodando em volta de um
núcleo. Contudo, p~ os anéis exterior~ obteremos números
consideràvelmente menores do que os determinados pela con-
dição (5) se substituirmos Ne pela carga total do núcleo
e dos eleCtrões dos anéis interiores.
Se um sistema de anéis girando em tomo do núcleo num
só plano for estável para pequenos deslocamentos dos electrões
penpendicularmente a este plano, não haverá em geral confi-
gurações estáveis dos anéis, satisfazendo a condição da cons-
tância do momento angular dos electrões, para as quais os
anéis não estejam todos situados no plano. Verifica-se uma
excepção no caso especial de dois anéis que contenham iguais
números de electrões; neste caso deve haver uma configuração
estável na q\lal os dois anéis terão raios iguais e giram em
planos paralelos a distâncias iguais do núcleo, estando os elec-
trões de um dos anéis situados precisamente em frente dos

[ 146]
intervalos compreendidos entre os electrões do outro anel.
Todavia, esta última configuração será instável se for estável
a configuração na qual os electrões dos dois anéis se dispõem
todos num só anel.

§ 3. Constituição de átomos contendo muito poucos electrões

Como se afirmou no § 1, a condição da constância uni-


versal do momento angular dos electrões, juntamente com a
condição de estabilidade, não é, na maior parte dos casos,
suficiente para determinar completamente a constituição do
sistema. No entanto, atendendo à concepção geral de formação
dos átomos e utilizando o conhecimento das propriedades dos
elementos correspondentes, tentar-se-á obter, neste parágrafo
e no seguinte, indicações sobre as configurações dos electrões
cuja existência nos átomos será de prever. Nestas considerações
suporemos que o número de electrões existentes no átomo é
igual ao número indicativo da posição do elemento corres-
pondente na série de elementos dispostos por ordem crescente
dos pesos atómicos. Admitir-se-á que apenas haverá excepções
a esta regra nos lugares da série em que se observam desvios
em relação à lei de variação periódica das propriedades quími-
cas dos elementos. Para mostrarmos claramente os princípios
utilizados consideraremos em primeiro lugar com algum por-
menor os átomos que contêm muito poucos electrões.
Para sermos breves representaremos pelo símbolo N ( n 1,
n2, .•• . ) um sistema plano de anéis de electrões rodando à
volta de um núcleo de carga Ne, satisfazendo a condição do
momento angular dos-electrões com a aproximação empregada
no § 2. nu n 2 , •••• são os números de electrões existentes nos
anéis, começando pela parte de dentro. Os raios e as frequên-
cias dos anéis tomados pela mesma ordem serão representados

[ 147]
por au ~ •. . . c w 1 , w"' ... A quantidade total de energia, W,
emitida pela formação do sistema será simplesmente reptesen'-
tada por W[N(nt, nz, ... )].

N=l. Hidrogénio

Na Parte I considerámos a ligação de um electrão por um


núcleo positivo de carga e e demonstrámos que é possível
compreender o espectro de Balmer do hidrogénio supondo a
existência de uma série de estados estacionários nos quais o
momento angular do electrão em tomo do núcleo é igual a
h
múltiplos do valor - , sendo h a constante de Planck. A fór-
271"
mula encontrada para as frequências do espectro foi

na qual r 1 e r 2 são números inteiros. Substituindo os valores


de e, m e h utilizados na pág. 137, obtemos para o factor que
antecede o parêntesis o valor 3,1 X 1015 *; o valor observado
da constante no espectro de Balmer é 3,290 X 10u.

• Este valor é o calculado na pr.imeira parte da memória. Em-


pregando 06 valores e= 4,78 X IO-'" (ver R. A. Millikan, Brit.
e
Assoe. Rep. 1912, pág. 410),- = 5,31 X10" (ver P. Gmelin, Ann.
m
d. Phy. 1912, pág. 1086 ( 1909) e A. H. Bucherer, Ann. d. Phys.
. e
XXXVII, plg. 597 (1912)), e - = 7,27 X10" (calculado pela teo-
h
ria de Planck a partir das experiências de E. Warburg, G. Leithãuser,
E. Hupka e C. Müller, A11n. d. Phy. XL, pág. 611 (1913) ) obtere-
2':r2e4m
mos - - - - = 3 26 X 10" em concordância muito intima com as
h' '
observaçóe!'.

[ 148 ]
Partindo das fórmulas (1) e (2) do§ 2, e fazendo F = 1,
obteremos para o estado permanente de um átomo de hidro-
génio neutro

h2 4re~m
1(1). a = - - = 0,55 X 1<r&, e~~=--= 6,2 X 10u
4rrm h' '
41r2e•m
W= = 2,0 X 1o-11 •
h'
Estes valores têm a ordem de grandeza que seria de esperar.
w
Para -achamos 0,043, correspondente a 13 volts; o valor
e
para o potencial de ionização de um átomo de hidrogénio,
calculado por Sir J. J. Thomson em resultado de experiências
realizadas com raios positivos, é de 11 volts*. Não existem,
todavia, quaisquer outros dados defmidos para os átomos de
hidrogénio. Para não nos alongarmos, representaremos daqui
em diante os valores de a, e~~ e W correspondentes à configura-
ção 1(1) por ao, (l)o e Wo.
Para distâncias do núcleo, grandes em comparação com a0,
o sistema 1 ( 1) não exercerá forças sensíveis sobre os electrões
livres. No entanto, como a configuração:

1(2) a= 1,33 a0, (I)= 0,563 (1) 0 , W = 1,13 W0

corresponde a um valór de W maior do que no caso da


configuração 1 ( 1), é de prever que um átomo de hidrogénio
sob certas condições possa adquirir carga negativa. Este facto
está de acordo com as experiências realizadas com raios posi-
tivos. Como W [ 1 ( 3)] é apenas igual a 0,54, um átomo de
hidrogénio não poderá adquirir uma carga negativa dupla.

• ]. ]. Thomson, Phil. Mag. XXIV, pãg. 218 (1912).

[ 149]
N=2 Hélio.

Como se viu na Parte I, utilizando as mesmas hipóteses


que para o hidrogénio, é de prever que durante a ligação de
um electrão por um núcleo de carga 2e, seja emitido um espec-
tro expresso por

··=

Este espectro inclui o observado por Pickering na estrela '


Puppis e os recentemente observados por Fowler em experiên-
cias realizadas com tubos de váeuo contendo uma mistura de
hidrogénio c de hélio. Estes espectros são geralmente atribuídos
ao hidrogénio.
Para o estado permanente de um átomo de hélio carregado
positivamente, obtemos

1
2(1) a= 2ao, W=4Wo.

A grande distância do núcleo, em confronto com o raio


do electrão ligado, o sistema 2(1) actuará sobre um electrão,
muito aproximadamente como um núcleo simples de carga e.
Para um sistema formado por dois electrões e um núcleo de
carga 2e, devemos, portanto, admitir a existência de uma
série ·de estados estacionários nos quais o electrão fracamente
ligado se move aproximadamente da mesma maneira que o
electrão nos estados estacionários de um átomo de hidrogénio.
Esta hipótese já foi utilizada na Parte! numa tentativa para
explicar o aparecimento da constante de Rydberg na fónnula
do espectro de riscas de qualquer elemento. No entanto, difi-
cilmente se admite a existência de uma configuração estável

[ 150]
na qual ambos os electrões tenham o mesmo momento angular
em tomo do núcleo e se movam em órbitas düerentes, uma
fora da outra. Nessa configuração os electrões estariam tão
próximos que as órbitas se tomariam acentuadamente não
circulares. Portanto, adoptaremos para o estado permanente
de um átomo neutro de hélio a seguinte configuração

2(2) a= 0,571 a0 , w = 3,06 w0 , W = 6,13 W0 •

Como

W[2C2)] - W[2CO] = 2,13 W 0,

vê-se que os dois electrões do átomo de hélio neutro estão mais


fortemente ligados do que o electrão de um átomo de hidro-
génio. Utilizando os valores da pág. 149, obtemos

Wo Wo 1
2,13. - = 27 volts e 2,13 - - = 6,6 X 1015 --
e h seg.
estes valores têm a ordem de grandeza do valor observado para
o potencial de ionização do hélio, 20,5 volt*, ·e o valor da
frequência de absorção do ultravioleta no hélio, 5,9 X 10u
1
+, determinado por experiências de dispersão.
seg.

• ]. Franck e G. Hertz, Verh. d. Deutsch. Phys. Ges. XV. pãg.


34 (1913).
+ C. e M. Cuthbertson, Proc. Roy. Soe. A. LXXXIV. pãg. 13
(1910). (Numa memória anterior (Phil. Mag. Jan. 1913) o autor
tomou os valores do índice de refracção do hélio, dados por M. e C.
Cuthbertson, como correspondendo à pressão atmosférica; contudo,
estes valores referem-se ao dobro da pressão atmosférica. Consequen-
temente, o valor aí atribuído ao núm~ro de electroes de um ãtomo
de hélio calculado pela teoria de Drude tem que ser dividido por 2.)

[ 151]
A frequência em causa pode · ser ·encarada como' corres,.
pondente a vibração no plano do anel (ver pág. 139). A fre-
quência da vibração da totalidade do anel perpendicularmente
ao plano, calculada da maneira habitual (ver pág. 141), é
dada por v = 3,27 w0 • O facto de esta última frequência ser
grande em confronto com a frequência observada poderia
explicar que o número de electrões num átomo de hélio, cal-
culado por intermédio da teoria de Drude a partir de experiên-
cias de dispersão, seja apenas cerca de dois terços do número
m
previsto. (Utilizando-= 5,31 X 1017, o valor calculado é
e
1,2.)
Para uma configuração constituída por um núcleo de hélio
e três electrões, temos
2(3) a= 0,703 a0 , (I)= 2,02 w0 , W = 6,07 W 0 •

Como W para esta configuração é menor do que para a con-


figuração 2(2), a teoria indica que um átomo de hélio não
pode adquirir carga negativa. Este facto está de acordo com a
evidência experimental, a qual mostra que os átomos de hélio
não têm c afinidade:. para os electrões livres*.
Num próximo trabalho demonstrar-se-á que a teoria
explica de maneira simples a distinção nítida entre as tendên-
cias do hidrogénio e do hélio para se combinarem formando
moléculas.

N=3 Lítio.

Por analogia com os casos do hidrogénio e do hélio deve


prever-se que, durante a captação de um electrão por um

* Ver J. Franck, Verh. d. Deutsch. Phys. Ges. XII, pãg. 613


(1910).

[ 152 1
núcleo de carga 3e, é emitido um espectro dado por

v=

Devido à grande energia que deverá gastar-se para remover


completamente os electrões ligados num átomo de lítio (ver
adiante), o espectro considerado só será observável em casos
extraoràinários.
Numa nota recente, Nicholson * chamou a atenção para o
facto de, no espectro de certas estrelas que apresentam o espec-
tro de Pickering com brilho especial, aparecerem algumas ris-
cas cujas frequências podem exprimir-se com grande apro-
ximação pela fórmula.

v= +- (m~%) 2 ),
K(
onde K é uma constante igual à que aparece no espectro de
Balmer do hidrogénio. Por analogia com os espectros de
Balmer e de Pickering, Nicholson sugeriu que as riscas em
causa são devidas ao hidrogénio.
Vê-se que as riscas discutidas por Nicholson são dadas
pela fórmula anterior se fizermos T2 = 6. As riscas em ques-
tão correspondem a Tt = 10, 13 e 14; se fizermos T1 = 9,12
e 15, para T 2 = 6, obtemos riscas . coincidentes com as do
espectro de Balmer do hidrogénio. Se na fórmula anterior
fizermos T 1 = 1, 2 e 3, obteremos séries de riscas situadas na
região ultravioleta. Para T 2 = 4 obtemos apenas uma risca
isolada no espectro visível, correspondendo a T1 = 5, a qual
dá v=6,662X1014, ou um comprimento de onda 4503Xl(r3

• J. W. Nicholson, Mooth. Not. Roy. Astr. Soe. LXXIII,


pãg. 382 ( 1913 ).

