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LITERATURA – WAGNER LEMOS 1

Por fim, o fato de todos os escritores da primeira geração viverem à


“O cavalo prepara-se para o dia da batalha, mas do Senhor sombra do poder (foram ministros, secretários, embaixadores,
vem a vitória”. (Provérbios de Salomão 21: 31) burocratas do alto escalão) comprometeu-os irremediavelmente com
a classe dominante. Fugiram da escravidão e da pobreza,
escamotearam a ferocidade das elites e a miséria das ruas,
“NÃO SOMOS NÓS QUE TEMOS TUDO A ignoraram a violência que se espalhava pelo cotidiano. Em troca,
ESPERAR DO FUTURO, MAS O FUTURO QUE TEM
celebraram o idílio e a natureza, mitificaram as regiões, teatralizaram
TUDO A ESPERAR DE NÓS.”
o índio, criando assim uma arte conservadora.

(TOBIAS BARRETO) A DIVISÃO EM GERAÇÕES


Na lírica romântica brasileira, podem ser delimitados, com algum
ROMANTISMO rigor, três momentos que se caracterizam por apresentar temas e
ROMANTISMO NO BRASIL visões de mundo diferenciadas. Estes momentos coincidem com a
CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL formação de três gerações (1). Cada geração assume uma
perspectiva própria, embora todas sejam marcadas pelo caráter
O Romantismo brasileiro nasce das possibilidades que surgem com romântico. Contudo, os elementos que definem cada uma delas não
a Independência política e suas conseqüências sócio-culturais: o são exclusivos. Interpenetrando-se de forma bastante acentuada.
novo público leitor, as instituições universitárias e, acima de tudo, o
nacionalismo ufanista que varre o país, após 1822, e do qual os 1º Geração
escritores são os principais intérpretes. Denominação: nacionalista( ou indianista).
Contribuir para a grandeza da nação através de uma literatura que Componentes: Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias.
fosse o espelho do novo mundo e de sua paisagem física e humana, Temas: o índio; a saudade da pátria; a natureza; a religiosidade; o
eis o projeto ideológico da primeira geração romântica. Há um amor impossível.
sentimento de missão: revelar todo o Brasil, criando uma literatura
autônoma que nos expressasse. 2º Geração
Denominação: Mal do Século ou Byronista.
A adaptação de um movimento artístico europeu componentes: Álvares de Azevedo; Casimiro de Abreu; Fagundes
Varela; Junqueira Freire.
Os valores do Romantismo europeu adequavam-se às exigências Modelos poéticos: Byron e Musset.
ideológicas dos escritores brasileiros, O Romantismo se opunha à Temas: o tédio; a orgia; a dúvida; a morte; a infância; o medo do
arte clássica, e Classicismo aqui significava dominação portuguesa. amor; o sofrimento;
O Romantismo voltava-se para a natureza, para o exótico; e aqui
havia uma natureza exuberante, etc. Tudo se ajustando para o 3º Geração
desenvolvimento de uma literatura ufanista. Denominação: condoreira
O nacionalismo romântico encontrará a sua representação nos Componentes: Castro Alves e Tobias Barreto.
seguintes elementos: Modelo poético: Victor Hugo
Indianismo Temas: defesa de causas humanitárias; denúncia da escravidão;
amor erótico.
No "bon sauvage" francês sedimenta-se o modelo de um herói que
se deveria se tornar o passado e a tradição de um país desprovido (1) normalmente atribuía-se a duração média de 15 anos para
de sagas exemplares. O nativo - ignorada toda a cultura indígena - cada geração. A partir de meados do século XX, em função da
converte-se no herói inteiriço, feito à imagem e semelhança de um rapidez da mudança de costumes e valores, reduziu-se este
cavaleiro medieval. tempo para 10 anos.
Assume-se a imagem exótica que as metrópoles européias tinham
dos trópicos, adaptando-a ao ufanismo. Acima de tudo, o índio A PRIMEIRA GERAÇÃO (GERAÇÃO NACIONALISTA)
representa, na sua condição de primitivo habitante, o próprio símbolo A contribuição dos teóricos europeus, o nacionalismo ufanista pós-
da nacionalidade. Além disso, a imagem positiva do indígena fornece 1822 e as viagens para o exterior de uma jovem intelectualidade -
às elites o orgulho de uma ascendência nobre, que ajuda na nascendo daí o famoso sentimento do exílio - fornecem o quadro
legitimação de seu próprio poder no Brasil posterior à Independência. histórico onde aponta a primeira geração romântica. O apogeu da
mesma ocorre entre 1836 e 1851, quando Gonçalves Dias publica
Sertanismo ou regionalismo Últimos cantos, encerrando o período mais fértil e criativo de sua
Resultado da "consciência eufórica de um país novo", o sertanismo carreira.
romântico (também discutivelmente chamado de regionalismo)
procura afirmar as particularidades e a identidade das regiões e da 1. GONÇALVES DE MAGALHÃES (1811-1887)
vida rural, na ânsia de tornar literário todo o Brasil. Este registro do
mundo não-urbano permanece na superfície com uma moldura, já OBRAS: Suspiros Poéticos e Saudades (1836); A Confederação
que a intriga romanesca é citadina, ou seja, gira em torno dos dos Tamoios (1857).
esquemas românticos do folhetim. Além disso, os autores usam
sempre a linguagem culta e literária das cidades e não a fala A Gonçalves de Magalhães coube a precedência cronológica na
particular da região retratada. elaboração de versos românticos. Suspiros poéticos e saudades é a
materialização lírica de algumas idéias do autor sobre o
Natureza Romantismo, encarado como possibilidade de afirmação de uma
Além disso, a imagem positiva do indígena fornece às elites o literatura nacional, na medida em que destruía os artifícios
orgulho de uma ascendência nobre, que ajuda na legitimação de seu neoclássicos e propunha a valorização da natureza, do índio e de
próprio poder no Brasil posterior à Independência. uma religiosidade panteísta.
O SURGIMENTO DO ROMANTISMO Durante anos, Gonçalves de Magalhães foi considerado o maior
O passo decisivo para a deflagração do movimento é a publicação poeta pátrio. Transformou-se em símbolo oficial da literatura
da revista Niterói, em Paris, 1836, que trazia como epígrafe: "Tudo brasileira, merecendo inclusive grande apreço de D.Pedro II. A
pelo Brasil e para o Brasil". A revista, elaborada por intelectuais que confederação dos tamoios, tentativa de indianismo épico em que a
estudavam na Europa, propunha a investigação "das letras, artes e prolixidade* dissolve o lirismo, significou a crise dessa carreira
ciências brasilienses". No grupo, destaca-se Gonçalves de triunfante. Submetida à primeira e dura revisão
Magalhães, que ainda em 1836 lançaria um livro de poemas: crítica, com José de Alencar denunciando o
Suspiros poéticos e saudades. Esta obra introduziu o espírito artificialismo de sua composição, a obra de
romântico no Brasil. Magalhães começou a ser relegada a um plano
O projeto de autonomia dos autores românticos não se realizou secundário. Sob pseudônimo, o próprio
integralmente. Todos os princípios "nacionalistas" que defenderam Imperador sai em defesa de seu protegido, mas
estavam, em maior ou menor grau, comprometidos com uma visão os argumentos de Alencar eram irrefutáveis.
européia de mundo. Além disso, o nacionalismo era feito de Restava-lhe a importância histórica, e esta era
exterioridades, mais paisagem do que substância humana. Aquele incontestável. O Romantismo fora introduzido
"sentimento íntimo de brasilidade", de que falou Machado de Assis, por ele.
não existe nas obras do período.

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 2
Meu canto de morte
Guerreiros, ouvi:
2. GONÇALVES DIAS (1823-1864) Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
VIDA: Filho de um comerciante português e de uma mulata que Guerreiros, descendo
viviam em concubinato, Antônio de Gonçalves Dias nasceu em Da tribo tupi
Caxias, no Maranhão. Viajou muito pelas províncias do Norte e pela
Europa, sempre a serviço. Afetado pela tuberculose, tentou a cura na Da tribo pujante,
França. Desenganado pelos médicos, retornou num cargueiro que Que agora anda errante
naufragaria, já nas costas do Maranhão. A única vítima do naufrágio Por fado inconstante,
foi o poeta, que contava então quarenta e um anos de idade. Guerreiros, nasci:
OBRAS: Primeiros cantos (1846); Segundos cantos (1848); Sou bravo, sou forte,
Sextilhas de frei Antão (1848); Últimos cantos (1851); Os Timbiras Sou filho do Norte;
(1857). Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Gonçalves Dias consolidou o Romantismo no Brasil com uma
produção poética de boa qualidade. Entre os autores do período é o O índio tupi no seu canto de morte lembra o velho pai, cego e débil,
que melhor consegue equilibrar os temas sentimentais, patrióticos e vagando sozinho, sem amparo pela floresta, e pede para viver:
saudosistas com uma linguagem harmoniosa e de relativa
simplicidade, fugindo tanto da ênfase declamatória como da Deixai-me viver! (...)
vulgaridade. Pode-se dizer que o seu estilo romântico é temperado Não vil, não ignavo,*
por uma certa formação clássica, o que evita os excessos verbais tão Mas forte, mas bravo,
comuns aos poetas que lhe foram contemporâneos. Serei vosso escravo:
Sua obra se articula em torno de três assuntos principais: Aqui virei ter.
* O ÍNDIO * A NATUREZA * O AMOR IMPOSSÍVEL Guerreiros, não choro;
Do pranto que choro;
O INDIANISMO Se a vida deploro,
O elogio literário ao índio, como já foi observado, é mais do que uma Também sei morrer.
convenção poética. Trata-se da reafirmação dos intuitos
nacionalistas da primeira geração romântica, conseqüência direta do * Ignavo: preguiçoso.
sentimento localista, posterior à Independência.
O chefe timbira manda soltá-lo. Não quer "com carne vil enfraquecer
Em geral, essa literatura mescla elementos pitorescos (os habitantes os fortes". Solto, o jovem tupi perambula pela floresta até encontrar o
do Novo Mundo) com a mitologia romântica européia (a teoria do pai. Este, pelo cheiro das tintas utilizadas no ritual, pelo apalpar do
bom selvagem), acrescidos de uma a visão idealizada (os índios são crânio raspado do filho, e por algumas perguntas sem resposta,
falsos e, às vezes, inverossímeis) e referências etnográficas que desconfia de uma terrível fraqueza diante dos inimigos. Pede então
deveriam conferir um tom "verdadeiro" às obras (roupagens, armas, que o rapaz o leve até a aldeia timbira. Lá chegando, exige, em
costumes, etc.). O objetivo era a elaboração de um herói mítico nome da honra tupi, que a cerimônia antropofágica ritual seja
brasileiro, de um antepassado glorioso do qual a nação pudesse se completada e que o filho seja morto. Mas o chefe timbira recusa-se,
orgulhar. acusando o guerreiro tupi de ter chorado covardemente diante de
A superioridade do autor maranhense sobre outros escritores toda a aldeia. Neste momento, o velho cego amaldiçoa o seu
indianistas resulta de três fatores: descendente:
* maior conhecimento da vida aborígine; Tu choraste em presença da morte?
* uso épico e lírico de um índio ainda não deculturado pelo Na presença de estranhos choraste?
homem branco; Não descende o cobarde do forte;
* esplêndido domínio estilístico, sobretudo na questão do ritmo Pois choraste, meu filho não és!
e da estrutura melódica. Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Vários de seus poemas, que tratam dos primitivos habitantes, Implorando cruéis forasteiros,
tornam-se antológicos, entre os quais Marabá, O canto do piaga, Seres presa de vis Aimorés. (...)
Leito de folhas verdes e, principalmente, I-Juca Pirama.
Sê maldito, e sozinho na terra;
I-JUCA PIRAMA - Este texto é uma espécie de síntese do Pois que a tanta vileza chegaste,
indianismo de Gonçalves Dias seja pela concepção épico-dramática Que em presença da morte choraste,
da bravura e da generosidade de tupis e timbiras, seja pela ruptura, Tu, cobarde, meu filho não és.
ainda que momentânea, da convencional coragem guerreira, seja
ainda pelo belíssimo jogo de ritmos que ocorre no texto. I-Juca Mal termina a maldição, o velho escuta o grito de guerra do filho.
Pirama significa "aquele que vai morrer" ou "aquele que é digno de Ouvindo o rumor da batalha, os sons de golpes, o pai percebe que o
ser morto". Em sua abertura, o poeta apresenta o cenário onde filho está lutando para manter a honra tupi, até que o chefe timbira
transcorrerá a história: manda seus guerreiros pararem, pois o jovem inimigo se batia com
tamanha coragem que se mostrava digno do ritual antropofágico.
No meio das tabas de amenos verdores, Com lágrimas de alegria o velho tupi exclama: "Este, sim, que é meu
Cercadas de troncos - cobertos de flores, filho muito amado!"
Alteiam-se os tetos de altiva nação. (...) Como chave de ouro do poema, ocorre uma transposição temporal
São todos Timbiras, guerreiros valentes! no seu último canto. O leitor fica sabendo que os acontecimentos
Seu nome lá voa na boca das gentes, dramáticos vividos pelos dois tupis já tinham ocorrido muito tempo e
Condão de prodígios, de glória e terror! que tudo aquilo era matéria evocada pela memória de um velho
timbira:
Em seguida, inicia-se um ritual antropofágico: "Em fundos vasos
d'alvacenta argila / ferve o cauim. / Enchem-se as copas, o prazer Um velho timbira, coberto de glória,
começa, / reina o festim." O jovem prisioneiro tupi, que vai ser guardou a memória
devorado, resolve falar antes do desenlace, e com "triste voz" narra a do moço guerreiro, do velho Tupi!
sua vida desventurada. E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Ao metro anterior, de dez sílabas poéticas, plástico e alegre, do que ele contava,
sucedem-se os versos de cinco sílabas, curtos, rápidos, sincopados. Dizia prudente: - Meninos, eu vi!
Estas variações contínuas indicam que o ritmo varia de uma parte do
poema a outra, traduzindo a multiplicidade de situações do OS TIMBIRAS - Além desses poemas indianistas, Gonçalves Dias
argumento. tenta elaborar uma epopéia intitulada Os Timbiras. Era um projeto
ambicioso: os índios substituindo os heróis gregos, numa Ilíada
brasileira, tropical, com abundantes e coloridas descrições da flora e

