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SUMÁRIO

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ROMANTISMO

SÉC. XIX (1836-1870)

CONTEXTO HISTÓRICO

EUROPA: O Romantismo foi a arte da burguesia vitoriosa após a I Revolução Industrial. Era o auge
do Liberalismo, que se tornava uma filosofia de vida individual. Muitos países europeus viviam um
surto de alfabetização, democratizando a arte literária. Nascia um enorme, variado e ávido público
leitor, os escritores profissionalizavam-se e o livro passava a ser visto como um produto.

A arte romântica parece ter surgido na Alemanha dos 1770 com o movimento Sturn und
drang (Tempestade e ímpeto), que preconizava uma arte nacionalista e folclórica (popular), que se
opunha à erudição e ao universalismo do Arcadismo.

Obras como Os cantos de Ossian (1760), do poeta inglês Macpherson, e Os sofrimentos do


jovem Werther (1774), do poeta alemão Goethe, foram influências decisivas para as futuras
gerações de autores românticos.

BRASIL: O acontecimento histórico mais relevante para o nosso Romantismo foi a independência
política do país (1822).

CARACTERÍSTICAS

INDIVIDUALISMO: Os românticos valorizam a individualidade do ser, o que teve ecos na


concepção romântica de produção artística: a arte passou a ser a tradução da subjetividade e da
personalidade do artista; logo, impossível de ser reproduzida em sua essência por quem quer que
fosse. O individualismo criativo romântico parte do fato de que suas obras partiam do sofrimento
pessoal do artista. Somente seriam autênticas e teriam real valor artístico as criações baseadas nas
dores e penas individuais de seu criador.

EXTREMOS SUBJETIVISMO E SENTIMENTALISMO: O romântico vivia um profundo mal-estar


quanto ao racionalismo materialista burguês, daí o mergulho em sua subjetividade em busca de
autenticidade, apostando todas as fichas no amor como único sentido para a vida. O desacerto
entre o “eu” e o mundo opõe a sensibilidade individual e a frivolidade coletiva. Porém, a
realização afetiva era vedada aos românticos, cujas paixões eram quase sempre marcadas pelo
platonismo, ou seja, idealizavam de tal modo suas amadas que elas se tornavam seres inacessíveis.
Restava tristeza, desamparo e solidão.

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O marasmo do cotidiano levava os românticos a um inevitável e profundo tédio, daí odiarem
tanto a realidade e cultuarem variadas formas de escapismo, buscado:

 No plano temporal: o Romantismo louvou sobremaneira o passado; tanto o histórico (Idade


Média: religiosidade e nacionalismo) quanto o individual (negação à vida adulta e saudades da
infância e adolescência, tempo de possível felicidade nos pequenos prazeres da vida).

 No plano espacial: a estética romântica tomou a civilização como opressão e aviltamento do


indivíduo em face à natureza, redentora da pureza e autenticidade humanas. Só em contato
íntimo com ela o homem podia dar plena vazão à sua sensibilidade. Humanizados ou
divinizados, os cenários naturais surgiam como extensão do estado anímico do ser. Confidente
nas horas melancólicas, musa inspiradora de ternos sentimentos, ela minora a dor daquele que
sofre, substituindo os braços da amada distante ou o colo da mãe ausente. A natureza é ainda
vista de forma panteísta (prova da bondade e presença divina).

Enfim, não raro os românticos criaram atmosferas oníricas e delirantes como um universo paralelo
à realidade.

INTENSO NACIONALISMO: Traço elementar no Romantismo europeu, o nacionalismo foi


potencializado em nossa literatura em decorrência da recente independência do país.
Transcendendo o papel meramente artístico, a literatura virou ferramenta ideológica para criar
uma identidade para a jovem nação. O objetivo estava lançado: a independência cultural do Brasil;
os elementos básicos definidos: a natureza e o índio; o instrumental técnico (modo de fazê-lo) era a
absoluta idealização da cor local natural (cenário) e humana.

LIBERDADE ARTÍSTICA: Os românticos deploravam a imitação, típica da arte clássica. Negavam


normas preestabelecidas, preferindo criar suas próprias regras, baseadas na subjetividade,
espontaneidade e inspiração individual.

Todavia, seguiam algumas diretrizes estilísticas: grande variedade métrica e rítmica, maior
uso de versos brancos e estilo verbal excessivo (cheio de adjetivos e interjeições) e retórico. Outra
marca formal do Romantismo foi a sua disposição ao hibridismo dos gêneros, por exemplo, a prosa
poética. Além do fortalecimento do romance como principal forma narrativo-descritiva da realidade,
e não a poesia épica; cite-se o teatro romântico, que teve no drama sua melhor forma, deixando em
segundo plano a tragédia clássica.

POESIA ROMÂNTICA

AS GERAÇÕES: DIFERENTES VISÕES DE MUNDO

A poesia romântica brasileira divide-se em três gerações. As obras dos integrantes de cada
uma das gerações possuem similaridades que tornam viável abordá-las em conjunto.

1ª GERAÇÃO: NACIONALISTA OU INDIANISTA

Os poetas da 1ª geração estavam de todo imbuídos do nacionalismo ufanista pós-


independência (1822). Seus temas centrais foram a natureza e o índio locais. Eram brasileiros que
foram estudar na Europa, daí que a saudade da pátria tenha virado tema poético. Aqui, o amor é
cantado na perspectiva platônica. Suas influências foram os franceses Chateuabriand (no
indianismo) e Lamartine (quanto à total idealização feminina).

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GONÇALVES DE MAGALHÃES (1811-1882)

Obras: Suspiros poéticos e saudades (1836) e A confederação dos tamoios (1857)

CARACTERÍSTICAS GERAIS

Batalhou muito para radicar o Romantismo no Brasil e teve o mérito de fundar a revista
Niterói: Revista brasiliense em Paris. Suspiros poéticos e saudades (1836) foi a primeira obra do
nosso Romantismo. Seus versos denotam um sentimentalismo burocrático e pouco de autêntica
emoção. Assim, o prefácio do livro foi mais lido do que as poesias, cujos temas são a pátria, as
paixões do homem, o nada da vida e a religiosidade. Magalhães aliou-se ao indianismo em A
confederação dos tamoios, uma tentativa de épico-indianista fracassada.

GONÇALVES DIAS (1823-1864)

Obras: poesia: Primeiros cantos (1843), Segundos cantos (1848), Sextilhas de Frei Antão (1848) e
Últimos cantos (1850); teatro: Beatriz Cenci (1843) e Leonor de Mendonça (1846)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Veremos a lira de Gonçalves Dias em três temas: o índio, a natureza (saudade da pátria) e o
amor.

1. POESIA INDIANISTA

O poeta eleva o índio a símbolo da nação brasileira e genuíno ser brasileiro, postura que
beira a xenofobia quanto ao europeu e o ressentimento com o colonialismo. A total idealização do
índio gerou constante inverossimilhança. Na linha do bom selvagem, de Rousseau, o indígena era
descrito como um ser puro e inocente em sua rusticidade. O índio gonçalvino não é branqueado,
por exemplo, no poema narrativo I-Juca Pirama.

I-JUCA PIRAMA

O jovem guerreiro tupi é preso pelos inimigos timbiras, tem início o ritual antropofágico.
Porém, ele pede para ser poupado do sacrifício por conta de seu pai, velho e cego. Julgado covarde
e indigno de ser pasto dos fortes timbiras, ele é humilhado e solto.

O cheiro das tintas usadas no rito antropofágico e a cabeça raspada do filho levam o ancião a
adivinhar sua fraqueza. Levado até a aldeia rival, ele exige que seu filho seja morto, conforme a
tradição. O chefe timbira diz que, por ter chorado, o jovem era indigno de tal honra. Quando presas
de tribos rivais, coragem e altivez em face da morte eram imprescindíveis para os indígenas.
Envergonhado por seu filho, o velho amaldiçoa-o e, dramaticamente, deseja-lhe todo tipo de
infelicidades:

“Tu choraste em presença da morte?


Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és! (...)

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Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz! (...)”

O velho ouve o grito de guerra do filho, que luta contra os inimigos... O chefe timbira ordena
o fim do combate: o jovem retomara o respeito dos inimigos e o orgulho do pai, era digno da
imolação, o que corre em seguida. Aliás, I-Juca Pirama significa “o que é digno de ser morto”, em
tupi. No presente, o último canto informa que os fatos narrados ocorreram há muito tempo e que
foram evocados pela memória de um velho timbira que os testemunhara.

Comentários: composto de dez cantos, o poema épico-dramático possui um forte lirismo. Traz
variada métrica e sua linguagem é rítmica e melódica, bem como verossimilhança no trato dos
costumes indígenas.

2. A POESIA SOBRE A NATUREZA

Em sua inigualável formosura e pujança, elevada a autêntico símbolo do país e da América,


as belezas naturais brasileiras surgem também sob um forte ufanismo nacionalista. De Portugal,
Gonçalves Dias louvou em seus versos o mar, o céu, as estrelas, os campos, as florestas, os
bosques, as várzeas e o inesquecível sabiá de sua pátria distante com intenso saudosismo e
sentimento panteísta. Leia um trecho do melhor exemplo disso:

Canção do exílio
“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores. (...)
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá; (...)

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.”

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3. POESIA AMOROSA

Amar e sofrer são praticamente o mesmo sentimento p ara Gonçalves Dias. Raramente
realizado, o amor não passa de uma mera ilusão ou limita-se à indiferença do ser amado. Solidão e
angústia tomam conta do eu-lírico. Temendo o fracasso, o poeta costuma optar pelo platonismo,
mantendo seu sentimento no campo da idealização e da irrealização, como se vê abaixo:

Ainda uma vez – adeus!


“Enfim te vejo! – enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te
Que não cessei de querer-te
Apesar do quanto sofri.
Muito pensei. Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram acabrunhado,
A não lembrar-me de ti. (...)

Lerás, porém, algum dia


Meus versos d’alma arrancados
D’amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; – e então
Confio que te comovas.
Que a minha dor te apiede,
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, – de compaixão.”

2ª GERAÇÃO: O “MAL DO SÉCULO”

Os poetas da 2ª geração cantam seus estados de alma, paixões, desesperança, solidão e


angústias por não saberem lidar com a força de seus sentimentos e desejos físicos, os quais o
sujeito lírico tenta sublimar. O cotidiano é reduzido a tédio mórbido (“mal do século”) que toma
conta daqueles que dele não se evadem. As influências foram os versos adocicados do francês
Alfred Musset e o satanismo do poeta inglês Lord Byron.

ÁLVARES DE AZEVEDO (1831-1852)

Obras: poesia: Lira dos vinte anos (1853) e O Conde Lopo (1886); contos: Noite na taverna (1855);
poema dramático: Macário (1855)

LIRA DOS VINTE ANOS

PARTE I: Na linha idealista de Lamartine e de Musset, os poemas abordam a morte e o amor


platônico por uma virgem pálida e intangível , envolta em brumas. Os versos são cheios de
devaneios, de amor aturdido pelo medo e pela culpa diante dos desejos carnais , o que resulta no
fascínio pela morte. Em O poeta, vemos a submissão do eu poético à sua amada:

“(...) Mas volta ao menos no lembrar saudoso


Um ai de sonhador...
Deus sabe se te amei!... Não te maldigo,

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Maldigo o meu amor!... (...)

Só um olhar por compaixão te peço


Um olhar... mas bem lânguido, bem terno...
Quero um olhar que me arrebate o siso,
Me queime o sangue, me escureça os olhos,
Me torne delirante!”

A mulher, às vezes, também aparece como uma devassa que nutre os instintos sexuais e
orgiásticos do adolescente e, por isso, torna-se repugnante aos olhos do eu-lírico.

PARTE II: Além do par amor-morte, há, em Lira dos vinte anos, um Romantismo fortemente
byroniano (irônico, sarcástico), com temas mais próximos ao cotidiano, resultando em um tédio
doentio no eu-lírico. O próprio Álvares aponta a mudança de foco: “Aqui dissipa-se o mundo
visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo. (...) A razão é simples. É que a unidade
deste livro funda-se numa binômia”. Vejamos um soneto:

“Um mancebo no jogo se descora,


Outro bêbado passa noite e dias,
Um tolo pela valsa viveria,
Um passeia a cavalo, outro namora.

Um outro que uma má sina devora


Faz das vidas alheias zombaria,
Outro toma rapé, um outro espia...
Quantos moços perdidos vejo agora!

Oh! não proíbam pois ao meu retiro


Do pensamento ao merencório luto
A fumaça gentio por que suspiro.

Numa fumaça o canto d’alma escuto...


Um aroma balsâmico respiro,
Oh! deixai-me fumar o meu charuto!”

Comentários: o tema central do poema é o tédio mórbido e a juventude a tentar, cada qual a seu
modo, uma forma diferente de escapismo: jogos, bebidas, festas, passeios a cavalo, namoros,
rapé, charutos etc. Note que o sujeito poético encontra no fumo – além do prazer, é claro – o
estado anímico perfeito para um singular mergulho em seu íntimo (“Numa fumaça o canto d’alma
escuto...”), em uma completa negação à realidade exterior.

IMPORTANTE:
O amor e a figura da amada são ironizados em alguns dos inusitados poemas dessa
segunda parte de Lira dos vinte anos. Um tombo do eu poético que andava a cavalo,
o dinheiro (ou a falta dele) e o dia a dia flagrado com senso de humor e com
ironia são as demais tônicas desta “outra face da medalha”.

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NOITE NA TAVERNA

Primeiro livro de contos em nossa literatura, traz estrutura de narrativa de moldura: contos
enquadrados, uma trama geral emoldura (liga) as demais. Os contos de Noite na taverna são
narrados por cinco jovens que decidem contar histórias sanguinolentas e fantásticas enquanto
bebem e fumam em uma tasca. Cada um deles relata uma aventura fantasiosa do passado vivida
em diferentes países da Europa, cuja atmosfera geral parece um pesadelo satânico, fantasmagórico
e macabro, ligando de modo pessimista as relações amorosas ao par ultrarromântico amor e morte.
Aliás, Álvares foi chamado de “Byron brasileiro”.

O lado bestial da alma humana habita este submundo, dominado pela absoluta falta de
moral e perversidade, bem como pela tortura íntima, que irrompe nos mais proibidos instintos.
Canibalismo, assassinatos, necrofilia, incesto, suicídio e loucura são os temas das narrativas, cuja
atmosfera de pesadelo levou a crítica a apontar influência gótica em sua composição.

CASIMIRO DE ABREU (1839-1860)

Obra: PRIMAVERAS (1850)

A obra possui lirismo ingênuo e comovente singeleza. Divide-se nos seguintes núcleos
temáticos: o amor, o saudosismo da pátria e da infância e o tédio existencial.

1. O AMOR

Sem ferir o bom gosto e o decoro, seus maliciosos versos veiculam diversas ambiguidades
sexuais. O eu poético sente-se vacilante ao lidar com seus desejos, já que anseia por realização
amorosa, mas teme o universo erótico desconhecido. Disso decorre um inusitado negaceio
amoroso, uma espécie de jogo sensual cuja arte está justamente na dubiedade de mostrar e
esconder, em um erotismo sadio e um tanto inocente. Já visto em Álvares de Azevedo, o tema do
poema a seguir é definido por seu próprio título: Amor e medo:

“Quando eu te vejo e me desvio cauto


Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
– ‘Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!’

Como te enganas! meu amor, é chama


Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela – eu moço; tens amor, eu – medo...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,


Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes. (...)”

Veja, entretanto, que a sofreguidão dos ardores juvenis do eu-lírico de Casimiro não é tão
dilacerante como em Álvares de Azevedo, mas soa um pouco protocolar.

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2. O SAUDOSISMO DA PÁTRIA E DA INFÂNCIA

Casimiro foi o único poeta egótico (2ª geração) que estudou em Portugal, os demais
gozavam de nossas recentes universidades, sobretudo a USP. Surtiu disso o sentimento de exílio e
saudosismo da pátria em seus versos, algo muito parecido com Gonçalves Dias. Em Primaveras, a
nostalgia além-mar pelo solo natal excede o meio natural para evocar suas antigas vivências: o lar,
a mãe e a irmã, tudo traz à tona as lembranças da infância. Para ele, a meninice é a única época
em que se pode ser feliz, quando tudo é alegria pura e sincera de viver, os mínimos eventos são
mágicas aventuras, o mundo é aliado do ser. Observe:

Meus oito anos


“Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias


Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor! (...)

Oh! dias da minha infância!


Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã! (...)”

3. O TÉDIO EXISTENCIAL

Primaveras traz ainda poemas em que o poeta aprofunda suas tristezas cotidianas, oriundas
do fatalismo da passagem do tempo quando da doença (tuberculose) e da morte iminente.

Formalmente, a poesia de Casimiro de Abreu possui terna musicalidade e poder rítmico,


obtidos por versos curtos e rimas fáceis. Sua linguagem é simples e fluente.