[ 153 1
an, aproximadamente coincidente com o comprimento de
onda 4504 X 10--s ande uma das riscas de origem desconhe-
cida da tabela citada por Nicholson. Contudo, nesta tábua não
aparecem riscas correspondentes a T2 = 5.
Para o estado permanente de um átomo de lítio com duas
cargas positivas obtém-se a configuração

1
3(1) a =3ao, 111 = 9 <~~o, W = 9 Wo.

A probabilidade de uma configuração permanente, na qual


dois electrões se movem em órbitas diferentes em tomo uma
da outra, deve ser considerada para o lítio ainda menos pro-
vável do que para o hélio, visto que a razão entre os raios das
órbitas seria ainda mais próxima da unidade. Portanto, para
um átomo de lítio com · uma carga positiva isolada adoptare-
mos a configuração~

3(2) a = 0,364 a0 , w= 7,56 w W = 15,1,30, W0 •

Por ser W[3(2)] - W[3(1)] = 6,13 W vê-se


0, que os
primeiros dois electrões de um átomo de lítio estão fortissima-
mente ligados em comparação com o electrão de um átomo
de hidrogénio; a ligação é ainda mais rígida do que a dos
electrões no átomo de hélio.
Considerando as propriedades químicas, será de prever
a seguinte configuração para os electrões do átomo neutro de
lítio:

3(2,1) a1 = 0,362 ao w1 = 7,65 wo


W = 16,02 Wo.
~ = 1,182 tio 1112 = 0,716 Wo

Esta configuração deve também considerar-se como alta-


mente provável sob o ponto de vista dinâmico. O desvio da
órbita do electrão exterior em relação a uma órbita circular

[ 154]
será muito pequeno, em parte devido aos grandes valores· da
razão entre os raios, e da razão entre as frequências das órbi-
tas dos electrões interiores e exteriores, e em parte também
devido ao arranjo simétrico dos electrões interiores. Por con-
sequência, parece provável que os três electrões não se dis-
porão num só anel e formam o sistema:

3(3) a= 0,413 a0 , (I)= 5,87 (1)0 , W = 17)61 W0,

embora W para esta configuração seja maior do que para


3(2,1).
Como W[3(2,1)] - W[3(2)] = 0,98 W 0 , vê-se que o
electrão exterior na configuração 3 C2, 1) está ainda mais fra-
camente ligado do que o electrão num átomo de hidrogénio.
A diferença na força da ligação corresponde a uma diferença
de 1,4 volts no potencial de ionização. Também se verifica
uma diferença marcada entre o electrão do hidrogénio e o elec-
trão exterior do lítio na maior tendência deste último electrão
para abandonar o plano das órbitas. A quantidade G conside-
rada no § 2, a qual dá uma espécie de medida da estabilidade
para deslocamentos perpendiculares a este plano, tem somente
o valor 0,55 para o electrão exterior do lítio, sendo igual a 1
o seu valor para o hidrogénio. Este facto pode estar relacionado
com a explicação da evidente tendência dos átomos de lítio
para adquirirem carga positiva nas combinações químicas com
outros elementos.
Para a possibilidade de um átomo de lítio carregado nega-
tivamente é de prever a configuração:

3(2,2) a= 0,362 a0 (I)= 7,64 (1)0


. W = 16,16 Wo.
a= 1,516 a0 (I)= 0,436 (l)o

[ 155 1
Deve notar-se que não se tem conhecimento pormenorizado
das propriedades no estado atómico quer no litio, quer do
hidrogéruo, quer da maior parte dos elementos abaixo consi-
derados.

N=4 Berílio.

Por análogas razões às consideradas para o hélio e para


o lítio podemos admitir as seguintes fases para a formação
de um átomo neutro de berilio:

4(1) a = 0,25 a0 w = 16wo W = 16 Wo,


4(2) a = 0,267 ao (I) = 14,06 wo W = 28,13 Wo,
4(2,1) a1 = 0,263 ao w1 = 14,46 wo
W = 31,65W0
llJt = 0,605 ao (1)2 = 2,74 wo
4(2,2) a1 = 0,262 ao w1 = 14,60 wo
W = 33,61 W0 ;
ll:! = 0,673 ao w2 = 2,21 wo
embora as configurações:
4(3) a=0,292ao (I)= 11,71 wo W =35,14 Wo,
4( 4) a = 0,329 ao w = 9,26 w0 W = 37,04 Wo,
correspondam a valores da energia total menores do que as
configurações 4(2,1) e 4(2,2).
Por analogia obteremos, além disso, para a configuração
de um possível átomo carregado negativamente,
a 1 = 0,263 ao w1 = 14,51 wo W
4(2,3) = 33,66 Wo.
az = 0,803 ao 012 = 1,55 wo

Comparando o anel exterior do átomo considerado com o


anel de um átomo de. hélio, vê-se que a presença do anel
interior com dois electrões no átomo de berílio modifica mar-
cadamente as propriedades do anel exterior, em parte porque

[ 156]
os electrões exteriores na configuração adoptada para um
átomo neutro de berílio estão mais fracamente ligados do que
os electrões do átomo de hélio, e em parte porque a quan-
tidade G, cujo valor é igual a 2 para o hélio, é apenas igual
a 1,12 para o anel exterior da configuração 4(2,2).
Visto que W[4(2,3)]- W[4(2,2)] = 0,05W0, o átomo
de berílio terá, além disso, uma afinidade definida, embora
pequena, para os electrões livres.

§ 4. Átomos contendo maior número de electrões

A partir dos exemplos discutidos na secção anterior ver-


-se-á que o problema do arranjo dos electrões nos átomos está
intimamente ligado à questão d.a confluência de dois anéis de
electrões móveis em tomo de um núcleo fora um do outro
e satisfazendo a condição da constância universal do momento
angular. Além das condições necessárias de estabilidade para
deslocamentos dos electrões perpendicularmente ao plano das
órbitas, a presente teoria dá muito escassa informação sobre
este problema. Todavia, parece possível por intermédio de
considerações simples lançar alguma luz sobre a questão.
Consideremos dois anéis girando em tomo do núcleo num
só plano, um fora do outro. Suponhamos que os electrões de
um dos anéis actuam sobre os electrões do outro como se a
carga eléctrica estivesse uniformemente distribuída ao longo
da circunferência do anel, e que os anéis com esta aproximação
satisfazem as condições do momento angular dos electrões e de
estabilidade para deslocamentos perpendiculares ao seu plano.
Suponhamos depois que, com o auxílio de forças externas
fictícias convenientes, actuando paralelamente ao eixo dos
anéis, deslocamos o anel interior lentamente para um lado.

[ 1571
Durante este processo, devido à repulsão do anel interior,
o anel exterior mover-se-á para o lado oposto do plano primi-
tivo dos anéis. Durante os deslocamentos dos anéis o momento
angular dos electrões em tomo do eixo do sistema permanecerá
constante e o diâmetro do anel interior aumentará, enquanto
o do exterior sofrerá uma . diminuição. No começo do deslo-
camento, a grandeza das forças exteriores a aplicar ao anel
interior primitivo aumentará, mas depois deverá decrescer e,
para uma certa distância entre o plano dos anéis, o sistema
ficará numa ccnfiguração de equiHbrio. No entanto, este equi-
ltõrio não será estável. Se permitirmos que os anéis regressem
lentamente, eles ou atingirão a sua posição primitiva ou che-
garão a uma posição na qual o anel ori~àriamente situado no
exterior está agora em posição interior e vice-versa.
Se a carga dos electrões estivesse uniformemente distri-
buída ao longo dos anéis, poderiamos, pelo processo conside-
rado, quando muito obter um intercâmbio dos anéis, mas
obviamente seria impossível a sua junção. Contudo, tomando
em conta a distribuição .discreta dos electrões, é possível de-
monstrar que, no caso especial em que os números de elec-
trões dos dois anéis são iguais, e em que ambos giram no
mesmo sentido, os anéis unir-se-ão desde que a configuração
fmal seja estável. Neste caso, os raios e as frequências dos
anéis serão iguais na configuração de equilibrio instável aaima
mencionada. Ao atingirem esta configuração, os electrões de
um dos anéis ficarão, além disso, situados mesmo em frente dos
intervalos entre os electrões do outro, visto que a um tal
arranjo corresponderá a energia total minima. Se permitirmos
depois que os anéis regressem ao seu plano primitivo, os elec-
trões de um dos anéis introduzir-se-ão nos intervalos entre
os electrões do outro, formando um só anel. obviamente, o
anel assim formado satisfará a condição do momento angular
dos electrões do mesmo modo que os anéis primitivos.

[ 158]
Se os dois anéis contiverem números desiguais de elec-
trões, o sistema comportar-se-á de maneira muito diferente
durante um processo tal como o que temos· considerado, e, con-
tràriamente. ao primeiro caso, não será de esperar que os anéis
se desloquem em conjunto, se, por acção de forças exteriores
actuando paralelamente ao eixo do .sistema, forem lentamente
deslocados do seu plano primitivo. Neste contexto deve no-
tar-se que o que é característico em relação aos deslocamentos
considerados não é a hipótese especial acerca das forças exte-
riores, mas tão-somente a invariância do momento angular dos
electrões móveis em torno do centro dos anéis; os desloca-
mentos desta espécie desempenham na teoria presente um
papel semelhante ao dos deslocamentos arbitrários na .mecâ-
nica usual.
As considerações anteriores d.evcm ser tomadas com~ indi-
cação de que há maior tendência para a confluência dos dois
anéis quando cada um deles contém o mesmo número de elec-
trões. Considerando a captação sucessiva de electrões por um
núcleo positivo, concluímos daqui que, a não ser que a carga
do núcleo seja muito grande, os anéis de electrões só se jun-
tarão se contiverem iguais números de electrões; e que, conse-
quentemente, os números de electrões nos anéis interiores serão
só 2, 4, 8, . . . . Se a carga do núcleo for muito grande, os
anéis de electrões ligados em primeiro lugar, se pouco nume-
rosos, ficarão muito próximos, sendo de esperar que a confi-
guração seja muito instável e que o intercâmbio gradual de
electrões entre os anéis seja grandemente facilitado.
Esta hipótese em relação ao número de electrões existentes
nos anéis é fortemente apoiada pelo .facto de as propriedades
químicas dos elementos de baixo peso atómico variarem com
um período de 8. Além disso, resulta que o número de electrões
do anel exterior será sémpre ímpar ou par, conforme o número
total de electrões do átomo for ímpar ou par. Isto tem uma

