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Úrsula

Narrativa identitária de Maria Firmina dos Reis em


confronto com o discruso histórico-literário oficial

João P. Bichara | Luisa Rei | Maria Clara


Machado | Natã Jessé| Yuri dos Santos
A Chave
séculos XVIII e XIX
↝ imperialismo
↝ ideias iluministas e liberais
↝ revolução industrial

1850 1871 1885 1888


Lei Eusébio Lei do Ventre Lei dos Lei Áurea
de Queirós Livre Sexagenários
História das primeiras letras
1822/25 1847 1880
Vem a vida Concurso Funda
público primário
1859
"Úrsula"
1850 1871 1885 1888
Lei Eusébio Lei do Ventre Lei dos Lei Áurea
de Queirós Livre Sexagenários
Estilo da obra — Romantismo
Surge na Europa no século XVIII como forma de oposição aos
modelos clássicos e à cosmovisão racionalista pregado pelos
Iluministas. (ROSENFELD; GUINSBURG, 2005, p. 261).

Em meados do século XIX é que o movimento romântico toma


força no Brasil.

Tem como foco o ser humano e seu lado irracional, focando


principalmente nos sentimentos. Dentre suas características,
também se encontram a valorização do nacionalismo e a
idealização do amor e da figura feminina.
O romance gótico
Surge na segunda metade do século XVIII como uma vertente
em prosa ou poética do movimento romântico europeu.
(MARTONI, 2011, p. 1)
Em Úrsula podemos encontrar diversas características do
romance gótico: donzelas em apuros, a figura do herói,
assassinatos, vilões violentos, cenários sombrios, a divisão
clara entre “o bem e o mal”, tudo permeado pelo sentimento
de medo, retratando o lado mais sombrio da vida.
No Brasil, o romance gótico praticamente não foi
desenvolvido visto que a escola romântica brasileira estava
muito mais preocupada em edificar uma identidade nacional
homogênea, não havendo abertura para um estilo considerado
"menor". (MUZART, 2013, p. 307)
Através do gênero, Maria Firmina dos Reis retrata o horror da escravização e do patriarcado.
Enredo
Acompanhamos a personagem-título, Úrsula,
na sua jornada romântica com Tancredo, um
jovem cavaleiro que se acidenta nos arredores da
casa da mocinha e é ajudado por Túlio,
escravizado que também vive ali. A jovem se
encarrega dos cuidados do rapaz e logo se
apaixonam, tendo que sofrer duros percalços nas
mãos do vilão, Fernando P. A trama nos
apresenta outras personagens essenciais para
fazer a história se desenvolver: Luísa B., mãe de
Úrsula, que vive somente com a ajuda da filha, e
Susana, outra escravizada da casa, que carrega
uma presença tocante na obra.
História das primeiras letras
1822/25 1847 1861 1871 1880 1887 1917
Vem a Concurso"Gupeva" "Cantos a Funda "A escrava" Falecimento
vida público beira-mar" primário
1859
"Úrsula"
1850 1871 1885 1888
Lei Eusébio Lei do Ventre Lei dos Lei Áurea
de Queirós Livre Sexagenários
Eu - mulher
CONCEIÇÃO EVARISTO
Uma gota de leite Antes – agora – o que há de vir.
me escorre entre os seios. Eu fêmea-matriz.
Uma mancha de sangue Eu força-motriz.
me enfeita entre as pernas. Eu-mulher
Meia palavra mordida abrigo da semente
me foge da boca. moto-contínuo
Vagos desejos insinuam do mundo.
esperanças. Conceição Evaristo, Poemas da
Eu-mulher em rios vermelhos Recordação e Outros Movimentos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Representação dos corpos negros no
romance de Maria Firmina dos Reis:
Representação do corpo negro na literatura.

Contraposição do romance “Úrsula” na dicotomia entre o


branco piedoso e o negro perverso.
Representação dos corpos negros no
romance de Maria Firmina dos Reis:
A obra possui uma narrativa identitária.

Observação x Vivência.
Representação dos corpos negros no
romance de Maria Firmina dos Reis:
Declaração marcada pelo posicionamento de rejeição a uma
sociedade que depreciava escritoras mulheres e tanto mais
negras.
Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e
mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e a
conservação dos homens ilustrados, que aconselham, que discutem e
que corrigem, com uma instrução misérrima, apenas conhecendo a
língua de seus pais, e pouco lida, o seu cabedal intelectual é quase
nulo. (REIS, 2018, p.1)
Representação dos corpos negros no
romance de Maria Firmina dos Reis:
O enredo com grandes personalidades de cor negra e que
representam uma visão totalmente contrária a imagem veiculada
pelos romances já vistos.