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da fauna. A narrativa teria impediam que este satanismo tivesse qualquer importância no
como eixo a formação e dispersão do povo timbira. A obra, contudo, contexto estético e ideológico brasileiro.
fica inconclusa e os fragmentos elaborados são inexpressivos. Outro fato sempre lembrado desta geração é a dramática
coincidência de quase todos os seus integrantes morrerem na faixa
A NATUREZA dos vinte e poucos anos. Versos soltos e alguns poemas parecem
Enquanto poeta da natureza, Gonçalves Dias canta o mar, o céu, os alimentar a suspeita de que esses jovens cultivavam idéias suicidas.
campos, as florestas, etc. No entanto, a natureza não tem um valor No entanto, todos eles - à parte o caso mais complexo de Álvares de
universal, só merecendo ser celebrada quando simbolizava seu país. Azevedo - foram vitimados por doenças então incuráveis e
A luz do sol, por exemplo, é sempre a imensa luz do sol brasileiro. manifestaram grande horror perante a morte. Não se sustenta,
Só aqui, no espaço da pátria, os elementos naturais se manifestam portanto, a idéia de um suicídio coletivo geracional.
em sua plena majestade. Significativamente, ele deu a esta parte de
sua obra o título de poesias americanas. 1. ÁLVARES DE AZEVEDO (1831-1852)
Não é de surpreender também que no espetáculo e nos contornos da
natureza brasileira, o poeta se elevasse até Deus. Assim, VIDA: Nasceu na cidade de São Paulo e era descendente de duas
nacionalismo e panteísmo se mesclam em sua lírica. ilustres famílias. Toda a formação básica e secundária de Manuel
A celebração da natureza entrelaça-se também com o sentimento Antônio Álvares de Azevedo foi feita na capital do Império. A leitura
saudosista. Gonçalves Dias é um homem nostálgico que lembra a desenfreada dos ultra-românticos, a solidão e o desejo insatisfeito
infância, os amores idos e vividos e, antes de mais nada, um homem pareciam deprimi-lo, aproximando-o de inclinações mórbidas. No
que, na Europa, sentira-se exilado. Por isso, a memória a todo início de 1852, a tísica se manifestou. Como disse um de seus
momento o arrasta até a terra natal. E a pátria aparece sempre como biógrafos: "O infeliz byroniano que durante anos declamara versos
natureza: palmeiras, céu, estrelas, várzeas, bosques e o indefectível macabros por mero esnobismo via com horror chegar a sua morte."
sabiá. Neste momento dramático, escreveu alguns de seus poemas mais
desesperados. A tísica destruiu as imunidades de seu organismo.
Canção do Exílio sintetiza genialmente esta identificação entre o país Poucos dias depois morreu. Era abril de 1852 e faltavam cinco
e sua expressão física. Desde o seu surgimento, tornou-se o poema meses para que completasse vinte e um anos de idade. Nenhum de
mais conhecido do Brasil e, por derivação, o mais imitado e o mais seus livros tinha sido publicado. E a "glória que pressinto em meu
parodiado. Talvez seja o nosso verdadeiro hino nacional. futuro" , como ele diz em um de seus poemas, viria após o
Contudo, se observamos este texto clássico, poderíamos argumentar falecimento.
que mesmo em Portugal, (onde o poema é escrito, no ano de 1843) OBRAS: Lira dos vinte anos (poemas - 1853), Noite na taverna
há árvores e aves, bosques e várzeas. Aliás, em todos os países há (contos - 1855), O conde Lopo (poema - 1886), Macário.
uma natureza interessante a ser cantada. Mas, para Gonçalves Dias,
é só na moldura do solo pátrio, que a natureza (brasileira) adquire O AMOR
um maior valor, um valor que em nenhum outro lugar ela pode ter. É a parte menos convincente de sua lírica. A máscara satânica que
Estamos diante da essência do ufanismo romântico: minha pátria é a tenta usar peca pela falsidade. As orgias em que submerge, os vícios
melhor. Por outro lado, trata-se de uma verdade humana definitiva: que o escravizam e as dissipações que o arrastam para o lodo hoje
qualquer indivíduo no exílio - independente da terra natal ser boa ou provocam o riso do leitor. E não apenas porque o jovem escritor
ruim - sempre guardará por ela uma amorosa e obstinada saudade. tenha ficado, de fato, virgem dessas vivências tresloucadas, mas
Assim, não é de estranhar que Canção do exílio se transformasse no porque - em seus poemas de "crimes morais e maldições" - poucos
nosso poema: versos têm poder de persuasão e quase nada inquieta ou
sobressalta. Veja-se o tom falso deste excerto:
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá; E por te amar, por teu desdém, perdi-me...
As aves, que aqui gorjeiam, Tresnoitei-me em orgias, macilento,
Não gorjeiam como lá.
Brindei, blasfemo, ao vício, e da minh'alma
O AMOR IMPOSSÍVEL Tentei me suicidar, no esquecimento!
A lírica amorosa de Gonçalves Dias é marcada pelo sofrimento. Em
seus poemas, o amor raramente se realiza, é sempre ilusão perdida, AMOR E MEDO
impossibilidade vital de relacionamento. Entre a esperança e a No entanto, como bem observou Mário de Andrade, o autor de Lira
vivência, entre a intenção e o gesto estão os abismos da experiência dos vinte anos (esse Dom Juan das aparências) acaba sendo traído
concreta. E a experiência concreta remete para o fracasso. "Cismar pela própria interioridade. O grande devasso, o amante cínico, revela
venturas e só topar friezas", eis a delimitação desse posicionamento. inconscientemente um medo obscuro das relações amorosas.
Em outro de seus versos, um dos mais desencantados, ele Este medo se traduz, por exemplo, através da imagem da mulher
desabafa: "Amor! delírio - engano". adormecida. Numa série de poemas, a preparação erótica e a
Apaixonar-se é, pois, predispor-se à angústia e à solidão. O poeta vontade sexual do adolescente se frustram, pois ele não quer
confessa sua afetividade, suplica a paixão da mulher, mas não acordar ("profanar") o objeto de seu desejo:
obtém resposta. Resta-lhe, pois, o desespero.
Ó minha amante, minha doce virgem,
A SEGUNDA GERAÇÃO Eu não te profanei, e dormes pura
INDIVIDUALISTA, ULTRA-ROMÂNTICA ou GERAÇÃO DO MAL DO No sono do mistério, qual na vida,
SÉCULO Podes sonhar ainda na ventura.