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POETAS MENORES DA 2ª GERAÇÃO

– FAGUNDES VARELA (1841-1875). Obras: Noturnas (1861), Vozes d’América (1864), Cantos
e fantasias (1865), Cantos meridionais (1869) e Anchieta ou evangelho nas selvas (1875)

– JUNQUEIRA FREIRE (1832-1855). Obra: Inspirações do claustro (1855)

3ª GERAÇÃO: CONDOREIRA OU HUGOANA

Na década de 1870, nossos intelectuais mostravam senso crítico quanto à realidade política,
econômica e humana do país, criando uma arte engajada em prol de causas liberais e
humanitárias. Sob influência do poeta francês Victor Hugo, a poesia pediu o fim da Monarquia e
da escravidão. O republicanismo e a defesa da abolição da escravatura tornaram a geração
conhecida como condoreira. O condoreirismo aludia ao condor dos Andes, ave que simboliza a
liberdade da América e serve de metáfora à liberdade desejada para os escravos.

CASTRO ALVES (1847-1870)

Obras: poesia: Espumas flutuantes (1870) e Os escravos (1883); teatro: Gonzaga ou A revolução de
Minas (1875)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Por sua consciência social, política e humanitária, o poeta representou uma evolução em
relação a seus antecessores.

CARACTERÍSTICAS TEMÁTICAS

O traço mais emblemático da poesia de Castro Alves é sua apaixonada luta contra a
escravidão negra no Brasil. O poeta defendeu ardorosamente a República, já que a Monarquia era
então tida como um regime de governo retrógrado e desumano, resumidos na própria escravidão.
Outros temas recorrentes em sua lira são o lirismo amoroso e existencial e a própria natureza.

ESTILO E ELEMENTOS FORMAIS

Seus versos prestavam-se à declamação entusiasmada em praças públicas e auditórios, dado o


seu estilo tão elevado quanto o propósito que inspirou o poeta a escrevê-los. Além de
declamatório, seu estilo é hiperbólico, grandiloquente, verborrágico e retórico. Seus poemas
trazem antíteses, metáforas e comparações em profusão, e são marcados por pontuação emotiva,
com uso abundante de diversos sinais de pontuação (travessões, reticências e exclamações).

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ESPUMAS FLUTUANTES

A obra pode ser dividida em quatro temas.

1. POESIA ÉPICO-SOCIAL

Traz a figura do artista engajado em ideias políticas e sociais, que buscava mudar seu país e a
própria América. Em O livro e a América, o saber é elevado a arma para iluminar os homens e
trazer justiça. Castro Alves foi um artista revolucionário, já que uniu ação à consciência do papel
messiânico que cabia à minoria de letrados naquela sociedade.

2. POESIA AMOROSA

O poeta cantou o amor sob diversos enfoques: a ânsia de um sentimento que não excede a
mera aspiração, o desejo febril sem concretização e a exaltação da concretização carnal, sua
indiscutível contribuição para o tema. Foi o pioneiro em nossas letras da descrição realista do
amor como uma comunhão de corpos, não de almas, superando o platonismo da 1ª geração e a
medrosa angústia sexual do ultrarromantismo. A linguagem de seus versos amorosos também
amadureceu, passando da retórica condoreira a uma variante mais simples e coloquial.

3. LIRISMO DE CUNHO EXISTENCIAL

Enquanto os românticos da 2ª geração viam na morte uma dádiva, devido a ela ser o fim de
sua angústia amorosa e de seu tédio existencial, o sujeito poético castroalvino, ao sentir a vida
ameaçada, reflete sobre a beleza de estar-se vivo, afirmando seu imenso amor à vida, como em
Quando eu morrer:

“Quando eu morrer... não lancem meu cadáver


No fosso de um sombrio cemitério...
Odeio o mausoléu que espera o morto
Como o viajante desse hotel funéreo.

Corre nas veias negras desse mármore


Não sei que sangue vil de messalina,
A cova, num bocejo indiferente,
Abre ao primeiro a boca libertina.

Ei-la a nau do sepulcro – o cemitério...


Que povo estranho no porão profundo!
Emigrantes sombrios que se embarcam
Para as plagas sem fim do outro mundo. (...)”

Comentários: o poema foi uma espécie de resposta de Castro Alves aos versos de Lembrança de
morrer, de Álvares de Azevedo, onde se lê: “Descansem o meu leito solitário/ Na floresta dos
homens esquecida,/ À sombra de uma cruz, e escrevam nela:/ Foi poeta – sonhou – e amou na
vida.” Além da execração da morte, destaque para as metáforas “hotel funéreo” e “messalina”
(prostituta) alusivas à sepultura.

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4. NATUREZA E PLASTICIDADE

Castro Alves segue o preceito romântico da projeção metafórica do íntimo do eu-lírico na


natureza, ao molde do “mal do século”. Outros destaques: o sentimento panteísta e a profunda
plasticidade na descrição de quadros naturais.

OS ESCRAVOS

Reúne poemas contrários à escravidão, alguns antológicos, como A canção do africano,


Vozes d’África, A cachoeira de Paulo Afonso e O navio negreiro: Tragédia no mar, o qual denuncia
a extrema crueldade contra os negros na travessia oceânica. As seis partes alternam métricas a fim
de obter o efeito rítmico adequado à situação retratada. I Parte: traz a descrição condoreira da
imensidão do mar. O sujeito poético pede emprestadas as asas do albatroz para investigar porque
um barco foge...

III Parte: horrorizado, o eu-lírico flagra a “cena infame e vil”: a selvageria do tráfico negreiro,
descrevendo-a em toda sua desumanidade (IV Parte). O quadro é revoltante: banhados em
sangue, negros são açoitados e obrigados a dançar , sob as risadas sádicas de seus algozes . O
poema torna-se um libelo antiescravista.

V Parte: há a crítica indireta à omissão de Deus e o pedido ao mar, tempestades e tufões para
que acabem com o sórdido espetáculo. O poeta opõe passado (os negros livres na África) e
presente (macabra prisão: jogados, como animais, em um porão de navio, sem dignidade sequer
para morrer). VI Parte: expressa uma áspera crítica ao país (Brasil), que compactua com a
vergonhosa escravidão:

“Existe um povo que a bandeira empresta


P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia? (...)”

SOUSÂNDRADE (1833-1902)

Obra de destaque: GUESA ERRANTE (1866 a 1884)

Características: marginalizado à época, Sousândrade é enquadrado na 3ª geração por um critério


cronológico, pois sua obra possui conteúdo muito inovador. Em 13 Cantos (quatro inacabados), o
poema traz uma linguagem inusitada, com vários recursos estilísticos: elipses, latinismos,
helenismos, arcaísmos e invenções pessoais. O experimentalismo de Guesa errante antecipou o
Modernismo e a Poesia Concreta dos anos 1960.

A obra narra uma lenda indígena quíchua do Peru e da Bolívia. Guesa é uma criança roubada
de seus pais por Bochica, deus do sol. Após peregrinar pelo mundo, ele é sacrificado aos 15 anos. A
obra execra ora o desastroso colonialismo europeu para com os ameríndios, ora o capitalismo
como sistema econômico moderno (Inferno de Wall Street). Também o Brasil colonial é ironizado
ao ser batizado, satiricamente, de Tatuturema (Inferno de Tatuturema).

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PROSA ROMÂNTICA

A vinda da família real lusitana para o Brasil (1808) trouxe enorme efervescência cultural ao
país. As fundações do Museu Nacional, do Banco do Brasil e da Biblioteca Pública e o surgimento
de universidades e de uma imprensa escrita convergiram para a formação de um efetivo público
leitor e para a popularização dos “romances de folhetim”, narrativas publicadas capítulo a capítulo
diariamente nas páginas dos principais jornais locais. Os romances de folhetim tinham enredos
bastante dinâmicos (cheio de peripécias e barreiras à realização afetiva dos protagonistas) e
personagens planas, que se limitavam a cumprir papéis engessados a serviço de uma visão
maniqueísta e idealizada da realidade. Nossos romances românticos dividiram-se em núcleos
temáticos: históricos, indianistas, urbanos ou regionalistas (sertanistas).

ROMANCISTAS E OBRAS

JOAQUIM MANUEL DE MACEDO (1820-1882)

Obras: A Moreninha (1844), O moço loiro (1845) e A luneta mágica (1869)

A MORENINHA

Fabrício, Leopoldo, Augusto e Filipe cursam Medicina. Este convida os amigos para um final
de semana na casa de sua avó, D. Ana, em uma ilha (Paquetá). Na ocasião, Augusto afirma sua
inconstância e diz que não se prende a uma única mulher. Filipe aposta que ele se apaixonaria por
uma de suas primas na ilha e, então, teria que escrever um romance narrando seus amores.

Na ilha Augusto conhece Carolina, a Moreninha, 14 anos. Em segredo, ele se explica à D. Ana,
a avó da menina: fizera uma promessa de amor mal resolvida. Aos 13 anos, ele brincava na praia
com uma garota linda e desconhecida. Um menino pediu-lhes ajuda e levou-os até a casa de seu pai,
que estava doente. Eles lhe deram o dinheiro que tinham e o homem profetizou a união futura de
ambos. As crianças trocaram objetos (prendas) e nunca se encontraram. Augusto fizera-se um
namorador incorrigível.

Domina Carolina e Augusto um misto de interesse e implicância. Desde então eles se sentem
inquietos. As visitas de Augusto à casa de D. Ana são dominicais e ele se aproxima da Moreninha.
Por seu desleixo nos estudos, é proibido pelo pai de voltar à ilha e adoece seriamente. Seu pai vê-
se obrigado a concordar com o casamento e o rapaz então se recupera de pronto.

Ao tornar à ilha de Paquetá, Carolina revela-lhe ser sua companheira daquele dia na praia.
As prendas trocadas outrora atestam o que diz a menina: podiam ser felizes como profetizara o
doente. Quando Filipe cobra do amigo a escrita do romance de seu amor com Carolina, Augusto
diz já haver escrito a obra, cujo título era A Moreninha.

Comentários: foi o primeiro romance da nossa literatura (1844). Seu teor documental seduziu o
público carioca ao retratar tipos, cenários e valores locais. A obra traz os moralistas valores
patriarcais da época (cândidos namoros e filhos submissos aos pais), mesmo Augusto passa de
grande namorador a par romântico perfeito. Note a idealização dos tipos: Augusto tem sólidos
princípios morais, é belo, alegre, jovial, inteligente; a sagaz Carolina é fascinante em sua inocente
travessura. Vencido o conflito, há o final feliz, que cumpre o propósito de entreter o singelo
público leitor da época, no que sua linguagem, bastante ágil e viva, contribui.

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JOSÉ DE ALENCAR (1829-1877)

Romances: indianistas: O guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874); urbanos: Cinco
minutos (1856), A viuvinha (1857), Lucíola (1862), Diva (1864), A pata da gazela (1870), Sonhos
d’ouro (1872), Senhora (1875) e Encarnação (1877); históricos: As minas de prata (1862),
Alfarrábios (1873) e A guerra dos mascates (1873), e regionalistas: O gaúcho (1870), O tronco do ipê
(1871), Til (1872) e O sertanejo (1875).

Foi o maior romancista romântico brasileiro, já que possuía um projeto estético para nossa
literatura, o qual passava pela:

 Construção de um amplo painel artístico do Brasil ao registrar a História, a sociedade e a


essência cultural da nação de forma otimista e idealizada. O índio, a natureza, os costumes, os
mitos e as diversas regiões do país povoaram seus romances em tom absolutamente elogioso e
exaltado.

 Criação de uma linguagem brasileira, de modo a romper com os conservadores padrões


estilísticos das letras portuguesas.

1. ROMANCES INDIANISTAS

O GUARANI

1604: às margens do Paquequer, em uma fortificação, moram o fidalgo luso Dom Antônio de
Mariz e sua família: Lauriana, esposa; Cecília e D. Diogo, filhos; Isabel, sobrinha. Junto ao solar,
habitam aventureiros a serviço de D. Antônio e Peri, um índio belo e forte, o qual salvara a vida de
Cecília há tempos, deixando sua tribo por adorá-la (Ceci), que ele acredita ser Nossa Senhora.

Álvaro de Sá, um jovem nobre de excelente caráter, ama Cecília e é amado por Isabel. Já Frei
Angelo di Luca, Loredano, deixara a batina e pensava raptar Cecília, por quem nutria um desejo
sexual doentio. Por acidente, D. Diogo mata uma índia aimoré e centenas de ferozes guerreiros da
tribo cercam o casarão, exigindo a vida de Cecília em desforra. Só Peri poderia livrá-la dos aimorés
e de Loredano. Seu plano era ser preso pelos inimigos e, tendo ingerido veneno, matá-los quando
do ritual antropofágico. Porém, com alguns aventureiros, Álvaro salva Peri, que parte para a selva
em busca de um antídoto.

D. Diogo vai para a corte buscar reforços; Loredano é desmascarado pelos aventureiros e
queimado em uma fogueira. Álvaro é morto pelos aimorés, Peri recupera o corpo de seu amigo.
Desesperada, Isabel pede ao bugre que ponha o corpo do amado em seu quarto e se suicida, em
uma cena dramática e romântica.

Sitiado, D. Antônio batiza Peri a fim de ele levar sua filha ao Rio de Janeiro. O solar arde por
flechas incendiárias. O guarani desce o Paquequer numa canoa com Cecília, que chora muito a
morte dos seus, mas logo se convence de que não mais poderia viver longe de Peri. Ela então pede
que seu protetor vá morar com ela na Corte, mas ele nega-se a viver na civilização. Eis a bela moça
solta a corda que amarrava a canoa... Estavam sozinhos na selva e amavam-se... Ocorre uma
enchente e, para salvar sua Senhora, Peri arranca uma palmeira, presos à qual, são levados pelas
águas. Somem no horizonte, deixando em aberto o final da narrativa.

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Comentários: os romances indianistas possuem fundo histórico e estilo folhetinesco. Note a forma
maniqueísta de divisão dos protagonistas: o BEM, representado pelo par Peri-Cecília e o próprio
Álvaro; e o MAL, Loredano e os aimorés. Por fim, seguindo a usual lógica das obras indianistas de
Alencar, O guarani segue o projeto de forjar uma identidade própria para nosso país , daí a intensa
idealização da cor local humana (índio) e geográfica (natureza), além de sua linguagem adjetivosa.

IRACEMA: Lenda do Ceará

Traz a linda índia tabajara Iracema e Martim, primeiro colonizador português no Ceará, e o
ódio entre os tabajaras (aliados dos franceses) e os pitiguaras (ligados aos lusitanos). Filha do pajé
Araquém, Iracema deve manter-se virgem, pois é a guardiã do segredo da fabricação do licor
sagrado de Tupã.

Martim perde-se na mata e encontra Iracema, que o alveja com uma flecha, ferindo-o no
braço. Ela quebra a seta em sinal de paz e leva o europeu até sua tribo para que seu irmão, Caubi,
leve-o aos campos pitiguaras em segurança. Martim é bem tratado e espera a volta de Caubi de
uma caçada. Neste ínterim, se apaixonam. Certa noite, Martim pede à Iracema o licor de Tupã para
dormir e, assim, resistir aos encantos da virgem. Ela dá-lhe o vinho, mas se entrega ao branco, que
acredita estar sonhando.

Irapuã, líder dos guerreiros tabajaras, ama Iracema e ameaça a vida de Martim. Enquanto os
tabajaras deliram sob o efeito do vinho sagrado, Iracema foge com Martim e Poti, amigo deste, até
os campos pitiguaras, onde revela já ser esposa do homem branco (gravidez). Irados, os guerreiros
tabajaras seguem os fugitivos e ocorre uma sangrenta batalha entre as tribos. Iracema luta ao lado
de Martim contra seus irmãos, que são derrotados. Ela sente-se triste... Poti, Martim e Iracema
habitam o litoral; ela gesta. Felicidade. Contudo, o europeu está saudoso de sua terra e de uma
suposta noiva que lá ficara. Iracema sofre.

Enquanto o guerreiro branco combatia os tabajaras, nasce seu filho, batizado pela mãe de
Moacir: “nascido de meu sofrimento, da minha dor”. Solitária e triste, a índia prenuncia a própria
morte. Oito meses depois, Martim retorna e encontra Iracema à beira da morte. Ela entrega-lhe o
filho e morre. O local onde fora enterrada a índia tabajara seria um dia chamado de Ceará.

Comentários: Iracema é um romance de apelo histórico: retoma a colonização e o povoamento do


Ceará, bem como nomes de real existência, como Martim Soares Moreno, Jacaúna e Poti. De novo
vemos a submissão dos ameríndios ao colonizador: Peri, Iracema e Poti (batizado de Felipe
Camarão) abrem mão de sua tribo para estarem ao lado do homem branco. Embora o foco em 3ª
pessoa, a obra traz um narrador que foge à objetividade e à neutralidade, pautando por um estilo
enfático, declamatório e retórico. Adjetivosa, a linguagem configura a dita prosa poética: com viva
musicalidade, constantes metáforas e comparações baseadas na natureza, além de enorme
emotividade e lirismo.