Túlio, Susana e Antero são três personagens negros que na obra


questionam edenunciam o sistema escravocrata oitocentista e
traçam uma identidade do Brasil.
Representação dos corpos negros no
romance de Maria Firmina dos Reis:
Representação do corpo negro
Reunindo todas as suas forças, o jovem escravo arrancou de sob o pé
ulcerado do desconhecido o cavalo morto, e deixando-o por um
momento correu à fonte para onde uma hora antes se dirigia, encheu
o cântaro, e com extrema velocidade voltou para junto do enfermo,
que com desvelado interesse procurou reanimar. Banhou-lhe a fronte
com água fresca, depois de ter com piedosa bondade colocado-lhe a
cabeça sobre seus joelhos. Só Deus testemunhava aquela cena tocante
e admirável, tão cheia de unção e de caridoso desvelo! E ele
continuava a sua obra de piedade, esperando ansioso a ressureição do
desconhecido, que tanto o interessava. (REIS, 2009, p.23)
Representação dos corpos negros no
romance de Maria Firmina dos Reis:
Maria Firmina dos Reis apresenta essa figura do negro com uma conotação
positiva, virtuosa, que contraria os estereótipos já construídos sobre o negro
desumanizado pelo processo colonizador a que foi submetido.
O homem que assim falava era um pobre rapaz, que ao muito parecia contar
vinte e cinco anos, e que na franca expressão de sua fisionomia deixava adivinhar
toda a nobreza de um coração bem formado. O sangue africano refervia-lhe nas
veias; o mísero ligava-se à odiosa cadeia da escravidão; e embalde o sangue
ardente que herdara de seus pais, e que o nosso clima e a escravidão não puderam
resfriar, embalde – dissemos – se revoltava; porque se lhe erguia como barreira –
o poder do forte contra o fraco!... (REIS, 2009, pag 22)
Representação dos corpos negros no
romance de Maria Firmina dos Reis:
Denúncia da escravização, a partir da vivência da mulher negra:
Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto
porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é mais
necessário à vida passamos nessa sepultura até abordarmos as praias brasileiras. Para caber a
mercadoria humana no porão fomos amarrados em pé e para que não houvesse receio de revolta,
acorrentados como os animais ferozes das nossas matas, que se levam para recreio dos potentados da
Europa. Davam-nos água imunda, podre e dada com mesquinhez, a comida má e ainda porca: vimos
morrer ao nosso lado companheiros à falta de ar, de alimento e de água. É horrível lembrar que
criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de levá-los à
sepultura asfixiados e famintos! Muitos não deixavam chegar esse extremo – davam-se à morte. Nos
dois últimos dias não houve mais alimento. Os insofridos entraram a vozear. Grande Deus! Da
escotilha lançaram sobre nós água e breu fervendo, que escaldou-nos e veio dar a morte aos cabeças do
motim. (REIS 2009, p. 117)
nessa sepultura até abordarmos as praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão fomos amarrad
em pé e para que não houvesse receio de revolta, acorrentados como os animais ferozes das nossas matas, que
levam para recreio dos potentados da Europa. Davam-nos água imunda, podre e dada com mesquinhez, a comi
má e ainda porca: vimos morrer ao nosso lado companheiros à falta de ar, de alimento e de água. É horrív
lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de levá-los
sepultura asfixiados e famintos! Muitos não deixavam chegar esse extremo – davam-se à morte. Nos dois últim
dias não houve mais alimento. Os insofridos entraram a vozear. Grande Deus! Da escotilha lançaram sobre n
água e breu fervendo, que escaldou-nos e veio dar a morte aos cabeças do motim.
Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão
um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário à vida passam
nessa sepultura até abordarmos as praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão fomos amarrad
em pé e para que não houvesse receio de revolta, acorrentados como os animais ferozes das nossas matas, que
levam para recreio dos potentados da Europa. Davam-nos água imunda, podre e dada com mesquinhez, a com
má e ainda porca: vimos morrer ao nosso lado companheiros à falta de ar, de alimento e de água. É horrí
lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de levá-lo
sepultura asfixiados e famintos! Muitos não deixavam chegar esse extremo – davam-se à morte. Nos dois últim
dias não houve mais alimento. Os insofridos entraram a vozear. Grande Deus! Da escotilha lançaram sobre n
água e breu fervendo, que escaldou-nos e veio dar a morte aos cabeças do motim.
Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão d
um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário à vida passamo
nessa sepultura até abordarmos as praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão fomos amarrado
m pé e para que não houvesse receio de revolta, acorrentados como os animais ferozes das nossas matas, que s
evam para recreio dos potentados da Europa. Davam-nos água imunda, podre e dada com mesquinhez, a comid
má e ainda porca: vimos morrer ao nosso lado companheiros à falta de ar, de alimento e de água. É horríve
Os Abolicionismos no Brasil da segunda
metade do século XIX (breve panorama):
Com base no documentário "A Última Abolição" (2018), comenta-
se que, no contexto histórico de publicação da obra literária
"Úrsula" (1857), a realidade social e política do Brasil ficou marcada
pela intensificação da luta abolicionista. Desse modo, aponta-se
que o engajamento frente à problemática da escravização contou
não só com a participação de membros da elite política, mas
também com a atuação de importantes personalidades negras,
como Maria Firmina dos Reis, Luiz Gama e André Rebouças. É
válido ressaltar que, nessa época, a Lei Eusébio de Queirós (1850),
que proibia o tráfico negreiro, estava em vigor. No entanto, houve a
permanência dessa prática entre as províncias do país.
Os Abolicionismos no Brasil da segunda
metade do século XIX (breve panorama):

