Você está na página 1de 8

Aula 04 Literatura UNIRV

TORTO ARADO

1. BIOGRAFIA: ITAMAR VIEIRA JUNIOR


Nascido em Salvador, em 1979, Itamar Rangel Vieira Jú nior é
Graduado e Mestre em Geografia pela Universidade Federal da
Bahia. Sua ligaçã o com o estado em que nasceu reflete de forma
intensa em seu interesse acadêmico.
Concluiu sua tese de doutorado na á rea de Estudos É tnicos e
Africanos, com o nome de Trabalhar é tá na luta: vida, morada e
movimento entre o povo Iuna (2017), pesquisa que se volta sobre
a formaçã o de comunidades quilombolas no interior do Nordeste
brasileiro.
seu impactante romance Torto arado (2018) conquistou em
Portugal o prestigioso Prêmio LeYa, concedido por unanimidade
pelo modo como representa de forma só lida e realista o universo
rural brasileiro.
Itamar é um geó grafo, funcioná rio do Incra — Instituto Nacional
de Colonizaçã o e Reforma Agrá ria— que já foi ameaçado e
presenciou as mortes da guerra pela terra no Brasil.
Vem sendo comparado a clá ssicos como “Vidas Secas”, de
Graciliano Ramos, ou “Os Sertõ es”, de Euclides da Cunha.
Mesmo antes, com 7 anos, já escrevia histó rias.
Quando a mã e achou os textos, nã o gostou. Ficou decepcionada:
preferia ver o filho fazendo as liçõ es a escrevendo “essas
bobagens”. Tanto a mã e, que cursou o ensino fundamental, quanto
o pai, técnico em contabilidade, viam na formaçã o escolar um jeito
de transformar o futuro dos quatro filhos.

2. CONTEXTO HISTÓ RICO


• atemporalidade
• Brasil escravista ( Colô nia/ Império / Repú blica )
• Brasil de sempre

“O Brasil é um país com um passado enorme pela frente”. Millô r


Fernandes

3. CONTEMPORANEIDADE
• literatura engajada
“Brasil profundo : um mundo rico em diversidade, desigual, e
que ainda pulsa muito forte neste país.”
• geraçã o de 30
- denú ncia das misérias e problemá ticas sociais
- questõ es ideoló gicas
• regionalismo universal  
Influenciado por Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, João
Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz.

4. RESUMO DA OBRA
A histó ria se passa no interior do sertã o brasileiro quando duas
irmã s, ainda crianças, acham uma misteriosa faca de sua avó
Donana, a qual encontrava-se escondida e enrolada em um
pano dentro de uma velha mala debaixo da cama. Com aquela
curiosidade, tipicamente infantil, as duas colocam a faca na
boca e uma delas perde a língua. E assim começa a histó ria de
Bibiana e Belonísia.
Essa tragédia compartilhada pelas duas irmã s as aproxima de
um modo ú nico, quando uma se torna a voz da outra, uma
comunhã o e uma uniã o que metaforicamente representa o elo
que alicerça a comunidade daquela regiã o. Itamar constró i uma
narrativa envolvente ao nã o revelar de imediato qual das duas
irmã s perdeu a língua, sendo essa descoberta desvelada aos
poucos ao leitor.
Ao longo da histó ria, uma das irmã s abandona a regiã o em que
vive em busca de uma vida melhor. Isso provoca uma

2
reviravolta na vida da irmã que fica, que perde sua metade e a
sua conexã o com o mundo.
Apó s um tempo, a irmã retorna a sua terra natal com sua nova
família e a regiã o passa a ser palco da luta pela terra e por
melhores condiçõ es de vida.

5. PERSONAGENS

Bibiana : irmã mais velha, intelectualizada, sai da fazenda para


estudar, torna-se professora e retorna levando ao povo
perspectivas de mudança.

Belonísia : irmã que teve sua língua cortada no episó dio da


faca, forte e extremamente ligada à terra, permanece na
fazenda.

Donana : avó das personagens centrais, aquela que esconde a


mística faca, determinante da narrativa.

Zeca Chapéu Grande : pai das irmã s, pai da comunidade,


curador físico e espiritual, recebia os encantados (líder
espiritual).

Salustiana : também conhecida como “Salu”, mã e das meninas,


respeitada por Zeca, acompanhada toda a trajetó ria de luta ao
lado das filhas.

Sereno : primo e marido de Bibiana, luta pelo direito à terra,


morre na reivindicaçã o (símbolo de resistência).

Santa Rita Pescadeira : encantada, entidade do Jarê que narra


o ú ltimo capítulo “Rio de Sangue”, incorporando (apó s anos em
Miú da) agora Bibiana e, por fim, Belonísia.

3
6. ESTRUTURA
• gênero : romance (de estreia)
• obra dividida em 3 partes
• narrado em 1ª pessoa — obra polifô nica
• publicado em 2018 em Portugal e em 2019 no Brasil
• linguagem sutilmente poética (metaforizada)
• objetividade e refinamento

7. ANÁ LISE
Acusaçõ es :
- cará ter panfletá rio do enredo
- linguagem incoerente para as personagens
- artificialidade da escrita
- semelhança na voz das narradoras
- texto que tenta se explicar demais no ú ltimo período

Sobre a linguagem :
“A força desses dois livros (Dois Irmã os) seria a criaçã o de uma
oralidade, de uma fala que nã o é uma reconstruçã o, mas é uma
criaçã o no sentido de que nã o estã o apenas representando a
linguagem falada, mas que tem a sensibilidade, o ritmo, a
sonoridade dessa fala.”

