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RESUMO DAS OBRAS PARA VESTIBULAR DA UVA

Prof: Victor Antunes


“O vento não sopra, é o sopro”
(Torto Arado, de Itamar Vieira Junior).
A história do romance tem como centro a família de Zeca Chapéu e Salustiana, e suas filhas
Bibiana e Belonísia, descendentes de escravizados. O cenário da obra é a fictícia Fazenda Água
Negra, um local que representa a síntese do sertão brasileiro e suas relações sociais, o latifúndio
e o trabalho servil, marcados pela violência, a seca e também pelas crenças, lendas e
religiosidades próprias da mestiçagem cultural e da ancestralidade africana. “Meu pai havia
nascido quase trinta anos após declararem os negros escravos livres, mas ainda cativo dos
descendentes dos senhores de seus avós”.
Uma obra polifônica, marcada pelas narrativas das irmãs Bibiana e Belonísia, e de uma entidade
encantada, vozes femininas que expressam memórias coletivas e atribuladas de desigualdades
raciais, sociais e de gênero, e também evocam as resistências ancestrais dos povos quilombolas,
suas lutas e ligações com a terra. “Quando retirei a faca da mala de roupas, embrulhada em um
pedaço de tecido antigo encardido com nódoas escuras e um nó no meio, tinha pouco mais de
sete anos. Minha irmã, Belonísia, que estava comigo, era mais nova um ano”.
A narrativa se inicia com uma tragédia compartilhada pelas irmãs, a qual deixa marcas
profundas em suas vidas pelas décadas seguintes, criando uma cumplicidade de gestos e
silêncios. Bibiana e Belonísia vocalizam as histórias dos demais personagens da trama como
Zeca Chapéu Grande, Salustiana, Donana, Maria Cabocla, Severo e os proprietários da fazenda,
e apresentam esse mundo de contradições e injustiças pelos seus olhares infantis, passando
pelos da juventude abreviada pela maternidade e casamentos, e chegando às visões da vida
adulta. “Todas nós, mulheres do campo, éramos maltratadas pelo sol e pela seca. Pelo trabalho
árduo, pelas necessidades que passávamos, pelas crianças que paríamos muito cedo(..)”.
Conflitos e conciliações coexistem na vida desses personagens, Zeca Chapéu Grande, pai das
meninas, líder místico, referência de trabalho para as demais famílias agricultoras da fazenda, é
exemplo maior desse paradoxo, conduz os rituais do Jarê e dos encantados e as práticas de
curandeira aprendidos com a mãe Donana. Vê sua condição de trabalho e de vida na fazenda
Água Negra, assim como a dos demais trabalhadores, com certo fatalismo, mas fica indignado
quando tem a terça parte da produção de sua pequena roça subtraída pelo feitor da fazenda.
Bibiana, a filha mais velha, também se revolta com tal situação e da humilhação do pai frente à
mulher e demais filhos.
Bibiana, professora formada na cidade, junto com o primo-marido Severo, começam a organizar
os demais trabalhadores de Água Negra, reivindicando o status de território quilombola para
aquelas terras nas quais há décadas trabalhavam aquelas famílias, mas que não tinham a sua
posse. Há, porém, um custo humano para essa luta pela emancipação da exploração e da
servidão, sendo a terra tingida de vermelho. “Tudo foi se tingindo de vermelho e segui o rastro
do rio de sangue que corria, não se sabia de onde”.
Torto Arado, mais que o título desta obra, representa um instrumento agrícola arcaico e obsoleto,
que simboliza as permanências do passado colonial e as marcas indeléveis e deletérias da
escravidão, fundantes da formação da sociedade e do Estado Brasileiro, de suas mazelas e
desigualdades. “Era um arado torto, deformado, que penetrava a terra de tal forma a deixá-la
infértil, destruída, dilacerada”.
Resumo de Úrsula de Maria Firmina +
Úrsula é uma obra icônica desde sua origem: é considerado o primeiro romance escrito por
uma mulher,no Brasil. Além disso, também é um romance precursor da
temática abolicionista, pois é anterior até mesmo à poesia de Castro Alves.
Ainda pode ser visto como o primeiro romance da literatura afro-brasileira, cujo conceito
é: produção de autoria afro-descendente que retrata o negro a partir de uma perspectiva
interna. Isso porque Maria Firmina nasceu filha de um branco com uma negra, sendo, portanto,
afrodescendente.
A autora, sabendo de sua posição social no século XIX, já diz logo no prólogo do livro:
“Pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de
educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens ilustrados.”

Também por este motivo, na obra original, ela publicou utilizando o pseudônimo “uma
maranhense”.