[ 159]
relação sugestiva com o facto de a valência de um elemento
de baixo peso atómico ser sempre ímpar ou par conforme o
número de ordem do elemento na série periódica for ímpar
ou par.
Para os átomos dos elementos considerados na secção ante-
rior supusemos que os dois electrões captados em primeiro
lugar se dispõem num só anel, e, além disso, que os dois
electrões seguintes se dispõem num outro anel. Se N > 4 a
configuração N ( 4) corresponderá a um valor mais pequeno
da energia total do que para a configuração N ( 2,2). Quanto
maior for o valor de N, mais próxima da unidade será a razão
entre os raios dos anéis da configuração N(2,2), e maior será
a energia emitida por uma eventual confluência dos anéis.
O membro particular da série dos elementos para o qual os
quatro electrões interiores se disporão pela primeira vez num
só anel não pode ser determinado a panir da teoria. Conside-
rando as propriedades químicas não será de esperar que possa
ter lugar antes do boro (N = 5) ou do carbono (N = 6),
visto que estes elementos são, respectivamente, trivalente e
tetravalente; por outro lado, o sistema periódico dos elementos
sugere com fone evidência que já no néon (N = 10) apare-
cerá um anel interior de oito electrões. A não ser para N > 14,
a configuração N ( 4,4) corresponde a um valor mais pequeno
da energia total do que a configuração N(8); contudo, já
para N > 10 a última configuração será estável para desloca-
mentos dos electrões perpendicularmente aos planos das suas
órbitas. Um anel de 16 electrões não será estável senão para N
muito grande; mas em tal caso não se aplicam as considerações
simples acima mencionadas.
Seria de esperar que a confluência de dois anéis de igual
número de electrões móveis em torno de um núcleo de carga
Ne, por fora de outro anel com n electrões já ligados, tivesse
lugnr mais fàcilmcnte do que a confluência de does anéis seme-

[ 160]
lhantes girando em torno de um núcleo de carga (N - n )e,
porque a estabilidade dos anéis para um deslocamento perpen-
dicular ao seu plano será menor (ver § 2) no primeiro do
que no último caso. Esta tendência para o decréscimo da esta-
bilidade em relação a deslocamentos perpendiculares ao plano
do anel será especialmente marcada para os anéis exteriores de
electrões de um átomo neutro. No último caso seria de esperar
que a confluência dos anéis fosse grandemente facilitada,
podendo mesmo acontecer em certos casos que o número de
electrões do anel exterior seja maior do que no contíguo e que
o anel exterior possa desviar-se da hipótese de existência de
1, 2, 4, 8 electrões nos anéis, quer dizer, que se verifiquem as
configurações 5( 2,3) e 6 ( 2,4) em vez das configurações
5(2,2,1) e 6(2,2,2). Não levaremos aqui mais adiante a dis-
cussão do intrincado problema do ·arranjo dos electrões no anel
exterior. No esquema apresentado mais adiante, o número de
electrões existente neste anel é arbitràriamente igualado à va-
lência normal do electrão correspondente; isto é, aquele nú-
mero, para elementos electronegativos e electropositivos, é
respectivamente igual ao número de átomos de hidrogénio e ao
dobro do número de átomos de oxigénio que se combinam
com um átomo do elemento considerado.
Esse arranjo dos electrões exteriores é sugerido pela consi-
deração dos volumes atómicos. Como é bem sabido, o volume
atómico dos elementos é função periódica dos pesos atómicos.
Os elementos pertencentes à mesma coluna, quando dispostos
da maneira habitual conforme o sistema periódico, têm apro-
ximadamente o mesmo volume atómico, ao passo que este
volume varia consideràvelmente de coluna para coluna, sendo
máximo para as colunas correspondentes à menor valência, 1, e
mínimo para a valência máxima, 4. É possível obter um cálculo
aproximado do raio do anel exterior de um átomo neutro
supondo que a força total devida ao núcleo e aos electrões

[ 161 1
11
interiores é igual à exercida p<)r um núcleo de carga ne,
sendo n o número de electrões do anel. Fazendo F = n- s,.
na equação ( 1) da pág. 136 e representando o valor de a
para n =I por a0 , obtemos para n = 2, a= 0,57 a0 ; para
n = 3, a= 0,41 a0 ; e para n = 4, a = 0,33 ao. Daqui resulta
que a disposição escolhida para os electrões implicará uma
variação das dimensões do anel exterior semelhante à variação
dos volumes atómicos dos elementos correspondentes. No en-
tanto, deve ter-se presente que as determinações experimentais
dos volumes atómicos são deduzidas, na maior pane dos casos,
considerando moléculas e não átomos.
Do que se disse antes somos conduzidos ao seguinte es-
quema possível de arranjo dos electrões nos átomos leves:-

1(1) 9( 4,4,1) 17 ( 8,4,4,1)


2(2) 10(8,2) 18(8,8,2)
3(2,1) 11(8,2,1) 19(8,8,2,1)
4(2,2) 12(8,2,2) 20(8,8,2,2)
5(2,3) 13(8,2,3) . 21(8,8,2,3)
6(2,4) 14(8,2,4) 22(8,8,2,4)
7(4,3) 15(8,4,3) 23 ( 8,8,4,3)
8(4,2,2) 16(8,4,2,2) 24( 8,8,4,2,2).

Sem qualquer discussão mais completa não parece improvável


que esta constituição dos átomos corresponderá a propriedades
dos elementos semelhantes às efectivamente observadas.
Em primeiro lugar haverá uma periodicidade marcada de
período igual a 8. Além disso, a ligação dos electrões exteriores
em cada série horizontal do esquema anterior tomar-se-á mais
fraca à medida que aumenta o número de electrões por átomo,
correspondendo ao aumento observado do carácter electropo-
sitivo com o acréscimo do peso atómico dos elementos em cada

[ 162]
grupo do sistema periódico. Verifica-se a correspondente con-
cordância em relação à variação dos volumes atómicos.
No caso de átomos de peso atómico mais elevado não se
aplicam as hipóteses simples utilizadas. No entanto, a consi-
deração das variações das propriedades químicas dos elementos
sugere algumas indicações. No fim do 3.0 período de oito
elementos encontramos o grupo do ferro. Este grupo ocupa
uma posição especial no sistema dos elementos, visto que é a
primeira vez que elementos de pesos atómicos vizinhos apresen-
tam propriedades quimicas similares. Esta circunstância indica
que as configurações dos electrões nos elementos deste grupo
diferem apenas na disposição dos electrões interiores. O facto
de o período das propriedades químicas dos elementos, depois
do grupo do ferro, já não ser 8, mas 18, sugere que os elemen-
tos de peso atómico mais elevado contêm uma configuração
recorrente de 18 electrões nos anéis interiores. O desvio em
relação à distribuição 2, 4, 8, 16 pode ser devido a um gradual
intercâmbio de electrões entre os anéis, como se indica na
pág. 159. Como um anel com 18 electrões não será estável,
os electrões devem dispor-se em dois anéis paralelos ~ver
pág. 146). Uma tal configuração dos anéis internos actuar-á
sobre os .electrões exteriores de uma maneira muito aproxima-
damente semelhante à que seria atribuível a um núcleo de
carga (N- 18)e. Por conseguinte, seria possível que, com o
aumento de N, se formasse por fora da primeira outra confi-
guração do mesmo tipo, como é sugerido pela presença de um
segundo período de 18 elementos.
Nas mesmas linhas, a presença do grupo das terras raras
indica que, para valores ainda maiores de N, terá lugar outra
alteração gradual dos anéis interiores. Todavia, como para
elementos de peso atómico mais elevado do que os deste
grupo, as leis que relacionam a variação das propriedades quí-
micas com o peso atómico são análogas às existentes entre os

[ 163)
elementos de baixo peso atomtco, podemos concluir que a
configuração dos electrões interiores de novo se repetirá. Con-
tudo, a teoria não é suficientemente completa para dar uma
resposta definida a tais problemas.

§ 5. Radiação de Rõntgen característica


Segundo a teoria da emissão de radiação apresentada na
Parte I, o espectro de riscas ordinário de um elemento é
emitido durante a reconstituição de um átomo quando um ou
mais dos electrões dos anéis exteriores são removidos. Por
analogia pode supor-se que a radiação de Rõntgcn caracterís-
tica é emitida durante o rearranjo do sistema se electrões dos
anéis interiores forem removidos por algum agente, por exem-
plo, pelo impacto de partículas catódicas. Esta concepção sobre
a origem da radiação de Rõntgen característica foi proposta
por Sir J. J. Thomson*.
Sem qualquer hipótese especial acerca da constituição da
radiação, é possível determinar a partir desta concepção a
velocidade mínima dos raios catódicos necessária para produzir
a radiação de Rõntgen característica de um tipo particular,
calculando a energia necessária para remover um dos electrões
dos diferentes anéis. Mesmo se conhecêssemos os números de
electrões dos anéis, o cálculo rigoroso desta energia mínima
poderia ainda set complicado, e o resultado largamente depen-
dente dos pressupostos utilizados; a razão está em que, como
se disse na Parte I, pág. 121, o cálculo não pode ser realizado
inteiramente na base da mecânica ordinária. No entanto, é
possível obter simplesmente uma comparação aproximada com
as experiências se considerarmos o anel interior e desprezar-
mos, em primeira aproximação, a repulsão dos electrões em

* Cf. ] . ]. Thomson, Phil. Mag. XXIII, pág. 456 (1912).

[ 164]
confronto com a atracção do núcleo. Consideremos um sistema
limples formado por um electrão ligado girando em órbita
circular em volta de um núcleo positivo de carga Ne. A partir
das expressões ( 1) da pág. 13 6, fazendo F = N, obtemos
para a velocidade do electrão

21re 2
·~~ = - h - N = 2,1 . 10SN.

A energia total a transferir para o sistema para deslocar o


electrão para distância infinita do núcleo é igual à energia
cinética do electrão ligado. Por conseguinte, se o electrão for
removido para grande distância do núcleo por choque de outro
electrão em movimento rápido, a energia cinética mínima do
último, quando situado a grandé distância do núcleo, deve ser
necessàriamente igual à energia cinética do electrão ligado
antes da colisão. A velocidade do electrão livre deve, por IÍsso,
ser pelo menos !igual a 11.
De acordo com as experiências de Whiddington *, a velo-
cidade dos raios catódicos capaz de produzir, à justa, a radia-
ção de Rõntgen caraqerística do chamado tipo K - o tipo
mais duro de radiação observado- num elemento de peso
atómico A é, para elementos desde o AI ao Se, aproximada-
mente igual a A.10 8 cmjs. Este valor é igual, como se vê, ao

valor de v acima calculado, se fizei:mos N =~


2
Como obtivemos concordância aproximada com a expe-
riência atribuindo a radiação de Rõntgen característica de
tipo K ao anel mais próximo do núcleo, é de esperar que não
exista qualquer tipo mais duro de radiação característica.

• R. Whiddington~ Proc. Soe. A. LXXXV, pág. 323 (1911).

[ 165 1
Este facto é fortemente apoiado pelas observações do poder
penetrante dos raãos y+.
É digno de nota que a teoria não indique apenas o valor
quase exacto da energia necessária para remover um electrão
do anel exterior, mas também a energia requerida para des-
locar um electrão do anel mais interior. A concordância apro-
ximada entre os valores calculados e os experimentais toma-se
mais notável quando se lembra que as energias exigidas nos
dois casos estão entre si numa razão igual a 1000, para um
elemento de peso atómico 70.
Em relação com este assunto deve salientar-se que a
notável homogeneidade da radiação de Rõntgen característica
- indicada por experiências sobre a absorção dos raios assim
como pela interferência observada em experiências recentes
sobre a difracção dos raios de Rõntgen nos cristais - está de
acordo com a hipótese principal utilizada na Parte I (ver
pág. 104) ao considerar-se a emissão dos espectros de riscas,
ou seja, que a radiação emitida durante a transição dos
sistemas entre diferentes estados estacionários é homogénea.
Fazendo em (4) F = N, obtemos pára o diâmetro do anel
1
interior aproximadamente 2a = - . 1()-8 cm. Para N = 100,
N
vem 2a = 1Q-10 cm, valor muito pequeno em comparação com
as dimensões atómicas ordinárias, mas ainda muito grmde
comparado com as dimensões previsíveis para o núcleo.
Segundo o cálculo de Rutherford, as dimensões do núcleo são
da ordem de grandeza de 1Q-12 cm.

