Paulo Caldas1
O não da estética que se seguiria com a Judson Church era também dirigido
a qualquer tentativa de instituição de modelos do movimento ou do corpo:
“Trinta e duas pessoas maravilhosas de várias idades... andando uma
atrás da outra através do ginásio da Igreja de São Pedro, em qualquer uma
de suas roupas velhas. O gordo, o magricelo, o mediano, o largado e
encurvado, o reto e alto, o de pernas arqueadas e o de joelhos para
dentro, o estranho, o elegante, o delicado, a grávida, a virginal, o tipo que
você disser, conseqüentemente toda e qualquer possibilidade de postura
encontrada no espectro postural, você e eu em todo nosso cotidiano
comum visando o esplendor postural... há uma maneira de olhar para as
coisas que as transforma em performance” (JOWITT, 1988: 324).
Donde o coreógrafo possa hoje ser comparado a um DJ, como o fez Helena
Katz (KATZ, 1998: 11), ou a um arqueólogo do agora que exibe os objetos
encontrados em suas excursões; e que a cena hoje possa ser tomada como
uma espécie de inventário ou uma arqueologia do presente, através do
corpo, de sua constituição cultural. O corpo da cena hoje, se torna, ele
mesmo, uma zona de fronteira. Reconhecemos sua hibridez – a expressão
“corpo híbrido” freqüenta nossa compreensão problemática da dança de hoje
– e seu estatuto de singular. (A identidade disto que é singular tornou-se
mesmo uma questão insistente numa cena recente.)
Quão prolífica pode ser a mera idéia de “esculpir o espaço”, expressão que
se repete em vários textos sobre o sistema Laban? Num certo sentido, não é
isso que vemos insistir nas Tecnologias da Improvisação, de William
Forsythe? Um espaço moldado em linhas atuais e virtuais que se extraem,
dobram, estendem, unem, deslocam, caem e que levam o corpo à produção
de todo um mundo de movimentos inéditos?
Então repito: “Lembro ter lido, uma vez, um trecho de um romance do escritor
Georges Perec, em que decidira não utilizar a letra "e", a mais usada na
língua francesa. Ao lado, ele havia deixado uma versão do mesmo texto sem
esta restrição e era admirável ver, comparando os textos, o caminho novo da
escrita desviada dos "e" e recorrendo a palavras que, do contrário, nunca
apareceriam”: assim se iniciava o texto de concepção do espetáculo
“Coreografismos” quando de sua estréia, em 2004.
Referências Bibliográficas: