Você está na página 1de 2

LIVROS E MULTIMÉDIA

MENTES BRILHANTES rem lançado o desesperado alerta: "Hous- de Fevereiro, dizia que o veículo para o
ton, we have a problem!". Trata-se antes óscar é um pastelão indigesto, destinado a
de contar a história de um matemático vender gato por lebre a quem quiser con-
de génio, que trabalhou nos melhores sí- sumir, ao passo que Manuel Cintra Fer-
tios da ciência mundial (Instituto de reira, no "Expresso" do mesmo dia, es-
Estudos Avançados de Princeton, onde crevia que é o exemplo de um vencedor
Einstein passou os últimos tempos da anunciado, não pelas qualidades mas sim
sua vida, e o Massachussetts Institute of pelo calculismo e oportunismo). Achou-o
Technology, MIT), que é depois atacado sentimentalóide, piegas, lamechas (por
por esquizofrenia e que consegue não só dar a imagem de cientista louco salvo pela
resistir à doença como até, facto extra- mulher a um público ávido de histórias
ordinário, ganhar, já com mais de 60 extravagantes). O filme tem, porém, o
anos, o Prémio Nobel da Economia (em mérito de mostrar a vida e obra de um
1994). John Nash, o cientista em causa, cientista ilustre. Está povoado de refe-
está vivo, como a película faz questão de rências científicas que poderão passar
lembrar no final, e esteve até na cerimó- despercebidas à maioria dos especta-
nia da entrega dos óscares. dores. Porém, pior do que a acentuação
"A Beautiful Mind"
Sylvia Nasar de uma história de novela ("coração salva
Faber and Faber, Londres e Nova Iorque, 1999 Mas há importantes diferenças entre a cérebro perdido"), tem o demérito de
(tradução portuguesa a publicar pela Reló- realidade e a ficção do filme: alguns reali- ampliar o estereótipo do cientista malu-
gio d’Água) zadores costumam, de resto, ser atacados co, alguém que vive apartado do mundo
por este tipo de "esquizofrenia artística". real, permanentemente embrenhado em
Hollywood soube pintar com tons cor- elucubrações e assaltado por fantasmas.
-de-rosa uma biografia que se encontra É certo que alguns cientistas, em particu-
nua e crua no livro que Sylvia Nasar, jor- lar matemáticos, conheceram a demên-
nalista de economia do "New York cia ou pelo menos andaram lá perto (por
Times", publicou em 1998 e que dá o exemplo, o austríaco Kurt Goedel, com -
título ao o filme. Trata-se de uma exten- panheiro de Einstein em Princet on).
sa biografia, baseada em ampla pesquisa, Mas não é menos certo que não há qual-
de John Nash. O livro já era um êxito quer relação entre esquizofrenia e genia-
antes do filme, mas o cinema projectou- lidade. A grave doença psiquiátrica, nor-
-o para o famoso top-ten do "New York malmente incurável, atinge cerca de um
Times", onde ainda está o livro, muito por cento da população, apanhando
mais do que o filme, retrata bem o que é também e como é óbvio os cientistas,
a ciência em geral e a matemática em que são, a este respeito, pessoas como as
particular. Na vida real, Nash mostra outras.
tendências homossexuais na juventude e
tem um filho de uma enfermeira ao qual A mostrar que está na moda a apropria-
"Copenhagen"
não reconhece a paternidade. Nada disso ção pelos meios artísticos de temas cien-
Michael Frayn
aparece no filme. Casa-se a seguir com tíficos, repare-se também na peça
Methuen Drama,2000
(representação portuguesa a ser preparada uma estudante de física do MIT, Alicia "Copenhagen", da autoria de Michael
pelo Novo Grupo, de Lisboa) Larde. Contudo, enquanto na vida real Frayn, que explora o encontro de dois
Alicia o abandona, incapaz de resistir ao dos maiores físicos do século passado, o
stress, no filme ela é uma heroína que se dinamarquês Niels Bohr e o alemão
O filme "Uma Mente Brilhante" passou conserva sempre ao lado do génio des- Werner Heisenberg. Frayn é um drama-
recentemente nas salas de cinema e ganhou graçado pela doença mental (os dois turgo nascido em Londres, que começou
óscares, nomeadamente o óscar para o voltaram a juntar-se recentemente, como a sua carreira como jornalista no "The
melhor filme, recebido pelo realizador que confirmando o final feliz da ficção Guardian" e no "The Observer". A peça
norte-americano Ron Howard (o mesmo cinematográfica). Na vida real o Nobel estreou primeiro em Londres em 1998 e
de "Apollo 13"). foi partilhado com dois economistas, ao depois em Nova Iorque em 2000. Os
passo que no filme Nash aparece sozinho personagens são três: além de Hei-
O enredo tem, tal como "Apollo 13", a receber a medalha em Estocolmo. senberg e Bohr, entra Margarethe Bohr,
uma base científica. Desta vez, não se mulher deste último. O tema glosado é a