Análise geral da obra

Pela primeira vez na nossa literatura houve uma narrativa tão crítica e realmente vivida. Por ser
afrodescendente e estar num contexto anterior à Lei Áurea, a autora soube expor o que ela e
sua família sentiram e viveram. Até então, só haviam produções de brancos falando sobre
os negros.
Apesar de a “heroína” ser branca, a narrativa traz essa visão realística sobre a escravidão e
há, dentre os principais personagens, uma tríade de negros com uma participação bem
pensada. O trio começa atuando pontualmente e de forma discreta, depois vai
crescendo e ganhando representatividade até que, ao final, o leitor já está completamente
envolvido por eles e seus feitos.
Além disso, os integrantes estão presentes em cenas que falam muito: no primeiro capítulo
“Duas Almas Generosas”, a escritora confronta a ideia vigente na época de que o negro era
ruim por natureza. Também retrata elementos da cultura negra como sinônimo de algo forte
e bom.
O romance inicia-se com Túlio, um cativo genuinamente negro (a escritora não tentou fazê-
lo parecer um “negro de alma branca”) que salvou a vida de Tancredo, um cidadão de família
rica. A partir deste fato, o narrador deixa claro que apesar das diferenças ambos compartilham
o mesmo espírito bondoso.
Quando questionado sobre a melhor forma de ser recompensado, Túlio afirma só desejar
que os escravos que cruzarem o caminho de Tancredo sejam tratados com respeito.
Tancredo não só concorda como se mostra incomodado com a situação daquele que o
salvou e de seus iguais. Mais que agradecimento, como forma de carinho com aquele
que chamou de amigo, também devolveu a Túlio sua liberdade. A partir deste momento,
por carinho, gratidão e ingenuidade, Túlio vê-se ligado ao companheiro de alma, Tancredo,
e o segue até seu infeliz fim.
Portanto, as falas de Túlio são usadas como denúncia. A atuação de sua personagem não
para por aí, ele passa a ser ouvinte e transmissor da história de Suzana e Antero. Suzana, a
segunda que compõe o trio, é uma mulher que foi retirada de sua África, separada de marido,
filhos e família. Foi jogada em um navio negreiro e presenciou as mais terríveis
desumanidades.
Sua história é a representação do processo da diáspora negra: começando com a vida
comum em sua terra, passando pelo relato doloroso do navio e fazendo o trajeto que tinha como
destino a escravidão no Brasil. Tudo isso é descrito de uma forma que só a sensibilidade
feminina seria capaz de captar, fazendo o leitor ter empatia.
Antero, o terceiro negro presente, já traz uma abordagem que fala sobre a África marcada
pelo trabalho duro e, também, suas festas e comemorações culturais. Ele era um velho
guardião que, agora escravo, trabalhava sem descanso e encontrou na bebida uma forma de
suportar as condições de sua existência.
Apesar de não ser descrito da mesma forma sutil que os outros dois, Antero não é representado
como alguém impiedoso, mas como vítima. É retratado como alguém que encontrou na falta
de sobriedade e de obediência, as formas de garantir a sua própria sobrevivência.
O Romance entre Tancredo e Úrsula

Servindo como pano de fundo de toda a crítica, surge o amor entre Tancredo e Úrsula. Úrsula
é descrita como doce, bela e cheia de compaixão, não possui pai e divide a solidão com sua
mãe doente. No terceiro capítulo, há a declaração da verdadeira paixão entre o
casal, mas há um obstáculo:
O tio da moça, Fernando P., é um homem desprezível. Possui olhar sinistro, violento e
rancoroso. Ele cometeu crimes e maltratou sua irmã – a mãe de Úrsula, apenas para poder ter
a menina para si. Além disso, é caracterizado como vilão também pela forma com que tratava
seus escravos.
Aparentemente, é uma clássica história de amor impossível: uma moça pobre e um homem
de família rica, assim como muitas de seu tempo. Porém, logo se nota que as preocupações
presentes no romance são outras.
Apesar de ter sido escrito num período de nacionalismo exacerbado, destoa desse momento já
que não foca na ideia de indivíduos formados para a nação. Além disso, o modo como
mulheres e negros são retratados, também confrontam alguns pontos da mentalidade da
época.
Ao final, enlouquecido de ciúmes, o tio vilão mata Tancredo na noite do casamento deste
com Úrsula. Isso provocou a loucura e o falecimento de Úrsula que, por sua vez, gerou
um remorso enorme em Fernando P. Com esse fato, ele começou a se afastar de sua antiga
personalidade e desejar a morte. Contudo, antes de morrer, chegou a libertar seus
escravos e até ficar recluso em um convento.
O texto não segue a ideia de final feliz e se aproxima de um romance gótico, trágico. Isso
porque, assim, consegue mexer com as emoções do leitor e estabelecer melhor a empatia,
gerando mais reflexões.

“Sentimento do Mundo” – resumo da obra de Carlos Drummond de Andrade

Sentimento do Mundo foi publicado em 1940 e é o terceiro livro do poeta Carlos Drummond de
Andrade.

As poesias que compõem essa obra foram escritas entre 1935 e 1940, anos em que o mundo
mal se recuperava da Primeira Guerra, na qual milhares de pessoas morreram, e já assistia à
ameaça da ascensão fascista.

O poeta reflete esse sentimento nos seus poemas, que mostram uma faceta mais madura e
universal da sua obra. O poema que abre a obra é o homônimo Sentimento do Mundo.