Maria Firmina Luis Gama André


dos Reis Rebouças
As diferentes vozes da diáspora africana no
enredo de "Úrsula": Mãe Susana, Túlio e Antero
O enredo de "Úrsula" (1859), embora esteja
alinhado às convenções estilísticas do
romantismo, distancia-se do discurso histórico
do cânone literário, já que, a partir da dimensão
psicológica das personagens negras, Maria
Firmina dos Reis desperta um novo imaginário
acerca da identidade étnico-racial negra. Desse
modo, os negros escravizados presentes na
narrativa são concebidos a partir de suas
próprias memórias, vivências e angústias,
conferindo-lhes humanidade, conforme se vê nos
fragmentos a seguir:
Mãe Susana (capítulo "A Preta Susana")
"(...) Tinha chegado o tempo da colheita, e o milho e o inhame
e o amendoim eram em abundância em nossas roças. Era um
destes dias em que a natureza parece entregar-se toda a
brandos folgares, era uma manhã risonha, e bela, como o rosto
de um infante, entretanto eu tinha um peso enorme no
coração. Era a primeira vez que me afligia tão incompreensível
pesar. Minha filha sorria-se para mim, era ela gentilzinha, e em
sua inocência semelhava um anjo. Desgraçada de mim!
Deixei-a nos braços de minha mãe, e fui-me à roça colher
milho. Ah! Nunca mais devia eu vê-la…
(...)
Mãe Susana (capítulo "A Preta Susana")
(...) E logo dois homens apareceram, e amarraram-me com
cordas. Era uma prisioneira - era uma escrava! Foi embalde
que supliquei em nome de minha filha que me restituíssem a
liberdade: os bárbaros sorriam-se das minhas lágrimas, e
olhavam-me sem compaixão. (...) Quando me arrancaram
daqueles lugares, onde tudo me ficava; pátria, esposo, mãe e
filha, e liberdade! Meu Deus! O que se passou no fundo da
minha alma, só vós o pudestes avaliar!...
(...)
(...)" (2020, p. 84-85).
Túlio e Mãe Susana (capítulo "O Regresso")
"Túlio tinha recaído em suas profundas meditações, e Tancredo, que
começava a sentir-se feliz com a ideia de rever o objeto de seu amor,
admirava a beleza natural dessa soberba situação, quando de repente,
voltando-se para o seu companheiro, perguntou-lhe:
– Habitaste algum dia estes lugares, meu Túlio?
– Se os habitei, perguntas?! Ah! Este é o lugar de meu nascimento; mas que
detesto, que eu amaldiçoo do fundo da minha alma; porque aqui minha
pobre mãe, à força de tratos os mais bárbaros, acabou seus míseros dias!
(...)
– Minha mãe – continuou o jovem negro – era a escrava predileta de minha
senhora: essa predileção chamou sobre ela parte do ódio que Fernando P.
votava à sua irmã.
Deveis saber que esse homem amaldiçoado comprou as numerosas dívidas
que me senhor legou à órfã e à sua viúva, (...)
Túlio e Mãe Susana (capítulo "O Regresso")
– Pois bem – prosseguiu Túlio, com voz lagrimosa – minha
desgraçada mãe fez parte daquilo que ele comprou aos credores,
(...)
– Bem pequeno era eu – continuou Túlio após uma pausa
entrecortada de soluços; – mas chorei um pranto bem sentido por
vê-la se partir de mim, e só comecei a consolar-me, quando mãe
Susana à noite balouçando-me na rede, disse-me:
– Não chores mais, meu filho, basta. Tua mãe volta amanhã, e te há
de trazer muito mel, e um balaio cheio de frutas.
– (...) Embalde a esperei no outro dia! Porém mãe Susana, que
chorava enquanto eu cuidava dos meus brinquedos, sorria-se
quando me via, e procurava fazer-me esquecer minha mãe e seus
afagos." (2020, p. 122-124).
Antero e Túlio (capítulo "A Dedicação")
Antero era um escravo velho, que guardava a casa, e cujo maior defeito era a afeição que tinha a
