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DOM CASMURRO - MACHADO DE ASSIS

Contexto histórico (2ª metade do século XIX) Realismo no Brasil

Profundas transformações econômicas, políticas e sociais resultantes da segunda Revolução Industrial.

Rápido e expressivo desenvolvimento técnico e científico refletido no sistema de produção, nos meios intelectuais, na pesquisa das
ciências físicas e biológicas (em detrimento da metafísica, da religião, da fé...).

Aprofundamento das distâncias sociais (burguesia e proletariado) gerando a formação de sindicatos e o início das lutas de classes.

Principais correntes filosóficas e científicas:


Materialismo Evolucionista (Charles Darwin)
Positivismo (Auguste Comte) Determinismo (Hypolite Taine) Socialismo científico (Hegel, Kant, Engels, Marx) Pessimismo (Schopenhauer)

Contexto brasileiro:

Crises sucessivas no regime monárquico.

Revoltas generalizadas em todo o território nacional.

Guerra do Paraguai

Trocas sucessivas de Gabinetes.

Agitações militares.

Campanhas pela Abolição da escravatura. Luta de classes divididas por interesses antagônicos.

Campanha pela queda da monarquia e advento da República.

Depois da publicação de sucessivas leis, o projeto definitivo da abolição é convertido em lei - Lei Áurea, 13 de maio de 1888.

A crise da monarquia atinge seu ponto crítico. Um governo militar provisório exige a retirada da família real do Brasil - 15 de
novembro de 1889.

Caracterização do Realismo na arte:

Realidade e contemporaneidade - a vida como realmente é, feia ou bela, boa ou má, moral ou imoral.

Racionalismo e universalismo (abordagem empírica, científica e racional, à procura das grandes leis que regem o macro e o
microcosmo). O homem é mais uma peça da engrenagem universal.

Minuciosidade, detalhismo (reprodução, na arte, das experiências científicas em laboratórios). A vida é dissecada, reproduzida,
experimentada e anotada em seus pormenores, pois tudo é significativo.

Materialismo e antirreligiosidade. Apenas a realidade sensível, palpável é digna de crédito. Colocam-se em xeque as doutrinas
religiosas e a metafísica.

Crítica severa à burguesia (e seus valores falsos) e à monarquia decadente (espírito republicano), responsabilizados pelo atraso
social, lutas de classes e pelos vícios morais da sociedade.

Psicologismo (criação de personagens esféricas). Com o surgimento da psicologia e, posteriormente, da psicanálise, empreende-se
um mergulho na alma humana, revirando-a em todos os seus escaninhos. As personagens passam a apresentar contradições
psicológicas e comportamentais, a viver conflitos entre o ser e o parecer, a mostrar qualidades e defeitos (tais como ciúmes,
orgulho, ambição, uso de máscaras, falta de escrúpulos, traição), construindo uma visão pessimista e desencantada do

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homem/mundo.

Temas científicos e/ou patológicos: aparecem obras de tese tentando condicionar o homem ao determinismo científico/biológico,
exaltando, não raras vezes, suas taras e comportamentos animalescos.

Cabe ressaltar a diferença entre a obra realista e a naturalista.

A ficção realista apresenta um painel sem ilusões de sociedade decadente, analisando ou denunciando suas principais causas como
decorrência de falsos padrões morais ou ausência de educação e de valores. Permanece um certo pudor, respeito, preocupação em não
chocar demasiadamente, em manter a beleza estética.

Já a ficção naturalista despe-se desses pudores. O escritor assume uma postura de cientista que vai desnudar e expor aos olhos de seus
leitores as perversões sociais, as aberrações humanas, as taras genéticas ou sexuais, limitando geralmente esse estudo a grupos sociais
marginalizados (prostitutas, negros, homossexuais, estrangeiros ambiciosos e burgueses arrivistas).

Vida e Obra:

Machado é considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos.

1839: nasce Joaquim Maria Machado de Assis, no Rio de Janeiro, morro do Livramento. Filho de um pintor de paredes mulato e de
uma portuguesa de cultura mediana.

1849: órfão de mãe, passa a ser criado pela madrasta lavadeira e doceira, a quem ajudava vendendo doces entre o morro e as
portas de colégios onde não pôde estudar. Frequentou algum tempo a escola pública; porém, inteligente e esforçado, procurou ler
muito e instruir-se por conta própria (autodidata em espanhol, inglês, italiano e alemão) ou com o auxílio de amigos (padres e
intelectuais da época).

16 anos: emprega-se na tipografia de Paula Brito, onde fazia de tudo: revisor gráfico, caixeiro, corretor de textos, vendedor de
livros, diretor de revistas e jornais. Conhece protetores importantes, como o escritor Manuel Antônio de Almeida, entre outros.

1855: publica seu poema "Ela" no jornal Marmota Fluminense. Logo começa a escrever folhetins. Aos 19 anos já colaborava em
jornais e revistas (1858 a 1867).

1867: ingressa no funcionalismo público, onde faz carreira rápida e respeitável.

1869: casa-se com a irmã de um jornalista amigo, Carolina Xavier de Novais. Apesar de não terem filhos, viveram unidos e felizes
por 35 anos. Vai-se firmando como escritor de talento e funcionário exemplar, tornando-se aos poucos o intelectual mais famoso
do Rio de Janeiro.

1896: funda a Academia Brasileira de Letras e é eleito seu 1º presidente, depois presidente perpétuo.

1904: morte de Carolina. Refúgio na tristeza e solidão. Agravam-se seus problemas de saúde.

1908: morre a 29 de setembro, em sua casa na rua Cosme Velho.

Obra Machadiana:

Poesia:

Crisálidas (1864); Falenas (1870); Americanas (1875); Ocidentais (1901).

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Teatro:

Queda que as Mulheres Têm para os Tolos; Desencantos; Hoje Avental, Amanhã Luva; Quase Ministro; Os Deuses de Casaca; Tu, só Tu,
Puro Amor; Não Consultes Médico; Lição de Botânica.

Contos:

1ª fase: Contos Fluminenses (1870); Histórias da Meia-Noite (1873).

