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MÓDULO 28 Naturalismo: Aluísio Azevedo

1. Naturalismo no Brasil breviver de sua profissão de escritor e, 3. Características das obras


para isso, teve de aceitar encomendas
Caracterizando-se como um Realis- de editores, que lhe pediam romances 䊏 Obra heterogênea
mo mais extremado, o Naturalismo românticos ao gosto do público, em Alterna romances naturalistas, de
tem como elemento fundamental o completo contraste com seus ideais vigor crítico e estofo cientificista, com
determinismo cientificista, que diver- literários. Aos 38 anos abandonou a melodramas românticos, publicados
ge do determinismo sociopolítico, típi- carreira literária, ingressando na diplo- em folhetins pela imprensa e que
co do Realismo. No final do século macia. foram, durante algum tempo, o ganha-
XIX, junto ao avanço da ciência surge pão do autor.
uma nova visão de mundo, diversa da
idealização romântica: Verdade, Razão 䊏 Romance social
e Ciência são agora os ideais. Nos livros mais bem realizados,
Observação e análise são seus Aluísio Azevedo revela extraordinário
métodos. Produzir uma arte do- poder de dar vida aos agrupamentos
cumental é seu objetivo. O autor na- humanos, às habitações coletivas, on-
turalista constrói enredo, trama e de os protagonistas vão, social e
personagens com a intenção de com- moralmente, se degradando, por for-
provar certas teorias, nas quais acre- ça da opressão social e econômica e
dita, sobretudo aquelas das ciências dos impulsos irreprimíveis da sexuali-
biológicas: Evolucionismo, Genética, dade, das taras e dos vícios.
Patologia. A nova visão teórica
䊏 Visão rigorosamente
repercute na prática política de vários
determinista
autores, por meio da qual se mani-
Para o autor, o Homem e a socie-
festam as preocupações socialistas,
dade estavam submetidos às leis
atividades abolicionistas e a tendên-
inexoráveis da raça (instinto, heredi-
cia anticlerical.
tariedade), do meio (geográfico, so-
Os principais autores naturalistas Aluísio Azevedo.
cial) e do momento (circunstâncias
brasileiros foram Aluísio Azevedo,

históricas).
Júlio Ribeiro, Adolfo Caminha, Domin- Os folhetins romanescos
gos Olímpio e Inglês de Sousa. Todos Decorrem da atividade de Aluísio
䊏 Influências de Eça de Queirós e
seguiram o mestre francês Émile Zola, Azevedo como escritor profissional;
o mais importante escritor desse mo- têm escasso valor literário e represen- Émile Zola
vimento. O Naturalismo, no Brasil, tem tam meras concessões ao gosto do Utilizou a técnica do tipo, defor-
leitor da época. Escritos sem muito mando, pelo exagero, os traços, crian-
início em 1881 (assim como o Realis-
cuidado, para publicação na imprensa do verdadeiras caricaturas. Não
mo), com a publicação de O Mulato,
diária, o próprio autor reconhecia a conseguiu criar personagens que
de Aluísio Azevedo.
fragilidade desses trabalhos. pudessem transcender as condições
2. Aluísio Azevedo Essas obras são: Uma Lágrima de sociais que as geraram. As persona-
(1857-1913) Mulher, Condessa Vésper, Girândola gens são psicologicamente superfi-
de Amores, Filomena Borges e A ciais e subsistem apenas em função
䊏 Vida Mortalha de Alzira. de contextos predeterminados. Não
Filho de vice-cônsul português em há drama moral; os protagonistas são
São Luís, transfere-se para o Rio de 䊏 Os romances vistos “de fora”, e a tragédia em que
Janeiro após ter atacado a conser- realistas-naturalistas as tramas desembocam decorre ape-
vadora sociedade maranhense com a Constituem o segmento apreciá- nas do fatalismo das doutrinas deter-
publicação de O Mulato. No Rio, juntou- vel da obra de Aluísio Azevedo, ainda ministas.
se ao irmão, o famoso comediógrafo que seja um conjunto bastante hete- Não há o refinamento estilístico de
Artur Azevedo. Foi jornalista e escreveu rogêneo, sem resíduos românticos, Machado de Assis, nem a potência
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romances, contos, operetas e revistas com documentação realista, experi- verbal de Raul Pompeia, mas os diá-
teatrais. Era também bom desenhista, mentação naturalista etc. O Mulato, logos se salvam pela vivacidade, pela
hábil na arte da caricatura. Esse seu Casa de Pensão, O Coruja, O Homem, frase sempre incisiva. Há visível ten-
talento, aliás, tem relação com a força O Cortiço e O Livro de uma Sogra são dência lusitanizante, o que se explica
plástica de suas descrições. Tentou so- as obras dessa vertente. pela origem luso-maranhense do autor.

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䊏 O Mulato (1881) e determinam seu comportamento. O As corridas até a venda reproduziam-se


Obra de crítica ao preconceito cortiço e a negra Bertoleza, amásia de num verminar de formigueiro assanhado.
racial e à Igreja. O mulato Raimundo, João Romão, só lhe interessam
educado na Europa, retorna a São Luís enquanto lhe são úteis. Quando João A redução das criaturas ao nível
para conhecer suas origens. Apaixona-se Romão se casa com Zulmira, a filha do animal (zoomorfismo) é característica
por sua prima Ana Rosa, mas a família comendador, e atinge a posição social do Naturalismo e revela a influência das
lhes impede o casamento. Pretendem desejada, nem Bertoleza, que o teorias da Biologia do século XIX
fugir, mas Raimundo é perseguido e ajudara a subir na vida, nem o cortiço, (darwinismo, lamarquismo) e do
morto a mando do padre Diogo, que com o qual enriquecera, são mais determinismo (raça, meio, momento):
representa a degradação do clero. Ana necessários: o cortiço sofre um
Rosa acaba se casando com o incêndio e passa por remodelação, e ... depois de correr meia légua,
assassino, com quem viverá de modo Bertoleza, rejeitada e denunciada à puxando uma carga superior às suas
feliz. polícia (era uma escrava foragida), forças, caiu morto na rua, ao lado da car-
suicida-se. roça, estrompado como uma besta.
䊏 Casa de Pensão (1884)
Narrativa intermediária entre o Leandra... a “Machona”, portuguesa
romance de personagem (O Mulato) e o 4. Características de O Cortiço feroz, berradoura, pulsos cabeludos e
romance de espaço ou de coletividade grossos, anca de animal do campo.
(O Cortiço). Inspirado em um caso 䊏 Romance social
verídico, a Questão Capistrano, crime Desistindo de montar um enredo Rita Baiana... uma cadela no cio.
que sensibilizou o Rio de Janeiro entre em função de pessoas, [Aluísio]
1876 e 1877, expressa uma visão ateve-se à sequência de descrições 䊏 A força do sexo
determinista. Amâncio Vasconcelos, muito precisas onde cenas coletivas e O sexo é, em O Cortiço, força
personagem central, tem suas ações tipos psicologicamente primários fa- mais degradante que a ambição e a
e comportamento determinados pela zem, no conjunto, do cortiço a perso- cobiça. A supervalorização do sexo,
formação (a educação severa, a nagem mais convincente do nosso típica do determinismo biológico e do
superproteção materna, a sífilis romance naturalista. (Alfredo Bosi, Naturalismo, conduz Aluísio a buscar
contraída da ama de leite). Ele, um História Concisa da Literatura Bra- quase todas as formas de patologia
jovem e rico maranhense, chega ao sileira) sexual: desde o “acanalhamento” das
Rio de Janeiro para estudar Medicina. Todas as existências se entrela- relações matrimoniais até o adultério,
Boêmio e extravagante, hospeda-se na prostituição, lesbianismo etc.
çam e repercutem umas nas outras. O
pensão de João Coqueiro, que trama
cortiço é o núcleo gerador de tudo e,
casá-lo com sua irmã, Amélia, para
feito à imagem de seu proprietário, 䊏 A situação da mulher
apossar-se da fortuna de Amâncio.
cresce, desenvolve-se e se transforma As mulheres são reduzidas a três
Com a recusa do rapaz, Coqueiro o
com João Romão. condições: a primeira, de objeto, usa-
denuncia falsamente por violência
das e aviltadas pelo homem: Berto-
sexual contra a irmã, é derrotado na
leza e Piedade; a segunda, de objeto
justiça e, inconformado, mata 䊏 A crítica ao capitalismo e sujeito, simultaneamente: Rita
Amâncio. selvagem Baiana; a terceira, de sujeito — são as
O tema é a ambição e a explora- que independem do homem,
䊏 O Cortiço (1890) ção do homem pelo próprio homem. prostituindo-se: Léonie e Pombinha.
Ambientado no Rio de Janeiro, De um lado, João Romão, que aspira
este romance narra o nascimento, à riqueza, e Miranda, já rico, que
vida e morte de um cortiço, meio pelo aspira à nobreza. Do outro, a
qual seu dono, o português João “gentalha”, caracterizada como um
Romão, pretende enriquecer. Ao lado, conjunto de animais, movidos pelo
há um sobrado, que simboliza um instinto e pela fome:
nível social mais elevado e cujo
proprietário é também um português, E naquela terra encharcada e fu-
o comendador Miranda. Os portugue- megante, naquela umidade quente e
ses conseguem ascensão econômica lodosa, começou a minhocar, a fervilhar, a
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e social rápidas, que obtêm por meio crescer um mundo, uma coisa viva, uma
da exploração do brasileiro, repre- geração que parecia brotar espontânea, ali
Os Britadores de Pedra (1849), de Gustave
sentado coletivamente pelo povo do mesmo, daquele lameiro e multiplicar-se Courbet (1819-1877), óleo sobre tela,
cortiço. É nesse espaço social que as como larvas no esterco. coleção particular, Milão.
leis ambientais interferem no indivíduo (...)