todas as bebidas alcoolizadas.
(...)
– Que mau vício em verdade, pai Antero… Sempre a fumar e a beber. Não vos envergonhais de
semelhante procedimento? Que conceito fará de vós o senhor comendador?!
– Que conceito? – interrogou o velho desapontado. – Que conceito! É o único vício que tenho; e
ainda por conservá-lo não prejudiquei ninguém. Que te importa que beba – acrescentou com voz
que queria dizer: não tens coração. – Por ventura pedi-te algum dinheiro para fumo ou cachaça? –
E dizendo afagava a cabaça vazia com um desvelo todo paternal, como que arrependido de tê-la
desprezado, a ela, a sua companheira constante.
(...)
– Pois ouça-me, senhor conselheiro: na minha terra há um dia em cada semana, que se dedica à
festa do fetiche, e nesse dia, como não se trabalha, a gente diverte-se, brinca, e bebe. Oh, lá então
é vinho de palmeira mil vezes melhor que cachaça, e ainda que tiquira. (2020, p. 154).
O discurso identitário de Maria
Firmina dos Reis:
A partir disso, é válido ressaltar que o projeto artístico-literário da autora distanciou-se da
ideologia nacionalista vigente em sua época. Além disso, as personagens negras não são
vistas à margem da branquitude, como ocorre em "A Escrava Isaura" (1875), de Bernardo
Guimarães. Nesse sentido, a partir do romance "Úrsula" (1857), Maria Firmina dos Reis
posiciona-se contra as injustiças étnico-raciais desencadeadas pela permanência do sistema
escravista no Brasil, permitindo que as experiências dos negros escravizados venham à tona.
Tal comentário se baseia em trechos da primeira resenha do livro na imprensa maranhense:
PROSPECTO
(...)
Recolhida ao seu gabinete a sós consigo mesma, a
autora brasileira tem procurado estudar os homens
e as coisas, e o fruto desses esforços de sua vontade
é: ― ÚRSULA ―.
PROSPECTO
Recolhida ao seu gabinete a sós consigo mesma, a
autora brasileira tem procurado estudar os homens
e as coisas, e o fruto desses esforços de sua vontade
é: ― ÚRSULA ―.
(...)
Túlio e Susana representam essa porção do gênero
humano tão recomendável pelas suas desditas ― O
Escravo! ―. A autora tem meditado sobre a sorte desses
desgraçados entes, tem-lhes escutado as lacrimosas nênias e
o gemer saudoso, a recordação de uma vida que
já lá passou, mas que era bela nas regiões da África!…
É um brado a favor da humanidade ― desculpai-a…
(...)
O CAIXEIRO D'ALFAIATE.
(A Imprensa, 17/10/1857, ano I, número 40, página 3,
segunda coluna)..
Úrsula (1857): um contraponto às narrativas oficiais:
Em vista dos comentários apresentados, infere-se que a obra da
autora maranhense contribui para uma perspectiva mais
aprofundada das implicações étnicas e sociais da escravização
no Brasil, rompendo, pois, com uma visão unilateral dos
processos históricos. Nessa perspectiva, convém evidenciar um
fragmento da entrevista intitulada "O Perigo de uma história
única" (2009), da escritora feminista nigeriana Chimamanda
Ngozi Adichie: "As histórias importam. Muitas histórias
importam. As histórias foram usadas para espoliar e caluniar,
mas também podem ser usadas para empoderar e humanizar.
Elas podem despedaçar a dignidade de um povo, mas também
podem reparar essa dignidade despedaçada." (2019, p. 16).
A realidade escravocrata em “Úrsula” e no
Brasil “Pós-abolição”: O grito dos excluídos
“A exceção só serve para confirmar a regra. E que regras são essas,
sociais e raciais, dentro da sociedade brasileira que, para alguns
vencerem determinadas barreiras, é muito fácil?” (Conceição Evaristo)