Esta geração surgiu na década de 1850, quando o nacionalismo e o Em Soneto, um de seus textos melhor elaborados, Álvares de
indianismo deixavam de fascinar a juventude e iniciava-se o longo Azevedo descreve o sono da amada e cria sutil atmosfera que passa
processo de estabilidade do II Império. Por outro lado, o da idealização à sensualidade:
desenvolvimento urbano, o nascimento de uma vida acadêmica em
São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife e, até mesmo, uma Pálida à luz da lâmpada sombria,
relativa sofisticação dos estratos médios e superiores da estrutura Sobre o leito de flores reclinada,
social brasileira possibilitaram a criação de uma lírica voltada quase Como a lua por noite embalsamada,
que exclusivamente para a confissão e o extravasamento íntimo. Entre nuvens de amor ela dormia!
A nova geração foi influenciada pelos poetas inglês Lord Byron e
francês Alfred Musset, autores ultra-românticos que haviam se Era a virgem do mar! na escuma fria
tornado os modelos universais de rebeldia moral, de recusa à Pela maré das águas embalada...
insipidez da vida cotidiana e de busca de novas formas de -- Era um anjo entre nuvens d' alvorada
sensualidade e de afeto. De sua imitação, resultou, quase sempre, o Que em sonhos se banhava e se esquecia!
pastiche. Até sociedades satânicas, a exemplo das existentes na
Europa, foram fundadas. Os adolescentes que as compunham Era mais bela! o seio palpitando...
viviam pretensas orgias e dissipações Negros olhos, as pálpebras abrindo...
fantasiosas, que resultavam da leitura e das Formas nuas no leito resvalando...
imaginações pervertidas. Na verdade, a
pobreza do meio e a rigidez patriarcal

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 4
Diante disso, desse "seio Quase a pique de "suicidar-se de spleen*", o poeta atenua os
palpitando", dessas "formas nuas no leito resvalando" o que faz o excessos ultra-românticos descendo do sublime, da atmosfera
poeta? Atira-se sobre a encantadora como um lobo cheio de volúpia? rarefeita e terrível das grandes paixões, e entrando na verdade de
Não; a timidez entrava o erotismo e ele simplesmente opta por ficar suas coisas íntimas, expõe a subjetividade sem véus imaginários. .
sorrindo e chorando pelo seu "anjo": Poucas vezes, na literatura brasileira, as confissões de um
adolescente adquiriram tanto frescor, beleza e emoção. Esta alma
Não te rias de mim, meu anjo lindo! solitária e impotente debateu-se entre o tédio, que o arrastava para a
Por ti - as noites eu velei chorando, realidade e os ideais, que precisava para
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo! sobreviver.

Aliás, em vários momentos, quando o amor parece a ponto de se 2. CASIMIRO DE ABREU (1839-1860)
concretizar, o escritor prefere dormir, desmaiar ou morrer: "Na tua
cheirosa trança / Quero sonhar e dormir!"; "Ah! volta inda uma vez! VIDA: Filho de um rico comerciante português
foi só contigo / Que à noite, de ventura eu desmaiava"; "E no teu seio e de mãe brasileira, Casimiro de Abreu
ser feliz morrendo!"; "E morra no teu seio o meu viver!" No poema nasceu em Barra de São João, no estado do
Tereza, chega a confessar explicitamente o seu medo: Rio de Janeiro, tendo passado a infância
numa fazenda, de onde sairia apenas para
Não acordes tão cedo! enquanto dormes realizar seus estudos primários em Nova
Eu posso dar-te beijos em segredo... Friburgo. Enviado à capital do Império pelo
Mas, quando nos teus olhos raia a vida, pai, a fim de praticar o comércio, mostrou-se pouco apto à profissão.
Não ouso te fitar...eu tenho medo! O pai não desistiu e com o mesmo objetivo o enviou para Lisboa.
Casimiro tinha então quatorze anos. Após quatro anos em Portugal,
De acordo com Mário de Andrade, algumas das dificuldades de retornou ao Brasil, entregando-se a uma vida boêmia, sem contudo
Álvares de Azevedo com o amor nascem da velha dicotomia entre o largar do comércio. A publicação de Primaveras o consagrou
sexo e o sentimento. A impossibilidade de unir alma e carne - nacionalmente, um ano antes de sua morte. Já idolatrado pelo
segundo a tradição cultural então vigente - exaspera-o. Não existe público da época, descobriu que estava tuberculoso, vindo a falecer
mulher que possa corresponder às duas exigências. Há aquelas para quase que imediatamente, antes de completar o seu vigésimo-
o amor e há outras para os instintos. As primeiras, donzelas virginais, segundo aniversário.
são - no dizer do crítico - "inatingíveis". As segundas, anjos caídos OBRA: Primaveras (1850).
que cedem a pureza de seus corpos, são "desprezíveis". E assim o
poeta permanece dilacerado: à sua timidez soma-se a ausência de Subjetivista como Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu substitui
uma mulher capaz de satisfazê-lo física e espiritualmente. as conotações dolorosas que aquele confere à adolescência por uma
visão graciosa e deslumbrada dos tempos juvenis. Se, para o autor
A MORTE de Lira dos vinte anos, a mocidade é um processo noturno de vigílias
Quando trata da morte - o aspecto mais conhecido de sua obra - e tensões, se, para ele, "tristes são os destinos deste século", para
pode-se perceber com clareza as qualidades expressivas do artista. Casimiro de Abreu a mesma mocidade é "a primavera da vida",
Ela é um tema constante. O poeta a antevê, a profetiza para si processo diurno, sempre associado a namoricos, jardins com
próprio, não pode esquecê-la. De certa maneira, fez uma opção por bananeiras, borboletas e salões de baile onde se flerta ao som de
ela - diferentemente de outros companheiros de geração que se valsas langorosas. De certa forma, sua lírica corresponde ao
desesperam ao perceber o fim - quis morrer aos vinte anos, entregar- romance de Joaquim Manuel de Macedo, seja na temática, seja na
se à "leviana prostituta", como se vê neste fragmento de Hinos do simplicidade da linguagem. É uma poesia espontânea. E não raro
Profeta: esta espontaneidade - reforçada pelo estilo singelo e pela atmosfera
musical - cria o encantamento no leitor, independentemente da
A morte, leviana prostituta, visível superficialidade dos versos. A rigor, o livro Primaveras
Não distingue os amantes!.... articula-se em torno de três temas básicos:
Eu, pobre sonhador! eu, terra inculta
Onde não fecundou-se uma semente, * o lirismo amoroso ; a saudade da pátria e da infância; * A
Convosco dormirei... tristeza da vida

No poema Lembrança de Morrer, Álvares de Azevedo dá instruções


sobre o seu túmulo e sua lápide: A SAUDADE DA PÁTRIA E DA INFÂNCIA

"Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Vivendo três anos em Portugal, onde elaborou boa parte de
Que o espírito enlaça à dor vivente, Primaveras, Casimiro de Abreu desenvolveu o sentimento de exílio,
Não derramem por mim nem uma lágrima que tanto perseguia os românticos. Inspirado em Gonçalves Dias,
Em pálpebra demente. escreveu uma série de poemas impregnados de nostalgia da terra
natal, denominados Canções do exílio. Neles, contudo, não chega a
E nem desfolhem na matéria impura alcançar o nível de seu modelo.
A flor do vale que adormece ao vento: No entanto, não é apenas a saudade do Brasil e a correspondente
Não quero que uma nota de alegria sensação de estar exilado que anima a sua lírica. O que o consagrou
Se cale por meu triste passamento. (...) foi a nostalgia (tipicamente romântica) daquelas realidades pessoais
que ficam para trás: a mãe, a irmã, o lar, a infância. Tornou-se, por
Descansem o meu leito solitário excelência, o poeta da "aurora da vida", do tempo perdido, das
Na floresta dos homens esquecida, emoções da meninice. Mesmo sabendo que a infância não significa o
À sombra de uma cruz, e escrevam nela paraíso, sucumbiu à doçura dessas lembranças. À parte isso, o
- Foi poeta, sonhou e amou na vida." poeta atrai o leitor com o ritmo fácil, a singeleza do pensamento, a
ausência de abstrações, o caráter recitativo e o tratamento
O TÉDIO sentimental que empresta ao tema, garantindo a eternidade de pelo
Na segunda parte de Lira dos vinte anos, as fantasias eróticas, a menos um poema, Meus oito anos:
avidez pelo amor, os artifícios byronianos e mesmo a obsessão pela
morte, cedem lugar a uma espécie de cansaço existencial, o tédio. Oh! que saudades que tenho
O tédio, ou "mal du siècle", para os românticos europeus, era uma Da aurora da minha vida,
espécie de cinismo e enfado de quem tudo viveu, tudo experimentou: Da minha infância querida
sexo, bebidas, ópio, transgressões. Mais tarde, Baudelaire diria que Que os anos não trazem mais!
lera todos os livros, amara todas as mulheres mas que sua carne Que amor, que sonhos, que flores,
permanecia triste. Esta é a definição mais perfeita do mal do século. Naquelas tardes fagueiras
Já no caso de Álvares de Azevedo, o tédio resultava da falta de À sombra das bananeiras,
vivências a que a cidade de São Paulo o condenava. Era uma Debaixo dos laranjais!
cidadezinha provinciana, medíocre, de insípida vida noturna, sem
horizontes para um rapaz sonhador. A TRISTEZA DA VIDA
No final de uma vida breve, pressentindo a morte, o poeta aprofunda
o sentimento de tristeza - já presente em seus textos saudosistas,