2ª fase: Papéis Avulsos (1882); Histórias sem data (1884); Várias Histórias (1896); Páginas Recolhidas (1899); Relíquias da Casa Velha
(1906)

Romances:

1ª fase: romântica ou imatura: Ressurreição (1872); A Mão e a Luva (1875); Helena (1876); Iaiá Garcia (1878). A estrutura narrativa ainda
é linear, mas as personagens já apresentam certa densidade psicológica e os acontecimentos são narrados sem precipitação.

2ª fase: realista ou de maturidade: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881); Quincas Borba (1891); Dom Casmurro (1899); Esaú e Jacó
(1904); Memorial de Aires (1908). Aprimora-se seu estilo, aprofunda-se sua visão de mundo, aguça-se sua penetração na alma humana.
Seus escritos apresentam as seguintes características:

Universalismo: interpretação da condição humana a partir das pessoas que conheceu no seu tempo (2º Reinado e República
Velha): o espetáculo e o espectador.

Filosofismo e psicologismo: não escrevia para moralizar nem para divertir, mas para problematizar o homem e a vida; mergulhava
nos desvãos da alma humana, à procura das causas profundas dos comportamentos aparentes (microrrealismo psicológico: busca
do mínimo e do escondido: gestos, expressões, olhares dissimulados, intenções secretas, máscaras...)

Pessimismo e nihilismo (nihil = nada): influenciado pela filosofia de Schopenhauer, Machado critica o homem, em geral figura
mesquinha e interesseira, movido pelo egoísmo e marcado pela mentira e falsidade.

Intertextualidade e paródia: Machado transcende e critica o movimento realista, com seu excesso de cientificismo e positivismo,
incorporando ou evocando ideais estéticos de outras escolas literárias, assim como técnicas narrativas e posturas artísticas de
épocas diversas, criando um estilo peculiar, único, eclético e perene. Suas principais influências provêm: da Bíblia, de Sterne, de
Jonathan Swift, Victor Hugo, Xavier de Maistre, Garrett, Luciano de Samósata, Erasmo, Shakespeare...

Metalinguagem e leitor incluso: Machado é um escritor que escreve ao mesmo tempo que se analisa. Escrevendo, conversa com o
leitor, tornando-o cúmplice de suas bisbilhotices (diálogos, reflexões, digressões) e coautor de seus romances.

Ironia e sense of humour: ao expor o absurdo da condição humana, Machado esboça um sorriso amargo diante do que vê: é um rir
para não chorar. A digressão (fuga do assunto principal) também é um recurso de que se vale frequentemente, com o mesmo
objetivo.

Emprego de arquétipos - imagens psíquicas do inconsciente coletivo: modelos de seres criados como padrão, que remontam,
geralmente, à tradição clássica e aos textos bíblicos (Édipo, Caim e Abel, Esaú e Jacó, etc).

Estilo clássico e enxuto: marcado pela elegância, correção, clareza, concisão, penetração, acabamento (nada sobra, nada falta -
reduz-se ao essencial). Parágrafos (e capítulos) curtos, dinamizados pela frase sarcástica, brincalhona (barroca), com feições de
zigue-zague.

Enredo de D. Casmurro

A história do livro começa pelo final e desenvolve-se toda em flash-back; D. Casmurro, já velho e solitário, tenta recuperar, através da

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memória, as lembranças queridas e marcantes de sua infância-adolescência: o amor por Capitu, o medo do seminário; a ligação com a
mãe viúva e com os familiares; os amigos; o casamento feliz e depois desfeito - enfim a transformação do menino puro, ingênuo, feliz
(Bento Santiago) no velho solitário, frustrado e infeliz Dom Casmurro.

Capítulos I e II

O narrador explica a origem do seu apelido e a necessidade do livro: o primeiro foi-lhe atribuído durante uma viagem de trem, por um
poeta magoado pela pouca atenção dada a seus versos (Casmurro = calado, metido consigo). O tom é irônico. O apelido pegou e virou
piada entre amigos.

Quanto ao livro, foi uma necessidade de atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a adolescência: D. Casmurro manda
reproduzir, no Engenho Novo, a casa de sua infância, na rua de Matacavalos. Porém, não consegue reencontrar-se consigo mesmo: ele é
sua grande lacuna. As esculturas clássicas, em baixo relevo, na parede, sugerem-lhe que reviva suas memórias através de um livro. Ele se
propõe à tarefa.

Capítulos III até VII

Sua lembrança mais importante data de novembro de 1857: ao entrar na sala de visitas, Bentinho ouve uma conversa comprometedora,
pois o agregado José Dias alerta D. Glória (mãe de Bento) sobre a necessidade de colocar o menino logo no seminário, antes que se
tornasse tarde demais para o cumprimento de sua promessa. Alude ao possível interesse da família de Capitu, vizinhos de casa, em casá-
la com o menino. Tio Cosme e Tia Justina dão palpites. D. Glória chora, talvez arrependida da promessa. O agregado desculpa-se. Aparece
em seguida a origem do agregado à família Santiago e um retrato físico e moral de José Dias: gostava de superlativos, vestia-se
cerimoniosamente, andava com passo calculado (um silogismo completo).

D. Glória usufruíra de uma vida conjugal extremamente feliz até a morte do marido. Viúva e moça, teimava em esconder a beleza e
tentava parecer mais velha. Convidara os dois irmãos, também viúvos, para morarem com ela e o filho na Rua de Matacavalos.

Capítulos VIII, IX e X

Retomando a tarde de novembro - a da revelação do seu amor - o narrador lembra a teoria do maestro italiano Marcolini de que a vida é
uma ópera, exposta a ele durante um jantar. Deus teria escrito o libreto da peça; Satanás levou o manuscrito para o inferno e compôs a
partitura; em seguida, pediu autorização a Deus para partilhar a autoria e montar o espetáculo. Deus não aceita, mas lhe oferece o
planeta Terra para os seus ensaios. Disso resulta que Deus é o poeta, Satanás é o maestro, e Shakespeare um mero plagiador da obra.

D. Casmurro aceita a teoria e resolve aplicá-la à sua vida passada.

Capítulo XI

D. Glória, tendo perdido o primeiro filho, prometera a Deus, caso tivesse um segundo, que o faria padre. Viúva, resolve compartilhar seu
segredo com os familiares, repartindo com eles o fardo de cumprir a promessa. Bentinho cresce ouvindo-os dizer que seria padre. Até
brinca de missa com a vizinha Capitu, e repartem o doce, que é a hóstia...