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Texto para os testes 1 e 2. 2. (FAMERP) – É correto afirmar que o narrador do texto se assemelha a
a) um pintor atento às cores, às luzes e às sombras, dedicado a
Junto dela pôs-se a trabalhar a Leocádia, mulher de um ferreiro formalizar com inspiração as sensações que o mundo lhe imprime.
chamado Bruno, portuguesa pequena e socada, de carnes duras, b) um historiador preocupado com o caráter documental do que
com uma fama terrível de leviana entre suas vizinhas. escreve, atento à relevância histórica dos fatos narrados.
Seguia-se a Paula, uma cabocla velha, meio idiota, a quem c) um ourives, construindo um universo de personagens de maneira
respeitavam todos pelas virtudes de que só ela dispunha para equilibrada, de modo a valorizar o objeto artístico como se fosse uma
benzer erisipelas e cortar febres por meio de rezas e feitiçarias. joia.
Era extremamente feia, grossa, triste, com olhos desvairados, d) um professor em um momento de orientação moral de seus alunos,
dentes cortados à navalha, formando ponta, como dentes de cão, ensinando-lhes a se comportarem adequadamente.
cabelos lisos, escorridos e ainda retintos apesar da idade. e) um cientista em um laboratório a dissecar e classificar os diversos
Chamavam-lhe “Bruxa”. aspectos das personagens, como se fossem objetos de uma análise
Depois seguiam-se a Marciana e mais a sua filha Florinda. A científica.
primeira, mulata antiga, muito séria e asseada em exagero: a sua RESOLUÇÃO:
casa estava sempre úmida das consecutivas lavagens. Em lhe O cientificismo também é uma característica do movimento
naturalista. A descrição minuciosa dos aspectos físicos e
apanhando o mau humor punha-se logo a espanar, a varrer
comportamentais das personagens reflete a “análise científica”,
febrilmente, e, quando a raiva era grande, corria a buscar um balde aquilo que foi denominado por Émile Zola como romance de tese
de água e descarregava-o com fúria pelo chão da sala. A filha tinha ou experimental.
quinze anos, a pele de um moreno quente, beiços sensuais, Resposta: E
bonitos dentes, olhos luxuriosos de macaca. Toda ela estava a
pedir homem, mas sustentava ainda a sua virgindade e não cedia,
nem à mão de Deus Padre, aos rogos de João Romão, que a
desejava apanhar a troco de pequenas concessões na medida e
no peso das compras que Florinda fazia diariamente à venda.
(Aluísio Azevedo, O Cortiço)