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até transformá-lo num OBRA: Inspirações do claustro (1855)
sentimento quase desesperado de impotência perante o destino,
conforme se pode verificar em Livro negro, composto por doze A poesia de Junqueira Freire é totalmente autobiográfica e talvez
poemas doloridos. Deles, o mais significativo é Minha alma é triste: seja isso o que mantenha o interesse pela mesma. Procurando num
mosteiro a saída para os seus problemas pessoais (sobretudo uma
Minha alma é triste como a rola aflita espécie de atração pela morte que o angustiava), o poeta viu
Que o bosque acorda desde o albor da aurora malograrem as suas ilusões. A vida clerical lhe pareceu terrível. A
E em doce arrulo que o soluço imita partir dessa experiência, ele escreveu Inspirações do claustro, cujo
O morto esposo gemedora chora. valor reside mais no aspecto documental de uma situação humana
do que, propriamente, no seu significado literário.
E, como rola que perdeu o esposo,
Minh'alma chora as ilusões perdidas A TERCEIRA GERAÇÃO
E no seu livro de fanado gozo O fim da década de 60 assinalou o início de uma crise que atingiu a
Relê as folhas que já foram lidas." classe dominante, composta por senhores rurais e grupos de
exportadores. As primeiras indústrias, o encarecimento do escravo
Casimiro escreveu também um texto para teatro, Camões e Jau. como mão-de-obra e a utilização de imigrantes nas fazendas de café
Montada em Lisboa, em 1856, às custas do pai, resultou em grande de São Paulo indicavam mudanças na ordem econômica.
malogro, nada acrescentando à sua obra. Por esta época, começaram a se manifestar as primeiras fraturas na
até então sólida visão das elites dirigentes. O nacionalismo ufanista
3. FAGUNDES VARELA (1841-1875) começou a ser questionado. Estudantes de Direito, intelectuais da
classe média urbana, escritores, jornalistas e militares se davam
VIDA: Luís Nicolau Fagundes Varela nasceu em Rio Claro, Rio de
conta da existência de uma considerável distância entre os
Janeiro. Era filho de fazendeiros e viveu um período no ambiente
interesses escravocratas e monarquistas dos proprietários de terras
rural que mais tarde descreveria em seus versos. O pai era
e os interesses do resto da população. Foi então que a literatura
magistrado e político da província e a família teve de mudar-se
assumiu uma função crítica.
muitas vezes. A infância de Fagundes Varela foi marcada por essas
Antônio de Castro Alves superou o extremado individualismo dos
alterações contínuas de domicílio. Bastante jovem, matriculou-se na
poetas anteriores, dando ao Romantismo um sentido social e
Faculdade de Direito, em São Paulo. Lá entrou na vida boêmia,
revolucionário que o aproxima do Realismo. O padrão poético já não
"como um Byron exasperado", sempre envolvido em bebedeiras,
é Chateaubriand ou Byron, mas sim o francês Vitor Hugo, burguês
pequenos escândalos e muitas dificuldades financeiras. Acabou se
progressista, cantor da liberdade e do futuro.
casando com uma artista de circo e com ele teve um filho, que logo
morreria e que constituiria a inspiração de Cântico do Calvário.
1. TOBIAS BARRETO DE MENEZES
Fracassando o seu casamento, transferiu-se para o Recife a fim de
(WAGNERLEMOS).
continuar seus estudos jurídicos. A morte de sua mulher - que ficara
Tobias Barreto de Menezes, poeta, jurista e filósofo, nasceu a 07 de
no Sul - o trouxe de volta para a Faculdade de Direito de São Paulo.
junho de 1839 em Campos do Rio Real, atual Tobias Barreto, em
No entanto, nunca acabou o curso. Atormentado pelo álcool e por
Sergipe e faleceu a 26 de junho de 1889, no Recife, Pernambuco,
problemas emocionais, retornou para a fazenda dos pais. Era visto
onde se tornara o chefe da Escola do Recife, na Faculdade de
nas fazendas próximas, caminhando sem destino, quase sempre
Direito daquela cidade.De 1871 a 1881, o fundador do condoreirismo
bêbado. Em 1869, casou-se outra vez e passou a morar em Niterói,
brasileiro e chefe da Escola do Recife, mais importante movimento
sem que tivesse se curado do alcoolismo. Em 1875, foi vitimado por
intelectual da segunda metade do século XIX, passou em Escada,
um derrame. O surpreendente é que nessas condições de vida (no
Pernambuco, onde possuía uma tipografia com a qual editava
dizer de um crítico, Varela teve a biografia mais "romântica" de todo
periódicos, como o que redigia em alemão, DEUSTCHER KAMPFER
o nosso Romantismo) ele ainda tenha deixado uma obra literária
(O Lutador Alemão).
relativamente significativa.
Foi nesse período da vida do sergipano em que ele se aproximou da
filosofia, cultura e língua alemãs, tendo sido autodidata nesse idioma,
OBRAS PRINCIPAIS: Noturnas (1861); Vozes da América (1864);
como na maioria dos outros oito que falava. De Escada, Tobias só
Cantos e fantasias (1865); Cantos meridionais (1869); Anchieta ou o
saiu para o Recife após ter tido sua casa cercada pelos capangas
Evangelho nas selvas (1875).
dos herdeiros de seu sogro ameaçando-o de morte por ter o poeta
alforriado todos os escravos que pertenciam ao morto e que
A POESIA SERTANEJA
correspondiam à sua parcela da herança, como representante de
Apesar disso, mesmo os críticos mais implacáveis de Varela
sua esposa.
reconhecem os momentos felizes de sua obra. É o caso de alguns
Em 1882, o "mestiço de Sergipe", como ele mesmo se declarava
poemas constituídos por pequenos flagrantes da natureza e da vida
prestou o concurso para professor da Faculdade de Direito do
campestre, elaborados numa linguagem coloquial e sugestiva. Como
Recife. Classificou-se em primeiro lugar e adentrou à Academia por
nenhum outro romântico, conheceu a fundo o universo rural
pressão dos alunos, que apaixonados pela retórica do "mulato
brasileiro. Suas descrições parecem captar as cores, os cheiros e os
desgracioso"- assim descreveria Graça Aranha, que foi aluno de
sons do cotidiano do interior, como neste fragmento de A Roça:
Tobias e estava dentre esses alunos - em seu livro MEU PRÓPRIO
ROMANCE , forçaram a congregação a admiti-lo, haja vista que esta
O balanço da rede, o bom fogo punha obstáculos à contratação de Tobias, pelo fato de ele ser
Sob um teto de humilde sapé; negro.
As palestras, os lundus, a viola, Na Faculdade, Tobias foi o mais popular e polêmico dos mestres.
O cigarro, a modinha, o café; Seu modus magistrandi* tornaram-no o mais amado mestre dentre
os alunos, bem como seu espírito dado a polêmicas e discussões e
E depois um sorrir de roceira, sua cor o mais questionado e discriminado dentre aqueles que já
Meigos gestos, requebros de amor; tinham ensinado naquela instituição. Dos sete anos que lhe restavam
Seios nus, braços nus, tranças soltas, após a sua admissão na faculdade, ministrou aulas mais
Moles falas, idade de flor; (...) efetivamente nos primeiros cinco anos, nos dois últimos a doença já
o impedia de comparecer com freqüência às aulas.
4. JUNQUEIRA FREIRE (1832-1855) Em 26 de junho de 1889, morreu Tobias deixando seu nome
marcado na filosofia e romantismo brasileiros. Como diria Graça
VIDA: Nasceu em Salvador. Seus estudos primários foram Aranha no mesmo livro já citado: VOLTAR A TOBIAS É
irregulares, por motivos de saúde, e aos dezenove anos PROGREDIR.
(provavelmente desgostoso com a conduta desregrada do pai)
ingressou no mosteiro de São Bento, na capital baiana. Um ano *MODUS MAGISTRANDI:MODO DE ENSINO
depois - e sem verdadeira vocação religiosa - tornou-se noviço, com
o nome de Frei Luís de Santa Escolástica Junqueira Freire. OBRA POÉTICA: Dias e Noites. DEMAIS OBRAS: Estudos
Permaneceu no mosteiro até 1854, não escondendo o amargor e o Alemães; Monografias em Alemão; Crítica Literária; Crítica da
ressentimento que a vida religiosa lhe despertava. Conseguindo Religião; entre outras.
deixar o seminário, voltou para casa materna. Problemas cardíacos
que vinham desde a infância provocam a sua morte no ano seguinte. Que Mimo!
Não completara ainda vinte e três anos de idade.

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 6
Tu és morena e sublime, Oh! Bendito o que semeia
Como a hora do sol posto. Livros... livros à mão cheia...
E, no crepúsculo eterno E manda o povo pensar!
Que te envolve o lindo rosto, O livro caindo n'alma
O céu desfolha canduras É germe - que faz a palma,
De alvoradas e jasmins, É chuva - que faz o mar.
E passam roçando n´alma
As asas dos querubins... Castro Alves cantou
todas as causas
Teu corpo que tem o cheiro libertárias - a poesia
De cem capelas de rosas, como arma de combate
Que t´enche a roupa de quebros, a serviço da justiça e da
De ondulações graciosas, igualdade - mas o que
Teu corpo derrama essências ficou na memória
Como uma campina em flor: popular são os seus
Beijá-lo!... fôra loucura; poemas abolicionistas.
Gozá-lo!... morrer de amor... (Tobias Barreto)

2. CASTRO ALVES (1847-1871) A base econômica da sociedade agrária brasileira, na década de


1860, ainda era o escravo, porém as pressões internacionais,
VIDA: Descendente de uma família somadas às críticas das classes urbanas nacionais e à perspicácia
tradicional e poderosa do interior baiano de certos proprietários - que viam a escravidão como anti-econômica
- seu pai era médico, formado na - possibilitaram o surgimento das primeiras vozes contestadoras.
Europa - Antônio de Castro Alves Castro Alves será a encarnação mais retumbante desse protesto.
nasceu na Fazenda das Cabeceiras,
perto da cidade de Curralinho. Quando tinha sete anos, a família O CONDOREIRISMO
mudou-se para Salvador. Lá estudou no Colégio Abílio, que Os seus poemas sociais são conhecidos também como condoreiros.
revolucionara o ensino brasileiro pela eliminação dos castigos físicos "A praça, a praça é do povo, assim como o céu é do condor" -
aplicados aos alunos. Em 1858, morreu-lhe a mãe. Seu irmão mais escreve num de seus primeiros trabalhos. É uma metáfora
velho, José Antônio, ficou muito abalado, suicidando-se alguns anos exuberante: o condor voa altaneiro e livre por sobre os Andes. Como
depois. Mas já no início de 1862, Castro Alves estava no Recife, exuberantes, indignados e patéticos são parte considerável de seus
fazendo os preparatórios para a Faculdade de Direito, ainda em versos. Ele quer inebriar os jovens liberais com a força bombástica
companhia do irmão. Conheceu então a famosa atriz portuguesa de um discurso metrificado. Quer comover e convencer. Por isso,
Eugênia Câmara, de quem se tornou amante aos dezenove anos. Na nem sempre se contenta em dizer o essencial. Acaba caindo na
Faculdade, parecia mais interessado em agitar idéias abolicionistas e retórica, provocada pelo excesso verbal, por antíteses e hipérboles*
republicanas e produzir versos (que obtinham grande repercussão em demasia e por várias imagens de mau gosto.
entre os colegas) do que propriamente estudar leis. É possível, no entanto, compreender que o tom oratório dessas
Após concluir um drama em prosa, Gonzaga, especialmente composições tinham uma finalidade pedagógica: feitas para serem
composto para Eugênia Câmara, seguiu com a atriz rumo a declamadas em público, elas deviam se parecer a um discurso que
Salvador. Ali os dois receberam espetacular consagração com a conscientizasse as massas. Daí sua redundância e sua ênfase
estréia da peça no Teatro São João. Estando ele disposto a retornar emocional. Mesmo assim, em vários textos condoreiros, o poeta
ao curso de Direito, viajaram para São Paulo, antes parando dois atingiu uma eloqüência pura, vibrátil, "de poderosa sugestão visual e
meses no Rio de Janeiro, onde foram celebrados por José de impressão auditiva".
Alencar e Machado de Assis. A temporada paulista durou apenas um O Navio Negreiro e Vozes d'África se constituem nos mais soberbos
ano. O nome de Castro Alves tornara-se uma legenda: ótimo monumentos de poesia social do século XIX. E ainda que a
declamador de seus próprios poemas, recitou O navio negreiro e escravidão tenha acabado, e este tema não pertença mais a
Vozes d'África sob a ovação dos estudantes. Um colega escreveu experiência atual, é impossível ao leitor ficar indiferente diante de
que Castro Alves "era grande e belo como um deus de Homero". Sua tamanha densidade dramática.
vida afetiva, no entanto, entrou em crise pelas constantes traições à * Hipérbole: figura do exagero
orgulhosa Eugênia Câmara. Ela terminou por abandoná-lo POESIA LÍRICA: O AMOR SENSUAL
definitivamente. Para esquecer a ruptura, o poeta começou a se O lirismo amoroso de Castro Alves distingue-se das concepções
dedicar à caça, ferindo-se casualmente no pé, que infeccionou. dominantes na poesia romântica brasileira. Ao contrário de
Levado para o Rio, foi submetido a uma amputação sem anestesia. Gonçalves Dias, não considera o amor como impossível de ser
Depois disso, debilitado, retornou à Bahia, onde viveu por pouco realizado. Tampouco encobre a sensualidade, como Casimiro de
mais de um ano, até que sobreveio a tuberculose fatal. Morreu em Abreu. Muito menos apresenta a relação física como perversão
fevereiro de 1871, antes de completar vinte e quatro anos. fantasiosa, a exemplo de Álvares de Azevedo. Em Castro Alves, as
ligações sentimentais são apresentadas de uma maneira viril,
OBRAS: Espumas Flutuantes (1870); A Cachoeira de Paulo Afonso sensual e calorosa.
(1876); Os Escravos (1883); Gonzaga ou A Revolução de Minas Mário de Andrade observou que tanto o homem quanto o artista
(drama - 1875). alcançam a plena realização sexual. Disso resulta uma lírica original
por explorar o erotismo sem subterfúgios e sem culpa.
Sua obra se abre em duas direções: Ninguém como Castro Alves sabe cantar as excelências das uniões
corpóreas, ninguém como ele sabe falar de homens e mulheres
* Poesia social - causas liberais e humanitárias. reais. Até mesmo sua linguagem - freqüentemente retórica ao tratar
* Poesia lírica - natureza e amor sensual. de temas condoreiros - torna-se simples e coloquial na poesia
amorosa. A partir de um esplêndido domínio da metáfora, o poeta
POESIA SOCIAL cria imagens de rara beleza e intenso sentido de plasticidade,
Castro Alves é um caso típico do intelectual convertido em homem conforme se pode observar em versos como: "Sob a chuva noturna
de ação. Não apenas realizou uma poesia humanitária, como dos cabelos..." Ou: "Minha Maria é morena / Como as tardes de
participou ativamente de toda a propaganda abolicionista e verão." Ou ainda, referindo-se a uma de suas amadas: "Lírio do vale
republicana. Esse engajamento político muitas vezes prejudica a sua oriental, brilhante! / Estrela vésper do pastor errante!" Encantador e
literatura - que se torna mais denúncia do que arte - embora tal de singelo erotismo é o poema Adormecida, onde galhos e ramos
problema seja secundário diante da generosidade social do poeta. assediam amorosamente a jovem que dorme numa rede:
O jovem baiano tinha consciência de sua posição e de sua situação
de letrado, e do papel que poderia exercer dentro da sociedade. Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Compreendia o significado da educação num país constituído por Numa rede encostada molemente...
analfabetos, e foi o primeiro dos grandes românticos a valorizar a Quase aberto o roupão...solto o cabelo
imprensa, o livro e a instrução, conforme diz no poema O livro e a E o pé descalço do tapete rente.(...)
América:
De um jasmineiro os galhos encurvados,