Capítulos XII até XV

Na varanda, andando de um lado para o outro, Bento toma plena consciência de seu amor por Capitu. As pernas levam-no até o quintal da
vizinha, que se assusta e tenta esconder um rabisco no muro. Tomado de emoção, o menino de 15 anos mal consegue falar diante
daquela criatura de 14 anos, mas que tem o poder de encantá-lo. Forçando a passagem, Bentinho vê os nomes de ambos escritos no
muro. Emocionados, não conseguem falar: prendem-se pelos olhos e pelas mãos.

O pai de Capitu os surpreende e, bonachão, pergunta-lhes se estão jogando o siso. Bentinho se desconcerta. Capitu recompõe-se
rapidamente, entretém o pai, e vai ter com a mãe. O menino obriga-se a ver os passarinhos de Pádua, que os cria em gaiolas para dar ou
vender.

Capítulo XVI

Pádua, o pai de Capitu, substituíra por dois anos o administrador da repartição pública onde trabalhava. Ao perder o cargo, entra em crise
e só consegue recuperar-se com o auxílio da esposa e de um dinheirinho ganho na loteria, o que lhe permitiu a compra da casa e a

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manutenção de uma pequena poupança para o futuro. Passa a viver do sabor póstumo da glória passageira.

Capítulo XVII

Trata-se de uma digressão, em que o narrador compara o texto de um oráculo pagão a um texto bíblico: Ele (Deus) fere e cura. E conclui
que os vermes roem todos os textos, sem saber o que eles contêm - esses vermes constituem-se em uma metáfora sobre a passagem do
tempo. E a aproximação das culturas antagônicas apresentam arquétipos semelhantes.

Capítulos XVIII até XX

Bento relata a Capitu a conversa da sala, e a reação da menina é explosiva: chama D. Glória de beata, carola, papa-missa! Bento assusta-
se e promete vingar-se do agregado. Mais calma, Capitu se controla e elabora um plano detalhado para Bentinho conquistar a ajuda de
José Dias, para escapar ao seminário. O narrador delineia a personalidade da menina: sua inteligência, capacidade de persuasão e
ascendência sobre o menino (Conto essas minúcias para que melhor se entenda aquela manhã da minha amiga; logo virá a a tarde, e da
manhã e da tarde se fará o primeiro dia, como no Gênesis...(p.56)

Bentinho treina a abordagem mais adequada a José Dias.

Promete mil padre-nossos e mil ave-marias para escapar da ida ao seminário. Confessa-se preguiçoso e viciado em promessas não
cumpridas...

Capítulos XXI e XXII

Prima Justina fofoca e entrega José Dias a Bentinho. Hábil, a quarentona viúva percebera o amor latente no menino. Bento percebe que
lhe forneceu o espetáculo para gozar a ressurreição das sensações antigas no prazer das sensações alheias.

Capítulos XXIII até XXX

Bentinho combina um encontro com José Dias para conversar sobre matéria grave e pura, no passeio público. O agregado começa a
elogiar Bentinho e a criticar a família do Pádua. Diz que os olhos de Capitu são assim de cigana oblíqua e dissimulada. Bento pede ajuda
para não ir ao seminário e diz que prefere estudar leis em S. Paulo.

José Dias, surpreso no início, acaba por entusiasmar-se com a ideia de acompanhar Bento à Europa, realizando seu sonho antigo: faz
planos. O ônibus para para dar passagem ao coche do Imperador enquanto Bento delira sobre uma possível intervenção do monarca para
livrá-lo da promessa da mãe.

O narrador compara a imaginação das crianças e dos namorados a de Ariosto (importante poeta renascentista - 1474 a 1533 - italiano,
autor de Orlando Furioso).

Cruzam na rua com a procissão do Santíssimo e José Dias humilha Pádua, obrigando-o a ceder seu lugar no pálio para Bentinho. Pádua
carrega a tocha, humilhado, enquanto os outros fazem isso com orgulho.

Capítulos XXXI a XXXIV

Capitu tem sede de saber. Sua curiosidade não tem limites.

Em uma manhã Bentinho vai pedir-lhe para ver seus olhos. Ficam a mirar-se. Bento tem a sensação de que são olhos de ressaca com
fluido misterioso e enérgico arrastando-o para dentro. Segura-se onde pode e pede para penteá-la. Ele trança seus cabelos, em deleite...
Ao final, ela derruba a cabeça para trás, os dois se olham... e acontece o primeiro beijo. A emoção faz os dois encostarem-se na parede,
trêmulos.

D. Fortunata aparece. Capitu recompõe-se, mas Bento não consegue. Foge para casa e, trancado no quarto, fica repetindo - Sou homem!

Capítulo XXXV

Finalmente Bento consegue chegar à sala, temendo repreensão. Encontrou clima de festa: padre Cabral fora nomeado protonotário
apostólico (tabelião de negócios eclesiásticos) e não houve aula de latim naquele dia.

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Capítulos XXXVI a XXXVIII

Bentinho consegue escapulir para a casa de Capitu para repetir o beijo.

No entanto, a retração da amiga corta os braços e as pernas de sua ideia. O narrador evoca o Cântico dos Cânticos de Salomão para
lembrar ao menino a cronologia dos gestos que ele sabia, mas não conseguia executar. Começa a forçá-la, mas ela foge dele (a alma é
cheia de mistérios). De repente o pai bate à porta: Bento desconcerta-se e Capitu aproveita sua hesitação e beija-o rapidamente (deu de
vontade o que estava a recusar à força). Em seguida, recolhe calmamente a costura, sugere ao pai que faça uma visita de cortesia ao
padre, e sai à procura da mãe, abandonando um Bentinho assustado...

Capítulos XXXIX a XLI

Capitu vai cumprimentar o padre e cola-se a D. Glória. Todos conversam sobre a vocação para o sacerdócio, e José Dias aproveita para
começar suas insinuações.

Bento toma consciência de que a imaginação (fantasia) é a grande companheira de sua existência. Pensa em contar tudo à mãe e pede-
lhe uma audiência, mas nota-lhe a firmeza de não quebrar a promessa, apesar da tristeza.