2. ROMANCES URBANOS

LUCÍOLA

Oriundo de Pernambuco, o jovem advogado Paulo Silva se apaixonara pela bela Lúcia
(Lucíola) na corte. Tempos depois veio a saber que sua amada era uma requisitada prostituta da
elite. Mulher excêntrica, ela vendia as joias que ganhava de seus clientes e negava-se a ser
exclusiva de qualquer deles. Paulo passou a frequentar a casa da cortesã. Amavam-se, a relação

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parecia estável. Ela deixara a prostituição, sendo sustentada modicamente pelo Bacharel. Um mês
feliz, mas Paulo ouvira boatos de que explorava a amante. Furioso, ele pediu-lhe que voltasse a ter
outros amantes. A fase, agora, era péssima tanto pelo preconceito da sociedade, como porque
Lúcia não se julgava digna de ser amada.

Ela narrara ao amado seu passado: quando tinha 14 anos, sua família adoecera de febre
amarela e vivia terrível penúria financeira. Ela fora prostituída por um senhor e expulsa de casa
pelo pai, acabando por adotar o nome de Lúcia (chamava-se Maria da Glória) e ir passar um ano
para a Europa. Ao voltar ao Rio de Janeiro, seus pais haviam falecido; ela pusera Ana, sua irmã, em
um internato e fizera-se cortesã.

Lúcia abandonara o meretrício e fora morar, com Ana, em uma casa humilde. Mesmo
amando muito o Bacharel, não retomara a relação. Achava que a autopunição iria purificá-la;
abnegada, pedira a Paulo que desposasse Ana, contudo ele se negara. Lúcia estava grávida de
Paulo. Um médico diagnosticou um provável aborto, mas defendeu que o feto estava vivo; ela não
acreditou. À noite, Lúcia ardia de febre, que piorou nos dias seguintes. O médico insistiu em
medicá-la para que expelisse o feto, Lúcia negara-se. Antes de falecer, ainda pediu que Paulo
cuidasse de Ana como se fosse seu pai; ele obedeceu. Após seis anos, sabemos que Ana casara e
vivia feliz.

Comentários: a trama parte de algumas cartas que Paulo envia a uma senhora chamada G. M., nas
quais narra seu amor com Maria da Glória. O tema da obra é muito recorrente na literatura
ocidental: as injunções sociais que inviabilizam o amor de um jovem de família conservadora e
uma cortesã. Destaque negativo para o moralismo da sociedade, que se torna o vilão do enredo ao
opor-se ao amor do par romântico. Maria da Glória perdera-se a fim de salvar a família da miséria,
mas apenas seu corpo fora pervertido, sua alma permanecera virgem para, somente em Paulo,
conhecer o legítimo amor. Cite-se ainda o tom melodramático do romance.

SENHORA

Aurélia Camargo, 18 anos, encanta os salões cariocas com sua beleza, desprezando aqueles
lhe cortejam. Através de Lemos, seu tio e tutor, ela oferece ao pai de Adelaide Amaral, atual noiva
de Fernando Seixas, enorme quantia para que aquele case a filha com outro rapaz. Fernando
aceitara se casar com Adelaide por conta do dote da moça, rompendo, à época, seu noivado com
Aurélia, que, tempos depois, enriquecera ao receber uma herança. Lemos oferta a Fernando uma
enorme soma para se casar com uma moça desconhecida: a própria Aurélia. O jovem relutara em
pôr fim a outro noivado por causa de dinheiro, mas estava em sérios apuros financeiros. Rapaz
pobre, porém fútil e vaidoso, ele gostava de levar uma vida luxuosa, endividando-se.

Após se casarem, ressentida, Aurélia censura severamente a antiga conduta de Fernando,


revela a negociata feita para tê-lo como esposo e o proíbe de tocá-la. A união era uma farsa, um
arranjo comercial, a felicidade de ambos se restringiria aos olhos da sociedade. O casal vive uma
situação atípica: ela amava o esposo, todavia ironizava-o quando sozinhos e só o tratava bem junto a
estranhos.

Humilhado, Fernando faz-se frio e esquivo, embora ame a esposa, cujo caráter ele admirava.
Embora o casamento fosse uma farsa e não houvesse qualquer contato físico, havia ciúmes
recíproco entre os cônjuges, que ainda se amavam. Ele arranja um emprego e guarda tudo aquilo
que ganhava. Onze meses após a união, o rapaz recebe uma boa quantia em uma especulação,
alcançando a soma para restituir o valor do dote à sua senhora e comprar a sua liberdade.

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Fernando redime-se aos olhos de Aurélia, que se comove com a altivez de seu amado. Chegam a
acertar o divórcio, mas, quando o jovem ia retirar-se do quarto, Aurélia o detém, ajoelha-se a seus
pés e suplica que aceite seu amor. O casal enfim se une em um final redentor.

Comentários: a obra critica o casamento por interesse. A narrativa divide-se em partes alusivas a
uma transação comercial: O preço, Quitação, Posse e Resgate, pondo a nu a doentia ambição e
busca de ascensão social da burguesia. Assim, o romance possui claras nuances realistas, ao final,
contudo, cai no mais deslavado Romantismo, dada a redenção de Seixas e a felicidade dos leitores.
No molde folhetinesco, vemos a vitória do amor sobre o poder nefasto do dinheiro. É óbvia a
idealização dos protagonistas. Exemplo: Seixas tem sua má conduta inicial indiretamente justificada
pelo narrador, que atribui à sociedade a falta de caráter do jovem.

BERNARDO GUIMARÃES (1825-1884)

Obras: O garimpeiro (1872), O seminarista (1872), A escrava Isaura (1875)

O SEMINARISTA

Capitão Antunes, rico fazendeiro mineiro, envia o filho, Eugênio, para o seminário em
Congonhas do Campo. Tendo crescido junto a Margarida, filha de uma agregada da fazenda, o
menino mantinha com ela um pueril e inocente namoro. Tempos depois, em férias na fazenda do
pai, Eugênio apaixona-se de fato por Margarida e é correspondido. De volta ao seminário, ele
suporta a vida monacal valendo-se da lembrança de sua amada.

Todavia, após algum tempo, desilude-se: sabedores de sua paixão juvenil, seus pais mentem-
lhe ao dizer que Margarida se casara com um moço das redondezas. A jovem e sua mãe acabam
expulsas da fazenda. Já ordenado padre, Eugênio volta à fazenda e é chamado a um vilarejo
próximo para auxiliar um moribundo que estava à beira da morte; tratava-se de Margarida. Ela
revela-lhe que não havia casado e a antiga paixão irrompe irrefreável entre ambos, que se entregam
ao amor. Em casa, Eugênio culpa-se por ter rompido o celibato.

No dia seguinte, o jovem padre vai rezar sua primeira missa quando recebe o pedido para
que abençoe um corpo que estava na igreja. Nova surpresa: era Margarida que havia morrido.
Após ver sua amada morta, Eugênio entra na igreja lotada, caminha até o altar e, em um surto de
desesperado e fúria, despe-se das vestes sacerdotais enquanto corre para a rua. Havia
enlouquecido.

Comentários: as diversas peripécias garantem ao romance um evidente estilo folhetinesco e


melodramático. Trata-se de uma obra combativa e polêmica, pois critica severamente: o
autoritarismo patriarcal; o alienante ensino dos seminários, que não preparava os jovens para o
convívio social; e o obsoleto voto de castidade. Aliás, a narrativa possui tonalidades naturalistas;
veja: “Terrível celibato!... Ninguém espere afrontar impunemente as leis da natureza! Tarde ou
cedo, elas têm seu complemento indeclinável, e vingam-se cruelmente dos que pretendem
subtrair-se ao seu império fatal!...” O seminarista traz ainda uma tênue crítica social, já que a
pobreza de Margarida é um dos agentes a impossibilitar a concretização de seu amor.

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A ESCRAVA ISAURA

Início do reinado de D. Pedro II, em uma fazenda em Campos dos Goitacazes, interior
fluminense, Isaura (escrava branca e de educação refinada) sofre constante assédio sexual de
Leôncio, seu senhor, não obstante este fosse recém-casado com Malvina. As tentativas de Leôncio
são frustradas, pois Isaura não se entrega, resignando-se com as constantes humilhações e
ameaças de violência física.

Na companhia de Miguel, seu pai, ela foge para o Recife, onde vivem de forma modesta.
Então Isaura, que dizia chamar-se Elvira, conhece Álvaro, jovem, rico, republicano e liberal, a quem
passa a amar e é correspondida. Em um baile, ela é descoberta por caçadores de escravos fugidos,
contudo Álvaro impede que a levem de volta à corte. O jovem tenta comprar sua amada; porém,
Leôncio não aceita, obrigando Isaura a voltar a Campos dos Goitacazes. Para castigar a escrava
subversiva, seu senhor decide casá-la com Belchior, jardineiro da fazenda e homem de aparência
disforme e grotesca.

Álvaro viaja furtivamente para o Rio de Janeiro e descobre a falência financeira de Leôncio,
saldando as dívidas do fazendeiro e tornando-se dono de todos os seus bens. Minutos antes do
malfadado casamento de Isaura, Álvaro aparece e cobra seus direitos junto a Leôncio, que,
derrotado e na miséria, suicida-se. A união do casal é possível agora. Tudo acaba em completa
harmonia: os justos triunfam e os maus são punidos.

Comentários: outra obra folhetinesca, em que pesem os lances melodramáticos, peripécias e o


maniqueísmo das personagens (heroína e herói (BEM) X vilão (MAL)). Isaura é escrava, porém
branca; pura, virginal e de caráter nobre e incorruptível. Álvaro é jovem, belo e um idealista
defensor da igualdade. Por sua vez, Leôncio é dissipador, cruel e devasso; casado por interesse
com Malvina (linda, ingênua e rica), persegue Isaura. Com linguagem bastante adjetivosa, a obra é
um panfleto contra a escravidão, ligando-se ideologicamente ao condoreirismo de Castro Alves.

VISCONDE DE TAUNAY (1843-1899)

Obras: A retirada de Laguna (1871) e Inocência (1872)

INOCÊNCIA

Cirino, um prático em Medicina, viaja pelo sertão do Mato Grosso e dá consultas baseadas
em seu empirismo. Ele encontra o pequeno proprietário Pereira, que lhe pede que socorra a filha,
Inocência, doente de maleita. Cirino cura a jovem e ambos se apaixonam. Entretanto, ela estava
prometida ao rude vaqueano Manecão, de forma que o amor deles já nascera condenado.

Neste ínterim, chega à fazenda, em busca de borboletas raras, um naturalista alemão


chamado Meyer, e ali fica hospedado. Admirado da beleza de Inocência, ele a elogia, deixando
Pereira temeroso de que o estrangeiro tentasse seduzir sua filha. Logo, o caboclo vigia o
naturalista e deixa Cirino livre para viver o seu namoro com Inocência. Eles, entretanto, são
vigiados por Tico, um anão mudo que servia de pajem à jovem.

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Cirino quer fugir, Inocência recusa-se e pede que ele busque apoio em seu padrinho:
Antônio Cesário, que poderia intervir em prol do amor de ambos. Meyer parte. Cirino vai procurar
Cesário, que se nega a ajudar o jovem casal para não se indispor com Pereira. Ao descobrir o
intuito de Inocência de não se casar com Manecão, Pereira espanca-a e afirma seu desejo de antes
a ver morta do que ter desonrada sua palavra. Chegado de uma vaquejada pelo sertão, Manecão,
enfurecido pela desobediência da noiva, vai atrás de Cirino e assassina-o.

Ao final da narrativa, já na Alemanha, Meyer ganha um importante prêmio pela descoberta


da borboleta por ele batizada de Papilio Innocentia em louvor à bela jovem que conhecera no
Brasil. A mesma jovem que preferira deixar-se morrer dois anos antes da homenagem, único meio
de impedir o casamento com Manecão.

Comentários: embora o seu estilo folhetinesco e melodramático, a obra critica asperamente o


rígido código de honra e o insensível patriarcalismo sertanejo, valores tipificados em Pereira. Aliás,
ele é visto como vítima dos costumes rurais: embora sua boa índole e enorme amor pela filha, vê-
se obrigado a manter a palavra empenhada, sob pena de desonra. Inocência e Cirino são tipos
bem mais verossímeis do que a média de nosso Romantismo. Taunay mescla norma culta urbana a
um ímpar regionalismo linguístico, com arcaísmos, corruptelas, provérbios e expressões locais. Sua
prosa é viva, colorida e traz trechos humorísticos.

ROMANTISMO COM ARES DE REALISMO

MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA (1831-1961)

Obra: Memórias de um sargento de milícias (1853)

MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS

Na viagem ao Brasil, tem início o namoro de Leonardo Pataca e Maria da Hortaliça. Sete
meses mais tarde, nascia o filho casal: Leonardinho Pataca, batizado pela parteira (comadre) e
pelo barbeiro (compadre), vizinho dos portugueses. Já na infância o menino praticava legítimas
diabruras. Leonardo, agora um meirinho, flagra a infidelidade da esposa. Irritado, expulsa o filho
de casa com um grande chute no traseiro e ainda dá uma surra em Maria, que foge para Portugal
com o amante.

Em seguida Leonardo apaixona-se por uma cigana, com quem passa a morar e que mais
tarde também o abandonará. Já Leonardinho fora morar com o barbeiro, criatura bastante
compassiva. O menino se faz ainda mais abusado e vadio. Em vão, o compadre tenta encaminhá-lo
à carreira religiosa e ele chega a se tornar sacristão. Entretanto, aproveita a ocasião apenas para
praticar novas travessuras; inclusive desmascarando e tornando público o caso entre o padre e a
cigana que outrora morara com Leonardo. Vingativo, o clérigo expulsa Leonardinho da Sé.

Apesar de seu carisma, o jovem torna-se cada vez mais vadio. Ele, então, conhece Luisinha,
sobrinha de D. Maria, uma vizinha. Embora a moça não possuísse grandes encantos pessoais,
Leonardinho apaixona-se. Todavia, Luisinha se casa com um homem mais velho: o interesseiro
José Manuel. Apesar de a obra ter sido escrita no Romantismo, a infelicidade não acaba em
choradeira, pois Leonardinho passa a ter um caso com Vidinha, mulata muito sensual e livre de
moralismos. Morre o barbeiro. Leonardinho vive em contínuas patuscadas com Vidinha e seus
amigos, e é perseguido pelo major Vidigal, temido chefe de polícia.

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Certa feita o malandro é preso e, em vez de ser castigado, torna-se soldado nas tropas do
major. Ele prega uma peça no chefe ao deixar fugir um vigarista, inimigo mortal de Vidigal, que
prende Leonardinho e quer açoitá-lo. Quem protege o jovem é a comadre, que, ajudada por uma
conhecida, Maria Regalada, obtém a liberdade de Leonardinho e sua ascensão a sargento. Vidigal
protegera o mau soldado na esperança de que Maria Regalada cumprisse sua promessa de
retomar o caso amoroso que tivera com ele no passado. Até então um símbolo de justiça e ordem,
o major revela-se corrupto.

José Manuel morre de apoplexia, Leonardinho e Luisinha, enfim, podem se unir. Vence o
costumeiro final feliz romântico. Mesmo sem merecimento moral, Leonardinho realizava-se
profissional e afetivamente.

Comentários: embora o seu título, o romance traz um narrador onisciente (3ª pessoa) , que,
contudo, não é imparcial, tomando o partido de algumas personagens, em especial Leonardinho .
Ora humorística ora irônica, a linguagem da narrativa é bastante coloquial, aproximando-se do
português falado à época e deixando de lado o artificial excesso de adjetivos dos demais escritores
românticos.

O enredo transcorre no Rio de Janeiro no “ tempo do rei” (reinado de D. João VI, 1808-1821)
e foca as classes baixas. Prevalecem os homens livres (nem escravos tampouco senhores), os
quais, sem empregos específicos e seguros, viviam de ocupações ocasionais, pequenos afazeres ou
serviços burocráticos subalternos (parteiras, milicianos, sacristãos, vendeiros ou barbeiros). A obra
tem ares de crônica de costumes por sua linguagem e por descrever o dia a dia de uma camada
social esquecida no Romantismo.

Os tipos vivem de forma irreverente e tanto amoral, fundando o dito “ jeitinho brasileiro”
como essência de nosso povo. O anti-herói Leonardinho introduz nas letras brasileiras o tema da
malandragem, muito explorado a posteriori em textos canônicos, como Macunaíma (Mário de
Andrade) e Auto da compadecida (Ariano Suassuna), entre outras. Aliás, as três obras são
influenciadas por uma tradição literária espanhola do séc. XV: a picaresca, romances
protagonizados por pícaros: anti-heróis, que, marginalizados, são obrigados a lançar mão da astúcia
(picardia), da malandragem e de expedientes ilícitos para sobreviverem.

Não obstante escrito na vigência do Romantismo, Memórias de um sargento de milícias


satiriza o exagerado sentimentalismo dessa estética, evitando quaisquer idealizações. Exemplos:
os dramas sentimentais de Leonardo (pai) são impiedosamente debochados pelo narrador, além
do acanhamento e da boçalidade de Leonardinho ao declarar seu amor a Luisinha, algo contrário
ao teor sublime e poético com que tais passagens costumam ser descritas nos romances
românticos.

A obra nega também o corriqueiro maniqueísmo romântico ao questionar a dicotomia bem


(ORDEM/CORRETO) X mal (DESORDEM/INCORRETO). Neste sentido, Leonardinho personifica a
desordem, é vadio e malandro inveterado, devia ser castigado, portanto. Todavia, dá-se o
contrário: ele tem seu comportamento premiado ao longo da trama. Já o major Vidigal, tipificação
da ordem, deixa-se corromper quando faz de Leonardinho sargento em vez de puni-lo. Assim, não
há qualquer moralismo no romance, que antecipa o Realismo em vários aspectos.