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 7
Indiscretos entravam pela América, condenando as formas de opressão dos colonialistas e
sala, defendendo uma república utópica.
E de leve oscilando ao tom das auras*, Cosmopolita, o escritor deixou quadros curiosos como a descrição do
Iam na face trêmulos - beijá-la Inferno de Wall Street, onde vê o capitalismo como doença.
Observe-se, por outro lado, que os seus achados poéticos mais
Era um quadro celeste!... A cada afago felizes coexistem com trechos ininteligíveis, retóricos e pretensiosos.
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a ... O ROMANCE ROMÂNTICO
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia... (...)
* Aura: vento brando. I - ORIGENS
Os romances dos autores românticos europeus como Victor Hugo,
Castro Alves é, pois, um cantor de mulheres. Em seus ardentes Alexandre Dumas, Walter Scott e outros tornaram-se populares no
versos, descreve-as, confessa-lhes a paixão e, não raro, as possui Brasil através de sua publicação em jornais, depois de 1830, criando
em clima de delírio. Mas falta alguma coisa, alguma inquietação por no público o gosto por um gênero ainda desconhecido entre nós.
aquilo que transcende ao sexo. Ele não ultrapassa a superfície dos Tanto na Europa quanto nas traduções brasileiras, essas narrativas
corpos e nada revela a respeito das verdades mais profundas da eram primeiramente publicadas na imprensa, na forma de capítulos
relação amorosa. Simplesmente registra os encontros e os diários ou semanais, aumentando de maneira extraordinária a
desencontros físicos dos amantes, com seu inegável estilo sedutor. tiragem dos periódicos. Os leitores não escondiam seu entusiasmo
pelo desenvolvimento das histórias, seduzidos pela sucessão de
No poema Boa-noite, por exemplo, a beleza de algumas metáforas acontecimentos trepidantes, pelas emoções desenfreadas, pela
não impede que se perceba a superficial ligação que o poeta linguagem acessível e pela ausência de qualquer abstração
estabelece entre a amada e várias heroínas da literatura ocidental, intelectual.
numa espécie de ronde de femmes (rodízio de mulheres). O Tais romances receberam o nome de folhetins. Ao escrever um
resultado é atraente, mas desprovido de profundidade: folhetim, o artista submetia-se às exigências do público leitor e dos
diretores de jornais. O francês Eugène Sue chegou a ressuscitar um
Boa-noite, Maria - Eu vou-me embora. personagem porque os leitores não haviam se conformado com sua
A lua nas janelas bate em cheio. morte. Ou seja, o que determinava o desenvolvimento e o desfecho
Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde... de uma narrativa era o gosto popular. Desta forma, ao criar um
Não me apertes assim contra teu seio. folhetim o escritor se sujeitava aos valores culturais e ideológicos do
público, que desejava histórias melodramáticas e alienadas da
Boa noite!... E tu dizes - Boa noite. realidade.
Mas não digas assim por entre beijos... Por razões econômicas, quase todos os ficcionistas do período
Mas não me digas descobrindo o peito, passaram a produzir primeiro para a imprensa. Mesmo alguns dos
Mar de amor onde vagam meus desejos.(...) maiores novelistas do século XIX, como Dostoievski e Machado de
Assis, se viram compelidos a lançar suas obras em fascículos.
O POETA E A MORTE Todavia, eles não aceitavam a concepção folhetinesca da narrativa,
Antes de sua doença, Castro Alves já experimentara o velho tema mantendo sua independência estética. Outros, mais interessados na
romântico da morte na juventude e o triste lamento que esta intuição venda e na popularidade subordinavam seus textos à estrutura típica
do fim nele despertava. do folhetim, que é a seguinte:
O abismo entre os seus sonhos e a sombria realidade que impede a
realização dos mesmos aparece em Mocidade e Morte, um de seus Harmonia
poemas fundamentais e, além de tudo, profético, conforme se pode · felicidade
ver nas primeiras estrofes: · ordem social burguesa
Desarmonia
Oh! Eu quero viver, beber perfumes · conflito
Na flor silvestre, que embalsama os ares; · desordem
Ver minha alma adejar* pelo infinito, · crise da sociedade burguesa
Qual branca vela n'amplidão dos mares. Harmonia final
No seio da mulher há tanto aroma... · reestabelecimento da felicidade
Nos seus beijos de fogo há tanta vida... · reordenação definitiva da sociedade burguesa, com o triunfo de
- Árabe errante, vou dormir à tarde seus valores
À sombra fresca da palmeira erguida.
Com o tempo, os ficcionistas passaram a utilizar uma série de
Mas uma voz responde-me sombria: truques narrativos, repetidos até a exaustão. Exemplo disso são os
Terás o sono sob a lájea* fria. conflitos mais óbvios e recorrentes, vividos pelos protagonistas, e
suas soluções quase sempre idênticas:
Adejar: esvoaçar Lájea: pedra do túmulo
· a falta de dinheiro - o pobre casa com a rica e vice-versa, movido
2. SOUSÂNDRADE (1833-1902) apenas pelo amor; ou um deles recebe grande herança de parente
VIDA: Joaquim de Sousa Andrade nasceu em Alcântara, Maranhão. desconhecido, etc.
De família abonada, viajou muito desde jovem, percorrendo inúmeros · a ausência de identidade - aparecem amuletos, retratos, objetos ou
países europeus. Formou-se em Letras pela Sorbonne. Depois faz o sinais corporais que provam o que se deseja provar, geralmente a
curso de Engenharia. Em 1870, conheceu várias repúblicas latino- origem nobre ou burguesa de um plebeu.
americanas. A partir de 1871, fixou residência em Nova Iorque, onde · a inexistência de testemunhos - surgem personagens, muitas vezes
mandou imprimir suas Obras poéticas. .... Em 1884, lançou a versão vindos das sombras, que ouvem conversações secretas ou recebem
definitiva de seu O Guesa, obra radical e renovadora. Morreu confissões proibidas, e que então confirmam uma identidade perdida
abandonado e com fama de louco. ou inculpam alguém por um crime cometido.
OBRAS: Obras poéticas e O Guesa
Como regra geral, no último capítulo, após intensos tormentos,
O GUESA maldade e desolação, os obstáculos são removidos e o amor vence.
Em vários romances, contudo, a ordem social é mais forte que a
Sua obra mais perturbadora é O Guesa, poema em treze cantos, dos paixão e os amantes acabam destruídos pelas conveniências e pelos
quais quatro ficaram inacabados. A base do poema é a lenda preconceitos. De qualquer maneira, o final de um folhetim tem
indígena do Guesa Errante. O personagem Guesa é uma criança sempre um caráter apoteótico e desmedido, seja na felicidade, seja
roubada aos pais pelo deus do Sol e educado no templo da na dor.
divindade até os 10 anos, sendo sacrificado aos 15 anos, após longa
peregrinação pela "estrada do Suna". II - O SURGIMENTO NO BRASIL
Na condição de poeta maldito, Sousândrade identifica seu destino O sucesso do folhetim europeu, em jornais brasileiros, foi resultado
pessoal com o do jovem índio. Porém, no plano histórico-social, o da emergência de um novo público leitor, composto basicamente por
poeta vê no drama de Guesa o mesmo dos povos aborígenes da estudantes e mulheres. Era um público urbano, mas não raro