Capítulos XLII a XLIX

Na manhã seguinte, Bento e Capitu comentam os acontecimentos da véspera: ela reflete muito; ele olha o chão. Ela faz a ele duas
perguntas a que ele não consegue responder: 1) se ele tem medo; 2) quem é mais importante para ele: ela ou a mãe. Os dois brigam, à
beira do poço. Magoam-se e trocam farpas e ironias: ele seria padre, faria o casamento dela com outro, batizaria o primeiro filho...

Bento horroriza-se: imagina-a perdida; imagina o filho. Capitu procura seus olhos e ambos fazem as pazes, para alívio do menino. Tenta
retomar o assunto, ela desconversa - há mentiras que são mais piedosas que as verdades (‘a Senhora saiu’... para as visitas).

Ainda junto ao poço, resolvem fazer um juramento e chegam à fórmula definitiva: haveremos de casar um com o outro, haja o que houver.
Contente com a ideia de Capitu, Bentinho faz planos para o futuro.

Capítulo L a LIII

Bento vai para o seminário por um ou dois anos, testar a vocação. Capitu vai aproveitar sua ausência e conquistar D. Glória totalmente,
envolventemente. A despedida foi ao anoitecer, com beijos e juramentos (Ela seria sua vocação sempre).

Pádua chora ao despedir-se de Bentinho: oferece-lhe seus préstimos, a casa, pede uma recordação: um cacho dos cabelos (... empregou
em um só bilhete todas as suas economias de esperanças, e vê sair branco o maldito número - um número tão bonito). Todos se
emocionam.

Capítulos LIV a LVI

Aproveitando a deixa das memórias de seminário, o narrador faz uma digressão sobre um dos colegas de seminário, muito elogiado na
época por ter escrito um panegírico (texto de elogio) a Santa Mônica. Ao deixar a carreira eclesiástica para tornar-se funcionário público,
passa o resto da vida distribuindo exemplares de sua grande obra a amigos e conhecidos.

Essa lembrança leva a outra - a de escrever um soneto romântico para Capitu, imitando as Inspirações do Claustro, de Fagundes Varela
(era moda!) e o sofrimento do tentar preencher os 12 versos entre o 1º Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura! e o último: Perde-se a
vida, ganha-se a batalha! Trata-se de uma digressão metalinguística sobre o poder da criação artística, da harmonização entre ideia e
forma.

Das folhas do panegírico saltam outros seminaristas. Entre eles, Ezequiel de Souza Escobar, rapaz de olhos claros e fugitivos, de quem aos
poucos faz-se íntimo. Escobar entra na alma e na casa de Bentinho.

Capítulos LVII a LX

O narrador utiliza um capítulo para preparar o espírito do leitor, com quem conversa, para o capítulo seguinte, onde assiste, em
companhia de José Dias, a uma queda acidental de uma senhora, na rua. De volta ao seminário, é assombrado durante muito tempo e
sonha com pernas femininas e acaba por sublimá-las, transformando-as em encarnações de vícios contempláveis para fortalecer-lhe o

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caráter.

Filosofa sobre as possíveis lacunas de memória que existem nos livros alheios e no seu, convidando o leitor a preenchê-las.

Aliás, foi o que ele fez com o Panegiríco, onde colocou o que havia e o que não havia... afinal, para as coisas terem significado, é preciso
tê-las conhecido e padecido: sem isso, tudo é calado e incolor.

Capítulos LXI a LXIII

José Dias visita Bento e ambos fazem planos para a saída do seminário. As ideias do agregado (doença do menino, viagem de ambos à
Europa) são comparadas ao movimento da vaca de Homero, que fica girando ao redor da própria cria; e ao de Menelau, defendendo
Pátrodo com a lança e o escudo (Canto XVII da Ilíada), protegendo-o dos inimigos.

Já as ideias de Bentinho limitam-se a rodear Capitu.

O ano é 1858.

Surpreendido pelo comentário do agregado de que Capitu andava alegre à espera de pegar algum peralta da vizinhança, que case com
ela, Bento sofre sua primeira grande crise de ciúme. E o narrador faz alusão a Iago, o intrigante da peça Otelo, de Shakespeare.

Enquanto espera o sábado para visita à família, o menino sonha com Pádua, Capitu, bilhetes de loteria e carinhos interrompidos.

Capítulo LXIV

Este capítulo é uma digressão sobre a necessidade do homem de apertar os olhos e ver se continua pela noite velha o sonho truncado da
noite moça. Faz ainda alusão à Ilha dos Sonhos, descrita por Luciano de Samósata em sua História Verdadeira (autor grego do séc. II d.C.,
que muito influenciou Machado quanto ao estilo, ceticismo e sarcasmo).

Capítulo LXV a LXXI

Capitu sugere a Bentinho que finjam alegria e dissimulem seus sentimentos para enganar a família. Ele sente orgulho da esperteza da
amiga, que cativara completamente D. Glória. Enciumada, tia Justina diz a ela: Não precisa correr tanto, o que tiver de ser seu às mãos lhe
há de ir.

Nesse tempo D. Glória adoece e Capitu serve de enfermeira. Nervoso e emocionado, Bento pensa que a morte da mãe poderá livrá-lo do
seminário. Arrepende-se do malfadado pensamento (= pecado) e promete 2 mil orações como penitência, sabendo de antemão que não
cumprirá sua promessa..

Insere-se outra digressão/alusão e compara-se a Montaigne (filósofo francês, 1533-1592), propondo-se a mostrar sua essência verdadeira,
com qualidades e defeitos. Na missa do domingo Bento reconcilia-se com Deus e pede a liberação da promessa. À saída, encontra Sancha
e seu pai, Gurgel, que o levam para uma rápida visita até sua casa.

Escobar aparece para uma visita de surpresa e passa o domingo com a família Santiago, que o aprecia pela inteligência e conversa. José
Dias gaba-lhe os olhos: dulcíssimos. Capitu espreita através da veneziana.

Capítulos LXXII a LXXVII

O narrador faz uma reflexão sobre o destino do dramaturgo e alude à peça Otelo, de Shakespeare, para preparar o capítulo seguinte, onde
acontecerá outra séria de crise de ciúme de Bentinho - motivada por olhares trocados entre Capitu e um dandy (= almofadinha), que
passara a cavalo diante da janela onde os namorados conversavam.

