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7º seminário de pesquisadores do PPGArtes Uerj

Daniel S. Lopes
Débora Moraes
João Paulo Racy
Renata de Mello
(Organizadores)

1ª edição
Rio de Janeiro
DECULT | UERJ
2019
2
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO | UERJ

Reitor
Ruy Garcia Marques

Vice-Reitora
Maria Georgina Muniz Washington

Sub-Reitora de Graduação
Tania Maria de Carvalho Netto

Sub-Reitor de Pós-graduação e Pesquisa


Egberto Gaspar de Moura

Sub-Reitora de Extensão e Cultura


Elaine Ferreira Tôrres

Diretor do Centro de Educação e Humanidades


Lincoln Tavares Silva

Diretora pró-tempori do Instituto de Artes


Ana Valéria de Figueiredo da Costa

Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Artes


Sheila Cabo Geraldo

Coordenadora Adjunta de Pós-graduação


Cristina Adam Salgado Guimarães

Presidente da Associação de Pós-Graduandos


Rodrigo Torres do Nascimento

3
Comissão Organizadora 7º Seminário de pesquisadores do PPGArtes Uerj
Adalgiso Pereira de Souza Junior
Bruno Reis
Daniel S. Lopes
Débora Marques Moraes
Gabriela Tarouco
Hernani Guimarães
Ítala Isis
Maria Izabel Barreto
Joana Traub Cseko
João Paulo Alvaro Racy
Mariana Scarambone
Monique das Neves Silva
Nathan Braga Motta de Paula
Renata de Mello Cerqueira Pereira

4
MODOS DE FAZER
7º seminário de pesquisadores do PPGArtes Uerj

Daniel S. Lopes
Débora Moraes
João Paulo Racy
Renata de Mello
(Organizadores)

1ª edição
Rio de Janeiro
DECULT | UERJ
2019

5
Grafia revisada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 2016.

Os artigos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores.

Capa e Diagramação: Rodrigo Torres do Nascimento

CATALOGAÇÃO NA FONTE
______________________________________________________________________

S471 Seminário de Pesquisadores do PPGArtes UERJ (7.:2019: Rio de


Janeiro) Modos de fazer: 7. Seminário de Pesquisadores do
PPGArtes UERJ / Organizadores: Daniel S. Lopes, et.al. – Rio de
Janeiro: UERJ/DECULT, 2019.
300 p.

ISBN 978-85-85954-93-2

1. Arte na educação – Rio de Janeiro (RJ) - Congressos. I. Lopes,


Daniel S. II.Título. III. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Departamento Cultural.

CDU 7:37

______________________________________________________________________

UERJ/REDE SIRIUS/NÚCLEO MID


Bibliotecária: Luciana Avellar CRB7/4544

6
Sumário
08 Apresentação

10 Modos de descolonizar o saber e de habitar o mundo.


Sheila Cabo Geraldo

15 Como pesquisar arte em tempos de crise?


Alexandre Sá

23 Educação, Ciência, Cultura e Arte em tempos de crise


Rodrigo Torres do Nascimento

30 Cidades, corpos e outras territorialidades


Renata de Mello

49 Corpos em atravessamento: gênero e política


Maria Izabel Barreto

68 Experiências performativas: Afetos e cuidados


Monique das Neves Silva

83 Insurgências antirracistas e decoloniais


Débora Moraes e Hernani Guimarães

101 Narrativas temporais sobre corpo e afetos


Gabriela Tarouco Tavares

123 Novas epistemologias do corpo a arte


Bruno Reis e Daniel S. Lopes

137 Poéticas visuais e processos de criação


Mari Scarambone Jayanetti

157 Práticas estético-políticas


Ítala Isis

181 Fotos
Julia Bezerra Cruz

254 Sobre os autores


7
Apresentação

Nas primeiras reuniões que fizemos, a fim de planejar o Seminário de


Pesquisadores do PPGARTES-UERJ, tiramos como tema a prática da pesquisa
em artes dentro e fora do espaço universitário. Parecia um tema capaz agregar
nossos heterogêneos interesses. Decidimos, portanto, pelo título “Modos de
Fazer: Como pesquisar Artes em tempos de crise(s)”. Do planejamento à
execução, fomos encarando muitas crises, consequências das diversas políticas
de precarização dos espaços públicos. O nosso fazer foi, paulatinamente,
desenhando um modo: Fazer junto. Nesse fazer junto, concordamos que é
fundamental agradecer a toda equipe técnica, administrativa e docente que
compõe o Instituto de Artes e o Programa de pós-graduação em Artes desta
universidade. Seja nos inspirando em suas aulas, seja resolvendo concretamente
as demandas que surgem em tempos de crise, vocês são imprescindíveis.
Concordamos ainda em fazer alguns agradecimentos especiais. Afinal, as
instituições são feitas de pessoas.

Agradecemos à Sheila Cabo, Alexandre Sá, Aldo Victorio, Denise Espírito Santo,
Ana Valéria e Isabel Carneiro que, de diferentes maneiras, contribuíram
significativamente para essa empreitada.

Mais do que agradecer, queremos reconhecer o Daniel Lopes, aluno egresso


desta instituição tanto na graduação quanto no mestrado, como parte deste
grupo. Daniel atendeu prontamente ao nosso convite para participar deste
processo, estando presente, envolvido e envolvendo em todos os momentos.

Nosso evento começa semana que vem. Continuamos contando com esta rede
de afetos e lutas que, no final das contas, é o que define historicamente a UERJ.

Nosso profundo obrigade.

Comissão organizadora do 7° Seminário dos


Pesquisadores do PPGARTES-UERJ

8
Agradecemos a todes que foram fundamentais na construção do 7º Seminário
de pesquisadores do PPGArtes Uerj, às parcerias que fizemos durante o
processo de criação e produção do evento, suas experiências, redes, desejos,
gentilezas y trabalho:

Aos que realizaram as 6 edições anteriores do seminário, todos os professores,


técnicos-administrativos e comissão de representação estudantil do Instituto de
Artes e do Programa de Pós-graduação em Artes.

Sheila Cabo Geraldo, Cristina Salgado, Denise Espírito Santo, Eloisa Brantes,
Ana Valéria, Alexandre Sá, Isabel Carneiro e todas e todos docentes que
contriburiam de alguma forma para realização do Modos de Fazer, Jorge
Galdino, Gustavo, João e os demais técnicos administrativos do iArt, o Bel e os
funcionário da Gráfica da Uerj, a Comuns Uerj, Diretório Central dos Estudantes
da Uerj - DCE, Egberto Gaspar e toda equipe da Sub-Reitoria de Pós-
Graduação - SR2, Lincoln Tavares e todos os funcionários do Centro de
Educação e Humanidades que foram maravilhosos, Marcelo Campos e o
Departamento Cultural, Márcia Carvalho diretora do Departamento financeiro,
Rodrigo Torres do Nascimento presidente da Associação de estudantes de pós-
graduação da Uerj – APG y todo pessoal que curtiu, compartilhou e participou
do seminário.

Saravá!
#ModosDefazerArte
#UerjViva
#ArteYPolítica
#VidaComoObraDeArte
#ParaDarFimNoJuizoDeDeus
#Evoé

9
Modos de descolonizar o saber e de habitar o mundo.

Sheila Cabo Geraldo


Coordenadora do PPGArtes - UERJ

Diante do convite para participar da última mesa do 7º Seminário de


Pesquisadores do PPGArtes-Uerj, Modos de fazer, organizado pelos estudantes
de pós-graduação, me deparei com duas alternativas: falar protocolarmente
como coordenadora do Programa ou falar como pesquisadora, mulher, mãe, e
de luta, cuja vida tem se confundido com a pesquisa, a universidade, o ensino,
a história da arte e os estudos sobre arte e cultura. Não me recordo de ter outra
paixão na vida que não seja a pesquisa e a escrita, além da minha paixão
primeira, que é por minha filha. Preferi falar, ainda que prematura e
rusticamente, de minha história como memória da pesquisa em artes e história
da arte, já que tenho pensado muito sobre essa escrita subjetiva, que Michel
Foucault chamou “escrita de si”1. Minha referência primeira para esse “ensaio”
vem da escrita de algumas histórias-memórias, como a que escreveu Elias
Canetti, romancista e ensaísta búlgaro, cujas memórias autobiográficas
confundem-se com a história do século XX na Europa, mas também da escritora,
ensaísta, crítica e feminista Virgínia Wolf, que escreveu tudo que eu gostaria de
escrever no discurso Um quarto próprio. Claro que são admirações, e nem tento
me comparar a esses dois grandes artistas, mas tenho outras admirações
quando se trata de escrever a história como memória subjetiva. Me refiro ao
ensaísta, filósofo e psiquiatra francês da Martinica Frantz Fanon, cujas vivências
rememoradas de jovem negro foram o ponto de partida, a madeleine, que o
despertou para a mais contundente reflexão sobre o racismo europeu e a
colonização no Caribe. E mais recentemente tenho me encantado pela escrita
de Conceição Evaristo, cuja ficção é a do Beco da Memória, onde a vida da
mulher negra confunde-se com a da criança escritora curiosa e com o processo
de modernização, que é também de desenraizamento ou apagamento das
experiências e das lembranças.

Então, de que maneira a minha história de estudante de bairro periférico, de


família operária, de imigrantes portugueses e italianos, com visíveis marcas da

1
Como escreve Foucault: [...] a escrita aparece regularmente associada à “meditação”, a esse
exercício do pensamento sobre si mesmo que reativa o que ele sabe, se faz presente um princípio,
uma regra ou um exemplo, reflete sobre eles, os assimila, e se prepara assim para enfrentar o real.
Foucault, Michel. escrita de si. In: O que é um autor? Lisboa: Passagens. 1992. p.130.
10
presença cabocla na pele morena que herdei da minha avó Hortência - lindo
nome de flor - se confunde com a da pesquisa em arte e história da arte? Posso
iniciar pela opção por estudar história da arte, uma especialidade naquela época
mais frequente entre a população social e economicamente privilegiada, que
frequentava os melhores colégios da cidade. Essa foi uma opção marcada por
um intenso e doloroso processo de aculturação, culpado pela absorção de um
saber exterior ao mundo do trabalho e da cultura do subúrbio, cultura de festas
e música popular, que eram referências infantis e que aos poucos foram não só
transfiguradas em cultura midiática robotizante, mas, sobretudo, rejeitadas.

Antes mesmo do estudo da história da arte se apresentar como uma


possibilidade, já na adolescência, através do teatro, começa a se abrir, de modo
quase intuitivo, a pulsante e irreverente opção pela arte, uma forma de subverter
e superar a massificação que se abatia sobre todos naqueles anos de chumbo.
Por muito tempo essa subversão, que era pessoal, juvenil, mas também coletiva,
passou pela recusa dos vínculos com as instituições artísticas e acadêmicas.
Tempo do “Seja marginal seja herói”, dos “Domingos da criação”, do Salão da
Bússola, do Apocalipopótese, que foi história vivida, de tempos marginais, em
que a periferia não era por mim percebida como periferia cultural subalterna,
mas integrante de uma imensa onda de contracultura. Entretanto, os tempos de
globalização, já então anunciados por McLuhan2, empurravam grande parte
desses arroubos para a moderação das instituições e para o que Marcuse3
chamou O homem unidimensional. É a partir desse momento que os artistas
entram para as Universidades seja como alunos de graduação ou de pós-
graduação, seja como professores. Podería-se dizer que essa corrida para as
Universidades correspondia a um processo de adequação para sobrevivência,
não só física e corporal, mas também mental, já que a Universidade, embora um
tanto restritiva, se mostrava um dos poucos lugares capazes de se abrir para a
produção de subjetividades, para os devaneios e desvios da arte.

Interessante é reconhecer, ainda, que paralelamente ao enrijecimento crescente


das relações acadêmicas e sociais, perpassadas pelo boom do capital financeiro,
houve também, e contraditoriamente, o crescimento de uma multiplicidade de
movimentos, que irromperam nas mais diversas formas de existência.
Movimentos de negros, feministas, LGBTs, indígenas e seus entrecruzamentos,

2
McLuhan, Marshall; Fiori, Quentin. O meio é a Massagem: um Inventário de Efeitos. São Paulo:
Ubu Editora, 2018.
3
Marcuse, Herbert. O homem unidimensional. São Paulo: Edipro, 2015.
11
ou seja, negros de periferia, mulheres negras, negros trans, mulheres periféricas,
indígenas urbanos, suburbanos de trabalho precário, homens pobres, mulheres
solteiras pobres, etc. Fundamental é perceber, também, de que maneira a
produção de arte, a pesquisa em arte e sobre arte passaram a ser pautadas por
essas turbulentas e complexas existências ativas, onde estão saberes até então
considerados “primitivos”, nada bem-vindos ao meio acadêmico e artístico. É
daí que se pode vislumbrar a iminência de uma “revolução molecular”, como
teorizou Felix Guattari4.

Um exercício de rememoração me leva ao ano de 2002, quando entrei para o


Departamento de Teoria a História da Arte, onde havia uma percepção
desconfiada da presença dos primeiros alunos cotistas de História da Arte. No
departamento éramos em maioria branca, detentores de uma cultura artística e
histórica absorvida dos grandes centros culturais hegemônicos. Citávamos com
fluidez os autores norte-americanos ligados à revista October, os franceses
professores da Sorbonne e uns poucos nacionais formados por esses. Éramos
todos aculturados, colonizados e muito orgulhosos – até vaidosos – de nosso
saber. Hoje, 17 anos depois, ainda sofremos desse mal. A Universidade,
sobretudo a Uerj, a primeira a adotar ações afirmativas, ainda vive muitos
entraves para adotar o regime de cotas raciais e sociais na pós-graduação. Por
outro lado, os estudantes que entraram nesse período, desde que passei a
lecionar aqui, foram os grandes responsáveis pelas transformações na vida
acadêmica. Certamente foram também anos de grandes mudanças para uma
parcela significativa da população. Período em que negros, indígenas,
população trans, gays, lésbicas, travestis, pobres, favelados, moradores de rua,
trabalhadores precarizados de baixa renda, seus filhos, seus netos entraram na
Universidade e passaram a exigir visibilidade. A academia precisou se repensar,
repensar sua bibliografia, seus currículos, seu saber, o que não é fácil. O
rinoceronte teve que se mexer, apesar de sua couraça enrijecida e seu
conformismo, como na peça de Eugène Ionesco. É um processo complexo
escreveu Suely Rolnik5, porque a cada modo de produção da subjetividade e do
desejo corresponde um modo de produção de conhecimento. Assim, não é
possível apagar a memória, nem a história, seja dos vencidos, seja dos
vencedores. A história da Academia foi por séculos marcada pelo saber-poder
colonizador. Acredito, e acredito mesmo, que vamos encontrar o nosso caminho

4
Guattari, Felix. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. São Paulo: Ed. Brasiliense,
1981.
5
Rolnik, Suely. Esferas da insurreição. São Paulo: N-1, 2018.
12
para descolonizar os modos de fazer pesquisa em arte e os modos de escrever
a história da arte.

No texto “Usos tradicionais do discurso sobre o Holocausto e o colonialismo”6,


discutindo sobre a indústria da cultura e da herança, Andreas Huyssen nos alerta
para o excesso de cultura da memória que, enfraquecendo as energias utópicas,
fortaleceria uma certa fixação no passado. Lançando mão da Segunda
Extemporânea de Nietzsche, “Sobre a utilidade e a desvantagem da história
para a vida”, em sua crítica ao historicismo e à historiografia do século XIX,
marcada pelo memorialismo, Andreas Huyssen volta-se para a pergunta sobre
o valor da memória, mas também do esquecimento. Entretanto, só em Assim
falou Zaratrusta, escreve Huyssen, é que Nietzsche nos apresenta a uma
memória do futuro, segundo a qual as lembranças podem potencializar o vir a
ser. A memória do futuro ocorreria quando a memória e o esquecimento se
articulam sem contradição. Dessa maneira, o homem poderia atingir o patamar
mais elevado de uma existência criativa, transformando sua vida em uma obra
de arte. Na arte seria, então, possível pensar em uma memória que fornece a
abertura para o novo, pensar em uma recordação que possa desvendar o que
virá.

Nesse momento, ao findar a segunda década do século XXI, diante do foco na


“memória fabricada”, que se intensificou desde o final da segunda metade do
século XX, quando explode a ideia de morte da história, da arte e de fim da
modernidade, marcada pelo acento nas citações históricas sem a densidade das
experiências vividas, que de alguma maneira perduram nos conceitos de pós-
verdade, pós-imagem e pós-história é que, como reação crítica e reflexiva,
passa-se a examinar os usos do passado em suas interligações e seus conflitos
transnacionais e transculturais. Para esse exame há que se pensar a história como
um palimpsesto de memória em fluxo constante, o que inclui acrescentar e
apagar, ou seja, lembrar e esquecer dados que se deslocam no tempo. Dessa
maneira, um passado local ou nacional se aproxima de outros passados, o que
pressupõe que o passado é reescrito por aproximações e gera novos tipos de
constelações mnemônicas7.

6
Huyssen, Andreas. Culturas do passado-presente: modernismo, artes visuais, políticas da
memória. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.
7
É o que Huyssen identifica no trabalho de Doris Salcedo, que apresenta as lembranças
traumáticas em texturas de palimpsestos e elos, fazendo emergir daí uma “nova política cultural
da memória transnacional, translinguística e abrangente” . Huyssen, A. Op. cit. p 180.
13
No Brasil, como na América Latina de hoje – e com maior intensidade nos
últimos anos –, ressoam ecos da permanência colonialista, na sua face
neocolonial, que se apresenta por meio da violência. Assim é que artistas
sublevam-se em obras que questionam o neocolonialismo sob a forma de um
pensamento politico intercultural e “decolonial”, 8 analisando criticamente a
matriz do poder colonial, que no capitalismo global persiste sob a forma de
conhecimento totalizante, reafirmando o binômio dominador-dominado.

Walter Mignolo, que é uma das referências da corrente de pensamento


decolonial - uma rede de intelectuais constituída há cerca de 15 anos -, defende
a ideia fundamental do grupo, que é a de que a colonialidade opera a partir de
uma matriz de poder com pretensões universalistas, a matriz totalitária da razão
moderna, instituída sobre a dominação e a exploração de seres humanos
definidos como inferiores desde a invenção da noção de raça. É a partir desse
reconhecimento que irrompem as vozes e as práticas artísticas femininas,
negras, indígenas, queer, transgêneras, em imagens que abrem novas
epistemologias do conhecimento em arte, para além das hierarquias
epistêmicas universais, que ultimamente têm ganho uma roupagem
dissimuladora como história global, também chamada neocolonialismo global.
Trata-se de conhecimentos produzidos a partir do reconhecimento de
identidades e espaços geopolíticos historicamente subalternizados e que se
lançam a imaginar e agir no sentido da possibilidade de outros modos de habitar
o mundo, múltiplo e transversal.

No sentido de pensar uma Universidade decolonializada é que venho tentando


tratar da teoria da arte e da história em uma escrita que, partindo do exercício
de leitura e reflexão sobre autores e autoras latino-americanos, como Mignolo,
Quijano, Walsh, mas também brasileiros, como Milton Santos, Abdias do
Nascimento e caribenhos e africanos, como Aimée Césaire, Frantz Fanon e
Achille Mbembe9, de onde partem os mais intensos debates sobre novas
epistemologias. Foi lendo Mbembe que passei efetivamente a exercitar o “
pensar a si mesmo”, o “conhecer-se” e o “desconhecer-se” longe do olhar
imperial europeu, um processo que, espero, me torne capaz de exercer modos
de descolonizar o saber e de habitar o mundo.
Novembro de 2019

8
Cf. Mignolo, W. entrevista . Cf. http://www.ihu.unisinos.br/170-noticias/noticias-2014/533148-o-
controle-dos-corpos-e-dos-saberes-entrevista-com-walter-mignolo. Acessada em 01/12/2019
9
Mbembe, Achille. Crítica da Razão Negra. São Paulo: n-1 edições, 2018.
14
Como pesquisar arte em tempos de crise?

Alexandre Sá
Diretor do IART - UERJ

“O mundo tem um estilo temporal e o tempo permanece o mesmo porque o


passado é um futuro antigo e um presente recente, o presente um passado
próximo e um futuro recente, e o futuro, por fim, um presente e até mesmo um
passado por vir, ou seja, o tempo permanece o mesmo porque cada dimensão
do tempo é tratada ou encarada como uma outra coisa que não ela própria...”
Maurice Merleau-Ponty

“Trata-se sempre de liberar a vida lá onde ela é prisioneira, ou de tentar fazê-


lo num combate incerto.”
Gilles Deleuze e Felix Guattari

Este texto é resultado de uma pequena fala de abertura do encontro de alunos


do Programa de Pós-graduação em Artes da UERJ, chamado Modos de Fazer e
realizado em 2019, no Rio de Janeiro. Então, é importante explicitar que talvez
haja uma série de mutações, translações, atravessamentos e abismos entre o
desejo de dizer, de falar e o desejo de escrever. Nesse sentido, já peço
inicialmente desculpas aos leitores.

Por outro lado, é possível defender que não são poucos os exemplos de textos
escritos/impressos que foram resultados de uma comunicação oral e dessa
forma, tal preocupação minha seria ingênua o suficiente para que pudesse ser
desconsiderada. Sim. É verdade. No meio acadêmico, é um prática natural. Mas
nesse caso, o aviso se faz importante pois algumas especificidades merecem ser
consideradas: trata-se de uma fala que deveria vir a ser de abertura de um
evento, para um grupo de alunxs que respeito muitíssimo e que, mesmo que eu
desacredite e desconstrua a todo o tempo, os regimes discursivos que erigem
o pressuposto poder da universidade, ainda assim, estava ali, como ainda estou,
na posição de diretor do Instituto de Artes da UERJ.

A angústia inicial me foi provocada pelo título proposto: como pesquisar arte
em tempos de crise? Não unicamente por sua consideração política mais direta.
Mas por saber que existe uma quantidade infinita de crises necessárias à
pesquisa e mais ainda, ao processo de pesquisa em arte. Acredito também que

15
jaz aqui, inicialmente, um nó recôndito, provavelmente em vias de solução nos
diversos programas de pós-graduação e graduação dentro e fora do Brasil, que
é a relação entre teoria e prática. Mas mesmo que saibamos que tal nó sempre
está em vias de, em um processo infinito e utópico de busca e encontro de um
resultado fantasmático, esta relação merece atenção pois há ainda, uma disputa
de forças que, auxiliada pelas diversas estruturas que paradoxalmente a
alimentam, tendem sempre a priorizar um eixo ou outro.

Então, é possível afirmar que esse descompasso retroalimentado, é inóspito. E


que, obviamente a relação entre prática e teoria em arte é porosa, entrópica e
assumidamente diluída, embora seus sistemas, por diversas razões, consolidem
um certo imaginário, também fantasmático, de que a pesquisa teórica é mais
assenhorada e respeitável que a prática. Absoluta ingenuidade. Restos de
memória de um passado//presente//futuro colonial que ainda se presentifica
nos agentes e em alguns casos, nas agências de fomento, que nem sempre,
esforçam-se de forma justa para compreender a amplitude e a pluralidade
metodológica que as artes promovem, proporcionam e defendem.

Atravessado esse ponto e considerando que essa pseudo-crise teoria//prática é


decididamente algo menor e que graças aos esforços de discentes e docentes,
está sendo fraturada, esbarramos em um outro movimento: o tempo de crise
indicado como provocação no título, não é apenas aquele inerente ao presente,
mas do presente em sua presentidade contemporânea, compreendido como a
inelutável manifestação violenta de um sentimento que deságua na ruptura de
um certo equilíbrio; neste caso, da circularidade ou mesmo do continuum
temporal entre passado e futuro.

Em outra camada, também temos a arte contemporânea, que em alemão, pode


ser traduzida por duas palavras: zeitgenössische Kunst ou Gegenwartskunst. No
primeiro caso, contemporânea é um adjetivo: a arte atual. Ou que é feita de
forma contemporânea com seus contemporâneos. É possível considerar que é
uma denominação para a arte produzida ao mesmo tempo por seus camaradas,
por uma associação de pessoas, por um conjunto que talvez nutra interesses
comuns. Gegenwartskunst, já é um substantivo. Embora pareça a mesma coisa
e de fato, possa ser traduzida para o português da mesma maneira, esta última
se refere a arte que é feita no presente: gegenwart. O mais interessante desta
possibilidade é que gegenwart também pode ser traduzida como presença. Ou,
se preferirmos optar por alguma licença poética quase psicanalítica, gegen
significa contra e wart, o verbo ser conjugado no passado para vós ou vocês. É

16
plausível então compreender a arte contemporânea como uma produção de
presença feita contra aquilo que nós éramos. Ou se mantivermos a indicação de
que gegenwart é traduzido como presente, todo o presente seria então a
negação do que fôramos. Eis mais uma crise inevitável e não necessariamente
trágica que se descortina, pois, é lógico escorrer ainda uma nova pergunta: o
quê éramos [ húmus ]? Ou mais, como ser contra aquilo que talvez tenhamos
sido?

No caso específico do Brasil, essas perguntas, se amparadas em uma suposta


coletividade, gerariam conflitos e dissensos inevitáveis; inclusive alguns silêncios
e opiniões apagadas de modo a proteger algum maneirismo de bem-estar
comum e diminuir o medo que assola essa terra ainda colonial e coronelista.
Será possível compreender, mesmo com tão pouca distância, o que fomos e
como autorizamos em certo sentido, a tornarmo-nos o que viemos a ser nos dias
atuais? Ou ainda, de que modo, também somos responsáveis pela acqua alta
que nos afogou, pelas barragens que deixamos romper e pela dicotomia não
tão antepassada que parece ter optado por cegar-se a um outro que de fato e
inevitavelmente, é diferente de mim?

Importante destacar que todo esse movimento introdutório do texto não esteve
na fala original. Talvez por alguma sagacidade, tenha percebido que tantos
meandros de pensamento em crise como esses seriam ineficazes e
extremamente prolixos para uma pequena fala de abertura. O fato é que fomos
convidados para uma mesa em um dia específico, que, em virtude de um jogo
de futebol no Estádio do Maracanã, vizinho da UERJ, precisou ser remanejada
para uma sexta-feira, agora no Lanchonete-lanchonete, espaço alternativo de
ensino e arte na Gamboa-RJ que tem desenvolvido um trabalho ímpar de
formação, informação, deformação e ampliação de falas e escutas.

II

Após a nossa fala, de Luizan Pinheiro (UFPA), Sheila Cabo Geraldo (UERJ),
Rodrigo Nascimento (APG/UERJ) e eu, uma outra participante propôs uma
ação//fala//performativa. Voraz. Linda e verdadeira. Urgente. A partir de suas
experiências vividas e que obviamente, eu seria incapaz de reproduzir ou
questionar tamanha força e potência. Havia algo ali que precisava ser dito,
colocado, explicitado, posto em cena. Contudo, lembro que o início se erigiu

17
aos meus ouvidos de forma muito retumbante: “- Vamos calar a boca agora para
ouvirmos a travesti.”

Lembro que a sensação que tive naquele momento, não por aquilo que me
tornei, inclusive porque isso não representa absolutamente nada para além de
mim, foi de um certo desconforto, já que era nutrido por alguma violência que
sim, é obviamente explícita e necessária. Por outro lado, talvez ali, naquele
momento e na situação específica, tal dito tenha se colocado como um extrato
curioso de algumas situações que venho vivendo ao longo de alguns anos de
universidade e de gestão acadêmica, que refletem a inabilidade atual de
localizarmos o inimigo e a ingenuidade de desconsiderarmos que o inimigo
primevo, por mais clichê que pareça, está sempre dentro de nós mesmos.

Sua fala de fato foi emocionante e repleta de mérito e dor. Isso é inquestionável.
Intransponível. E real, compreendido aqui como aquilo que não é passível de
simbolização. Ou de outra forma, como aquilo que sempre estabelecerá uma
relação imperfeita, torpe e injusta com a linguagem. Porém lembro que terminei
me sentindo extremamente incomodado por uma dura crítica feita ao referencial
teórico utilizado nas falas anteriores. Por certo, todo e qualquer incômodo é
fundamental, mas aqui, ou ali, eu me perguntava em que medida uma fala
impositiva sobre a descolonização discursiva não terminava por elimi/ni/nar a
frutificação da pluralidade; elemento esse imprescindível para toda e qualquer
relação humana.

Por certo, existe uma necessidade brutal de revisionismo teórico. E seria


perverso não considerar que a universidade é estruturada historicamente de
forma eurocêntrica, branca e machista. Mais que isso, seria da ordem do horror,
ignorarmos que se faz absolutamente urgente a produção, divulgação e escolha
de novxs autorxs, outras teorias e por conseguinte, novas formas de pensar,
refletir, escrever, produzir e avaliar. O que me soa especificamente problemático
é considerarmos que existe apenas uma única forma de solução possível para
que saiamos de uma certa clausura já tradicional do pensamento que termina
por desconsiderar de maneira agressiva, alguma herança potentíssima que foi
construída por muitos e tantos outros antes de nós.

Ou ainda, desconsiderarmos que parte considerável dxs novxs teóricxs que


pensam consistentemente e vivem o exercício grave do discursos minoritários,
também fizeram uso de maneira respeitosa de tal instrumental para poder torcê-
lo, reinventá-lo e fagocitá-lo antropofagicamente. Um ótimo exemplo é de
Michel Foucault para Paul Preciado e Achille Mbembe. Por último, é
18
fundamental lembrar que a universidade, mesmo ainda estruturada em seus
balizadores tradicionais, está fazendo um esforço considerável para ampliar seu
escopo de atuação, seus regimes discursivos e seus quadros discente//docente.
Embora enganos sejam possíveis, é inoperante reafirmar sem desconfiança e
presteza um discurso atravessado pelo espetáculo de que a universidade é uma
inimiga; inclusive porque ela mesma, não é e nem deve ser um caminho
obrigatório para quem quer que seja. Trata-se de uma questão de escolha, ética
e pouquíssimo semblante. Ou pelo menos, mereceria ser.

III – a fala mesma

( a ser lida em voz alta, por uma quantidade qualquer de pessoas interessadas –
muda-se o tom; há algo de cena, mas paradoxalmente nenhuma luz no palco)

Primeiro eu quero agradecer o convite. Da mesma maneira que agradecer ao


fato de estarmos vivos. Talvez eu pudesse já parar aqui agradecendo o fato de
estarmos vivos e estarmos conseguindo sobreviver. Mas é fundamental também
agradecer o trabalho da coordenação do PPGARTES, hoje realizado por Sheila
Cabo Geraldo e Cristina Salgado. Além de agradecer o esforço hercúleo dxs
discentes envolvidxs na organização desse evento que reitera a força
fundamental de vocês para que continuemos. Na verdade, é sempre bom
lembrar que sem o trabalho de vocês, não existiria o trabalho docente (vice-
versa) e que o exercício pedagógico é devir-dialógico, guardadas as devidas
proporções. Ou de outra maneira, que eu gosto imensamente, considerando
que o devir-diálogico-pesquisa-ensino é algo próximo de uma belíssima partida
de futebol.

Mas quando falo de futebol, termino inevitavelmente lembrando que essa mesa
iria acontecer na última quarta-feira e que após uma nota emitida por volta das
11h da manhã, nossas atividades, do mesmo dia, tiveram que ser canceladas.

[Então destacando o esforço de manutenção dessa atividade, quero agradecer


o convite, já que nunca havia sido chamado para nenhum encontro de discentes
de pós-graduação e cheguei a achar que era homofobia ou gordofobia ou
professorfobia.] – dito com muito reverb.

19
A realidade é que falar hoje aqui, para vocês, é quase paralelo ao fato de não
esquecer de lembrar da comoção que o futebol provoca tanto aqui como em
qualquer lugar do mundo. A indústria-futebol. E de sua especificidade no
Brasil. E no Rio de Janeiro.

Considerando 70 mil torcedores, me pergunto como seria ver essa quantidade


de pessoas nas ruas reivindicando melhores condições de vida, estudo e
moradia...

É óbvio que isso é um pensamento utópico.

[ silêncio ]

[ imagem projetada na mente: Bolívia, Chile, Equador, Venezuela, Gabigol ]

Mas por que o Maracanã, nosso vizinho, nas ruas, seria uma fantasia no sentido
menos psicanalítico? Porque provavelmente uma parcela considerável daquelas
pessoas não teria tempo suficiente para se preocupar com o que está
acontecendo hoje no país. E porque obviamente são interesses e energias
distintas. Não sejamos ingênuos.

[ não esquece das redes sociais!!! ] – alguém grita

E assassinatos, como os que estão acontecendo nesse exato momento,


gentrificação, fortalecimento do capital neoliberal, manchas de óleo, lama,
queimadas, Marielles, Andersons, uniformes de escolas públicas atravessados
por balas, sucateamento da cultura e do ensino, rosa para meninas e azul para
meninos, terra plana, golden shower, plantio de maconha nas universidades não
são suficientemente tocantes para a íntima e própria vida enclausurada na rede
doméstica, onde a ignorância é sempre um bem.

Não são suficientemente tocantes quanto o chamamento divino à barbárie.

Então, talvez eu ache que a pergunta que nos move aqui é como pesquisar
arte em tempos de horror.

Ou se preferirmos: como pesquisar arte em tempos de fascismo político,


econômico, cultural e simbólico?

Como pesquisar arte em tempos de cólera para que eu primeiramente me


salve a mim de mim?

20
Suely Rolnik em Esferas da Ressureição cita Caminhando de Lygia Clark para
pensarmos que para além de duas superfícies entrelaçadas, teríamos dois
agentes que se inter-relacionam: o sujeito e o fora-do-sujeito, considerando-os
como duas faces de uma mesma moeda. Ou seja, o sujeito é efeito do seu fora
da mesma forma que é capaz de provocar algum destino no espaço que lhe é
exterior ad infinitum. Os encontros entre o sujeito e espaço de seu fora (já
dentro) se nutrem por uma porosidade plausível. E nesse sentido, é importante
explicitar que não se trata de um enfrentamento concreto de duas forças
opostas, mas de um rebatimento, um espelhamento e um trabalho de
negociação de vetores plurais em conjunto.

A questão seria a necessidade do corte dessa superfície que nos conjuga. E além
disso, a atenção necessária para que o corte jamais se dê no mesmo ponto em
que já ocorreu. O corte entre o amálgama do sujeito e seu espaço-tempo-
invólucro é também um exercício e uma prática de atenção e reinvenção
progressiva do desejo, esse sim, devidamente descolonizado. Mas o que seria
o corte? O corte é o ponto de abertura para essa negociação que se
(re)estrutura, se alimenta e precisa da angústia que vibra nas arestas da fita de
Moebius para erigir o caminhar.