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TEATRO ROMÂNTICO

MARTINS PENA (1815-1848)

Obras: O juiz de paz na roça (1842), O Judas em sábado de aleluia (1846), Quem casa quer casa
(1847), O noviço (1853) e Os dois ou o inglês maquinista (1871)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Foi o fundador do teatro propriamente brasileiro. Escreveu dramas históricos, mas tornou-se
célebre por suas comédias de costumes, cujas personagens tratam-se de meros tipos sociais, sem
maior complexidade psicológica.

ASPECTOS FORMAIS E TEMÁTICOS

Suas peças trazem recursos cênicos bastante simples, haja vista o baixo nível cultural do
público a que eram destinadas. A linguagem de suas comédias é marcada por um grande
coloquialismo.

A dramaturgia de Martins Pena tematizam tanto o meio urbano carioca quanto o rural,
sendo que ambas as vertentes abordam o tema do amor contrariado. A frustração amorosa das
personagens decorre do fato de os filhos verem no matrimônio a busca da felicidade junto a quem
amam; enquanto, para seus pais, a união significa a possibilidade de ascensão social, pelo que
escolhem pretendentes mais velhos e ricos. Note que, na sociedade patriarcal brasileira de
meados do séc. XIX, imperava, é claro, a vontade dos pais, instaurando o conflito.

Suas comédias urbanas são um tanto irônicas, levando ao palco os problemas de sua época:
o extremo patriarcalismo, o casamento por interesse, a carestia da vida, a exploração do
sentimento religioso pela igreja, a corrupção das autoridades, a exploração do país por
estrangeiros etc. Ao fazer de sua literatura um bem-humorado veículo de denúncia de nossas
mazelas sociais, o comediógrafo antecipa a essência crítica do Realismo.

Já as comédias rurais trazem um humor mais burlesco, flagrando, satiricamente, os


arraigados costumes do homem do interior fluminense. Descritos como seres rústicos, broncos e
de hábitos extravagantes, eles possuem uma encantadora ingenuidade se comparados com os
espertalhões tipos da cidade. Aliás, as trapalhadas vividas por esses matutos ao irem à corte é
tema de várias obras do comediógrafo. Note ainda a feliz descrição da peculiar variante linguística
do homem da roça nestas comédias.

Seus textos pecam um pouco pela extrema tipificação das personagens e pela repetição
temática. Porém, ressalte-se o fato do autor imprimir ares totalmente nacionais a suas peças, que
funcionam como uma espécie de crônica de costumes do mundo urbano e rural carioca do séc.
XIX.

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REALISMO

SÉC. XIX (1881-1902)

CONTEXTO HISTÓRICO

O final do séc. XIX foi um período de enorme efervescência artística em nosso país. O intenso
sincretismo sobrepôs a prosa do Realismo, do Naturalismo e do Impressionismo, que conviveram –
nem sempre de modo harmônico – com a poesia do Parnasianismo e do Simbolismo, opostas
entre si. O contexto histórico europeu foi marcado, à época, por grandes transformações. Vivia-se
o capitalismo comercial e o acentuado avanço tecnológico trazido pela II Revolução Industrial,
gerando novas facetas do Imperialismo e do Liberalismo. Cada vez mais a estratificação da
sociedade opunha burguesia e proletariado.

O enorme avanço das ciências (Cientificismo) somou-se à filosofia positivista, de Auguste


Comte. Empirismo, experimentalismo e observação prática dos fenômenos eram as leis seguidas em
detrimento de qualquer tipo de metafísica. Amparado no conhecimento empírico, o homem era
investido de valores intensamente racionais e materialistas.

CARACTERÍSTICAS

O Realismo foi uma clara oposição ao idealismo romântico, conforme as características


arroladas a seguir.

RACIONALISMO: Em contraponto ao subjetivismo romântico, os realistas assumiam o


racionalismo para analisar o homem e o mundo, o que não raro gerou um grande pessimismo
(niilismo). Os realistas não acreditavam na burguesia como classe dirigente capaz de estabelecer
algo além do caos social e da inautenticidade individual, daí o Realismo analisá-la de maneira tão
crítica.

LINGUAGEM – CONCISÃO E PRECISÃO: O abuso de adjetivos e a incontinência verbal inerentes à


idealização romântica cedeu lugar a uma linguagem concisa e cirúrgica no Realismo, cujo intuito
era expressar o mundo de modo objetivo e lógico. Unindo forma e conteúdo, os realistas
pretendiam descrever o mundo de modo direto e verossímil (conteúdo) através de uma linguagem

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(forma) que traduzisse tal postura estética e filosófica. Disso decorre a obcecada busca pela
perfeição formal da escola realista.

NARRADOR – 3ª PESSOA: O subjetivismo romântico alia-se mais ao foco narrativo em 1ª pessoa,


enquanto os prosadores realistas preconizavam os narradores de 3ª pessoa (oniscientes), pois suas
obras davam ênfase à neutralidade e à impessoalidade.

VEROSSIMILHANÇA: O românticos preferiam fugir às durezas do mundo real, ao contrário dos


realistas, que buscavam a absoluta veracidade na descrição crítica da realidade coletiva
(sociedade) e individual (ser humano), em uma literatura que fosse uma fotografia do real, pintado
em suas feições mais abjetas e corrompidas. Essa dissecação da realidade havia de ser obtida
através:

 Do exacerbado descritivismo dos seres e da sociedade a fim de garantir total objetividade à


literatura;

 Da análise psicológica: recurso que servia para investigar e denunciar a mesquinharia


presente nas mínimas atitudes humanas. Neste sentido, segundo Eça de Queirós, o Realismo foi
“(...) a anatomia do caráter. A crítica do homem. A arte que nos pinta aos nossos olhos para
condenar o que há de mau na sociedade”.

TEMPO – ÊNFASE NO PRESENTE: Os românticos tendiam à volta ao passado, por sua vez os
realistas centravam suas narrativas no presente ou no passado imediato, preferindo a linearidade
temporal e, sempre que possível, evitando flashbacks, isto é, o retorno da trama ficcional ao
passado a fim de que o narrador elucide fatos que tornem viável a compreensão do presente e do
futuro do enredo. Em suma, os realistas fogem à subjetividade da memória, pois ela compromete a
verossimilhança.

REALISMO BRASILEIRO: AUTOR E OBRAS

MACHADO DE ASSIS (1839-1908)

OBRAS PRINCIPAIS

CONTOS: Contos fluminenses (1870), Histórias da Meia-noite (1873), Papéis avulsos (1882),
Histórias sem data (1884), Várias histórias (1896), Páginas recolhidas (1899) e Relíquias de casa
velha (1906)

ROMANCES:

– Primeira fase (tendência romântica): Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena
(1876) e Iaiá Garcia (1878);

– Segunda fase (realista): Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891),
Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908).

POESIAS: Crisálidas (1864), Falenas (1870), Americanas (1875) e Poesias completas – incluindo
Ocidentais (1901)

AS DIFERENTES FACES DE UM GÊNIO

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1. O CONTISTA

Machado de Assis escreveu mais de duzentos contos, os quais impressionam pela qualidade
e variedade temática, abordando de maneira profunda seus temas preferidos. Duas marcas
linguísticas relevantes da narrativa curta machadiana são a concisão e a espantosa capacidade de
sugestão verbal.

TIPOLOGIA DOS CONTOS MACHADIANOS

Proponhamos uma tipologia de seus textos curtos, apesar de ser possível, em alguns casos,
que eles sejam enquadrados em mais de uma categoria.

– Conto social: diversos contos machadianos, ou mesmo passagens de seus romances,


denunciam a total desumanidade do regime escravista amparado em um quadro político-social
anacrônico. Além dessa veia crítica, sua literatura destaca-se por atingir grande perenidade e
universalismo. Exemplos: Pai contra mãe, O caso da vara etc.

– Conto psicológico ou de atmosfera: trazem cenas de extrema densidade psicológica, o que


denota o enorme talento do autor para a fina sondagem íntima de suas personagens. Exemplos:
A missa do galo, A causa secreta, Noite de almirante, Capítulo dos chapéus etc.

– Conto alegórico-satírico: veiculam uma censura simbólica aos valores sociais, daí sua
ligação com a sátira. Podem burlar a verossimilhança. Exemplo: O alienista etc.

– Conto moral: relatam o aprendizado de protagonistas que adquirem novos valores éticos e
morais, ficando, nas entrelinhas, o convite para que também nós leitores façamos uma reflexão
pessoal. Exemplo: Conto de escola, O apólogo etc.

– Conto de caracteres ou obsessões (monomania): seus protagonistas são criaturas


atormentadas por ideias fixas, as quais determinavam sua conduta cotidiana. Exemplos: Um
homem célebre, Cantiga de esponsais, O espelho, O alienista etc.

– Conto tradicional ou anedótico: enfatiza o enredo em detrimento da análise psicológica.


Assim, um fato (nó) rompe a harmonia inicial do enredo e prende a atenção do leitor até o
desenlace (clímax) final, o qual costuma surpreender o leitor. Contudo, Machado raramente abre
mão da análise psicológica até mesmo neste formato de contos. Exemplo: A cartomante.

2. O ROMANCISTA

Seus romances dividem-se em duas fases distintas.

– Características da 1ª fase

Escritos ainda sob influência romântica, os quatro primeiros romances de Machado de Assis
apresentam: conformismo acerca da venalidade e da hipocrisia da sociedade burguesa ,
personagens-tipo e um certo gosto pelo uso de frases-feitas.

– Características da 2ª fase

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Memórias póstumas de Brás Cubas tornou Machado um escritor totalmente realista.
Vejamos, a seguir, as peculiaridades de sua genial produção sob o viés do Realismo.

ASPECTOS TEMÁTICOS

 Hipocrisia, egoísmo, vaidade e interesse: o autor retrata um mundo onde o altruísmo foi
substituído pelo individualismo e pela velhacaria. Na competitiva sociedade burguesa, a
hipocrisia tornara-se a norma para seres incapazes de quaisquer atitudes grandiosas. Em uma
sociedade reificada a inexistência de merecimento fazia com que a subida social premiasse os
corruptos e aqueles que se valiam das aparências.

 Adultério: os triângulos amorosos são uma obsessão de Machado, que praticamente veda a
autenticidade nas relações e instaura a falência do casamento nos moldes românticos.

 Relativização da loucura: a glória da elevação moral acima do senso comum opõe-se à solidão
e ao banimento social dos desequilibrados. A fronteira entre loucura e razão é relativizada, já
que o conceito de sanidade está limitado aos valores de cada época. Exemplo: O alienista,
novela ferozmente irônica contra os conceitos prontos de loucura.

 Poder absoluto e corrupção: além de sua usual vaidade, os poderosos surgem como despóticos
em seu propósito de manutenção do poder. Agem em prol do interesse individual e não do
bem público, como Simão Bacamarte, protagonista de O alienista.

 O parasitismo social: no Brasil do Segundo Império, o parasitismo ocorria tanto pela


exploração de escravos, como pela presença de uma classe de homens brancos livres sem
posses que tinham na bajulação ao branco com posses a arma para sua subsistência.

 Questionamento de verdades absolutas aceitas pelo Cientificismo positivista e pelo próprio


Naturalismo. Na prosa machadiana, tudo é relativo e incerto, pois o escritor extrapola as
evidências ao investigar a fundo a alma humana.

 Intenso ceticismo (niilismo), que se deve ao caráter temerário das tentativas de apreensão da
absoluta complexidade da realidade, marcada por hipocrisia, egoísmo, vaidade etc.

 Universalismo: ao abordar os grandes temas humanos, Machado foi um dos mais geniais
investigadores da essência humana da história da literatura universal.

ASPECTOS FORMAIS

 Personagens esféricas: a prosa madura do autor traz protagonistas (sobretudo as femininas) de


notável complexidade, cuja dubiedade garante-lhes caráter absolutamente humano.

 Quebra da objetividade, uso de flashbacks: romances fragmentados, com narradores que se


prestam a constantes diálogos com o leitor (“leitor incluso”) e múltiplas digressões.

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 Fina ironia: a aguçada veia irônica do autor desemboca em um humor sarcástico e demolidor
que propõe uma reflexão sobre a própria condição humana.

 Refinamento linguístico: linguagem de bom gosto e trabalho estético apurado, sofisticados


efeitos de ambiguidade.

TRÊS OBRAS-PRIMAS

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

1869: falecido aos 64 anos, o defunto-autor Brás Cubas conta sua autobiografia. Menino
traquinas e mimado pelo pai, levou vida afora o modo malicioso de julgar a realidade. Aos 17 anos,
apaixonou-se por Marcela, uma espanhola que o iniciara no amor e, de certo modo, na corrupção.
Presenteava-a francamente e não demorou a se endividar. Furioso, Bento Cubas, seu pai, mandou-
o estudar na Europa. O julgamento de além-túmulo de Brás Cubas à amante não poderia ser mais
sarcástico: “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”.

Bacharelou-se em Direito, em Coimbra, sem nunca ter estudado com afinco, acabando por
aprender apenas a dissimular o que não sabia. Retornou ao Brasil e logo sua mãe faleceu.
Entristecido, foi para a chácara da família, em Tijuca, e lá conheceu a encantadora Eugênia, filha
de uma amiga de sua mãe. A moça era linda e espirituosa, porém coxa. Mesmo desapontado, Brás
manteve um rápido flerte com Eugênia; ele era muito apegado às aparências para desposar uma
coxa.

Fora influenciado pelo pai ao casamento e à política. Conheceu, então, sua nova paixão:
Virgília. Bento sonhava acordado com a carreira política do filho, já que a moça era filha de um
figurão da política. Mas seus planos fracassaram: surgira Damião Lobo Neves, e, mais talentoso e
ambicioso do que Brás, caíra nas graças do Conselheiro, que lhe deu a mão da filha. Bento Cubas
morreu de decepção após alguns meses.

Casada com Lobo Neves por interesse, Virgília viu o marido tornar-se deputado. Todavia, ela
amava Brás Cubas e eles tornaram-se amantes. Absorvido pela carreira política, Lobo Neves de
nada desconfiava. Os amantes viam-se em uma casinha em lugar ermo. Quem tomava conta da
casa era D. Plácida, uma antiga empregada de Virgília. Eis que Lobo Neves fora nomeado para uma
província distante, era a separação iminente de ambos, mas, por superstição, o político desistira
do cargo. Nova nomeação, desta vez o político fora para o interior com a esposa.

O já cinquentão Brás Cubas tentava esquecer a amante quando Sabina, sua irmã, arranjou-
lhe o casamento com Eulália Damasceno de Brito, a Nhá-Loló, moça de 19 anos. Embora sem
muita vontade, ele aceitou. Porém, Eulália morreu pouco antes do casamento, vitimada por uma
epidemia de febre amarela. Brás fez-se, então, deputado e o casal Lobo Neves e Virgília
retornaram à corte, todavia os ex-amantes não retomaram a antiga relação, estavam velhos...
Agora, a distração de Brás Cubas era ouvir seu amigo de infância, Quincas Borba, explicar-lhe seu
sistema filosófico: o Humanitismo.

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Morreram Quincas Borba e Lobo Neves, o que gerou sofrimento sincero em Virgília.
Obcecado pela invenção do Emplasto Brás Cubas, o narrador-personagem contraiu uma
pneumonia e também faleceu pouco depois. A narrativa se encerra com um balanço cético de sua
vida: “Ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira
negativa deste capítulo de negativas: – Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado
da nossa miséria.”

Comentários: Memórias póstumas de Brás Cubas inaugurou o Realismo brasileiro (1881) e foi nosso
primeiro romance psicológico. A presença de um “defunto-autor” e o modo ímpar com que este
conta suas memórias eram novidades: Brás escreve uma inverossímil autobiografia de além-túmulo,
relembra eventos e reflete, em flashbacks, sobre eles, em uma narrativa digressiva, cheia de
divagações e diálogos muitas vezes irônicos para com o leitor; note, portanto, a presença de
metalinguagem.

Citem-se o tema machadiano do adultério e o total pessimismo da obra, da qual não nos fica
na memória uma única atitude das personagens que não se baseie na corrupção e no
individualismo. Exemplo: o objetivo final do sonhado Emplasto Brás Cubas é a obcecada tentativa
de Brás de obter a imortalidade da fama absoluta, não a ajuda abnegada à sofrida humanidade.

Ao narrar, em 1ª pessoa, suas memórias após a morte, Brás Cubas desmascara os falsos
valores da sociedade. Ele próprio é um anti-herói, um tipo superficial, hipócrita, individualista e
tomado por um tédio existencial que tranca sua vida: não casou, não fez carreira no Direito, não
teve filhos; Brás é um homem “falhado”. Mencione-se ainda D. Plácida, cuja pobreza a faz tornar-
se alcoviteira dos amantes. Inicialmente, ela fica insatisfeita com a situação, mas muda de opinião
quando é presenteada por Brás com cinco contos de reis, passando a rezar por seu benfeitor. Sua
inconstância ética simboliza a corrupção das virtudes e o poder do dinheiro na dominação dos
ricos sobre os pobres.