O narrador retoma as digressões e alusões: cita Asaverus (o judeu errante), José de Alencar (cf. Senhora) e Álvares de Azevedo (Namoro
a cavalo), com sinais de ironia e sarcasmo. Mordido pelo ciúme, Bento foge para dentro de casa. José Dias nota sua perturbação, mas ele
consegue trancar-se no quarto, onde chora e remói a dor. Nem a voz alta de Capitu falando na sala consegue tirá-lo da crise: pensa em
ser mesmo padre, até em matá-la...

Finalmente Bento aceita as explicações dela, fazem as pazes e juram nunca mais deixar uma suspeita erguer-se entre ambos.

Essa dor adolescente causa prazer no narrador, por ter sido superada, mas recorda-lhe outras, que gostaria de esquecer.

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Capítulos LXXVIII a LXXX

Bento e Escobar trocam confidências: a paixão por Capitu e pelo comércio. Prometem segredo e tramam saírem juntos do seminário. A
amizade estreita-se muito. Escobar louva D. Glória e visita-a sempre. O narrador olha o retrato da mãe na parede e recupera seu caráter e
seus encantos através da memória. Revê a promessa, as lágrimas, o possível arrependimento. Interpreta a aproximação dela e de Capitu
como uma cumplicidade não confessada para conseguirem a ruptura da promessa...

Capítulos LXXXI a XCI

Bento visita a família no final de semana, e a mãe lhe diz que Capitu está na casa de Sancha, sugerindo ao filho que vá até lá. D. Justina
insinua que as amigas incentivam namoricos. Mordido de raiva e ciúme, Bento vai até lá e encontra Sancha doente e Capitu de
enfermeira. Namoram. Ao saber da sugestão de D. Glória ela comenta:- Seremos felizes.

Capitu está mulher por dentro e por fora. Bento, emocionado e tímido, é chamado por Gurgel, que lhe mostra o retrato da esposa falecida
e comenta sua impressionante semelhança física e moral com Capitu.

Ao voltar para casa, encontra o pai de Manduca, garoto leproso que acabara de falecer. Aborrece-se, mas não consegue evitar de ir ver o
cadáver - sua felicidade não combinava com a ideia da morte (logo agora? Toda hora é apropriada ao óbito; morre-se muito bem às seis
ou sete horas da tarde). Volta impressionado, refletindo sobre a morte.

Foge para casa, tentando trocar a lembrança feia pela cara fresca e lépida de Capitu. O narrador aconselha os rapazes: amai moças linda
e graciosas; elas dão remédio ao mal, aroma ao infecto, trocam a morte pela vida.

Bento lembra-se da carruagem (sege) do pai, símbolo de status do tempo de criança. Pede à mãe para alugar um carro para o enterro do
Manduca, mas o pedido é recusado e o enterro sai sem esse privilégio. O narrador lembra a polêmica que ambos travaram durante uns
três meses, sobre a guerra da Crimeia. Teria propiciado algum tempo de felicidade ao doente, o que lhe serviria de pagamento a uns dois
ou três pecados...

Capítulos XCII a XCIV

Um sonho com Capitu e a visita de Escobar consolam a melancolia de Bentinho. Trocam confidências; o amigo elogia D. Glória e, através
de perguntas, inteira-se sobre a riqueza da família Santiago.

Os amigos polemizam sobre letras e números. Para provar a superioridade dos seus cálculos sobre os problemas filosófico-linguísticos de
Bentinho, Escobar predispõe-se a somar de cabeça os aluguéis das inúmeras casas de D. Glória. Faz isso em um minuto, ganhando a
aposta e deslumbrando o amigo, que o abraça efusivamente. Um padre os repreende. Escobar propõe-lhe afastamento aparente, com o
que Bento não concorda.

Capítulos XCV a CIII

José Dias propõe a Bento irem ambos a Roma, solicitar ao papa dispensa da promessa. Ele pede tempo: quer consultar duas pessoas.

Capitu não gostou do plano, mas não tinha outro melhor. Já Escobar encontrou a solução mais prática para o problema: D. Glória passaria
a custear os estudos de um órfão vocacionado, que tomaria o lugar de Bento e cumpriria a promessa dela: entregar um padre a Deus.

Ambos saem do seminário. Aos dezessete anos, Bento tornara-se um moço lindo e bem formado - um bom partido, um rapagão.

Cinco anos depois, reaparece bacharel em Direito pela U.S.P.

Escobar, com ajuda financeira de D. Glória, firma-se no comércio, torna-se intermediário das cartas de amor de Bento e Capitu e acaba
casando-se com Sancha. A amizade estreita-se cada vez mais.

Desarrumando as malas, o agora Doutor pensa na felicidade, cada vez mais próxima. José Dias informa-lhe que todos aprovariam seu
casamento com Capitu. Cria coragem e fala com a mãe: Tu serás feliz, meu filho (profecia das fadas).

Casam-se em março de 1865 e vão para o ninho dos noivos no Alto da Tijuca - finalmente o sonho desejado, o juramento realizado.

Em sete dias Capitu aborrece-se. Bento percebe nela uma necessidade de exibir-se e contagia-se, sentindo prazer em passear com ela,
mostrando a todos sua felicidade.

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José Dias compara-os a duas aves criadas em vãos de telhados contíguos, emplumando-se e alçando voo.

Capítulos CIV e CV

Os dois casais consolidam os laços da amizade que sempre os uniu. Visitam-se frequentemente. Escobar e Sancha têm uma filhinha
(Capitu, em homenagem aos compadres). Bento e Capitu vivem pedindo um filho ao céu - e agora ele pagava as promessas
antecipadamente.

Fora isto, a vida corre plácida e tranquila. De repente, num baile, Bento começa a ter ciúmes dos braços de Capitu, e recebe todo o apoio
de Escobar. Ela passa a revesti-los de escumilha (tecido transparente que não cobre nem descobre inteiramente).

Capítulos CVI a CXII

Uma noite, Capitu distrai-se durante a conversa, o que irrita o marido. Para desculpar-se, mostra a ele o motivo de seu devaneio: dez
libras esterlinas que conseguira economizar, com o auxílio de Escobar. Ele vai agradecer ao amigo e mostra-se encantado com a surpresa.
Capitu é econômica (um anjo), diferente de Sancha.