§ 6. Fenómenos Radioactivos
De acordo com a teoria aqui apresentada, o enxame de
electrões que rodeiam o núcleo forma-se com emissão de

+ Cf. 1!. Rutherford, Phil. Mag. XXIV, pág. 4S3 (1912).

[ 1661
energia, sendo a configuração determinada pela cón,#Ção de
que seja máxima a energia eminida. A estabilidade ·implicada
por estas hipóteses parece estar de acordo com as propriedades
gerais da matéria. No entanto, está cm flagrante oposição com
os fenómenos da radioactividade c portanto, scgwtdo a teoria,
a origem destes fenómenos deve ser procurada em razões
diferentes da distribuição electrónica em torno do núcleo.
Uma consequência necessária da teoria de Rutherford da
estrutura dos átomos é que as partículas a têm origem no
núcleo. Segundo a presente jtcoria, parece também necessá-
rio que o núcleo seja a sede da expulsão das partículas fJ de
velocidade elevada. Em primeiro lugar, a expulsão espontânea
de uma partícula fJ da camada de electrões que envolve o
núcleo seria algo estranho às propriedades admitidas para o
sistema. Além disso, da expulsão de uma partícula a dificil-
mente se pode esperar que resulte um efeito duradouro sobre
a estabilidade do enxame de electrões. O efeito da expulsão terá
duas características diferentes. Por um lado, a partícula pode
colidir com os electrões ligados durante a sua passagem atra-
vés do átomo. Este efeito será análogo ao produzido pelo bom-
bardeamento de átomos de outras substâncias por meio de
raios a, não sendo de esperar que dê lugar à subsequente
expulsão de raios p. Por outro lado, a expulsão da partícula
implicará alteração da configuração dos electrões ligados,
visto que a carga remanescente do núcleo é diferente da pri-
mitiva. Para compreendermos este último efeito consideremos
um dos anéis de electrões que giram em volta de um núcleo
de carga Ne e suponhamos que do núcleo é expelida uma par-
tícula a em direcção perpendicular ao plano do anel.
obviamente, a expulsão da partícula não produzirá qualquer
alteração do mome~to angular dos electrões; além disso, se a

[ 167]
velocidade da partícula a for pequena-cm comparação com a
velocidade dos electrões - como se verifica no caso dos anéis
interiores de um átomo de peso atómico elevado ....,.<i anel
expandir-se-á continuamente durante a expulsão e, depois
desta, tomará a posição atribuída pela teoria a um anel estável
girando em tomo de um núcleo de carga (N- 2)e. A consi-
deração deste caso simples indica claramente que ·a expulsão
de uma partícula a não terá efeito duradouro sobre a estabili-
dade dos anéis internos de electrões no átomo residual.
A questão da origem das partículas fJ deve também ser
encarada sob outro ponto de vista, baseado na consideração
das propriedades físicas e químícas das substâncias radioacti-
vas. Como bem se sabe, várias destas substâncias têm proprie-
dades químicas muíto semelhantes e têm resistido até aquí a
todas as tentativas de separação por meios químicos.
Há também indícios de que as substâncias em causa
apresentam espectros de riscas iguais*. Foi sugerido por vários
.autores que as substâncias são diferentes apenas nas proprie-
dades radioactivas e no peso atómico, mas idênticas em todos
()S outros aspectos físicos . e químicos. Segundo a teoria, isto

quereria dizer que a carga do núcleo, assim como a configura-


-ção dos electrões que o envolvem, seria idêntica em alguns ele-
mentos cuja única diferença estaria na massa e na constituíção
.interna do núcleo. Das considerações do § 4 resulta que esta
hipótese é já fortemente sugerida pelo facto de ser maior o
número de substâncias radioactivas do que o número de luga-
res disponíveis no sistema periódico. No entanto, se a hipótese
for exacta, o facto de dois elementos aparentemente idênticos

* Ver A. S. Russel e R. Rossi, Proc. Roy. Soe. A. LXXXVII,


pág. 478 (1912).

[ 1681
emitirem panículas p de diferentes velocidades mostra que
tanto os raios p como os raios a têm origem no núcleo.
Esta concepção da origem das partículas a e f1 explica
muito simplesmente a maneira como a mudança das proprie-
dades químicas das substâncias radioactivas está relacionada
com a natureza das partículas emitidas. Os resultados das
experiências são expressos por duas regras*: -
1. Sempre que uma partícula a é expelida, o grupo do
sistema periódico a que pertence o produto resultante é infe-
rior em duas unidades àquele a que pertence o corpo do qual
descende.
2. Sempre que é expelida uma partícula {1, o grupo
do corpo resultante é superior em uma unidade ao do ascen-
dente imediato.
Como se verá, isto é exactamente o que seria de prever
de acordo com as considerações do § 4.
Ao abandonarem o núcleo, os raios f1 podem colidir com os
electrões ligados pertencentes aos anéis interiores. Quando isto
se der terá lugar a emissão de uma radiação característica do
mesmo tipo que a radiação característica de Rõntgen emitida
por elementos de peso atómico mais baixo por choque de raios
catódicos. A hipótese de que a emissão de raios y é devida a
colisões de raios f1 com electrões ligados é proposta por Ru-
therford + com o fim de explicar os numerosos grupos de
raios f1 homogéneos expelidos por certas substâncias radio-
activas.

• Ver A. S. Russel, Chem. News, CVII, pág. 49 (1913);


G . v. Hevesy, Phys. Zeitschr. XIV, pág. 49 (1913); K. Fajans,
Phys. Zeitschr. XIV, págs. 131 e 136 (1913); V erh. d. dcutsch.
Phys. Ges. XV, pág. 240 (1913); F . Soddy, Chem. News. CVII,
pág. 97 ( 1913 ).
+ E. Rutherford, Phil. Mag. XXIV, págs. 453 e 893 (1912).

[ 169]
Na presente memória tentou-se demonstrar que a aplica-
ção da teoria da radiação de Planck ao modelo atómico de
Rutherford, introduzindo a hipótese da constância universal
do momento angular dos electrões ligados, conduz a resultados
que parecem estar de acordo com as experiências.
Num estudo a publicar mais tarde, a teoria será aplicada
a sistemas que contêm mais do que um núcleo.

[ 170]
Do PIIILOSOPHICAL MAGAZINE de Novembro de 1913.

Sobre a Constituição de Átomos e Moléculas


Por N. BOHR, Dr. phil., Copenhague*.

PARTE I I I - SISTEMAS QUE CONTÊM VÁRIOS NúCLEOS+.

§ 1. Introdução

Segundo a teoria de Rutherford sobre a estrutura dos


átomos, a diferença entre o átomo de wn elemento e a molécula
de wna combinação química consiste em que o primeiro é
formado por wn grupo de electrões rodeando wn único núcleo
positivo de dimensões extremámente pequenas e de massa
grande em comparação com a dos electrões, enquanto a última
contém pelo menos dois núcleos a distâncias um do outro com-
paráveis com as distâncias que separam os electrões no enxame
envolvente.
A ideia principal utilizada nas memórias anteriores con-
siste em que os átomos se formam por ligação sucessiva ao
núcleo de wna quantidade de electrões inicialmente quase em
repouso. No entanto, essa concepção não pode ser utilizada
quando se considera a formação de wn sistema que contém
mais do que wn núcleo; a razão deste facto está em que,
neste último caso, não haverá nada para manter os núcleos
juntos durante a ligação dos electrões. Em relação com isto
deve notar-se que enquanto wn núcleo isolado, posuindo wna
grande carga positiva, pode captar wn pequeno número de

~ Cor.mnicado pelo Prof. E. Rutherford, F.R.S.


+ As partes I e II foram publicadas no Phil. Mag. XXVI,
pág. 1 e pág. 476 (1913) .

[ 171 1
electrões, o mesmo não acontece quando se trata de dois
núcleos de carga elevada, pois não podem, evidentemente,
manter-se juntos com o auxílio de poucos electrões. Portanto,
é necessário admitir que as configurações que contêm vários
núcleos são formadas pela interacção de sistemas - cada um
deles contendo um só núcleo- que já tenham ligados vários
electrões.
O § 2 trata da configuração e estabilidade de um sistema
já formado. Consideraremos só o caso simples de um sistema
constituído por dois núcleos e por um anel de electrões girando
em tomo da linha que os une; contudo, o resultado do cál-
culo fornece elementos sobre as configurações mais prová-
veis em casos mais complicados. Como nas memórias anterio-
res, admitiremos que as condições de equilíbrio podem ser
deduzidas por intermédio da mecânica usual. Todavia, ao
determinarmos as dimensões absolutas e a estabilidade dos
sistemas empregaremos a hipótese principal da Parte I. Esta
diz-nos que o momento angular de qualquer electrão móvel
em tomo do centro da sua órbita é igual a um valor univer-
h
sal-, sendo h a constante de Planck; além disso, a estabili-
21T
dade é determinada pela condição de que a energia total do
sistema seja menor do que em qualquer configuração próxima
que satisfaça a mesma condição do momento angular dos
electrões.
No § 3 é discutida com algum pormenor a configuração
previsível da molécula de hidrogénio.
O § 4 trata do modo de formação dos sistemas. É indicado
um método simples de procedimento, por meio do qual é
possível seguir, passo a passo, a combinação de dois átomos
para formarem uma molécula. Demonstrar-se-á que a confi-
guração obtida satisf;u; as condições utilizadas no § 2. O papel

[ 172]
desempenhado pelo momento angular dos electrões nos racio-
cínios apoia fortemente a validade da hipótese principal.
O § 5 contém algumas indicações das configurações pre-
visíveis para sistemas que contêm maior número de electrões.