1. (FAMERP) – Uma relação correta entre o trecho apresentado e o


movimento literário em que O Cortiço está inserido é:
a) A referência cuidadosa e delicada à sexualidade das personagens é
parte de um esforço, típico do Realismo, para apresentar o ser
humano em sua totalidade, sem sobrecarregar um de seus aspectos.
b) A caracterização das personagens como indivíduos únicos e isolados
da coletividade, deixando em segundo plano suas relações sociais,
é um traço típico do Naturalismo.
c) A preferência das personagens pela razão e seu desprezo pela fé, em
uma estratégia para valorizar a ciência e a objetividade e desvalorizar
a religião, são características do Realismo.
d) A valorização da vida perto da natureza, com personagens que abrem
mão dos métodos e dos objetos frutos da tecnologia para se ligarem
à tranquilidade de uma vida sem máquinas, é uma característica do
Naturalismo.
e) A descrição das características vulgares das personagens e a
frequente associação entre homens e animais, que ajudam a
estabelecer uma concepção biológica do mundo, são características
do Naturalismo.
RESOLUÇÃO:
A obra O Cortiço pertence ao Naturalismo, movimento literário em
que as personagens são degradadas pelo ambiente em que vivem.
Nessa obra e nesse excerto, há nivelamento entre o ser humano
(em suas características e comportamento) e os animais.
Resposta: E
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Texto para o teste 3.

Ana Rosa cresceu; aprendera de cor a gramática do Sotero


dos Reis; lera alguma coisa; sabia rudimentos de francês e tocava
modinhas sentimentais ao violão e ao piano. Não era estúpida;
tinha a intuição perfeita da virtude, um modo bonito, e por vezes
lamentara não ser mais instruída. Conhecia muitos trabalhos de
agulha; bordava como poucas, e dispunha de uma gargantazinha
de contralto que fazia gosto de ouvir.
Uma só palavra boiava à superfície dos seus pensamentos:
“Mulato”. E crescia, crescia, transformando-se em tenebrosa
nuvem, que escondia todo o seu passado. Ideia parasita, que
estrangulava todas as outras ideias.
— Mulato!
Esta só palavra explicava-lhe agora todos os mesquinhos
escrúpulos que a sociedade do Maranhão usara para com ele.
Explicava tudo: a frieza de certas famílias a quem visitara; (...) as
reticências dos que lhe falavam sobre os seus antepassados; a
reserva e a cautela dos que, em sua presença, discutiam
questões de raça e de sangue (...).
(AZEVEDO, A. O Mulato.
São Paulo: Ática, 1996.)

3. O texto de Aluísio Azevedo é representativo do


Naturalismo, vigente no final do século XIX. Nesse
fragmento, o narrador expressa fidelidade ao discurso
naturalista, pois
a) relaciona a posição social a padrões de comportamento e à condição
de raça.
b) apresenta os homens e as mulheres melhores do que eram no
século XIX.
c) mostra a pouca cultura feminina e a distribuição de saberes entre
homens e mulheres.
d) ilustra os diferentes modos que um indivíduo tinha de ascender
socialmente.
e) critica a educação oferecida às mulheres e os maus-tratos
dispensados aos negros.
RESOLUÇÃO:
[ENEM] O texto é representativo do Naturalismo porque aborda a
questão do determinismo do meio social e o preconceito
decorrente da visão dos que se julgam superiores pela etnia e
poder econômico. O “mulato” é visto, na sociedade retratada no
romance, sob as lentes desse viés determinista, que julga e
deprecia o indivíduo segundo sua ascendência “racial” e social
(Raimundo é filho de um português com uma mulher negra).
Resposta: A
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MÓDULO 29 Raul Pompeia


