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Instituto de Artes
Departamento de Arte Dramática
Porto Alegre
Novembro de 2017
Resumo: Nesse artigo, propõe-se a apresentação e análise do fazer artístico e da
obra de dois importantes encenadores contemporâneos, que ganharam destaque a partir do
final do século XX. Tendo como base o pensamento e conduta de trabalho de Angélica
Liddell, espanhola, e Jan Fabre, belga, pretende-se elencar e cruzar elementos de ambos
na construção de uma busca comum pelo instinto humano.
Palavras-chave: Angélica Liddell; Jan Fabre; Instinto humano; Identificação;
Grotesco; Teatro contemporâneo.
Abstract: This paper proposes the presentation and analysis of the artistic works of
two important contemporary directors, who have gained prominence since the end of the
20th century. Based on the thinking and work behavior of Angélica Liddell, Spanish, and Jan
Fabre, Belgian, it is intended to list and cross elements of both in the construction of a
common search for human instinct.
Key-words: Angélica Liddell; Jan Fabre; Human instinct; Identification; Grotesque;
Contemporary theater.
DA IDENTIFICAÇÃO AO DESCONFORTO
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ideias de como arrebatar grandes públicos, de maneiras até então pouco
exploradas:
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profundo e escondido instinto animal pulsante em cada um – por meio da
materialização do símbolo, afirmando que “a eloquência nasce da ferida”
(BRASIL, 2017). Assim, Angélica Liddell cresce no cenário teatral enquanto
dramaturga e encenadora, com suas encenações incomuns que – quase –
nada herdam da Poética Aristotélica.
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LIDDEL E FABRE: O GROTESCO COMO ESTÉTICA E O DESCONFORTO
COMO ACESSO AO INSTINTO HUMANO
1 “A performance ou performance art, expressão que poderia ser traduzida por "teatro das
artes visuais", surgiu nos anos sessenta [...] [e] chega à maturidade somente nos anos
oitenta. A performance associa, sem preconceber idéias, artes visuais, teatro, dança,
música, vídeo, poesia e cinema. [...] Enfatiza-se a efemeridade e a falta de acabamento da
produção, mais do que a obra de arte representada e acabada”. (PAVIS, 2008: p. 284)
2 “O conceito de 'mise-en-scène' define, entre outros elementos, o espaçamento de corpos
e coisas em cena. Vem do teatro, do final do século XIX/início do XX, e surge com a
progressiva valorização da figura do diretor, que passa a planejar de forma global a
colocação do drama no espaço cênico”. (RAMOS, 2012: p. 54)
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efetivas. Uma imagem brutal, por exemplo, tem o poder de resgatar
memórias, lembranças ou sentimentos muito antigos ou escondidos, não
necessariamente em direta conexão com o que é visto. Uma cena chocante
pode despertar sensações nunca antes vividas por alguém. Mesmo que
inconscientemente, todos são tocados pelo que veem, por mais que o
processo seja angustiante.
Liddell e Fabre fazem isso muito bem. Em Génesis 6, 6-7, o
espectador é constantemente colocado em situações de ansiedade e
inquietude, sem saber o que virá a seguir. O público é afetado
ininterruptamente por tudo que acontece: o nervosismo causado pela
máquina de pão, que permanece – ao que parece – eternamente ligada; as
guitarras, que são giradas como objetos de malabarismo, deixando a plateia
nervosa e agitada; a faca, que é carregada em cena para todos os lados,
gerando a grande dúvida de onde e para que ela será utilizada; e, claro, a
chocante e, ao mesmo tempo potente introdução, em que é mostrado, em
zoom, o vídeo de uma sangrenta cirurgia de circuncisão peniana,
acompanhada de uma narração grave em outra língua, que ecoa no pano de
fundo da imagem pavorosa. A repetição e o esgotamento dos elementos
causa aflição e testa os limites do público, que é verdadeiramente
confrontado durante o espetáculo. Assim, pode-se desapegar da crença de
que a identificação é a única via para se atingir o espectador.
Segundo Luiz Gonzaga do Lopes, em recente matéria veiculada no
Jornal Correio do Povo,
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de acesso ao instinto humano, o resgate dos impulsos naturais mais
primitivos, que levamos milhares de anos para aquietar.
Mount Olympus, espetáculo de Jan Fabre, também testa os limites (e
a paciência) do público: uma performance com duração de 24 horas, que
resgata o culto à tragédia grega, em que performer e espectador se afetam
mutuamente. Além da dificuldade de se manter atento por horas, a plateia
também presencia momentos de aflição e ojeriza: a atmosfera visceral,
concepções animalescas, cenas “sujas” (ou seja, com muitos elementos
cenográficos e movimentações acontecendo ao mesmo tempo). A agonia de
não saber o que esperar é levada ao limite, e “aguentar” 24 horas de
angústia não é fácil. Segundo Wallace Freitas, no espetáculo,
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Referenciais Teóricos
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HIRSZMAN, Maria. Jan Fabre, a arte de um belga fascinado pelo grotesco.
O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 ago. 2010. Disponível em:
<https://goo.gl/Zm6Q45>. Acesso em 23/11/2017.