“O que orientará o desejo em seus cortes, nesse caso, é a busca de um ponto


de interrogação que se colocou para a subjetividade ao se ver destituída de seus
parâmetros habituais. Em suas ações, ela se conectará com pontos inabituais da
superfície para fazer seu corte, buscando vias de passagem para a germinação
e o nascimento do referido embrião de mundo que habita silenciosamente o
corpo” (Rolnik, 2018. p. 60)

É a inquietude da destituição dos parâmetros habituais que merece ser


considerada na hora de novos cortes a serem feitos. O corte, inclusive na
pesquisa e naturalmente na arte, é o momento inelutável e estranhamente
familiar da busca assumida da dívida da dúvida quando ambos já se percebem
conformados em si. Dessa forma, há de haver sempre, algo de agonia bem-
vinda em moto-contínuo para que o rompimento, a queda e o trauma inscritos
na escrita e/ou na materialidade da obra se desfaçam e se despeçam de seus
presentes já passados para poderem então, investirem fortemente em um
presente outrem que seja capaz de, num átimo de segundo, despedir-se
novamente de si para, inocuamente, compreender-se então como futuro.

21
Mesmo que tal movimento traga em si, a já gozosa conjunção, entre pulsão de
morte e pulsão de vida, a coragem da quase novidade se dá sempre na
possibilidade de viver a familiaridade do corte a ser feito em locais distintos da
relação que se coloca saturada entre a subjetividade e o mundo exterior, bem
como suportar a angústia outra que não cessa de não se inscrever e que como
se sabe, precisará acreditar fielmente que demorará ainda muito tempo para
poder se libertar da clausura//corrente//torrente que a erigiu.

Para terminar, sem de fato nunca ter começado, gostaria de citar um trecho de
Nadya Tolokonnikova, artista e ativista russa, integrante do Pussy Riot que ao
listar algumas regras para o real enfrentamento cotidiano, diz:

“Regra 3
Recupere a alegria
Sorria como um ato de resistência.
Sorria e diga foda-se.
Ria na cara dos seus carcereiros.
Convença seu carrasco a acreditar no que você acredita.
Faça amizade com os funcionários da prisão.
Conquiste o coração de quem apoia os vilões.
Convença os policiais de que eles deveriam estar do seu lado
Quando o exército se recusa a atirar na multidão, a revolução vence.”
(TOLOKONNIKOVA, 2019, p. 52)

* Esse texto foi ironicamente formatado e terminado em 25/11/2019, dois dias


depois do Flamengo ser campeão da Taça Libertadores. Eu acho.

Referências
ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição. Notas para uma vida não cafetinada. SP:
N-1 edições, 2018.
TOLOKONNIKOVA, Nadya. Um guia Pussy Riot para o ativismo. SP: Ubu
editora, 2019.

22
Educação, Ciência, Cultura e Arte em tempos de crise

Rodrigo Torres do Nascimento


Presidente da APG - UERJ

Pensar nos campos da Educação, Ciência, Cultura e arte hoje nos coloca em um
grande desafio. Percebo como ao longo do tempo fomos quase que jogados
em uma armadilha por alguns campos políticos/sociais/econômicos que de certa
maneira são os maiores responsáveis pelo período tenebroso que passa não só
o Brasil, mas muitos países que percebem uma guinada reacionária na Arte, na
Ciência, na Educação e na Cultura. Nomeio os quatro campos por querer de
alguma forma reforçar a importância impar de cada um deles, não só enquanto
políticas públicas, mas também como necessários ao exercício de uma cidadania
que embora não plena se colocou em um período recente em grande força e
impacto na vida das pessoas.

A arte é coloca hoje quase que como inimiga número 1 do governo federal do
Brasil que a partir disso acaba levando também um grande número de pessoas
a vê-la como um mau a ser extirpado da sociedade ou, nas palavras do ex-
secretário da Cultura, renascida, como se toda a produção artística e cultural do
país não servisse mais e devesse ser recriada a partir do que o próprio governo
entende como melhor a ser caracterizada como arte e cultura. Na administração
do ainda Ministério da Cultura de Gilberto Gil e Juca Ferreira, se percebeu uma
clara intenção governamental em democratizar o acesso as mais diversas
possibilidades de manifestações de arte e cultura, dando assim um claro sinal a
quem de certa maneira já se viu na margem da políticas públicas e foi incluída
no orçamento federal.

Hoje o que se vê é a nítida vontade de desconstruir políticas de inclusão e


contrapô-las ao que é visto pelos governantes como bom e o correto a ser
seguido. Roger L. Taylor em seu livro Arte Inimiga do Povo (2006), afirma que a
Arte não passaria de um jogo de cenas das classes dominantes para impor seu
estilo de vida e vendê-lo como algo superior às preferências e afinidades
estéticas das classes populares. Para Taylor (2006), durante o passar dos séculos,
o que se considera arte foi sendo ajustado pela religião e pela nobreza como
modo de defesa dos seus valores, que deveriam ser vistos pelo restante da
população como a verdade absoluta. Com a ascensão da burguesia ao poder,
o conceito foi sendo apropriado e alinhado ao exclusivo interesse dessa nova
classe, que passou a entendê-la como mercadoria bastante lucrativa e uma
forma de se estabelecer como detentora do que falaciosamente se denomina
23
“bom gosto”. A propósito, conforme Bourdieu (1983), as localizações sociais
correspondem a gostos específicos e, portanto, as escolhas e afinidades
culturais não seria aleatórias e desprovidas de sentidos e relações político sociais
profundas, assim não poderiam ser compreendidas desconectadas do jogo de
imposições da conjuntura social.

Os campos da Educação, Ciência, Cultura e arte sempre foram campos de


disputa políticas e ideológicas na sociedade. Essas disputas ocorrem em todos
os campos possíveis, seja em conversas corriqueiras a debates inflamados, na
rua, nas redes sociais virtuais e nos espaços de poder e tomada de decisões. É
importante ressaltar que essa disputa por narrativas é importante para o pleno
exercício da democracia, pontos de vistas distintos em diálogo, o respeito a
diversidade e o entendimento de sua importância são centrais aqui e é
desvirtuando esse aspecto que a sociedade brasileira vem em sua história
inclinando a um perfil autoritário que se declarou nas eleições de 2018. O
governo na época eleito é hoje quem rege o país com aspirações autoritárias e
assim o faz sem entender a lisura do cargo presidencial e de ministros de Estado,
são partidários da violência e inimigos da Educação.

No final de abril do ano de 2019, a nova gestão do Ministério da Educação


(MEC), sob o comando de Abraham Weintraub, anunciou o corte de verbas da
UFF, Ufba e UnB, que, segundo ele, "estiverem fazendo balbúrdia" na tentativa
não só de sufocar financeiramente as universidades mas também desmoralizá-
las perante a sociedade, prática comum entre os integrantes do governo de Jair
Bolsonaro. Sem nenhuma justificativa plausível sobre a escolha das 3
instituições, posteriormente, o corte foi ampliado para todas as universidades.
Um bloqueio de 30% na verba das instituições de ensino federais, entre as 60
universidades e os quase 40 institutos em todo o país. De acordo com a
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
(Andifes), o contingenciamento atingiu 20% da verba para custeio (ou seja,
serviços de manutenção, limpeza, segurança, entre outros), e 90% da verba de
investimento (custos de uma obra, reforma ou construção, por exemplo).
Fazendo com que os campi das instituições de ensino federal ficassem sem
nenhuma manutenção que garanta um ambiente propício a plena produção de
conhecimento.

O Ministro da Educação declarou que o corte de R$ 926 milhões da Educação,


equivalente a 16% do total bloqueado, fosse destinado ao pagamento de
emendas parlamentares. O total do bloqueio de recursos da Educação atinge

24
ações que vão da educação básica à pesquisa. Não bastasse o escárnio dos
cortes no Ministério da Educação, os cortes no Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) provocaram a suspensão de
4.500 bolsas para estudantes de graduação e pós-graduação. Criado em 1951,
o CNPq tem papel fundamental para o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia, em inúmeras projetos que melhoram a qualidade de vida dos
brasileiros, como também esteve na descoberta e exploração do Pré-sal. Esta
mera ameaça significa uma situação de enorme insegurança para estudantes
desde a iniciação científica à pós-graduação, no país e no exterior.

Manifestação pela educação em 15 de maio de 2019

Em maio, o MEC anunciou que também estudava "descentralizar" investimentos


aos cursos de filosofia e sociologia, o que mobilizou um manifesto contrário à

25
proposta assinado por representantes de universidades com prestígio mundial,
como Harvard, Yale, MIT, Oxford, Cambridge, Sorbonne, Columbia e Berkeley.
É nítida a orientação de órgãos do governo contra, em especial, as ciências
humanas por entender os pesquisadores nessa área como inimigos e que na
condição de governo podem então atuar para o esvaziamento de seus
investimentos públicos. O presidente chegou a alegar que iria concentrar os
recursos em áreas que "dão retorno rápido ao contribuinte" querendo assim
disputar a narrativa que existam áreas mais importantes e que as ciências
humanas podem sofrer com cortes por não darem um retorno a sociedade. Esse
entendimento além de errôneo já que os estudos relativos as humanidades
contribuem assim como as demais áreas a todas as ciências, é uma tentativa de
descredibilizar profissionais altamente comprometidos, que são críticos sim a
maneira como o governo vem atuando, mas pelo seu papel monocrático e
desrespeitoso perante a democracia e a ciência.

Ainda no mês de maio, o ministro da educação foi convocado para o congresso


para dar explicações acerca do corte no setor, após votação favorável a
convocação por parte de 307 deputados, contra 82. A sessão ocorreu ao mesmo
tempo em que aconteciam os protestos pelo Brasil. Entre as palavras de ordem
usadas pelos manifestantes incluem-se: "Tira tesoura da mão e investe na
educação" e "Não é mole não, tem dinheiro pra milícia, mas não tem pra
educação", em alusão a um possível envolvimento de Bolsonaro com as milícias
e o Caso Queiroz. Segundo a União Nacional dos Estudantes (UNE), a
Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG) e a União Brasileira dos
Estudantes Secundaristas (UBES), 500 mil manifestantes compareceram na
Avenida Paulista, e no total, compareceram 1,5 milhão em todo o país. Nós pós-
graduandos da Uerj junto com demais estudantes, professores e funcionários
técnicos administrativos também estivemos presentes na Avenida Presidente
Vargas, no centro do Rio de Janeiro, com mais de 150 mil manifestantes.

Na educação, os cortes do governo alcançaram 7,4 bilhões de reais.


Investimentos em pesquisa, como bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES), foram cortados, afetando principalmente
estudantes da baixa renda da educação básica, futuros pesquisadores ainda na
graduação e em grande parte os estudantes da pós-graduação. Foram quase
12 mil bolsas de estudos cortadas e a completa redução do orçamento
destinado aos programas de pós-graduação. Na Uerj, o programa de pós que
mais sofreu com os cortes foi o PPGArtes, com 12 bolsas de mestrado cortadas.

26
Estudantes que já haviam se organizado para começar a receber as bolsas
ficaram sem perspectivas de continuar suas pesquisas.

Manifestação pela educação em 15 de maio de 2019

Não obstante o CNPq, como já citado, quase não conseguiu pagar as bolsas de
estudos oferecidas pela agência durante o ano e vem sofrendo a possibilidade
de fusão com a CAPES, o que daria fim as atividades da agência que é um
importante mecanismo de incentivo a pesquisa científica no país, fundado em
1951 tendo a missão de fomentar a Ciência, Tecnologia e Inovação e atuar na
formulação de suas políticas, contribuindo para o avanço das fronteiras do
conhecimento, o desenvolvimento sustentável e a soberania nacional, porém,
essas não parecem ser as mesmas intenções do atual governo federal brasileiro
mais preocupado, citando o próprio presidente, em desconstruir o Estado
brasileiro. Posto e reiterado, lembro ser inaceitável a extinção do CNPq, como

27
sinaliza o movimento de estrangulamento orçamentário, que representa uma
política sem compromisso com o desenvolvimento científico, tecnológico e
econômico para com a soberania nacional.

A desmoralização praticada pelo atual governo vem desde o período eleitoral,


em que os mesmo que agora ocupam o Palácio do Planalto utilizaram de notícias
falsas para perseguir educadores alegando uma doutrinação comunista nas
escolas e universidades e a "ideologia de gênero" entendimento reacionário à
políticas educacionais direcionadas ao respeito as diversidades sexuais e de
gênero nas escolas brasileiras.

Culminando no "Escola sem Partido", um projeto de lei que impõe uma


fiscalização e punição a professores que falem sobre gênero, sexualidade, e
quaisquer assuntos relativos a movimentos sociais, classes, partidos políticos de
esquerda e correntes de pensamento do campo, ferindo assim a liberdade de
cátedra dos educadores, garantida pela constituição. Hoje embora o fundador
do movimento que deu origem ao projeto tenha desistido do mesmo, o governo
federal abriu canais para receber denúncias de possíveis doutrinações em sala
de aula com o intuito de perseguir professores e estudantes. Algo que contribui
para o medo de profissionais da área atuarem com plena liberdade no exercício
de suas funções.

É imprescindível se colocar contra o programa “Escola sem Partido”, ele


representa uma imposição de um pensamento único. Mais do que isso:
representa um discurso de uma neutralidade que não existe, como já afirmava
Paulo Freire (2011), "não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma
base ideológica. A questão é: sua base ideológica é inclusiva ou excludente?”.
É minimamente leviano achar que o que aprendemos enquanto estudantes ou
ensinamos enquanto professores não é dotado de grande viés ideológico.

Todos os espaços educativos devem estar abertos as possibilidades de


entendimentos de mundo. Sejam de quais matizes ideológicos forem, devem
ser respeitadas é claro, sem que essas firam a dignidade de qualquer pessoa.
Em um ambiente democrático que é como devem ser as escolas e universidades
brasileiras, como descreve a constituição federal, as disputas são saudáveis, o
diálogo e a divergência fazem parte de um lugar que se propõe a produzir
conhecimento sem quaisquer riscos. A perseguição a um pensamento não deve
ser tolerado, ainda mais com a ideia, sem respaldo algum com as diversas
realidades, de que professores doutrinam estudantes, algo que só pode vir de

28
pessoas que não são pesquisadores da área já que não compreendem a
complexidade que existe dentro dos cotidianos escolares Brasil afora.

Referências
BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 2011.
STROPASOLAS, Pedro. Como os cortes de bolsas afetam a vida de milhares
de cientistas no Brasil. Brasil de Fato, São Paulo, 17, setembro e 2019.
Educação. Disponível em: <brasildefato.com.br/2019/09/17/como-os-cortes-
de-bolsas-afetam-a-vida-de-milhares-de-cientistas-no-brasil/>. Acesso em: 20,
dezembro de 2019.
TAYLOR, Roger L.. Arte inimiga do povo. São Paulo, SP: Conrad, 2006.

29
Cidades, corpos e outras territorialidades

Renata de Mello
Coordenadora do Grupo de Trabalho

A temática convergente deste grupo de trabalho apresentou um íntimo diálogo


com a proposição temática geral do seminário Modos de Fazer: como pesquisar
arte(s) em tempos de crise(s). Das crises e conflitos que partem das relações
variadas entre corpos e espaços culminaram apresentações de pesquisas que
interligam a investigação de processos artísticos, questionamentos políticos e
sociais, variações culturais e representações múltiplas de territorialidades
simbólicas e geográficas, desenvolvendo uma diversidade geopoética e
ampliando possibilidades de se fazer, pensar e pesquisar arte(s), dentro e fora
das universidades e dos lugares institucionalizados de produção de saberes.

No primeiro dia, as apresentações abordaram temáticas em torno da cidade


como campo poético e prático do fazer artístico, através de cartografias
sentimentais e representações de mapas, de entrecruzamentos de experiências
cotidianas, abstrações e afetos. O caminhar na cidade foi apontado como
procedimento do processo artístico e a arte como dispositivo para encontros. A
relação de tempo-corpo-espaço defendida como agir/fazer cidade gera
questionamentos acerca das reverberações políticas decorrentes dessas
relações.

No segundo dia, a partir da fricção entre temas que dialogaram sobre artes,
religiosidade, carnaval, perspectiva pós-colonial da cultura e memórias afetivas
de crítica à ditadura, reflexões importantes acerca dos conflitos e crises voltaram
a surgir por um viés distinto. Surge a proposta de repensar os temas, visto que
por serem diversos e representativos, trazem reflexões intensas que
ressignificam e buscam brechas para construção/descoberta de saberes outros,
procedentes de quebras de paradigmas epistemológicos e culturais.

Nesses dois dias de evento acadêmico, discutiu-se direito ao espaço urbano,


viabilizações de trânsitos e deslocamentos, noções de cidadania e
pertencimento, de usos e contra-usos do espaço e o despertar poético da
produção de subjetividades decorrente da confluência das interações.
Questionamento de modelos, ideias e epistemologias, busca de novos
caminhos e envolvimentos com intuito de renovar o debate e
consequentemente alterar as formas de visões e potencializar múltiplos modos
de vidas, são produtos efetivos das discussões do GT.
30
Criação de encontros para furar muros invisíveis
Trabalho Teórico

Ana Paula Penna


Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Este trabalho, que faz parte do meu projeto de Mestrado, surge a partir do
encontro entre: 1) uma indignação - às desigualdades sociais, raciais e espaciais
da minha cidade natal, o Rio de Janeiro: 2) as leituras sobre performances
urbanas e 3) o encontro com os encontros de Eleonora Fabião, na ação Linha
(FABIÃO, 2016). Com objetivos teórico-práticos, propus uma prática em que eu
me encontro com uma pessoa estranha, a partir da indicação de um amigo ou
conhecido. O objetivo é encontrar, em seus lugares ou bairros, pessoas
desconhecidas das quatro zonas da cidade do Rio de Janeiro (oeste, norte, sul
e central) e também propor deslocamentos a essas pessoas, até o meu bairro
(Laranjeiras, zona sul), buscando furar muros invisíveis que separam essas zonas.
Como crítica de minha própria prática e de outros artistas, me colocar em ação
tem sido importante para pensar o papel do artista contemporâneo – limites e
possibilidades das performances consideradas do campo da Estética Relacional.
A criação de um corpo performativo na relação com esses encontros, com outras
realidades, tem colocado em questão o programa performativo criado,
suscitado novos temas e demandado novas bibliografias, impensados antes
desses deslocamentos e encontros.

Lembro-me de, quando criança (1984-1989), ter percebido um padrão em


relação às fotografias, exibidas na TV, de pessoas atingidas por balas perdidas
na cidade do Rio de Janeiro, onde nasci e vivo há 42 anos. Tinha medo de
identificar esse padrão nos álbuns de fotos das pessoas da minha família. Era
como se, por algum motivo transcendental, as balas não fossem tão perdidas
assim, pois algumas pessoas seriam marcadas pra morrer. E ter em casa uma
fotografia com determinada estética seria um presságio, um mau agouro, um
aviso da iminência desse tipo morte. Só mais tarde viria a compreender que o
padrão dava-se porque quem morria de bala perdida eram, quase sempre,
pessoas negras ou morenas, pobres e faveladas.

A cidade do Rio de Janeiro é marcada por profundas desigualdades sociais,


raciais e espaciais que, ao mesmo tempo, produzem segregação entre as
31
pessoas e dificultam a percepção dos contextos políticos-culturais no qual essas
desigualdades são criadas. A aproximação com o outro, de outra classe e de
bairros distantes, física e culturalmente, tende a ser pautada por relações de
poder (patroa/patrão e empregada, vendedores, garçons e seus clientes,
médico e paciente do SUS). Relações estas que tendem a reproduzir hierarquias,
contribuindo para manutenção das desigualdades e reforçando preconceitos.
Minha pesquisa de mestrado tem como objetivo discutir as possibilidades de
criação de um programa performativo de encontros (FABIÃO, 2016) que
considere a pluralidade de lugares de fala (RIBEIRO, 2017) na cidade do Rio de
Janeiro, cidade esta que historicamente tem invisibilizado ou criminalizado
grande parte da população.

Palavras-chave: estética relacional; arte relacional; arte e política; performance


do encontro; performance urbana;

Referências
FABIÃO, Eleonora. Una acción llamada Línea: encuentros con el encuentro. In:
ROYO, Victoria Pérez & AGULLÓ, Diego (Org.) Danza y pensamento. Componer
el plural: Enscena, cuerpo, política. Barcelona: 2016, p.289-318.
RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala: Feminismos Plurais. Belo Horizonte:
Letramento, 2017.

32
Performance e cidade: urbanismos do chão
Trabalho Teórico

Bárbara Silva da Veiga Cabral


Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

A apresentação deste artigo se insere em uma investigação sobre a


secundarização de corpos e afetos na concepção e vivência de espaços urbanos
– cujo início se deu em 2018, último ano de minha graduação em Arquitetura e
Urbanismo. A pesquisa, ao revisar modos de agir e pensar nas disciplinas e em
suas práticas, buscava, simultaneamente, imaginar alternativas desejantes e
indisciplinadas de construção e vivência de espaços urbanos através da
elaboração e experimentação de “programas performativos” (FABIÃO, 2013).

Esta busca segue ativa – hoje inscrita no Programa de Pós-Graduação em Artes


da Cena da UFRJ. Tendo encontrado na performance uma maneira de subverter
lógicas hegemônicas que disciplinam, secundarizam e canalizam corpos e afetos
nos espaços urbanos, proponho, no escrito a ser exposto, pensar o “programa
performativo” enquanto prática projetual urbana – imaginado coletiva e
contextualmente.

Articulando práticas arquitetônicas, urbanas e artísticas e o trabalho de alguns


autores dos campos da filosofia, performance, arquitetura e urbanismo, o artigo
se estrutura, principalmente, na revisão de uma colocação presente no texto
Coreopolítica e Coreopolícia de André Lepecki: a de que a arquitetura – o fazer
cidade – é fundamentalmente anterior à política – agir cidade. Utilizo como
contraponto a performance Tapetes Urbanos, que realizei em 2018, de modo a
expandir as noções de política e de arquitetura – reforçando que agir cidade é,
de fato, fazê-la.

Dentre apostas e propostas que o texto faz, estão as seguintes.

Das reflexões provenientes da experimentação dos tapetes: pensar arquitetura


e urbanismo enquanto "políticas do chão" (CARTER apud LEPECKI, 2012).
Diante da feitura do urbano pelos corpos, afetos e ações cotidianas e enquanto
desafio de prática: programar urbanismos coreopolíticos. Via Espinosa e

33
Deleuze (2002 e 1996), teorizando o urbano: pensar uma cidade-plano-de-
consistência – imanente e sempre em composição.

Buscando, portanto, reconhecer que a cidade já é feita de cotidianos e


efêmeros, me pergunto: como atentar a estas políticas e, então, operar por uma
espécie de urbanismo imanente e do chão – em contraposição à determinação
de usos comumente realizada na arquitetura?

Na chave dos usos determinados em projetos de arquitetura, a segunda parte


do artigo investiga a palavra programa. Muito frequente em projetos de
arquitetura e urbanismo, “programa”, neste contexto, se referiria a um
estabelecimento de funções ou usos estanques para os espaços que se
pretende trabalhar. Intencionando operar por modos de existência imanentes e
não previamente determinados, me pergunto sobre a possibilidade de agenciar
o programa performativo em substituição a e em subversão deste outro
programa – o arquitetônico e urbanístico determinante.

Tapetes Urbanos, 2018. Fotografias da autora.

34
Palavras-chave: Cidade; Performance; Urbanismo; Programa Performativo;
Chão.
Referências
DELEUZE, Gilles. Espinosa: Filosofia Prática. Tradução de Daniel Lins e Fabien
Pascal Lins. 1ª Edição, São Paulo: Editora Escuta, 2002.
DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. 28 de novembro de 1947 - Como Criar Para
Si Um Corpo Sem Órgãos. In: DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Mil Platôs:
Capitalismo e Esquizofrenia. Vol.3. Tradução de Aurélio Guerra Neto et alii, 5ª
Edição, Rio de Janeiro: Editora 34 Letras, 1996, p. 9-29.
FABIÃO, Eleonora. Programa Performativo: o corpo-em-experiência. In: ILINX,
Revista do LUME, Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da UNICAMP -
n.4. 2013.
LEPECKI, André. Coreopolítica e Coreopolícia. In: Ilha. vol.13 n.1, Santa
Catarina: UDESC, 2012, p. 41-60.

35
Cartografias afetivas: Suzana Queiroga e Rafael Amorim
Trabalho Teórico

Bruna Gomes da Costa


Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

O presente trabalho investiga a poética da cartografia na arte contemporânea


carioca recente. Através de dois artistas de diferentes gerações, procura-se
entender como este elemento pode ser desdobrado em diferentes produções
e processos. O território urbano é mais fértil para este tema? Como pensar a
cidade do Rio de Janeiro em todas as suas particularidades? Um lugar que pode
ser tão indiferente e mesmo hostil pode também abrir caminhos para o afeto e
a coletividade. Estão em pauta as relações entre centro e periferia, entre
universal e particular e entre organismo e artificial. Segundo Richard Sennett
(2008), a própria história do urbanismo relaciona a cidade e sua semelhança com
um organismo humano, então por que não conceber poéticas que entendem
esse elemento como algo dotado de afetividade? Suzana Queiroga investiga os
mapas e suas construções e desconstruções históricas e contemporâneas,
através de um dos principais suportes plásticos utilizados historicamente: o
desenho. Sua relação com os mapas se aproxima de sua pesquisa em torno do
fluxo e do infinito. Os mapas de Queiroga são cidades imaginárias e impossíveis,
mostrando suas redes e sistemas coexistentes e sobrepostos, que até saltam o
plano. Logo entendemos que na verdade todo e qualquer mapa é uma
abstração da referência do espaço real. Rafael Amorim vivencia o espaço urbano
com seu corpo periférico e viado e desenvolve um apurado olhar para o trajeto,
coletando objetos e experiências; seu cotidiano é a obra. Neste sentido,
aproxima-se frequentemente da figura moderna do flâneur, descrita por
Baudelaire (2006), o qual se atenta ao cotidiano urbano através do caminhar
pela cidade. O trabalho aponta para a diversidade de narrativas construídas na
contemporaneidade a partir da vivência da cidade, começando por estes dois
artistas. As potências e hostilidades oferecidas pelo ambiente carioca aparece
no resultado de seus trabalhos. Muitos outros artistas cariocas pensam a cidade
que habitam, com olhares atentos ao cotidiano e aos itinerários que traçam
(desenham) por ela todos os dias.

Palavras-chave: cartografia; afetividade; Suzana Queiroga; Rafael Amorim.

36
Referências
SENNETT, Richard. Carne e Pedra: Corpo e cidade na civilização ocidental.
Tradução: Marcos Aarão Reis. Rio de Janeiro: BestBolso 2008.
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: BAUDELAIRE,
Charles. Poesia e prosa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, p. 851-881.

37
Terreiro afetivo
Trabalho Prático

Diógenes Magno aka Rastros de Diógenes

Resumo

Terreiro Afetivo consiste em um laboratório de práticas transdisciplinares.


Ocorre como Zona autônoma temporária e nômade; que se utiliza de materiais
e referenciais presentes na cultura brasileira para alterar o espaço e gerar trocas
de saberes; tendo como norte práticas e sabedorias afroindígenas nas propostas
desenvolvidas. O deslocamento geográfico funciona como um percurso
metodológico para os encontros, refletindo na multidisciplinaridade dos
lugares, da cidade, país; o modo de se estar no mundo para cada pessoa que
passar por esta proposta, ativando as musculaturas do olhar, da escuta e do
corpo – individual e coletivo – provocando pensamento sobre os desafios e as
possibilidades de atuações anticoloniais desses encontros e diálogos no
contexto contemporâneo.

38
Terreiro Afetivo, como aula performativa na Mostra de Artes em Cena da
Universidade Federal da Paraíba, julho, 2019.
Na ocasião, realizamos um ritual de queima e plantamos feijão nos arredores da
Universidade.

Palavras-chave: Decolonialidade; Arte Relacional; Processos; Afetos; Ativismos


39
Carnaval e Boi-bumbá: intercruzamentos alegóricos
Trabalho Teórico

João Gustavo Martins Melo de Sousa


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

O trabalho busca investigar as técnicas de concepção, o processo criativo e a


execução dos movimentos e articulações nas alegorias das escolas de samba do
Rio de Janeiro, cuja confecção passou a contar, a partir de meados da década
de 1990, com a presença de artistas vindos da cidade insular de Parintins,
localizada no estado do Amazonas. A partir do processo de construção alegórica
nas escolas de samba e no Festival Folclórico de Parintins, a pesquisa aborda a
circularidade de saberes e técnicas por parte dos artistas da ilha amazonense
que atuam no Carnaval carioca. Analisa como a chegada desses agentes
transculturais vindos do Norte do país marca uma série de transformações
estéticas, registrando um movimento de fluxos e refluxos artísticos nessas duas
formas de festejo. A partir da observação desse fenômeno transcultural, foi
realizada uma pesquisa de campo no barracão de alegorias da escola de samba
carioca Unidos de Vila Isabel durante os meses de julho de 2018, estendendo-
se a março de 2019, quando da realização do desfile. Nesse período houve o
acompanhamento do trabalho de confecção da alegoria “Paraíso Coroado”,
cuja participação de artistas de Parintins se deu em diversas frentes, como
pintura de arte, movimentos articulados de peças da alegoria, além de escultura
e estruturação em ferro, cujo processo foi lideradas pelo artista Alex Salvador,
oriundo do Boi-bumbá Caprichoso. Vamos apresentar ainda o processo de
confecção da alegoria “Enwenê-nawê: Yakwã, a Favorável Sentença”, realizada
pelo artista Algles Ferreira. A pesquisa se deu em 2019 no galpão onde são
confeccionados os módulos alegóricos do Boi-bumbá Caprichoso, nos quinze
dias que antecederam o Festival Folclórico de Parintins, que ocorre anualmente
no último final de semana do mês de junho. A disputa entre os bois Caprichoso
e Garantido acontece em uma arena especialmente construída para o evento
que recebe o nome de Bumbódromo, impactando diversas cadeias do fazer
artístico popular da região.

Palavras-chave: Alegoria; Escolas de Samba; Festival Folclórico de Parintins;


Carnaval; Boi-bumbá.

40
Corpo/Cidade: campos de batalha enquanto campos de diálogo
Trabalho Teórico

Julia Lopes Pereira


Universidade de São Paulo

Resumo

Em um momento em que a cidade contemporânea parece exigir uma postura


ainda mais ativa e política de seus habitantes, é preciso ocupá-la em
pensamento e corpo. O presente trabalho sugere uma reflexão acerca de
experiências propostas por artistas e coletivos na cidade de São Paulo, entre os
anos 2008 e 2018, que têm em comum o ato de caminhar. São práticas artísticas
que entendem corpo e cidade dentro de uma mesma chave: ambos são campos
de batalha cotidianos. O ato de ocupar a cidade deve ser encarado como uma
postura política, qualquer que seja seu fim, e o caminhar - lido aqui como uma
combinação entre procedimento artístico e experiência urbana -, é um
importante artifício para realizar na cidade novos comportamentos e formas de
reapropriação e significação do espaço. Trata-se de uma produção artística que
contribui para a criação de instrumentos que propiciam novas formas de
vivências, convivências e sobrevivências na sociedade contemporânea. É nítida
a linha estreita entre arte e vida e o caráter crítico e político das experiências
propostas nos últimos anos, especialmente em função do momento instável
vivido no cenário nacional e internacional. Cada vez mais, fazer arte é uma forma
potente de se fazer política. Em um momento de múltiplas tensões, interessa
uma investigação sobre o caminhar como modo de fazer artístico na cidade
contemporânea, tendo em vista dois aspectos em especial. Por um lado, não é
difícil perceber que caminhar pela cidade, apesar de parecer uma ação banal ao
alcance de qualquer pessoa, não é ainda um direito totalmente consolidado:
cidades como São Paulo, assim como a maioria das cidades brasileiras, estão
repletas de entraves e espaços de segregação. Por outro lado, existe o estigma
de que a arte contemporânea é de difícil acesso e, também ela, restrita a certos
grupos. Assim, em uma realidade onde a arte é ainda tão distante da maioria da
população e o direito à cidade permanece como uma luta diária, é potente a
possibilidade de pensar o caminhar como estratégia artística e,
consequentemente, política. Bourriaud (2009, p. 11) sugere que a obra de arte
é o meio pelo qual o artista inicia um diálogo. As experiências analisadas neste
trabalho funcionam, dessa forma, como provocações para os múltiplos debates
41
sobre a necessidade de pensar e repensar as cidades contemporâneas e o
potencial performático do corpo quando se coloca em movimento nessas
cidades.

Palavras-chave: arte contemporânea; política; caminhar; cidade.

Referências
BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins fontes, 2009.
CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo:
Editora G. Gili, 2013.
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. São Paulo: VOZES, 2000.
JACQUES, Paola Berenstein. Corpografias urbanas. Vitruvius, [S.L.], fev. 2008.
Disponível em: <vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.093/165>.
Acesso em: out. 2019.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Ed. Documentos Ltda., 1969.
PALLAMIN, Vera (org.). Cidade e cultura: esfera pública e transformação urbana.
São Paulo: Estação Liberdade, 2002.

42
Paisagens do sul: mostras e bienais de arte contemporânea na perspectiva
pós-colonial da cultura
Trabalho Teórico

Maria José de Azevedo Marcondes


Universidade Estadual de Campinas

RESUMO:

Este artigo pretende realizar uma leitura crítica de propostas curatoriais de


Mostras e Bienais de arte contemporânea recentes, como Documenta 14 – em
Kassel e Atenas- 2017 ; 57ª Bienal Internacional de Arte de Veneza (2017) e a
58ª Bienal Internacional de Arte de Veneza (2019) no contexto de projetos
curatoriais; os quais através do termo « Antropofagizar o Sul », buscam uma
perspectiva pós-colonial da cultura, e especialmente da arte contemporânea. O
artigo, também, se propõe a pesquisar os vínculos estabelecidos entre arte e
crises nas propostas curatoriais.

A organização de grandes e importantes mostras de arte com validação e


valorização de discursos curatoriais da arte contemporânea fora dos paradigmas
hegemônicos da arte do Norte ou do Norte-Oeste, deslocando-se para a
visibilidade da produção artística dos países do chamado “Sul Global” tem
constituído -se em uma prática artística significativa, como evidencia a proposta
da Documenta 14, em 2017 nas cidades de Kassel (Alemanha) e em Atenas
(Grécia).

Na edição de 2017 a mostra de arte Documenta 14 ocorre simultaneamente,


entre o chamado norte-sul na proposta do curador Adam Szymczk. A
participação de Atenas como tema e sede da Documenta 14 tem várias camadas
de sentido. As principais razões descritas no artigo referem-se ao papel de
mediação que a Grécia tem no processo migratório de refugiados sírios. A
diretora artística adjunta da Documenta 14, em Atenas Marina Fokidis expôs as
diretrizes curatoriais, cujo título da Documenta 14 foi “Aprendendo com
Atenas”. Para a citada curadora a edição da Mostra buscou abordar o tema dos
refugiados em seu sentido simbólico e, também, como metáfora da fundação
do sentido moderno de democracia com a criação de uma esfera pública.

43
As vertentes preconizadas partem do sentido da Mostra de Arte
Contemporânea Documenta, em Kassel, Alemanha , que é realizada desde 1955
e teve desde este período um papel cultural de “antídoto”; buscando
representar a abertura, a liberdade da arte, o experimento, a vanguarda e a
busca de perspectivas em tempos de crises sociais, políticas- humanitárias no
Pós-Segunda Guerra Mundial.