“Brava Gente! O grito dos excluídos


no Bicentenário da Independência”
A realidade escravocrata em “Úrsula” e no
Brasil “Pós-abolição”: O grito dos excluídos
– Oh, quanto a isso não, mãe Susana – tornou Túlio. - A senhora Luísa foi para mim boa e
carinhosa, o céu lhe pague o bem que me fez, que eu nunca me esquecerei de que poupou-me os
mais acerbos desgostos da escravidão, mas quanto ao jovem cavaleiro, é bem diverso o meu
sentir; sim, bem diverso. Não troco cativeiro por cativeiro, oh não! Troco escravidão por
liberdade, por ampla liberdade! Veja, mãe Susana, se deve ter limites a minha gratidão: veja se
devo, ou não, acompanhá-lo, se devo ou não provar-lhe até a morte o meu reconhecimento!...
(...)
– Tu! Tu livre? Ah, não me iludas! - exclamou a velha africana abrindo uns grandes olhos. - Meu
filho, tu és já livre?...
(...)
Sim, para que estas lágrimas?!... Dizes bem! Elas são inúteis, meu Deus; mas é um tributo de
saudade, que não posso deixar de render a tudo quanto me foi caro! Liberdade! Liberdade!... ah!
(REIS, 2020, p. 82-83)
Os teóricos da contemporaneidade:
Conceição Evaristo
É importante frisar que essa grande intelectual negra defende um
ideal de que o corpo negro sempre foi invadido pelo sistema
escravocrata do “passado” e também pelas relações raciais que
transparecem nos dias atuais. Há uma repercussão da memória,
dos saberes, das culturas de origem africana.

“A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio.” (EVARISTO, Vozes-Mulheres, v. 1-3)
Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro
no estreito e infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos e de falta
absoluta de tudo quanto é mais necessário à vida, passamos nessa sepultura até que
abordamos às praias brasileiras. (REIS, 2020, p. 84)
A realidade escravocrata em “Úrsula” e no Brasil
“Pós-abolição”: Será mesmo que tivemos uma segunda
independência?
“Os míseros escravos gemeram de ódio e de dor; mas nem
a mais leve exprobração, nem um sinal de justa indignação
se lhes pintou no rosto. Eram escravos, estavam sujeitos
aos caprichos de seu bárbaro senhor.” (REIS, 2020, p. 132)
A realidade escravocrata em “Úrsula” e no Brasil
“Pós-abolição”: Será mesmo que tivemos uma segunda
independência?
Ainda as casas dos escravos, que outrora tinham sido de um aspecto agradável,
tapadas de barro e cobertas de telha, hoje mal representavam esse singelo asseio
de outras eras. Já arruinadas, desmoronavam-se aqui e ali; porque os
desgraçados escravos do comendador, espectros ambulantes, não dispunham de
uma só hora no dia, que pudessem dedicar em benefício de suas moradas; à noite
trabalhavam ordinariamente até o primeiro cantar do galo. Esfaimados, seminus,
espancados cruelmente, suspiravam pelas duas ou três horas de sono fatigado,
que lhes concedia a dureza de seu senhor. (REIS, 2020, p. 122.)
Os teóricos da contemporaneidade: Luiz Silva, mais
conhecido como Cuti.
No livro “Literatura Negro-Brasileira", Cuti destaca a aparição de
elementos culturais de origem africana, relacionando-os a
características relativas coletivamente ao sujeito étnico do discurso.
No entanto, ele enfatiza que ainda há um destaque para o que é
produzido por um branco, minimizando tudo aquilo vindo do negro-
brasileiro. Diante disso, ele apresenta a seguinte percepção de como
ocorre esse combate dentro de uma produção com autoria negra:
Uma das formas que o autor negro-brasileiro emprega em seus textos
para romper com o preconceito existente na produção textual de
autores brancos é fazer do próprio preconceito e da discriminação
racial temas de suas obras, apontando-lhes as contradições e as
consequências. Ao realizar tal tarefa, demarca o ponto diferenciado de
emanação do discurso, o “lugar” de onde fala. (2010, p. 25)
No seu ponto de vista, com relação às
discussões das relações étnico-raciais,
qual é a relevância da obra literária
"Úrsula" (1857) no contexto político-
histórico atual?
Ouça a canção, a fim de refletir sobre a pergunta proposta:
https://youtu.be/9weFwVkBCWY
-histórico atual?
Obrigado por
escutar

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