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Cristina Lasaitis
nº USP 3669606
São Paulo
2014
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Os estudos sobre as obras de Raul Pompeia geralmente enfocam o uso da sexualidade
como meio de denúncia de uma ordem social perversa e moralmente degenerada. Ivan
Teixeira (2012) comenta que nas três narrativas longas do autor é explorado o sexo
entre pessoas com experiência e idade muito diferentes. Proponho levar a discussão um
passo adiante e observar que nas três obras está presente o tema do abuso sexual
obra, decidi torná-lo o objeto de minha análise e examinar como os abusos em questão
física ou psíquica, aquele que estupra exerce seu poder dispondo autoritariamente do
corpo de outrem. Podemos estabelecer como centro desta análise, portanto, a ideia de
que o abuso sexual é antes uma demonstração de poder fortemente simbólica, para a
qual o interesse sexual é apenas uma via ou mesmo um fator desnecessário. No domínio
das narrativas de Raul Pompeia, é bastante plausível que o autor – que era sabidamente
suas situações ficcionais como uma forma de desnudar uma das facetas mais perversas
O tema do rapto surge logo em sua obra de estreia, Uma Tragédia no Amazonas,
cobiça para si a menina órfã de onze anos, Rosalina, adotada pela família do
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“– (...)Tomarás a tua faca e darás cabo da moça. Quanto à menina, tu hás de agarrá-la e
trazerma. Estás ouvindo?
– Trazer para que? perguntou o negro, encarando de modo singular o seu chefe.
– Para... Não é da tua conta!”
anos, supostamente órfã, para a satisfação dos desejos sexuais do Duque de Bragantina.
O destino da menina é visto como "vantajoso" pela própria família adotiva, como
“– (...) Quanto à menina... O que vai sofrer? As doces torturas que nós sabemos e depois
levar a vida tranquila de quem tem certeza de ser amparada em qualquer dia de
necessidade. (...) Um belo dia, quando estiver sonhando alegrias nos cômodos agasalhos
que lhe reserva Manuel Pavia, será visitada por uma sombra... Conversarão durante
várias entrevistas, etc., etc. Há de ser bonito... garanto que a Conceição não chorará.”
Notoriamente, as personagens vitimadas nessas duas obras são muito parecidas. Ambas
também de impotência, tendo em vista que a mulher e a criança são as partes mais
fragilidade, tornam essas personagens altamente empáticas. Os nomes não foram dados
ao acaso. Rosalina guarda relação simbólica com o roseiral que cerca a casa do
subdelegado Eustáquio, onde vive; a menina pode ser entendida metaforicamente como
uma rosa a ser roubada do meio onde pertence. Já Conceição é uma alusão à Imaculada
Conceição, ou seja, o dogma católico sobre a concepção da Virgem Maria sem a mácula
menina, que é fruto de um estupro; sua própria mãe fora uma jovem violentada pelo
Duque de Bragantina.
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O abuso sexual de meninas é o fio condutor dos acontecimentos de ambas as
deve mais pelo incesto (porque Conceição é filha bastarda do Duque) do que pelo abuso
sexual em si. Dada as posições sociais dos personagens envolvidos, o estupro chega a
“– Não se arreceie... ninguém resiste facilmente ao senhor duque... Ele tem um olhar
que penetra e imobiliza... Não fala muito... Fitando, ele faz mais do que falando... As
crianças são tímidas em geral... E a Conceiçãozinha é um pouco criança ainda.”
mais impotente das criaturas em desafio à vontade do mais poderoso dos homens. De
fato, a ordem social não é contrariada, e o coito só é impedido por uma personagem
vale de sua autoridade moral e invoca a lei do costume (“Pede perdão a tua filha.”) – no
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“Os gênios fazem aqui dous sexos, como se fosse uma escola mista. Os rapazes tímidos,
ingênuos, sem sangue, são brandamente impelidos para o sexo da fraqueza; são
dominados, festejados, pervertidos como meninas ao desamparo. (...) Faça-se homem,
meu amigo! Comece por não admitir protetores.”
Sanches, Sérgio é a princípio beneficiado por uma troca de favores, mas paulatinamente
a relação degenera para uma situação em que ele se vê acuado pelas investidas amorosas
e sexuais:
Sérgio e Sanches, o último era vigilante e o mais forte dos dois. As posições de
entre os sexos, mas a decadência moral dos homens brancos letrados, que no contexto
BALIERO, 2011).
Ivan Teixeira (2012) chama a atenção para a técnica de Pompeia de sugerir sem
revelar, valendo-se de índices, isto é, de pistas. Como resultado, o leitor tem a sensação
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Tragédia no Amazonas e O Ateneu, chega-se à conclusão de que os abusos sexuais
ideologias da época.
por uma quadrilha de bandidos de negros fugidos e invasores espanhóis. Assim postas
em jogo as ordens sociais – os brancos como heróis e os espanhóis e negros como vilões
crueldade é acrescida pela quebra da ordem social; o inimigo exótico ambiciona possuir
sexual, mas principalmente ao incesto, este sim inaceitável, de modo a ser impedido a
todo custo. A leniência para com o estupro colabora para a denúncia de uma sociedade
corrupta; mas note que mesmo as personagens moralmente íntegras – Emília (mãe de
incesto.
(MISKOLCI & BALIERO, 2011), e podemos inferir que esses julgamentos pesam antes
sobre a homossexualidade presente na obra do que nas relações pautadas por diversas
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Uma explicação plausível é que os abusos sexuais ou morais, como foram
ordem social estabelecida. Não obstante, tanto o incesto quanto a homossexualidade (ao
lado da miscigenação racial) são alvo dos temores de degeneração social que marcaram
narrativas de Raul Pompeia, pareada com sua biografia, nos permite deduzir que o autor
também estava preso a muitos dos preconceitos e valores de sua época, os quais não
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Bibliografia
TEIXEIRA, Ivan. Raul Pompeia. Série essencial, Academia Brasileira de Letras, vol.61.
São Paulo: Imprensa Oficial, 2012.