No que se refere a Mostra de Arte 57ª Bienal Internacional de Arte de Veneza


com curadoria de Christine Macel os artistas selecionados foram conclamados
para tratarem, principalmente, dos temas dos refugiados e dos povos indígenas
em obras que expressassem à liberdade de criação.

A 58ª Bienal Internacional de Arte de Veneza (2019) o curador Ralph Rugoff


propôs com o tema – Que você viva em tempos interessantes - uma exposição
que “visa avaliar nosso nebuloso presente, quando narrativas compartilhadas
entraram em colapso e nos esforçamos para encontrar nossa localização”, como
escreveu o critico Jason Farago (The New York Times, 2019, p.9),cuja obra
emblemática é a instalação 'Thinking Head,2017-2019', de Lara Favaretto, que
envolve os visitantes em um nevoeiro na entrada do principal edifício da Bienal
de Veneza.

Palavras–chave: Arte, Contemporaneidade, Mostras, Curadoria, Migrações

Referências
Farango, Jason. The Venice Biennale Plays It Safe, and Gets Lost in Fog, In: The
New York Times. Nova York: NYT, p. 9, 25 maio 2019. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/2019/05/20/arts/design/2019-venice-biennale-
review.html>. Acesso em 25 maio 2019.

44
Uma ação por memórias veladas
Trabalho Prático

Mariana Lydia Bertoche


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Registros e fundamentos de uma ação estético-política realizada nas ruas do


Centro do Rio de Janeiro em Agosto desse ano. A ação criou forma a partir da
escrita de um ensaio que contém tanto registros recuperados de algumas
experimentações artísticas de 2014 e 2015 – anos precedentes ao golpe de
Estado recente, em que o caminhar para o futuro parecia menos conturbado e
turvo -, imagens essas com alterações de cor advindas do tempo em que o filme
ficou guardado e do parcial velar provocado pela artista; quanto textos poéticos,
questionamentos teóricos e novas fotografias produzidas por um aparelho de
quatro lentes de inscrições “made in china” – comum ao cotidiano de quem
nasceu após a queda do muro de Berlim. As fotografias registram o processo de
criação da artista, que a partir de um certo momento – após 2013, quando se
mudou para a rua onde ficava o DOPS - envolve mais a pesquisa e produção
teórica e as relações poéticas com o espaço e a cidade. A partir da leitura de
uma obra nunca publicada de seu avô que narra o processo até sua prisão
durante a ditadura, Mariana descobre que Mury teve depoimento registrado no
“livro de ouro” do DOPS e constrói outro tipo de relação com esse prédio de
sua rua. Rastros de um tempo de Comissões da Verdade e um futuro promissor,
as imagens avermelhadas seguiram junto ao seu corpo e caderno pela cidade,
enquanto tentava colocar em palavras as camadas e mais camadas de aparência
e ausência que seu olhar atento provocava.

Em 19 de agosto desse ano, a partir desse ensaio, realizei uma ação por
imagens veladas que constava em demarcar certos lugares (o antigo Tribuna da
Imprensa, o local de linchamento do jornalista Apulchro de Castro e o DOPS) e
ativar a memória do acontecido com jornalistas nesses pontos da cidade
descrevendo o que havia acontecido anos antes, evocando sua presença, e
delimitando com o fio vermelho um trajeto de barbárie da esquina da Rua do
Senado com a Lavradio até o prédio da antiga Polícia Central (que na primeira
data da ação não existia ainda, e anos depois se tornou o DOPS).

45
Palavras-chave: Ação estético-política; Fotografia; Memória; Cidade; Instalação.

46
A sacralidade do lugar: as imagens como objeto na construção do espaço
mistagógico da Basílica de Aparecida
Trabalho Teórico

Richard Gomes
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

A comunicação a ser apresentada é parte integrante da pesquisa de Mestrado:


“A Iconografia Sacra de Cláudio Pastro na Basílica Nacional de Aparecida”, cujo
objeto analisa a obra daquele que é considerado por especialistas um dos mais
importantes artistas sacros brasileiros da contemporaneidade.

Ao desenvolver o projeto de ambientação interna do Santuário de Aparecida,


entre os anos de 2000 e 2017, Cláudio Pastro buscou revisitar a imagem cristã
do Medievo, o ícone de modo particular, como uma forma de atendimento às
demandas de uma renovação litúrgica aventada pelo Concílio Ecumênico
Vaticano II (1962-1965) que buscava, ao mesmo tempo, um “regresso às fontes”
do cristianismo.

Desse modo, o recorte grifa aspectos pertinentes à imagem cristã medieval, afim
de compreender os reflexos existentes na obra do artista contemporâneo
tomando, como ponto de partida, o conceito de lieu d’images (lugar de
imagens), desenvolvida por Jérôme Baschet, pelo qual a Igreja cristã
consubstancia-se em “um objeto total, complexo, no qual as imagens se ligam
entre si, se fundem com o lugar, participam em sua função que é celebrar o culto
de Deus (...)” (QUÍRICO, 2014, p.139).

De modo semelhante ao teórico medievalista, Cláudio Pastro considerava que:

(...), o projeto do programa iconográfico de uma igreja


deve ser muito bem cuidado e, de preferência,
simultâneo ao estudo e à organização da arquitetura,
tendo como centro o Cristo e seus mistérios
(TOMMASO, 2018, p.189).

Logo, ao compor o conjunto de painéis cerâmicos do Santuário Nacional de


Aparecida, Pastro propôs uma obra expressivamente simbólica, remontando ao
47
papel da imagem na Igreja dos primeiros séculos, evidenciando aspectos
formais e de linguagem do ícone, e calculando o posicionamento das cenas no
interior da basílica estabelecendo, assim, relações com o edifício, com as outras
cenas e com quem as observa para que, também elas, pudessem cumprir
funções específicas de forma análoga à imagem cristã medieval.

Painel Cristo Sol e o cortejo das mulheres da Igreja (trecho).


Santuário Nacional de Aparecida, São Paulo, ca. 2002-2017.
Fonte: O autor, 2018.

Palavras-chave: imagem; iconografia; cristianismo; mistagogia;

Referências
QUÍRICO, Tamara. Inferno e Paradiso – As representações do Juízo final na
pintura toscana do século XIV. Campinas, São Paulo: Editora Unicamp, 2014.
TOMMASO, Wilma Steagall de. O Cristo Pantocrator – Da origem às igrejas no
Brasil, na obra de Cláudio Pastro. São Paulo: Paulus, 2017.
48
Corpos em atravessamento: gênero e política

Maria Izabel Barreto


Coordenadora do Grupo de Trabalho

Corpos atravessados, corpos cruzados, constituídos por mais de um modo, se


fazem na articulação de saberes heterogêneos. Promovem através de seus
percursos novas narrativas e estéticas.

Os corpos atravessados nas encruzilhadas transatlânticas transgrediram a lógica


colonial [...] É através do corpo negro em diáspora que emerge o poder das
múltiplas sabedorias africanas transladadas pelo Atlântico. O corpo objetificado,
desencantado, como pretendido pelo colonialismo, dribla e golpeia a lógica
dominante. (SIMAS E RUFINO, 2018, p.49)

Esse corpo que desenvolve potência na re-existência muito nos tem a ensinar
nos tempos de crise. O corpo da contemporaneidade em sua produção
subjetiva mais ampliada, se articula com questões como: decolonialidade,
gênero, política, subjetividade e proposições colaborativas; aventando
caminhos, atalhos, novas trilhas a serem percorridas como frestas que renovam
nosso olhar adiante. Pensar e fazer coletivamente em tempos de dissenso, além
de alento/acolhimento passa a ser uma ferramenta que reinventa as narrativas.
E traz nosso corpo-subjetivação para uma ação conjunta que se torna a mesma,
uma prática de reflexão sobre si, sobre o outro e sobre o mundo que possa
contar mais uma história, mais um trabalho. São modos de adiar o fim, tomar a
crise como bifurcação, duplicação de caminhos de possível. Segundo (KRENAK,
2019), os povos originários do Brasil se entendem como “pessoas coletivas”,
não indivíduos. “Células que conseguem transmitir através do tempo suas visões
sobre o mundo.” Constituem-se uns aos outros.

Mais que nunca precisamos ouvir. Ouvir essas vozes há muito caladas. É
fundamental descolonizar os desejos, as relações e as práticas. Descolonizar a
subjetividade, escapar dos padrões históricos, buscando não produzir novos
modos da mesma barbárie. Diante desse corpo encruzilhada de tempos e
práticas, refletimos gênero e política. Não para separar esses aspectos, mas para
compreendermos o quanto estão associados.

O gênero não é efeito de um sistema fechado de poder nem uma ideia que
recai sobre a matéria passiva, mas o nome do conjunto de dispositivos

49
sexopolíticos (da medicina à representação pornográfica, passando pelas
instituições familiares) que serão objeto de uma reapropriação pelas minorias
sexuais. (PAUL B. PRECIADO, 2019, p. 424)

Leonardo Antan, Indira Brígido, Sílivia Schiavone, Sara York e Lucas Lopes
abordam em suas pesquisas questões onde o gênero atravessa a corporeidade
rompendo com leituras fixas sobre os códigos identitários. Podemos entender
o corpo que opera diferença como potência política e não simplesmente como
efeito dos discursos sobre o sexo. A sexualidade como regime político que
através do corpo apresenta questões que transgridem as representações
dominantes de sujeito. Ingrid lemos e Ribamar Arruda acionam uma ativação
através de suas práticas que convocam a presença do corpo em sua potência
criativa, um corpo-território que aponta para as brechas como mapas de ação e
produção subjetiva. Um corpo político que afirma seu pertencimento enquanto
questiona os acontecimentos em movimento à sua volta. Sua relação com o
espaço propõe construção de novas ações, novos laços, novas experiências de
existência. “Fio Virtual” de Ingrid lemos um jogo performático que convida aos
envolvidos ao movimento numa brincadeira através do fio/objeto relacional. Em
“Desarquive o arquivo do arquivo” de Ribamar Arruda, os elementos cênicos
nos provocam desejos de romper silêncios. A ausência de movimento trazida
pelo seu gesto fixo, nos mobiliza afetivamente fazendo com que o dispositivo
performático se modifique diante da participação do espectador/ator. A frase
imperativa projetada na parede “Desarquive o arquivo do arquivo” ao mesmo
tempo nos ordena e liberta, assim como seu gesto de defesa nos ataca.

Referências:

PRECIADO, Paul B. Multidões Queer: notas para uma política dos “anormais”.
In: HOLLANDA, Heloisa Buarque. Pensamento Feminista. Rio de Janeiro: Bazar
do Tempo, 2019.

SIMAS, Luiz Antônio, RUFINO, Luiz. Fogo no mato: A ciência encantada das
macumbas. Rio de Janeiro: Mórula, 2018.

50
Desorientação do corpo em fechamento: experimentações do corpo em
abertura
Trabalho Teórico

Indira Brígido
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

Esta pesquisa coloca em relevo algumas questões que problematizam como os


dispositivos de saber-poder – em específico o dispositivo de sexualidade
(FOUCAULT, 2015) – estão implicados na construção da imagem e discurso do
sujeito mulher hegemônico. Considerando as representações dominantes do
sujeito mulher como expressões do exercício deste poder, proponho uma
análise crítica do roteiro e fotografia do filme King Kong (1933). Identificando-
me com o pensamento de Despentes (2016), escrevo em consonância com sua
análise sobre o filme King Kong (2005) a partir da escolha política representativa
de Kong como mulher, a fim de quebrar com a padronização de imagens e
borrar as fronteiras do que é definido como sujeito mulher. Entendo que a
produção de sujeição (BUTLER, 2017) da mulher nestes dispositivos projeta
representações de corporeidade e feminilidade hegemônicas que ajudam a
estabilizar e perpetuar certos sentidos, garantindo relações de poder desiguais
e hierarquizadas entre expressões de gêneros e sexualidades. A apresentação
destas imagens fabrica e legitima lugares de visibilidade para o sujeito mulher,
produzindo, para tanto, técnicas específicas de arquivamento – dispositivo
discursivo de legitimação (MARGEL, 2017) - que podem ter um efeito
colonizador ao criar e apagar memórias de feminilidade. Para isto, problematizo
seus efeitos sob os corpos e proponho a desorientação como maneira de
desestabilizá-los. Pensando a subjetivação do sujeito como uma oscilação
constante de seu corpo em fechamento e abertura para o que lhe afeta,
questiono como os dispositivos de controle atuam na subjetividade do corpo
em fechamento sob a perspectiva do mundo como formas e representações; e
na busca da subjetividade de corpo em abertura sob a perspectiva do mundo
como força. Encontro na experimentação em dança contemporânea “[...] um
corpo de intensidades.” (PRIMO, 2012, p. 2) e no corpo vibrátil (ROLNIK, 2004)
a corporeidade de potência indecidivelmente (DERRIDA, 2015) desorientadora.
Diante disto, proponho a desconstrução das técnicas que produzem e
perpetuam o discurso dominante patriarcal num uso potente e experimental da
51
fotografia. O objetivo é de produzir outras realidades possíveis que explodam o
sujeito mulher fabricado na modernidade através da desobediência e subversão
das fronteiras que lhe foram predestinadas para o corpo. O desdobramento
teórico-prático deste trânsito nas experimentações com desorientação busca
deslocar as noções de sujeito e objeto em suas relações. Concluo que a potência
da desorientação se encontra na imprevisibilidade da abertura para o encontro
inesperado do acontecimento (DERRIDA, 2012), portanto não há um método
para causá-la, é no estímulo sensitivo do processo que talvez a encontremos.

Trabalho de montagem fotográfica referente à pesquisa de mestrado e à


reflexão teórica deste resumo da autora. Compõe a série Labirinto, de sua
produção, apresentado em impressão A3 na mostra dos trabalhos DESILHA NA
CIDADE 2019.
52
Palavras-chave: Dispositivo; fotografia; corpo; imagem.

Referências
BUTLER, Judith. A vida psíquica do poder: Teorias da sujeição. Tradução de
Rogério Bettoni. 1º Ed., Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017, p. 10.
DERRIDA, Jacques. Demorar: Maurice Blanchot. Tradução de Flavia Trocoli e
Carla Rodrigues. 1º Ed., Florianópolis: Editora UFSC, 2015, p. 62.
__________. Pensar em não ver: escritos sobre as artes do visível. Tradução de
Marcelo Jacques de Morais. 1º Ed., Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2012, p. 70.
DESPENTES, Virginie. Teoria King Kong. Tradução de Márcia Bechara. 1º Ed.,
São Paulo: n-1 edições, 2016, p. 93.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: A vontade de saber. Tradução
de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 2 º ed.,
São Paulo: Paz e Terra, 2015, p. 100.
PRIMO, Rosa. Dança: porosidade e resistência. Tempos de memória: vestígios,
ressonâncias e mutações. Porto Alegre, VII Congresso da Abrace, vol. 5, p. 1-4,
outubro, 2012. Disponível em:
<http://www.portalabrace.org/viicongresso/completos/pesquisadanca/Rosa_Pr
imo_-_dan__a_porosidade_e_resist__ncia.pdf>. Acesso em: 01/04/2019.
MARGEL, Serge. Os arquivos, no limite entre escrita e saber. In: PENNA, João
Camillo (Org.). Arqueologias do Fantasma: Técnica, Cinema, Etnografia.
Tradução de Maurício Chamarelli e Anne Dias, 1 º ed., Belo Horizonte: Relicário
Edições, 2017, p. 111-170.
ROLNIK, Suely. "Fale com ele" ou como tratar o corpo vibrátil em coma.
Conferência proferida nos simpósios: Corpo, Arte e Clínica (UFRGS, Instituto
de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional
– Mestrado. Porto Alegre, 11/04/03); A vida nos tempos de cólera (ONG Atua,
Rede de Acompanhamento Terapêutico. Itaú Cultural, São Paulo, 17/05/03) e
A clínica em questão: conversações sobre clínica, política e criação (DA de
Psicologia UFF e Universidade Nômade, Niterói, 05/12/03). Disponível em:
<https://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/falecomele.pdf>.
Acesso em: 13/03/2019.

53
Devir oceânico - do corpo
Trabalho Teórico

Ingrid Lemos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Apresento o presente trabalho tomando como ponto de partida a minha


investigação pessoal sobre sentimentos oceânicos, compreendido como um
sentimento de eternidade e pertencimento que acomete algumas pessoas. Ao
trazer o corpo ao centro da pesquisa, tenho motivação neste tema pelo
realizável diálogo dentro da arte sobre as maneiras e perspectivas em que
podemos trazer sentidos que expandam as nossas possibilidades de existência
em sentidos e construção da própria vida.

“Devir Oceânico - Do corpo” dialoga sobre a discussão de corpo junto à


experiência subjetiva de reconquista do corpo como potência no mundo e seus
entrelaçamentos. Ao falar desta relação sensível, ao introduzir a noção de corpo,
reconquista e relação sensível entre os objetos e o mundo com o corpo, caminho
a uma discussão paralela para trazer abordagens e significados sobre a
consciência de corpo e maneira de ganhar sentido no mundo, a partir da relação
com os objetos. Os autores apontam pontos em comum e convergências sobre
maneiras e possibilidades da relação do corpo com objeto e as zonas sensíveis
que habitam entre um corpo que se abre.

Então conclui-se que cada sujeito que cria uma relação com o objeto evoca uma
experiência singular e isso só se faz possível porque o próprio corpo se encontra
em um processo constante do Devir. O Devir, entretanto, se dá a partir do
encontro do corpo com o outro, se presenciando na zona intrínseca deste
encontro onde não se distingue o corpo do mundo.

Finalizo sob o entendimento de que o corpo se relaciona e se possibilita


indistinguível ao mundo graças a maneira em processo de devir; do corpo que
vem a ser algo, trazendo o sentido de devir oceânico, voltando ao início do
ponto de partida da pesquisa, apresentando-o como uma poética de viver e de
perspectiva de significados para o meu próprio entendimento e construção.

Palavras-chave: Corpo; Pertencimento; Prática artística;

54
Fio-virtual
Trabalho Prático

Ingrid Lemos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

O presente trabalho “Fio Virtual” é objeto relacional desenvolvido sob um


estudo atravessado pelo sistema de fluidos do nosso corpo, onde se entende
que todos os fluidos corporais essencialmente se fundem em um único fluido,
que começa desde a respiração, com a pressão no diafragma que impulsiona o
bombeamento do sangue, como transporte líquido do corpo. A maneira que
articulamos os diversos fluidos do nosso corpo reflete em todo o modo do nosso
estilo de vida e a forma que nos relacionamos com o externo. Se tornar
consciente da influência dos fluidos, dentro do autoconhecimento de quem
respectivamente somos, nos amplia a potencialidade de como nós nos
percebemos e expressamos através do corpo.

Não existe uma maneira técnica ou uma verdade absoluta sobre abrir esta
consciência do corpo, um lugar de estado mental. Ela nos define a importância
da qualidade de corporalizar os conceitos. O presente trabalho “Fio-virtual” vem
a ser então o desdobramento da minha performance “Questão Embrionária:
Jogos de Circulação” para expandir a proposição da ação adentro: jogos de
circulação. Eu proponho a alguns observadores a se amarrar um fio vermelho,
objeto relacional condutor. O exercício tem como objetivo criar estado de
tensão entre os corpos e convidar o participante a vivenciar de forma mais
empírica o sistema de transporte de fluidos.

A proposta é ser uma brincadeira. É lembrar da infância, é sentir um outro corpo


em forma virtual. É rememorar akai ito, lenda chinesa sobre um fio que não se
rompe. É uma representação visual, do vermelho, do próprio fluxo sanguíneo. É
ressignificação do nosso imaginário como um cordão umbilical que conecta e
retroalimenta sob o sentido da ação ordinária e ao mesmo tempo complexa
sobre ser além do corpo. Sem regras.

55
Foto-performance com Fio-Virtual (2017). Fotografia: De Caio, Castro.

Palavras-chave: objeto relacional; fluxo; performance;

Referências:
COHEN, Bonnie Brainbridge. Sentir, Perceber e Agir: Educação somática pelo
método Body Mind Centering. Edições Sesc São Paulo, 2015.

56
LAROYÊ XICA DA SILVA!
A incorporação da personagem brasileira na encruzilhada do desfile do GRES
Acadêmicos do Salgueiro em 1963
Trabalho Teórico

Leonardo Antan
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Xica da Silva manifestou-se pela primeira vez na história brasileira no século


XVIII, no Arraial do Tijuco, atual Diamantina. Desde então, muitas narrativas
tentaram dar conta do fascínio e mistério em torno da negra que superou sua
condição de escravizada para se tornar uma espécie de “mito” nacional. Sempre
com enorme sucesso, filmes, novelas, romances e desfiles de escolas de sambas
reinterpretaram sua história, transformando-a num ícone da cultura pop
brasileira. Estas narrativas tanto foram alimentadas por preconceitos e estigmas
raciais e sexistas como produziram leituras pós-coloniais contra a estrutura
escravocrata e patriarcal vigente.

De modo semelhante, tal processo aconteceu também na formulação de uma


das mais famosas entidades das religiões afro-brasileiras: a pomba-gira.
Associado ao feminino vulgar e não-normatizante, o arquétipo da pomba-gira
teria sido incorporado por diversas personagens históricas (entre várias de suas
manifestações, a Maria Padilha se tornou a mais conhecida). No encruzilhamento
dessas informações, as lenda sobre Xica da Silva trazem uma série de
características que podem torná-la também uma das formas de manifestação
dentro da linha de trabalho da entidade. Em suas mais significativas
representações, o espírito de Xica de Silva pareceu se manifestar através de suas
“performadoras” em um processo muito parecido com a de incorporação
presente nas religiões de matriz africana. Sempre que foi representada, a
personagem se fundiu na figura de sua intérprete, seja no cinema, na televisão
e no carnaval.

Para se pensar a construção da personagem e sua fixação na cultura brasileira,


a pesquisa estabelece um recorte na primeira manifestação de Xica da Silva a
tomar grande repercussão, ocorrida no desfile do G.R.E.S. Acadêmicos do
Salgueiro, em 1963, que narrou a trajetória da personalidade. Na ocasião, a
57
destaque Isabel Valença se tornou uma celebridade ao interpretar Xica,
marcando também a popularização da personagem por todos país. O desfile
assinado por Arlindo Rodrigues se insere num momento tanto de transformação
e espetacularização das escolas de samba quanto de efervescência cultural, o
que marcaria várias negociações e influências do trabalho do carnavalesco com
o movimento negro e a intelectualidade engajada dos anos 1960. Além do
aspecto sociocultural, várias inovações e transformações que as escolas de
samba vinham sofrendo em sua linguagem naquele período seriam
consolidadas e reafirmadas na apresentação salgueirense, que se tornaria um
sucesso de repercussão jamais visto até então na história das agremiações.

Entendendo o campo das escolas de samba como importante seara artística


brasileira, responsável por diversas trocas e influências dos mais diferentes
setores culturais, o desfile sobre Xica da Silva seria uma encruzilhada
fundamental na História da Arte brasileira, responsável por popularizar e criar
uma das camadas mais importantes que compõe as múltiplas manifestações da
Xica da Silva na cultura nacional, tornando-a personagem-símbolo da opressora
narrativa colonial brasileira e, ao mesmo tempo, de sua subversão. E ainda uma
pedra fundamental na estruturação da linguagem dos cortejos das agremiações
carnavalescas vigente até hoje.

Palavras-chave: Xica da Silva; pomba-gira; escolas de samba; história da arte no


Brasil;

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Futanarihira: ambiguidade de gênero e permanência na arte japonesa
Trabalho Teórico
.
Lucas d’Avila
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Com base na observação dos suportes de representação de gênero na arte


japonesa a partir do século XX, nota-se um protagonismo da representação
simbólica da androginia nos conteúdos presentes na literatura popular e,
sobretudo, nas animações; objetos essenciais à análise. A presente proposta
busca investigar os sistemas cognitivos, imagéticos e teóricos que constituem a
assimilação do gênero neutro na contemporaneidade nipônica segundo uma
narrativa paralela ao estudo da configuração dos discursos sobre a androginia a
partir da primeira metade do século XVII no Japão.

A difusão da xilogravura como um retrato dos papeis sociais, tal qual a


performance de gênero empreendida pelo teatro kabuki na formulação dos
arquétipos de feminilidade são para a pesquisa objetos centrais utilizados para
compreender os possíveis desdobramentos da cognição de gênero no Período
Edo (1603 — 1689). Dessa forma, tendo a produção artística da pré-
modernidade nipônica como premissa, é possível perceber a subsequência de
discursos estéticos na construção de uma imagem factível na
contemporaneidade japonesa.

O questionamento pela eleição de uma estética andrógina como ideal


imagético na cultura visual nipônica revela, consequentemente, o gênero como
uma ideia munida de instruções educacionais, tal qual a incapacidade ocidental
de conceber a possibilidade de um corpo não só em seu caráter assexuado ou
andrógino, mas essencialmente em seu status de emancipação assumido nas
representações das imagens.

A ambiguidade de gênero, assim como a performance dos arquétipos de


feminilidade sustentadas pelos teóricos do teatro kabuki, como vistas
em Yakusha Rongo (役者論語, séc. XVII — XVIII), traduzido como The Actors’
Analects (1969), objeto contemplando na análise, alcançaram espaços de
assimilação da sexualidade para além das artes cênicas ao perfurar os tecidos
do cotidiano atuando como mecanismos de regulação de gênero.
59
Em concordância com as discussões sobre gênero pretendidas pelas
artes, a literatura de Ihara Saikaku (井原 西鶴), utilizada também aqui como
objeto de observação, ao debruçar-se sobre as articulações de gênero
estabelecidas entre a juventude masculina em Nanshoku Ōkagami (男色大鏡
, 1678), reafirma o local de emancipação desses corpos na construção de um
imaginário à serviço da androginia, assim como atendido pela agenda nipônica
da atualidade na promoção de uma estética não binária sustentada pela
cultura pop .

Dessa forma, a projeção narrativa das relações comentadas busca compreender


a reprodutibilidade do gênero neutro como uma estética simbólica na cultura
japonesa. Através de uma multiplicidade de objetos presentes na
contemporaneidade nipônica, tal como no Período Tokugawa, a análise objetiva
sugerir revisões sobre a assimilação da cultura visual como um recurso de
localização do gênero, tal qual a observação de arquétipos como uma
configuração contextual e reprodutível na justificativa eleição da ambiguidade
de gênero como ideal imagético no Japão.

Palavras-chave: androginia; Período Edo; arte japonesa

Referências
HACHIMONJIYA, Jishō. The Actors’ Analects. Tradução de Charles J. Dunn e
Bunzō Torigoe. Nova Iorque, Columbia University Press: 1969.
SAIKAKU, Ihara. The Great Mirror of Male Love. Tradução de Paul Gordon
Schalow. Califórnia, Stanford University Press: 1990.

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Ensaios sobre o corpo em transe: pequenas frestas entre o terreiro de
candomblé, o espaço cênico e a escrita
Trabalho Teórico

Renata Borges
Pontifícia Universidade Católica

Resumo

O projeto de pesquisa tem como objetivo observar o corpo de quem já é


iniciado no candomblé, e suas percepções físicas a partir do processo de
incorporação de um orixá durante a pesquisa de campo realizada entre 2018 e
2019 nos terreiros que visitei, e as semelhanças do corpo que entra em transe
durante a criação de uma performance. Ao questionar a aproximação entre as
alterações físicas de quem entra em transe no ritual, e as semelhanças de quem
se encontra em estado de vertigem e exaustão durante o processo de
composição de uma performance e a escrita, busca-se compreender os estados
físicos durante o transe nestes espaços como um possível atravessamento
estético para a composição do movimento, no qual há um limiar entre os
códigos corporais de quem performa, de quem vivencia o ritual ou quem
escreve. Ao mesmo tempo, propõe-se uma discussão sobre os ataques violentos
e preconceituosos que as religiões afro-brasileiras enfrentam, possibilitando, a
partir de um olhar sobre a performance que se inspira nas práticas do
candomblé, um espaço público de reflexão e ao mesmo tempo de fruição
estética. A partir de uma fala que se desloca entre as memórias sobre o
candomblé vivenciadas por mim desde as experiências que tive durante a
infância, e as narrativas produzidas a partir de anotações em seu caderno de
campo durante as visitas aos terreiros neste processo de pesquisa e ensaios
durante uma residência artística Centro Coreográfico da Cidade do Rio de
Janeiro, propõe-se a observação dos códigos tradicionais reproduzidos durante
as experiências nos rituais como um método de composição da performance “A
voz do orixá” , e a produção de uma escrita poética a partir do lugar de afeto,
construção política e experiência.

Palavras-chave: Corpo; Candomblé; Escrita;

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Arquivo vivo
Trabalho Prático

Ribamar Ribeiro
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Cena performativa criada a partir de documentos de desaparecidos políticos


que mostram como podem estar conectados com a nossa história quando são
interligados com estruturas de arquivos e papéis. O fio condutor não está
calcado na dramaturgia mas na experiência do espectador com a imagem, a
poética. O caráter performativo da cena se evidencia na pele de quem o
vivência. É uma relação ativa do público e consequentemente dos artistas que
estão vivos cenicamente e reagindo de acordo com as ações decorrentes dos
acontecimentos. Dessa forma, a ação de contemplar a obra de arte é ampliada,
de modo que, ao apreciar uma manifestação artística o espectador é convidado
a olhar para si mesmo e compreender os processos pelos quais ele passa
enquanto se relaciona com o objeto artístico. A cena performativa Arquivo Vivo
consiste em um comando projetado na parede do espaço com a escrita:
“Desarquive o arquivo do arquivo”, os artistas estão em um quadro vivo, imóveis
e iniciam a performance quando o espectador retira dos arquivos as pastas e
objetos existentes, pois na frente de cada bloco de artistas existe um arquivo
com documentos que precisam ser retirados para que a obra tenha vida e ao
ser guardado novamente os artistas novamente tornam-se quadros estáticos.

A cena performativa está muito próxima da relação com o teatro


contemporâneo, pois existe nela possibilidades que quebram a linearidade e
até mesmo a perspectiva aristotélica da construção dramatúrgica.

“Desde então, o espectador está convidado a se colocar como decifrador de


uma obra que possui como principal objeto de análise o próprio fazer teatral, a
precipitação de seu processo e a explicitação de suas perguntas”. (SIMÕES,
2013, p. 194)

A construção da cena performativa foi elaborada a partir de um desdobramento,


uma reverberação com a pesquisa inicial nos documentos de desaparecidos

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políticos no período da ditadura e os livros Brasil Nunca Mais, Exílio e Tortura e
depoimentos do grupo tortura nunca mais.

Este farto material permite um eco de criações artísticas, a escrita do texto A


Corrente de Eléia em 2005, a montagem do espetáculo com Os Ciclomáticos
Companhia de Teatro e a performance cênica Arquivo vivo. Esta tríade artística
vislumbra vários questionamentos e reflexões acerca dos arquivos da ditadura
que ainda estão intactos e escondidos sem acesso ou possibilidade de suscitar
respostas e até mesmo resoluções no que concerne a desaparecidos políticos e
mortos.

Trazer esta discussão à tona com o texto a Corrente de Eléia, escrito por Ribamar
Ribeiro, que conta a história de Eléia que foi torturada e em dado momento da
dramaturgia tem a possibilidade de reencontrar seu torturador faz com que
reduplique novamente todas as emoções e sensações daqueles momentos.

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Ribamar Ribeiro na Performance Arquivo Vivo. Foto: Igor Mattos

A cena performativa Arquivo Vivo possui este caráter de provocação e busca


esta relação direta com o espectador nesta possibilidade de riscos e interações
com o artista. Cada momento vivenciado através de ações que remetam a falta
de liberdade neste período tão nebuloso de nossa história. E devemos lembrar
sempre para não remontarmos este momento: censura nunca mais!

Palavras-chave: performatividade; arquivo vivo; arte; ditadura;


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Travesti: um ponto para seu conto!
Trabalho Prático

Sara Wagner York


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo:

Performance coletiva queer participativa. O resultado final é inédito e não


publicizado. Enquanto mulher trans, travesti, pai, avó, professora, tradutora,
pedagoga, instrutora de teatro, coreografa, letróloga, cabeleireira e
maquiadora, tenho visto interações superficiais sobre e com os ditos sujeitos não
recomendados a sociedade (Gonçalves Jr, 2018) - pessoas trans, travestis,
queer, agender, não binárie, intersexo - dado a força de exclusão remetida aos
seus corpos ainda percebidos como abjetos, subalternos/as (Spivak, 2013) e/ou
descredibilizados/as. Esta (trans)experiência (Pocahy, Carvalho e Gonçalves,
2017) tensiona em cena aberta e interativa os ditos processos de subjetivação
dos sujeitos e seus agenciamentos na interação lúdica com sujeitos diversos
(outres participantes) sobre suas auto experiências queer e/ou com pessoas
transgêneras. Esta experiência tem como interesse 1 - documentar em imagens
(fotos e vídeos) durante 45 minutos a interação dos sujeitos aqui chamados de
inscritos-participantes 2 - proporcionar a experiencia de interação com a
memória trans/queer 3 - e sua interação à prática anti coadunante em
experiência afetiva com o corpo-desafio trans/Queer. O corpo - desafio
trans/queer, aqui, é apresentado como composição diversa sentida por sujeitos
que tiveram alguma ou nenhuma interação com travestis no regime docente.
Quantas / quantos de nós tiveram um ou uma professora trans ou travesti? Como
uma aula experimentação pode tocar a memória? Liberdade, livre expressão
introspectiva. O corpo, a mente e o afeto em uma prática verbal discursiva
atenuada pelo toque, pelo acolhimento e o espelhamento sórore. A
(trans)experiência com uma pedagoga travesti, utiliza técnicas teatrais para que
haja o (des)encaixe aos elementos de aproximação de vivências, mas também
da não censura aos atos da fala. De mesmo modo o discurso e a enunciação são
pontes para compreensões de si. Não há exigência prévia formativa para
participação ou adequado ou inadequado em nossa experimentação discursiva
LGBtrans - intersexo - preta - imigrante.

Palavras-chave: transexperiência; corporificação ativa; memória queer.

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Coletivo hécate - prática artística, feminismo e território
Trabalho Prático

Silvia Schiavone Petinari Cordeiro


Instituto Federal do Rio de Janeiro

Resumo

O presente trabalho pretende abordar o grupo de estudos em práticas artísticas


contemporâneas e feminismo denominado “Coletivo Hécate”, situado na região
de Belford Roxo, Baixada Fluminense. Hécate é um deusa grega de muitos
nomes: Mulher sábia, avó, viúva, deusa das encruzilhadas, doadora de sonhos e
visões proféticas, dona das chaves do mistério, entre outras. Parafraseando
Angela Davis, um dos maiores desafios enfrentados pelxs artistas da periferia é
deixar o legado da sua produção e da sua cultura serem transmitidos para o seu
próprio povo, a quem, em grande parte, têm sido negado o acesso aos espaços
sociais reservados à arte. Assim, o Coletivo Hécate, atua convocando para
construções de ações coletivas, artistas mulheres que enfrentam resistências
diariamente, em seu contexto social, cultural e econômico, e ainda assim guiam
seus desejos em produzir arte. O coletivo busca, a partir de cada particularidade,
discutir questões como corpo, gênero, família, maternidade, cidade,
sexualidade, afetos, tendo em comum o território que habitam e sua hostilidade
no tocante a ser mulher. Seu objetivo é a construção de ações coletivas a partir
da diversidade e desejos das participantes. A proposta do coletivo é abrigar
múltiplas expressões artísticas, onde as artistas são convidadas a desenvolverem
trabalhos coletivamente.