QUINCAS BORBA

À janela de sua casa em Botafogo (RJ), Pedro Rubião de Alvarenga, o Rubião, compara o seu
presente (capitalista) ao passado recente (professor primário em Barbacena (MG)). Sua rápida
ascensão social dera-se por causa da amizade com Joaquim Borba dos Santos, o filósofo Quincas
Borba, que, ao chegar a Barbacena, se apaixonara por Maria da Piedade, a irmã de Rubião.
Malgrado viúva, Piedade negara-se à corte do rico Quincas Borba, vindo a falecer pouco depois.
Entretanto, o triste fato não separou Rubião e o filósofo, e, quando este começou dar sinais de
demência, aquele fechara sua escola para cuidar do amigo, o qual lhe ensinava sua filosofia, o
Humanitismo.

O filósofo, um pouco melhor, fora visitar Brás Cubas no Rio de Janeiro, de onde enviara uma
carta a seu discípulo, dizendo-se Santo Agostinho. Estava louco. Esperançoso de ser lembrado no
testamento de Quincas, Rubião temeu que todos descobrissem o real estado de saúde do filósofo,
que, assim, seria julgado incapaz de gerir sua fortuna, levando à anulação do testamento. Por isso
ele rasgou a carta comprometedora. Rubião soube da morte de Quincas pelo jornal. Após alguns
dias, ele recebeu uma carta de Brás Cubas com uma novidade bombástica: era o herdeiro universal

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do filósofo, sob uma única condição: cuidar do cachorro de Quincas Borba, homônimo de seu
falecido dono.

Na viagem a corte, onde iria morar, Rubião conhece Cristiano de Almeida Palha, um
capitalista, e sua esposa, Sofia, que o impressiona por sua beleza e simpatia. Ingenuamente, o
provinciano diz a eles ter recebido vultosa herança, despertando-lhes súbito interesse. O mineiro
passa a frequentar a casa de Cristiano e torna-se seu sócio em uma casa de importação. Apaixona-
se por Sofia, de quem recebe delicadezas e olhares insinuantes.

Depois de pagar dívidas de Palha e fazer-lhe muitos favores, Rubião declara-se a Sofia, que
se faz de desentendida. Mostrando-se ofendida, ela sugere ao marido que rompam relações com
Rubião. A investida do sócio incomoda Palha, contudo ele contemporiza, pois não podia saldar
suas dívidas com o mineiro, além de não estar disposto a abrir mão das conveniências econômicas
desta amizade. Calculista, Sofia volta a bajular Rubião, mantendo-o enamorado. Cego de amor, ele
se torna vítima de uma corja de bajuladores, que, afetando autêntica amizade, aos poucos,
dissipam seus bens.

O belo e jovem conquistador Carlos Maria corteja Sofia, que se mostra atraída, acentuando
a angústia e o ciúmes de Rubião. Cristiano planeja casar seu sócio com Maria Benedita, a prima
da Sofia, mas ela se casa com Carlos Maria, para alegria de Rubião. Tendo se valido, a bel-prazer,
do capital do mineiro, Cristiano põe fim à sociedade . Já enriquecido, o casal Palha dispensa o
dinheiro do ex-sócio, de quem se afasta gradualmente. Por sua vez, Rubião continua investindo
em projetos disparatados, apesar de sua herança estar muito combalida.

Empobrecido e desprezado por todos, Rubião tem delírios de grandeza e poder; estava
louco. Em um surto, fala com Sofia, tratando seu amor como algo consumado e recíproco. Crendo-
se a causa da doença de Rubião, ela se penaliza. O mineiro é internado em uma casa de saúde,
mas foge em companhia do cão. De volta a Barbacena, dormem na rua e apanham chuva. Rubião
pega pneumonia, morre coroando-se Napoleão III e proferindo a frase de Quincas Borba: “Ao
vencedor, as batatas!” Saudoso de seu dono, o cachorro também adoece. Desesperado, foge em
busca de Rubião e é encontrado morto na rua após três dias.

Comentários: dissimulada, Sofia é a típica mulher machadiana. Malgrado sua grande complexidade
psicológica, mas não está a salvo das leis que regem o coração: passa de dominadora de Rubião a
dominada por Carlos Maria, por quem se apaixona. Quincas Borba é o homem fortalecido pela
verdade que criou para si: o Humanitismo. Em nome de sua filosofia, humaniza seu cão e o batiza
com seu nome, deixando-lhe sua fortuna, da qual Rubião era apenas o depositário. Certo de que o
Humanitismo encerra uma verdade superior, Quincas não se desespera sequer perante a morte ou
a falta de seguidores, já que Rubião não entendia sua doutrina. Tudo isso estava previsto!

Registre-se a complementaridade de alguns romances de Machado. Quincas Borba e sua


filosofia humanitista haviam surgido em Memórias póstumas de Brás Cubas. Aliás, observe que o
sistema filosófico de Quincas é uma paródia do Cientificismo e, por extensão, do Positivismo e do
Evolucionismo.

A demência de Rubião está mais para o grotesco e o risível do que propriamente para o
trágico. Uma vez louco, ele adquire nobreza e elevação moral, tornando-se uma espécie de
seguidor de Quincas Borba, de quem herdou o Humanitismo, a fortuna e a própria loucura.

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De novo a obra traz um profundo pessimismo. Suas personagens mostram extremos egoísmo
e interesse material, exceto o cão Quincas Borba, ironicamente, a única ligação de fato autêntica
de Rubião. Aliás, note-se sua dupla reificação: faz-se amigo do filósofo só por estar de olho em sua
herança, tornando-se, a seguir, vítima de uma tropa de parasitas. É a típica ironia do destino, algo
recorrente em Machado.

DOM CASMURRO

Aos 54 anos, Bentinho (Bento de Albuquerque Santiago) é um homem absorto e entediado,


um perfeito casmurro. Mora no Engenho Novo, subúrbio carioca, em uma casa construída no
exato molde da que passara a infância na Rua de Matacavalos, e m uma tentativa de restaurar seu
passado, motivo por que empreende também escrever um romance contando sua vida.

Bentinho (o narrador) era órfão de pai; sua mãe, D. Maria da Glória Santiago, tinha uma vida
confortável. Aos 15 anos, ele ouviu uma inusitada conversa: José Dias, o agregado da família,
advertia D. Glória de que o cumprimento de sua promessa (fazer do filho um padre) podia estar
em risco se o rapaz “pegasse de namoro” com a sua vizinha: Capitolina Pádua (Capitu), 14 anos.
Ainda que discordasse de José Dias, D. Glória decidiu apressar a execução de sua promessa. Bento
só então soube que suas inocentes relações com Capitu tinham o caráter de um namoro. Os
jovens descobriram o amor mútuo. Muito esperta, Capitu planejou fazer de José Dias um aliado
para libertar Bentinho do sacerdócio, contudo não lograram sucesso. Em vão o menino confessou
à mãe sua falta de vocação religiosa.

Cosme, o irmão de D. Glória, e a Prima Justina, beata também viúva e que habitava a casa há
anos, lavaram as mãos e a mãe de Bentinho mandara-o para o seminário. Antes da partida, os
jovens juraram apenas se casarem um com o outro. No seminário Bentinho travou forte amizade
com Ezequiel de Sousa Escobar. Já Capitu fez-se muito amiga de D. Glória, que dela se afeiçoou
tanto que passara a crer que o desenlace mais adequado para o filho seria apaixonar-se pela filha
do vizinho e com ela se casar. Seria Bentinho quem quebraria a promessa e não ela...

Escobar teve uma ardilosa ideia para livrar o amigo da batina: D. Glória deveria adotar um
órfão e pagar-lhe os estudos no seminário. Para Escobar, ela prometera dar a Deus um padre, no
entanto não afirmara que este seria necessariamente seu filho. Consultadas as autoridades, o
engodo é aceito.

Bentinho formou-se em Direito aos 22 anos. Escobar, também egresso do seminário, tornou-
se um abastado comerciante, casando-se com Sancha, amiga de Capitu. Bentinho e Capitu casam-
se. Ele progride na advocacia. Tivessem um filho e a felicidade do casal seria completa. Chegam
mesmo a invejar Escobar e Sancha, pais recentes da menina Capitolina. Passados alguns anos,
enfim nasceu Ezequiel. A felicidade parecia absoluta.

Os casais estavam ainda mais unidos, planejando até um futuro casamento entre
Capituzinha e Ezequiel, que era uma criança irrequieta e curiosa. Os desgostos de Bento se
iniciaram em 1871. Certa feita Escobar desafiou o mar em um dia de intensa ressaca e morreu
afogado. Ao fim do velório, enquanto amparava Sancha, Capitu olhara de maneira tão enigmática
para o corpo de Escobar que Bentinho ficara perturbado. Posteriormente, isso serviria como
argumento para que ele justificasse sua absoluta certeza de que fora traído pela esposa.

Capitu chamara a atenção do marido: Ezequiel tornava-se muito parecido com Escobar. O
tempo acentuou ainda mais tal semelhança, dando a Bento a certeza da traição. A crise no

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matrimônio principiara. Bento já não suportava o filho. Perturbado, decidiu suicidar-se bebendo
veneno. Surpreendido pela chegada de Ezequiel, resolveu dar ao garoto o café com veneno, mas
desistiu no último instante. O evento acarretou séria discussão do casal. Bento, então, deliberou
pela separação, só restando a Capitu ir morar na Europa com o filho. A fim de simular harmonia
entre ambos e salvar as aparências, Bento viajara algumas vezes ao Velho Mundo, todavia jamais
os reencontrara.

Certo dia, Bento é visitado por Ezequiel, já um belo rapaz, cada vez mais parecido com
Escobar. Capitu morre e é enterrada na Europa. Após alguns meses no Brasil, Ezequiel parte para o
Oriente Médio com o intuito de aprimorar seus estudos em Arqueologia. Meses depois, morre de
febre tifoide em Jerusalém.

Com a morte de todos aqueles a quem Bento Santiago afeiçoara-se ao longo da vida, ele
torna-se o austero Dom Casmurro de raros amigos e amigas, estas o consolam, em parte, da
intensa solidão. Lamuria-se ao assegurar que nenhuma de suas recentes amigas consegue fazê-lo
esquecer Capitu, sua primeira paixão e, ironia do destino, aquela que o enganara com seu melhor
amigo.
Comentários: Bento divide-se ora no menino e jovem, segundo ele mesmo, ingênuo; ora no
cinquentão cético. Para ele, a Capitu adulta já demonstrava sua personalidade dissimulada e
velhaca desde criança. Porém, a certeza da traição afirmada por Bento é a opinião de um narrador
de 1ª pessoa, imparcial e nada confiável. Capitu traiu ou não Bento? Isso não passa de uma mera
ilação, nada no texto ratifica ou refuta de fato o adultério . A trama foi urdida de forma que
argumentos pró e contra sua pretensa traição se sucedem. Capitu é uma das mais complexas e
instigantes personagens da literatura universal, seus “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”
ilustram a dubiedade de um ser invulgar. Faz de sua inteligência e sensualidade armas com que, de
certa forma, alcançou a ascensão social pelo matrimônio.

José Dias personifica o homem branco livre sem posses e cuja sobrevivência depende de
uma família de brancos com posses. Ele é hábil em mascarar sua completa obtusidade por meio de
um discurso grandioso e cheio de superlativos, no entanto vazio. Bajulador e com raríssimas
convicções, José Dias não se importa de que elas oscilem continuamente, pois que busca adequá-
las aos interesses da família de que é agregado.

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NATURALISMO

SÉC. XIX (1881-1902)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Naturalismo surgiu na França com a publicação do romance Teresa Raquin (1868), de


Émile Zola. Concomitante à uma revolução científica (Biologismo, Darwinismo e Determinismo) e
ao nascimento da Sociologia, a literatura naturalista traduzia artisticamente os anseios destas
áreas do conhecimento, uma vez que explicava biológica e sociologicamente o indivíduo.

CARACTERÍSTICAS

Figurando como uma espécie de desdobramento do Realismo, o Naturalismo agregou todas


as características daquele, exceto a análise psicológica, substituída pelo Cientificismo. A ciência foi
o instrumento básico com que os naturalistas construíram sua análise da sociedade e do homem.
A medicina experimental, praticada à época, inspirou os naturalistas a criarem o romance
experimental, cujo ponto de partida era a observação rigorosa da realidade e a aplicação objetiva
dos postulados científicos, biológicos e sociológicos. Maior expoente do Naturalismo francês,
Émile Zola deplorava a imaginação dos românticos, para quem acreditava faltar o “senso do real”,
conquista dos realistas-naturalistas.

Outra figura exponencial para o romance naturalista, o intelectual francês Hippolyte Taine
criou a teoria do Determinismo. Segundo essa tese, três fontes diversas contribuem objetivamente

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para produzir o estado moral e o comportamento elementares do homem: o meio, a raça
(hereditariedade) e o momento histórico, conforme especificado a seguir.

DETERMINISMO DO MEIO: Aponta que o indivíduo é uma extensão do meio onde vive. Assim,
tipos que habitam ambientes abjetos e promíscuos têm uma conduta coerente com sua realidade,
tornando-se criaturas aviltadas, luxuriosas, obtusas. Em seu pessimismo, as obras naturalistas
narram condutas humanas degradadas e bestiais como extensão de ambientes imundos e sórdidos.

DETERMINISMO DA RAÇA (HEREDITARIEDADE): Os tipos naturalistas são vítimas de seus instintos


mais viscerais e bestiais sem qualquer possibilidade de fugirem à sua herança biológica ou
temperamento: a filha de uma prostituta (natureza tida por lasciva) por certo será uma criatura
luxuriosa, o descendente de um alcoólatra também enfrentará problemas com bebidas etc.
Desfilam pelas narrativas naturalistas uma horda de figuras patológicas: ora doentiamente
preguiçosas, ora glutonas ou bêbadas inveteradas, ou ainda dominadas pela força de uma libido
mórbida, uma animalizada exacerbação dos instintos sexuais que as leva à completa abjeção.

Na segunda metade do séc. XIX, ressurgia a velha tentativa de interpretar a conduta humana a
partir das diferentes raças e etnias. Logo, o europeu era sempre elevado a símbolo de pureza e
vigor, enquanto os povos miscigenados (entre outros, os americanos) eram tidos como fracos
racialmente. Nossos romancistas não raro reduziram o tipo brasileiro como um temperamento
extrovertido, festivo, expansivo, além de sensual e luxurioso.
DETERMINISMO DO MOMENTO HISTÓRICO: Destituídas de personalidade própria, as personagens
naturalistas não podem fugir às injunções de seu momento específico, tendo em suas ações meros
reflexos da filosofia de vida da classe social a que pertencem. Subordinando a ficção à Sociologia, as
obras naturalistas europeias muitas vezes denunciavam as mazelas sociais decorrentes do
capitalismo, bem como a óbvia luta de classes entre burguesia e proletariado; exemplo: o célebre
Germinal, de Émile Zola, romance que denuncia as subumanas condições de sobrevivência dos
trabalhadores franceses das minas de carvão.

Aplicada a tese determinista, não resta qualquer livre-arbítrio às planas personagens


naturalistas, tipos sem qualquer individualidade e profundidade psicológica. A simplificação
naturalista do ser humano à tese determinista levou suas obras mais ortodoxas a serem chamadas
de romances de tese, isto é, quando o enredo fictício tem a finalidade de comprovar uma tese inicial
(no caso, o Cientificismo).

AUTOR E OBRAS

ALUÍSIO AZEVEDO (1857-1913)

Obras:

– Folhetins românticos: Uma lágrima de mulher (1880), Girândola de amores (1882), A


mortalha de Alzira (1894), Livro de uma sogra (1895) etc.

– Romances naturalistas: O mulato (1881), Casa de pensão (1884) e O cortiço (1890)

O CORTIÇO

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O português João Romão herdara uma taverna em Botafogo e algum dinheiro de seu ex-
patrão por tê-lo ajudado a enriquecer. Ascendia de empregado a patrão, passando a ter a ajuda na
venda de Bertoleza, uma escrava não forra e que aluga sua liberdade. Desde então o galego
desenvolvera a obsessão por enriquecer, passando a mourejar dia e noite junto à Bertoleza.

Tanto pelo trabalho, como pela tapeação dos clientes no troco, nas medidas e nos pesos dos
produtos da tasca, João Romão não demora a conseguir o dinheiro para comprar um terreno
baldio de tamanho razoável entre sua venda e o sobrado de Miranda, português que é atacadista
de tecidos. Nesse terreno, o vendeiro constrói casinhas e começa o cortiço. A gentalha que mora
nos casebres enfurece Miranda por ser um populacho roto e por sempre falar, aos berros, os
maiores disparates.

João Romão segue sua obstinada escalada rumo à ascensão social. Batizado de Carapicu, o
cortiço logo fica lotado de casinhas, todas ocupadas. Além do aluguel dos cubículos e do lucro da
bodega, ele instala, em uma faixa de terreno à frente da estalagem, tinas para que as mulheres
lavem roupa para fora e, assim, ajudem seus maridos no sustento das famílias. O aluguel das tinas é
cobrado diariamente. Os homens tampouco escapam à exploração do filho do reino, que comprara
parte de uma pedreira nos fundos da venda, empregando-os por salários baixíssimos... João Romão
transformava em lucro tudo o que tocava.