Tenho apenas duas mãos


e o sentimento do mundo,
mas estou cheio escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu


estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram


que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,


eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microcopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite

O poeta se apresenta como um sujeito pequeno, limitado, tem apenas duas mãos. Essa figura
do eu insignificante, pequeno diante da grandeza do mundo, está presente ao longo de todo o
livro.

Porém, esse sujeito tem algo grandioso, o sentimento do mundo, que pode ser interpretado
como uma solidariedade em relação a todos os homens e todas as coisas.

Essa imagem de alguém que é minúsculo diante dos problemas, mas que de certo modo se
agiganta quando se coloca solidário a ele, está presente em outras poesias do livro.

O eu poético vive uma série de contradições. Primeiro é a sua insignificância, depois é a sua
transformação. Nela, o sujeito é apegado ao seu passado ("cheio de escravos"). Para se
colocar diante do sentimento do mundo é preciso mudar, esquecer as lembranças e convergir
para o amor pela humanidade.

Solidário e integrado ao mundo, o poeta vê diante de si mais uma contradição. O tempo é de


guerra e de fome, e ele ainda se encontra desatento a esses males. Consciente, porém
disperso. A figura do poeta se mostra perplexa diante da realidade, tentando integrar-se a ela e
pedindo desculpas pela sua alienação.

Esse movimento o leva à solidão. O poeta fica sozinho, envolto em lembranças que, ao serem
desfeitas, se tornam brumas que embaçam o olhar. São as recordações dos outros que
desapareceram. O dia que está para chegar é mais escuro que a noite.

A noite é uma figura que aparece ao longo do livro Sentimento do Mundo de duas formas
diferentes. Ou como a noite que serve de acalento para a alma, como uma espécie de morte
que acalma o potencial suicida, ou como algo temível que envolve a terra em sombras e
escuridão, expulsando a esperança.

O sujeito poético também se alterna entre esse eu presente em todo o mundo, solidário ao
mundo, e o eu melancólico, ainda muito solitário e provinciano.

Esse segundo eu, que aparece em oposição ao primeiro do poema Sentimento do


Mundo, surge na poesia seguinte, Confidência do itabirano.

Alguns anos vivi em Itabira.


Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,


é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:


esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.


Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Itabira é a cidade natal do poeta, no interior de Minas Gerais, conhecida pelas minas de ferro.
Drummond faz uma série de analogias entre as características da cidade e as suas.

Primeiro sobre o metal, duro e frio, e a sua personalidade. Depois, a analogia é sobre a
paisagem. A cidade é cercada por montanhas, sem horizontes, como a sua vida amorosa. Por
final, o poeta compara a simplicidade da cidade do interior com a sua própria.

Os dois poemas iniciais servem para dar um panorama do livro. Drummond editava suas obras
com muito cuidado em relação à ordem em que os poemas eram exibidos. Suas escolhas eram
pensadas e não seguiam apenas uma ordem cronológica de escrita.

Com estes dois poemas, ele nos apresenta uma espécie de resumo do seu livro. Primeiro
como o sujeito se coloca diante das temáticas, neste movimento contraditório de inserção e de
isolamento, de cosmopolita e provinciano.

E depois nos apresenta os principais temas, que são o medo, a solidão, a guerra, a fome, a
solidariedade. E, acima de tudo, o mundo como ele se apresenta. Real, extremamente real e
atual. O presente é a inspiração do poeta no Sentimento do Mundo.

Contexto da obra
O momento histórico é um fator muito importante na composição do Sentimento do Mundo.
Este período do final da década de 1930 foi marcado por inúmeros acontecimentos complexos
dos quais Drummond não estava alheio.

A esperança de uma época de paz estava ameaçada com a ascensão do fascismo, do


nazismo, e dos conflitos regionais, como a Guerra Civil Espanhola.

Com inclinações políticas de esquerda, Drummond tinha a esperança que o fim da Primeira
Guerra levasse a uma época de paz e solidariedade entre os povos.

Existe no Sentimento do Mundo essa dualidade entre a esperança de um momento histórico


melhor e a frustração com uma realidade que continua a impor sofrimento aos homens.

Porém, como toda grande obra, o livro não está fechado em seu momento histórico. Mesmo
afirmando que sua matéria-prima é o presente, o poeta consegue extrapolá-lo na sua poética.
Deixando uma obra que, de tão profunda, nunca deixará de ser atual.

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Sentimento do Mundo apresenta uma certa ruptura com as suas produções anteriores. Ainda
mais se vista da perspectiva do Brejo das Almas, seu livro precedente, marcado
pelo humor drummondiano, cheio de pessimismo e de niilismo. Composto de uma ironia
nadificante, é um livro em que o poeta está imerso em si mesmo. Assim ele passa desse
estado introspectivo no Brejo das Almas para um pertencimento ao mundo, uma atenção ao
seu redor na sua próxima obra.

O Sentimento do Mundo é o livro em que Drummond se afirma como poeta do mundo, dos
homens, das coisas, e não poeta dos sentimentos humanos "mesquinhos". O poeta se
abre para o mundo e é acima de tudo solidário e compreensivo.Leitura de alguns poemas de
Drummond.

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