Discutir gênero na arte não só problematiza os cânones historiográficos, mas


coopera para um questionamento e uma reflexão sobre os motivos da exclusão
e da desqualificação da mulher em nossa sociedade como um todo,
preconizando a descolonização de artistas e de instituições (e seus curadores,
críticos e mantenedores).
A arte tem poder para conscientizar a mulher sobre o seu verdadeiro papel social
e sua participação na história, levando-a a uma reconstrução do seu papel
cultural, conferindo-lhe forças para libertar-se das amarras da tutela masculina
e, assim, reescrever com autonomia a sua própria história. Observar quais
circunstâncias dentro do mercado de arte criam as diferenças entre homens e
mulheres, entre a periferia e a “cidade” é refletir sobre como a criação de

66
estereótipos pode gerar discriminação e moldar a forma como enxergamos o
outro. É preciso romper com o sistema vigente que reproduz um discurso
dominante acerca das representações identitárias, ressignificando a cultura
visual sob o mote da diversidade, repensando nossa relação com o outro através
dos nossos repertórios visuais. Promover a diversidade cultural não é invisibilizar
as práticas que aqui existem, mas valorizá-las e reconhecê-las como parte
imprescindível e significativa do universo artístico contemporâneo.

Palavras-chave: arte; fetiche; ritual; feminismo; útero;

67
Experiências performativas: Afetos e cuidados

Monique das Neves Silva


Coordenadora do Grupo de Trabalho

Pensar o cuidado como um estado afetivo vital pode se tornar uma obrigação
ética e um trabalho prático artístico tanto na ciência quanto na teoria política. A
ação propositora que convoca o outro a pensar em sua própria capacidade
dentro de um campo subjetivo, possibilita uma constituição de novos modos de
vida, o improviso abre um espaço para experimentação de outras formas de se
acontecer a vida, esses efeitos como excessos, não saber o que você ocupa,
com o que se ocupa, a experiência do que nos ocorre que tem a ver com o
perigo por não controlar a reação do outro, atividade e passividade feito tramas,
trazem a análise de uma experiência vivida e tecida de pura espontaneidade. O
cuidado de si, referindo-se a ocupar-se consigo mesmo seria uma forma de
privilégio e poder, visto de civilizações mais remotas já partiam de técnicas e
tecnologias de exercícios que perdura até hoje. No período pré socrático-
platônico essa aplicação concreta com regras vinculadas assumia papéis de
despertar ao outro a terem cuidados consigo mesmos. Nesse sentido ocupando
se si mesmo e em relação “singular, transcendente, do sujeito em relação ao
que o rodeia, aos objetos que dispõe, como também aos outros com quem se
relaciona, ao seu próprio corpo, enfim, a ele mesmo” (FOUCAULT, 2010, p.50).
O sujeito é o processo da relação com a perspectiva privilegiada do poder sobre
nós mesmos do que vemos e fazemos, agindo sobre nossos corpos, inclusive
através de sua distribuição de espaço e seu controle do tempo, determinando
o que ou quem deve ser esse sujeito pelas condições em que se submete, seu
status, sua posição real ou imaginária diante desse ou daquele tipo de
conhecimento, acontecimento, sua constituição histórica, os valores das
instituições sociais, a liberdade de pensamento e por aí à fora com os modos de
ser “em si” ou “para si”. Sem a consciência daquilo que se é e que vai de
encontro com o próprio ser, o próprio ser em si é seu mundo, de seu corpo e
das coisas a sua volta que representam um contexto natural social-histórico,
onde na performance é projetado por uma ação motora que se desencadeia a
experiência do corpo próprio além da representatividade criadora identificada
como o próprio ser onde assenta seu corpo sensível. (MERLEAU-PONTY, 1994).
“Tocar e ser tocado, sentir que se toca e sentir que se é tocado, eis duas
espécies de fenômenos que se tenta em vão reunir sob o nome de ‘dupla
sensação’. De fato, eles são radicalmente distintos e existem sobre dois planos
68
incomunicáveis” (SARTRE, 1976). É justo dizer que o cuidado tem sido e
continua a ser um aspecto essencial do caráter transformador do ser humano,
sua definição e suas possibilidades de configuração de mundo, nas relações com
os outros e as coisas. A vulnerabilidade nos põe em situações extremas onde o
outro afetado pelo que presencia acaba acolhendo aquela imagem de
experiência por vezes de estranhamento, outras de cuidado e afeto. A arte de
viver é uma estética de existência que consiste em tomar sua própria vida
materializando e problematizando as subjetividades humanas enquanto maneira
de constituir-se olhando para si tendo como objeto de disputa a distinção de
condutas para com os outros e para consigo. Quase que uma função terapêutica
e curativa o autocuidado é eticamente a primeira medida em subordinação ao
autoconhecimento como o não se cuidar é uma forma de agressão sutil. O
elemento primordial da performance é o tempo e os elementos estéticos o
artista, a obra, o público, o espaço, a efemeridade, registros, onde o hibridismo
e o imprevisível coloca o corpo no centro da arte. Elementos ligados a religião
e mitologias com tons metafísicos e espirituais fazem uso do corpo sutil com
oposições de razão, intuições, frio, calor, objetos invisíveis que tornam o
cuidado de si importantes para além da materialidade.

O jogo como método, o texto como algo físico.

No trabalho de Anderson Adriano a rosa dos ventos simboliza os diferentes


caminhos que cada pessoa pode tomar, a ideia de movimentos cíclicos de
profundidade, e uma centralidade que dá ideia de engrenagem da vida onde
todos fazemos parte, a união dos opostos e o ponto de equilíbrio entre as
polaridades dando uma ideia de união onde todos somos um apesar das
diferenças religiosas, políticas, de gênero, etc. Tomaz Barroso, fala sobre o
desenvolvimento de metodologias com diversas técnicas envolvendo o cultivo
da ética e generosidade com o companheiro, a capacidade de escutar o outro
e compreender aceitando as ideias do outro assim como as próprias, buscando
dar ênfase aos aspectos éticos que envolvem a improvisação do ator em razão
do potencial que ele tem para ser aplicado em situações que ajudam na
formação e no entrosamento de pessoas através de exercícios. Elisa Marinho,
tem também como metodologia projetos de escuta onde a fala espontânea
sinaliza um desejo de se comunicar. A potência da escuta como deflagrador de
dúvida, o questionamento do indivíduo a respeito de si em busca de um auto
conhecimento que mobiliza e reverbera dúvidas que são capazes de derrubar
muros e fronteira onde espaços de resistência surgem de uma tensão e
dificuldade de encontrar uma fuga em um regime de poder que funciona através
69
de negociações, vínculos e acordos em um jogo maior. Antônio Gonzaga
Amador, observa os prazeres da dissertação como processos do cuidado de si
tratado sua postura ética em um exercício diário tomado como rigor em uma
prática cotidiana pensando na “arte da existência” que emerge da não
separação entre pensamento, forma de vida e modos de fazer praticados como
conjunto de regras impostas de si para si mesmo, conseguindo com essa
percepção da prática a ter uma maior facilidade de manipulação e
desenvolvendo uma maior capacidade e reflexão de seus próprios movimentos.
Raquel Gaio e Marcus Groza trouxeram a performance mapa erosivo que articula
por meio de elementos visuais, sonoros e matérias ativando sentidos ritualísticos
propondo uma religação com a alteridade com o comum e com o invisível. Uma
obediência do experimento espontâneo da liberação e interação do visível e do
invisível. Bárbara Conceição, a instauração de estados de corpo em performance
na rua: estranhamentos, traz sua experiência de performance urbana que
atravessa o cotidiano pessoal. Processos de ocupação e desocupação
sistematizando uma estratégia com um dispositivo metodológico performático.
Flora Bulcão cria uma janela imaginária quando grava pessoas respondendo a
pergunta: “Qual é o seu sonho?”, enquanto prepara uma mesa com
ingredientes culinários onde seus participantes criam seus sonhos fisicamente
para logo em seguida cozinhá-los e comê-los. O valor da intenção de pôr a mão
na massa enquanto projeta o sonho para posteriormente tê-lo dentro de si,
recria a sensação de plenitude e complemento. Onde o alimento traz a
saciedade e a intenção de materialização.

Referências:
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Tradução de Carlos
Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1994. Original publicado
em 1945.
FOUCAULT, Michel. Uma estética da existência. In: MOTTA, Manoel Barros da
(Org.). Ditos e escritos. v. V. Tradução de Elisa Monteiro e Inês Autran Dourado
Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. d. p. 288-293. Original
publicado em 1984.
SARTRE, Jean Paul. L’être et le néant. Paris: Gallimard, 1976. Original publicado
em 1940.

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Arte e filosofia na obra “portal de dentro” do artista |BANTUMARÚ.|

Anderson Adriano da Silva Nascimento

Resumo

O PORTAL DENTRO

Já se perguntou qual é a menor partícula mensurada pelo homem com as


tecnologias atuais? Temos o Átomo, dentro dele os Elétrons, depois Prótons e
Nêutrons, e agora já descobriram o “Quark” e após anos de pesquisa em
determinado momento chegarão à única e absoluta energia eterna e
imensurável, a unidade inseparável do positivo com o negativo princípio
fundador de tudo, o equilíbrio, passado em oposição ao futuro e o eixo
presente, o movimento dual em torno de um centro profundo e fixo que
promove todo o movimento, pois é a perfeita harmonia entre: retração e
expansão, o raso e o fundo, são os opostos que se atraem e encaixam se
completando de forma indivisível, que nas camadas externas se divide em todas
as direções existentes, a energia se divide em todas as diferentes formas de
existência e cria tudo que existe, O infinito pode ser estimado numericamente?
A matemática é uma linguagem universal que do 1 ao 9 se traduz as próximas
dezenas e centenas ad infinitum, portanto não há limite pro infinito, porém de 1
a 9 temos o princípio que se reproduz infinitamente, representado na imagem
pelas 8 direções da rosa dos ventos que apontam em direção ao 9ª, e giram em
torno do 9ª que finaliza e inicia os ciclos, sua contemplação prolongada
proporciona auto-hipnose, trazendo a compreensão interior e silêncio dos
pensamentos, que quando acelerados causam ansiedade e quando no passado
depressão, o portal dentro é a expressão visual do presente que em seu foco
causa estado espontâneo de mindfullness.

A FILOSOFIA

Retorne ao seu centro e encontre o que está escondido em seu interior (e a todo
restante) olhe pra dentro e busque sua própria sombra, leve luz a ela e achará
uma sombra mais profunda e assim sucessivamente, pois dentro que está seu
princípio único e ao mesmo tempo comum entre você e tudo que existe, a idéia
de que mesmo sendo diferentes, somos iguais e tudo está conectado, acima do
71
egocentrismo de superioridade, pois agora podemos estar em cima e depois
estaremos em baixo, podemos estar no lado branco da vida e depois viver o
lado negro, o conflito dos opostos será eterno até que o verdadeiro equilíbrio
seja encontrado e os distintos sejam novamente atraídos.

72
Os prazeres da dissertação: um artigo em três momentos
Trabalho Teórico

Antonio Gonzaga Amador


Brasil

Resumo

O artigo é escrito em três tempos diferentes: novembro, 2018. Abril, 2019.


Setembro, 2019. Desta maneira, a concordância verbal está costurada. Em
resumo, o texto é construído como uma escrita artística sobre as condições e
relações prazerosas que uma pesquisa prática e teórica em artes visuais pode
produzir. Conversando com Artaud (2006 e 2014), Barthes (2015) e Van Gogh
(2010), será narrada a construção da noção de prazer na escrita dentro de uma
pesquisa artística e seus desdobramentos.

Este artigo deriva diretamente da dissertação de mestrado “Cuidados de si – Os


processos artísticos como práticas de si” defendida publicamente em abril de
2019. Ela apresenta os resultados de pesquisa com fulcro no cuidado de si,
conceito pego de empréstimo de Michael Foucault, e desenvolvida durante dois
anos no Mestrado em Estudos Contemporâneos das Artes na Universidade
Federal Fluminense. O cuidado foi tratado como uma postura ética, um
exercício diário que, ao tomar o rigor como uma prática cotidiana, o pensa como
uma “arte da existência”. A arte emerge da não separação entre pensamento,
forma de vida e modos de fazer praticados como exercícios existenciais. Em
linhas gerais, os “cuidados de si” são um conjunto de regras criadas e impostas
por mim a mim mesmo em definição a uma ética e a uma forma de vida.

Este artigo foi um momento da respiração que ocorreu em novembro de 2018.


Um instante. O ponto entre quando você consegue reter o máximo de ar
possível dentro de seu pulmão e o de sua liberação de volta ao ambiente. Foi
também de seu movimento oposto, quando você esvazia por completo o
pulmão e o insufla novamente. Este instante é bastante impreciso, mesmo com
a definição que fiz, pois a experiência desse momento é breve, fugidia. Mesmo
ela acontecendo milhões de vezes durante nosso dia. Ao percebê-la, tomamos
um susto. O susto vem da percepção de uma capacidade corporal nunca
experimentada antes. Após o susto, compreendemos que é possível
experimentar esse momento de forma consciente. Basta prestar mais atenção a
maneira como se respira. Você começa a manipular a própria respiração, através
73
de exercícios. Você consegue alargar um pouco esses instantes, desenvolve uma
capacidade: a apneia. Gostaria de ter feito um exercício de apneia na pesquisa.

Este artigo é escrito em setembro de 2019 como um espaço de reflexão dos


dois momentos descritos anteriormente. Uma reflexão de dois momentos
passados em perspectiva de um momento presente. Dessa forma, o texto irá
apresentar dois tempos verbais: passado e presente. O erro da concordância
gramatical foi, é e será proposital. O desejo de errância por uma pesquisa
artística será tragado para o texto. O futuro se apresenta também, mas sempre
como futuro do pretérito. A única certeza que posso colocar é sobre o prazer do
presente que tenho escrevendo isso e que você irá ler como presente de um
pretérito.

Por fim, será apresentado o atual estado da pesquisa, a proposição de desenhos


anatômicos, e quais caminhos poderão ser traçados.

Antonio Gonzaga Amador. Articulação do cotovelo – Esquerdo, 2019. Série


Desenhos Anatômicos. Grafite sobre papel. 29,7cm x 42cm. Fotografia do
autor.

Palavras-chave: Dissertação; Prazeres; Texto; Desenho;


74
A instauração de estados de corpo em performance na rua: estranhamentos
Trabalho Teórico

Bárbara Conceição Santos da Silva


Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Esta comunicação objetiva compartilhar a experiência da performance


“Experimento para (des)ocupação” durante o 11º Seminário Angel Vianna no
calçadão da Galeria do teatro Cacilda Becker no dia 20 de setembro deste ano.
Esta performance integra a pesquisa de doutorado em curso, “A inteligência
técnico-poética do método pilates como ignição na criação de poéticas” que
pretende localizar e sistematizar as estratégias de criação utilizadas em tempo
real nesta obra, assim como verificar a influência do método como dispositivo
na criação de performance em dança. A experiência aqui é tratada como aquilo
que nos passa, que nos acontece, que nos toca (Bondía, 2002). A referida
apresentação gerou uma zona de tensão entre a performer, uma videomaker e
um homem que transitava no local durante a performance. Pretende-se
problematizar os limites entre o que ocorre no âmbito privado, aqui referente
aos insights e acionamentos internos do performer quando em cena e no âmbito
público, o que se dá a ver como ação performativa na relação de interatividade
com quem assiste. Para tanto analisa tal ocorrência na perspectiva da performer,
considera-o como sujeito da experiência como aquele que está ex-posto, com
toda vulnerabilidade e risco (Bondía, 2002). Eu mulher, uso vestido preto em
lycra, curto, uso sapato preto alto, tipo scarpan, carrego uma pilha de livros na
mão junto ao corpo, ao mesmo tempo em que tento transportar uma mala preta
pesada e sem rodinhas pelo espaço. Ao iniciar na entrada da galeria disparo um
percurso imbuída em trazer comigo meus objetos, estabeleço pausas, observo
o movimento das pessoas, caminho um pouco, olho para trás. Retomo a
caminhada e acompanho os passos de um casal. Pauso. Volto meu corpo para
direção contrária à caminhada e meus livros caem. Essa ação desencadeia em
mim como performer espasmos e nos transeuntes a iniciativa de ajudar-me a
recuperar-me. Simultaneamente, uma atmosfera de algo “extra-ordinário” se
apresenta na medida em que pessoas circunscreve o espaço, uma mulher
registra com uma câmera profissional as ocorrências e três jovens com camisas
do referido evento acompanham todo desenrolar da ação junto a outras pessoas
que a “assistem” desde inicio a performance. Ao ter meus livros no chão disparo
75
um movimento espasmódico, que repercute em todo corpo como intenso
tremor. Ao perceber o que meu movimento deflagra, me pergunto no meio da
ação: como interromper esse fluxo de imagens e a instauração deste estado de
corpo para dar contorno a quem assiste? Tenho que fazê-lo? Como o próprio
corpo poderia resolver tal impasse diante da atitude de auxílio na qual público
se coloca? O que a rua me ensina com o estranhamento e a tensão deflagrada
é que, apesar do contexto atual de desesperança, individualismo e a falta de
tempo há compaixão pelo outro. Como performer e mulher em situação de
vulnerabilidade cênica, sinto-me acolhida e cuidada por pessoas anônimas
afetadas pela instauração de estados de corpo que se permitem viver uma
experiência de estranhamento.

Palavras-chave: Experiência; Performance; Rua; Estranhamento;

Referências
BONDÍA, Jorge Larossa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência.
Rev. Bras. Educ. [online]. 2002, n.19, pp.20-28. ISSN 1413-2478. Disponível
em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003 Acesso em:
10/09/2019.
DAMÁSIO, António. A estranha ordem das coisas: as origens biológicas dos
sentimentos e da cultura. Tradução: Laura Teixeira Motta. 1ª edição. São
Paulo:Companhia das Letras, 2018
FÉRAL, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo.
Sala Preta, 8, 197-210. 2008. Disponível em:
<https://doi.org/10.11606/issn.2238-3867.v8i0p197-210> Acesso em:
10/09/2019.

76
Não ceder ao medo
Trabalho Prático

Elisa Castro
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Minha proposta consiste na apresentação das metodologias construídas nos


Projetos de Escuta, tendo como questão central a capacidade que o mesmo tem
de trazer a tona os mecanismos velados dos sistemas nos quais estamos
inseridos, desnudá-los ao ponto de trazer a consciência das "regras do jogo" e
das relações de poder já estabelecidas socialmente. Partirei da análise de
minhas práticas artísticas e do que já foi investigado por mim na dissertação,
com foco em meu último projeto Não Ceder ao Medo.

O projeto Não Ceder ao Medo foi criado a partir da realidade vivida na Escola
Municipal Prof. Horácio Pacheco, onde lecionei artes para crianças de cinco à
doze anos durante dois anos. A comunidade na qual estava inserida era afetada
por intervenções policiais a todo tempo, o que gerava uma atmosfera de medo
constante tanto entre os professores quanto entre as crianças. O temor era
naturalizado e silenciado de forma inconsciente pelos adultos, porém as crianças
através de suas brincadeiras e fala espontânea sinalizavam a todo tempo um
desejo em comunicar o terror vivido. Inserida neste contexto como professora e
artista me senti convocada a criar mecanismos para trazer a tona a problemática
da conexão com outro gerada pelo entorno violento.

Tanto o processo do projeto Não Ceder ao Medo quanto o da escrita da


dissertação resultaram em muitas reflexões posteriores sobre a potência da
escuta, como deflagrador de questões já estabelecidas socialmente. Trazer a
tona a problemática vigente do que é instituído no tempo/espaço me parece a
questão que permeia todos os métodos e ações realizadas por mim até hoje.
Acredito que a mobilização de um coletivo ou território geográfico/social se dá
a partir do questionamento do indivíduo a respeito de si, em busca de auto-
conhecimento.

O indivíduo que questiona a si mesmo, reverbera ao seu espaço de entorno suas


dúvidas que são capazes de mobilizar e revelar as problemáticas do
tempo/espaço em que vive. Desenterrar tais dúvidas por meio da arte derruba
77
muros, desfaz fronteiras e revolve o terreno calmo das acomodações, abrindo
brechas para a possibilidade de liberdade nas imponderáveis relações de poder
estabelecidas socialmente.

Dispositivo urna. Projeto Não Ceder ao Medo. 2017.

Palavras-chave: Alteridade; Escuta; Contemporaneidade; Revolução;


78
Mapa erosivo
Trabalho Prático

Marcus Groza
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Raquel Gaio
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

Mapa erosivo é uma ação que articula a elaboração material – por meio de
elementos performativos, visuais e poéticossonoros – na tentativa de mobilizar
obliquamente a precipitação de forças invisíveis, tangenciando
ritualidades/religiosidades em uma chave insubmissa, como modo de
cartografar a separação e recompor territórios imaginários em perpétua
migração, re(li)giões ainda por vir.

A ação se vale de materiais como carvão, cúrcuma em pó e alimentos,


manipulados sobre um tecido a ser “maculado” cerimonialmente.
Detalhamento da ação: sobre um tecido de algodão cru, os artistas
desempenham ações como o desgaste/trituração de blocos de carvão,
disposição e manipulação de alimentos (sobretudo vermelhos remetendo ao
encarnado) e aspersão de cúrcuma em pó (ou açafrão-da-terra), enfatizando o
caráter cerimonial dos gestos e colateralmente a exploração pictórica, a envolver
as cores: preto, vermelho e amarelo. Além disso, ambos realizam
experimentações sonoras e a oralização de poemas de sua autoria.

Um mapa de nódoas construído sobre o signo da profanação, onde se


distendem materiais, corpos e gestos. Conceitualmente, a conjunção de corpo
e cor se sugere não apenas como índice visual da proposta, baseando-se antes
na concepção de que uma cor é sempre um ponto em transformação, ou nas
palavras de Didi-Huberman “uma caotização do aspecto” (2012, p. 36). Nessa
direção, esse autor nos fala da cor encarnada na qual se projeta um colorido por
meio do qual a pintura imagina-se como dotada de sintoma, isto é, dotada de
capacidades de epiphasis [aparecimento] e de aphanisis [desaparecimento], que
se reconhecem em um corpo quando é habitado, atravessado, assombrado
pelos tormentos. (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 36).
79
Assim, o corpo atormentado em ação macular – rejeitando o respeito e a
obediência à separação instituída pelo sagrado normativo – se insurge contra a
religião que não condena

a incredulidade e à indiferença com relação ao divino, mas a ‘negligência’, uma


atitude livre e ‘distraída’ — ou seja, desvinculada da religio das normas — diante
das coisas e do seu uso, diante das formas da separação e do seu significado.
(AGAMBEN, 2007, p. 66)

Neste tempo em que a religiosidade tem se associado vergonhosamente a


fundamentalismos e à legitimação da violência contra o diferente, contra o
anômalo, “Mapa erosivo” propõe uma presençarrito como “atitude livre” em
que o sagrado se encontra aquém dos escrúpulos da ortodoxia, almejando a
religação com o comum e a expansão de sentido e de alcance nas trocas com o
invisível.

sabemos da cólera e imaginamos o paraíso, um leito, deus, mesmo sabendo


quão difícil é viver no nosso tempo, este vazio, esta besta que grunhe, este
chicote que nos devora. (GAIO, 2019, p. 11)

de tudo que dá na terra


nos acinzentaram a imaginação para as cores do desobedecer

desobediência de rato desobediência de leão


desobediência de água-viva desobediência de mosca

ainda são bípedes


os que vivem de joelhos? (GROZA, 2017, p. 63)

Palavras-chave: Ação estético política; Teológico político; Política dos afetos;


Subjetividades;

Referências
AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.
DIDI-HUBERMAN, George. A Pintura Encarnada. São Paulo: Escuta, 2012.
GAIO, Raquel. Manchar a memória do fogo. Bragança Paulista: Editora Urutau,
2019.
GROZA, Marcus. E a lua como órgão principal. São Paulo: Editora Primata, 2017.
80
Ética e técnicas de teatro de improvisação
Trabalho Teórico

Tomaz Pereira
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

A presente apresentação é fruto de minha pesquisa de mestrado no programa


de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC) da UNIRIO sobre a preparação
do ator-improvisador para espetáculos de improvisação de teatral.

Ao contrário do que muitas vezes se atribui ao teatro de improvisação, este não


é um estilo teatral reservado para 'gênios' ou pessoas especialmente 'sagazes'
com forte afinidade cômica. Tampouco é uma forma de arte 'preguiçosa' que se
limita a piadas rasteiras, ou que deva ser vista como ‘menos nobre’, tendo esse
como um de seus principais desafios (DESMONTS, 2010, p.39). O teatro de
improvisação possui uma série de autores e escolas que desenvolveram
metodologias para se criar espetáculos improvisados no momento com diversas
orientações, seja para contar histórias, promover competições, criar cenas
cômicas (afinal a afinidade do humor com a improvisação é muito forte),
musicais, jogos entre outras finalidades.

A preparação do ator-improvisador certamente passa pelo contato com diversas


técnicas, porém ele também envolve o cultivo de uma ética que envolve a
generosidade com o companheiro de palco, a capacidade de escutar o outro, a
compreensão de que o que está sendo construído é mérito do grupo como um
todo, aceitar as ideias do outro assim como as próprias e uma série de outros
valores éticos que extrapolam a esfera de uma apresentação teatral,
contribuindo para a formação humana de qualidades que têm estado ausentes
no mundo contemporâneo.

A apresentação terá como objetivo fazer uma introdução ao mundo do teatro


de improvisação, esclarecendo sobre o que é esse tipo teatro, falando das três
vertentes de improvisação do século XX: como preparação do ator, recurso para
levantar espetáculos e como espetáculo (MUNIZ, 2015, p.29). Serão também
apresentados alguns dos fundamentos comuns a muitos autores e escolas de
improvisação buscando dar ênfase aos aspectos éticos e também técnicos (pois
às vezes ética e técnica se confundem nesse tipo de teatro) que envolvem a
81
formação do ator-improvisador. Importante notar que esse estilo de teatro atrai
pessoas para além do mundo do teatro em razão do potencial que ele tem para
ser aplicado em diversos campos de atuação.

Por trabalhar muito com geração de ideias, existem exercícios de improvisação


que servem a qualquer pessoa que trabalhe em uma área que envolva
criatividade. A ênfase em criação de narrativas de alguns estilos de improvisação
trabalha a capacidade de raciocínio lógico, encadeamento e clareza. A escuta,
um elemento fundamental da improvisação, torna o praticante mais perceptivo
e sensível ao outro, e, vale frisar, que a escuta neste caso abrange mais do que
simplesmente ‘ouvir’, ela envolve estar receptivo ao outro até mesmo além da
dimensão auditiva, abrangendo qualquer forma de transmissão de informação
que esteja sendo passada. Estes são apenas alguns exemplos das amplas
possibilidades de recursos que envolvem o preparo do ator-improvisador e que
vão além das apresentações de espetáculos.

Palavras-chave: Teatro de improvisação; ética; técnicas;

Referências:
DESMONTS, A. Le thêatre d’improvisacion: Un pratique artistique autonome
em voie d’institutinnalisation qui dépasse le cadre du spetacle. Dissertação de
Mestrado em Política e Gestão da Cultura apresentada ao Instituto de Estudos
Políticos da Universidade de Estrasburgo, França, 2010.
MUNIZ, Mariana. Improvisação como espetáculo: Processos de criação e
metodologias de treinamento do ator improvisador. 1ª Edição. Belo Horizonte:
UFMG, 2015.

82
Insurgências antirracistas e de(s)colonialidade

Débora Moraes e Hernani Guimarães


Coordenadores do Grupo de Trabalho

Quando abrimos as inscrições para o VII Seminário de Pesquisadores do


PPGArtes/UERJ, intitulada Modos de Fazer, escolhemos guiar os trabalhos por
hashtags - palavras que explicitavam zonas de significação e atuação de onde
aquelas pesquisas falavam. A hashtag #decolonialidade foi utilizada em um
considerável número de propostas inscritas, mostrando o interesse crescente e
a urgência da temática da descolonização do pensamento acadêmico e artístico.

Neste grupo foram colocadas as pesquisas cuja relação com a de(s)colonialidade


se coloca de forma central. Dentro destas, os temas frequentes foram a questão
racial no Brasil e a luta antirracismo, assim como as ditaduras que tomaram o sul
do continente na segunda metade do século XX. Dentro dos séculos que a
colonialidade nos toma, as violências não se reduzem e se renovam, numa
continua construção colonial dos corpos. A de(s)colonialidade luta por des-
norteamento, isto é, perder o norte como narrativa de único conhecimento
válido, abandonar a tentativa de ser o outro e não apenas entender como estes
eventos nos marcaram, mas também lutar contra o apagamento seletivo
causado por esta narrativa única, que nos coloca sempre como subalternos.

A academia é tecida em torno da busca pelo conhecimento, uma memória que


constantemente seleciona entre o que faz parte da escrita e o que deve ser
esquecido. Esta pauta surge tardiamente na academia, mas o faz com o fôlego
de uma urgência atrasada, de uma demanda recalcada pelo pensamento
colonizador.As pesquisas mostravam cada uma a sua maneira como a
colonização atravessa todas as estruturas da sociedade, atravessa: a formação
das coleções museológicas, as imagens da arte, os discursos curatoriais, a
língua, as artes decorativas, a historiografia, a filosofia ocidental, etc. Somente
com a explicitação dessas estruturas podemos começar a desconstruir seu
perverso sistema na atualidade.

Na arte, a colonialidade aparece muitas vezes como fantasma ou como sintoma,


como podemos ver em diversas leituras das história da arte. Por outro lado a
arte também surge como instrumento de combate, exigindo novos olhares,
criando novos discursos, amplificando vozes antes silenciadas e questionando
as historiografias hegemônicas. Essa arte armada na luta antirracista também é
83
uma emergência que notamos nas pesquisas acadêmicas e de muitos artistas
contemporâneos.

Jandir Gomes dos Santos Junior apresentou 29.4.2019, uma apresentação


performática que reflete sobre falar e silenciar, sobre as estruturas coloniais
impostas á lingua e através da lingua, passando por autores como Grada
Kilomba e Marcos Bagno. Renata Limeira Rodrigues apresenta uma pesquisa
sobre a imagem do negro no acervo no acervo do Museu Nacional de Belas
Artes, analisando como a conformação de coleções e discursos curatoriais da
instituição refletem a problemática racial do Brasil. Maria Eduarda Kersting Faria
reflete sobre a criação de uma “epistemologia do sul”, um ponto de vista que
coloca no centro os países periféricos, um modo de nos entendermos a partir
de nossa história e da história da América Latina, tão marcada por apagamentos.
Traz para essa discussão trabalhos como El botón de nácar do cineasta Chileno
Patrício Guzmán para ajudar a obter respostas para estas questões. Aldones
Nino Santos da Silva apresenta um levantamento sobre a emergência do
pensamento decolonial na arte contemporânea, na historiografia da arte e na
pesquisa acadêmica. Raoni Moreno Rosa de Albuquerque traz as histórias de
censura que aconteceram com as arte das capas de discos durante o período da
ditadura militar. Fabrício Augusto Guimarães Gonçalves analisa o discurso das
alegorias dos cinco continentes, cinco estatuetas locadas nos jardins do Museu
da República, traz também algumas obras de Joseph Beuys como contraponto
a esse discurso.

84
Fronteiras, arte contemporânea e historiografia: entre a crise e a
reconfiguração
Trabalho Teórico
Aldones Nino
Universidade de Granada
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

Esta comunicação tem como interesse apresentar parte da pesquisa de


conclusão de curso apresentada à Escola de Belas Artes da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, para obtenção do grau de bacharel em História da Arte. Sob
o título Dobras no tempo e historiografia da arte: aproximações entre
pensamento decolonial e arte contemporânea (2019). Uma investigação que
buscou articular propostas que tensionam relações entre distintas
temporalidades, visando compreender possibilidades analíticas que cruzam o
campo da história, política, arte e economia. Considerando que as práticas
artísticas contemporâneas apresentam matéria prima para a formulação de uma
reflexão sobre novas configurações políticas e novos processos de criação.
Produzindo assim conhecimentos e propondo relações sociais, interculturais,
simétricas e emancipadoras. Evidenciando e questionando as interconexões que
permeiam os contínuos processos de exclusão em diferentes escalas temporais,
espaciais e imaginativas. Guiando o pensamento na direção da crítica às
argumentações e produções que visam manter privilégios, que assentados
sobre o tempo endurecem os conceitos bloqueando e impedindo novas formas
de pensar o mundo e atuar na realidade que nos cerca. Assim, penso em formas
e estratégias de fomentar a elaboração de uma crítica às epistemologias e
metodologias que excluem a possibilidade de elaborações alternativas e a
emergência de outras narrativas, que não sejam impostas. Assim adquire
destaque o conceito de epistemologia fronteiriça, como postulado por Arturo
Escobar, em Mundos y conocimientos de otro modo (2003),

«Pensamiento de frontera», finalmente, es un intento para moverse más allá del


eurocentrismo mediante la revelación de la colonialidad del poder entramada
en las geopolíticas del conocimiento –un paso necesario en aras de «deshacer
la subalternización del conocimiento y buscar formas de pensamiento más allá
de las categorías del pensamiento occidental» (ESCOBAR, 2003, p.66).

85
A reivindicação de direitos epistêmicos tem um potencial decolonial, por mudar
os termos do próprio debate, e não apenas os temas, assim superando uma
visão ideal que busca a dominação de todas as realidades. Abordaremos
trabalhos artísticos que ressignificam momentos específicos da narrativa
hegemônica, fomentando a imaginação política e a elaboração de críticas ao
nosso presente, tensionando porosidades entre formas de vida e criações
teóricas e artísticas.

Residência Estudantil da Universidade Federal do Rio de Janeiro no 30 de


agosto de 2019. Local de defesa de Monografia apresentada à Escola de
Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para obtenção do grau
de bacharel em História da Arte.

86
Palavras-chave: historiografia da arte; decolonial; arte contemporânea;
imaginação política.

Referências
ESCOBAR, Arturo. Mundos y conocimientos de otro modo. Revista de
Humanidades. Colômbia: UCMC, n°4, p. 50-86, jan - dez, 2003. Disponível em:
< http://www.revistatabularasa.org/numero-1/escobar.pdf >. Acesso
em:09/10/2019.
NINO, Aldones. Dobras no tempo e historiografia da arte: aproximações entre
pensamento decolonial e arte contemporânea. Monografia (Bacharelado em
História da Arte) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, p.105. 2019.