Surge o Cabeça-de-Gato, estalagem rival do Carapicu. Algumas vezes o ódio entre as


estalagens acarreta brigas coletivas entre os moradores de ambos os aglomerados.

Embora rico e respeitado, Miranda vive um conflito familiar: odeia Estela, sua esposa
adúltera. Eles têm uma filha, chamada Zulmira, a quem execram. Ainda que o casal nutra aversão
mútua e sequer se fale, ambos passam a manter um acordo velado de felicidade sexual, isto é,
eventualmente se entregam ao sexo desabrido.

Já então excedendo Miranda em riqueza, João Romão passa a invejá-lo por seu status social.
O vendeiro vê a possibilidade de entrar nas altas rodas da sociedade carioca casando-se com
Zulmira. Devidamente pago por João Romão, um velho agregado da família de Miranda chamado
Botelho fica encarregado de mediar o arranjo. De olho na riqueza de seu até então inimigo,
Miranda aceita a tramoia.

João Romão passa a namorar Zulmira e a frequentar o sobrado de Miranda. Contudo, surge
um entrave para a união: Bertoleza, que vivera maritalmente com o taverneiro e tanto contribuíra
para sua ascensão, não se mostra disposta a deixar-lhe o caminho livre. João Romão, irado, cogita
matar a negra, mas não tem coragem. Tendo falsificado uma carta de alforria e embolsado o
dinheiro que a escrava pagava mensalmente pela liberdade, ele decide entregá-la a seu ex-dono,
que a tinha por fugida. Os policiais chegam à venda e cercam Bertoleza, que logo entende que o
companheiro a descartava com o ardil de restitui-la ao ex-dono e que seria presa e castigada
exemplarmente. Em uma cena de enorme realismo descritivo, a negra suicida-se ao rasgar o
próprio ventre com a faca com que escamava peixes.

Abre-se o caminho para que João Romão se una a Zulmira e ascenda socialmente,
angariando, agora, o reconhecimento da elite. No exato momento em que Bertoleza, explorada e
humilhada, suicida-se, chega à casa do vendeiro uma comissão de abolicionistas para fazê-lo sócio
da instituição. Ele entrava de vez para a nata social carioca e obtinha o título de Visconde – superior
a Miranda, que era Barão –, sobrepujando totalmente o futuro sogro.

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O CORTIÇO: DETERMINISMO EM DUAS FACES

Típica narrativa de coletividade, a obra põe em evidencia o aglomerado humano que habita
a estalagem. Com incrível vigor descritivo, o autor pinta a podridão, a promiscuidade e a sujeira
geral do ambiente e mostra sua influência na vida dos moradores, de maneira a ditar seu
comportamento e a aviltá-los:

“E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a


minhocar, a esfervilhar, a crescer o mundo, uma coisa viva, uma geração que parecia
brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.”

Aos poucos o cortiço vai tornando-se uma espécie de organismo com vida própria, e, à
medida que cresce, respeita leis evolutivas autônomas ao universo que o cerca. A luta cotidiana
pela sobrevivência traz a este mundo à parte um tumulto que animaliza seus moradores.
Complementares, os dados a serem analisados neste triste quadro são a pobreza, a sordidez do
meio e a animalização (zoomorfismo) dos tipos.
Lavadeiras, prostitutas, soldados rasos, caixeiros e operários, além de capoeiras, bêbados e
vagabundos habitam o cortiço. Pela primeira vez em nossa literatura víamos descrito o dia a dia de
tal classe. A seguir salientaremos algumas figuras neste amontoado humano.

A bela Pombinha era ainda impúbere aos 18 anos. Criatura afável e uma das poucas pessoas
alfabetizadas da estalagem, ela ajuda a todos. É abusada sexualmente por sua madrinha, Léonie,
uma prostituta da elite. No calor das carícias, a menina se excita e sente prazer. Embora se sinta
humilhada, esta relação faz com que Pombinha tenha sua menarca e desabroche para uma
sexualidade doentia. Casa-se, mas é infeliz. Torna-se adúltera e deixa o marido para ir morar com
Léonie, de quem se torna amante e emérita discípula na prostituição. Ao tornar-se vítima de seus
próprios instintos, Pombinha tipifica o Determinismo da raça.

Jerônimo, um português trabalhador e austero, é esposo de Piedade e pai de Senhorinha


(Marianita). Eles moram em uma casa limpa e têm uma vida ordeira, mas isso muda quando
Jerônimo conhece Rita Baiana, tipo tão preguiçoso, quanto doentiamente lúbrico . Segue-se a cena
em que a mulata dança a quente “música crioula” sob o olhar estupefato do lusitano:

“Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e


bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão
de gozo carnal, num requebro luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga
empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se fosse afundando
num prazer grosso que nem azeite. (...) Depois, como se voltasse à vida, soltava um
gemido prolongado, estalando os dedos no ar, envergando as pernas, descendo, subindo,
sem nunca parar com os quadris.”

Rita Baiana desperta os instintos do europeu para um frenesi sexual desconhecido até então.
Dando vazão ao Determinismo da raça, também a mulata era impelida por seus bestiais impulsos
sexuais aos braços do europeu, visto, inconscientemente, como o macho superior.

Enfeitiçado por Rita, Jerônimo, aos poucos, se cansa da culinária de sua terra, preferindo o
tempero da comida de sua nova amiga, o café, a cachaça e o fumo; em suma, abrasileirava-se ao
ser vencido pelo Determinismo do meio. Após brigar com Firmo, capoeirista e namorado da
mulata, o galego o assassina em uma emboscada e une-se a ela, perdendo-se de vez. Deixa a

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família e o Carapicu e vai viver com Rita em outra estalagem; torna-se luxurioso, brigão,
preguiçoso e bêbado. A crítica literária assinala o abrasileiramento dos sentidos que vitima o
europeu ainda por conta de seu contato com a natureza (clima) tropical, em especial o sol, cujo
calor relaxa o equilíbrio e a severidade, incitando à preguiça e às transgressões morais e sexuais.

Tendo perdido seu esposo, Piedade também se corrompe; vive embriagada e é abusada
sexualmente na estalagem. Mesmo Senhorinha tem seu futuro comprometido, já que Jerônimo
deixara de pagar a escola particular onde ela estudava, anunciando outro destino aviltado. Toda a
família fora destruída pela influência do abjeto meio do cortiço.

Ressaltem-se ainda: a Machona, mulher bastante enérgica e masculinizada; a Bruxa, que,


com suas curas através de feitiçarias, tipifica o misticismo popular; e Libaninho, um homossexual
que lavava roupa na companhia das mulheres e era debochado por sua opção sexual.

CRÍTICA SEVERA AO CAPITALISMO SELVAGEM

Além de ficcionalizar o Determinismo naturalista, a narrativa apresenta ainda uma dura


crítica ao nascente capitalismo da sociedade fluminense pré-industrial de fins do séc. XIX. Assim, O
cortiço trata-se de um esboço de romance proletário em nosso país, pois nenhuma outra obra
antes dele abordou as extremas dificuldades de sobrevivência de uma massa de marginalizados.

A trama ilustra a sociedade capitalista: de um lado, temos os burgueses (exploradores),


simbolizados pelos lusos Miranda e João Romão. Este, detentor dos meios de produção (a taverna,
a estalagem e a pedreira), concentra a renda oriunda da exploração do trabalho alheio. De outro
lado, o proletário, cuja dependência da burguesia obriga-o à submissão. Aponte-se como o
Determinismo do momento histórico envolve todas as personagens, na medida em que são frutos
de um contexto em que a burguesia deseja o enriquecimento e a busca de status social e o
proletariado oprimido almeja a simples sobrevivência. Conforme se pode observar, embora
transcorrido mais de um século de sua publicação, o romance mantem enorme atualidade acerca
do drama social nele abordado, infelizmente.

O cortiço apresenta linguagem direta e objetiva, a qual não raro beira a escatologia no
intuito de caracterizar a enorme podridão do cenário físico e humano. O narrador, em 3ª pessoa,
não apela ao paternalismo ou ao sentimentalismo ao descrever as durezas da vida cotidiana desta
pobre gente, deixando as devidas conclusões para o leitor.

AUTORES NATURALISTAS MENORES

– ADOLFO CAMINHA (1867-1897). Obras: A normalista (1893), Bom-Crioulo (1895) e


Tentação (1896)

– JÚLIO RIBEIRO (1845-1890). Obra: A carne (1888)

– INGLÊS DE SOUZA (1853-1918). Obras: O cacaulista (1876), História de um pescador (1877),


O coronel sangrado (1877), O missionário (1888) e Contos amazônicos (1893)

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PARNASIANISMO

SÉC. XIX (1882-1902)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A escola surgiu nos anos 1860 na revista francesa Parnasse contemporain, que tinha como
colaboradores os poetas Théophile Gautier, Lecomte de Lisle e Charles Baudelaire. Este, um
legítimo gênio, rompeu posteriormente com a estética parnasiana, influenciando vivamente o
Simbolismo.

CARACTERÍSTICAS

IDEAL LATINO DA “ARTE PELA ARTE”: Os parnasianos mostraram total alienação social, validando
o enriquecimento da burguesia, deslumbrada com o capitalismo industrial. Produto da dita belle
époque, o movimento fez da poesia a expressão de um mundo festivo e elegante, típico dos
refinados cafés e cabarés parisienses. Os poemas mostravam total indiferença acerca dos dramas
sociais ou individuais das massas, postura que ficou conhecida como torre de marfim.

O Parnasianismo retomou o ideal latino da “arte pela arte”, segundo o qual a poesia deve
bastar-se enquanto beleza estética, nunca recaindo em qualquer utilitarismo, como a crítica social.
O poeta devia tratar tão-somente de conteúdos de bom gosto, abordando apenas fatores estéticos.

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OBSESSIVO CULTO À FORMA: Para os parnasianos, a arte devia buscar só a beleza estética,
concretizada na absoluta perfeição da forma. O poeta partia dos índices FORMA, BELEZA ESTÉTICA
e VERDADE, seguindo uma relação na qual a beleza seria o critério de verdade superior, obtida pela
beleza estética, concretizada na perfeição formal.

O esteticismo poético parnasiano gerou um obcecado culto à forma, que não raro relegou a
segundo plano o conteúdo. Essa verdadeira obsessão pela perfeição formal baseava-se nas regras
abaixo:

 Métrica rigorosa: preferência por versos decassílabos ou alexandrinos;

 Rimas ricas: valorização das rimas mais difíceis;

 Preferência pelo soneto: se possível com chave de ouro: mantendo a tradição clássica;

 Perfeição na linguagem: uso de palavras eruditas e respeito às regras da gramática normativa;

 Objetividade, imparcialidade e impessoalidade: ao contrário ao Romantismo, o Parnasianismo


adotou o racionalismo como base ideológica (negando a subjetividade) e o mundo exterior
como conteúdo básico, além de descrever a realidade concreta com imparcialidade. Abolida a
subjetividade do eu, restava ao sujeito poético a obsessiva descrição de objetos inanimados e
de suposto bom gosto.

A TEMÁTICA DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA: Era preciso um temário mais abrangente para a estética
do que a mera descrição de objetos, daí a abordagem reiterada da Antiguidade clássica: a
mitologia greco-latina, símbolo de racionalismo e erudição, a História da Grécia e de Roma
Antigas. Aliás, o nome da estética ilustra a exaltação da Antiguidade Clássica: o termo
Parnasianismo faz referência ao Parnaso grego, que, de acordo com a lenda, era um monte
consagrado a Apolo e às musas, localizado na região da Fócida, na Grécia Central.

POETAS E OBRAS

OLAVO BILAC (1865-1918)

CARACTERÍSTICAS GERAIS

Execrado por alguns devido ao artificialismo de sua obra; louvado por outros por seu talento
técnico, ele foi o poeta mais popular do nosso Parnasianismo, chegando a ser premiado com o
pomposo título de Príncipe dos poetas brasileiros. Bilac escreveu uma vasta e tematicamente
variada obra, cuja forma é invariavelmente parnasiana. Vejamos os detalhes de seus livros.

1. POESIAS (1888): reúne três volumes:

– PANÓPLIAS: a obra de maior ortodoxia parnasiana do poeta:

 Título: panóplia é a armadura de um cavaleiro ou o escudo em que se colocam armas


artisticamente dispostas como adorno de parede.

 Temática: os poemas retomam dados da Antiguidade Clássica, descrevem objetos e cenas ou


teorizam sobre a essência da lírica parnasiana (metapoesia).

 Técnica: bom gosto linguístico e esmero formal.

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Transcrevemos, a seguir, trechos de Profissão de fé:

01. “(...) Invejo o ourives1 quando escrevo:


02. Imito o amor
03. Com que ele, em ouro, o alto-relevo
04. Faz de uma flor. (...)

05. Por isso, corre, por servir-me,


06. Sobre o papel
07. A pena como em prata firme
08. Corre o cinzel2.

09. Corre; desenha, enfeita a imagem,


10. A ideia veste:
11. Cinge-lhe3 ao corpo a ampla roupagem
12. Azul-celeste.

13. Torce, aprimora, alteia, lima


14. A frase; e enfim,
15. No verso de ouro engasta a rima,
16. Como um rubim.”
_______
1. Ourives: aquele que fabrica objetos (joias) de ouro ou prata;
2. Cinzel: instrumento usado por escultores e gravadores;
3. Cingir: envolver.

Comentários: nesse metapoema, o autor expõe as normas do Parnasianismo a seus seguidores e


compara sua poesia ao trabalho obstinado e paciente do ourives (v. 01 a 04); sua pena deve seguir
o exemplo do cinzel do artista (v. 05 a 12). O poeta então descreve seu trabalho artístico
(“desenha, enfeita a imagem (...), aprimora, alteia, lima/a frase”) para encaixar a rima perfeita e
bela como uma pedra preciosa (v. 13 a 16). Formalmente, as quadras apresentam simetria entre
os versos decassílabos e tetrassílabos. A maior parte das rimas é rica.

– VIA-LÁCTEA: os 35 sonetos tratam do amor, predominando o tom filosófico e reflexivo. As


paixões ora são platônicas, ao gosto romântico; ora concretizadas de modo comedido e frio,
conforme a praxe clássica. Leia o Soneto XIII:

“‘Ora (direis) ouvir estrelas! Certo


Perdeste o senso!’ Eu vos direi, no entanto,
Que para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto


A via-láctea, como um pálio1 aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

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Direis agora: ‘Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?’

E eu vos direi: ‘Amai para entendê-las!


Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.’”
_______
1. Pálio: manto.

Comentários: em forma parnasiana, o poema mostra a postura afetiva romântica do eu poético,


que imagina um hipotético diálogo com um amigo. Apaixonado, o primeiro fala com as estrelas e
lamenta a ausência delas; o segundo, sob viés racional, toma o amigo por louco. Há no texto um
certo platonismo amoroso, pois o sentimento não excede o plano das ideias. O terceto final sugere
o ditado popular “O coração tem razões que a própria razão desconhece!”, já que, para o eu-lírico,
é preciso amar (abrir mão do racionalismo) para entender a poesia das estrelas.

– SARÇAS DE FOGO: de novo o central é o amor, agora, contudo, concretizado fisicamente.


Vemos a descrição da beleza dos corpos femininos nus e mesmo de r elações sexuais, em um
erotismo explícito e pouco sofisticado, como em Satânia, onde uma mulher flerta com a
humanizada luz do sol, experimentando, com isso, enorme prazer sexual:

“(...) Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura,


Morde-lhe os bicos túmidos1 dos seios,
Corre-lhe a espádua2, espia-lhe o recôncavo

Da axila, acende-lhe o coral da boca,


E antes de se ir perder na escura noite,
Na densa noite dos cabelos negros,
Para confusa, a palpitar, diante
Da luz mais bela dos seus grandes olhos.

E aos mornos beijos, às carícias ternas,


Da luz, cerrando levemente os cílios,
Satânia os lábios úmidos encurva,
E da boca na púrpura sangrenta3
Abre um curto sorriso de volúpia4...”
_______
1. Túmidos: inchado;
2. Espádua: costas;
3. Púrpura sangrenta: de intensa vermelhidão, metaforizando a excitação erótica de Satânica;
4. Volúpia: tesão.

2. O CAÇADOR DE ESMERALDAS (1902)

Pertence à veia patriótica ufanista do poeta, à qual se juntam sonetos que louvam a natureza
brasileira e a própria língua portuguesa. O civismo exótico marcou a própria biografia de Bilac, que
escreveu livros didáticos para estimular as crianças ao amor pátrio, defendeu o serviço militar
obrigatório e o republicanismo, além de compor o Hino à bandeira.

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O herói deste poema épico-cívico é o bandeirante Fernão Dias Paes Leme, ícone da luta pela
civilização da pátria. Note que, ao retomar o passado histórico e forjar heróis nacionais corajosos e
um futuro grandioso para a nação, Bilac acaba fugindo de tratar do subdesenvolvimento brasileiro
de fins do séc. XIX. Merecem alusão as belas descrições da nossa natureza.