D. Casmurro faz uma digressão, explicando por que o ciúme da distração da mulher - ciúmes intensos, porém curtos.

Fica mais amigo dos amigos. Finalmente Bento e Capitu conseguem ter um filho - menino belo e forte. O pai apaixona-se, sonha com o
seu futuro, faz planos para o casamento das crianças... e dá-lhe o nome de Ezequiel, em homenagem a Escobar...

Não tiveram mais filhos - daí os cuidados com o menino.

Ezequiel é esperto como a mãe. Cresce rápido, cheio de curiosidade e encantamentos com o mundo. Só que desenvolve uma mania: a de
imitar os outros. Bento chama a atenção de Capitu. Pensativa, ela promete emendá-lo.

Capítulos CXIII a CXVI

Apesar da vida feliz e pacata, Bento continua marido extremamente zeloso e ciumento. Raramente sai sem ela: um teatro, uma ópera. Um
dia sai do teatro e volta mais cedo, encontrando Escobar à porta do corredor. Vinha falar-lhe de negócios (embargos da justiça).

D. Casmurro interrompe a narrativa para uma digressão a respeito de empenho de palavra e de fidelidade a juramentos - faltar com a
palavra empenhada constitui ato de infidelidade.

Os embargos de Escobar não valiam nada. Tomam chá.

Bento acha o amigo estranho. Capitu dissipa-lhe as cismas. O marido comenta com ela a mudança de comportamento de D. Glória em
relação ao casal e ao neto. A esposa atribui o fato a ciúmes de sogra.

Não satisfeito, Bento questiona José Dias sobre a frieza e o afastamento gradativo da mãe, mas o agregado elogia o casamento, Capitu
brinca com Ezequiel, pedindo-lhe para imitá-lo. Chama-lhe o filho do homem, irritando Capitu, que ralha com o filho.

Capítulos CXVII a CXXVIII

Escobar e Sancha mudam-se para o Flamengo, permitindo às duas famílias verem-se diariamente. As crianças crescem juntas. Segundo
Sancha, até se pareciam... Bento diz que Ezequiel imitas as pessoas; Escobar, que a convivência torna-as semelhantes.

Uma noite, após o jantar em casa dos amigos, Bento e Sancha conversam à janela. Trocam olhares quentes e apertos de mão: há um forte
apelo erótico no clima e na despedida de ambos, o que chega a tirar o sono de Bentinho, na tentativa de achar explicação para os fatos.

Na manhã de domingo, Capitu e prima Justina vão à missa, Bento aos autos, estudar os processos. Olha a foto de Escobar, afasta os
pensamentos da véspera. É surpreendido pela notícia de que o amigo acabara de afogar-se, nadando em mar inadequado (março, 1871).
Emocionado, lembra-se, com saudade, da vida de ambos desde o seminário, e escreve um necrológio para ler ao pé do túmulo.

No momento das despedidas, Bento surpreende - e assusta-se - com o olhar de Capitu para o cadáver (fixa e apaixonadamente, como se
fosse a vaga do mar e quisesse tragar também o nadador da manhã).

Completamente perturbado, mal consegue ler o discurso: sua vontade é atirar longe o caixão. Rasga o papel. Na volta a pé para casa,

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compara sua situação à de Príamo beijando a mão de Aquiles, que lhe matara o filho Heitor. Na verdade, não há falta de poetas e
escritores- apenas as pessoas dissimulam suas dores, escondendo-as.

Demora-se no caminho, a refletir sobre a mão de Sancha e o olhar de Capitu. Acaba por atribuir ambos os episódios aos desvairos,
fantasias e ciumeiras de sempre, e volta para casa.

Detém-se alguns minutos à porta de um barbeiro, a ouvi-lo tocar a rabeca com alma e paixão. A mulher agradece a delicadeza da
atenção.

Já em casa, conversa sobre o acontecido com Capitu, prima Justina e José Dias. Capitu foi ver o filho, voltou de olhos vermelhos; abraçou o
marido e pediu-lhe se quisesse pensar nela, era preciso pensar primeiro na vida dele. Feito o inventário, Sancha muda-se para o Paraná.

Capítulos CXXIX a CXLVIII

Começava o ano de 1872. A vida corria doce e plácida, a banca de advogado rendendo bem. Um dia, Capitu chama a atenção de Bento
para a expressão esquisita dos olhos de Ezequiel, parecida com a de um amigo de Pádua e com a de Escobar. Bentinho os compara à
beleza dos da mãe.

Com o passar do tempo, no entanto, nem só os olhos, mas restantes feições, a cara, o corpo, a pessoa inteira do menino virou o retrato de
Escobar - uma carta que Bento demorou a ler, mas terminou por minar-lhe a alma e o casamento. Convencido da traição da mulher, passa
a maltratá-la. Pensando em suicidar-se e com ímpetos de matar Capitu e o filho, compra veneno.

Num sábado à noite, vai ao teatro assistir à peça Otelo. Compara o drama do mouro enciumado com o seu; e, assim como Otelo mata
Desdêmona, inocente, apenas por suspeitar de sua traição com Cássio, pensa em matar Capitu - ela, sim, culpada!

Só retorna a casa ao amanhecer. No escritório, põe veneno no café. Não consegue tomar nem leva a cabo sua ideia de envenenar o
menino, mas acusa-o de não ser seu filho e, apesar das súplicas de Capitu, resolve pôr fim ao casamento. Viajam para a Europa, onde
deixa Capitu e Ezequiel, retornando sozinho. Simula várias visitas a ambos, para manter as aparências diante da família e dos amigos.

Aos poucos, morrem todos: D. Glória (uma santa); José Dias, prima Justina, e, finalmente, Capitu (lá repousa na velha Suíça).

Anos depois, Ezequiel, já arqueólogo, surpreende Bento com sua volta inesperada. Para D. Casmurro, o encontro é difícil e complicado: o
moço é a ressurreição do amigo de seminário - o mesmo jeito, a mesma gentileza e graça, o mesmo modo de comer, a mesma cabeça
aritmética.

Quanto mais Ezequiel o ama, mais ele se sente culpado, por amá-lo e odiá-lo simultaneamente.