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 8
procedente do campo: em culto, liberal extremado, participou de várias revoluções, como a
geral, filhos e esposas de senhores rurais que haviam se chefiada por Frei Caneca, em 1817, e a Confederação do Equador,
estabelecido na Corte, depois da Independência. em 1824, exercendo também cargos políticos importantes, como o
As mensagens sentimentais libertadoras dos folhetins serviram como de senador do Império. O menino viveu, portanto, em um ambiente
uma luva às necessidades daquela gente asfixiada pelas regras familiar intelectualizado e favorável à formação cultural. Tinha nove
intolerantes de uma sociedade economicamente agrária e anos quando se mudou com os pais para a Corte (Rio de Janeiro),
culturalmente arcaica. E isso estimulou o aparecimento de vulgares onde fez seus estudos primários, seguindo depois para São Paulo
adaptações dos relatos românticos, feitas por escritores de segunda com o objetivo de concluir o secundário e matricular-se em Direito,
categoria. Teixeira e Sousa, em 1843, publicou O FILHO DO curso no qual se formou em 1851, com vinte e dois anos de idade.
PESCADOR, tornando-se o pioneiro desse subgênero. No entanto, em De volta à Corte, trabalhou como advogado e jornalista. Em 1856,
1844, veio à luz A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo. Pelo sob pseudônimo de Ig, teceu duras críticas ao poema “Confederação
enredo melhor articulado, pelo registro do ambiente carioca e pela dos Tamoios”, de Gonçalves de Magalhães, que, por seu turno, foi
sutil harmonização entre amor juvenil e preceitos conservadores, defendido pelo próprio Imperador, também sob pseudônimo. No
esta narrativa ultrapassava a dimensão de simples cópia de folhetins mesmo ano, Alencar publicou seu romance de estréia, “Cinco
europeus. Sob certos aspectos, estava nascendo o romance minutos.” Em 1857, lançou no jornal O Diário do Rio de Janeiro, sob
brasileiro. a forma de capítulos, o folhetim “O guarani”, que teve uma
repercussão jamais conhecida por qualquer outro escritor até então
III - OS ROMANCISTAS ROMÂNTICOS no país. Com trinta e cinco anos, casou-se com a sobrinha do
Almirante Cochrane, herói da Independência. O casal teve quatro
1. JOAQUIM MANUEL DE MACEDO filhos.
(1820-1882)
OBRAS PRINCIPAIS:
VIDA: Nasceu em Itaboraí (RJ), filho de Romances urbanos: Cinco minutos (1856); A viuvinha (1857);
uma família de posses. Jovem ainda, Lucíola (1862); Diva (1864); A pata da gazela (1870); Sonhos d'ouro
formou-se em Medicina, a qual não (1872); Senhora (1875); Encarnação (1877).
praticaria, seduzido pela carreira literária, pelo magistério (foi Romances regionalistas ou sertanistas: O gaúcho (1870); O
preceptor dos filhos da princesa Isabel e professor de História no tronco do ipê (1871); Til (1872); O sertanejo (1875).
colégio Pedro II) e pela política (tornou-se deputado pelo Partido Romances históricos: As minas de prata (1862); Alfarrábios (1873);
Liberal em várias legislaturas), além de fazer constantes incursões A guerra dos mascates (1873)
pelo jornalismo. Foi o primeiro escritor brasileiro a conhecer grande Romances indianistas: O guarani (1857); Iracema (1865); Ubirajara
popularidade, deixando uma obra bastante vasta de mais de (1874)
quarenta títulos. Morreu no Rio de Janeiro.
Estas categorias comprovam a amplitude geográfica, histórica e
OBRAS PRINCIPAIS: A Moreninha (1844); O moço loiro (1845); social do projeto literário de José de Alencar. Sua ambição era
Memórias do Sobrinho de Meu Tio(1867); A Luneta Mágica (1869). desmedida: cogitou fazer aqui o que Balzac fizera na França, ou
seja, um painel gigantesco dos múltiplos aspectos da realidade
A importância de Joaquim Manuel de Macedo resulta de uma nacional. Quis construir o romance brasileiro, a partir de um projeto
percepção do próprio escritor: o público leitor nacional, centralizado que abrangesse a totalidade da nação, tanto na sua diversidade
na capital federal e devorador de folhetins europeus, estava disposto física-geográfica quanto em seus aspectos sócio-culturais; tanto em
a aceitar um romance adaptado a cenários brasileiros, desde que a suas origens históricas gloriosas quanto nos mitos dos heróis
conservado o modelo de enredo das narrativas inglesas e francesas. fundadores da nacionalidade.
Além disso, o escritor deu-se conta de que precisava vencer a Regiões, história, costumes e mitos: eis a sua fórmula.
barreira moral - imposta pela estrutura patriarcalista - que não via
com bons olhos a explosão de sentimentos naquelas histórias que A LITERATURA COMO ALMA DA PÁTRIA
afirmavam o direito da paixão sobre a obediência e sobre a Em conseqüência, a idéia chave para a compreensão da obra de
hierarquia social. A adaptação que Macedo fez, portanto, era uma Alencar talvez esteja na sua célebre frase: "A literatura nacional que
necessidade, podendo ser assim resumida: outra coisa é senão a alma da pátria?" Ou seja, cabe ao texto
literário expressar a nação. Ele é o espelho no qual os brasileiros
ROMANCE BRASILEIRO = devem reconhecer-se como povo e como unidade cultural e
(ROMANCE ROMÂNTICO EUROPEU + CENÁRIOS BRASILEIROS territorial. Nele, os leitores desse país jovem, (que ainda não tivera
+ VALORES PATRIARCAIS) nem sua geografia, nem sua alma, nem seus costumes registrados)
poderiam encontrar uma identidade, uma auto-imagem favorável.
O produto desse esforço foram relatos desprovidos de grande valor
artístico, mas que possibilitavam ao leitor várias identificações. UM PAINEL INCOMPLETO DO PAÍS
Tropeçava-se a todo instante em ruas, praças, praias e outras Na celebração exaltada do nacional está a grandeza, mas também o
paisagens conhecidas. Aqui e ali, sob algum disfarce, topava-se com principal problema do espelho alencariano. O Brasil que ele mostra
uma figura típica da sociedade carioca (fluminense, se dizia então). tende à idealização da realidade humana e social. É um espelho
Um nome era lembrado, um costume coletivo evidenciado, de tal opaco, que não reflete nem as mazelas da escravidão nem a
forma que a alegria do reconhecimento tornava-se contínua - como brutalidade das camadas senhoriais. Reflete quase tão somente as
se, atualmente, alguém descobrisse o seu mundo e a si próprio num luzes fulgurantes do trópico, e o destemor, a generosidade e o
filme ou numa telenovela. altruísmo de sua gente.
Macedo parece ceder "a um irresistível impulso de tagarelice". Assim, as imagens que aparecem nos romances de Alencar, em
Tagarelice comprovada na quantidade de sua produção: em pouco regra, são positivas e idealizadas. Elas transmitem uma certa
mais de trinta anos de carreira, escreveu dezoito romances, quinze sensação de irrealidade e, às vezes, nos parecem retorcidas e
peças de teatro, dois livros de poemas e sete volumes de falsas. Correspondem menos aos fundamentos românticos da época
variedades. Mesmo assim, forneceu as bases para a criação do e mais à necessidade das elites letradas apresentarem o país sob
romance brasileiro. Ao focalizar os costumes patriarcais, inventariou uma ótica benigna e auto-elogiosa. Mesmo assim, em várias obras, o
as dificuldades e os fuxicos próprios dos afetos juvenis, autor cearense consegue ultrapassar os limites ideológicos que o
invariavelmente centrados no namoro e na promessa de casamento, aprisionavam à sua época, revelando qualidades de grande
e acabou mostrando (sem teor crítico), a pequenez de nossa vida ficcionista.
urbana. Acima de tudo, a sua importância na história literária advém
do fato de conquistar os leitores para uma ficção voltada para temas A IMPORTÂNCIA DE JOSÉ DE ALENCAR
e cenários locais, abrindo caminho a escritores de maior significado. As estruturas do folhetim, o predomínio da ação sobre os caracteres,
A Moreninha até hoje é a sua obra mais conhecida. Apesar da o nacionalismo ufanista e a visão idealizada da existência - que
superficialidade da trama, há no texto um tom alegre e compõem a obra de Alencar - não fascinam mais os leitores. Sob
descompromissado que ainda diverte. este ângulo, seus romances pertencem a outra época, desgastaram-
se com o passar do tempo e oferecem dificuldades de leitura,
2. JOSÉ DE ALENCAR (1829-1877) sobretudo aos jovens. Não obstante, por várias razões, o autor
cearense continua tendo uma importância histórica extraordinária:
VIDA: Filho de tradicional família da elite
cearense, José Martiniano de Alencar nasceu em
Mecejana, no interior do Ceará. Seu pai, homem

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 9
* Consolidou o romance Finda a Guerra do Paraguai tornou-se professor de geologia da
brasileiro ao escrever movido por um sentimento de missão patriótica Escola Militar. Em 1872, publicou Inocência, espécie de Romeu e
(durante toda a sua carreira, parece que nada mais quis senão Julieta sertanejo, certamente a sua principal obra. Foi nomeado
descobrir a essência da nacionalidade.) presidente da província de Santa Catarina e depois presidente do
* Discutiu incessantemente a questão da autonomia de nossa Paraná. Em 1886, alcançou o Senado, mas por fidelidade ao
literatura, procurando eliminar as influências portuguesas sobre a Imperador, abandonou a política após a proclamação da República.
mesma (ainda que às vezes caísse em padrões franceses e Diabético, morreu na capital federal com cinqüenta e seis anos
ingleses). incompletos.
* Preocupou-se em construir um painel, o mais abrangente possível,
da realidade brasileira. Seu esforço de totalização fracassou, é OBRAS PRINCIPAIS: A retirada da Laguna (1871); Inocência
verdade. Contudo, a idéia de um romance, ou de um conjunto de (1872).
romances, capazes de representar a nação (ou o povo) ainda Visconde de Taunay é o mais interessante dos ficcionistas do
encontraria eco nos escritores do século XX, como Mário de sertanismo romântico, embora tenha publicado apenas um romance
Andrade, Antônio Callado e João Ubaldo Ribeiro, entre outros. dentro da referida linhagem.
* Foi o primeiro ficcionista a perceber a vastidão e a diversidade do
país, intuindo algumas especificidades regionais e abrindo um filão (a 5. FRANKLIN TÁVORA (1842-1888)
narrativa de temática rural) que continua presente na ficção VIDA: Nasceu em Baturité, no interior do Ceará. Formou-se em
contemporânea. Direito, na célebre Faculdade do Recife. Em 1874 mudou-se para o
* Nos momentos mais felizes (Iracema, Senhora e Lucíola), alcançou Rio de Janeiro e ingressou na vida burocrática onde desempenhou
a análise psicológica, quase à maneira realista, além de mostrar o funções mais ou menos modestas. O gosto pela história acabou
peso da sociedade nas relações pessoais. levando-o ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Morreu na
* Problematizou a questão da língua brasileira e ele próprio criou pobreza aos quarenta e seis anos.
uma linguagem literária original, muitas vezes de grande densidade OBRAS PRINCIPAIS: O Cabeleira (1876); O matuto (1878);
poética. Lourenço (1881).
* Em muitos de seus romances demonstrou um esforço estético, uma
"vontade de forma", uma capacidade de elaboração artística que não Em Franklin Távora, o regionalismo mais do que o assunto é
encontramos em nenhum outro prosador do período. polêmica, conforme se vê no prefácio de O Cabeleira: As letras têm,
Por todos estes motivos, José de Alencar pode ser considerado o como a política, um certo caráter geográfico; mais no Norte, porém,
fundador do romance brasileiro. do que no Sul, abundam os elementos para a formação de uma
literatura propriamente brasileira, filha da terra. A razão é óbvia: o
Norte ainda não foi invadido como está sendo o Sul de dia em dia
pelo estrangeiro. (...)
Temos o dever de levantar ainda com luta e esforço os nobres foros
dessa região, exumar seus tipos legendários, fazer conhecidos seus
nomes, suas lendas, sua poesias máscula, nova, vívida e louçã...
Os desígnios do romancista não se realizaram, no entanto. No caso
3. BERNARDO GUIMARÃES (1825-1884) de seu relato mais conhecido, O Cabeleira, a intenção de realismo
esgota-se na reconstituição do ambiente e na escolha de uma
VIDA: Nasceu em Ouro Preto, onde passou a história de cangaço, ocorrida objetivamente no século XVIII. Nem o
infância e os primórdios da adolescência, indo assunto nem a distância histórica garantiram verossimilhança à
depois para São Paulo estudar Direito. Foi colega de narrativa, perturbada pela contradição permanente dos sertanistas
Álvares de Azevedo e na faculdade tinha fama de românticos: observações realistas dentro de um arcabouço
boêmio e satírico, tendo inclusive produzido uma exagerado e melodramático de folhetim.
lírica (Cantos da solidão) identificada com o
satanismo byroniano e com humorismo. Também escreveu poemas TEATRO
pornográficos que obtiveram muito sucesso na época Foi nomeado Luís Carlos MARTINS PENA
juiz no interior de Goiás, onde mostrou seu lado boêmio até ser
exonerado da função. Passou rapidamente pelo Rio de Janeiro, Dramaturgo carioca (1815-1848). Criador da
voltou a Ouro Preto, casou-se e se tornou professor secundário. A comédia de costumes no teatro brasileiro e um
publicação de A escrava Isaura, em 1875, garantiu-lhe prestígio dos pioneiros ao retratar o processo de
nacional, a ponto do próprio Imperador visitá-lo na antiga capital urbanização no século XIX. É considerado o
mineira. Morreu aos cinqüenta e nove anos. primeiro dramaturgo de destaque do país. De
origem humilde, consegue entrar para a carreira
OBRAS PRINCIPAIS: O Ermitão do Muquém (1864); O Garimpeiro diplomática e trabalha como secretário em Londres e Lisboa.
(1872); O Seminarista (1872); A Escrava Isaura (1875). Utiliza com precisão a linguagem coloquial para satirizar os
desmandos dos políticos dos três poderes: Executivo, Legislativo e
Nenhum autor expressou tão amplamente a tendência sertanista Judiciário. Critica o governo e o funcionamento precário dos
como Bernardo Guimarães. Vivendo, alguns anos, no interior (oeste serviços públicos em O Cigano e na Comédia Sem Título. Ironiza o
de Minas e sul de Goiás), conheceu-o bem, descrevendo-o com uso da religião em proveito próprio em O Irmão das Almas e
certa minúcia e com um estilo mais ou menos trivial, pontilhado por mostra a ineficiência do Legislativo em O Usuário. Na comédia de
algumas falas pitorescas da região. costumes, retrata o contato das pessoas do interior com os
A exemplo dos demais ficcionistas de temática rural, suas narrativas cidadãos urbanos da Corte em O Juiz de Paz da Roça e Um
variam entre um modesto realismo e o melodrama romântico mais Sertanejo na Corte. Martins Pena escreve 20 comédias e seis
inverossímil. Quando a primeira tendência domina, ele escreve um dramas, entre os 22 anos e os 33 anos, quando morre de
romance aceitável, O seminarista; quando o folhetim impera, seus tuberculose. Entre suas obras, temos ainda: Quem Casa Quer
relatos tornam-se risíveis, caso de O garimpeiro e A escrava Isaura. Casa; Judas em Sábado de Aleluia; O Noviço;

