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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP

EFLCH – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA ARTE

ARTE E QUESTÕES COLONIAIS, PÓS-COLONIAIS E NEOCOLONIAIS

Vanessa Oliveira - RA: 92 917

Analise da Obra: “Curumim”, guardador de memórias, 2018


Denilson Baniwa

Guarulhos
2019
Este presente texto consiste em analisar as obras
de Denilson Baniwa, artista indígena, indígena e artista.
A analise será pautada nos textos discutidos em sala de aula e em bibliografias
complementares.
Escolher artistas indígenas para analise e falar sobre suas subjetividades se
mostram diversas dificuldades e barreiras, sobretudo, que há pouco material
bibliográfico, pesquisas e textos falando a respeito de suas produções artísticas e
estéticas.
O povo Baniwa vive na fronteira do Brasil com a Colômbia e Venezuela, em
aldeias localizadas às margens do Rio Içana e seus afluentes Cuiari, Aiairi e Cubate,
além de comunidades no Alto Rio Negro/Guainía e nos centros urbanos de São Gabriel
da Cachoeira Santa Isabel e Barcelos. interior do Amazonas.
Baniwa1 um nome genérico usado por esses índios quando se fazem representar
em contextos multiétnicos ou diante do mundo não-indígena.
Desde os tempos coloniais, o nome Baniwa é usado para todos os povos que falam
línguas da família Aruak ao longo do Rio Içana e seus afluentes.
Denilson Baniwa2, nasceu em 1984, na Aldeia Darí, conhecida como Barreira,
em Barcelos, interior do Amazonas, à beira do Rio Negro. Denilson participou de uma
oficina de comunicação e multimeios em São Gabriel da Cachoeira (AM), em 1999,
quando trabalhava como articulador indígena na área administrativa da ASIBA
(Associação Indígena de Barcelos). Desde então, tornou a comunicação uma das rédeas
de sua vida. Pegou firme e realizou grandes ações. Nos anos 2000, se uniu a outros
indígenas na criação de rádios piratas e comunitárias para atender às populações
indígenas da periferia de Manaus. Como comunicador indígena, diz que seu objetivo é
provocar nos jovens a vontade de criar seus próprios meios e formatos de comunicação.
“Se daqui a alguns anos eu ver jovens indígenas ocupando espaços em rádios, na TV, no
Youtube, em jornais, revistas e blogs, estarei realizado”, diz.
O artista visual é publicitário por formação atualmente reside no Rio de Janeiro.
Por ter acesso aos meios ocidentais e educação acadêmica, pôde criar uma forma de unir
o contemporâneo ao tradicional indígena. Seus trabalhos vão desde sua vivência
enquanto ser indígena ao metafórico que se apropria de ícones ocidentais para

1
Informações retiradas do site socioambiental. Disponível em:
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Baniwa. Acesso em 01 de Dezembro de 2019.
2
Disponível em: http://www.encontroteca.com.br/grupo/212/denilson-baniwa. Acesso em 01 de
Dezembro de 2019.
comunicar a luta e pensamento indígena brasileiro, usando como suporte telas,
instalações e meios digitais.
No período pós-colonial são encontradas divergências quanto à real
independência cultural, política e econômica. O “pós” remete a um período tardio de
continuidade de uma era passada e quase longínqua que ainda deixa retalhos de
consequências que perpetuam-se no nosso modo de pensar e agir. A decolonialidade,
neste contexto, faz com que pensemos no contemporâneo e a maneira com que cada
indivíduo deve incluir-se e mostrar sua identidade, resistindo diante da gigantesca
engrenagem que expropria culturas, costumes e tudo o que não é conveniente aos donos
das grandes mídias e instituições museológicas. Cabe ao museu e ao historiador da
arte/arte educador criar condições teóricas, políticas e espaciais para que essas
produções artísticas possam ter voz e articular suas subjetividades.
De acordo com Spivak (2010), em seu livro Pode o Subalterno falar?, o sujeito
subalterno defini-se como aquele que pertencente “às camadas mais baixas da sociedade
constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da representação
política e legal, e da possibilidade de se tornarem membros plenos no estrato social
dominante” (SPIVAK, 2010, p.12).
Os trabalhos de Denilson Baniwa expressam sua vivência enquanto ser indígena
do tempo presente, mesclando referências tradicionais e contemporâneas indígenas, e se
apropriando de ícones ocidentais para comunicar o pensamento e a luta dos povos
originários em diversos suportes e linguagens como canvas, instalações, meios digitais e
performances. Sua arte denúncia o preconceito da sociedade brasileira para com os
indígenas, se um indígena usa celular, cartão de crédito, fala outros idiomas, ele é
alguém que perdeu sua identidade, ou seja, deixou de ser indígena. Denúncia também a
política do agronegócio e grupos conservadores vem difundido no país com a
justificativa de crescimento econômico. Essa ideologia difundia massacra e oprime cada
vez mais povos originários que ainda resistem a todo o processo de colonização do
Brasil. Abordam questões ligadas a preservação do meio ambiente e questões
climáticas, questões essas tão urgentes para os dias atuais e revisão de toda a cultura do
consumo estabelecida pelo capitalismo. Como o próprio artista mesmo diz:

“Estamos vivendo esse tempo onde a destruição dos seres


humanos é bem provável, pois estamos destruindo tudo o que
encontramos pela frente: os oceanos cheios de lixo, as florestas
que viraram pastos sem vida, as cidades poluídas, as doenças
que são derivadas do estilo de vida atual, as violências
proporcionadas pela manutenção do poder”, argumenta. “É
provável que este mundo vá acabar logo, se não formos mais
conscientes. A notícia boa é que logo após a destruição, haverá
uma renovação onde o próprio mundo irá se curar, pois o
veneno do mundo é o ser humano, onde reside toda sorte de
maldade”.

complementa.

Obra:

“Curumim”, guardador de memórias, 2018, acrílica sobre tecido, 1,60 x 2 m

Esta obra é uma releitura de uma famosa capa da Revista Times, em que aparece
o Steve Jobs com um novo modelo do MAC.
Uma criança indígena sentada com as pernas entrelaçadas, esse modo de sentar
chamamos aqui no Brasil de sentar com perna de índio, referências que fazemos aos
povos originários. Esses povos tem a cultura da oralidade onde suas histórias e
conhecimentos são passados de geração para geração através da fala. Sempre a figura do
Pajé, líder espiritual e político, no qual ele senta e os mais jovens sentam ao redor dele
dessa maneira para ouvir os conhecimentos e suas histórias ancestrais. Esta criança
segura um computador da Apple, o famoso MAC, o fundo é constituído apenas pela cor
marrom onde há pequenos círculos que remetem a ideia de estrelas, na cena ao lado
direito aparece o maracá, instrumento musical muito presente em varias etnias
indígenas, esse instrumento é usado como místico para cura e cantorias em rituais, do
lado esquerdo aparece um cesto feito com palhas, a cestaria é muito presente na vida
cotidiana dos povos originários, também tidos como objetos artísticos. O Curumim,
como nós ocidentais chamamos popularmente as crianças indígenas, mas também pode
significar menino, criança, rapaz ou jovem é de origem tupi, também diz muito sobre a
obra, já que os Baniwa falam a língua do tronco Aruak que é diferente dos povos que
falam o idioma de origem do tronco tupi, aqui se mostra como todos esses povos foram
silenciados ao longo da história e reduzidos apenas um. Apenas como exemplo, se fala
mais de 280 idiomas no território chamado de Brasil, são diversas maneiras de olhar o
mundo, se relacionar e vivencia-lo, mas temos a ideia que existe apenas um “índio”. O
menino indígena está com colares e sua veste que cobre apenas o seu sexo, podemos
visualizar.
Essa obra nos põe há um ponto crucial, é possível ter acesso a tecnologia, a
conhecimentos científicos sem deixar de ser “índio”?
A resposta a essa pergunta é não. Hoje o único jeito de defender suas terras e
seus direitos constitucionais, bem como guardar seus conhecimentos, sua memória e,
não menos importante, se comunicar entre os povos e a sociedade é dominar e ter acesso
as tecnologias existentes. Nos tempos atuais, é cada vez mais importante, pois através
destas tecnologias e conhecimentos é possível realizar o reconhecimento e
monitoramento territorial, divulgação das questões indígenas dentro e fora do país, criar
redes de povos onde possam unir ideias e possibilidades de existência.
Analisar uma obra de arte concebida por um indígena é uma tarefa um tanto
complexa, uma vez que em suas sociedades não existe um conceito equivalente a
palavra arte. Os grafismos que marcam o estilo de diferentes grupos indígenas são
materializações densas de complexas redes de interações que denominam conjuntos de
significados que só fazem sentido no contexto produzido.
Na obra de arte acima concebida por um indígena que saiu de sua aldeia na
proximidades do Rio Negro para estudar e ter acesso aos meios culturais da ideologia
dominante, vemos essa narrativa em sua obra, uma vez que esteticamente nos é familiar
o fundo neutro e a estética que é construída a criança e em toda a composição, mas o
tema é o falar de si, é o encontro e o relacionamento entre culturas como diz Homi K.
Bhabha é a terceira margem, são os três espaços, não é mais o indígena do passado é a
recriação de novas narrativas e de novas possibilidades de arte, de agentes e sujeitos
artísticos.
Sobre a criação desse novo espaço, Denilson Baniwa diz:

“Certamente, estamos ocupando um território simbólico e


hegemônico que historicamente construiu um imaginário da
identidade nacional de forma excludente e discriminatória. Essa
ocupação se verifica justamente pelo não reconhecimento que
indígenas possam ser produtores de arte e conhecimento além do
que está preestabelecido pelo imaginário da Academia e da
sociedade. Os povos nativos sempre foram representados,
expostos e estudados por meio do seu silenciamento. Dessa
forma a arte produzida por indígenas, seja ela qual for (artes
plásticas, cinema, teatro, fotografia etc.), nunca estará destituída
de seu sentido e intenção política, mesmo que
inconscientemente.”

A fala também diz muito sobre para ganhar espaço no meio acadêmico e no
mercado os artistas que não fazem parte do grupo que não falam da ideologia dominante
precisam do aval de intelectuais que se valerem de conceitos eruditos para justificar
suas obras e teoriza-las.
A construção de uma narrativa que questiona, e tenta descristalizar, a
estrutura de códigos tão sólidos que é a tradição historicista. É uma possibilidade de
criação de um diálogo entre aquele que detém o poder de fala e aquele que foi
silenciado. É uma experimentação para levantar uma discussão sobre as diferenças, pelo
contexto histórico, pela comparação, pela materialidade, pela subjetividade. Isso
reflete a desigualdade dentro do contexto sociopolítico, refletido também na esfera das
artes.
No Brasil se fala muito pouco sobre os povos originários, há um esforço muito
grande de seu apagamento e de sua memória, nos esquecendo que temos também
heranças de suas culturas e seu modo de ver. Eu mesma sou de família indígena e sei
muito pouco sobre ela. O antropólogo Viveiros de Castro tem uma frase que sintetiza
muito esse sentimento de impotência:

“O Brasil não existe. O que existe é uma multipliciadade de


povos indígenas, sob o tacão de uma “elite” corrupta, brutal e
gananciosa, povos unidos à força por um sistema midiático e
policial que finge constituir-se em Estado-nação territorial.
Uma fantasia sinistra. Um lugar que é o paraíso dos ricos e o
inferno dos pobres.
Mas entre o paraíso e o inferno, existe a terra. E a terra é
dos índios. E a aqui todo mundo é índio, excerto quem não é.”

Eduardo Viveiros de Castro conclui:

“Essas reflexões são uma tentativa de criar uma definição


a mais larga possível, que reconheça que a resposta à questão de
quem é índio cabe às comunidades que se sentem concernidas,
implicadas por ela. Não cabe ao antropólogo definir quem é
índio, cabe ao antropólogo criar condições teóricas e políticas
para permitir que as comunidades interessadas articulem sua
indianidade.
Nós antropólogos não somos sequer tribunal de apelação.
Um caso pitoresco que me contam, dos caboclos da Serra de
Baturité que viraram índios por conta de uma ONG de um
norueguês crivado de boas intenções e de um padre
excessivamente zeloso do Cimi, é, no meu entender, um caso
marginal, no sentido estatístico e no sentido conceitual. Pois e
daí?, eu diria. O que isso prova? Se aquela comunidade, de fato,
é uma invenção “do mal” (porque pode ser uma invenção “do
bem”), então paciência, vamos ver o que nós fazemos com isso;
vamos ver, sobretudo, se eles se garantem. Nós antropólogos
devíamos nos orgulhar do fato de que o Brasil de hoje está cheio
de comunidades querendo ser indígenas. E devemos nos
orgulhar, entre outras coisas, porque contribuímos para
reavaliar, dar um outro valor, à noção de “índio”. Hoje a
população urbana do país, que sempre teve vergonha da
existência dos índios no Brasil, está em condições de começar a
tratar com um pouco mais de respeito a si mesma, porque, como
eu disse, aqui todo mundo é índio, exceto quem não é.”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? 1. ed. Trad. Sandra Regina
Goulart Almeida; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira. Belo Horizonte: Editora da
UFMG, 2010.

Catálogo Catálogo 13ª Bienal Naïfs do Brasil – Todo mundo é, exceto quem não é.
Editora SESC, 2016
Disponível em: http://bienalnaifs.sescsp.org.br/2016/

BHABHA, Homi K. O Local da Cultura 1ed. Trad. Myriam Ávila; Eliana Lourenço de
Lima Reis; Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte. Editora UFMG, 1998.
- etnocêntrica – “Cultura = Um conceito antropológico

- “O homem é resultado do meio cultura em que foi socializado. Ele é um herdeiro de


um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridas
pelas numerosas gerações que antecederam” pag 24

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