Depois de seis meses, o rapaz parte para uma expedição arqueológica ao Egito, onde morre de febre tifoide. Bento sente-se aliviado.
Recebe dos amigos a prestação de contas, a foto e a inscrição do túmulo de Ezequiel: Tu eras perfeito nos teus caminho - a que
acrescenta desde o dia da tua criação (Antigo Testamento - Ezequiel, 28,15).

Retorna ao início do livro, circularmente, e volta a explicar a necessidade de preencher a vida reconstruindo a casa antiga, rememorando
seu passado, cultivando amigos e amigas passageiras (pois nenhuma o fez esquecer a grande amada de seu coração).

Resta-lhe saber se a Capitu adulta da Praia da Glória estava já dentro da de Matacavalos, como a fruta dentro da casca. Atribui ao destino
o fato da primeira amiga e do maior amigo terem-se juntado para enganá-lo (A terra lhes seja leve).

Resolve preencher o tempo escrevendo algo mais suave: sua História dos Subúrbios.

Análise dos elementos constitutivos do romance

a. Enredo

Constrói-se a partir de uma pseudo-autobiografia de D. Casmurro - Bento Santiago, evocada através das impressões que lhe ficaram
gravadas na memória. A trama começa pelo fim. D. Casmurro, 55 anos, tenta atar as duas pontas da vida e reconstituir na velhice a
adolescência - e desenvolve-se em flash-back, com idas e vindas no tempo, desde os 14 anos de idade.

A reconstrução da casa constitui-se em uma metáfora de reconstituição da própria vida, assim como a escritura do livro manifesta a

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necessidade de autoanalisar-se, de tentar conhecer a verdadeira Capitu, de justificar a atitude do marido que repudia a mulher por
acreditá-la adúltera e rejeita o próprio filho. Trata-se de um mergulho profundo no eu, de uma viagem interiorizada, em busca do tempo
perdido, da vida desperdiçada.

Nesse processo, avulta a importância da função metalinguística do texto, assim como o emprego sistemático da antítese e da ironia. Tais
procedimentos advêm da escolha do foco narrativo.

b. Foco Narrativo

O que dá sabor especial ao livro e constitui-se em fonte inesgotável de debates é o fato de Machado ter criado um narrador-personagem
em 1ª pessoa, que recria o mundo, a vida e as pessoas com quem conviveu ao sabor das suas emoções e impressões gravadas na
memória - um filho obediente, submisso, 1 adolescente inseguro e fantasista, um adulto ciumento e magoado, enfim, um marido
revoltado que se considera traído e tenta justificar-se filtrando esse mundo através do pessimismo e da ironia. É através dessa visão
amargurada pelo ressentimento que conhecemos as pessoas que compartilharam de seus dramas.

c. Personagens

Bento e Capitolina

São os protagonistas da obra, e sua profundidade psicológica é delineada com grande carga dramática.

Crescem juntas, apaixonam-se, fazem planos, casam-se e separam-se - mas tratam-se de personalidades contrastantes e
complementares: são personagens esféricas (ou redondas):

Capitu (Capitolina)

Seu perfil é pincelado paulatinamente no transcorrer do livro, pois como em um romance de tese, o narrador pretende provar ao leitor que
a Capitu adulta já se encontrava na menina, como a fruta dentro da casca.

Aos 14 ele a vê como uma adolescente atraente, mãos bem cuidadas, e, apesar de pertencer a classe social inferior, detentora de vários
encantos: possui olhos claros, cabelos grossos e escuros, penteados em tranças, à maneira do tempo.

Mas é a dimensão moral de Capitu (seu comportamento) que demanda pintura e análise minuciosas. Caracterizam-na alguns aspectos
importantes:

Olhos de cigana oblíqua e dissimulada (visão de José Dias, e se pensarmos que os olhos são o espelho da alma...);

Olhos de ressaca (sensação de Bentinho, apaixonado e atraído pela força irresistível desses olhos);

Fria e calculista (acusações de prima Justina, que inveja Capitu);

Inteligência viva, sagaz; extrema capacidade de reflexão e ascendência sobre o menino (... era muito mais mulher que eu homem);
Capacidade de simular e/ou dissimular sentimentos e emoções, autocontrole diante de situações comprometedoras ou conflituosas
(o episódio do muro; do 1º beijo; da ida do menino para o seminário; do cavaleiro desfilando diante de sua janela, etc.);
Traços físicos e morais semelhantes aos da mãe de Sancha (visão do pai da amiga);
O nome: Capitolina tanto lembra Capitólio (o templo onde os romanos cultuavam seus deuses), quanto capitã, caput, cabeça...

Trata-se, pois, de personagem densa e rica, pela maneira ambígua, parcial e frequentemente contraditória com que D. Casmurro a retrata
(através de impressões de pessoas que a invejavam ou não gostavam dela, e de seu ressentimento de marido traído; por outro lado,
mulher fascinante e encantadora de cuja presença e amor nunca conseguiu esquecer-se, num sentimento ambíguo nos limites do amor e
do ódio/desprezo).

Bento Santiago

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Pseudo-autor, narrador e personagem principal. Seu nome já sugere alguns traços de personalidade (Bento + Santiago) - abençoado e
predestinado pela mãe ao sacrifício religioso. O menino cresce acreditando que vai ser padre, ingênuo e submisso, é preciso que outras
pessoas revelem a ele seu amor pela companheira de brincadeiras.

Principais traços de seu comportamento:

Excesso de subjetividade, emocionalismo e temperamento sonhador;


Submissão total à vontade da mãe;
Demora no amadurecimento psicológico devido à superproteção familiar;
Encantamento e dependência total em relação a Capitu;
Insegurança e incapacidade de autodomínio em situações de tensão;
O relacionamento estranho com Escobar desde o seminário: a sociabilidade, a cabeça aritmética do amigo fascinam Bento e
norteiam seus negócios e problemas;
Ciúme doentio e descontrolado, mola-mestra do enredo e motivo principal de seus sofrimentos: somado à imaginação e falta de
objetividade, tal sentimento faz com que se acredite traído pela mulher e pelo amigo e destrói-lhe a vida e a felicidade,
transformando-o num velho pessimista, amargo, cético em relação a tudo e a todos.