4 . VISCONDE DE TAUNAY (1843-1899) REALISMO/NATURALISMO NO BRASIL


VIDA: Alfredo d'Escragnolle-Taunay nasceu no Rio de Janeiro, no
seio de uma família aristocrática e dada às artes. Seu avô paterno, ORIGENS
Nicolau Antônio, viera da França para fundar a Academia de Belas O fim da Guerra do Paraguai (1865-1870) determina o fim da
Artes do Rio de janeiro. Seu pai, o também pintor Félix Taunay, legitimidade da monarquia brasileira junto a parcelas consideráveis
tornara-se preceptor de d. Pedro II. Induzido pelos familiares a da população. Nem a vitória militar revigora o regime. Ao contrário,
abraçar a carreira das armas, Alfredo cursou engenharia na Escola os oficiais do Exército, em seu retorno, recusam-se a perseguir os
Militar e como segundo tenente participou da expedição que tentou escravos fujões e começam a ser atraídos por idéias positivistas e
repelir os paraguaios que dominavam o sul da província de Mato republicanas. Na sociedade civil, especialmente a urbana, um forte
Grosso. A derrota militar que se seguiu, ocasionada pela falta de sentimento oposicionista toma conta dos setores médios e do público
víveres e pelo cólera, seria retratado de forma pungente em A jovem. No Nordeste, arruinado economicamente, surge a geração
retirada de Laguna, relato escrito em francês, já que o futuro contestadora dos anos de 1870.
visconde era bilíngüe.

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 10
Sílvio Romero, Tobias Machado de Assis criou uma obra equilibrada que inclui romances,
Barreto e outros agitam um punhado de novas ideologias. De Comte contos, crônicas, ensaios, poesia e teatro. Mas foi no romance e no
a Taine, tudo que é e anti-monárquico, anti-clerical, anti-escravocrata conto que se realizou plenamente como escritor. Como dramaturgo,
e anti-romântico encontra eco na rebelde cidade do Recife. Já no limitou-se às comédias ligeiras, na maior parte delas com um único
início da década, Sílvio Romero, influenciado por teorias realistas, ato, sem importância em sua produção. Das 13 peças que escreveu,
passa o atestado de óbito da poesia romântica, acusando-a de destacas-se Tu só, tu, puro amor e Lição de botânica. Como poeta,
"lirismo retumbante e indianismo decrépito" As mortes de Castro contemporâneo ainda da segunda geração romântica, Machado
Alves, em 1871, e a de José de Alencar, em 1877, representam o fim sofreu a influência dessa escola: seus versos -- reveladores de uma
de um ciclo literário, ainda que tanto o poeta baiano como o severa perfeição formal -- não possuem, entretanto o mesmo calor
romancista cearense já se aproximassem, no fim de suas vidas, de nem a força expressiva dos grandes poetas românticos.
uma expressão mais objetiva e menos idealista da realidade. De
qualquer forma, o Romantismo e o II Império tinham estado muito No ensaio, revelou-se prosador correto, elegante e agudo crítico
próximos e agora ambos iriam passar por uma longa agonia, à literário e teatral. Como cronista, é um dos maiores do Brasil: ágil,
espera do último suspiro. espirituoso, sempre atento aos acontecimentos, conseguiu captar e
A sociedade, no entanto, continua se movendo, exigindo mudanças. tratar com humor a alma carioca de sua época.
Em São Paulo, uma nova elite cafeicultora se distingue dos velhos No conto, Machado de Assis produziu algumas obras-primas. São
barões do café, do Vale do Paraíba, por seu ideário modernizador: contos de observação da vida exterior e de análise psicológica, em
preferem imigrantes a escravos em suas lavouras e não são que o autor foi mestre consumado. O conto machadiano é uma arte
totalmente hostis à nascente atividade industrial. Levas de imigrantes de pormenores, de sutilezas, em que há o engaste perfeito da
chegam, ora para o trabalho assalariado nas fazendas, ora para a simplicidade do estilo, do humor e da reflexão.
ocupação de pequenas propriedades, no sul do país. Graças a seus
hábitos de poupança e a seus conhecimentos técnicos, muitos deles Já nos primeiros romances, Machado deixa entrever as qualidades
migrarão para as cidades, constituindo pequenas indústrias semi- de grande prosador. Brás Cubas é o romance que serve de divisor
artesanais. de águas da obra machadiana e inaugura a fase de maturidade do
escritor; Dom Casmurro faz voltar o estilo das memórias quase-
O SURGIMENTO NO BRASIL póstumas, ao apresentar o relato de Bentinho, que se crê traído pela
O Romantismo termina antes do Império. Na década de 1880 ele já mulher e pelo melhor amigo, e relata sua vida quando ambos já
está superado nos meios artísticos, exceto na música.* Neste estão mortos. As primeiras obras, embora românticas, já esboçam,
momento histórico, a intelectualidade rebela-se contra a pieguice, o nas entrelinhas das situações insípidas, não apenas o perfil do sóbrio
exagero, o nacionalismo ufanista, e exige uma postura crítica diante estilista, mas algumas das linhas mestras que se afirmam em sua
da vida. 1881 é o ano decisivo: Machado de Assis lança Memórias obra a partir de Brás Cubas. Sutil e reticente, Machado examina a
póstumas de Brás Cubas, e Aluísio Azevedo publica O mulato, precariedade da condição humana e destila, vagaroso e implacável,
inaugurando respectivamente o Realismo e o Naturalismo entre nós. seu fel contra a vida e os homens. A dúvida, a indecisão, o logro e a
loucura são temas característicos de seus romances, a que, se
Advirta-se, contudo, que o realismo machadiano tem pouco a ver faltam pujança e paixão, sobram estilo e viva observação
com os princípios europeus do movimento, constituindo-se - como psicológica. O agravamento de sua doença, a epilepsia, mal que,
veremos adiante - num realismo à parte. Também o romance latente na infância, acentuou-se por volta dos quarenta anos, talvez
inaugural da estética naturalista é perturbado por desvios românticos determinasse de certa forma seu radical e incurável ceticismo.
e melodramáticos, fazendo de O mulato uma obra de estilo Machado de Assis levou vida retirada depois da morte da esposa,
mesclado. Apesar disso, as duas narrativas representam o triunfo do em 1904, e morreu em 29 de setembro de 1908, na casa do Cosme
novo e abrem um período de excepcional brilho em nossa literatura. Velho, no Rio de Janeiro.
1º e 2ª Fases
* Curiosamente, o Romantismo permanece até hoje no gosto popular
como modelo insuperável de um certo tipo de arte emotiva, singela, e 1ª Fase
mais ou menos superficial.
A Prosa – Considerados pelo autor como frutos de uma época de fé
ingênua, ingenuidade esta perdida ao seguir novos caminhos: "me
MACHADO DE ASSIS (1839-1908).
fui a outras e diferentes páginas", ou seja, páginas realistas.
Mas, apesar de romanescos, os romances e contos dessa época já
VIDA: Joaquim Maria Machado de Assis
mostram algumas características que iriam, mais tarde, se consolidar
nasceu no Rio de Janeiro, RJ em 21 de junho
na obra de Machado: o amor contrariado, o casamento por interesse,
de 1839 e passou a infância e a adolescência
uma ligeira preocupação psicológica e uma leve ironia.
no morro do Livramento. Cedo perdeu a mãe
e ficou sob os cuidados da madrasta, Maria Romance – 1ª fase: Ressurreição (1872); A mão e a luva (1874);
Inês. Fez os estudos primários numa escola Helena (1876); Iaiá Garcia (1878).
pública do bairro de São Cristóvão e foi aluno
do padre Silveira Sarmento, que o contratou Machado passou pelo Romantismo e pelo Realismo, assimilando
como sacristão. Interessou-se então pelo características de ambos, mas não se pode enquadrá-lo
estudo de línguas e aprendeu francês, inglês radicalmente em nenhum desses estilos. Pode-se dizer, grosso
e alemão. modo, que os romances da primeira fase tendem ao Romantismo e
os da segunda fase ao Realismo.
Entrou como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional, de onde
passou, como revisor de provas, para a tipografia de Paula Brito. Lá Porém, nos romances de primeira fase, já se podem notar algumas
conheceu escritores e jornalistas. A partir desse ano, colaborou no novidades. Sendo a principal delas é a criação de personagens que
Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro, Semana Ilustrada e ambicionam, sobretudo mudar de classe social, ainda que isso lhes
Jornal das Famílias, periódicos onde publicou boa parte de sua obra custe sacrificar o amor (excetuando Ressurreição, os outros três
inicial. Em 1867 foi nomeado ajudante do diretor do Diário Oficial e romances dessa fase levam esse tom), bem diferente dos romances
dois anos mais tarde casou-se com Carolina Augusta Xavier de românticos em que os personagens em geral comportam-se de
Novais, irmã do poeta português Faustino Xavier de Novais. O acordo com aquilo que lhes dita o coração.
casamento teve importância decisiva na vida de Machado de Assis, 2ª Fase
pois os 35 anos de vida conjugal harmoniosa dariam ao escritor a
serenidade necessária à criação de sua obra. Foi intensa a atividade A prosa – A essa fase pertencem verdadeiras obras primas de
do escritor na década de 1870. No Jornal das Famílias, entre 1874 e Machado. A análise psicológica dos personagens, o egoísmo, o
1876, iniciou a publicação das Histórias românticas, e, depois, pessimismo, o negativismo, a linguagem correta, clássica, as frases
Relíquias de casa velha. Ainda em 1874, começou no jornal O Globo curtas, a técnica dos capítulos curtos e da conversa com o leitor são
a publicação, em folhetins, de A mão e a luva. a principal característica dos textos realistas, ao lado da análise da
sociedade e da crítica aos valores românticos. "Memórias Póstumas
Em 1880 foi nomeado oficial de gabinete do ministro da Agricultura; de Brás Cubas", além de ser o primeiro romance realista da literatura
oito anos mais tarde foi elevado à categoria de oficial da Ordem da brasileira, é uma obra inovadora, com uma série de características
Rosa; e em 1892 ascendeu a diretor-geral da Viação. Paralelamente, que distinguiriam as obras-primas de Machado de Assis. Além de
consolidou-se seu prestígio como escritor, já amplamente "Memórias Póstumas de Brás Cubas", podem ser citados outros
reconhecido. Em 1896 fundou, com outros intelectuais, a Academia importantes romances da segunda fase de Machado: "Quincas
Brasileira de Letras, da qual foi eleito presidente no ano seguinte.