3. TARDE (1919)

Citem-se a plasticidade das descrições de nossa natureza e de cenários diversos, além de


textos de cunho filosófico. A reflexão existencial traz um eu-lírico que, velho ou à beira da morte,
lastima a perda do prazer erótico. Os poemas possuem tom crepuscular, nostálgico e melancólico,
como o célebre In extremis.

ALBERTO DE OLIVEIRA (1857-1937)

Obras principais: Meridionais (1884), Versos e rimas (1895) e O livro de Ema (1900)

CARACTERÍSTICAS GERAIS

Foi o nosso mais pragmático parnasiano, seguindo à risca os preceitos da escola, como o ideal
da “arte pela arte”. Sua poesia é fria e intelectualizada, marcada pela temática greco-romana e pelo
descritivismo obsessivo (objetos de bom gosto: vasos chineses e gregos, estátuas, um muro etc.).
Seus poemas denotam quase absoluta impessoalidade e repetição do preciosismo formal e
linguístico, como é o caso de Vaso chinês:

“Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,


Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,


Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,


Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,


Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.”
_______
1. Mármor luzidio: mármore brilhante;
2. Mandarim: alto funcionário chinês;
3. Chim: chinês.

43
RAIMUNDO CORREIA (1859-1911)

Obras: Primeiros sonhos (1879), Sinfonias (1883), Versos e versões (1887) e Aleluias (1891)

CARACTERÍSTICAS GERAIS

Primeiros sonhos é um livro de tardia influência romântica, sobretudo por sua simplicidade
técnica. Raimundo Correia fez-se parnasiano nas obras seguintes, que expressam os traços
essenciais de sua lira, em especial o enorme talento na descrição da natureza brasileira , obtendo
notável plasticidade.

A crítica refere nuances simbolistas na lírica de Raimundo Correia nos poemas Banzo e
Plenilúrio, que possuem uma certa aura metafísica. Deixando por vezes de lado a frieza e a
sobriedade parnasiana, seus versos costumam conter emoção genuína, fina melancolia e niilismo
quanto à vida humana, vista como um constante desenrolar de tristezas e desenganos. Porém,
tampouco ele escapou aos clichês pseudofilosóficos parnasianos, tal qual se vê Mal secreto, que
registra a necessidade imposta pela sociedade de que dissimulemos os nossos mais autênticos
sentimentos:

“Se a cólera1 que espuma, a dor que mora


N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge2, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora


Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo


Guarda um atroz3, recôndito4 inimigo,
Como invisível chaga5 cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,


Cuja a ventura6 única consiste
Em parecer aos outros venturosa!”
_______
1. Cólera: raiva, ira;
2. Punge: dói, macera;
3. Atroz: cruel, desumano;
4. Recôndito: ignorado, culto;
5. Chaga: ferida;
6. Venturosa: alegre, afortunada.

POETAS PARNASIANOS MENORES

– VICENTE DE CARVALHO (1866-1924). Obras: Ardentias (1885); Relicário (1888); Rosa, rosa
de amor (1902) e Poemas e canções (1908)

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– FRANCISCA JÚLIA (1874-1920). Obras: Mármores (1895) e Esfinges (1903)

SIMBOLISMO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Surgiu na França de fins do séc. XIX com os poetas Charles Baudelaire, Paul Verlaine e
Stéphane Mallarmé. As publicações do Manifesto decadente e do Manifesto simbolista (1886)
definiram as bases ideológicas da poesia simbolista como uma oposição ao Realismo-Naturalismo e
ao Parnasianismo, bem como a prerrogativa de que a civilização burguesa vivia uma total
decadência moral e espiritual, tornando a vida um grande mal-estar, suportável apenas pelo gozo
dos prazeres mais radicais.

CARACTERÍSTICAS

ROMPIMENTO ENTRE ARTISTA E SOCIEDADE: Há quem considere o Simbolismo uma extensão (ou
potencialização) dos preceitos do Romantismo, como o rompimento entre a visão de mundo
sensível e subjetiva do artista e o mecanicismo da sociedade. O eu-lírico simbolista vive um extremo
mal-estar quanto à filosofia de vida materialista da burguesia e o Cientificismo racionalista da
segunda metade do séc. XIX, fugindo da realidade imediata e assumindo a típica postura da “torre
de marfim”.

PRIMADO NO IRRACIONAL E NO ILÓGICO: Ao negarem o racionalismo e o mundo concreto, os


simbolistas apostaram na subjetividade, na sensibilidade e na intuição do “eu”, enfatizando a
liberdade imaginativa, o irracionalismo, o ilógico e o sonho, em um mergulho nos abismos do

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inconsciente e do subconsciente. Assim, a lírica simbolista negou a objetividade realista e a
impassibilidade parnasiana, preferindo, ao contrário da pormenorizada descrição de objetos, a
sugestão de estados de alma inefáveis e etéreos.

O Simbolismo substituiu o mundo referencial (exterior) por lembranças remotas do eu


poético, imagens oníricas, universos brumosos e sensações evanescentes. Trata-se de uma poesia
que cultuou o mistério e desafiou o leitor a descobrir o estado anímico insinuado pelo eu-lírico, daí o
uso contínuo de reticências.

SINESTESIAS E MUSICALIDADE: Hermética ou de difícil interpretação, essa poesia apela antes aos
sentidos do que ao intelecto. Os poetas simbolistas empreenderam sugerir sensações tão sutis e
estados de alma tão subjetivos que tiveram que propor uma reinvenção da linguagem, que valorizou
os neologismos e pela tradução verbal de sensações fugidias ao associarem cores, cheiros, sons etc.
(sinestesias). Enfim, a linguagem simbolista extrapolou o teor metafórico e tornou-se cifrada,
simbólica, incidindo no uso de maiúsculas alegóricas; além de demonstrar enorme musicalidade, em
um profusão de aliterações e assonâncias.
ANGÚSTIA CÓSMICA E CULTO À BRANCURA: O mal-estar simbolista para com a realidade levou os
poetas à angústia cósmica, gerando a busca de transcendência e de espiritualização. Trata-se de
uma poesia bastante mística e religiosa, o que é sugerido pela ampla presença de índices que
evocam a cor branca: espumas, neblinas, brumas, neve, lua, marfim etc. (culto à brancura).
Portanto, a cor branca é elevada a símbolo da pureza e da transcendência tão desejadas.

INTENSO PESSIMISMO: Opondo-se ao otimismo da belle époque burguesa, o Simbolismo propôs


uma, não obstante indireta, mas amarga reflexão sobre o destino do homem. Ao buscar
autenticidade, o sujeito lírico simbolista viu-se desamparado e recaiu no niilismo, atribuindo um
inusitado fatalismo decadentista à civilização moderna e ao ser humano.

O SIMBOLISMO BRASILEIRO: A estética simbolista ficou marginalizado em nosso país diante do


imenso prestígio do Parnasianismo, desenvolvendo-se em meios periféricos: Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Pesquisas recentes apontam Medeiros e Albuquerque
como o precursor do movimento no Brasil; entretanto, o livro que inaugurou realmente o nosso
Simbolismo foi Broqueis e Missal (1893), de Cruz e Sousa.

PRINCIPAIS POETAS

CRUZ E SOUSA (1861-1898)

Obras: Broqueis e Missal (1893), Evocações (1899), Faróis (1900) e Últimos sonetos (1905)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Dividimos, com fins didáticos, sua poética em alguns núcleos temáticos, conforme se segue.

1. OBSESSÕES: MUSICALIDADE E SINESTESIAS

Os versos de Cruz e Sousa possuem uma musicalidade incomum, como ele mesmo aconselha
aos demais poetas em Arte, metapoema do qual transcrevemos uma das últimas quadras:

“Derrama luz e cânticos e poemas


No verso e fá-lo musical e doce

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Como se o coração, nessas supremas
Estrofes, puro e diluído fosse.”

Servindo para sugerir sutis estados de alma, as sinestesias são outra constante na obra do
poeta catarinense, que praticamente elimina de sua lírica o mundo concreto, substituído por
alegorias cromáticas, atmosferas vagas e abstratas.

2. BRANCURA: EROTISMO E SUBLIMAÇÃO

A maior das obsessões de Cruz e Sousa é o culto à brancura, desenvolvido no que a crítica
chamou de um “lirismo estelar”, ou seja, inúmeras vezes os versos d o poeta trazem efeitos de
meia-luz e penumbra cortadas por fúlgidos clarões de astros, estrelas, da lua, do sol e mesmo de
cristais e círios. Ainda que de maneira contestável, especialistas atribuíram a obsessiva brancura
de sua poesia à tentativa do poeta de negar (disfarçar) sua origem (negro e filho de escravos
alforriados) e como tradução simbólica de seu desejo inconsciente de arianismo.

A brancura na poesia cruzesouseana tem ainda o intuito de sublimar o erotismo. Cruz e Sousa
não descreve a figura feminina com realismo e concretude (como Olavo Bilac), mas de forma
indefinida e nuançada. Embora a leveza feminina, a mulher (o erotismo) é sempre abordada como
uma ameaça, um perigo a atordoar o eu-lírico. Oprimido pela presença feminina, o eu poético só
deseja sublimar e transcender seus instintos sexuais. Note o modo demoníaco com que é abordada
a figura feminina em Braços:

“Braços nervosos, brancas opulências,


Brumais brancuras, fúlgidas brancuras,
Alvuras castas, virginais alvuras,
Lactescências das raras lactescências.

As fascinantes, mórbidas dormências


Dos teus abraços de letais flexuras,
Produzem sensações de agres torturas,
Dos desejos as mornas florescências.

Braços nervosos, tentadoras serpes


Que prendem, tetanizam como os herpes,
Dos delírios na trêmula coorte...

Pompa de carnes tépidas e flóreas,


Braços de estranhas correções marmóreas,
Abertos para o Amor e para a Morte!”

Comentários: os braços sugerem a presença feminina (sinédoque), o sujeito lírico reveste de


brancura a mulher, dando-lhe uma aura incorpórea e evanescente e, assim, sugere sua
transcendente pureza (1º terceto). 2º quarteto: o eu-lírico sofre diante da mera possibilidade de
aproximação feminina: os mesmos braços que oferecem abraços “fascinantes” encobrem “letais
flexuras”, “mórbidas dormências” e “produzem sensações de agres torturas”. Viver a sexualidade
acarreta terríveis torturas, daí a necessidade de transcender o corpóreo por meio da sublimação do
desejo. Sumariamente, os tercetos afirmam a incontestável beleza feminina e, por consequência, o
absoluto perigo da entrega ao desejo sexual, acabando por ligar “Amor” e “Morte”.

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A sublimação dos instintos sexuais desemboca na absoluta negação a tudo o que é material e
mundano, gerando um invariável desejo de pureza e um profundo platonismo na poesia de Cruz e
Sousa. A discordância entre a realidade imediata (vida terrena em seus mais diversos aspectos) e o
platonismo (vida ideal supra terrena) é o tema central do soneto Cárcere das almas:

“Ah! toda a alma num cárcere anda presa,


Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidade,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza


Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas


Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,


Que chaveiro do céu possui as chaves
Para abrir-vos as portas do Mistério?!”

Observe ainda que não raro os versos de Cruz e Sousa trazem o desejo de morte como
libertação suprema e fim óbvio do sofrimento terreno que vivencia o sujeito lírico.

3. POESIA FILOSÓFICA E MEDITATIVA

Toda a obra do poeta catarinense traz uma forte tendência à inquirição filosófica sobre o
sentido da vida humana, reduzida a um infindável sofrimento. Inerente à própria condição do
homem, a dor existencial por vezes gera um maior contato com a realidade terrena na obra de
Cruz e Sousa, conforme os versos do ilustre Litânia dos pobres:

“Os miseráveis, os rotos


São as flores dos esgotos

São espectros implacáveis


Os rotos, os miseráveis.

São prantos negros de furnas


Caladas, mudas, soturnas. (...)

Faróis à noite apagados


Por ventos desesperados. (...)

Bandeiras rotas, sem nome,


Das barricadas da fome.

Bandeiras estraçalhadas
Das sangrentas barricadas.”

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Comentários: dor existencial e solidão humana são os temas do poema, que denota alguma crítica
social, já que é ambíguo o sentido dado aos termos “ miserável”, “rotos”, “esgotos” e “fome”. É
ainda possível uma leitura autobiográfica do texto ao lembrarmos da vida miserável que o poeta
enfrentou, chegando mesmo a passar fome com sua família no Rio de Janeiro, haja vista não ter
conseguido emprego por ser negro.

Saliente-se o tema da ascese, que parece surgir de uma religiosidade filosófica, reservando
ao sujeito poético uma singular paz de espírito diante dos horrores com que a vida nos esmaga,
como em Sorriso interior:

“O ser que é que ser e que jamais vacila


Nas guerras imortais entra sem susto,
Leva consigo este brasão augusto
Do grande amor, da grande fé tranquila.

Os abismos carnais da triste argila


Ele os vence sem ânsia e sem custo...
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tudo em derredor oscila.

Ondas interiores de grandeza


Dão-lhe esta glória em frente à Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.

O ser que é ser transforma tudo em flores...


E para ironizar as próprias dores
Canta por entre as águas do Dilúvio!”
_______
1. Eflúvio: emanação, aroma.

ALPHONSUS DE GUIMARAENS (1870-1921)

Obras principais: Dona mística (1899), Câmara ardente (1899) Septenário das dores de Nossa
Senhora (1899) e Kyriale (1902)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A obra de Alphonsus de Guimaraens divide-se em poucos temas, os quais são bastante


complementares. Vamos a eles.

1. A MORTE DA AMADA

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Saliente-se o teor autobiográfico da obra alphonsina. Formado em Direito em São Paulo, o
poeta morou em várias cidades mineiras, onde exerceu a função de juiz. Já maduro, apaixonou-se
por Constança, sua prima, 17 anos. Pouco antes do casamento, contudo, a menina morreu de
tuberculose, o que se tornou o tema mais recorrente na obra de Alphonsus e acarretou o tom
elegíaco, fúnebre e mórbido de seus versos, além dos intensos sofrimento, angústia e pessimismo.
Definem sua lírica a soturnidade, a melancolia, a nostálgica e a autocomiseração por ver-se
abandonado pela amada, bem como o desejo de morrer para reencontrá-la:

“Os olhos meigos da Esperança que não volta,


Ai! com que dor cerrados dentro da minha Alma!
Pois ela está com as duas mãos no peito, morta,
E houve quem aspirasse a violeta de Parma.

Houve, pois que cessou de todo a etérea calma


Que pairava do luar na irradiação imota1;
A mão eterna que a tormenta arma e desarma,
Fechou os olhos da Esperança que não volta.

E a minha Alma (oh! a sublime e dorida grinalda


De saudades!) não mais volveu os olhos tristes
Para o azul donde viera a pobre flor fanada2...

De joelhos, ante o Céu que se estrela de cruzes,


Eis-me aqui como quem, escapo às negras sirtes3
Do mar, se veja numa ampla floresta de urzes.4”
_______
1. Imota: imóvel;
2. Fanada: mutilada; alude à morte prematura de Constança;
3. Sirtes: sentido figurado de perigos;
4. Urzes: plantas espinhosas; metáfora de uma realidade sofrida.

Comentários: os versos trazem a imagem simbólica do velório da amada morta, fim das
esperanças de felicidade do eu-lírico, cuja alma tornou-se uma “sublime e dorida grinalda/ de
saudades”. Através de metáforas, o eu poético antevê o sofrimento (“sirtes” e “urzes”) e a solidão
de sua vida terrena após a perda de seu amor. Ressaltem-se a linguagem musical e o uso de
maiúsculas alegóricas no texto, além de sua essência autobiográfica.

2. AS ABANDONADAS CIDADEZINHAS MINEIRAS

Alphonsus de Guimaraens chegou a alcançar um relativo prestígio ainda em vida devido à


sua poesia. Prestígio que aumentaria muito se o poeta fosse morar no Rio de Janeiro; todavia, ele
jamais quis deixar as cidades mineiras, cuja aura de passadismo e desolação geral se uniam ao
próprio sentimento íntimo de abandono de seu eu-lírico. Aliás, tais cidades históricas não
passavam de povoados esquecidos pelo tempo, dominados por uma atmosfera saudosista de seu
auge, no ciclo do ouro do séc. XVII. À época de Alphonsus, essas cidades decadentes e brumosas
não passavam de soturnos agrupamentos habitados em grande medida por velhas beatas que, ao
som de sinos, se arrastavam por becos silenciosos e sombrios, como em A catedral:

“Entre brumas ao longe surge a aurora.


O hialino1 orvalho aos poucos se evapora,

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Agoniza o arrebol2.

A catedral ebúrnea3 do meu sonho


Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.
E o sino canta em lúgubres4 responsos5:
Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus! (...)

Por entre lírios e lilases desce


A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a lua a rezar.
Toda branca de luar.
E o sino canta em lúgubres responsos:
Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus! (...)”
_______
1. Hialino: translúcido, transparente;
2. Arrebol: vermelhidão típico do nascer ou do pôr do sol.
3. Ebúrnea: de marfim;
4. Lúgubre: sombrio, funesto;
5. Responso: versículos rezados ou cantados.