1. Raul Pompeia 䊏 O Ateneu: crônica de saudades ágil. A redução das personagens a
(Angra dos Reis-RJ, 1863 – A) O romance O Ateneu, Crônica caricaturas parece proveniente da
Rio de Janeiro, 1895) de Saudades (1888) focaliza a vida em intenção de deformar, de exagerar,
um internato, apresentando pene- como se Raul Pompeia estivesse se
trante análise social e psicológica das “vingando” de tudo e de todos:
personagens: Aristarco, o diretor (que
Os companheiros de classe eram
personifica o poder), professores,
funcionários e alunos, e a escola como cerca de vinte; uma variedade de tipos que

microcosmo da sociedade. “Vais divertia. O Gualtério, miúdo, redondo de

encontrar o mundo” é a primeira costas, cabelos revoltos, motilidade brusca

sentença do livro. e caretas de símio palhaço dos outros,

Narrado em primeira pessoa por como dizia o professor. O Nascimento, o


Sérgio, um homem que revê seu bicanca, alongado por um modelo geral de
passado e conta passagens de sua pelicano, nariz esbelto, curvo e largo como
vida de menino, o romance estrutura- uma foice; (...) o Negrão, de ventas acesas,
se por meio de “manchas de recorda- lábios inquietos, fisionomia agreste de
ção”, ou seja, de uma sucessão de cabra, canhoto e anguloso...
episódios, cujo fio condutor é a me-
mória do personagem-narrador. A – elementos impressionistas:
Raul Pompeia. evocação do passado faz que a se- evidenciam-se no trabalho da memó-
quência cronológica de fatos (o tempo ria como fio condutor. O passado é
䊏 Vida objetivo) seja entrecortada por recriado por meio de “manchas” de
Nascido em Angra dos Reis (RJ), associações e semelhanças subcons- recordação — daí a existência de um
em 1863, Raul Pompeia estudou Direito cientes (o tempo subjetivo, a duração certo esfumaçamento da realidade,
e ocupou cargos públicos. Militou no interior). Esse procedimento evidencia pois o internato é reconstituído por
movimento abolicionista e no republica- certa ruptura do romance com os meio das impressões, mais subjetivas
no e colaborou na Gazeta de Notícias, modos realista e naturalista de mera que objetivas.
de José do Patrocínio. Envolveu-se em observação objetiva da vida. A técnica impressionista que
diversas polêmicas e num duelo com B) Há uma superposição de Pompeia utiliza consiste em destacar
Olavo Bilac. Suicidou-se na noite de diversos estilos, o que torna proble- antecipadamente do objeto que
Natal de 1895, aos 32 anos. mática a vinculação de O Ateneu a descreve um ou mais traços e seu
uma determinada corrente estética. efeito no observador. Há quem, por
䊏 Obra Assim, podemos identificar: isso, rotule O Ateneu de romance
A) Prosa – elementos expressionistas: a impressionista:
– Uma Tragédia no Amazonas linguagem do livro aproxima-se da Transformara-se em anfiteatro uma

(romance) técnica expressionista, que consiste das grandes salas da frente do edifício,

– Microscópicos (contos) na deformação grotesca e mórbida do exatamente a que servia de capela;

– As Joias da Coroa (romance) paredes estucadas de suntuosos relevos,


que se descreve. Apresenta enorme
– O Ateneu (romance) e o teto aprofundado em largo medalhão,
poder para a caricatura (distorção ou
– Agonia (romance inacabado e de magistral pintura, onde uma aberta de
ênfase dos elementos dominantes de
céu azul despenhava aos cachos delicio-
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inédito) um objeto ou de uma pessoa) e


B) Poesia sos anjinhos, ostentando atrevimentos
grandes recursos de imagens visuais
róseos de carne, agitando os minúsculos
– Canções sem Metro (poemas e sonoras. A frase transmite uma forte
pés e, as mãozinhas, desatando fitas de
em prosa) carga emocional. O estilo é nervoso,
gaza no ar.

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– elementos naturalistas: decor- valer, porque me respeitava, quase tímido, Música estranha, na hora cálida. Devia
rem da concepção instintiva e como se não tivesse ânimo de ser amigo. ser Gottschalk1. Aquele esforço agonizante
animalesca das personagens, cujo Para me fitar esperava que eu tirasse dele dos sons, lentos, pungidos, angústia

comportamento é determinado pela os meus olhos. deliciosa de extremo gozo em que pode