Temá ticas :
• abordagem de símbolos de resistência como : quilombos e
religiõ es de matriz africana
- papel agregador e nã o alienantes do Jarê
“A singularidade do jarê se deve ao encontro dois grupos de
escravos na Chapada, o primeiro oriundo de matrizes africanas
do Recô ncavo baiano e o segundo dos escravos das Minas
Gerais, fortemente influenciado pelo catolicismo”

4
•perda de tradiçõ es com Santa Rita Pescadeira
“Sou uma velha encantada, muito antiga, que acompanhou esse
povo desde sua chegada das Minas, do Recô ncavo, da Á frica.
Talvez tenham esquecido Santa Rita Pescadeira, mas a minha
memó ria nã o permite esquecer o que sofri com muita gente,
fugindo de disputas de terra, da violência de homens armados,
da seca. Atravessei o tempo como se caminhasse sobre as á guas
de um rio bravo. A luta era desigual e o preço foi carregar a
derrota dos sonhos, muitas vezes”,

• racismo
• exclusã o social
• heranças coloniais
• trabalho aná logo à escravidã o
- “aceitaçã o” das personagens mediante o cená rio
• obra que fala sobre permanências
• cria resgate de memó rias
• mudez de Belonísia
- mutilaçã o da 1ª cena
• tomada de consciência
• busca por direitos de Sereno
- usucapiã o da terra
• valorizaçã o da educaçã o
• protagonismo feminino
- vozes femininas na narrativa
- insubmissã o
- denú ncia
“Todas nó s, mulheres do campo, éramos maltratadas pelo sol e
pela seca. Pelo trabalho á rduo, pelas necessidades que
passá vamos, pelas crianças que paríamos muito cedo(…)”

Sobre o título :
- arado : instrumento medieval, arcaico
“Sã o marcas indeléveis e deletérias da escravidã o, fundantes da
formaçã o da sociedade e do Estado Brasileiro, de suas mazelas
e desigualdades.”

5
- torto : tortuosidade da batalha e suas consequências/ fala
“torta” de Belonísia
“Era um arado torto, deformado, que penetrava a terra de tal
forma a deixá -la infértil, destruída, dilacerada”.

Reflexã o final :
“Obra que entrelaça as narrativas de muitas gentes. É trama de
desigualdade, porque os donos da terra nã o sã o os que pegam
na enxada. É trama de violências, da fome, da falta, da seca, da
agressã o familiar, da perda, do medo. Sobretudo, é histó ria de
forças que brotam do solo, histó ria de ancestralidade, luta e
uniã o. “

"De loucura meu pai entendia, assim diziam,


porque ele mesmo já havia caído louco num
período remoto de sua vida. Os curadores
serviam para restituir a saú de do corpo e do
espírito dos doentes, era o que sabíamos desde
o nascimento. O que mais chegava à nossa porta
eram as moléstias do espírito dividido, gente
esquecida de suas histó rias, memó rias, apartada
do pró prio eu, sem se distinguir de uma fera
perdida na mata.”

6
Simbologias :
faca - instrumento conhecido como
"arma branca"; no romance, serviu para defender opressã o
sofrida pela comunidade preta; segundo uma das irmã s,
Donana tinha mais medo do significado dela do que seu poder
de corte.
língua - ó rgã o fundamental na
comunicaçã o humana; no livro, simboliza a castraçã o verbal a
que eram submetidos pretos e indígenas, no brasil, desde
cabral; a perda da língua e a necessidade de se
comunicar com ajuda da irmã Bibiana expõ e sorororidade,
valor à uniã o e consciência de suas origens
mulheres
- Donana, salustiana, belonísia e Santa Rita Pescadeira
representam a histó ria acumulada pela ancestralidade que
sofreu peso do racismo institucional mas que graças à s suas
origens souberam resistir e, de alguma forma, enfrentar essas
adversidades.

8. QUESTÕ ES
01. No trecho "Tudo isso reacendeu a chama de escrever Torto
arado", conta o escritor, que lembra que o Brasil é um dos países
com maiores índices de violência no campo, a expressã o destacada
exemplifica um processo de significaçã o das palavras conhecido
como:

a) catacrese
b) metá fora
c) sinestesia
d) personificaçã o

7
02. Numa trama tecida de segredos antigos que têm quase sempre
mulheres por protagonistas, e à sombra de desigualdades que se
estendem até hoje no Brasil. Seriam as possíveis marcas de
temporalidade da obra : (V ou F)
a) Diferentes Brasis de diversos períodos histó ricos, cabíveis aos
épocas de Colô nia, Império e Repú blica.
b) A obra e suas aná lises se restringem ao século XX , período em
que as personagens vivenciam os fatos.
c) As persongens de Torto Arado atravessaram o tempo sem
nunca conseguirem sair do anonimato, marcando como contexto
os anos de 1970 (evidenciados por pistas do autor), mas
abordando experiências que caberiam a qualquer outro momento
de um Brasil arcaico.

03. No trecho "Vieira Junior só retomaria a histó ria vinte anos


depois, quando, formado geó grafo e funcioná rio pú blico do INCRA,
conheceu as realidades de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e
assentados no sertã o baiano e maranhense.” , é evidenciada uma
relaçã o de :
a) compaixã o do autor, conforme uma aná lise melancó lica da
situaçã o vivida pela populaçã o
b) crítica, em razã o de sua pesquisa de campo e proximidade com
a dura realidade
c) militâ ncia, por abordar de maneira panfletá ria as questõ es
sociais da atualidade
d) cará ter imaginativo e ficcional, que retrata assuntos e
acontecimentos criados de maneira fantasiosa pelo autor, com seu
tom de misticidade

Você também pode gostar