87
O humano e a natureza: alegorias aos cinco continentes do Museu Da
República e possíveis diálogos com Joseph Beuys
Trabalho Teórico

Fabricio Augusto Guimarães Gonçalves


Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

É possível extrair vida da morte? As alegorias que representa os continentes, o


espaço geográfico onde não só se dá a vida humana, como também a não
humana, os ilustra em forma de guerra, gládio, uma disputa pela vida ou
supremacia da morte. As representações surgem como o confronto direto entre
o ser humano e a natureza. Seriam as estátuas uma representação da dialética
entre vida e morte, em que ambas são tomadas como potência, sem que uma
negue a outra? Seria a representação um encontro paradoxal da morte como
face da vida?

O antropoceno surge como limite da ação humana, o projeto de dominação da


natureza iniciado na era moderna parece conter em si próprio o seu limite,
paradoxalmente todo o progresso humano que tem como base a exploração e
domínio do meio ambiente tem na própria natureza seu fim. Ao olhar para a
alegoria aos cinco continentes, fundidas pela fundição francesa Val d’Osne na
segunda metade do século XIX, com exemplares localizados no jardim do
Museu da República, suscita a pergunta: Por que representar os continentes com
imagens de crianças matando ou praticando ações violentas contra animais?

Ao enunciar, na era moderna, os discursos sobre o desenvolvimento e o


progresso como dispositivos teleológicos e operantes da civilização/cultura
humana, tida como universal, mas nesse movimento de se homogeneizar afirma-
se o saber-poder ocidental. Assim, foi imposta uma hierarquização sob os
corpos das diferentes etnias e culturas alastrando-se para todos os recantos da
terra, para tanto é utilizado um dispositivo atuante nas relações transculturais –
a colonização.

Como o pensamento ocidental operou a transformação para colocar tudo que


é o outro na posição de objeto? A alteridade colonial europeia é muito violenta,
será possível pensar a relação da objetificação da natureza também na imposta
nos contatos transculturais da colonização? Como se deu esse discurso?
88
Partindo de uma figura da linguagem, que são as alegorias aos cinco
continentes, se pretende um contato com a obra do artista alemão Joseph Beuys
( 1921 – 1986) que em duas obras I like America and America likes me de 1975
e How to explain pictures to a dead hare de 1965, nas quais o artista explora as
relações humano-animal.

Relações transespécies e intraespécies onde a morte aparece como o elemento


máximo de disputa, numa necropolítica atuante em vários estágios da vida no
planeta e em todo o globo. Como na arte essas questões podem aparecer de
maneiras diferentes, não só no tempo e na forma?

Palavras-chave: Alegoria; Antropoceno; Performatividade; Teoria decolonial;

89
O mar guarda a história da violência: ditadura, memória e representações
desde o sul
Trabalho Teórico

Maria Eduarda Kersting Faria


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Esse trabalho surge enquanto uma inquietação por busca de referências desde
o Sul para os estudos de memória, como uma espécie de reação ao apelo de
Walter Mignolo (2008) à desobediência epistêmica e em consonância ao que
Boaventura de Sousa Santos (2010) chama de epistemologias do Sul.

Ao pensar na representação de eventos traumáticos percebemos que há um


apagamento em nossa história de traumas como a colonização e a escravidão,
e que nossas maiores referências para pensar a memória e o trauma das
ditaduras na América Latina estão em grande parte relacionadas ao holocausto
judeu, à Shoah. Esse evento é chamado por muitos de evento limite, no entanto,
nos cabe questionar sobre outros eventos limites, a ter em conta que se trata de
um trabalho sobre América Latina. Não deveríamos trabalhar também com a
colonização e suas consequências como um evento limite? E como partir dessa
interpretação para pensar a representação do trauma na arte latino-americana?

Trabalhos como o filme El botón de nácar (2015) do cineasta chileno Patrício


Guzmán parecem nos dar um indício do caminho que buscamos traçar na
tentativa de responder nossos questionamentos. Ao tratar dos mortos e
desaparecidos da ditadura criando uma relação para com os povos indígenas
mortos (ou mesmo extintos) durante o processo da colonização, Guzmán
apresenta ligeiros indícios de subversão à colonialidade e traz imagens e
pensamentos desde o Sul, a partir da memória e da demanda de um passado
que nos foi usurpado e apagado.

No início do filme se passam imagens do mar, que guarda a história da violência,


e a narração diz que aquele era “um lugar sem tempo”, o que na verdade
poderia ser uma outra temporalidade, a qual a modernidade ocidental não dá
conta. Desde a colonização, homens e mulheres negras foram trazidos de África
escravizados para os países da América através do mar, no período da ditadura
os corpos de milhares de detidos foram jogados no mar... De que maneira então
90
transformar ou pensar o mar como um espaço de memória dessas vidas que
atravessaram ou foram jogadas nessas águas? Para além do filme de Guzmán, a
produção de alguns artistas como os chilenos Enrique Ramirez e Paz Errázuriz,
as brasileiras Anna Bella Geiger e Rosana Paulino e os argentinos Guillermo
Kuitca e Claudia Fontes, nos ajudam a pensar na relação do mar com memória,
violência e colonialidade.

Esse trabalho não procura dar respostas ao que aqui começamos a nos
questionar, mas sim dar indícios de uma possível construção de resposta. O que
nos questionamos aqui é: é possível uma epistemologia que trate da
representação de eventos traumáticos desde o Sul? É possível pensar a
representação do trauma e da dor das ditaduras latino-americanas para além da
referência do holocausto judeu? É possível pensar nas ditaduras militares latino-
americanas como nosso maior trauma do século XX sem perder de vista o
trauma e todas as cicatrizes deixadas pela colonialidade? Essas são algumas de
nossas questões, e suas possíveis respostas são o que poderíamos aqui chamar
de nosso sul.

Palavras-chave: decolonialidade; ditadura; memória; violência; colonialismo;

Referências:
GUZMÁN, Patricio. El botón de nácar. Chile, 2015.
MIGNOLO, Walter. Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidade,
lógica de la colonialidade y gramática de la descolonialidad. Ediciones del
Signo, Buenos Aires, Argentina, 2010.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas
globais a uma ecologia de saberes. In: Boaventura de Sousa Santos e Maria
Paula Meneses (organizadores). Epistemologias do Sul. São Paulo: Editora
Cortez, 2010.

91
#002 - INTERVENÇÃO - REVOLTA
Trabalho Prático

Matheus Apolonio do Amaral (Apolonio M.)

Resumo

O projeto #002 é uma pesquisa com intervenção/performance/exposição


artística a ser realizada em locais diversos, onde o performer Apolônio M. e o
propositor entram em parceria para transmitir a arte de performance e
intervenção para população. Seu objetivo é fazer com que a pesquisa e cena
escrita e encenada pelo performer ApolônioM. seja realizada para provocação
de pensamento e opinião crítica do sistema social vigente, o projeto inicia e
aborda a invasão de seis policiais armados a residência do performer com fuzis
e lanternas, as sete horas da manhã de uma quarta feira. O roteiro se desenvolve
a discutir temas como a vista periférica, a identificação de gado por cor e raça,
a marginalização do corpo periférico, o racismo e xenofobia e a politização do
corpo negro e periférico. Através da teatralização é incentivado de maneira
coerente, atual, provocadora e objetiva o consumo de arte como material de
estudo e estampa social para a demarcação e escurecimento de uma sociedade
aniquilante de minorias em que estamos inseridos e vivenciando, através da
cena contemporânea e atividades complementares #002 faz alusão a utopia do
ser humano preso em seu ambiente e sua revolta, fazendo com que se tenham
um contato mais intensificado com a arte de provocar, tanto no ramo artístico e
como no institucional e social. As atividades poderão ser realizadas nos espaços
diversos disponível, como as quadras esportivas, bibliotecas, auditórios e/ou
teatros. Mas caso não possua ou não deseje ocupar nenhum desses espaços em
sua instituição, poderá ser acordado um outro local de preferência de ambos.

92
#002 - APOLÔNIO M. - FOTOGRAFIA DURANTE O ENCONTRO LAVRA DE
PERFORMANCE 2019 - PRAÇA TIRADENTES/RJ.

Palavras-chave: ações estético políticas; periferias; afrodiasporicas;


decolonialidade; contemporaneidades.

93
A arte produzida em capas de disco no Brasil e a Ditadura Militar
Trabalho Teórico

Raoni Moreno Rosa de Albuquerque


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Esta pesquisa pretende realizar uma análise em capas de discos produzidas no


Brasil durante o período do regime militar, em especial as capas com relação
direta com a censura imposta neste período, e também a relação direta das artes
visuais com o design gráfico na confecção de capas de disco.

De início, realizo um apanhado em minha produção como artista visual, onde a


questão política e social sempre esteve presente, e, não menos importante,
também a relação direta entre a arte e o design gráfico, também constante em
minha produção artística. Em seguida, apresento capas que sofreram censuras,
estas com critérios bem peculiares, que acabavam por vezes vetando capas que
nada tinham de mensagem subversiva ou de afronta ao regime, enquanto
deixavam de censurar capas que tinham claramente mensagens de resistência
diretamente ligadas ao regime imposto. Isso também aconteceu com as letras
das canções.

A censura quase sempre tinha seus artistas “preferidos”, ou seja, que eram mais
perseguidos pela ditadura. Um dos critérios utilizado era a classe social que o
artista atingia com sua música. Por exemplo, artistas de samba ou da música
conhecida como brega na época, que por sua vez atingiam uma classe social
economicamente humilde, quase não eram vetados pela ditadura. Isso denota
o preconceito por parte do regime militar em acreditar que as pessoas mais
humildes economicamente não eram capazes de pensar e consequentemente
atrapalhar seus ideais de controle. Por outro lado, artistas que tinham como
público alvo pessoas de classe econômica elevada ou média, eram muito mais
perseguidos pela ditadura. Essa é uma das questões levantadas nesta pesquisa
e demostrada através de exemplos de capas censuradas ou não, com seus
respectivos gêneros musicais.

Por fim, é significativo frisar a relação direta desta pesquisa com o atual cenário
político no Brasil, guardada as devidas proporções. Contudo, não é segredo
para ninguém que o atual governo exalta o período do regime militar com
94
saudosismo. O conservadorismo crescente, que caminha com a intolerância,
censuras e preconceitos traz, por fim, um retrocesso em grande escala. É
importante debater tal panorama, sendo que a produção artística é um
importante meio de resistência, seja através da música, capas de disco, teatro,
cinema, etc.

Palavras-chave: capa de disco; ditadura militar; arte; design; censura;

Referências
BARCINSKI, André – Pavões misteriosos: 1974-1983: a explosão musical pop
no Brasil / André Barcinski. – São Paulo: Três Estrelas, 2014.
MELO, Chico Homem de – O design gráfico brasileiro: anos 60; Chico Homem
de Melo (org.) – São Paulo: Cosac Naify, 2006. 304 pp., 514 ils
Arte e política no Brasil: modernidades/organização: André Egg, Arthur Freitas,
Rosane Kaminski. – 1ed. – São Paulo: Perspectiva, 2014.
MELENDI, Maria Angélica – Estratégias da arte em uma era de catástrofes – 1
ed. – Rio de Janeiro: Cobodó, 2017.

95
A gestão de Oswaldo Teixeira e a imagem do negro no acervo do MNBA
Trabalho Teórico

Renata Limeira Rodrigues


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

A Exposição “Das Galés às galerias: representações e protagonismos do negro


no acervo do MNBA”, realizada pelo Museu Nacional de Belas Artes, de Maio a
Setembro de 2018, apresentou uma compilação de obras que buscavam
explorar as múltiplas interpretações do negro e do legado afro-brasileiro dentro
do acervo do Museu. A partir desta, sentiu-se a necessidade de criação de um
grupo de estudos intitulado “Artistas negros e a representação do negro dentro
do acervo do Museu Nacional Belas Artes”, com o objetivo de ampliar as
investigações na área, através de uma visão patrimonial.

Uma das linhas de pesquisa, ainda que em processo embrionário, faz referência
às políticas de aquisição adotadas pelo Museu desde sua criação em 1937.
Através de uma revisão bibliográfica, a literatura foi dividida em 3 vertentes:
Antropológica, que analisa a partir de um contexto histórico, desde a abolição
da escravatura, as políticas de branqueamento e a campanha por uma
identidade nacional, que valorizavam a figura do mestiço; Social, que se refere
a políticas de inclusão, além dos atuais debates na área, por reconhecimento e
igualdade de direitos; e, por último, uma visão Patrimonial, que frisa a atuação
da instituição dentre do âmbito cultural, suas políticas de aquisição e práticas
expositivas no decorrer de sua história, e a responsabilidade de projetar e
salvaguardar o ideal de uma arte nacional.

A partir de tal revisão, optou-se em trabalhar como recorte inicial, a gestão do


primeiro diretor do Museu, Oswaldo Teixeira. Que, entre 1937 a 1961, produziu
mais de cem exposições, de âmbito nacional e internacional. O levantamento
de dados sobre as obras, artistas e exposições realizadas, tem se revelado
através da análise de catálogos, anais e boletins da época, frisando as
exposições realizadas pela própria curadoria do MNBA.

As questões que movem essa pesquisa são múltiplas, em parte a necessidade


de criar uma documentação acerca das práticas e discursos expositivos do
MNBA, possibilitando uma aproximação e identificação com a instituição, além
96
de orientar novas políticas de aquisição e práticas expositivas. Salvaguardando
a presença do negro dentro do âmbito artístico-cultural que permeia o acervo
do Museu. Fomentando a participação ativa deste, e produzindo uma
bibliografia que corrobore com as problematizações sociais e artísticas
contemporâneas, proporcionando a artistas e acadêmicos uma memória
institucional e representativa de cunho político-histórico, no MNBA.

Palavras-chave: Identidade; Patrimônio; Acervo; Discurso expositivo;

97
29.4.2019
Trabalho Teórico

Jandir Jr.
Universidade Federal Fluminense

Resumo

No dia 29 de abril de 2019, enviei um e-mail para Millena Lízia, amiga, artista,
educadora, intelectual, para conversar sobre um texto que eu havia escrito.
Nele, escrevi sem voltar atrás ou corrigir qualquer erro de digitação ou ideia
pouco elaborada. Escrevi esse texto também num só parágrafo, imenso, que
ocupava páginas e páginas. Seu tamanho também se tornou maior pelo tanto
de notas de rodapé que anexei a ele: tantas que, por vezes, elas tomavam mais
da página do que o próprio texto em sua escritura. Era um texto que desabafava,
enfim, sobre a própria leitura e escrita; sobre o mal-estar com relação à
colonialidade no nosso idioma oficial e seus usos idiomáticos tidos por corretos.
Ainda que apontasse para nossas subversões linguísticas e para a própria
natureza contrahegemônica do português brasileiro, não sem dores o fazia,
ciente da ambivalência irresolvível dessa equação que subtrai de pessoas
racializadas, isto é, das que fazem usos dissidentes da língua, sua autoestima.
Mas ela, Millena, me disse uma coisa. Dentre muitas coisas, Millena me disse e
ainda me diz que sabemos das gentes negras cindidas, sabemos de suas dores,
dos instrumentos de suplício da escravização. Mas resta nesta constatação a
curiosidade perpétua em saber como, em que pessoas negras poderiam viver
em plenitude, saudáveis e felizes. E, nesse caso do meu texto, em como
poderíamos escrever como uma afirmação de saúde, e não de uma doença
contraída como uma dessas pestilentas que desembarcaram das caravelas junto
com os colonizadores. Meu texto comunica nossa fragmentação como escritoras
cindidas em sua confiança porque tenho nisso, na verdade, a vontade de
procurar nossa plenitude. Foi o que pensei depois do que ela disse. E pela
vontade enorme de oferecer ainda mais saúde, apesar dos cortes poucos
cicatrizados em minha própria psiquê, decidi não mais distribuir o texto. Decidi
não mais imprimi-lo e doa-lo em portas de universidades, como quis
anteriormente. Decidi não mais fazer dele uma publicação em formato jornal,
com letras de manchete enormes. O quero mostrar, lê-lo, publica-lo aqui, é
verdade. Mas desde que venha acompanhado desse preâmbulo que agora e
aqui escrevo. Para que não mais esse texto seja um grito de dor somente, ou
98
uma análise cheia de dúvidas. Que suas palavras e as notas que as acompanham
sejam guias, para mim e para nós. Mas que nos guiem, enfim, à nossa própria
saúde. Que empunhemos canetas, lápis e teclados para nos vermos como tais,
e não como menos do que verdadeiramente somos.

Palavras-chave: colonialidade; idioma; subversão;

99
Dramaturgias cênicas do corpo negrx
Trabalho Teórico
Kleber Lourenço
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo
A pesquisa que será apresentada busca refletir sobre um recorte recente da
produção no teatro e na dança negra contemporânea do Brasil. O estudo
acontece partindo de um recorte temporal (2007 a 2019) que deflagra uma
produção cênica (em teatro e dança) realizada por uma geração de artistas
negrxs em dois territórios distintos: as cidades de São Paulo e Recife. A escolha
destas cidades se dá por estes territórios estarem interligados pela minha
trajetória como artista e pesquisador. Percebo que, nestes lugares dentro dos
doze anos citados, surgem experiências dramatúrgicas estruturantes na
formulação de Poéticas Negrxs para as artes da cena e que, revelam muito do
momento em que estamos vivendo com suas discussões de identidades.
Diferentes grupos artísticos foram formados com algumas características que se
assemelham: nos processos de criação - a escolha de temas que abordam
gênero, sexualidade e identidade negra, a investigação pela estrutura narrativa
em forma de depoimentos, a formulação de procedimentos criativos que partem
das vivências e memórias pessoais, a linguagem documental ou autobiográfica
como estrutura formal e estética - são dramaturgias do corpo e da cena que
evidenciam diferenças de corporeidades e ressignificações da cultura africana.
Nos modos de produção - a quebra de estruturas colonizadoras e verticalizadas
de trabalho com a formação de coletivos independentes e trabalhos autorais, o
engajamento em ações políticas para arte negra (fóruns, seminários, etc.)
fazendo pontes com as pesquisas de criação, a produção artística através de
diferentes formas de financiamento, o interesse pelo reconhecimento e pela
visibilidade de novas epistemologias para formação dos artistas brasileiros.
Estas são algumas características que vêm estruturando dramaturgias de
urgência que objetivam visibilizar a fala do sujeitx negrx e suas formas de
existência (diásporas, cosmogonias). Partindo da percepção destas
características e querendo descobrir outras, sobretudo as que diferenciam e
afirmam suas singularidades, venho estudando obras e a prática de criação de
alguns artistas negrxs deste panorama citado acima e que serão apresentados
como comunicação oral deste seminário.

Palavras-chave: Teatro Negro; Dramaturgias da cena; Estética Negra;


100
Narrativas temporais sobre corpo e afetos

Gabriela Tarouco Tavares


Coordenadora do Grupo de Trabalho

“Por afeto compreendo as afecções do corpo pelas quais sua potência de agir
é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as
ideias dessas afecções”. (SPINOZA, 2009, p. 163).

O corpo quanto mais se deixa afetar mais ampliado se torna o seu campo de
conhecimento sobre o ser e agir, portanto, menor sua possibilidade de padecer
em afetos tristes, nas palavras de Spinoza: “quem tem um corpo apto a fazer
muitas coisas, é menos tomado pelos afetos que são maus, isto é, pelos afetos
que são contrários a sua natureza” (Ibidem, p.405). À vista disso, propostas
artísticas e pedagógicas relacionais expandem as possibilidades de encontro,
proporcionando maiores conexões e afecções entre corpos - desse modo,
saberes sobre nossas potências de relação são articulados. Segundo Spinoza,
tornamo-nos livres a medida que mais conhecemos os agenciamento da nossa
natureza e de todas as coisas que existem. São essas ideias que perpassam os
trabalhos apresentados no presente grupo de trabalho, em que as noções de
afeto, tempo e corpo foram articuladas.

A narrativa dos trabalhos, tanto teóricos quanto práticos, falam sobre a


necessidade de respeitar o tempo dos nossos afetos, o tempo das nossas
vivências interiores, como forma de respeitar nosso próprio afeto. Para continuar
o diálogo com Spinoza, trago suas percepções sobre o tempo. Para o filósofo,
não existe um tempo em si, mas um tempo atrelada a natureza finita dos corpos.
Em Regina Schöpke, segundo Spinoza,

“a duração é a continuação indefinida da existência”. Indefinida não quer dizer


eterna, mas indeterminada. Afinal, não se pode determinar o tempo de
existência dos seres. Como afirma o filósofo: “eu digo indefinida porque ela não
pode jamais ser determinada pela natureza mesma da coisa existente, nem por
sua causa eficiente, a qual põe necessariamente a existência da coisa e não a
sua destruição”. (2009, p.171.).

As narrativas temporais falam dos próprios corpos, de suas paixões e seus


potenciais de articulação com outros corpos. O tempo está inserido no corpo,
ou seja: o tempo é imanência. As paixões são virtudes da natureza do ser e

101
duram enquanto faz o corpo agir, se o corpo é finito, suas paixões estão
inseridas em seu tempo e, desta feita, são finitas. Se para Spinoza nada é
contingente na natureza e faz parte de uma mesma essência criadora, podemos
dizer que tudo em que nela está encontra-se em relação, “pois tudo o que
existe, existe como modo, e está em relação com outros modos. Não existe ser
que não se relacione, que não seja afetado ou afete outro ser. Tudo o que existe
deve ser pensado em termos de agenciamentos” (ibidem, 2009, p.173).

O desejo precisa ser cerceado por uma ideia para se transformar num projeto,
para tanto, no capítulo que segue, o leitor encontrará projetos em artes visuais
e cênicas em que tempo e afeto tornam-se matéria para pensar os fluxos do
desejo dos sujeitos em relação. As conexões entre os trabalhos nos
proporcionam criar uma cartografia de pedagogias possíveis em arte, uma vez
que temos Bruna Felix do Nascimento que desenvolve a pesquisa “A intuição
como bússola para o bom encontro”, em que compartilha seu processo de
criação em artes cênicas e nos dá pistas sobre uma dramaturgia do ator. Ao estar
aberta ao imponderável coloca sua intuição em expansão, dando caminho para
que o gesto resultante de seus afetos surja como potência cênica. Desse modo,
cria-se uma poética para criação gestual da atriz. Clarice Rito Plotkowski nos
apresenta seu varal de afetos com o trabalho “Vide o verso - yin side”, em que
as marcas do tempo no corpo do sujeito surgem como marcas no corpo da
matéria - expondo sua vulnerabilidade como poética material. Davi… Felipe
Coutinho apresenta-nos o trabalho gráfico em história em quadrinho “Tempo
Acúmulo”, em sua narrativa Felipe nos exemplifica outras trabalhos em que
utiliza do formato das histórias em quadrinhos para desenvolver atividades
didáticas na educação básica. Em sua fala, assim como da de Lisa e Thamires,
percebemos as potencialidades pedagógicas em produção no curso de
licenciatura em artes visuais. Lisa Miranda desenvolve um trabalho de contação
de histórias com a temática de heroínas mulheres que não estudamos
curricularmente na educação básica, o nome de seu trabalho é “Contando
mulheres: tramando ações políricas na escola”, há uma narrativa performativa e
uma produção de saber em artes visual, após as histórias os alunos são
convidados a desenvolver trabalhos a partir do que ouviu, como bonecas
abayomi. O trabalho de Lisa propõe uma pedagogia não terapêutica, mas que
tem um acolhimento do aluno: o afeto como potência. Marcelo Marques
Teixeira nos apresenta uma questão “É possível o ator desenvolver uma poiesis
dos seus próprios desvios corporais?”, seu trabalho consiste em pensar um
corpo cênico construído a partir de afetos grotescos, aqueles que fogem da

102
normatividade, encontrando o que não sabia e resgatando o desconhecido de
si mesmo. Mariana Nunes apresentou o trabalho “Espera”, que deflagra
questões em torno da angústia da espera, sobre depressão e como a arte acolhe
o eu. Mariana constrói um trabalho de arte a partir de seus afetos tristes e dele
faz algo que os potencializa, desse modo, cria formas de ação para fora deles e
de encontro às suas próprias potencialidades frente a vida. Paula Regina Santos
criou uma casa de João-de-barro em tamanho dimensionado o título de sua
comunicação e “ Um teto todo seu sobre sua cabeça: quando a obra de arte
trai”, sendo tal traição proporcionada pelas adversidades que o projeto
arquitetônico passou e questões que surgiram ao longo de sua execução -
imprevistas e frutos do acaso e das subjetividades daqueles que a
acompanharam no processo. Sua fala nos proporcionou compreender o seu
processo de criação; um trabalho também pedagógico de compreensão dos
agenciamentos feitos pela artista em seus momentos de criação, possível como
material de estudos à artistas em formação. Quezia Maria com o filme “Lia”, um
filme dentro do filme que narra o gesto de uma mulher. Thamires Burlandy
apresentou o ‘Projeto Casa Ateliê: arte no Hospital Pedro Ernesto”, em que no
espaço da sala de espera de um hospital jovens têm a possibilidade de um
momento criativo através da arte visual, tal projeto proporciona pensar
metodologias de ensino em arte em espaços fora da sala de aula tradicional e,
desse modo, quais agenciamentos de desejo tais encontros proporciona. Por se
tratar de um trabalho que ocorre uma única vez com aquele grupo específico,
nos faz perguntar: como elaborar e resolver questões pedagógicos em um
tempo finito de um único encontro fruto do inesperado?

Referências:
SPINOZA, Baruch. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
SCHÖPKE, Regina. Matéria em movimento: a ilusão do tempo e o eterno
retorno. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

103
A intuição como bússola para o bom encontro
Trabalho Teórico

Bruna Felix do Nascimento


Universidade Federal Fluminense

Resumo

Em tempos de crise como farejar Bons encontros? Como evitar as misturas que
contagiam com o afeto da Tristeza e diminuem a potência para agir e ser?
Encontros com a espiritualidade através do canto, com mestres que iniciam em
técnicas artísticas, com outros artistas buscadores/pesquisadores. Bom encontro
à maneira de Spinoza, como aumento das potências de agir e da força de existir
dos envolvidos, encontro que tem a marca da Alegria (Spinoza, 2012, p.99-163).
Alegria como resistência contra a tristeza instaurada pelos (podres) poderes. Um
trabalho na trilha de Jerzy Grotowski que pesquisou sobre o que faria um
verdadeiro encontro. Combater uma diminuição das potências através dos
encontros micropolíticos. Um grupo (grupelho?) (Guatarri, 1985, p.16) como
reserva ecológica que preserva a riqueza das diferenças. Uma pesquisa sobre o
território do corpo pelo “trabalho do ator sobre si mesmo” proposto por
Constantin Stanislavski que foi expandido pela pesquisa de Jerzy Grotowski
sobre o “comportamento humano em situações metacotidianas” (Grotowski
[1997] in Sodré, 2014, p.20) na luz do conceito de bom encontro e a ciência da
intuição de Baruch Spinoza. Para Spinoza, criação e liberdade estão ligadas ao
que ele chama de ciência da intuição. Esse gênero de conhecimento seria o
espaço para criar sua forma de existir de acordo com suas forças interiores, não
subjugadas as forças e poderes exteriores (Ulpiano, 2013). Levantam-se
aproximações entre saberes sobre a palavra intuição: na neurociência, no estudo
de António Damásio (Damásio, 2012, p.13) e nas linhagens do yoga que
influenciaram Stanislavski e Grotowski. Através do bom encontro com uma
mestria (através de um artesão, um ritual, uma canção, uma história antiga...) o/a
performer pode ir além da existência de comportamentos automáticos, criar
resistência. Esses territórios de contato conferem poder de ação e alegria aos
corpos nos quais ela se manifesta. A pesquisa evoca a figura de mestria como a
que Grotowski descreve em 'o Performer' (Grotowski [1986] in Celina, 2014,
p.54): aquela que auxilia o aprendiz a acordar seu mestre interior e, desse modo,
agir conscientemente. A figura do (a) diretor(a) teatral pedagogo(a) pode ser
considerada análoga à do mestre/mestra espiritual ou de artesanias pois ambas
104
ajudam a despertar as forças interiores, intuitivas, para que o/a performer possa
criar seus modos de existir na vida e/ou na arte. Diferente de um mestre que
dita leis para serem obedecidas.

A cena/performance nessa pesquisa é vista como uma plataforma híbrida entre


processo de criação e espiritualidade, conhecimento de si. Essa pesquisa
desenvolve a criação de uma estrutura pré-cênica a partir do rigor da intuição e
da memória através de seus impulsos no mapa corporal e como esses
dispositivos podem engendrar a criação de uma cena teatral. Propõe-se que a
intuição sendo bússola, os/as atuantes podem farejar os bons encontros,
fomentar em si e através de seu processo de criação artística a liberdade/força
de existir, tornando-se canais para o sintoma da Alegria contagiar como uma
boa peste.

Palavras-chave: Intuição; encontro; alegria; processo; ancestralidade;

Referências
DAMÁSIO, António. O erro de Descartes:emoção, razão e o cérebro humano.
Tradução de Dora Vicente. 3ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2012,
p.13.
GUATARRI, Felix. Revolução Molecular. Tradução de Suely Rolnik, 2a edição,
São Paulo: Editora Brasiliense, 1985, p.16.
SODRÉ, Celina Maria Fonseca. Jerzy Grotowski: artesão dos comportamentos
humanos metacotidianos. Tese (Doutorado em Artes Cênicas). Centro de
Letras e Artes – CLA, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro –
UNIRIO. Rio de Janeiro, 2014, p.20.
SPINOZA, Baruch de. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu, 2a edição, Belo
Horizonte: Editora Autêntica, 2008, p.99, p.163.

Documentos eletrônicos
GROTOWSKI, Jerzy. “o Performer”. eRevista Performatus, Inhumas: jul. 2015,
ano 3, n. 14. Disponível em:< https://performatus.net/traducoes/performer/>.
Acessado em 05/10/2019
ULPIANO, Cláudio. Pensamento e liberdade em Spinoza. Acervo Claudio
Ulpiano. Disponível em:
<https://acervoclaudioulpiano.com/2017/09/03/pensamento-e-liberdade-em-
espinosa/>. Acessado em 05/10/2019.
105
Vide o verso - yin side
Trabalho Prático

Clarice Rito
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

A série “Vide o verso - yin side” é composta de nove peças de dimensões


variadas - sendo uma delas estruturada em tela e oito estruturadas somente com
retalhos de tecidos. Através de um jogo semântico, o título explicita as
características físicas do conjunto, uma vez que cada peça tem ambas as faces
trabalhadas, e ao mesmo tempo alude à estrutura da poesia e a poética que
permeia o todo. Com palavras escritas ou bordadas em diálogo com as formas,
texturas e paletas cromáticas, as peças tratam da subjetividade feminina em
relação com o tempo e as diversas marcas por ele talhadas, nos corpos, nas
coisas que habitam o mundo externo e interno deles. Também são acrescidos a
esta temática recortes de afetividades, emprestando aos trabalhos um tom auto-
ficcional, podendo produzir, pespontar, narrativas no imaginário do público.
“Dobra”, “Merthiolate”, “Cisma”, “Lá... em si”, “Faísca”, “Me neva”, “Na lua”,
“Pluft” e “Só” tratam da singeleza, da delicadeza, do enamoramento, da
perplexidade, da solidão, da melancolia, mas também de bom-humor... São
peças geradas a partir da mistura de materiais acumulados ao longo da trajetória
da artista – muitos deles, refugos de produções de figurinos e cenários de
montagens nas quais trabalhou – e de palavras que colecionou.

106
“Dobra” (da série “Vide o verso – yin side”)
Técnica mista
21x29cm
2019

Palavras-chave: arte têxtil; bordados; feminino;


107
Contando mulheres: tramando ações políricas na escola
Trabalho Teórico

Lisa Miranda
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Quais histórias e agentes femininos estão presentes na construção do saber nos


currículos escolares? O currículo, além de território de disputa e poder, é um
artefato de gênero. A educação é um lugar privilegiado para a manutenção dos
interesses ideológicos das instituições submetidas aos aparelhos estatais, que
de acordo com o pensamento foucaultiano, regulam e disciplinam os corpos,
colocando-os a serviço das políticas das mais distintas instituições. Para o autor
Walter Mignolo, a lógica da colonialidade atua em três principais camadas: a
colonialidade do poder (processos econômicos e políticos); a colonialidade do
saber (questões de natureza epistêmica, filosófica, científica e com as relações
de línguas e conhecimento); e a colonialidade do ser, que por sua vez são
aspectos relacionados à subjetividade, ao controle da sexualidade e aos papéis
atribuídos aos gêneros. No atual cenário político brasileiro (conservador, sob
avanço da direita ultraliberal e com segmentos religiosos neopentecostais nas
bancadas do Congresso Federal) eclodem pronunciamentos proibitivos e
deturpados em relação a abordagem de gênero e sexualidade nas escolas.
Essas proibições são mecanismos de manutenção de convenções socioculturais
hegemônicas e colonizadas para um determinada construção de feminilidades
e masculinidades. É justamente com diálogo ampliado que é possível que seja
desenvolvido por professoras/es um trabalho pedagógico que respeite as
pluralidades étnicas, de gênero e sexuais. Há bases legislativas para o
desenvolvimento das discussões de gênero e sexualidade na Leis de Diretrizes
e Bases da Educação, nas resoluções emitidas pelo Conselho Nacional de
Educação; nas legislações da área educacional brasileira e também artigos da
Constituição Federal. Portanto, inserir esses estudos na educação básica
fortalece a longo prazo um trabalho na construção de equidade de direitos,
diluindo os valores herdados do patriarcado, que operam para permanência de
estruturas opressoras, discriminatórias e assimétricas de direitos. Além de
políticas afirmativas, é fundamental um trabalho educativo com novos
conteúdos curriculares e pedagógicos. A partir do diagnóstico inquietante ao
ver que mulheres figuram espaço dissonante em relação aos homens, com
108
contribuições apagadas dos currículos, com suas personalidades não sendo
estudadas devidamente, o projeto de iniciação científica/UERJ “Contação de
histórias: restaurando protagonismos por meio da oralidade” trama ações
políricas (políticas+líricas/poéticas) de contação de histórias no âmbito da escola
pública, conduzida pela mediação de histórias, contos, fábulas e mitos, com
protagonistas mulheres. Esse caminho tem suporte da arte/educação,
estimulando reverberações em práticas artísticas como desenho, colagem,
escrita, entre outras possibilidades de exercer o pensamento crítico e entrar em
contato com experiências de ressignificação dessas narrativas, sobretudo dos
arquétipos femininos. As ações estão sendo realizadas na Escola Municipalizada
Elcira de Oliveira Coutinho, (Saquarema); SESI, (São Gonçalo); Instituto de
Educação Rangel Pestana, (Nova Iguaçu); CRAS Sebastião Theodoro Filho, (Rio);
Creche Prof. João de Oliveira, (Duque de Caxias).

Ação de contação de histórias sobre mulheres brasileiras. SESI, São


Gonçalo,2019
109
Palavras-chave: Educação; Feminismo; Afeto;

Referências
BARREIRO, Alex. MARTINS, Fernando Henrique. Bases e fundamentos legais
para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula. Leitura: Teoria &
Prática, Campinas, São Paulo, v.34, n.68, p.93-106, 2016
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes,
1987.
MIGNOLO, Walter. Des-colonialidad del ser y del saber. (Videos indígenas y los
limites coloniales de la izquierda) em Bolivia. 1. ed. – Buenos Aires: Del signo,
2006.