§ 2. Configurações e Estabilidade dos Sistemas

Consideremos um sistema formado por dois núcleos positi-


vos de cargas iguais e por um anel de electrões rodando em
tomo da linha que os une. Seja n o número de electrões do
anel, - e a carga de cada electrão e N e a carga de cada um
dos núcleos. Como se pode demonstrar simplesmente, o sistema
ficará em equilíbrio se os núcleos estiverem à mesma distância
do plano do anel e se a razão entre o d4âmetro do anel, 2a, e a
distância entre os núcleos, 2b, for dada por

b=a ((N
4n )f )-i
-1 , (1)

desde que a frequência de revolução w tenha uma grandeza


tal que para cada um dos electrões a força centrífuga contra-
balance a força radial devida à atracção dos núcleos e à repul-
e2
são dos outros electrões. Representando esta força por- F,
a2
obtemos a partir da condição da constância universal do
momento angular dos electrões, como se viu na Parte II,
pág. 136,

a= F-1 e w = .. .. (2)

A energia total necessária para deslocar todas as partículas


carregadas para distâncias infinitas umas das outras é igual

[ 173]
à energia cinética total dos electrões e é dada por

W=---~P . . (3)
Jl2

Para o sistema em causa temos

F = _N_2 ((-4n_)2/3- 1)3/2 -s,., (4)


2n N .
onde
s=n-1 S7T
s,. = ~ cosec -- ;
s=l n
a tabela dos Sn é dada na Parte II, pág. 141.
Para verificação da estabilidade do sistema temos que
considerar deslocamentos das órbitas dos electrões relativas aos
núcleos e também deslocamentos destes, uns em relação aos
outros.
O cálculo baseado na mecânica usual indica que os sis-
temas são instáveis para deslocamentos dos electrões no plano
do anel. No entanto, no que se refere aos sistemas conside-
rados na Parte II, supomos que os princípios usuais da mecâ-
nica não podem ser utilizados na discussão do problema em
causa, e que a estabilidade dos sistemas para os deslocamentos
çonsiderados é assegurada pela introdução da hipótese da
constância universal do momento angular dos electrões. Este
pressuposto é incluído na condição de estabilidade estabele-
cida no § 1.Deverá notar-se que na Parte II a quantidade F
foi tomada como constante, enquanto para os sistemas agora
considerados, F, para posições fixas dos núcleos, varia com o
raio do anel. Contudo, um cálculo simples, semelhante ao
apresentado na Parte II, pág. 139, mostra que o aumento da
energia total do sistema para uma variação do raio do anel

r 1741
de a a a + Sa, desprezando potências de Sa de grau superior
ao segundo, é dado por

S(P + T) = T
(
1 a -c)F ) ( ' ·--
+ -~ Sa )2
F da , a .

onde T é a energia cinética total e P a energia potencial do


sistema, Como, para posições fixas dos núcleos, F aumenta
quando a cresce (F =O para a= O; F = 2N- s,. para
. a = oo), o termo dependente da variação de F será posiúvo
e o sistema será consequentemente estável para o deslocamento
em ·qyestão.
·A partir de considerações exactamente correspondentes às
apresentadas na Parte II, pág. 140, obteremos para a condição
de estabilidade relaúva a desloéamentos dos electrões perpen-
diculares ao plano do anel

G > p,.,o- p,.,.,, (5)

onde p,.,, - p,.,,. têm o mesmo significado que na Parte II, e


e'-
Ü' G Sz representa a componente, perpendicular ao plano do

ane~ da força devida aos núcleos, a qual actua sobre um dos


electrões do anel quando teve um pequeno deslocamento Sz
perpendicular ao plano da órbita. Como para os sistemas
considerados na Parte II, os deslocamentos podem ser atri-
buídos ao efeito de forças actuando sobre os electrões na
direcção paralela ao eixo do sistema.
Para um sistema de dois núcleos, cada um de carga Ne,
e com um anel de n electrões, vem

G_ -N-
1((- )2/3 -1 )3/2(1 - 3
4n ( -)2/3) . N (6)
2n N , 4n

[ 175]
Com a ajuda desta expressão e utilizando a tabela dos
valores de Pn,o- Pn,m dados na pág. 141 na Parte II, é pos-
sível demonstrar fàcilmcnte que o sistema em causa só será
estável para N = 1 e n igual a 2 ou a 3.
Ao estudarmos a estabilidade dos sistemas para um deslo-
camento dos núcleos um em relação ao outro, admitiremos que
os movimentos dos núcleos são tão lentos que o estado de
movimento dos electrões em qualquer momento não diferirá
sensivelmente do calculado na hipótese de os núcleos estarem
em repouso. Esta hipótese é admissível devido à grande massa
dos núcleos em comparação com a dos electrões, o que im-
plica que as vibrações resultantes de um deslocamento dos
núcleos serão muito lentas em confronto com as devidas a um
deslocamento dos electrões. Para um sistema constituído por
um anel de electrões e por qois núcleos de cargas iguais, admi-
tiremos portanto que os electrões, em qualquer momento
durante o deslocamento dos núcleos, se movem em órbitas
circulares no plano de simetria destes últimos.
Imaginemos agora que variamos lentamente a distância
entre os núcleos por meio de forças exteriores actuando sobre
eles. Durante o deslocamento, o raio do anel de electrões
variará em consequência da alteração da força radial devida à
atracção dos núcleos. Durante esta variação o momento angu-
lar de cada um dos electrões em tomo da linha que une os
núcleos permanecerá constante. Se a distância entre os núcleos
aumentar, é evidente que também aumentará o raio do anel;
no entanto, o raio aumentará a um ritmo mais lento do que
a distância entre os núcleos. Imaginemos, por exemplo, um
deslocamento em que a distância, assim como o raio, aumen-
tem ambos de a vezes o seu valor primitivo. Na nova configu-
ração, a força radial exercida pelos núcleos e pelos outros elec-
1
trões sobre um dos electrões será - vezes a da configuração
a2

[ 176]
original. Em virtude da constância do momento angular dos
electrões durante o deslocamento, conclui-se além disso que
1
a velocidade dos electrões na nova configuração é - vezes a
a
1
velocidade primitiva, e a força centrífuga -vezes a força
al
centrífuga inicial. Consequentemente, a força radial é maior do
que a força centrífuga.
Atendendo ao facto de a distância entre os núcleos aumen-
o
tar mais ràpidamente do que raio do anel, a atracção sobre
um dos núcleos devida ao anel será maior do que a repulsão
do outro núcleo. O trabalho realizado durante o deslocamento
pelas forças exteriores que actuam sobre os núcleos será por-
tanto positivo, e o sistema será estável para esse deslocamento.
Verificar-se-á evidentemente o· mesmo resultado para o caso
de diminuir a distância entre os núcleos. Note-se que, nas
considerações acima feitas, não empregámos qualquer nova
hipótese sobre a dinâmica dos electrões, tendo utilizado imãca-
mente o princípio da invariância do momento angular, o qual
é comum à mecânica ordinária e à hipótese principal do § 1.
Para um sistema formado por um anel de electrões e por
dois núcleos de cargas desiguais, a investigação da estabilidade
é mais complicada. Como antes, chegamos à conclusão de que
os sistemas são sempre estáveis para deslocamentos dos elec-
trões no plano do anel; concluímos também que, para deslo-
camentos perpendiculares ao plano do anel, ainda se verifica
uma expressão correspondente a ( 5). Todavia, esta condição
não será suficiente para assegurar a estabilidade do sistema.
Para um deslocamento dos electrões perpendiculares ao plano
do anel, a variação da força radial devida aos núcleos será da
mesma ordem de grandeza que o deslocamento; portanto, na
nova configuração, a força radial não estará em equílíbrio com
a força centrífuga, e, se se fizer variar o raio das órbitas até

[ 177]
que seja restaurado o equilíbrio radial, a energia do sistema
diminuirá. Esta circunstância deverá ser tomada em conta ao
ser apLicada a condição de estabilidade do § 1. No cálculo da
estabilidade para deslocamentos dos núcleos levantam-se com-
plicações semelhantes. Para uma variação da distância entre
os núcleos não só variará o raio do anel mas também a razão
na qual o plano do anel divide a linha que liga os núcleos.
Daqui resulta que a discussão completa do caso geral é bas-
tante longa; no entanto, o cálculo numérico aproximado mos-
tra que os sistemas serão instáveis, como no caso anterior, a
não ser que as cargas dos núcleos sejam pequenas e o anel con-
tenha muito poucos electrões.
As considerações acima feitas sugerem configurações de
sistemas, constituídos por dois núcleos positivos e por uma
quantidade de electrões, coerentes com a disposição dos elec-
trões previsível em moléculas de combinações químicas. Assim,
se considerarmos um sistema neutro contendo dois núcleos
com cargas elevadas, segue-se que numa configuração estável
a maior parte dos electrões deve estar distribuída em torno
de cada núcleo aproximadamente como se o outro núcleo
estivesse ausente; e, além disso, que só alguns electrões exterio-
res se distribuirão de maneira diferente gürando numa órbita
em tomo da linha que une os núcleos. Este último anel, que
mantém o sistema ligado, representa a «ligação» química.
Pode conseguir-se uma primeira aproximação grosseira da
configuração possível desse anel considerando sistemas simples
constituídos por um só anel girando cm torno da linha que
une dois núcleos de dimensões diminutas. Contudo, a discus-
são pormenorizada da configuração de sistemas que contêm
um número mais elevado de electrões, tendo em conta o efeito
dos anéis interiores, implica cálculos numéricos elaborados.

[ 178 J
Além de algumas indicações apresentadas no§ 5, confinar-nos-
-emos nesta memória a sistemas contendo muito poucos elec-
trões.

§ 3. Sistemas que contêm poucos electrões. A molécula


de hidrogénio

Entre os sistemas tratados no § 2 e considerados estáveis,


o sistema formado por um anel de dois electrões e por dois
núcleos de carga e tem interesse especial visto que, segundo
a teoria, deve representar uma molécula neutra de hidrogénio.
Representando o raio do anel por a e as distâncias do plano
do anel aos núcleos por b, obteremos a partir de ( 1 ) , fazendo
N = 1 e n = 2 ..

1
b =--a·
v' 3 '
partindo de ( 4), obteremos, além disso,

3y'3- 1
F = ---- = 1,049.
4
Representando, como na Parte II, os valores de a,w e W para
um sistema formado por um só electrão girando em tomo de
um núcleo de carga e (átomo de hidrogénio) por a0 , wo e W o,
obteremos, a partir de (2) e (3)

a= 0,95 ao, w = 1,10 wo, W = 2,20Wo.

Como W > 2 W 0 , segue-se que dois átomos de hidrogénio se


combinam formando uma molécula com emissão de energia.
Fazendo W 0 = 2,0 X 1ü- 11 erg (cf. Parte II, pág. 149) e
N = 6,2 X 10"", sendo N o número de moléculas existentes
numa molécula-grama, vem para a energia emitida durante a

[ 179 1
formação de um molécula-grama de hidrogénio a partir de
átomos de hidrogénio: (W- 2W0 )N = 2,5 X 1012, corres-
pondente a 6,0 X 104 calorias. Este valor tem a precisa ordem
de grandeza; é, todavia, consideràvelmente menor do que o
valor 13 X I o• calorias encontrado por Langmuir * medindo
a condução do calor por um fio incandescente mergulhado no
hidrogénio. Em virtude do método indirecto empregado parece
difícil estimar o rigor atribuível ao último valor. Para se levar
o valor teórico a coincidir com o valor de Langmuir, a gran-
deza do momento angular dos electrões deveria ser sõmente
igual a 2/3 do valor adoptado; no entanto, este facto parece
difícil de reconciliar com a concordância obtida em outros
pontos.

3v'3
De (6) obtemos G =- - = 0,325. A
Para a frequencta

16 .
de vibração do anel na sua totalidade na direcção paralela ao
eixo do sistema, obtemos

v
.;----;;; =
= wo V G ; 0,61 w0 = 3,8 X 1015 1/seg.

Admitimos na Parte I e na Parte II que a frequência da


radiação absorvida pelo sistema e correspondente a vibrações
dos electrões no plano do anel não pode ser calculada pela
mecânica ordinária e que é determinada pela relação hv = E,
sendo h a constante de Planck e E a diferença de energia entre
dois diferentes estados estacionários do sistema. Como che-
gámos à conclusão, no § 2, de que é instável uma configuração
~.()Ililada por dois núcleos e por um só electrão girando em

* I. Langmuir, Jqurn . Amer. Chem. Soe. XXXIV, pág. 860


( 1912) .