sexualidade, condição social etc. Há ficar a vida porque fora uma conclusão
D) Raul Pompeia projeta no
triunfal. Notas graves, uma, uma; pausas de
um certo gosto “naturalista” pelas internato toda a problemática do
silêncio e treva em que o instrumento
“perversões”. É o que ocorre nas des- mundo adulto. O Ateneu é uma
sucumbe e logo um dia claro de renascença,
crições de Ângela e na tensão do redução, em escala, da visão que o
que ilumina o mundo como o momento
homossexualismo que existe nas autor tinha da sociedade como um
fantástico do relâmpago, que a escuridão
relações de Sérgio com Sanches, todo. O móvel das ações de Aristarco
novamente abate...
Bento Alves e Egbert: era o dinheiro, e os alunos eram
Há reminiscências sonoras que ficam
tratados pelo diretor conforme o
perpétuas, como um eco do passado.
Ângela tinha cerca de vinte anos; segmento social a que pertenciam
Recorda-me, às vezes, o piano, ressurge-
parecia mais velha pelo desenvolvimento seus pais.
me aquela data.
das proporções. Grande, carnuda, sanguí- Raul Pompeia não deixa ao arbítrio
Do fundo repouso caído de convales-
nea e fogosa, era um desses exemplares dos futuros intérpretes o trabalho de
cente, serenidade extenuada em que nos
excessivos do sexo que parecem decifrar o sistema de ideias que se
deixa a febre, infantilizados no
conformados expressamente para espo- poderia depreender.
enfraquecimento como a recomeçar a
sas da multidão — protestos revolu- 1.a) Fala sobre a cultura brasi-
vida, inermes contra a sensação por um
cionários contra o monopólio do tálamo. leira, em que os desejos republica-
requinte mórbido da sensibilidade — eu
nos de Pompeia se mostram,
aspirava a música como a embriaguez
Mas é um naturalismo dissidente, investigando o “pântano das almas”
dulcíssima de um perfume funesto; a
que nada tem a ver com o apriorismo da vida emocional, sob a “tirania
música envolvia-me num contágio de
ou com o esquematismo característi- mole de um tirano de sebo”.
vibração, como se houvesse nervos no
cos dessa corrente. O doutor Cláudio, 2.a) Fala sobre a arte, entendida
ar. As notas distantes cresciam-me
pré-freudianamente como “educação
conferencista que algumas vezes pon- n’alma em ressonância enorme de
do instinto sexual”, e antecipando
tifica no internato, e que exterioriza cisterna; eu sofria, como das palpitações
também Nietzsche como “expressão
algumas ideias artísticas do próprio fortes do coração quando o sentimento
dionisíaca”:
Raul Pompeia, define a arte como o exacerba-se — a sensualidade
processo subjetivo da “evolução Cruel, obscena, egoísta, imoral, in- dissolvente dos sons.
secular do instinto da espécie”. dômita, eternamente selvagem, a arte é a Lasso, sobre os lençóis, em conforto
Seria possível rastrear, em O superioridade humana acima dos preceitos ideal de túmulo, que a vontade morrera, eu
Ateneu, aproximações também com o que se combatem, acima da ciência que deixava martirizar-me o encanto. A
Parnasianismo, com o Simbolismo e, se corrige: “embriaguez como a orgia e imaginação de asas crescidas fugia solta.
até, antecipações modernistas. como o êxtase”. (...)
C) O comportamento sexual é o (Raul Pompeia, O Ateneu, cap. XII)
3.a) Fala sobre as relações entre a
traço mais valorizado na personalidade
escola e a sociedade:
dos adolescentes do internato, Vocabulário e Notas
(...) Não é o internato que faz a so-
divididos em “machos” e “fêmeas”, 1 – Gottschalk: Louis Moreau Gottschalk (1829-
ciedade; o internato a reflete. A corrupção
em dominadores e dominados. Obser- 1869), pianista e compositor nascido em Nova
que ali viceja vai de fora. (...)
ve o que diz o narrador em relação ao Orleans (EUA) e falecido no Rio de Janeiro.
(...)
seu colega Bento Alves:
A educação não faz as almas; exercita-as.
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Estimei-o femininamente, porque era (Raul Pompeia, O Ateneu, cap. XI)


grande, forte, bravo; porque me podia

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Texto para o teste 1. Texto para o teste 2.

Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me Quando meu pai entrou comigo, havia no semblante de
a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti. Aristarco uma pontinha de aborrecimento. Decepção talvez de
Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação. estatística: o número dos estudantes novos não compensando o
Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um número dos perdidos, as novas entradas não contrabalançando
sistema de nutrida réclame1, mantido por um diretor que de as despesas do fim do ano... Mas a sombra de despeito apagou-
tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o se logo, (...) e foi com uma explosão de contentamento que o
jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam diretor nos acolheu.
para recomeçar com artigos de última remessa, o Ateneu desde (Raul Pompeia, O Ateneu)
muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais; sem levar
em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o 2. (FMTM) – No trecho, os termos em destaque constituem uma
bombo vistoso dos anúncios. antítese. Esse recurso estilístico foi utilizado pelo autor para
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do a) ressaltar o fato de que Aristarco colocava as questões pedagógicas
Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu acima dos problemas financeiros do colégio.
renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas b) demarcar o caráter ambíguo e a oscilação de comportamento do
províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, diretor do colégio.
à sustância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, c) mostrar que Aristarco dava pouca importância aos problemas
sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o financeiros do colégio.
ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente d) caracterizar o temperamento desconfiado de Aristarco como diretor
anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em do colégio.
Leipzig, inundando as escolas públicas de toda parte com a sua e) demonstrar que Aristarco tinha poucos aborrecimentos à frente da
invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de instituição.
Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos RESOLUÇÃO:
esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os A antítese é manifestação da oscilação do comportamento de
não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, Aristarco, que, preocupado com questões financeiras, disfarça-o
prontamente com a chegada de Sérgio e do pai deste ao recinto.
gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a
Resposta: B
farinha daquela marca para o pão do espírito.
(POMPEIA, R. O Ateneu.
São Paulo: Scipione, 2005.)

1 – Réclame: palavra francesa do gênero feminino que deu origem à palavra


reclame, em português, e cujo significado é “anúncio publicitário”.

1. Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor,


o narrador revela um olhar sobre a inserção social do
colégio demarcada pela
a) ideologia mercantil da educação, repercutida nas vaidades pessoais.
b) interferência afetiva das famílias, determinantes no processo
educacional.
c) produção pioneira de material didático, responsável pela facilitação
do ensino.
d) ampliação do acesso à educação, com a negociação dos custos
escolares.
e) cumplicidade entre educadores e famílias, unidos pelo interesse
comum do avanço social.
RESOLUÇÃO:
[ENEM-2015] A “ideologia mercantil da educação” que repercute
na vaidade pessoal personifica-se em Aristarco, diretor do Ateneu.
Isso fica evidente no trecho “Afamado por um sistema de nutrida
réclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos
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reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de


novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com
artigos de última remessa”.
Resposta: A

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Texto para o teste 3.

Inverno! inverno! inverno!


Tristes nevoeiros, frios negrumes da longa treva boreal,
descampados de gelo cujo limite escapa-nos sempre,
desesperadamente, para lá do horizonte, perpétua solidão
inóspita, onde apenas se ouve a voz do vento que passa uivando
como uma legião de lobos, através da cidade de catedrais e
túmulos de cristal na planície, fantasmas que a miragem povoam
e animam, tudo isto: decepções, obscuridade, solidão, desespero
e a hora invisível que passa como o vento, tudo isto é o frio
inverno da vida.
Há no espírito o luto profundo daquele céu de bruma dos
lugares onde a natureza dorme por meses, à espera do sol avaro
que não vem.
(POMPEIA, R. Canções sem Metro.
Campinas: Unicamp, 2013.)

3. Reconhecido pela linguagem impressionista, Raul


Pompeia desenvolveu-a na prosa poética, em que se
observa
a) imprecisão no sentido dos vocábulos.
b) dramaticidade como elemento expressivo.
c) subjetividade em oposição à verossimilhança.
d) valorização da imagem com efeito persuasivo.
e) plasticidade verbal vinculada à cadência melódica.
RESOLUÇÃO:
[ENEM-2019] A plasticidade verbal, observada no uso de metáforas
que associam paisagem e sentimentos, vincula-se à cadência
melódica, resultante da pontuação e do uso de assonâncias e
aliterações.
Resposta: E

PORTUGUÊS

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