Casmurro adota a filosofia do maestro Marcolini, e transforma sua vida em uma ópera, em que cantou um duo terníssimo, depois um trio,
depois um quatuor... identificando Bento com Otelo e Capitu com Desdêmona.

No entanto, nas suas evocações, para cada prova de culpabilidade de Capitu o próprio narrador sugere sucessivas contraprovas, deixando
o leitor desnorteado e, às vezes, perplexo.

Escobar

Em seus primeiros contatos no seminário, Escobar aparece a Bentinho como um garoto de modos fugitivos que cessavam quando ele
queria e que, com o tempo, foi conquistando-lhe a confiança e a alma (relações meio feminoides, que provocaram admoestação de um
dos padres).

Bem mais decidido que Bentinho, Escobar apresentava rara habilidade intelectual, raciocínio rápido e gostava de comércio - via o
seminário apenas como etapa da vida. Longe da família, que morava no Paraná, tomava as decisões por sua conta e risco.

Sua aproximação com a família do amigo apresenta traços de ambiguidade (evidências de maus presságios). Conquista logo a confiança e
a amizade de quase todos, apesar da ressalva sobre seus olhos fugidios e das insinuações de prima Justina - de que lhe interessava o
dinheiro de D. Glória. Usando de um artifício, consegue saber de Bentinho sobre o montante da fortuna dos Santiago.

O narrador apresenta-o como um protótipo de pessoa esperta e calculista (personagem plana) que se aproveita das relações de amizade
para subir na vida e, inescrupulosa, capaz de trair friamente seu melhor amigo. Mesmo depois de morto, influi decisivamente na
dissolução da vida do casal Bento-Capitu.

José Dias

Tipo humano com traços caricaturais de personagem de costumes, agregado à família desde os tempos em que o pai de Bentinho vivia e
a quem se apresentara como médico homeopata. Caracteriza-se pela submissão, atitudes de bajulação para conseguir ou manter
privilégios e um traço linguístico - o uso de superlativos.

Dna. Glória

Viúva abastada de Pedro de Albuquerque Santiago, ao perder o 1º filho faz uma promessa de oferecer o segundo a Deus, caso vingasse.
Fiel à memória do marido, disfarça a juventude e a beleza com roupas e costumes austeros. Mima o filho, cumulando-o de cuidados:
prefere pagar um professor particular para mantê-lo sempre junto a si. Arrepende-se do sacrifício a que submeteria o filho, e é com alívio
e gratidão que estimula o interesse de Capitu e aceita a sugestão de Escobar para livrar o filho do seminário. Matriarca poderosa, aglutina
a família ao seu redor e administra seus bens com eficiência (e medo, segundo Escobar). Pode ser identificada como retrato da mulher
brasileira do século XIX.

Há quem veja uma relação edipiana, um complexo freudiano mal resolvido entre ela e Bentinho, que sempre se apresenta dividido entre o

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amor à mãe e a Capitu e opta finalmente por ver a mãe como uma santa e a esposa como infiel e desprezível.

As demais personagens - Tio Cosme, Prima Justina, Pádua e a mulher, Manduca, Sancha - constituem parte do universo particular que
gravita em torno de Bentinho. Ezequiel Albuquerque de Santiago, o filho tão desejado e depois rejeitado, é visto por D. Casmurro como o
bode expiatório do seu fracasso conjugal. Devido à fantástica semelhança com Escobar, constitui-se, ironicamente, na prova científica e
definitiva do adultério de Capitu (o homem é condicionado por sua herança genética, meio e momento histórico...). Inteligente e imitador,
desagrega a família: primeiro é afastado de casa indo para o internato; depois para Europa; finalmente, morre. Idolatra o pai e nunca
conseguiu entender a rejeição e o porquê da separação do casal - vítima inocente que purifica pelo sacrifício os pecados dos adultos.

d. Tempo e Espaço em D. Casmurro

A ação do romance localiza-se no século XIX, durante o segundo Reinado, na cidade do Rio de Janeiro. Restringe-se à Rua de Matacavalos,
Engenho Novo, Bairro da Glória, Flamengo, casa de Bentinho, casa e quintal de Capitu, seminário, residências dos dois casais.
Cronologicamente, estende-se de 1857 (descoberta do amor adolescente) a 1871 (ano da morte de Escobar). D. Casmurro registra suas
memórias no final da década de 1890, aos 55 anos de idade.

Como acontece nos romances denominados de segunda fase machadiana, predomina neste livro de poucas ações e detalhes excessivos
de introspecção e análise o tempo psicológico ou de duração interior. O discurso evocativo-memorialista de D. Casmurro unifica os
diversos elementos da narrativa de uma forma tão intrincada e coesa, que tudo no livro não passa de projeções do seu universo interior -
os fatos, as pessoas, as sugestões confundem-se com as memórias do narrador, aproximam seu discurso do monólogo interior ou fluxo de
consciência, superpõem o passado e o presente, configurando um caráter impressionista à obra. Tal sensação se reforça no estilo em
ziguezague, que alterna as sequências narrativas (história de Bento-Capitu) e as sequências digressivas (ideias do viúvo ressentido), inter-
relacionando-as.

Costuma-se atribuir alguns rótulos a este livro de Machado de Assis: romance psicológico, romance de introspecção, romance poético,
obra aberta... Na verdade, D. Casmurro é tudo isso e muito mais: trata-se de um clássico da literatura, e talvez o mais bem-acabado
romance brasileiro.

Ao empreender sua jornada interior na dissecação da alma humana, convidando e seduzindo seu leitor a emprestar-lhe cumplicidade e
anuência, somos arrastados pela força de seu estilo e pelo seu inequívoco poder de persuasão.

Desavisados, quase sem perceber, envolvidos pela sua neurose obsessiva, acabamos por partilhar com seu ceticismo, sua descrença, seu
negativismo existencial.

Somos convertidos e tornamo-nos adeptos da filosofia do maestro Marcolini, achando também que o homem é uma invenção de Deus,
convertida à perversão por influência das tentações do demônio.

Ao rascunhar a história de sua vida parodiando a ópera de Shakespeare, D. Casmurro sugere-nos um Machado bruxo e mistificador que
plagiou o plágio e acabou reescrevendo, à sua maneira, a ópera original escrita por Deus e encenada por Satanás: ... a vida é uma ópera,
é uma grande ópera.

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