[ 180]
tomo da linha que os une, é necessário supor que a remoção
de um dos electrões terá como consequência a separação da
molécula em duas partes: um núcleo isolado e um átomo de
hidrogénio. Se considerarmos este último estado como um dos
estados estacionários em questão, obtemos

Wo
E= W- W 0 = 1,20 W 0 , e v= 1,2-= 3,7 X 10 1 ~ 1/seg.
h
O valor calculado para a frequência da risca de absorção ultra-
violeta no hidrogénio, por experiências de dispersão é v =
= 3,5 X 1015 1/seg. *· Além disso, o cálculo baseado na
teoria de Drude, feito a partir dessas experiências, dá um valor
próximo de dois para o número de electrões de uma molécula
de hidrogénio. Este último res_ultado poderia estar relacionado
·com o facto de serem quase iguais as frequências acima cal-
culadas para a radiação absorvida correspondente a vibrações
paralelas e a vibrações perpendiculares ao plano do anel. Como
se disse na Parte II, o número de electrões de um átomo de
hélio calculado com base em experiências de dispersão é igual
apenas a cerca de 2/3 do número de electrões previsível no
átomo. Estes electrões deverão ser dois. Para o átomo de
hélio, como para a molécula de hidrogénio, a frequência deter-
minada pela relação vh = E concorda intimamente com a
frequência observada na dispersão; todavia, no sístema hélio,
a frequência correspondente a vibrações perpendiculares ao
plano do anel é mais do que três vezes maior do que a fre-
quência em causa e, consequentemente, de influência despre-
zável sobre a dispersão.
Para se determinar a frequência de vibração do sistema
correspondente a deslocamentos dos núcleos um em relação ao

* C. e M. Cuthbertsoo, Proc. Roy Soe. LXXXIII, pág. 151


( 1910).

[ 181 ]
-
outro, consideremos uma configuração na qual o raio do anel
é igual a y c a distância entre os núcleos igual a 2x. A força
radial que actua sobre um dos electrões, devida à atracção
dos núcleos e à repulsão dos outros electrões é

2éy e~
R=- - -- -- - - ---
(y ~ + x~ ) % 4y~

Consideremos agora um deslocamento lento do sistema durante


o qual a força radial equilibra a força centrífuga devida à
rotação dos electrões cujo momento angular permanece cons-
e2
tantc. Fazendo R = -:- F, vimos na pág. 173 que o raio do
y-
anel é inversamente proporcional a F. Por conseguinte, durante
o deslocamento considerado, Ry 3 permanece constante. Por
diferenciação, vem

Fazendo x =b c y =a, temos


dy 27
= - - - - - = 0,834.
dx 21 1n - 4

A força que actua sobre um dos núcleos devida à atracção do


anel e à repulsão do outro núcleo é

2e 2x e2
Q=----
(x2 + y2)'1• 4x2

Para x = b e y = a esta força é igual a O.


Correspondendo a um pequeno deslocamento do sistema
para o qual x = a + Bx obtemos, utilizando o anterior valor
dy e2
de - e fazendo Q = - .- HSx,
dx a"

[ 182 1
H =27
-(v3 - - dy) = 1,515.
16 dx
Representando a massa de um dos núcleos por M, obtemos
para a frequência de vibração correspondente ao deslocamento
em causa.

. m aos ! m
v = wo V-
M
H-
as
= 1,32 wo \ / -
M

M
Fazendo-- = 1835 e w0 = 6,2 X 10 1 ~, resulta
m
v = 1,91 X 10H.
Esta frequência .é da mesma ordem de grandeza que a cal-
culada pela teoria de Einstein a partir da variação do calor
específico do hidrogénio gasoso com a temperatura*· Por
outro lado, não se observa qualquer absorção de radiação no
hidrogénio gasoso correspondente a esta frequência. No en-
tanto, essa absorção seria de esperar em virtude da estrutura
simétrica do sistema e do grande valor da razão entre as fre-
quências correspondentes a deslocamentos dos electrões e dos
núcleos. A completa ausência de absorção do infravermelho
pelo hidrogénio gasoso poderia ser considerada como um forte
argumento a favor de uma constituição da molécula de hidro-
génio como a adoptada neste trabalho, em confronto ~om
modelos moleculares nos quais se supõe que a ligação química
tem origem nas cargas de sinais contrários dos átomos com-
ponentes.
Como se demonstrará no§ 5, a frequência calculada acima
pode ser empregada na estimativa da frequência de vibração

* Ver N. Bjerrurn, Zeitschr. /. Elektrochem. XVII, pág. 731


(1911); XVIII, pág. 101 (1912).

[ 183 1
de sistemas mais complicados para os -quais se observa absorção
na região do infravermelho.
Como se disse no § 2, a configuração constituída por dois
núcleos de carga e c por um anel de três electrões girando
entre eles será também estável para deslocamentos dos elec-
trões perpendicularmente ao plano do aneL O cálculo dá

b
- = 0,486, G = 0,623 e F = 0,879;
a

e, além disso,

a= 1,14a0 , w = 0,77wo, W = 2,32Wo.


Uma vez que W é maior do que para o sistema formado
por dois núcl~~ e dois electrões, o sistema em causa pode
ser consideradÓ ·como representando uma molécula de hidro-
génio carregada negativamente. Nas suas experiências com
raios positivos~ Sir J. J. Thomson t obteve a prova da exis-
tência deste sistema.
Um sistema constituído por dois núcleos de carga e e por
um electrão rodando em órbita circular em volta da linha que
une os núcleos é instável para um deslocamento do electrão
perpendicular à sua órbita, visto que, na configuração de equi-
líbrio, G < O. A explicação do aparecimento de moléculas de
hidrogénio carregadas positivamente em experiências com raios
positivos pode portanto ser considerada, à primeira vista, como
uma séria dificuldade oposta à presente teoria. Todavlia, poder-
-se-ia procurar uma explicação plausível nas condições espe-
ciais em que os sistemas são observados. Provàvelmente, neste
caso, não estamos tratando com a formação de um sistema
estacionário por interacção regular de sistemas contendo nú-

t ]. J. Thomson, Phil. Mag. XXIV, pág. 253 (1912 ) .

[ 184]
cleos isolados (ver a próxima secção), mas sim,com um atraso
na separação de uma configuração provocada pela súbita remo-
ção de um dos electrões pelo choque de uma só partícula.
Outra configuração estável que contém poucos electrões
é a constituída por um anel de três electrões e por dois núcleos
de cargas e c 2e. O cálculo numérico dá

b, b.,
- = 1,446, - - = 0,137 e F = 1,552,
a a

onde a -é o raio do anel e b 1 e b2 são as distâncias dos núcleos


ao plano do anel. Por intermédio de (2) c (3) obtemos, além
disso,

a= 0,644ao, w = 2,41wo, W = 7,22Wo,

onde w é a frequência de revolução e W a energia total neces-


sária para remover as partículas para distâncias infinitas umas
das outras. Apesar do facto de W ser maior do que a soma
dos valores de W para um átomo de hidrogénio e um átomo
de hélio (Wo + 6,13W 0 ; cf. Pane II, pág. 150), a con-
figuração em causa, como se demonstrará no parágrafo se-
guinte, não representa uma possível molécula de hidrogénio
e hélio.
A vibração do sistema correspondente ao deslocamento dos
núcleos um em relação ao outro apresenta características dife-
rentes das do sistema de dois núcleos de carga e e de dois
electrões acima considerado. Se, por exemplo, a distância entre
os núcleos aumentar, o anel de electrões aproximar-se-á do
núcleo de carga 2e. Consequentemente, será de esperar que a
vibração esteja relacionada com uma absorção de radiação.

[ 185 ]
§ 4. Formação dÔs sistemas

Como se disse no § 1, não é de supor que sistemas


contendo mais do que um núcleo sejam formados por ligação
sucessiva de electrões, como se fez para os sistemas conside-
rados na Parte II. Somos obrigados a admitir que esses siste-
mas se formam por interacção com outros, contendo núcleos,
aos quais já se ligaram electrões. Consideraremos agora este
problema mais de perto, começando com o caso mais simples
possível, ou seja, a combinação de dois átomos de hidrogénio
para formarem uma molécula.
Tomemos dois átomos de hidrogénio colocados a grande
distância em comparação com as dimensões lineares das órbi-
tas dos electrões e imaginemos que, por meio de forças exte-
riores actuando sobre os núcleos, os obrigamos a aproximar-se
um do outro, sendo, todavia, tão lentos os deslocamentos que
o equilíbrio dinâmico dos electrões para cada posição dos
núcleos é igual ao que seria se estes últimos estivessem cm
repouso.
Suponhamos que os electrões giram de início em planos
paralelos perpendiculares à recta que une os núcleos, e que o
sentido de rotação é o mesmo e a diferença de fase igual a
meia revolução. Durante a aproximação dos núcleos, a direc-
ção dos planos das órbitas dos electrões e a diferença de fase
permanecerão inalteradas. Não obstante, no começo do pro-
cesso, os planos das órbitas aproximar-se-ão um do outro mais
ràpidamente do que os núcleos. Pelo deslocamento contínuo
dos núcleos, os planos das órbitas dos electrões aproximar-
-se-ão cada vez mais um do outro, até que, finalmente, para
certa distância entre os núcleos, os dois planos coincidirão,
dispondo-se os electrões num único anel girando no plano de
simetria dos núcleos. Se os núcleos se aproximarem mais, a
e
razão entre o diâmetro do anel de electrões a dâstância que

[ 186 1
separa os núcleos aumentará e o sistema passará a uma confi-
guração na qual estará em equilíbrio sem actuação de forças
exteriores sobre os núcleos.
Por meio de um cálculo semelhante ao indicado no § 2,
é possível demonstrar com facilidade que cm qualquer mo-
mento durante este processo a configuração dos electrões é
estável para um deslocamento perpendicular ao plano das órbi-
tas. Além disso, em todo o decorrer da operação, permanecerá
constante o momento angular de cada um dos electrões no
seu movimento em tomo da linha que une os núcleos e, por-
tanto, a configuração de equilíbrio obtida será idêntica à adop-
tada no § 3 para a molécula de hidrogénio. Como então se
demonstrou, a configuração corresponderá a um valor da ener-
gia total menor do que o correspondente a dois átomos iso-
lados. Por conseguinte, durante o processo, as forças entre as
partículas do sistema terão realizado trabalho contra as forças
exteriores que actuam sobre os núcleos; este facto pode expri-
mir-se dizendo que os átomos se «atraíram» um ao outro
durante a combinação. Um cálculo mais rigoroso mostra que
para qualquer distância entre os núcleos maior do que a
correspondente à configuração de equilíbrio, as forças exerci-
das sobre os núcleos, devidas às partículas do sistema, terão um
sentido que tenderá a diminuir a distância entre eles, enquanto,
para qualquer distância menor do que essa, as forças terão
o sentido contrário.
Por meio destas considerações é indácado um processo de
combinação possível de dois átomos de hidrogénio para for-
marem uma molécula. Esta operação pode ser seguida passo a
passo sem a introdução de qualquer nova hipótese sobre a
dinâmica dos electrões c conduz a wna configuração idêntica
à adoptada no § 3 para a molécula de hidrogénio. Devemos
lembrar que esta última configuração foi dcdll7Jida directa-
mente por intermédio da hipótese principal da constância lmi-