Comentários: o meio geográfico mineiro, com suas cidades nos vales e o raiar nevoeirento de cada
novo dia, é, aqui, transformado em um evanescente ambiente simbolista. O eu-lírico sonha com
uma catedral (outra alusão à cor local de Minas Gerais) cujos sinos dobram soturnamente, em uma
comunhão com sua dor (refrão).

3. O LIRISMO RELIGIOSO

A morte de Constança levou Alphonsus ao misticismo religioso, gerando uma poesia de


intensa religiosidade catolicista, com o imaginário místico popular e a valorização de preces e
crenças populares. Em uma poética de forte apelo e linguagem litúrgica, constantemente são
retomados os típicos rituais da igreja católica, como em Responsorium:

“Alma que teve quem dela se recordasse


Na ignóbil1 terra infiel onde tudo se esquece:
Requiest in pace. (...)

Olhar que se apagou sem que nunca pecasse,


Ciliciado altar que entre luares floresce:
Requiest in pace.

Lábio que dera a quem neste mundo a beijasse


A luz espiritual de uma longínqua prece:
Requiest in pace.

Beijo, fruto estival2que lhe floriu na face,


Evocador de tão prometedora messe3:
Requiest in pace4. (...)”
_______
1. Ignóbil: abjeta, mesquinha, sórdida.
2. Estival: relativo ao estio, quente, calmoso.

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3. Messe: colheita.
4. Requiest in pace: descanse em paz, em latim.

Comentários: o poema possui um tom fúnebre por simular uma oração de corpo presente,
característica dos velórios cristãos. O refrão, o título e a estrutura evidenciam a essência religiosa do
texto. Responsorium traz outro traço usual da lira alphonsina: o louvor à absoluta pureza de sua
musa inspiradora, cujo “olhar se apagou sem que nunca pecasse” e lábios que apenas se dedicaram
às preces (rezas) e não aos beijos. Novamente se pode ligar a musa louvada à Constança. Note outro
tema típico da poesia alphonsina: a fusão entre o terreno (símbolo de dor e tristeza) e o divino
(sublimação e espiritualização), revelada no dito platonismo místico, isto é, poemas onde as duas
figuras adoradas pelo eu-lírico (a amada morta e Nossa Senhora) são como que fundidas em um só
ente.
Por vezes há uma veia medievalista na lírica de Alphonsus, onde o sujeito lírico assume o
papel de um trovador e louva sua amada como uma dama ou princesa. Também o inconsciente e
as zonas profundas e desconhecidas da mente interessaram o poeta mineiro, como em Ismália:

“Quando Ismália enlouqueceu,


Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,


Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu


As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu


Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...”

Comentários: este poema nos traz uma das imagens mais líricas (tocantes) em relação ao tema do
suicídio. Ismália, em um misto de sonho (ou loucura?) e desespero, coloca-se no alto de uma
torre, de onde busca alcançar as duas luas que vê: a que está no céu e a que está no mar. O
curioso é que, paradoxalmente, a lua no céu, simbolizando o sonho inatingível, é a lua real;
enquanto a lua no mar, reflexo, versão irreal da outra, é a que está próxima da realidade, da
morte, desfecho trágico e apenas sugerido ao final do texto: “As asas que Deus lhe deu/ Ruflaram
de par em par.../ Sua alma subiu ao céu”. Por fim, o texto ratifica ainda duas tônicas da poesia de
Alphonsus: a visada medievalista, presente na métrica dos versos (redondilhas); e a forte
religiosidade, evidenciada no vocabulário selecionado, que alude ao universo cristão (“Deus”,

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“anjo” e “alma”). (FISCHER, Luís Augusto; FISCHER, Sergio Luís. Poesia brasileira: Do Barroco ao Pré-
Modernismo. Porto Alegre: Novo Século, 2001, p. 186. Adaptado.)

IMPRESSIONISMO

SÉC. XIX (1888)

UMA REVOLUÇÃO NA PINTURA: O Impressionismo foi um movimento artístico surgido na França


ainda do séc. XIX, constituindo uma espécie de introdução às vanguardas europeias, que se
desenrolariam a partir do início do século seguinte. Seu nome é derivou da tela Impressão, nascer
do sol, de 1872, (vide ilustração abaixo), de Claude Monet.

A tela em questão marcou a história da arte devido a abrir mão de uma descrição plástica da
aurora com a pretensão de parecer uma fotografia o mais realista possível (a dita arte acadêmica)
para pintar um nascer do sol, marcado pelo olhar pessoal do artista e por uma relativa abstração.

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Tomadas no conjunto das obras e artistas, as características centrais do Impressionismo
foram a já citada quebra dos preceitos do realismo aristotélico e das normas acadêmicas de
pintura; a sugestão de luz e de movimento por meio de pinceladas soltas, elemento central da
estética; e a obsessiva tentativa de capturar melhor as variações de cores da natureza flagrada à
luz solar, daí que as telas geralmente fossem pintadas ao ar livre. Os nomes mais relevantes foram
Monet, Manet, Degas e Renoir.

Costuma-se chamar de PÓS-IMPRESSIONISMO a segunda geração de pintores vinculados à


estética, que primaram por telas que apresentassem um brilho intenso, com eventuais manchas
de cores vivas, como o arco-íris. Vemos, aqui, uma arte mais substancial, ou seja, que trouxe uma
espécie de mensagem implícita, com o que rompeu com o Impressionismo, cuja busca era por
captar o momento passageiro. Principais nomes: Gauguin, Toulouse-Lautrec, Cézanne e Vincent
Van Gogh, que foi, certamente, o maior pintor de todo o movimento e um dos maiores de todos
os tempos na arte ocidental, ainda que sem o merecido reconhecimento em vida. Veja uma de
suas mais famosas telas:

Última obra do artista, Trigal com corvos (1890) foi descrita pelo próprio como “vastas extensões
de trigo sob céu tormentoso...”, ao que acrescentou ainda que não precisou se esforçar para
expressar tristeza e extrema solidão. “Observe como as pinceladas são bem visíveis e as cores
pouco se misturam. Note, ainda, que os elementos que compõem a paisagem (...) são apenas
sugeridos ao observador.” (PROENÇA, Graça. Descobrindo a História da arte. São Paulo, Ática,
2005, p. 177.)

IMPRESSIONISMO LITERÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Na pintura e na literatura, o Impressionismo defendeu o pressuposto de que todo o


conhecimento racional e objetivo da realidade é precedido por uma sensação, uma impressão da
realidade. O francês Marcel Proust criou o Impressionismo literário em Em busca do tempo perdido
(sete obras, mais de três mil páginas publicadas entre 1913 e 1927). Estes romances propõem uma
profunda e instigante investigação de duas variantes na vida humana: o tempo e a memória.
Durante décadas interpretado como um romance realista ou naturalista, O Ateneu foi
posteriormente filiado ao Impressionismo.

AUTOR E OBRA

RAUL POMPÉIA (1863-1895)

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Obra principal: O Ateneu (1888)

O ATENEU: Crônica de saudades

A maioria dos vestibulares do país considera O Ateneu um romance autobiográfico. De fato,


podemos associar as difíceis experiências de seu criador, Raul Pompéia (interno no Colégio Abílio
dos 10 aos 16 anos), às da criatura, Sérgio (interno dos 11 aos 13 anos no Ateneu).
O Ateneu não possui enredo com começo, meio e fim delimitados de modo muito claro: a
narrativa estrutura-se em uma justaposição de eventos que possuem certa autonomia entre si.
Analisados os eventos e personagens envolvidos na trama, constata-se a natureza irônica de seu
subtítulo: Crônica de saudades.

CENÁRIO E PERSONAGENS DEGRADADOS

Narrada em 1ª pessoa, a obra estrutura-se no molde memorialístico: no presente, Sérgio,


adulto, organiza o seu passado de pré-adolescente. Ao levá-lo ao internato, seu pai descreve-lhe a
dura realidade que o esperava: “Vais encontrar o mundo, coragem para a luta”. A preocupação e o
encorajamento paterno apontam o despreparo do menino, que, aliás, afirmou ser “uma criança
educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime de amor doméstico”.

O primeiro contato de Sérgio no Ateneu foi Rebelo, exceção à regra de sordidez e de


interesse do restante dos colegas, de quem ouve a abnegada advertência:

“Faça-se forte aqui, faça-se homem. Os fracos perdem-se (...). Os rapazes tímidos,
ingênuos, sem sangue, são brandamente impelidos para o sexo da fraqueza; são
dominados, festejados, pervertidos como meninas ao desamparo”.

Rebelo resume ainda a corrupção dos internos:

“Aí vão as carinhas sonsas, generosa mocidade... Uns perversos. Têm mais pecados na
consciência que um confessor no ouvido; uma mentira em cada dente, um vício em cada
polegada de pele. Fiem-se neles. São servis, traidores, brutais, adulões. (...) Pensa-se que
são amigos... Sócios de bandalheira! Cheiram à corrupção, empestam de longe”.

A seguir Rebelo conclui seu conselho ao novo colega a não admitir “protetores”. Árdua tarefa para
uma personalidade tão afeita e desejosa de proteção como a de Sérgio, que fracassa ao ser salvo
de afogar-se por Sanches, de quem se torna íntimo. O novo amigo ajuda-o diariamente nos
estudos, mas o narrador sente asco do colega. Quando Sanches pressiona-o em busca de favores
sexuais, Sérgio nega-se e eles rompem.

No final do primeiro ano de internato, Sérgio passa a admirar profundamente Bento Alves,
que se tornara símbolo de virilidade para o narrador ao capturar um funcionário que cometera um
crime no Ateneu. Eles estudam juntos e tornam-se amigos. Bento Alves chega a brigar com
Malheiros porque chamara Sérgio de sua “namoradinha”. O narrador sente-se atraído pelo amigo
e dá vazão à sua personalidade feminil: “Estimei-o femininamente, porque era grande, forte,
bravo, porque me podia valer; porque me respeitava, quase tímido”. Todavia, Sérgio rompe a
amizade sem prestar favores sexuais a Bento, que nada exigia.

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O narrador sente-se atraído como nunca pela beleza e delicadeza de outro colega: Egbert, e
passa a protetor. Outrora, com Bento Alves, Sérgio mostrava “vaidade feminina de dominar pela
fraqueza”. Agora, o narrador vive a satisfação de ser a parte forte da relação, cabendo-lhe
cortejar:

“Achava-me forte para querer bem e mostrar. (...) Egbert merecia-me ternuras de irmão
mais velho... Vizinhos ao dormitório, eu deitado, esperava que ele dormisse para vê-lo
dormir e acordava mais cedo para vê-lo acordar (...). Eu por mim positivamente adorava-o
e o julgava perfeito. Era elegante, destro, trabalhador, generoso”.

Só agora Sérgio envolve-se sexualmente com um colega, porém tais relações são apenas
sugeridas. Aliás, não era com o tema do homossexualismo que o autor visava provocar a reflexão
em seus leitores, mas pela crítica a vícios da sociedade brasileira do final do Império, bem como a
este, considerado um regime de governo obsoleto e corrupto.
Sérgio segue sua índole egoísta e submissa e afasta-se de Egbert, o que ilustra a gratuidade e
a inconstância das relações no internato. A seguir, o narrador conhece D. Ema e apaixona-se
platônica e edipianamente. O encontro dá-se em um jantar comemorativo na casa de Aristarco
(diretor do Ateneu e esposo de D. Ema) para os alunos de bom desempenho. Sérgio adoecera e,
na casa de Aristarco, é cuidado por Ema, que lhe trata com um misto de proteção materna e
carícias de amante apaixonada, aumentando seu drama íntimo. Ao fim do segundo ano de Ateneu,
com a maioria dos alunos em férias, o narrador vê a destruição do colégio em um incêndio
provocado por Américo, um aluno. Ema aproveita a ocasião e abandona Aristarco.

ARISTARCO: “UM MONSTRO MORAL”

Lobo na pele de cordeiro, Aristarco é a figura mais caricata da obra. Sérgio usa em larga
escala da caricatura para vingar-se de seus desafetos do passado, os quais são personificados no
diretor, símbolo da dissolução de todos os valores. O Ateneu recebia a elite nacional. Com
afetação, Aristarco afirmava: “Estejam tranquilos os pais! No Ateneu a imoralidade não existe.
Velo pela candura das crianças, como se fossem não digo meus filhos, mas minhas próprias
filhas!”. A realidade, porém, era a mais pura corrupção dos alunos, funcionários e professores do
internato.

Sérgio revela a retórica vazia e hipócrita do diretor: “Aristarco era todo um anúncio”. O
diretor era ainda um arrivista, vendo no internato uma casa comercial, sem qualquer preocupação
na formação do caráter dos alunos. Outro traço negativo de sua personalidade é o narcisismo:
Aristarco sonhava com uma estátua que premiasse seu suposto esforço em prol da educação. Seu
egocentrismo acarreta gestos de pura afetação, como se estivesse a pousar em tempo integral
para o artista que lhe imortalizaria:

“Os gestos, calmos, soberanos, eram de um rei, (...) a pausa hierárquica do andar deixava
sentir o esforço, a cada passo, que ele fazia para levar adiante, de empurrão, o progresso
do ensino público. (...) A própria estatura, na imobilidade do gesto, na mudez do vulto, a
simples estatura dizia ele: aqui está um grande homem...”

Figura grotesca e falaciosa, o diretor dava “a impressão de um enfermo, desta enfermidade


atroz e estranha: a obsessão da própria estátua”. Ele era ainda um tirano cuja severidade chegava
à tortura psicológica e não raro a castigos físicos aos alunos.

UM FINAL AUTOBIOGRÁFICO E ALEGÓRICO

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A destruição (incêndio) do Ateneu suscita diversas interpretações; por exemplo, o teor
autobiográfico:

“Se admitirmos a hipótese de vingança, segundo a qual Raul Pompéia escreveu o


romance para vingar-se do passado (além de tentar entendê-lo), o fim da narrativa deve
ser encarado como símbolo da destruição de um passado”.
(HIGA, Mário Auriemma apud POMPÉIA, Raul. O Ateneu, São Paulo: Klick, 1997, p. 166.)

O desfecho da obra alegoriza o final do Império desejado por Pompéia, ardoroso defensor da
República. Assim, a hipocrisia da sociedade imperial descrita por Sérgio simboliza a Monarquia,
vista como uma forma de governo obsoleta e corrupta. Veja as palavras de Cláudio, professor do
colégio:

“[O colégio] É uma organização imperfeita, aprendizagem de corrupção, ocasião de


contato com indivíduos de toda origem? O mestre é a tirania, a injustiça, o terror? O
merecimento não tem cotação, (...) aprova-se a espionagem, a adulação, a humilhação,
campeia a intriga, (...) abundam as seduções perversas, triunfam as audácias dos nulos?
Tanto melhor: é a escola da sociedade.
Ensaiados no microcosmo do internato, não há mais surpresas no grande mundo lá fora,
onde se vão sofrer todas as convivências, respirar todos os ambientes (...). E não se diga
que é um viveiro de maus germes, seminário nefasto de maus princípios, que hão de
arborescer depois. Não é o internato que faz a sociedade; o internato a reflete. A
corrupção que ali viceja, vem de fora”.

Aristarco pode ser lido como uma alegoria de D. Pedro II, pois encarna o poder arbitrário, o
narcisismo e a ambição doentia, características típicas dos imperadores.

O ATENEU: UM FRANKENSTEIN DE ESTILOS

Difícil tarefa filiar O Ateneu a uma escola literária devido a seu sincretismo estético. Atenção
para os elementos formais ou temáticos de cada uma das diversas estéticas presentes na obra.

– IMPRESSIONISMO: Nos moldes proustianos, O Ateneu constrói-se pelo memorialismo


(análise infinitesimal da memória). Muitos episódios são evocados por Sérgio através de seus
sentidos: cheiros, cenas ou sons familiares da época de internato. E mais: Sérgio extrapola a típica
subjetividade de um narrador de 1ª pessoa ao concentrar todos os pontos de vista expostos na obra,
usando inúmeras vezes o discurso indireto livre de forma a fundir as opiniões das demais
personagens a suas.

– EXPRESSIONISMO: Revela-se no tom caricatural da obra e na linguagem a serviço da


deformação moral e física das personagens, tendendo a um vocabulário por vezes repulsivo.
Exemplo: “Referi que Sanches me provocava uma repugnância de gosma.”

– REALISMO: O romance critica duramente a Monarquia e a hipocrisia da sociedade, além do


descritivíssimo e da aguda análise psicológica das figuras.

– NATURALISMO: O Ateneu traz fortes tons deterministas. Seu sórdido meio corrompe os
alunos, que, dominados pela força dos instintos, são levados à promiscuidade e ao sensualismo, em

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um claro diálogo com o Determinismo dos romances naturalistas e seus tipos subjugados por taras
sexuais.

– SIMBOLISMO: supervalorização dos sentidos como ponto de partida para a reconstrução do


passado memorialístico. De certa maneira, este sensorialismo antecipa a estética simbolista.

– PARNASIANISMO: Sonoro, plástico, retórico ou grotesco, mas sempre extremamente


trabalhado, o estilo do romance é classificado como prosa artística devido ao esmero estético de
Pompéia ao escrever sua obra-prima.

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