110
É possível o ator desenvolver uma poiésis
A partir das suas próprias patologias?
Trabalho Teórico

Marcelo Marques Teixeira


Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo

Esta pesquisa, de uma maneira geral, sugere como argumento de tese, uma
possível autopoiesis do ator a partir dos suas próprias patologias corporais,
tentando, para isto, distancia-lo dos padrões normativos que o aprisiona. Para
desenvolver essa discussão contamos inicialmente com a interlocução medica-
filosófica de Canguilhen (2009) e os seus modelos da explicação biológica, assim
como o binômio normal/patológico. Para o pensador, a patologia é a soma de
diferentes estados sintomáticos que derivam de um organismo saudável, de
modo que toda doença tem uma função normal correspondente da qual ela é
apensa a versão excitada, diminuída ou aumentada. Esse processo que leva um
corpo da saúde a doença, segundo Canguilhen, é homogêneo, ou seja, mesmo
sendo diferente do normal fisiológico, o patológico faz parte do estado vital.
Dito isto, buscamos nesta pesquisa, enaltecer as pequenas derivações
patológicas que há na normatividade fisiológica do ator e, por conseguinte,
utilizar estes aspectos psicofísicos como estímulos de criação sobre si mesmo.
Logo, não buscamos uma mera teatralização dessas patologias, mas sim,
desenvolver o que venho chamando de “Terceiro Corpo” – ideia/conceito
iniciado nas pesquisas de mestrado. Trata-se de um estado de presença
efêmero que é atualizado constantemente (BERGSON, 1990), afastando-se,
portanto, da noção de mímesis (ARISTÓTELES, 1987), visto que o único aspecto
que pode talvez chegar a ser mimetizado é o potencial de vida daquilo que afeta
a ator - que no nosso caso são as derivações patológicas do estado normal.
Sendo assim, a fisicidade “resultante” (Terceiro Corpo) nunca poderá ser uma
cópia da realidade ou um simulacro (PLATÃO, 2001), porque essa presença
cênica está justamente no “entre”, no encontro, tratando-se, portanto, de uma
espécie de “si-outro”, de “não-eu”. Do ponto de vista metodológico o aporte
tem sido feito pelo Método do Corpo Sensível, desenvolvido e sistematizado
pelo A.P.A (Ateliê de Pesquisa do Ator - projeto do qual faço parte desde de
2016, promovido pelo Centro Cultural Sesc/Paraty e fundado em março de
2014) e que em muito tem auxiliado no sentido de novas trajetórias corporais
111
para as experimentações nesta seara. Os resultados dos estudos deste trabalho
de tese ainda são (in)conclusivos, visto que estamos no primeiro semestre de
seu caminhar, porém fase de leituras e levantamento bibliográfico, somada à de
curso das disciplinas, tem se revelado muito agregadora no enriquecimento do
levantar de novos olhares para essa problemática. O desejo é que esta pesquisa,
através do teatro, especialmente no contexto histórico pelo qual o país passa,
contribua para problematizar, fazer refletir, quanto aos padrões, normatizações
e fazeres, tanto sociais e culturais como teatrais.

112
Palavras – Chaves: Autopoiesis; Patologia; Método do Corpo Sensível;

Referencias:
ARISTÓTELES. Poética. (tradução Eudoro de Souza). São Paulo: Nova Cultural,
1987. (Coleção Os Pensadores).
BERGSON, Henri. Matéria e memória: Ensaio sobre a relação do corpo com o
espírito. (tradução Paulo Neves). São Paulo: Martins Fontes, 1990.
CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. Tradução de Mana Thereza
Redig de Carvalho Barrocas; revisão técnica Manoel Barros da Motta; tradução
do posfácio de Piare Macherey e da apresentação de Louis Althusser, Luiz
Otávio Ferreira Barreto Leite. - 6.ed. rev. - Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2009.
FOUCAULT, Michel. Os anormais: Curso no Collège de France (1974-1975).
(tradução: Eduardo Brandão). São Paulo: Martins Fontes, 2001. 479 p.
PLATÃO, República. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. 9. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbbenkian, 2001.

113
Espera
Trabalho Prático

Mariana Nunes dos Santos


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

“Espera” é um trabalho fotográfico que foi concebido durante o processo de


feitura do vídeo “Ampulheta”, apresentado no Festival não-binário (mostra de
trabalhos sonoro-visuais do Instituto de Artes da UERJ), onde retratei a angústia
da passagem do tempo, assim como a insatisfação, representada por imagens
de Lilith, considerada por alguns a primeira mulher de Adão. Ela é o arquétipo
da mulher que cansou de obedecer os padrões machistas impostos e transgride
essas fronteiras. Já “Espera” é um recorte de nove frames/fotografias que
retratam o processo da ansiedade, um sentimento que corrói silenciosamente.

As fotografias foram realizadas em um momento de angústia, utilizando baixa


velocidade do obturador e movimentando a câmera na frente do meu rosto.
Essa técnica causa as duplas exposições, o registro dos rastros. O efeito
materializa o sentimento, ampliando a sensação de lentidão e aflição dos
retratos. A montagem das fotos posiciona a foto mais serena ao centro, como
uma máscara social. Tive como inspiração o trabalho da fotógrafa Patricia
Gouvêa, “Imagens Posteriores”, que retrata o efeito do tempo na paisagem,
condensando uma energia vivida pelo corpo e pela memória.

Busquei retratar o mal do século, um sentimento vivenciado por todos em


diferentes níveis. Sofremos pela “ameaça futura”, e geralmente em silêncio.
Como escapar, quando diariamente somos bombardeados por notícias, ofertas
de produtos, direcionamentos de discursos, fake news…? Sentimos a
necessidade de estarmos sempre conectados. Nos fechamos em bolhas,
solitários, mas não estamos sozinhos. Ao expor minha vulnerabilidade proponho
a catarse, caminho pelo qual me conecto com o expectador, fazendo com que
questione suas próprias condições.

Ser artista e mulher é estar sempre esperando. Viver em uma sociedade


patriarcal, me inquieta esperar ser respeitada, ter os mesmos direitos que os
homens, não sofrer violência, ter as mesmas oportunidades, ser valorizada…

114
Lilith me envolve em sua áurea, um lembrete para não nos deixarmos adoecer,
nem sucumbir às opressões.

Registro “Espera”

Palavras-chave: fotografia; feminismo; ansiedade; rastros;

115
Um teto todo seu sobre sua cabeça:
Quando a obra de arte trai
Trabalho Teórico

Paula R. S. Santos
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

Parte-se da experiência de criação, construção e destruição da obra de arte


pública “Um teto todo seu” (2018). O conceito da obra articulou aspectos do
animal inspirador, João-de-Barro, e do ensaio de Virginia Woolf, “Um teto todo
seu”, cujo nome roubei para o título. No plano ideal, a obra seria um espaço
para descanso, retiro, a cumprir sua relação simbólica com a criatividade. A obra
idealizada como monumento de usufruto se traiu: o local concedido para
construção era inadequado; o clima insistia em atrasar e “desconstruir” o
trabalho; a construção não foi realizada conforme as pesquisas – o monumento
sonhado transformou-se em “barraco”, atravessado pelas intervenções
auxiliares identificadas com a obra sob uma perspectiva que subtraiu a pesquisa
e deixou em seu lugar técnicas e afetos relacionados à prática popular. A
precariedade do nomadismo com o qual, por certo humor excêntrico, me
nomeei, transfigura a obra, recusa sua romantização e denuncia, da “criadora”,
sua origem e trajeto, intrusos elementos biográficos. Com a destruição da obra
consumada pela natureza, o peso do seu teto sobre minha cabeça, deparei-me
novamente com a falta de abrigo. Contudo, desde a execução da obra e a
posteriori, me intrigaram as vivências da construção. A imagem de uma mulher
trabalhando sozinha ou com poucos auxiliares, durante mais de um mês,
desencadeou diversas reações e interações. Poderia considerar essas
experiências como a verdadeira obra de arte? Monumento efêmero, fugidio,
errante? Diante dessa interrogação, revejo a concepção predominantemente
materialista de Woolf quanto à necessidade de casa e dinheiro como requisitos
de independência e, consequentemente, para atividade criadora. Em paralelo,
recordei-me que ainda enquanto a obra em questão era apenas um desejo
apaixonado e ingênuo de construir uma casa de João-de-Barro em enormes
proporções, indicaram-me o livro “Poética do Espaço”, de Gaston Bacherlard.
Pouco afetada com a indicação, por já saber que meu pensamento, referências
e concepções de vida eram um tanto afastadas das ideias do filósofo, posterguei
o contato. Agora, retomo esse livro a fim de discutir com Bachelard, em toda a
116
nossa assincronia, a possibilidade de uma imaginação nômade, de uma
criatividade errante, a única possível para aqueles que tiveram teto recusado, e
com a recusa dele, vagam à deriva de todos os males. Sem a proteção do teto
acolhedor, ou sob a proteção improvisada do abrigo precário, não há maneira
de resguardar-se na bolha da sensibilidade ingênua daqueles que gozam de
sótão, térreo e porão – tem-se no máximo bolsos, por vezes furados. Ademais a
beleza da narrativa de Bacherlard, o filósofo ainda propõe uma poética
carregada de estrutura, de lugares definidos e, mesmo que não imutáveis,
estáveis. Supõe-se que o ser da imaginação e da criação só vinga se conta com
tal solidez interna. Trata-se, ainda, de uma criatividade neurótica e, arrisco,
masculina, insistente na divisão rigorosa entre interior e exterior. Explorando os
aspectos da própria vivência da obra, afasto-me da perspectiva de Bachelard e
me aproximo de Deleuze, considerando do monumento sua traição ao tornar a
experiência e seu fluxo mais potente que a imagem.

Fotografia de Clarrisse Rates

117
Palavras-chave: monumento; criação; experiência; traição; nomadismo;

Referências
BACHERLLARD, G. A poética do espaço. In: Os pensadores. São Paulo: Abril
Cultural, 1978. p.181-354
DELEUZE, G; PARNET, C. Diálogos. Trad. Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo:
Escuta, 1998.
WOOLF, V. Um teto todo seu. Trad. Bia Nunes de Souza. São Paulo:
Tordesilhas, 2014.

118
Lia
Trabalho Prático

Quézia Maria Lopes Gomes da Silva Ribeiro


Universidade Federal Fluminense

Resumo

Lia é um filme-ensaio, uma narrativa autorreflexiva, que se revela enquanto


processo de construção ficcional, apresentando uma história dentro de outra
história, um filme dentro do filme. Em meio a fatos, lembranças, memórias,
sonhos, devaneios e visões fantasmagóricas, Lia vivencia a dor da perda, se
descobrindo incapaz de fronteirizar essas categorias. Por meio do filme dentro
do filme, Lia tenta recuperar ou reescrever o tempo. Tenta manter ou resgatar
momentos cotidianos, aqueles em que foi feliz, mas a construção fílmica está
sempre presente, vazando pelas bordas, sem nunca deixá-la sozinha, sem deixá-
la viver a construção invisível do cinema clássico, esvaindo como poeira suas
certezas.

O filme transita, constantemente, entre mais de uma temporalidade (presente e


passado), ao relacionar as memórias da personagem, suas lembranças e sonhos,
suas visões fantasmagóricas, numa atmosfera na qual as fronteiras entre
temporalidades, onírico e vigília, realidade e imaginação, ficção narrativa e
dimensão autobiográfica esmaecem e enleiam-se, metaforizando a própria
autora, seus sonhos e memórias, seus fantasmas. Trata-se de uma narrativa
imprecisa, ambígua, fictícia e, de certa forma, simultaneamente real, que se
revela diante da personagem e do espectador enquanto processo de
construção, em meio a memórias, fatos e sonhos. Transcendendo a trama visível,
há algo velado e desvelado, em imagens reiteradas constantemente (como o
insert de jogar um botão de rosa sobre um túmulo) ou planos figurativos,
alegóricos (como da água escorrendo pelo espelho diante da personagem).

O filme admite a mise-en-scène para questioná-la, para desconstruir o


ilusionismo narrativo, ao develar seu processo de filmagem, de pós-produção e
montagem, os aparatos técnicos do cinema e do próprio filme, sua construção
narrativa. Trata-se, portanto, de um filme autorepresentativo, reflexivo, uma
duplicação especular, onde a instância enunciadora é o próprio ato
enunciatório.

119
Este curta metragem, portanto, nasce do desejo de construção de uma
atmosfera existencial, poética, que pretende despertar no público
questionamentos sobre a própria vida, sobre a condição feminina, a dor, o luto,
a perda, o vazio, os sonhos, as memórias. O filme, contudo, não pretende definir
fronteiras entre esses elementos existenciais, e sim esmaecê-las. Não se deseja
utilizar recursos narrativos que indiquem o que é onírico, memória ou realidade,
porque tudo ali é, ao mesmo tempo, ficção, imaginação e realidade, sendo
impossível definir em que medida é uma coisa ou outra.

Crédito: Still de Dyego Rodrigues

Palavras-chave: filme-ensaio; mise-in-abyme; memórias;


120
Projeto Casa Ateliê: Arte no HUPE
Trabalho Teórico

Thamires Burlandy da Mota Chagas


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Gabriel Saar da Rosa Cardoso


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Cândida Bessa
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Objetivos: O projeto Casa Ateliê ocorre no Hospital Universitário Pedro Ernesto


(HUPE), no setor ambulatorial do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente
(NESA), e tem como objetivo estimular o fazer artístico, o acolhimento e as
relações dialógicas com os pacientes e seus acompanhantes, podendo diminuir
os sentimentos de ociosidade, angústia e aumentar a sensação de bem-estar na
sala de espera que antecede a um atendimento médico, um diagnóstico.
Método: Desde julho de 2018 levamos para cada mês de atividade uma
proposta diferente de oficina, realizada todas às sextas-feiras. Convidamos
todos os presentes para realizarem conosco uma atividade artística no próprio
local enquanto esperam pelo atendimento médico. Resultados: Observamos,
nos participantes das oficinas, um engajamento satisfatório durante as
atividades; e o retorno de alguns para concluir seus trabalhos após o
atendimento no mesmo dia ou nos meses seguintes, quando possuem um
tratamento médico mensal na unidade. Muitos iniciam uma conversa conosco
sobre seu tratamento hospitalar, sua família, seus amigos e sobre seus trabalhos
artísticos e questões sociais pertinentes para eles no momento da oficina.
Conclusão: Constatamos que a interação artística no meio hospitalar propicia
um maior acolhimento para com os pacientes e seus acompanhantes,
oportunidade de trocas de experiências, acesso a uma nova linguagem
expressiva e a diminuição de ansiedades desencadeadas pelo ambiente
hospitalar. Contribuições: Percebemos que o fazer artístico: favorece a um
ambiente hospitalar mais acolhedor; aumenta o bem-estar; estimula a
compreensão de saúde coletiva com elementos culturais e artísticos seguindo o
121
conceito de saúde ditado pela Organização Mundial da Saúde (1946); e
desenvolve a linguagem artística. Notamos que para os ambientes e
profissionais da saúde o fazer artístico permite uma prática da saúde mais
ampliada (que vai além da eliminação da doença ou sintomas); e para os
profissionais das artes seria um novo espaço de pesquisa e atuação.

Foto: Acervo do Projeto Casa Ateliê.

Palavras-chave: Arte; Educação; Saúde;

Referências
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Constituição da Organização
Mundial da Saúde (OMS/WHO) – 1946. Biblioteca Virtual dos Direitos
Humanos. São Paulo: Comissão de Direitos Humanos da USP. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-
Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-
organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 03/10/2019.

122
Novas epistemologias do corpo na arte

Bruno Reis e Daniel S. Lopes


Coordenadores do Grupo de Trabalho

Epistemologia, dentre as possibilidades de seu entendimento, quer dizer modos


de conhecer e pensar o mundo e configura pensar as condições de tornar válido
determinado tipo de conhecimento, torná-lo inteligível e transmissível. Os
presentes trabalhos tentam repensar regimes de conhecimento do corpo na
arte, traçando recortes a partir de saúde mental, precarização da Universidade,
a relação centro e periferia nos circuitos das artes e a subalternização de corpos
racializados na sociedade brasileira. Temáticas extremamente pertinentes ao
momento em que vivemos pois revelam os desafios que persistem em nossos
cotidianos enquanto estudantes/pesquisadores e nos trazem possibilidades
diversas de reflexões sobre nosso modo de estar no mundo.

O que reúne esses trabalhos é uma tentativa de repensar hierarquizações e


modos de afecção do mundo a partir de marcações típicas da
modernidade. Entre elas, a produção de uma idéia de saúde mental versus
doença, a universalização de certas experiências dos centros de poder como
norma, a produção de uma racionalidade que exclui o espaço e por conseguinte
o corpo dentro de seus parâmetros fundancionais do pensamento, os regimes
econômicos que diminuem o investimento em segmentos como a arte e as
humanidades, contrariando a suposta lógica moderna do progresso que nunca
passou de uma falsa promessa de emancipação humana.

Tendo como referência “Os anormais" de Foucaut (2001), se coloca


imprescindível desconstruir uma noção única de normalidade já que a própria
criação do termo já perpassa definições reducionistas e que nunca irão abranger
a totalidade de possibilidades de existências. Quem é julgado por fora da
norma, ainda, está exposto a toda sorte possível da indiferença e da sua total
desumanização.

A modernidade, para o sociólogo peruano Anibal Quijano, é o período em que


as experiências do colonialismo e da colonialidade foram se fundindo com as
necessidades do capitalismo, configurando um novo universo de relações
intersubjetivas de dominação sob a hegemonia eurocentrada. O racionalismo e
a ciência moderna seriam, segundo ele, um modo de conhecimento que atende
as necessidades do capitalismo que foi se solidificando justamente durante o
123
período da colonização. Reforçando cada vez mais a ideia hoje muito bem
difundida entre movimentos sociais e pesquisadores mais críticos a
determinadas noções de progresso e avanço, de que a ciência é referenciada
em um determinado perfil social/regional e não abarca todas as pluralidades
existenciais e epistêmicas. O racionalismo é entendido aqui como um modo de
medição, externalização do cognoscível em relação ao conhecer (objetivação,
transformação do conhecimento em objeto), de forma a possibilitar o controle
das relações dos indivíduos com a natureza e com a propriedade dos recursos
de produção (capitalista).

Se o capitalismo colonial possui seu próprio regime epistêmico, para combater


a subalternização de corpos dissidentes e periféricos é preciso escapar de seus
parâmetros e fomentar outras epistemologias. Epistemologias do sul, no dizer
de Boaventura dos Santos.

O Sul é aqui concebido metaforicamente como um campo de


desafios epistêmicos, que procuram reparar os danos e
impactos historicamente causados pelo capitalismo na sua
relação colonial com o mundo. (…) As epistemologias do Sul são
o conjunto de intervenções epistemológicas que denunciam
essa supressão, valorizam os saberes que resistiram com êxito e
investigam as condições de um diálogo horizontal entre
conhecimentos. (SANTOS;MENESES, 2009, p. 7)

Diante das urgências de pensar os modos de conhecer e dar sentido ao mundo


no Brasil de 2019, golpeado pelo fascismo crescente e todas as perversões do
racionalismo moderno, nos parece essencial promover o encontro entre os
trabalhos aqui reunidos, que tentam repensar outras formas de conhecimento
produzidas através do corpo nas artes, partidários sempre de subverter o
aspecto colonizador nos contornos das existências dos indivíduos em busca de
novos pensares e em novos modos de fazer, sulamericano/periférico. Dando
uma outra possibilidade de existência e tornando evidente outras saberes que
apesar dos infinitos epistemicídios produzidos ao longo da existência humana,
podem de certa forma emergir. A periferia dos saberes cada vez mais se impõe
mesmo percebendo a reação que a elas sobrecaem.

Referencias:
SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES Maria Paula (Orgs.). Epistemologias
do Sul. Coimbra: Almedina, 2009.
FOUCAULT, Michel. Os anormais. São Paulo, Martins Fontes, 2001.
124
Prescrição poética
Trabalho Teórico

Adeilma C. da Costa
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

A pesquisa “Prescrição Poética” aborda temas relacionados ao cotidiano como


o consumo excessivo de drogas farmacêuticas usadas para tratar enfermidades
da contemporaneidade. Não apenas os males físicos, mas também aqueles
velados e não admitidos pela sociedade, tais como a violência e todo tipo de
preconceito. Tomando como base estes diagnósticos, entre outros fatores, com
atual crise financeira do Estado do Rio de Janeiro, a UERJ é um exemplo de
instituição pública profundamente afetada por essa conjuntura. A pesquisa está
vinculada ao projeto de pesquisa “Arquitetura de Artista: a construção de
poéticas contemporâneas”, da Professora doutora Maria Luiza Fatorelli. Com
base nessa proposta de pesquisa, a “Prescrição Poética” propõe uma reflexão
crítica e busca relacionar a estrutura física da UERJ com as questões sociais,
políticas e patológicas mencionadas. A arquitetura do campus Maracanã é
formada por blocos cinzentos, que aludem a prateleiras de caixas de remédios
empilhadas e pode ser vista como a cura da nossa sociedade. Esta pesquisa se
propôs como objetivo geral a ressignificação da experiência da comunidade
interna (funcionários, corpo docente e discente) e externa (moradores do Estado
do Rio de Janeiro) com a infraestrutura da UERJ, fragilizada pelo processo de
desmonte do ensino superior no Estado do Rio de Janeiro. Foram pesquisadas
a relação arte e arquitetura sob o viés da análise crítica e poética com
intervenções artísticas nas imagens fotografadas do campus da UERJ no
Maracanã com outros elementos imagéticos mesclados a sua arquitetura. A
linguagem artística usada para esse trabalho foi a da fotomontagem a partir de
um aplicativo de celular. Para isso, foram utilizadas imagens de bula de
antidepressivos e sedativos que cobre a imagem da fachada de um dos blocos
do prédio da UERJ, planta-baixa e dos andares do campus da UERJ no Maracanã
com uma bandagem terapêutica para o corpo sedado e inerte da maioria dos
cidadãos fluminenses frente aos graves acontecimentos ocasionando reações
adversas aos interesses políticos e governamentais como as greves em resposta
crise dentro e fora da universidade, sendo a UERJ é o paciente em questão. As
embalagens coloridas dos remédios contêm imagens de antidepressivos,
125
ansiolíticos e sedativos formando uma camada sobrepostas à imagem do prédio
da UERJ. Cada andar e cada janela seria uma espécie de “prateleira” contendo
caixas de várias cores e formatos e também com tarjas pretas e vermelhas. A
proposta das fotomontagens é associar duas ou mais imagens e fotografias
justapostas para construção de uma nova imagem da realidade a partir das
circunstâncias políticas e financeiras impostas sobre a universidade.

Palavras-chave: Enfermidades; Crítica; Sociedade; Arte e arquitetura.

126
Conferência coreográfica: mover-se em direção ao fim
Trabalho Prático

Davi Pontes
Universidade Federal Fluminense

Resumo

Conferência Coreográfica: "Mover-se em direção ao fim" nomeia uma tentativa


de mobilização para escavar as condições de racialidade e a formação da
coreografia, ambos como uma invenção peculiar da modernidade. A ação dura
aproximadamente 40 minutos e procura responder duas questões. A primeira
questão é apresentada pela filósofa Denise Silva Ferreira em sua fala chamada
"o evento racial", ela questiona: Por que as mortes de jovens negros nas mão
da polícia não causam uma crítica ética? E a segunda pergunta surge a partir do
livro "Exaurir a Dança" do professor André Lepecki, que também lida com outro
problema da modernidade que é sua propensão ao movimento. Nesse
momento a disposição ao movimento aparece como um emblema efetivo. A
topografia da modernidade estabeleceu-se sem questionar sua facilidade de
mobilização, entretanto esse terreno seu deu num solo ocupado por outros
corpos, outras dinâmicas, movimentos e temporalidades. A ação cinética da
modernidade elimina do movimento todas as tragédias, expropriações e feridas
causadas pela pilhagem colonial de recursos naturais, corpos e subjetividades .
A performance é uma experiência de narração da fala de Denise Silva Ferreira e
ao mesmo tempo uma tentativa de encontrar uma possibilidade de enfrentar o
dilema da modernidade a partir dos escritos de Lepeck.

Palavras-chave: Colonialidade; Coreografia; Racialidade.

Referências
LEPECKI, André. Exaurir a Dança: Performance e a Política do Movimento.
Annablume Editora. Brasil, 2017
FERREIRA, Denise. O Evento Racial. Casa do Povo. São Paulo , SP, 2016.
Disponível em: https://vimeo.com/172921494 Acesso em: 05 Out. 2019.

127
Monumento
Trabalho Prático

Eleonora Artysenk
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

Em tempos de fascismo implementado, é impossível escapar de um fazer


artístico que não dispare a insurgência de corpos rastreados pelo necropoder
neoliberal; conceito discutido por Achille Mbembe, sustentando o argumento
de que a distribuição desigual da morte se constitui em uma necropolítica estatal
de gestão do espaço urbano e controle da população, seja por omissão, ou por
cumplicidade com os padrões mórbidos de relações raciais. Assim, enquanto
estratégia de resistência, formulo criações como dispositivo contranormativo em
uma esfera sobrevivente sem frente de uma utopia despojada, propondo então,
uma antissepsia institucional, em uma relação de corpo fictocrítica: política,
contextual/ficcional e estética, afim de convocar um tipo de responsabilidade
ética, dialogando com a filosofia de Jean-Luc Nancy, “Não pensamos o corpo
se não o pensamos como algo que pesa” (apud LOUPPE, 2012, p.103). Dessa
forma, transformando o estado perpétuo de crise e precariedade das coisas em
força, em matéria pesada, apresento o peso de um processo esburacado onde
a questão a se desenvolver nasce na rua, por ser magneticamente chamada e
assombrada pelos seus rastros, violências e contingências.

Nesse chamado, a reaparição de um desejo acontece durante um tropeço, em


uma pedra solta. Se anteriormente a vontade era de jogar uma pedra ao céu,
visto uma dança que cai ao ser lançada para cima, onde a queda pode evocar
um chamado a responsabilidade, ao que pode ser rachado, danificado, ou em
uma nova reconfiguração de lugar, agora reitero essa ideia em outra operação:
em um projeto de aparição desses rastros esquecidos e permanentes nos
processos de deslocamentos ao qual percorro corriqueiramente, construindo
um monumento para o peso da desaparição, ancorando a realidade através de
imagens e metáforas para além de um discurso/ato de fala disparador de
problemáticas geográficas, coloniais e sociais, dimensionando condições
gravitárias de mundos e corpos terraplanados pelo outro, pelo Estado e pelo
esquecimento.

128
Palavras-chave: contemporaneidades; ações estético políticas; necropolítica;

Referências
LOUPPE, Laurence. Poética da Dança Contemporânea. Ed. Orfeu Negro. 2012.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. N-1 Edições. 2018.

129
Trabalho de cabeça
Trabalho Prático

Fábio Bof
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Dentre os exemplares de arte rupestre mais antigos podemos encontrar diversas


pinturas feitas em torno das mãos, as mais antigas produzidas entre quarenta e
setenta mil anos atrás. O processo assemelha-se à forma de se produzir gravuras
utilizando matrizes, onde um objeto é depositado sobre uma superfície e o seu
entorno é pigmentado, registrando-se assim a sua ausência. Esses trabalhos são
encontrados pelo mundo todo e tudo leva a crer que a prática é uma das mais
antigas, uma vez que registros do tipo encontrados em África datam de épocas
anteriores àquelas em que, se acredita, aconteceram as primeiras diásporas que
levaram a espécie humana a povoar os outros continentes.

Muitas diásporas tiveram como origem o continente africano no decorrer da


história da humanidade e ocorrem ainda hoje, como é exemplo a atual luta por
sobrevivência por parte de povos africanos buscando refúgio em terras
longínquas. Dentre tais, a diáspora compulsória de trezentos e cinquenta anos
que o mercado escravista europeu originou no período das grandes navegações
nos deixa, enquanto brasileiros, diversas heranças.

Trabalhos de Cabeça é uma série de obras que venho produzindo visando


relacionar essas heranças africanas com o significado da palavra “trabalho” em
nossos tempos e nos evocados anteriormente, pensando nas dificuldades
existentes hoje em dia para povos pretos de se conquistar uma posição
intelectual dentro do mercado. Convivemos dia a dia com o estigma que é
sermos vistos como trabalhadores braçais, corporais, musculares, manuais…
Uma das heranças que a escravização sofrida por nossos antepassados nos
trouxe.

A partir dessa reflexão, diversos artistas pretos contemporâneos decompõem o


corpo preto, destituindo-o de sua força e sua sensualidade, tornando-o um
corpo inútil a não ser para o fim de registrar uma ideia, o que remete novamente
àquelas pinturas rupestres antigas: Trabalhos intelectuais que usam o corpo
como código e signo.
130
Vim de Macapá para o Rio de Janeiro há dezoito anos com o objetivo de fazer
faculdade (em princípio de design, mas depois de arte) e até hoje não consegui
cumprir esse objetivo devido a diversas interrupções e desistências decorrentes
de sucessos e insucessos laborais. Durante esse período executei diversos
trabalhos em áreas variadas (sempre trabalhos de mão e trabalhos de pé) e
percebi a presença do estigma em julgamentos familiares sobre a escolha da
minha área e a forma com que persisto nela. Não os culpo pela forma como
julgam porque entendo a herança que nosso passado nos deixou e prendo
rastros de mãos e de pés em trabalhos de cabeça sobre papel para falar sobre
nossos passados.

131
Trabalho de Cabeça, 2019
Linoleogravura sobre papel
30 x 20 cm

Palavras-chave: Decoloniedade; Necropolíticas; Afrodiaspóricas; Ações Estético


Políticas; Contemporaneidade.
132
Dissolução
Trabalho Prático

Rayssa Veríssimo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Dissolução é um livro de artista composto por páginas brancas incendiadas. O


incêndio pressupõe o apagamento da história. Mas que história? O livro está em
branco, então ele pode falar sobre várias histórias. Entretanto, por vivermos em
um período de constante incêndio de instituições museológicas e a política de
apagamento de partes da disciplina de história em livros didáticos, o livro acaba
sendo um grito contemporâneo que remete, principalmente, ao incêndio do
Museu Nacional. Porém, ele não se limita à contemporaneidade, ele também
fala sobre a queima de livros durante os governos fascistas. Essa atemporalidade
é a sua relevância. Ao pensar sobre a atual eliminação de conteúdos nos livros
didáticos, o livro reflete sobre a liberdade de expressão. Ele é uma amálgama
de reflexões.

Durante a sua primeira exposição, o livro foi colocado dentro de um recipiente


de madeira com carvão. Todavia, agora, tentarei experimentar outra linguagem
de exposição. Ao invés de usar esse receptáculo, a superfície será o próprio
carvão, por haver um maior diálogo com a obra, um melhor acabamento visual
e também por acreditar que aumenta a sensibilidade do espectador, meu
principal objetivo ao fazer essa experimentação. Quando há carvão pelo chão,
você deve pisar nele para se aproximar da obra, ou seja, você é induzido a sentir
o nervoso promovido pelo incêndio ou, pelo menos, tentarei te induzir.

O resultado que busco encontrar através da obra é mostrar a reflexão promovida


pelo contraste entre a brancura das páginas e a localização no tempo, que se
confunde entre o contemporâneo e o antigo.

O título da obra poderia ser algo diretamente relacionado ao fogo, como


“incêndio”. Porém, “dissolução” foi o termo que encontrei que melhor se
conecta com o contemporâneo, um tempo em que quase tudo é dissolvido pela
liquidez e, sobretudo pelas medidas paliativas e políticas de apagamento.

133
Páginas da obra Dissolução

Palavras-chave: livro de artista; incêndio; histórias.


134
Estorvo
Trabalho Prático

Rayssa Veríssimo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

O Estorvo é um projeto criado quando Bolsonaro defendeu diminuir a verba


para os cursos acadêmicos de ciências humanas, a fim de investir mais em
ciências que, de acordo com sua visão, ajudassem a melhorar a sociedade.
Apesar dessa proposta não ter sido posta em prática, a performance continua
atual, pois ela fala sobre os cortes na educação.

Descrição: Em uma prateleira, há livros de matemática, química, física e filosofia.


Em uma mesa, há uma serra circular. Eu retiro apenas o livro de filosofia, o qual
tem como objetivo representar as ciências humanas, e o coloco em cima da
mesa. Depois, faço cortes descontrolados e descuidados nesse livro. Não uso
nenhuma proteção, o que demonstra o perigo que o próprio Estado sofre
quando faz essa política de austeridade. No final, o livro está completamente
fragmentado, restam apenas o cheiro, a fumaça, os pedaços e o choque
promovido pelo medo da ação imprudente. Esse choque é a chave, é a parte
relevante da performance, pois ele materializa, ou melhor, desintegra, ainda que
momentaneamente, o descaso, a normalidade, que podemos sentir quando
vemos a notícia sobre um novo corte na educação. Entretanto, ele também pode
materializar o prazer de ver a filosofia sendo destruída. Essa materialidade de
um sentimento é o objetivo que pretendo alcançar nos espectadores, apenas
um sentimento. Não desejo criar um exercício apelativo de conscientização
através da comoção, apenas tentar levar alguma sensação a partir desse tema.
Aqui, você poderia me refutar, dizendo que pretendo conscientizar, já que a
ação é muito mais voltada para o alarme contra o corte. De fato, a minha
ideologia fica marcada na performance. Todavia, o trabalho sai do campo da
conscientização quando se pensa sobre a ambiguidade do título. O que é o
estorvo? O estorvo depende da ideologia do espectador, pois tanto a filosofia
pode ser o estorvo, quanto o corte pode ser.

135
Livro de filosofia cortado durante a performance Estorvo

Palavras-chave: educação; austeridade; ciências humanas;


136
Poéticas visuais e processos de criação

Mari Scarambone Jayanetti


Coordenadora do Grupo de Trabalho

No Grupo de trabalho Poéticas Visuais e Processos de Criação foram reunidas


pesquisas que observam desde o micro potência do fazer artístico, à macro
potência das obras e suas relações entre si. Macro e micro como duas esferas
indissociáveis de todo ser vivo: forma e força; o micro relacionado ao processo
de produção, enquanto macro refere-se à realidade em suas formas constituídas
e sua capacidade de subjetivação. Seres humanos são relacionais e totalmente
políticos. O Indivíduo não existe sem o coletivo. Falar dos outros é uma forma
de falar de si, e vice-versa. Se as transformações da arte na história promovem
uma constante reconfiguração da atividade artística e sua reflexão estética; uma
característica permanece constante, que é no fazer que a arte surge, seja em
forma de ‘objeto’ ou produção de conhecimento.