[ 187]
versai do momento angular dos electrões. Estas considerações
oferecem também a explicação da «afinidade» de dois átomos.
É preciso salientar que o pressuposto sobre a lentidão do mo-
vimento dos núcleos relativo aos dos electrões é satisfeito com
elevado grau de aproximação na colisão entre dois átomos de
um gás a temperaturas usuais. Todavia, por este método, ao
admitir-se um arranjo especial dos electrões no início do pro-
cesso, obtém-se escassa informação sobre a probabilidade da
combinação devida a uma colisão arbitrária entre dois átomos.
Outra maneira de se poder formar uma molécula neutra
de hidrogénio é a combinação de dois átomos, um carregado
positivamente e o outro negativamente. Segundo a teoria, um .
átomo de hidrogénio carregado positivamente é apenas um
núcleo de dimensões · diminutas e de carga e, ao passo que
um átomo carregado negativamente é um sistema constituído
por um núcleo rodeado por um anel de dois electrões. Como
se demonstrou na Parte II, este último sistema pode ser con-
siderado como possível, visto que a energia emitida quando se
formasse seria maior do que a energia correspondente para um
átomo de hidrogénio neutro. Imaginemos agora que, como
anteriormente, por um deslocamento lento dos núcleos, se
combinam dois átomos com cargas de sinais contrários. Deve-
mos admitir que, quando os núcleos estão a uma distância
igual à que têm na configuração adoptada para a molécula
de hidrogénio, os electrões ficarão dispostos da mesma ma-
neira, pois que esta é a única configuração estável para esta
distância, na qual o momento angular dos electrões tem o
valor exigido pela teoria. No entanto, o estado de movimento
dos electrões não variará de modo contínuo com o desloca-
mento dos núcleos como na combinação de dois átomos neu-
tros. Para uma certa distância entre os núcleos, a configuração
dos electrões será instável e variará bruscamente de uma quan-
tidade finita; isto deduz-se imediatamente a partir do facto

[ 188]
de passar por uma série ininterrupta de configurações estáveis
o movimento dos electrões na combinação de dois átomos
neutros de hidrogénio acima considerada. O trabalho realizado
pelo sistema contra as forças exteriores, no caso da combinação
de dois átomos com cargas de sinais contrários, não será, por-
tanto, igual à diferença das energias das configurações inicial
e final; mas, à passagem pelas configurações instáveis, deverá
ser emitida uma radiação de energia correspondente à energia
libertada durante a ligação de electrões por um só núcleo
considerada nas Partes I e II.
Deste ponto de vista resulta que a divisão de uma molécula
de hidrogénio por aumento vagaroso da distância entre os
núcleos dará origem a dois átomos neutros de hidrogénio e não
a dois átomos com cargas de sinais contrários. Esta conclusão
está de acordo com o que se pode deduzir de experiências
realizadas com raios positivos *.
Imaginemos depois que, em vez de dois átomos de hidro-
génio, consideramos dois átomos de hélio, isto é, sistemas
formados por um núcleo de carga 2e rodeado por um anel de
dois electrões, e que seguimos um processo semelhante ao
considerado na pág. 186. Suponhamos que os átomos de hélio,
no início da operação, estão orientados um em relação ao
outro como os átomos de hidrogénio, mas sendo a diferença
de fase dos electrões nos átomos de hélio igual a um quarto de
revolução, enquanto, no caso dos átomos de hidrogénio, era
igual a meia revolução. Como no caso anterior, quando se der
o deslocamento dos núcleos, os planos dos anéis de electrões
aproximar-se-ão um do outro mais ràpidamcnte do que os
núcleos, acabando por coincidir para uma certa posição destes
últimos. Durante a ulterior aproximação dos núcleos, os elec-
trões vão distribuir-se num só anel cm intervalos angulares

* Cf. J. J. Thomoon, Phil Mag. XXIV, pág. 248 (1912).

[ 189]
iguais. Do mesmo modo que no caso anterior, é possível de-
monstrar que, em qualquer momento desta operação, o sistema
será estável para um deslocamento dos electrões penpendicular
ao plano dos anéis. No entanto, contràriamente ao que se
passa no caso do hidrogénio, as forças exteriores a aplicar aos
núcleos para que o sistema se mantenha em equilíbrio terão
sempre um sentido tendente a diminuir a distância entre os
núcleos e, por isso, o sistema nunca passará por uma configu-
ração de equilíbrio; durante o processo, os átomos de hélio
«repelem-se» um ao outro. Esta análise explica por que razão
os átomos de hélâo não se combinam formando moléculas
quando os átomos se aproximam muito.
Em vez de dois átomos de hidrogénio ou de dois átomos
de hélio, consideremos a seguir um átomo de hidrogénio e um
átomo de hélio e, de maneira análoga, obriguemos os núcleos
a aproximarem-se um do outro. Agora, ao contrário dos casos
anteriores, os electrões não terão qualquer tendência a jun-
tar-se num só anel. Devido à grande diferença dos rlllios das
órbitas dos electrões no hidrogénio e no hélio, é de esperar
que o electrão do átomo de hidrogénio gire sempre por fora
do anel do hélio e que, se os núcleos forem obrigados a apro-
ximar-se muito, a configuração dos electrões seja coincidente
com a adoptada na Parte II para um átomo de hélio. Além
disso, as forças exteriores que será necessário aplicar aos
núcleos durante o processo terão um sentido tendente a dimi-
nuir a distância entre eles. Por conseguinte, não poderemos
obter, desta maneira, uma combinação dos átomos.
Não é de espera·r que a configuração estável considerada
no § 3, constituída por um anel de três electrões e por dois
núcleos de cargas e e 2e, se forme por um tal processo, a não
ser que o anel de electrões fosse captado inicialmente por um
dos núcleos. Todavia, nem o núcleo do hidrogénio nem o do
hélio são capazes de fixar um anel de três electrões, pois que

[ 190]
a essa configuração corresponderia uma energia total maior
do que a que teria um núcleo que captou dois electrões ( cf.
Parte II, págs. 149 c 151). Como se disse no§ 3, essa confi-
guração não pode portanto considerar-se como representando
uma combinação possível de hidrogénio c hélio, a despeito do
facto de o valor de W ser maior do que a soma dos valores de
W para um átomo de hidrogénão e um átomo de hélio. Toda-
via, como veremos na secção seguinte, a configuração pode dar
indicações sobre a estrutura possível das moléculas de certa
classe de combinações químicas.

§ 5. Sistemas que contêm electrões em maior número


A partir das considerações da secção anterior somos levados
a . indicações sobre a configuração dos electrões em sistemas
que contêm electrões cm maior número, coerentes com as
obtidas no § 2.
De modo semelhante ao considerado na pág. 186, para dois
átomos de hidrogénio, imaginemos que obrigamos dois átomos
contendo grande número de electrões a aproximarem-se um do
outro. No início do processo, o efeito dos anéis interiores sobre
a configuração será muito pequeno em comparação com o
efeito dos electrões dos anéis exteriores, dependendo o resul-
tado final p1.1incipalmente dos electrões destes anéis. Se, por
exemplo, o anel exterior em ambos os átomos contiver só um
electrão, será de esperar que durante a aproximação estes dois
electrões formarão apenas um anel como no caso do hidro-
génio. Aproximando ainda mais os núcleos, o sistema chegará
a um estado de equilíbrio antes que a distância dos núcleos
seja comparável com os raios dos anéis de electrões interiores.
Se a distância diminuir ainda mais, a repulsão dos núcleos
tornar-se-á predominante e tenderá a impedir a aproximação
dos sistemas.

[ 191]
· Desta maneira somos levados a uma configuração possível
da molécula constituída por duas substâncias monovalentcs
- como por exemplo o ClH - na qual o anel de electrões que
representa a ligação química tem uma disposição semelhante
à atribuída à molécula de hidrogénio. No entanto, visto que,
como no caso do hidrogénio, a energia emitida por uma com-
binação dos átomos é apenas uma pequena parte da energia
cinética dos electrões exteriores, é previsível que, cm virtude
da presença dos anéis de electrões interiores nos átomos,
pequenas diferenças na configuração do anel terão grande
influência sobre o calor de combinação e, consequentemente,
sobre a afinidade das substâncias. Como se disse em § 2, a
discussão pormenorizada destas questões impLica complicados
cálculos numéricos. Todavia, é possível fazer uma comparação
aproximada da teoria com a experiência, considerando a fre-
quência de vibração dos dois átomos que formam a molécula,
um em relação ao outro. No§ 3, pág. 183, calculámos esta fre-
quência para uma molécula de hidrogénúo. Como agora se
admitiu que a ligação dos átomos é semelhante à do hidro-
génio, a. frequência de outra molécula pode ser fàcilmente cal-
culada se soubermos que a relação entre as massas dos núcleos
é a de um núcleo de hidrogénio. Representando por 1· 0 a fre-
quência de uma molécula de hidrogénio e, respectivamente,
por A1 e A2 os pesos atómicos das substâncias que entram no
composto em questão, obtemos

V = Vo v'
Se os dois átomos forem idênticos, a molécula será exactamente
simétrica, não sendo de esperar que se dê absorção da radiação
correspondente à frequência em causa ( cf. pág. 183) .

[ 192]
Para o gás ClH observa-se uma banda de absorção na
região infravermclha correspondente a uma frequência de
cerca de 8,5 X 1013 *. Fazendo na fórmula anterior A1 = 1,
A2 = 35 e utilizando o valor· i,t~. .vo da pág. 183, vem
,. = 13,7 X 10u. Em virtude d~ ..aproximação introduzida
o acordo pode ser considera® como satisfatório.
As moléculas em causa podem :. também ser formadas
pela combinação de um átomo carregado positivamente com
outro carregado negativamente. Não obstante, como no caso
do hidrogénio, deveremos obter dois átomos neutros por divi-
são da molécula. Pode haver outro tipo de moléculas, para as
quais isto não se verificará, corno por exemplo, as moléculas
que se formam de maneira análoga ao sistema constituído por
um anel de três electrões e por dois núcleos de cargas e e 2e,
mencionado na secção anterior. Corno vimos, a condição neces-
sária para a formação de uma configuração desta espécie é
que um dos átomos da molécula possa ligar três electrões no
anel exterior. Segundo a teoria, esta condição não é satisfeita
pelo~ átomos de hidrogénio e hélio, mas é-o pelo átomo de
oxigénio. Com os símbolos utilizados na Parte II, a configu-
ração sugerida para o átomo de oxigénio era dada por
8 ( 4,2,2). Por meio de um cálculo corno o indicado na
Parte II, obteremos para essa configuração W = 228,07 W0,
enquanto para a configuração 8(4,2,3) vem W = 228,18 W0 •
Como o último valor de W é maior do que o primeiro, a
configuração · 8 ( 4,2,3) pode ser considerada como possível e
corno representando um átomo de oxigénio com urna só carga
negativa. Se obrigarmos agora um átomo de hidrogénio a
aproximar-se do sistema 8 ( 4,2,3) será de esperar que se forme
urna configuração estável na qual os electrões exteriores se
distribuirão aproximadamente corno no sistema mencionado.

• Ver H. Kayser, Handb. d. Spectr., III, pág. 366 (1905).