trata de contar o drama dos astronautas A crítica não recebeu bem o filme relação de incert eza de Heisen berg.
que não sabem se salvarão depois de te- (Mário Jorge Torres, no "Público" de 22 Frayn dá a entender que a incerteza se
aplica acima de tudo às acções humanas: POR QUE ACREDITAM fazer uma escolha dos materiais que pu-
Heisenberg não tem a certeza de quais blica de acordo com os objectivos que
eram as suas intenções quando foi a Co- AS PESSOAS EM COISAS persegue e com o público-alvo que tem.
As contribuições científicas originais
penhaga encontrar-se com Bohr... Os ESTRANHAS
dois homens, duas mentes brilhantes, devem ser enviadas para revistas interna-
cionais específicas e não para a revista
encontram-se em plena guerra mundial e
nacional de divulgação da Física. Mas é
em causa está nada mais nada menos do
também um problema de tempo, porque
que o futuro do mundo: Bohr, o mestre, o tempo dos cientistas é limitado e eles
está do lado dos aliados e Heisenberg, o naturalmente preferem concentrá-lo na
discípulo, do lado dos alemães. Ambos resolução dos seus próprios problemas
estão ou poderão vir a estar de posse de ou no exame de artigos de colegas seus
importantes segredos atómicos. Foram conhecidos do que procurar erros em
há pouco revelados documentos que artigos obscuros, cujos autores não do-
mostram o profundo desencanto de minam o método científico (não lhes de-
Bohr relativamente à conduta de Hei- vemos chamar cientistas, uma vez que
senberg (ver "Física no Mundo"). não aceitam o primado do reconheci-
mento do erro).
Quer "Uma Mente Brilhante" quer
É claro que a teoria da relatividade pode
"Copenhagen" mostram como a ciência um dia vir a ser ultrapassada. Que existe
pode chegar ao grande público. Este uma pequena chance de o Big Bang
gosta de se alimentar de dramas, quer nunca ter existido. Isto é: em ciência des-
seja o drama individual de um doente cobrem-se erros. Mas dificilmente essa
que se cura como que por milagre, quer descoberta será feita por quem não do-
seja o drama de todo o mundo, cujo des- minar o aparato da ciência e, por isso,
tino depende do encontro de dois sábios. não conhecer profundamente o quadro
"Por que Acreditam as Pessoas em Coisas científico estabelecido. Quem escreve
CARLOS FIOLHAIS Estranhas.Pseudociência,Superstições e esses artigos estranhos julga que é fácil
outras Confusões do Nosso Tempo" fazer ciência fundamental. Mas não:
tcarlos@teor.fis.uc.pt
Michael Shermer trata-se de uma das actividades humanas
Replicação, 2001. mais difíceis e exigentes, não estando ao
alcance de diletantes. Há métodos em
ciências para não errar e a aquisição des-
Na "Gazeta de Física" recebo muitas ve-
ses métodos exige um treino prolongado
zes artigos com conteúdos que, à
e intenso.
primeira vista, têm todo o aspecto de se-
rem científicos mas que, à segunda vista,
Em suma, algumas pessoas, até cultas,
se revelam algo estranhos.
são capazes de fabricar e acreditar em
Um dos temas recorrentes consiste em coisas estranhas. E, se isto acontece com
mostrar que a teoria da relatividade está essas pessoas, por maioria de razão ocor-
errada ou incompleta. Outro, por vezes re com outras. As pessoas, em geral, são
relacionado com o anterior, é a cosmolo- capazes de fabricar e de acreditar em
gia e, dentro deste tema, a tese favorita coisas muito, muito estranhas...
consiste em mostrar que o Big Bangnun-
ca existiu. Os autores apresentam em Pode pensar-se que tudo isso não faz mal
geral fórmulas matemáticas, o que até a ninguém. Mas pode fazer mal à car-
facilita a descoberta de erros. Mas, por teira! Mão amiga fez-me chegar há
vezes, a confusão é tão grande que é difí- pouco um prospecto (autêntico, pois
cil descobrir o erro (como dizia Wolf- tinha nomes, moradas, telefones e pre-
gang Pauli para rebater uma crítica: O ços de consulta) que recomendava a
que diz nem sequer chega a estar errado!). "cura taquiónica" de várias doenças. Os
taquiões são partículas hipotéticas,
Em geral, os autores não aceitam bem a baseadas em teorias que ultrapassam a da
rejeição do artigo, reclamando que se relatividade, que andariam com uma
deviam expor todas as ideias à livre críti- velocidade superior à da luz. Será que
ca de todos. Mas não se pode fazer isso um ingénuo que comprar a dita "cura
por uma questão de espaço e de tempo. taquiónica" vai viajar para trás no tem-
De espaço, porque uma revista não tem po, até uma altura em que ainda não
todo o espaço, sendo por isso obrigada a estivesse doente?

Você também pode gostar