No primeiro dia do GT, enfrentamos o desafio de sermos inclusivos, tentando


lidar com a ausência física em tempos altamente tecnológicos; Nicole Machado,
graduanda em Cinema e audiovisual pela UFS, não conseguiu apoio financeiro
para vir de Sergipe ao Rio, e nos propusemos a fazer sua apresentação via
videoconferência. Após apresentarmos seu vídeo “Pavimento 8”, um ensaio
com coreografias de dois corpos em um prédio, explorando movimentos
rítmicos diferentes: um dos corpos rígido, controlado e o outro livre,
investigativo; Rafaeli, enquanto coreógrafa, observa as variações dos corpos e
sua relação com o espaço e indaga se Nicole, para além de diretora, também
era bailarina; Nicole nos esclarece que o projeto foi uma criação coletiva à partir
de seus apontamentos estéticos que investigam a relação do corpo no espaço
no cinema; sendo a trilha de Fábio Aricawa, e coreografia de Renata de Mello
(os corpos que aparecem no vídeo); registrando diferentes afetações desses
corpos, que se encontravam juntos e em trânsito, em determinado espaço
tempo. Observamos que o projeto investiga poéticas visuais e questões de
autoria e criação coletiva de seus processos. Logo após, Rafaeli Bastos,
Intérprete e Coreógrafa, mestre em Artes Visuais com ênfase em dança pela
UFRJ, especialista em Estudos Contemporâneos em Dança pela UFBA/FAV, e
Bacharel em Dança pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresentou
parte de sua pesquisa de mestrado “Sapateado + Criar = Sapatear”, que
paralelamente e através de seu processo criativo e poético, investiga a

137
dramaturgia do corpo, observando a percussão corporal como parte de um
sistema artístico complexo, onde as vivências produzem uma apropriação
singular de técnicas e métodos, gerando diferentes formas de sapatear. A
pesquisa de Rafaeli põe em evidência o próprio fazer poético e seus registros,
enquanto processo de investigação.

A doutoranda e mestre em Arte e Cultura Contemporâneas no PPGARTES da


UERJ, Tânia Maria Queiroz, que investiga a relação do público com a produção
de arte contemporânea e o papel dos programas educativos das instituições
culturais nesse processo; apresentou “O meio sem fim”, uma pesquisa que
investiga o processo de mediação da obra, e como em algumas vezes, a
mediação se torna a própria obra; apresentando e analisando três obras: ‘Soy
Mandala’, um projeto colaborativo realizado por Cadu para o Museo Jumex, na
Cidade do México, e contou com a participação dos grupos comunitários "As
meninas de ontem, hoje e sempre", uma classe de dança formado por mulheres
mais velhas, e "Weaving Another World", um coletivo de tecelãs ativistas, que
gerou um lindo vídeo artístico, onde as dançarinas desfazem uma linda trama
de crochê dançando, e de como esse vídeo-registro de um projeto de mediação
se torna obra. Apresentou ‘Restauro’, de Jorge Menna Barreto, apresentada-
vivenciada durante a Bienal de São Paulo de 2016; um restaurante-obra, que
levanta questões acerca dos hábitos alimentares e o impacto no meio ambiente
na produção de alimentos, através de pratos obras, gerando assim construções
que também são paisagens contidas em vidros, uma relação entre comida e
meio ambiente; pelo fato de todos os alimentos serem provenientes de
agroflorestas e produtores orgânicos. E de Tino Seghal, ‘This is so
contemporary’, cujo trabalho ocupa um espaço para além da arte performática,
algo como "situações construídas", onde as pessoas envolvidas - como por
exemplo, as crianças dançando no saguão da Galeria de Arte de New South
Wales em uma das apresentações de This is So Contemporary - não são
"artistas", mas devem ser compreendidas como "intérpretes" de uma "troca
social de significado". Trabalhos que têm em comum o ‘relacionar-se’, e a
exposição das relações como produtos. A artista, doutora pelo PPGArtes/UERJ
e professora do IFRJ Nena Balthar, apresentou “Desenho: Fazer, Descobrir,
Pensar. Uma experiência em estamparia artesanal”, o registro de parte de seu
trabalho desenvolvido enquanto artista-professora, cuja reflexão sobre o ensino
de desenho se associa à a intenção presente no gesto de desenhar, como forma
de aquisição de conhecimento e aprendizado de uma habilidade; salientando
os cadernos de anotações de artistas como métodos de pesquisa e inventário

138
de como criar mundos; Nena apresentou diferentes trabalhos de criação de
repertório dos alunos, relacionando aos aspectos invisíveis que surgem do
crescimento do trabalho com a aquisição de habilidades técnicas, recursos
culturais e sociais.

O mestre em Artes pela UERJ, e também professor do IFRJ, André Dias,


apresentou: “Coleção, semióforos e ícones da cultura de massa nos Carnavais
de Paulo Barros”; cujo o objeto de sua pesquisa são as questões de narrativa,
identidade, os embates e negociações entre a tradição e a inovação nos
carnavais; apontando a linguagem teatral desta arte de rua como discurso, ao
se utilizar da visualidade das imagens (objetos que carregam memória afetivas)
para criar narrativas; um metadiscurso muito presente em desfiles de moda,
curadorias e na narrativa do carnaval; observando também a característica das
redes de informação apontadas por Foucault, Walter Benjamin e André Malraux.

No segundo dia, unimos o GT POÉTICAS VISUAIS E PROCESSOS DE CRIAÇÃO


com o GT NOVAS EPISTEMOLOGIAS DO CORPO NA ARTE, mediado por
Daniel Lopes e Bruno Reis.

A mestranda em artes da cena pelo PPGAC UFRJ, Ana Kemper apresentou seu
vídeo “Como era o pensamento antes de existir a palavra”, dissertando sobre
o processo de criação, uma metalinguagem que surge da observação de que,
seu processo de tracejar durante as aulas, funcionava como um processo
‘meditativo’, que gerava nela um estado de deriva criativa; e da experiência de
deriva, ao levar esses desenhos para o espaço físico em uma performance
registrada em vídeo, que devido a problemas técnicos somente um ano depois
foi repensado numa relação de movimentos entre dentro-fora, corpo e
paisagem, pensamento e palavra, memória e ficção, e através da montagem, se
torna obra. Logo após, Ana Kemper em parceria com o cineasta, produtor,
videasta e roteirista indígena formado em Comunicação Social pela UFRJ,
Nathanael Sampaio, organizaram no chão vários carretéis de linhas, dois
espelhos pequenos de obra, e uma caixa de som portátil reproduzindo um áudio
de falas de ambos, e realizaram a performance: “Litania para um filme que não
sai do papel”; o trabalho surgiu da busca de afinidades e semelhanças, em
pensamentos e processos, unindo os corpos com muitos fios; a performance
com arte sonora e instalação como um quase-cinema: ‘um filme que não sai do
papel, nem acontece nas telas’. O mestrando em teoria literária da UFRJ, Sergio
Alexandre Novo Silva apresentou “A linguagem das flores e dos documentos
segundo Georges Bataille” uma análise do pensamento desenvolvido por

139
Bataille a partir de uma seleção de fotografias de flores feitas por Karl Blossfeldt,
que ele publica na revista de arte Documents,que mistura as disciplinas de
Arqueologia, Belas Artes e Etnografia. Para Bataille, compreender “a linguagem
das flores e das coisas mudas” era também questionar os ‘bons costumes’ e sua
relação com o seu uso humano.

Referência
FOUCAULT, M.O que são as luzes?In: Ditos e Escritos, v. II Trad. Elisa Monteiro.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p341.
GUATTARI, F. Micropolítica - Cartografias do Desejo. Subjetividade e História.
Petrópolis: Vozes, 1996. 327 p.

140
Desenho: fazer, descobrir, pensar. Uma experiência em estamparia artesanal
Trabalho Teórico

Ana Adelaide Lyra Porto Balthar (Nena Balthar)


Instituto Federal do Rio de Janeiro

Resumo

A presente proposta de comunicação visa contribuir para uma reflexão sobre o


ensino de desenho pelo viés de seu entendimento como desígnio, ou seja,
planejar, desejar. Nesta proposição desenhar está para além da expressão de
uma linguagem para a técnica, dito de outra maneira, de fazer esboço, traçar
linhas e formas na superfície bidimensional e desvela seu significado
emancipatório. Assim relacionamos a intenção presente no gesto de desenhar
à aquisição de conhecimento e ao aprendizado de uma habilidade, no caso a
estamparia. Jacques Rancière em A Partilha do Sensível, nos diz que a relação
entre arte e política, propicia a manifestação e criação de espaços “comuns”,
modificando a maneira das relações entre sujeitos e suas atuações em uma
coletividade (RANCIÈRE, 2005, p2). Viabilizar um encontro com a arte, com a
criação e o desenvolvimento de um imaginário autoral – as estampas - permite
pensar nessa partilha do sensível. Estimula o desenvolvimento de processos de
autonomia e auto-conhecimento pessoal e de grupo, ativando nos estudantes a
noção de pertencimento à sociedade, a partir de uma experiência artística que
promove e incentiva a criatividade inerente a todos. Nesta
reflexão identificamos o desenho como instrumento de autonomia no
contexto de seu ensino nas aulas de Estamparia Artesanal ministrada no curso
de formação inicial e continuada em Estampador de Tecido do Instituo Federal
do Rio de Janeiro - campus Belford Roxo. Espaço de criação que considera a
sala de aula lugar de experiências e ações. O propósito é a construção de um
pensamento plástico que envolve fazer, descobrir e pensar a partir de
experimentações do desenho e seus desdobramentos com o uso de processos
e procedimentos gráficos artesanais. Desse modo a intenção no gesto
desenhador está vinculada à aprendizagem de um saber e à prática de uma
habilidade, aqui a estamparia. Apresentamos reflexões de teóricos e artistas que
nos apontam a importância do desenho como linguagem entre a arte e a técnica
promovendo uma reflexão das atividades da nossa sociedade. Propicia, para
localidades com pouco ou nenhuma oportunidade de fruir as artes, uma ação
coletiva de modo que essa experiência reverbere na vida de cada um. Em

141
consonância com a função primeira do ensino público compreendido como
politica social geradora de cidadãos plenos de seus direitos e capazes de
transformar suas realidades.

Sala de Estamparia Artesanal. Tingimento de roupas para o grupo Afoxé Raízes


Africanas realizado pela estudante D. Isabel D’Oyá.
Fonte: Acervo pessoal.

Palavras-Chave: Desenho; Arte; Estamparia; Emancipação;

Referências:
BOURGEOIS, Louise. Apud Edith Derdyk in Disegno, Desenho, Desígnio. São
Paulo: Ed. SENAC. 2007. p.36
DERDYK, Edith.(org.) Disegno, Desenho, Desígnio. São Paulo: Ed. SENAC.
2007. p.7
LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A pintura – Vol.1: O mito da pintura. São
Paulo: Ed. 34, 2007.
RANCIERE, Jacques. A Partilha do Sensível. São Paulo. Editora 34. 2005 p.2.
TORNAGHI, Maria. Palestra. A aprendizagem da arte. Projeto EAV/SESC. 2008,
p 4. Texto não publicado.

Documentos eletrônicos:
MARQUEZ, Renata. Mapa como Relato. Disponível em
https://revistas.ufpr.br/raega/article/view/36082/22262 . 2014, p.43. Acesso em
em 1/09/2019
MOTTA, Flávio L. Desenho e Emancipação. Em Sobre Desenho. Centro de
Estudos Brasileiros FAU-USP,1975. Disponível em
http://winstonsmith.free.fr/textos/desenhoE-FLM.html. Acesso em 14/09/2019
ARTIGAS, João Batista Vilanova. O Desenho. Em Sobre Desenho. Centro de
Estudos Brasileiros FAU-USP,1975. Disponível em :
https://www.archdaily.com.br/br/790124/o-desenho-vilanova-artigas. Acesso
em: 11/09/2019
142
Como era o pensamento antes de existir a palavra
Trabalho Prático

Ana Kemper
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo:

Revisitando cadernos de anotações entre 2013-2016, percebi repetições de uma


estrutura de desenho que acontecia enquanto o pensamento entrava em
devaneio em sala de aula e em momentos de anotações de processos de
criação. Ao contrário de funcionar como distração, este desenhar colaborava
com um certo estado de deriva criativa que acompanhava o pensamento da aula
mediada pelo pensamento do desenho.

Estas cartografias (do caderno, da memória deste desenhar), ativaram um outro


devaneio: como acontecia o pensamento antes da existência de palavras? Será
ainda possível pensar sem elas? Curiosidade inquietante para o ser logocêntrico
que não pode sequer existir fora da Linguagem.

Em 2016, durante uma residência artística em Brasília, encontrei a paisagem que


me instigou a levar a experiência deste desenho para o espaço, trocando as
mãos pouco hábeis ao desenho pelo corpo, numa tentativa de Instauração
(Pelbart, 2016, p.419) deste desenho-pensamento que vinha me acontecendo
há alguns anos e que pedia para sair do plano do papel para terceira dimensão
da paisagem. Fiz algumas captações em vídeo desta ação de desenhar com o
corpo, mas questões técnicas acabaram por transformar estes cortes num
rascunho que julguei inutilizável para uma montagem futura. Assim como os
desenhos iniciais ficaram, foram esquecidos num caderno. Este material foi
deixado num HD externo e condenado 2017, quando revisitei estes cortes e já
com olhar orientado por uma pragmática da suficiência (Viveiros de Castro,
2007) surgiu uma nova cartografia do desenho que me fez mergulhar num outro
devaneio-pensamento, cujo resultado foi a montagem do material videográfico
a ser apresentado nesta mostra.

“Como era o pensamento antes de existir a palavra”, é um vídeo-performance


de 6 minutos no qual meu corpo entra em deriva por um espaço entre árvores,
munido de um rolo de elástico que faz o traçado-desenho que percorre não só
143
o espaço-paisagem externo, mas também se comunica e exprime sem palavras
memórias diáfanas, pensamento e devaneios que habitam e desenham-se
dentro do meu corpo.

A decisão de montar o vídeo como suporte da ação sublinha esta relação de


movimentos entre dentro-fora, corpo-paisagem, pensamento-palavra, memória-
ficção, por meio do pensamento da montagem/edição (cortes das imagens,
camadas de som) e intermedialidade, investigações que venho aprofundando
enquanto mestranda no PPGAC UFRJ.

Palavras-chave: videoperformance; cartografia; desenho; intermedialidade,


suficiência.

Referências
PELBART, Peter Pál. O avesso do Niilismo: cartografias do esgotamento. São
Paulo: N-1 edições, 2016, p. 391-419.
ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do
desejo. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O Brasil é grande mas o mundo é pequeno.
Disponível em < http://www.socioamIbiental.org/pt-br/blog/blog-do-isa/o-
brasil-e-grande-mas-o-mundo-e-pequeno. Acessado em 7/10.2019>

144
Litania para um filme que não sai do papel
Trabalho Prático

Ana Kemper
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Nathanael Sampaio
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

"Litania para um filme que não sai do papel" é uma performance idealizada em
2019, em conjunto por uma artista visual e pesquisadora e por um artista visual
e cineasta indígena, para a disciplina de mestrado ministrada pela professora,
escritora e performer Eleonora Fabião no Programa de Pós-Graduação em Artes
da Cena (PPGAC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para
responder ao exercício proposto, a dupla foi sorteada e tinham um limite de
tempo (8 minutos) e a regra de não danificar o espaço do Centro Municipal de
Arte Hélio Oiticica (CMAHO) (onde a disciplina era ministrada). Decidimos
investigar conjuntamente os materiais que tínhamos em comum e para isso,
iniciamos uma conversa por e-mail que depois foram aprofundadas pelo
aplicativo de mensagens Whatsapp, onde a escrita e mensagens sonoras já
aparecem como primeiro material, revelando os outros no decorrer desta troca:
nossos corpos desviantes (uma mulher branca bissexual e um homem indígena
bissexual e interessado em androginia), nossos corpos deslocados (um indígena
brasileiro da etnia Tapeba socializado na cidade e uma brasileira branca
descendente de um pai nascido na Alemanha nazista), nossas cicatrizes, a
pergunta "há um comum possível?", o gosto por cinema, vídeo, performance,
som, edição/montagem, tecnologia, passagens, costura e linhas. A ação foi se
desenhando com esta troca: decidimos alinhavar nossos corpos pelas mãos
mutuamente (usando linha de costura comum, sem agulhas), na duração de um
áudio gravado resultante da mixagem destas conversas entre nós dois, nossas
impressões sobre a convivência entre corpos dissidentes e normativos na
cidade, sampleadas com ideias de pensadores decoloniais e efeitos de áudio. É
um trabalho-passante entre o cinema (um filme que não sai do papel nem
acontece nas telas), com a performance, o uso dos corpos e, principalmente,
das mãos; da arte sonora e a instalação (ao final da ação performativa sobra um
145
resíduo que poderá ficar instalado no espaço da mostra com outros trabalhos
fixos).

Esta performance é um trabalho que discute relações entre corpos desviantes


viventes em cidades e a sua normatividade, branquitude e indianidade, gênero
e racialidades, ancestralidade e genocídio, além de outros assuntos que
atravessam estes corpos enquanto perguntam se há para si um comum possível.

Sendo um trabalho que busca um Entre, encontramos em nossa pesquisa o


conceito de PASSANTE do pensador Achille Mbembe, (que se define como um)
e investigamos este "ser passante" costurando de forma artesanal entre mídias,
entre espaços acadêmicos e artísticos, entre gêneros e racialidades, entre
técnicas e poéticas, como modo de resistência, sobrevivência e cuidado de si.
O passante como estratégia de descaptura da normatividade e todas as suas
violências.

Palavras-chave: Performance; Passante; Corpos desviantes.

Referências:
BENJAMIN, Walter. Passagens. Tradução do alemão Irene Aron; tradução do
francês Cleonice Paes Barreto Mourão; revisão técnica Patrícia de Freitas
Camargo; posfácio Willi Bolle e Olgária Chain Féres Matos – Belo Horizonte:
Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.
FLORENCIO, Thiago. "Nativo ausente e escrita-despacho" Vazantes v.2
n.1 (Fortaleza: PPGARTES UFC, 2018), p. 61-70.
http://www.periodicos.ufc.br/vazantes/article/view/32919
MBEMBE, Achille. "O Fardo da Raça" entrevista com Achille Mbembe realizada
porCatherine Portevin in: Pandemia (São Paulo: n-1 edições, 2011/18), p.14-30.

146
Coleção semióforos e ícones da cultura de massa nos carnavais De Paulo
Barros.
Trabalho Teórico

André Dias
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

Os desfiles das Escolas de Samba são uma expressão artística multicultural,


apontados como a maior manifestação da identidade brasileira e tem suas
características e processos próprios, dentre eles a narração de algum fato, mito
ou outro tipo de história conhecida como enredo. Tais enredos, geralmente,
versam sobre o que se compreende por identidade nacional. O carnavalesco
que é a principal figura da criação artística de um desfile, desenvolve seus
enredos, sinopses, fantasias e alegorias a partir da história que se pretende
contar na avenida. Neste processo narrativo, a escolha dos personagens é
fundamental. Sendo assim, o artista elenca em seu repertório cultural quais
elementos comporão sua “coleção”. Esta escolha e reunião de objetos-signos
que acorre a cada desfile, não é apenas um acúmulo desordenado de
elementos, ocorre uma seleção de quais artefatos e personagens representarão
melhor os sintagmas da narrativa do desfile. Observo que nenhuma destas
escolhas é gratúita, há indiretamente uma espécie de consciente coletivo
cultural que elege quais são os objetos que possuem maior apelo, valor,
pregnância e quais devem ser apresentadas ou ignoradas. Esta seleção é
atravessada pelos princípios organizadores do gosto e do tempo. Reforço que
adoto a noção de desfile como coleção, no sentido de coleções museológicas
curatoriais, cuja eleição dos artefatos modifica de força e significado de acordo
com o espaço e ordem que se apresentam, tanto por associação quanto por
agrupamento, onde cada elemento estabelece novas relações com as peças que
os circundam, seus títulos ou legendas. Os desfiles ao elencar certos
símbolos/personagens/objetos apresentam nesta taxinomia seu projeto de
construção e manutenção de saberes e tradições. Do mesmo modo, as Escolas
de Samba carioca ao apresentarem suas narrativas imagéticas, corporificam,
relembram e criam novas memórias que são transportadas para além dos limites
da Marquês de Sapucaí. Na passarela, ocorre o mesmo que no espaço
museológico, os artefatos perdem seu valor de uso e são resignificados. Nos
desfiles, geralmente, os objetos nem são objetos, são simulacros,
147
representação, e como nos museus os objetos são mediadores das experiências
entre os carnavalescos/curadores e espectadores. A comunicação propõe um
olhar sobre os desfiles das Escolas de Samba como uma narrativa imagética
organizada ao modo de uma coleção de objetos e personagens-semióforos. E
por fim, apontar no trabalho do carnavalesco Paulo Barros a utilização dos
personagens e objetos da contemporaneidade como os semiíóforos pós
modernos, além de outros processos relacionados à cultura de massa, da cultura
material e seus usos no mundo da arte. Tais argumentos serão articulados sobre
o aporte de teóricos como Marilena Chauí (2001), Arthur C. Danto (2010), Guy
Debord (1997), Marcus Dohmam (2010), Nobert Elias (1994) e Edgar Morin
(2011) dentre outros.

Palavras chave: Carnaval; coleção; semióforo; cultura material; Paulo Barros.

Referências:
CHAUÍ, Marilena S. Nação como semióforo. In: Mito fundador e sociedade
autoritária. São Paulo: Fund. Perseu Abramo, 2001.
DANTO, Arthur C. A transfiguração do lugar-comum: uma filosofia da arte/
Arthur C Danto. Trad: Vera Pereira, São Paulo, Cosac Naify, 2010.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo/ Guy Debord; Tradução: Estela dos
Santos Abreu, Rio de Janeiro: Contraponto,1997.
DOHMANN, Marcus. O Objeto e a experiência material. Arte & Ensaio (UFRJ),
2010. v.20, p.70-77.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos/ Norbert Elias. Org. Michael
Schroter; trad: Vera Ribeiro, revisão técnica e notas, Renato Janine Ribeiro – Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1994.
MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX: espírito do tempo 1: neurose/
Edgar Morin; Trad. de: Moura Ribeiro Sardinha – 10ªed – Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2011.

148
Pavimento 8
Trabalho Prático

Nicole Donato Pinto Machado


Universidade Federal do Sergipe

Resumo

Um ensaio sobre a deriva em territórios alheios. PAVIMENTO 8 é o embate da


dualidade, a expansão do tempo que pesa, as personas cotidianas. Realizado
durante um período de mobilidade acadêmica, o filme é um experimento sobre
trânsitos e suas afetações. Referenciado no tempo dilatado e no espaço restrito
da cineasta belga Chantal Akerman, em especial na sua obra “Hotel Monterey”
(1973), e na presença da dança enquanto linguagem no cinema, como em
“Pendular”, da diretora Júlia Murat, o filme conduz o espectador por uma
narrativa diluída, ainda que linear. A sensorialidade construída pela trilha sonora
tem por base e é livremente inspirada nos estudos e experimentos de música
concreta de Pierre Schaeffer. Composto através de objetos do espaço diegético,
o som em PAVIMENTO 8 é costurado em diálogo com a imagem, mas
escapando ao extracampo, criando consonância e discordância, conflito e
entendimento, atenção e incômodo. A coreografia também interage com esse
espaço claustrofóbico, em movimentos opostos e convergentes. De um lado,
uma tentativa de fluir por entre as paredes e de fugir de um labirinto, driblando
obstáculos, tateando texturas, cautelosamente procurando saídas; em seu
encontro, um avanço firme, denso, obscuro. É de extrema importância ao
processo de realização do filme que as linguagens artísticas presentes sejam
entregues com intensidades de equivalente relevância e, portanto, som, dança
e imagem (particularmente através da montagem) provoquem e agenciem
significados e sentidos (conscientes ou não decodificados). O formato vertical é
uma especificidade do filme, que parte não somente de uma intenção técnica –
de possíveis janelas e no caminho de uma discussão em voga no audiovisual –
mas é também uma escolha narrativa: o espaço em tela é compactado, os limites
estão demarcados, restringidos ao plano; a verticalidade é também
metalinguística, remetendo ao prédio, ao elevador, às escadas, ao pavimento,
às janelas que não dão chances de escape. PAVIMENTO 8 é uma reflexão sobre
o espaço-tempo e suas afetações psicológicas, suas influências na percepção,
nos modos de olhar e nos modos de fazer.

149
Cartaz do filme

Palavras-chave: espaço; imagem; afetações.


150
Sapateado + criar = “sapatear” – processo criativo da cena multimídia “ah vai
andas?!”
Trabalho Teórico

Rafaeli Mattos de Oliveira Bastos


Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

Sapateado + criar torna-se “sapatear”, é o tema do último capítulo da


Dissertação de Mestrado em Artes Visuais – Teoria e Prática da Arte – da UFRJ,
defendida em 2013, intitulada “Ah Vai Andas?! - Um Sistema Criativo a Partir
do(s) Sapateado(s)”.

A dissertação referida é uma reflexão sobre a performance Ah Vai Andas?!, cuja


principal questão é a construção de um discurso poético a partir da arte de
sapatear. O solo parte do diálogo entre Artes Visuais e Dança para
problematizar o próprio sapateado e discute a influência de suas imagens
tradicionais cinematográficas na corporeidade do artista, a partir da proposta de
outras relações entre cena e vídeo. Supõe-se que a multiplicidade e a
singularidade do corpo do sapateador sejam um campo aberto de
possibilidades, desdobramentos e falas, podendo funcionar como um sistema
artístico composto por música, dança e sapatos. As diferentes configurações
destes elementos podem apresentar distintas formas de sapatear, ampliando o
conceito de sapateado enquanto Arte no plural. Esse sistema criativo
sapateado(s) tem como objetivo proporcionar outros prismas de imagens/ideias
de cenas e corporeidades no campo do sapateado e suas relações com a Cena
Contemporânea.

Pretende-se compartilhar as falas da criação deste solo, apresentando os


procedimentos e pensamentos. Desta maneira, traça-se a proposta artística da
obra, a maneira como o corpo é construído, a construção coreográfica, uma
proposta de notação, reflexões sobre a visualidade da cena e a construção
poética do vídeo. Relaciona-se o contexto histórico do sapateado à teoria geral
dos sistemas na Arte, às extremidades do vídeo quando vai para a cena, à
visualidade como questão a alguns elementos do dadaísmo e do tropicalismo
na prática dos laboratórios de criação, para pensar o solo enquanto obra, sua
criação, poética e reflexão.

151
Sua fase inicial da experimentação se deu em 2009, no projeto do Centro Laban
do Rio de Janeiro, dirigido por Regina Miranda, no Ateliê Coreográfico, onde
foi levantado o primeiro material de movimento e som com as sandálias de dedo
e apresentado na mostra Café com Dança, realizada pela mesma instituição. As
disciplinas do programa de mestrado auxiliaram na percepção de que a relação
do sapateado com a visualidade, por meio do cinema, sempre existiu e possui
influência direta na construção estética deste fazer artístico. A partir de então se
abriu um novo viés de reflexão para o solo, a visualidade, a construção de
imagens, os ícones e como esse jogo/lógica poderia ser invertido na
experimentação cênica.

Em sua segunda fase, a célula de movimentos ganhou estrutura coreográfica,


trilha sonora e estabeleceu as primeiras experimentações videográficas, o qual
foi apresentado no projeto Novíssimos, que integrava o projeto de ocupação
Dança pra Cacilda, no teatro Cacilda Becker, no Rio de Janeiro, em 2012, onde
em um final de semana foi possível experimentá-lo na própria cena diante de
um público variado. A visualidade no solo torna-se elemento determinante para
outro tipo de dramaturgia para a cena do sapateado, pois proporcionou espaços
que somente a dança não atingiria e que só são possíveis pela força
dramatúrgica da visualidade.

Palavras-chave: Sistema Criativo; Sapateado(s); Corpo; Visualidade;

152
Linguagens das flores e dos documentos segundo Georges Bataille
Trabalho Teórico

Sergio Alexandre Novo Silva


Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

A partir de uma seleção de fotografias do fotógrafo Karl Blossfeldt e de


“aspectos” de algumas flores, o escritor francês Georges Bataille, no terceiro
volume do primeiro ano da revista de arte Documents (1929-1930), recupera
uma expressão já utilizada anteriormente em contexto francês pelo poeta
Baudelaire em seu livro As Flores do Mal (BATAILLE, 2018, pp. 69-79). Em
Baudelaire, compreender “a linguagem das flores e das coisas mudas” era o
ponto de chegada; ou, sobretudo, um ponto de parada do poema: o ponto que
fecha o terceiro poema, chamado “Elevação”, da seção “Spleen e Ideal”, mas
que ao mesmo tempo leva o poeta a abrir o famoso e sórdido caminho das
“Correspondências” (1996, pp. 36-38). Em Bataille, pensar tal linguagem não
deixará de ser uma atitude que busca mais abrir interpretações do que fechá-
las; ainda que esta tome, num primeiro momento, distância do sentido elevado
buscado por Baudelaire.

Inserido num projeto de reformulação de um materialismo, o texto de Bataille


não deixa de ser parte também de um projeto maior da revista na qual ele faz
parte, cuja especificidade, segundo o historiador e filósofo da arte Georges Didi-
Huberman, era estar “nas antípodas de toda construção totalizante” (2019, p.
92). Assim, tratou-se, ali, de ler e analisar documentos, obras de artes e qualquer
objeto produzido pelo ser humano, sem qualquer restrição vinda dos “bons
costumes” (BATAILLE; LEIRIS, 2004, p. 20). Tal análise é feita a uma luz difusa
produzida pela mistura das disciplinas Arqueologia, Belas Artes e Etnografia –
estas explicitamente nomeadas no subtítulo da revista –, sem deixar de levar em
conta as pesquisas feitas pela psicanálise freudiana que estava
progressivamente emergindo no campo do saber francês da época. Tem-se por
intuito aqui discutir algumas questões levantadas pelo ensaio de Bataille e a
proposta da Documents, pensando, nos seus termos, consequências de uma
“linguagem das flores”, ou, mais em geral das “coisas mudas”.

Palavras-chave: Documentos; Flores; Baudelaire; Psicanálise; Materialismo;


153
Referências
BATAILLE, Georges. Documents: Georges Bataille. Tradução. João Camillo
Penna e Marcelo Jacques de Moraes. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018.
BATAILLE, Georges; LEIRIS, Michel. Échanges et correspondances. Paris:
Éditions Gallimard, 2004.
BAUDELAIRE, Charles. Les Fleurs du Mal. Paris: Éditions Gallimard, 1996.
DIDI-HUBERMAN, Georges. La Ressemblance informe. Paris: Macula, 2019.

154
O meio sem fim
Trabalho Teórico

Tania Queiroz
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

O caminho que a arte e suas questões tomaram ao longo do tempo prescinde


de regras, de consenso. O trabalho de mediação, nesse contexto, passa a ser
uma espécie de agenciamento das percepções do visitante, em que todo e
qualquer conhecimento permite uma sucessão de desdobramentos e reflexões,
que sempre poderão ser explorados e tomados como pontos de partida. O
mediador apenas inicia esse processo, estimulando o espectador a dizer o que
viu e o que pensa sobre o que viu, e que os relacione com suas experiências.
Aprende-se quando se é capaz de fazer relações.

Dessa forma, devemos dedicar especial atenção à percepção dos interesses


desse público, bem como às suas especificidades culturais, locais, aos seus
campos de interesse, às suas demandas. Se Ranciére (2012, p. 17) define o
espectador como ao mesmo tempo, distante e intérprete ativo do espetáculo,
posso entender que a aprendizagem pode se dar quando, ao observar ao seu
redor, este espectador interpreta, relaciona, compara. A atuação da mediação
poderia se dar nesse momento. Imagino a captura do espectador no momento
de sua inquietação com o que está se deparando, neste instante de curiosidade.
São situações em que se está desprotegido, sem os preconceitos aflorados,
apenas estranhando, buscando identificar em seu repertório interno, emocional,
afetivo, as referências, lembranças, algo que possa “explicar” o que se vê ou
ouve.

O contemporâneo trabalha com essa permanente dispersão e florescimento de


questões, com preocupações de diversas ordens, relacionadas ao seu tempo e,
igualmente plurais. À quem dizem respeito? Como podem se tornar mais
interessantes? Aonde devem estar?

Como o trabalho de mediação pode ser um instrumento de encaminhamento


dessas questões a partir da inquietação de quem vê? Como estimular essa
inquietação a ponto de vê-la aflorar em possíveis relações com a obra em

155
questão? Como, em algumas vezes, pode ela - a mediação - tornar-se a própria
obra?

Palavras-chave: arte; arte contemporânea; mediação;

Referências:
RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado/Jacques Rancière - São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2012, p.17.

156
Práticas estético-políticas
Ítala Isis
Coordenadora do Grupo de Trabalho

Embora guarde toda a responsabilidade de um lugar do qual se espera a ordem


sobre um evento que está para acontecer, coordenar um grupo de trabalho é,
de fato, uma posição privilegiada. Nos três dias de encontro do Seminário
Modos de Fazer, fui uma ouvinte das doze comunicações apresentadas no
Grupo Práticas Estético-políticas, um termo com o qual ando as voltas desde
2014. Em troca, fui contemplada com diferentes perspectivas de reflexão e
prática, tendo por intersecção a hashtag que deu nome ao grupo.

Em comum entre elas, as conexões entre o estético e o político. Algo muito


antigo, se considerarmos, desde os gregos, a vocação estética da política. Ao
mesmo tempo, uma urgência para nossos tempos, cada vez mais marcados pela
banalização do mal. Ser ou não ser arte já não parece mais a questão.

As possibilidades políticas na composição de uma imagem; a ironia e as mídias


de bolso como via de estranhamento do cotidiano; o corpo feminino no espaço
público; as instituições de arte, suas contradições, brechas e embates com o
poder público na atualidade; os lugares indeterminados das artes numa cidade
vigiada; a convivência como experiência de arte; as memórias das insurgências
nas ruas em 2013; tornar-se mídia; a festa como política, afeto e
empoderamento; o gesto como poesia e política. Posso dizer que essas sejam
algumas das linhas de conversas que tecemos nesse curto espaço de tempo.

E o que mais? Agir. Em tempos de ódio à produção de conhecimento, arte,


cultura, vida, no que a vida possa ter de mais diverso, é preciso agir. A ação
central aqui é o próprio encontro, abrindo perguntas, dúvidas, outras
perspectivas para nossos olhos acostumados. Que venham outros.