[ 193]
13
Quando esta configuração se dissociar, o anel de três electrões
ficará a pertencer ao átomo de oxigénio.
Estas considerações sugerem uma configuração possível da
molécula de água, constituída por um núcleo de oxigénio
rodeado por um pequeno anel de quatro electrões e por dois
núcleos de hidrogénio situados no eixo do anel a distâncias
iguais do primeiro núcleo e mantidos em equilíbrio por meio
de dois anéis de raio maior, contendo cada um três electrões;
estes giram em planos paralelos em torno do eixo do sistema,
estando colocados um em relação ao outro de modo que os
electrões de um dos anéis estejam situados precisamente em
frente dos intervalos entre os electrões do outro. Se imaginar-
mos que este sistema se divide por remoção lenta dos núcleos
de hidrogénio, deverão obter-se dois átomos de hidrogénio
carregados positivamente e um átomo de oxigénio com carga
negativa dupla, no qual os electrões exteriores estarão distri-
buídos por dois anéis com três electrões cada um, girando em
plan<':- paralelos. A hipótese de uma tal configuração· para a
molécula de água explica possivelmente a grande absorção
dos raios infravermelhos pela água e o valor elevado da sua
capacidade indutora específica.
No que precede considerámos apenas sistemas que pos-
suem um eixo de simetria cm torno do qual se supõe que os
electrões se movem em órbitas circulares. No entanto, em
sistemas como a molécula CH1> não é possível admitir a
existência de um eixo de simetria e, consequentemente, em
tais casos é necessário omitir a hipótese das órbitas exacta-
mente circulares. A configuração sugerida pela teoria para a
molécula CH 4 é do tipo usual do tetraedro; o núcleo de car-
bono rodeado por um anel muito pequeno de dois electrões
estará situado no centro e cm cada vértice haverá um núcleo
de hidrogénio. As ligações químicas são representadas por
4 anéis com 2 electrões cada um, girando em torno das linhas

[ 194]
que unem o centro e os vértices. A discussão pormenorizada
destas questões está, no entanto, muito fora do alcance da
presente teoria.

No tas finais

Nesta memória fez-se uma tentativa de desenvolvimento


de uma teoria da constituição dos átomos e das moléculas
baseada nas ideias introduzidas por Planck para explicar a
radiação do corpo negro e na teoria da estrutura dos átomos
proposta por Rutherford para explicar a dispersão das parti-
culas a: pela matéria.
A teoria de Planck trata da emissão e absorção da radiação
de um vibrador atómico de frequência constante, independente
da quantidade de energia possuida pelo sistema no momento
considerado. Todavia, a hipótese da existência de tais vibra-
dores implica a intervenção de forças quase elásticas, sendo
incoerente com a teoria de Rutherford, segundo a qual todas
as forças entre partículas de um sistema atómico variam inver-
samente com o quadrado das distâncias entre elas. Para se
aplicarem os principais resultados obtidos por Planck é, por-
tanto, necessário introduzir novas hipóteses sobre a emissão e
absorção de radiação por um sistema atómico.
As principais hipóteses utilizadas na presente memória são:

1. Que a energia radiada não é emitida (ou absorvida) da


maneira contínua admitida pela electrodinâmica clássica,
mas apenas durante a passagem dos sistemas de um estado
«estacionário» para outro diferente.
2. Que o equilíbrio dinâmico dos sistemas nos estados esta-
cionários é governado pelas leis da mecânica clássica, não
se verificando estas leis nas transições dos sistemas entre
diferentes estados estacionários.

[ 195]
3. Que é homogénea a radiação emitida durante a transição
de um sistema de um estado estacionário para outro, e
que a relação entre a frequência v' e a quantidade total de
energia emitida é dada por E = hv, sendo h a constante de
Planck.
4. Que os diferentes estados estacionários de um sistema sim-
ples constituído por um electrão que roda em volta de um
núcleo positivo são determinados pela condição de ser
lz
igual a um múltiplo inteiro de - a razão entre a energia
2
total emitida durante a formação da configuração e a fre-
quência de revolução do electrão. Admitindo que a órbita
do electrão é circular, esta hipótese equivale a supor que
o momento angular do electrão em tomo do núcleo é
h
igual a um múltiplo inteiro de - - .
271"
5. Que o estado «permanente» de um sistema atómico- isto
é, o estado no qual a energia emitida é máxima - é deter-
h
minado pela condição de ser igual a - o momento angu-
27r
lar de cada electrão em tomo do centro da sua órbita.
Mostrou-se que, aplicando estes postulados ao modelo ató-
mico de Rutherford, é possível compreender as leis de Balmer
e de Rydberg que relacionam as frequências das diferentes
riscas do espectro de riscas de um elemento. Além disso, esbo-
çou-se uma teoria da constituição dos átomos dos elementos
c da formação de moléculas de compostos químicos, a qual
se verificou estar, em vários pontos, em concordância aproxi-
mada com as experiências.
É evidente a conexão íntima entre a presente teoria e as
modernas teorias da radiação do corpo negro e do calor espe-
cífico; como, à luz da electrodinâmica clássica, o momento

[ 196 J
magnético devido a um electrão girando em órbita circular é
proporcional ao momento angular, será de esperar, ainda, uma
relação íntima com a teoria dos magnetões proposta por
W eiss. O desenvolvimento de uma teoria pormenorizada da
radiação do calor e do magnetismo baseada na nossa teoria
exige, no entanto, a introdução de novos postulados sobre o
comportamento de electrões ligados num campo electromagné-
tico. O autor espera voltar mais tarde a estas questões.

[197 1
ESBOÇO DE UMA SECÇÃO ADICIONAL A PARTE II,
SOBRE O MAGNETISMO

§ 5. Influência de um campo magnético

Um cálculo simples baseado na electrodinâmica usual


mostra que a força magnética devida a um electrão móvel em
órbita circular, a distâncias grandes em comparação com o
raio, será aproximadamente igual à de um pequeno magnete
1 e
de momento - . - · M, sendo M o momento angular do
2c M
electrão em tomo da sua órbita. Consequentemente, será de
esperar que exista uma conexão íntima entre a teoria baseada
na hipótese da constância universal do momento angular dos
electrões ligados em sistemas atómicos, e a teoria dos magne-
tões proposta por Weiss *) . Segundo esta teoria, os átomos das
substâncias paramagnéticas contêm numerosos pequenos mag-
netes cujos momentos são os mesmos em todas as substâncias.
Admitindo que cada átomo de uma certa substância con-
tém apenas um electrão girando numa órbita circular com
h
momento angular- , e representando por N o numero de
'
2;r
átomos existentes num átomo-grama, virá para momento
Neh
magnético total do átomo-grama da substância-- . Fa-
41Tcm
e
zendo Ne = 2,894 X 1014 e substituindo os valores de
m
,,
*) P. Weiss, Phy. Zeitschr. XII, pág. 935, 1911.

[ 198]
e
e de - dados na nota da pág. ( ), virá M = 0,561 X
h
X 104 • O valor do «magnetão-grama» calculado por Weiss é
1
1123,5 = 5 · 5618 . Este valor, dentro da incerteza devida

aos erros experimentais das constantes intervenientes, é exac-


tamente igual a um quinto do valor calculado a partir do
valor suposto do momento angular dos electrões*). Esta
relação simples pode ser considerada como prometedora para
urna teoria do magnetismo baseada na hipótese utilizada nesta
memória; no entanto, uma discussão pormenorizada implica
problemas de grande dificuldade, pois é necessário introduzir
outros postulados acerca do comportamento dos electrões liga-
dos num campo magnético. Não é possível obter informações
sobre este ponto a partir da electrodinâmica clássica. Pode de-
monstrar-se **) que, se nos átomos os electrões estivessem liga-
dos por forças mecânicas, a presença de um campo magnético
influenciaria apenas as órbitas dos electrões, mas não a velo-
cidade e a distribuição estatistica no espaço. Consequente-
mente, o campo não daria lugar a qualquer efeito magnético
externo dos electrões, nem diamagnético nem paramagnético.
Assim, tanto como os fenómenos de radiação e de calor espe-
cífico, os fenómenos de magnetismo mostram a falência da

*) A concordância, quanto à c::-dem de grandeza, entre o valor


do magnetão e o momento magnético devido a um electrão móvel
numa órbita circular, para o qual a razão entre a energia cinética
e a frequência de revolução é igual à constante de Planck, foi apon-
tada por vã rios físicos na discussão da teoria de W eiss na reunião
realizada em Karlsruhe em 1911 (ver Phys, Zeitschr. XII, pãg, 945
(1911).
- ) Ver N. Bohr, Studier over Metallemes Flektronteori, Cope-
nhague (1911).

[ 199]
mecânica clássica na compreensão do· comportamento dos elec-
trões ligados nos átomos.
Sendo necessário abandonar a mecânica usual, a maneira
mais simples para discriminar entre diferentes hipóteses rela-
tivas ao comportamento dos electrões ligados num campo
magnético deve ser considerar o efeito do campo sobre a
energia dos sistemas. A maior parte das hipóteses, tais como
a utilizada por Langevin na sua teoria do magnetismo, condu-
ziria a uma variação da energia dos sistemas proporcional à
força magnética. Contudo, isto levaria à conclusão - incom-
patível com as experiências - de que todas as substâncias
apresentariam propriedades paramagnéticas. No entanto, há
uma hipótese simples que não levantaria esta dificuldade:
admitir que a condição da constância universal do momento
angular dos electrões - suposta como válida na ausência de
campo magnético - se verificaria também na presença de um
campo magnético. O cálc~lo mostra que, admitindo esta hipó-
tese, a alteração da energia dos sistemas devida ao can1po será
proporcional ao quadrado da força magnética e, além disso,
que esta alteração será sempre no sentido de aumentar a ener-
gia dos sistemas. Sob este ponto de vista, só o diamagnetismo
seria uma propriedade geral dos electrões ligados. Esta con-
cepção concorda com a evidência experimental que indica que
o diamagnetismo é uma propriedade geral dos átomos, en-
quanto o aparecimento do paramagnetismo está intimamente
relacionado com a formação de complicados sistemas espe-
ciais.
Postulando a validade geral da constância do momento
angular dos electrões, mesmo num campo magnético, devería-
mos renunciar à explicação habitual do efeito de Zeeman. Isto
seria no entanto de· esperar, visto que já na Parte I, pela intro-
dução da hipótese relativa ao momento angular, nos afastámos
da concepção geral de que a frequência da radiação é igual à

[ 2001
frequência de vibração dos electrões calculada da maneira
usual.
A tentativa de explicar o efeito de Zeeman por meio da
relação E= hv, utilizada na determinação da frequência emi-
tida na ausência de um campo, não teria êxito porque daria
uma variação de frequência proporcional ao quadrado do
campo magnético.
Para compreender o efeito de Zeeman, com base na pre-
sente teoria, somos levados a admitir, partindo das considera-
ções acima feitas, que, num campo magnético, a frequência da
radiação emitida durante a ligação de um electrão é determi-
nada pela relação E =h (v - v1) se o electrão ligado girar
no mesmo sentido que o electrão livre móvel no campo, e por
E =h (v + v 1 ) se o electrão ligado tiver movimento de reno-
lução no sentido oposto, sendo v1 igual a metade da frequência
de rotação de um electrão livre.
O autor espera voltar brevemente a estas questões.

[ 201]
íNDICE

Prefácio à edição portuguesa 5


Introdução de L. Rosenfeld:
1. «Sistemas satumianos» . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2. Bohr em Manchester . .. ...... .................... ... 37
3. O espectro do hidrogénio . . . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4. A grande trilogia . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .. . .. . ....... 75
5. Primeiras reacções . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 83

Textos de Niels Bohr:


Sobre a constituição de átomos e moléculas 95
Parte I . . .. ..... . .. . .. . . . . . . . ... . . . .. . .. . .. . .. . .. . . . . ... . . . . 98
Parte II .. ...... , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
Parte III .. ... ... ..... ... . ... .. . ... . ..... .. . .. . .... ... .. .. .. 171

Esboço da secção adicional à Parte II sobre Magne-


tismo ..... . .. ........... .. ........ ..... .................... .. 198
Esta tradução portuguesa
de
SOBRE A CoNSTITUIÇÃO DE ÁTOMOS E MOL!CULAS,
de Niels Bohr.
foi impressa em offset
na Sociedade Tipográfica, Lda., de Lisboa,
para a Fundação Calouste Gulbenkian.
A tiragem é de S 000 exemplares encadernados.
Mês de Junho de 1979.

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