157
Populares assembleias
Trabalho Prático

Carlos Contente
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Pureza contra a FIFA. 2014. Foto: Carlos Contente

158
Populares assembleias

Trinta e tantas fotos inéditas projetadas na parede do espaço expositivo


compreendendo o período ao redor de 2013 em um registro afetivo de ações
político estéticas pensadas e disparadas a partir dos espaços das assembleias
populares de rua no Rio de Janeiro: ponto de encontro de ativistas, militantes e
demais interessados nos protestos contra as remoções forçadas e os tremendos
gastos desnecessários para a construção de estádios “padrão FIFA”, ou para a
realização das Olimpíadas. As assembleias populares são mormente ativadas
por movimentos autonomistas, bastante inspiradas nas ideias anarquistas,
praticam a horizontalidade e visam a democracia direta; em geral resistem à
captura por organizações de estrutura vertical e/ ou partidária; pipocaram pelo
Rio de Janeiro a partir de 2013 com a Assembleia Popular da Cinelândia,
Assembleia do Largo (de São Francisco), Assembleia Popular do Largo do
Machado, Assembleia Popular da Tijuca e Assembleia Popular do Grande Méier.
Nesta cidade encontram raízes no movimento Ocupa Rio, de 2011, eclodiram
em 2013 e com o tempo houve certa dispersão, porém alguns destes âmbitos
persistem existindo. A pesquisa do artista, além de motivada por conexão
afetiva com o tema, encontra articulação com o texto do pesquisador da UFMG
Lucas Parreira Álvares, Mapeamento das Assembleias Populares do Brasil no ano
de 2013 a partir da perspectiva de ‘’Infiltrações Modernas’’. As fotos buscam o
lado mais humorado e debochado dos ativistas, como por exemplo na imagem
de um ato em 2014 contra a implementação da prova conhecida como SAERJ,
no Colégio Central do Brasil, no Méier, um manifestante vestido com a roupa
da personagem Pureza, criada pelo cartunista Carlos “D” Medeiros, salta em
cima de um ônibus convocando estudantes a uma hilária agitação tão necessária
quanto non sense; As imagens serão projetadas na parede, em looping.
Algumas delas conterão pequenas legendas com referência aos bairros e
assembleias populares às quais se referem, ou poderão ter interferência de
desenho; a ideia deste trabalho é contagiar o público a persistir nas formas de
organização autônomas, ágeis, leves e temporárias; assim como valorizar a força
dos afetos alegres na tão necessária e urgente resistência ao fascismo e
obscurantismo.

Palavras-chave: assembleias populares; ações estético políticas; organização


popular.

159
Referências:
ÁLVARES, Lucas Parreira . Mapeamentos das Assembleias Populares do Brasil
no ano de 2013 a partir da perspectiva de "Infiltrações Modernas". In:
Andityas Soares de Moura Costa Matos. (Org.). Copa do Mundo e Estado de
Exceção: desvio autoritário e resistências populares na pátria das chuteiras.
1ed.Belo Horizonte: Initia Via, 2016, v. 1, p. 109-122.
MEDEIROS, Carlos D. Pureza é amor. Disponível em <
https://www.facebook.com/pg/Purezaeamor/about/ > acesso em 04/10/2019

160
Qual semântica da liberdade?
Trabalho Prático
Catarina Araujo Costa de Brito
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

A semântica está dividida em descritiva/sincrônica, que estuda o sentido das


palavras na contemporaneidade e histórica/diacrônica, dedicada às mudanças
ocorridas no significado das palavras em determinado espaço temporal.

Pássaros são signos gastos na história da arte como representação conotativa


de liberdade. Neste trabalho são apresentados três delicados pássaros
brasileiros, dois em processo de extinção (Saíra-Militar e Udu-de-coroa-azul-do-
nordeste) que acompanham três frases proferidas pelo presidente da república
Jair Bolsonaro em alguns de seus discursos. As sentenças foram apanhadas por
uma pesquisa nos jornais e escritas da mesma maneira que foram pronunciadas
pelo suposto representante do país. Nestas três declarações é evidente a
questão semântica da palavra liberdade. Como se gasolina e fósforo fossem
riscados para carbonizar o seu valor.

Cada pássaro escolhido tem em seu nome um diálogo simbólico com o contexto
das afirmações.

Tiê-sangue - ‘’E mais um milagre aconteceu. Nos afastamos de uma ideologia


de esquerda, cujo ato final era roubar a nossa liberdade. ‘’

Saíra-militar -‘’ E isso, democracia e liberdade só existe quando a sua respectiva


Forças Armadas assim o quer’’(sic)

Udu-de-coroa-azul-do-nordeste - "plena liberdade da atividade econômica no


país’’

Diante deste cenário inflamado dois modus operandi acontecem: a ultra-


política, com seu formato militar e sua pulsão de morte direcionada na criação
de um inimigo comum e a pós-política, um fenômeno de má fé que se apropria
do momento de crise das representações ideológicas para propor um ideal
perverso de liberdade individualista com programas liberais, no entanto,
tecnocratas e empresários disfarçam seus posicionamentos que nada tem de

161
neutros em nome de uma gestão ‘’eficiente’’. O fogaréu é uma realidade e a
semântica da liberdade está nas mesmas chamas que a fauna e a flora.

A performance acontece com a queima desses pássaros, usando um fio de cobre


para pendura-los no teto. O fogo destruíra essas imagens e simultaneamente as
considerações do interlocutor. Formulando uma relação ambígua, enquanto
satisfaz uma vontade da artista de apagar a semântica do absurdo, mas,
infelizmente, também evidencia para si e para o público a liberdade transmutada
em cinzas, uma metáfora para com a nossa democracia. 2019 – Nos
atravessamentos políticos da contemporaneidade, resta as indagações: O fogo
arde, mas, será que poderemos ter a autonomia para riscar o fósforo e atear na
distopia? Ou seremos tão somente vítimas? O que sobreviverá a esta queima?
Qual é a semântica da liberdade? Como esta palavra resiste?

Palavras-chave: liberdade, democracia, semântica, ultra-política, pós-política

Referências
Disponível em: <https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-
planalto/discursos/2019/discurso-do-presidente-da-republica-jair-bolsonaro-
no-encontro-com-comunidade-brasileira-de-raanana-tel-aviv-israel>
Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-
janeiro/noticia/2019/03/07/democracia-e-liberdade-so-existem-se-as-forcas-
armadas-quiserem-diz-bolsonaro-a-militares-no-rj.ghtml>
Disponível em:https://www.camara.leg.br/noticias/556622-mp-restringe-papel-
do-estado-no-controle-na-fiscalizacao-da-atividade-economica/

162
Di(stopi)ário
Trabalho Teórico

Cecília Magalhães Clemente


Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Ano 1 da era Bozo. Seja empreendedor de si mesmo! Venda-se! Future-se!


Foda-se! Ser youtuber é o que temos pra hoje. Nesse cenário desolador, onde
é impossível discernir realidade e ficção, Baderna filma-se com a câmera do
celular e registra seu cotidiano na cidade calamitosa do Rio de Janeiro. Seu
rosto: uma identidade rackeada, uma máscara que esconde e revela. Tudo é real
e surreal a cada 20 segundos. Fúria, indignação, alegria, tristeza, solidão,
esperança e resistência. É tudo ao mesmo tempo agora.

Palavras-chave: Distopia, diário, distorção.

163
Delito-delírio em desobediências performativas
Trabalho Teórico

Cecília Magalhães Clemente


Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Enquanto vivemos os efeitos em continuidade de um golpe de Estado recente


no Brasil, testemunhamos, nos últimos anos, uma proliferação de coletivos
artísticos e ativistas nas grandes cidades. Estes coletivos, muitas vezes criados
nas periferias, vêm encontrando maneiras próprias de responder às pressões e
exigências impostas pelo neoliberalismo, bem como às tendências fascistas que
crescem nas sociedades do mundo todo. Este texto aborda o delito, o crime e
a ilegalidade como estratégia de produção de visibilidade e de discurso a partir
de um tensionamento das forças de poder que não cessam em tentar
criminalizar a arte e a política.

“Governos totalitários se combatem com formas artísticas difíceis de serem


reconhecidas”, defende a performer e ativista cubana Tania Bruguera.
Poderíamos fazer o exercício de reescrever essa forte afirmação substituindo a
palavra governos por outras, tais como sociedades, comunidades, organizações,
ambientes, relações; e a palavra totalitários, por autoritários, censores,
conservadores, anti-democráticos, repressores, violentos, racistas,
homofóbicos, xenófobos, entre outras. De que maneira estamos respondendo
a esse estado de coisas no campo da política e das artes? Que formas artísticas
são essas que, justamente por não serem facilmente reconhecíveis, teriam
condições de combater governos totalitários ou autoritarismos de toda ordem?
De que maneira esse combate tem se apresentando aos nossos olhos e como
temos reagido? Quando e como optamos por engajar nossos corpos nesse
combate?

Enquanto a arte exposta nos museus e galerias tem sofrido com a censura
explícita de órgãos reguladores – até mesmo por pressão popular das camadas
mais retrógradas da sociedade – as ações realizadas em espaços não
convencionais, têm conseguido, muitas vezes, escapar às perseguições, não
sem provocar discussões, adesões, tentativas de proibição ou mesmo
retaliações. Nesse sentido, essas intervenções movimentam a cena da cidade,
tornando-a viva, produzindo questionamentos que incitam um posicionamento
164
do “público” compreendido como ativo, responsivo, capaz de reagir, dialogar
e se posicionar diante de uma proposição que interrompe seu caminho
cotidiano.

Enquanto o poder tenta de toda forma incriminar e despotencializar as


produções artísticas, proliferam, por outro lado, ações que, não sendo
facilmente enquadradas como “arte”, desafiam essas mesmas forças de poder.
O que vemos como resposta, portanto, é a criação de um curto-circuito nesse
terreno da legalidade.

A produção de “delitos” pode ser compreendida como uma estratégia que,


fatalmente, convoca o poder repressor. Este, ao atuar, acaba gerando
visibilidade e contribuindo para a publicização de um debate sobre arte e
política na cidade. O que faz de um ato um crime, uma infração, um delito?
Quem pode atestar isso, quando a lei está sequestrada pelo poder? “Somos
todos terroristas” é uma afirmação, um grito, um posicionamento adotado
frente à tentativa de enquadrar, como terroristas, pessoas que participam de
manifestações políticas nas ruas. Se a luta por direitos e liberdade de expressão
pode ser qualificada de terrorismo, então, somos todos terroristas.

Ações performativas tensionam o cenário urbano ao produzirem delitos como


estratégia, desobediência como performance e delírios como meio de criar e
habitar mundos.

Palavras-chave: Performance; cidade; política; desobediência;

165
Destruindo gentes e coisas: quando a crise não é exceção
Trabalho Teórico

Daniele Machado
Universidade do Estado do Rio de Janeirol

Resumo

Há pouco mais de 20 anos foi lançado nos cinemas a história de amor que
rompeu classes sociais. O romance de Rose Dawson e Jack é até hoje uma das
maiores bilheterias mundiais, tendo como pano de fundo o naufrágio do Titanic.
Os recursos de efeitos especiais de 1997 parecem ridículos hoje e deflagram a
ficção que se torna menos envolvente. Porém, entre toda as cenas, uma pelo
menos foi bem real: o navio afundou. Chegando perto do fim do filme temos a
cena daquela grande máquina inabalável, depósito de sonhos e expectativas,
afundando de pé, lentamente. A história real ocorreu três anos antes da primeira
guerra mundial, momento em que as disputas entre humanidade europeia e
natureza assumem um novo estágio: a primeira seria, cada vez mais, tão capaz
de destruir os povos quanto a segunda. Paralelamente, antropólogos faziam a
corrida impossível atrás de salvar tudo que poderia ser perdido pela
incapacidade selvagem de preservar. Alguns dos povos primitivos como os
Batamariba na África ou os Kaxinawa na América Latina praticavam efetivamente
a destruição, mais que o inocente abandono. Graças a UNESCO, aos museus e
às universidades, eles foram salvos e suas memórias, práticas, tradições e
objetos devidamente preservados. No Brasil, as destruições de grande escala
ocorrem com certa frequência como os incêndios do Museu de Arte Moderna
do Rio de Janeiro, o da Língua Portuguesa, o Nacional. Nenhum destes com
mortes. Por outro lado temos as remoções para as obras dos mega eventos no
Rio de Janeiro, o incêndio da ocupação Prestes Maia, o rompimento da
Barragem de Brumadinho e o incêndio da Amazônia. Parece que a distopia e a
descrença se tornaram o espírito geral: estamos aprisionados no presente, sem
expectativas sobre o futuro. Entre destruir gentes e coisas, talvez o futuro
selvagem seja mais ético. Este artigo pretende discorrer acerca das destruições
sobre coisas e gentes, sobre perspectivas de futuro, quando e onde a crise não
é exceção, mas um estágio permanente há mais de 500 anos.

Palavras-chave: destruição; incêndio; trauma;

166
Groove party: celebrando mundos nossos
Trabalho Teórico

Luciana Monnerat
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Luisa Marinho
New York University

Resumo

No final dos anos 2000, praticantes de Danças Urbanas sentiam a carência de


festas onde poderiam ter um espaço seguro de protagonismo, treino e interação
entre si e, não seriam apenas “animadoras(es)” de festas “de Hip Hop” da Zona
Sul. Era comum produtores desses eventos convidarem dançarinas(os) como um
incentivo sutil para que os performers assumissem uma posição decorativa,
como entretenimento de um outro dominante. Este tipo de experiência - que se
encontra com a definição do “burden of liveness” descrito pelo professor José
Esteban Muñoz - fez com que a Groove Party, fosse pensada como mais do que
uma festa; um verdadeiro espaço de acolhimento para as “subjetividades
minoritárias.” (Muñoz, 1999,87). No final de 2009, se inicia a articulação coletiva
que criou um ponto de encontro utópico para aqueles que estão vivos e em
movimento. A Groove promove a troca de conhecimentos entre os profissionais
e entusiastas das práticas de Breaking, Popping, Locking, Hip Hop Dance, House
Dance, Voguing, Waacking, Dancehall e outros, de forma constante, incompleta,
afetiva e sofisticada. As diferenças unidas em celebração se encontram no fundo
comum da herança Afro-diaspórica, se aproximando da descrição que Grada
Kilomba traça sobre os processos de identificação nos quais, a pessoa negra,
“em vez de se identificar com a/o ‘outra/o’ branca/o, desenvolve-se uma
identificação positiva com sua própria negritude, o que por sua vez, leva a um
sentimento de segurança interior e de autorreconhecimento”, (KILOMBA,2019,
p.237) e essa identificação ocorre não apenas em relação à “raça”, mas às
normas de gênero e sexualidade. A festa é, portanto, um lugar além da
sociabilidade, onde pesquisadores das Danças Urbanas encontram seus pares,
trocam experiências e conhecimentos exercitando formas de estar no mundo,
em um lugar que permite e encoraja o encontro de uma multiplicidade de
técnicas, pedagogias e desejos. Em um momento que a cultura na cidade e no
167
país está sendo violentamente sucateada e atacada pela brutalidade do aparato
Estatal, nos voltamos para os registros produzidos pelo/por/para/ a Groove
Party. Na crise, encontramos no diálogo do espaço acadêmico das artes a
possibilidade de colocar a performatividade da Groove Party para se manifestar
no campo discursivo, em uma escrita colaborativa e afetiva que olha para os
fragmentos de memória do evento. Este arquivo se materializa na forma de
intervenções nas redes sociais, flyers, vídeos, fotos, depoimento de
frequentadoras(es), clipping, etc. para entender os desdobramentos teóricos
que esta mobilização social provoca no cosmo das Danças Urbanas. Na região
central do Rio de Janeiro, onde performances minoritárias são historicamente
perseguidas, a Groove Party resiste, criando uma poética imaginativa através do
engajamento político e da valorização das ações da coletividade.

Palavras-chave: festa; hip hop; decolonialidade; performatividade negra;

Referências
KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: Episódios de Racismo Cotidiano.
Tradução. Jess Oliveira Edição 1, Rio de Janeiro, Cobogó, ano 2019, p 237.
MUÑOZ, José Esteban. Disidentifications: Queers of Color and Performance of
Politics. Edition 1, Mineápolis, 1999, p 87.

168
Metamorfose: estágios de uma revolução
Trabalho Prático

Luisa Melo Guerrero


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Julia Queiroz
Universidade Federal de Juiz de Fora

Resumo

Como fotógrafa há alguns anos, tenho navegado por alguns estilos fotográficos
e descobri me agradar muito a fotografia editorial. Assim, juntei uma pequena
equipe em Miguel Pereira, pequena cidade no interior do Rio de Janeiro, para
realizar um ensaio em forma de editorial. A princípio, não havia um conceito
muito bem definido, apenas ideias de que seria algo rústico com a paleta de
cores em tons de marrom, bege e verde escuro, e o figurino, por Bianca Lopes,
contando com peças como sobretudo, blazer, blusas de manga comprida, gola
alta, calças de alfaiataria, cachecol etc. Com a ajuda essencial de minha amiga,
Julia Queiroz, que trouxe para o projeto ideias de elementos marcantes como o
coquetel molotov, criamos o conceito: seria sobre uma revolução.

Assim, sem exatamente perceber, conseguimos criar uma narrativa didática


sobre os estágios de uma revolução (e fica implícita qual revolução seria essa),
de forma que também vem a dialogar com o momento em que estamos vivendo
no país. A narrativa consiste em cinco etapas, sendo elas: 1- Inércia (onde as
poses dialogam com a falta de perspectiva e ausência da maturidade
intelectual), 2- Conhecimento (nessa fase, a modelo lê um livro de capa
vermelha, que é um símbolo metafórico para obtenção de conhecimento, que
sabemos não vir apenas de livros), 3- Consciência (da própria existência, ou seja,
a “personagem” começa a entrar num processo de autoconhecimento e
percepção do espaço em que vive), 4- Reflexão (onde a cor vermelha dentro do
crânio dialoga com a cor do livro da etapa n° 2, representando a absorção
daquele conhecimento) e 5- A Revolução (onde vemos, finalmente, a
“personagem” completamente transformada, agora completamente consciente
e com desejo de revolucionar).

169
O projeto foi idealizado, realizado e finalizado em julho de 2019, contando com
a participação de Jade Deister como modelo, Julia Queiroz na coautoria e
direção de arte e Bianca Lopes no figurino e maquiagem.

Palavras-chave: Ações estético-políticas; Subjetividades; Processos;

170
Paisagens em sombras: cartografias das Corpas Paradoxais
Trabalho Teórico

Marcela de Macedo Cavallini


Universidade Federal Fluminense

Resumo

Uma cidade existe entre sombras. Essas sombras não são áreas sombreadas
debaixo das árvores ou de um guarda-sol; essas sombras são onde vivem os
fantasmas. Pouco se fala dos fantasmas de uma cidade porque não têm a mesma
funcionalidade de um homem na execução de suas tarefas diárias. Os fantasmas
são rugas no tempo, marcas de sangue, feridas que não cicatrizaram, portas
abertas que batem produzindo o arrombo do espaço privado, das histórias não
contadas, das certezas quando se quer enfrentá-las. Mas os fantasmas não são
além-homem. É com eles que temos a oportunidade de nos (des)humanizar.
Georges Didi-Huberman (2013) afirma que a história das imagens é uma história
de fantasmas para adultos. A que imagens se refere? As que produzem lacunas,
delitos na razão, a oportunidade do sensível mover e aqui a oportunidade de
fazer os fantasmas falarem, tomarem corpo e formarem paisagens quando
encontra com outras corpas, suas histórias e devires intensivos por entre
traçados desconhecidos. Se a cidade marca ao mesmo em que é marcada, o
cotidiano produz certas lógicas de convivência que tendem a reforçar aspectos
da vida, identidades e percursos. Em Rio Ostras, ao norte Fluminense, narrativas
e mapas de violência contra mulheres fazem questionar onde estão situadas as
formas de violência, quem são os desconhecidos autores de tais atos, o
desconhecido da rua, a percepção do medo que se transforma em quase
“certa” alguma ocorrência no cotidiano urbano. Tal cidade, que ganhou o título
de capital do estupro, convive com a imagem de uma paisagem pictoresca e
hospitaleira onde paira tranquilidade e beleza. Através de cartografias de um
corpo-testemunho, fotografo, performo e bordo encontros que acontecem com
outras pela rua, até o ponto de (des)refazer mapas, histórias e trajetos, na
tentativa de desterritorializar violências duramente impostas à vida e me
transformando, quem sabe, num ponto fora do mapa para que outras corpas se
conectem, através de novas territorializações, presenças estético-políticas na e
com a cidade.

171
Palavras-chave: cidade; fantasmas; mulheres; corpo-testemunho;
desterritorializar.

Referências
DIDI-HUBERMAN, G. A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos
fantasmas segundo Aby Warburg. Tradução de Vera Ribeiro, Rio de Janeiro:
Contraponto, 2013.

172
A vocação das artes na formação de uma gramática de como se vê e processa
a tipologia do mundo
Trabalho Teórico

Paula Borghi
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

Compreendendo a relevância dos estudos decoloniais ao que se refere o


pensamento contemporâneo nas artes, até que ponto a ideia de classificação
ainda hoje pode ser compreendida como um dado relevante? Porquê a
necessidade de criar novos dispositivos de identificação? Como pensar as
categorias para além de um campo colonizado e estanque? Como relacionar a
formação das categorias que emergem ao encontro das criações artísticas? Não
seria da vocação da arte a criação de novos conceitos? Mas também não seria
sua vocação a negação daquilo que é taxativo?

Em um primeiro momento pode soar contraditório insistir na criação das


categorias dentro de uma perspectiva decolonial, uma vez que a
“colonialidade” é constituída pela modernidade e essa, por sua vez, do mundo
no que tange a civilização ocidental do homem. Modernidade civilizatória que
até os dias de hoje utiliza a noção de categoria como ferramenta para a
estruturação do controle da economia, da política, das relações sociais e da
subjetividade humana.

As categorias são artifícios que podem dar a ilusão de definir de uma vez por
todas os conteúdos e as direções que esses devem tomar. Por isso refletir sobre
os nomes das classificações e também renomear regularmente os termos de
nossa língua de trabalho parece ser necessário, para que não se fique preso a
conceitos impostos ou que não fazem mais sentido.

A construção de outras classificações por aquelxs que ficaram excluídxs ou


subjulgadxs a elas é uma pauta universal de extrema importância, uma vez que
para “desprender-se” das categorias, antes de mais nada, é preciso
descolonizá-las. O verdadeiro problema não é categorizar, mas categorizar para
descategorizar.

173
Neste sentido, é possível perceber a contribuição da produção artística na
formação de categorias concomitantemente à atualização do pensamento
vigente, assim como observar as categorias cujas formações estão
intrinsicamente relacionadas as imagens. A criação das categorias não só
permite a identificação e afirmação de conceitos decoloniais, como também a
reinvenção e descolonização dos termos. Trata-se de não deixar-se aprisionar
por definições estanques e criar constantemente outras formas de classificação.

Palavras-chave: decolonial; categorias; arte contemporânea;

Referências:
MIGNOLO, Walter. COLONIALIDADE: O lado mais escuro da modernidade.
Tradução Marco Oliveira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v.
32, n. 94, p. 1-18, 2017.

174
Coletivos e crítica institucional na exposição zona de poesia árida
Trabalho Teórico

Pedro Caetano Eboli Nogueira


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Resumo

A presente comunicação se destina a compreender alguns impasses ocorridos


no âmbito das discussões que acompanharam a exposição Zona de Poesia
Árida, exibida em 2015 no Museu de Arte do Rio. Com curadoria de Túlio
Tavares e Daniel Lima, a mostra misturava ações perpetradas por coletivos
artísticos e coletivos de ativismo, exibidas em formatos fotográficos,
audiovisuais ou a partir de seus rastros materiais. Estes suportes, largamente
usados para documentar e expor trabalhos de natureza efêmera, seriam
incorporados à coleção do museu, o que geraria uma série de polêmicas. A
incorporação de peças que não haviam sido concebidas originalmente como
trabalhos de arte já é, de saída, problemática. Muitos dos coletivos expostos
eram críticos às instituições e acreditavam que a mostra teria esterilizado o teor
político original das ações, acusando o próprio museu de ser conivente com os
múltiplos processos de gentrificação e apagamento que coadunaram sua
construção. Observando vídeos das discussões da época, realizadas no próprio
museu, explicitamos que modo os coletivos estão filiados a uma vertente da
chamada crítica institucional. Assim, discutimos uma série de impasses,
contradições e relações de fricção que a transposição de ativismos políticos
estabelece com os espaços da arte. Explicitamos de que maneira a própria ideia
de crítica institucional está imbricada ao processo denominado por Lucy Lippard
de “desmaterialização da arte”, que por sua vez constitui uma das condições de
possibilidade para a exposição das referidas formas de ativismo como trabalhos
de arte. Tencionamos questionar alguns dos discursos que compreendem a
política como ação no mundo real, anulada quando transposta para os espaços
institucionais de museus. Estas retóricas criticam a assepsia das instituições, mas
pressupõem que haja uma espécie de pureza e eficácia política no instante da
ação que se perde quando ela é registrada e posteriormente transposta para o
espaço do museu. Tomamos por base o pensamento de Jacques Rancière, em
sua compreensão de que a política não possui local privilegiado ou próprio. O
autor também traça toda uma genealogia do surgimento dos museus e sublinha
seu papel crucial no advento das íntimas imbricações entre arte e política,
175
subjacentes ao regime de identificação da arte que o filósofo denomina como
estético. Se é verdade que, ao transpor o registro de uma ação política das ruas
para o espaço da galeria, haja uma perda em seu teor combativo original, por
outro lado este deslocamento evidencia uma outra forma política, aquela do
dissenso. Do contrário, compreendo que as ações retêm uma potência poética,
justamente aquilo que torna possível transpô-las para os espaços da arte.

Palavras-chave: coletivos; crítica institucional; artivismo; arte e política;

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A arte relacional e seus espaços de ação para a criação de experiências na
contemporaneidade
Trabalho Teórico

Thatiana Napolitano
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

Diante dos sintomas de uma sociedade contemporânea, tornou-se


gradualmente latente, desde a década de 90, a busca por salientar e até mesmo
recuperar as relações inter-humanas nas práticas artísticas. A pesquisa parte da
percepção da estética relacional, conceito do teórico francês Nicolas Bourriaud,
presente nas obras de arte contemporâneas ao coexistirem com a realidade
humana, fomentando diálogos e promovendo experimentações, assim como ao
ativar novas relações com o público nas ruas ou dentro das instituições de arte.
O objetivo da comunicação consiste em promover maior reflexão diante da arte
relacional, ao apresentar e analisar proposições artísticas que exploram o lugar
da sociabilidade, como “Ação Carioca 1”, elaborada pela artista brasileira
Eleonora Fabião em 2008, sendo parte das sete ações de seu trabalho
performático “Ações Cariocas”, realizadas na cidade do Rio de Janeiro. A artista
transforma o espaço público em local privado, íntimo, propício para o diálogo
entre pessoas, onde torna-se possível falar e ser ouvido, cria um espaço-tempo
paralelo à rua caótica do Centro da cidade carioca. Outro exemplo abordado na
pesquisa é a exibição intitulada “Untitled (Free)” do artista tailandês Rirkrit
Tiravanija, ocorrida no ano de 1992 na 303 Gallery em Nova York. Ele transforma
a galeria em um espaço mais acolhedor para que os visitantes interajam com a
arte contemporânea de maneira mais íntima e sociável, onde o artista, a arte e
público se misturam e tornam-se um só corpo artístico vivo e ativo. Como
resultado da pesquisa pretendeu-se acentuar o caráter relacional nas obras
escolhidas, seus discursos, espaços de ação, contextos e como as mesmas
refletem em si mesmas as diversas necessidades do mundo contemporâneo: a
afetividade, a conexão, a ativação das relações inter-humanas perdidas e a
consciência da própria existência humana. Uma busca incessante por
experiências transformadoras e essenciais como tentativa constante de lidar com
o contexto caótico da contemporaneidade.

Palavras-chave: Arte relacional; Experiência; Participação; Sociabilidades.


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Referências
BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. Coleção Todas as Artes, Editora
Martins, São Paulo, 2009.
BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o mundo
contemporâneo. Coleção Todas as Artes. Editora Martins, São Paulo, 2009.
FABIÃO, Eleonora. Ações Cariocas: 7 Ações para o Rio de Janeiro. Cavalo
Louco, v. 8, p. 14-18, julho, 2010. Disponível em:
<https://issuu.com/terreira.oinois/docs/cavalo_louco_08> Acesso em:
5/10/2019
FABIÃO, Eleonora. Programa Performativo: O corpo-em-experiência. Revista
do LUME, Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais – UNICAMP, São
Paulo, 2013.

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Não odeie a mídia, torne-se a mídia: ética punk, mídia tática e seus
desdobramentos nas artes visuais
Trabalho Teórico

Thiago Fernandes
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

Chamamos de mídia tática desvios aplicados aos dispositivos de comunicação


para fins não comerciais, poéticos e subversivos. Tal conceito é debatido desde
os anos 1990 no campo do ativismo e este trabalho busca localizar suas raízes
na ética punk “faça você mesmo” e no pensamento de Michel de Certeau, além
de ampliá-lo para o campo das artes visuais, evidenciando sua aplicação a
trabalhos de artistas brasileiros de diferentes gerações.

De Certeau, no livro “A Invenção do Cotidiano”, traça distinções entre tática e


estratégia, essenciais para o conceito de mídia tática. Estratégia seria “o cálculo
(ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do
momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército,
uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado” (DE CERTEAU, 1998,
p. 99), enquanto a tática, por oposição, seria “a ação calculada que é
determinada pela ausência de um próprio” (DE CERTEAU, 1998, p. 100). Ou
seja, a tática, diferentemente da estratégia, é a arte do fraco, daquele que “não
tem por lugar senão o do outro” (DE CERTEAU, 1998, p. 100). Enquanto a
estratégia possui lugar próprio, autônomo, que permite controlar, planejar e
capitalizar as vantagens adquiridas, a tática tem que jogar com o terreno que
lhe é imposto, dentro do campo de visão do inimigo, no espaço por ele
controlado, aproveitando “ocasiões”. O conhecimento da dicotomia
tática/estratégia, analisada por De Certeau, nos ajuda a nomear uma classe de
produtores conscientes do valor de inversões temporárias no fluxo de poder.
Esses agentes tornam-se criadores de espaços, canais e plataformas para tais
inversões – trabalho designado mídia tática.

A lógica “faça você mesmo” surge na década de 1960, com a difusão de


tecnologias de informação e comunicação baratas e fáceis de usar, e é
apropriada na década seguinte pela cultura punk. O punk se difere do rock’n’roll
tradicional não apenas no som, mas na maneira como as bandas dirigem seu
próprio negócio e lidam com o público, sem visar lucro, organizando shows,
179
passeatas, lançando discos, livros e fanzines. Jello Biafra, ex-vocalista da banda
de punk rock norte americana Dead Kennedys, resume a ética “faça você
mesmo” na frase “não odeie a mídia, torne-se a mídia”. Tal afirmação, que se
relaciona aos modos de produção e circulação de conteúdo adotados pelos
punks, coloca o público no lugar do produtor. A frase de Biafra dá abertura para
se pensar a criação de novas mídias ou a apropriação dos veículos existentes
para benefício próprio, relacionando-se às ideias da mídia tática. Se a mídia
hegemônica causa revolta, ela pode ser combatida ou contestada por meio de
seus próprios recursos, e é a isso que se propõem os ativistas da mídia tática.

A partir do conceito de mídia tática, propõe-se a análise de trabalhos de artistas


e coletivos brasileiros que se apropriam e subvertem os meios de comunicação
desde a década de 1970. Serão discutidas suas motivações e o impacto dessas
intervenções.

Palavras-chave: mídia tática; ética punk; arte contemporânea.

Referência
DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano, 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

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Fotos do Evento: Julia Bezerra Cruz

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Sobre os autores

Daniel S. Lopes

Artista, militante e pesquisador. Graduado em História da Arte pela


Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde também se tornou mestre em
Arte e Cultura Contemporânea. Especialista em Formação de Gestores Públicos
e Agentes Culturais pelo Ministério da Cultura. Foi organizador do Encontro
Nacional dos Estudantes de Artes | Narte em Belém (UFPA 2008), Salvador
(UFBA 2009), Ouro Preto (UFOP 2010), Natal (UFRN 2011) e Rio (UERJ 2012).
Organizador dos livros Babado, confusão y gritaria - dia a dia do 16º encontro
nacional dos estudantes de artes (Editora Razzah, 2017) e EDUCAÇÃO EM
DISPUTA (DECULT | UERJ, 2019). Faz parte do bloco de carnaval Esse Homo | A
visão dionisíaca do mundo, onde segue transbordando a eternidade dos mitos
nas ruas do centro do Rio há 7 anos. Integrante da casa de estudos urbanos.
Atualmente desenvolve sua pesquisa sobre a cultura de redes, e nos campos:
estética, mídia, imaginário social, educação e cultura visual.

Débora Moraes

Aluna de mestrado do PPGARTES/UERJ, faz parte do Centro de Referência do


Carnaval (CRC/UERJ), e estuda a relação entre arte e carnaval, com foco no
papel do carnavalesco como artista. Foi bolsista de Iniciação Científica do CNPq
com o projeto "A autoria colaborativa nas práticas artísticas contemporâneas",
e desenvolveu a monografia com o tema da autoria na visualidade das escolas
de samba. Bacharel em Produção Cultural pela Universidade Federal
Fluminense, tendo complementado sua formação tendo complementado sua
formação em Administração das Artes através na Bishop's University, Canadá.

João Paulo Racy

Rio de Janeiro, 1981. Vive e trabalha entre Rio de Janeiro e São Paulo. Artista
visual e pesquisador, graduado em fotografia e mestrando em Artes pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Participou do Programa de
Residência Artística FAAP (São Paulo, 2016) e da Residência NUVEM - Estação

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Rural de Arte e Tecnologia (Rio de Janeiro, 2016). Foi contemplado com o
prêmio Aquisição no 44º Salão de Arte de Ribeirão Preto (2019), com o prêmio
Estímulo no 15º Salão de Artes de Jataí (2016) e com o prêmio Aquisição no 42º
Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto (Santo André, 2014). Realizou as
exposições individuais “Em Torno” (Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica,
Rio de Janeiro, 201); “Devir Cidade” (Centro Cultural Justiça Federal, Rio de
Janeiro, 2017); “Impróprio” (Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica, Rio de
Janeiro, 2018) e “Montparnasse, Vingt Ans Après” (Galeria Ibeu, Rio de Janeiro,
2018), além das coletivas “São Paulo Não é Uma Cidade, Invenções do Centro”
(Sesc 24 de Maio, São Paulo, 2017); 2ª Bienal CAIXA de Novos Artistas (Caixa
Cultural, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, Brasília, 2017-2018); Abre
Alas 14 (Galeria A Gentil Carioca, Rio de Janeiro, 2018) e XI Diário
Contemporâneo de Fotografia (Belém, 2018), entre outras. Seu trabalho integra
o acervo do Museu de Arte Brasileira (São Paulo, SP), do Museu de Arte
Contemporânea de Jataí (Jataí, GO), do Museu de Arte de Ribeirão Preto, da
Coleção Joaquim Paiva (MAM-Rio, RJ) e o Património Artístico da cidade de
Santo André (Santo André, SP).

Renata de Mello

Sergipana, artista cênica e pesquisadora das relações entre corpo e espaço.


Graduada em Educação Física pela UFS, especialista em Dança pela UFBA e em
Psicomotricidade pela Pio Décimo, Mestre em Antropologia Social pela UFS e
Doutoranda em Artes pela UERJ. Aliado ao campo de pesquisa tem por
experiências intervenções estéticas em espaços urbanos e participação no
Coletivo de Intervenção Urbana Maré~Maré (Aracaju/SE), Cubos Companhia de
Dança (Aracaju/SE) e Coletivo de Dança AWA (Aracaju/SE).

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Este livro foi composto em Avenir, com miolo em papel pólen bold 90gm² e capa
em papel cartão supremo alta alvura 250gm². Tiragem de 200 exemplares.

Impresso na gráfica da Uerj em outubro de 2019

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