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 11
Borba"; "Dom Casmurro" literatura: O Ateneu, que traz um enganoso subtítulo: Crônica de
(estes dois sendo duas obras-primas); "Esaú e Jacó"; e "Memorial de saudades.
Assis" (seu último romance - segundo a crítica teria caráter
autobiográfico, servindo para equilibrar a falta da esposa morta). ALUÍSIO AZEVEDO (1857-1913)
Podem ser citados como características de seus romances dessa VIDA: Nasceu em São Luís do Maranhão, filho
fase: de uma mulher cheia de ousadia que abandonara
- Quanto à visão do mundo - pessimismo (mostra uma visão trágica o marido, grosseiro comerciante português, para
e amarga da existência humana); humor (seria uma válvula de ir viver em regime de concubinato com o vice-
escape diante da miséria humana); denúncia da hipocrisia e do cônsul de Portugal, com quem teve cinco filhos.
egoísmo (no universo de Machado, os bons sentimentos sempre Estimulado pela atmosfera intelectual e artística
surgem para esconder uma outra face, egoísta e hipócrita); ironia que imperava em sua casa, Aluísio revelou
(também é uma forma do escritor refletir sobre a vida). precocemente pendor pelo desenho e pela
pintura. Em 1879, estreou na literatura com um
- Quanto aos personagens - seus personagens são homens medíocre folhetim, Uma lágrima de mulher. Dedicou-se também ao
comuns, que não podem ser classificados como bons ou maus. O jornalismo, editando O pensador, um jornal de combate ao clero e ao
autor abandona o exterior, indo penetrar na consciência, no mundo atraso mental de cidade. A culminância de sua rebeldia ocorreu em
interior de cada personagem, onde encontra: paixão pelo dinheiro; 1881, quando publicou o romance O mulato. A denúncia da
egoísmo; medo da opinião alheia; dissimulação (principalmente nas corrupção do clero e do preconceito racial existentes na burguesia
personagens femininas); e vaidade. maranhense irritou os leitores da província, impelindo Aluísio
- Quanto à narração - sua preocupação é com o caráter, a vida Azevedo, então com vinte e quatro anos, a retornar ao Rio. Passou a
interior dos personagens, por isso, em suas narrativas há pouca viver exclusivamente da literatura, lançando folhetins românticos de
ação e muita reflexão. baixa categoria, entremeados por duas narrativas naturalistas. Em
Muitas vezes, o narrador interfere na trama, para conversar com o 1895, com quase quarenta anos, ingressou na carreira diplomática.
leitor, debater, opinar, esclarecer. Graças a essa interferência, ao Como cônsul, percorreu uma série de países estrangeiros. A partir
final, fica a impressão de que o livro não foi "lido", mas sim "contado" de então, surpreendentemente, abandonou a produção literária. Os
por alguém (isso se opõe às pretensões naturalistas, para as quais o motivos de sua renúncia ficaram ignorados. Morreu em Buenos
leitor teria que "ver" a cena descrita ou narrada). Aires, onde servia e vivia conjugalmente com uma senhora argentina
e dois filhos desta.
Machado freqüentemente rompe a narrativa cronológica, linear, ora
começando pelo fim, ora pelo meio, além dos freqüentes cortes. OBRAS PRINCIPAIS:
Naturalistas - O mulato (1881); Casa de pensão (1884); O cortiço
- Quanto à temática - certos temas aparecem com bastante
(1890)
freqüência: a relatividade dos conceitos morais; a transitoriedade da
Folhetins - Girândola de amores (1882); O homem (1894); O livro de
vida; o tédio; a preocupação psicológica está sempre presente, a
uma sogra (1895).
fronteira entre a lucidez e a loucura (tema do conto "O Alienista");
predominância do mal sobre o bem; a vaidade; o adultério (tema de
Aluísio Azevedo é o primeiro caso de escritor no país a decidir-se
"Dom Casmurro"); a inconstância do ser humano; a contradição entre
pela literatura como forma de sobrevivência. Para tanto, precisará
aparência e essência.
capitular às exigências do mercado que pede melodramas baratos e
Romances – 2ª fase: Memórias póstumas de Brás Cubas (1881); de fácil digestão. Sem vergonha aparente, satisfaz o gosto do público
Quincas Borba (1891); Dom Casmurro (1899); Esaú e Jacó (1904); e lhe fornece o esperado. Simultaneamente, acaba encontrando na
Memorial de Aires (1908). estética naturalista, - seja através da obra de Zola, seja através dos
romances de Eça de Queirós - os princípios que lhe permitirão o
Diante dessa esquematização, pode-se concluir que na trajetória de desenvolvimento de uma obra adulta. O trabalho como caricaturista e
Machado de Assis ocorreu uma mudança brusca, uma verdadeira a vocação para a pintura tinham intensificado o sentido plástico de
ruptura no modo de escrever; mas não é verdade. O que aconteceu seu texto. "Primeiro desenho os meus romances. Depois, redijo-os." -
foi o amadurecimento gradual, lento, progressivo, apesar de o confessará ele mais tarde. O gosto naturalista pela descrição
primeiro romance da segunda fase ser revolucionário, não só em minuciosa, pelos painéis abrangentes e pelos costumes coletivos
relação aos anteriores, mas também em relação a toda a história da adequavam-se às tintas carregadas de sua linguagem. Assim como
literatura brasileira. a ênfase na denúncia social e na patologia correspondiam à sua
OBRAS: visão contestadora e também pessimista da realidade. Nas suas três
Poesia: Crisálidas; Falenas; Americanas; Poesias Completas. obras básicas, ele revolverá temas proibidos (ou escondidos), a
Romance: Ressurreição; A Mão e a Luva; Helena; Iaiá Garcia; exemplo do racismo, da opressão dos trabalhadores livres, da
Memórias Póstumas de Brás Cubas; Quincas Borba; Do Casmurro; sexualidade tropical, das aberrações morais e biológicas de ricos e
Esaú e Jacó; Memorial de Aires. pobres, etc.
Contos: Contos Fluminenses; Histórias da Meia-Noite; Papéis
Avulsos; Histórias Sem Data; Várias Histórias; Páginas Recolhidas; PARNASIANISMO
Relíquias da Casa Velha.

RAUL POMPÉIA (1863-1895) CARACTERÍSTICAS


1) OBJETIVISMO E IMPESSOALIDADE
VIDA : Nasceu em Angra do Reis, filho de uma família de grandes O poeta deve ser neutro diante da realidade, esconder seus
proprietários. Teve uma infância bastante reclusa, devido ao sentimentos, sua vida pessoal. A confissão íntima e o
isolamento social de seus pais. No começo da década de 1870, os extravasamento subjetivo, tão caros aos românticos, são vistos como
Pompéia se mudaram para a Corte e o menino vai estudar no mais inimigos da poesia. O Eu precisa se apagar frente do mundo
famoso e caro colégio da época, o Colégio Abílio, onde permaneceu objetivo, eclipsar-se. O espetáculo humano, cenas da natureza ou
por cinco anos e do qual se vingaria dez anos depois. Concluiu seus simples objetos são registrados, sem que haja interferências da
estudos no Colégio D. Pedro II e, mais tarde, bacharelou-se pela interioridade do artista. A exemplo do que ocorrera no Realismo e no
Faculdade de Direito do Recife. Abolicionista e republicano exaltado, Naturalismo, o escritor é aquele que observa e reproduz as coisas
é uma espécie de intelectual de esquerda da época. Ocupou vários concretas. Tal postura iria se tornar muito complicada num gênero
cargos públicos, inclusive a direção da Biblioteca Nacional. Seu literário que, desde a sua fundação, centrara-se na revelação da
temperamento exaltado despertou ódios e inimizades. Chegou a alma.
marcar um duelo com Olavo Bilac, que acabou não se realizando.
Esta sensibilidade doentia e não resolvida impeliu-o ao suicídio, num 2) ARTE PELA ARTE
dia de Natal. Contava então trinta e dois anos de idade. Os parnasianos ressuscitam o preceito latino de que a arte é gratuita,
OBRA PRINCIPAL: O Ateneu (1888) que só vale por si própria. Ela não tem nenhum sentido utilitário,
nenhum tipo de compromisso. É auto-suficiente e justifica-se apenas
Ainda que tenha escrito poemas (Canções sem metro), uma novela por sua beleza formal. Qualquer tipo de investigação do social,
(Uma tragédia no Amazonas), e deixado obras inéditas, Raul referência ao prosaico, interesse pelas coisas comuns a todos os
Pompéia permanece como autor de um romance essencial de nossa homens seria "matéria impura" a comprometer o texto.
Restabelecem, portanto, um esteticismo de fundo conservador que já

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 12
vigora na arte da decadência
romana. A literatura passa a ser apenas um jogo frívolo de espíritos * Representa um desligamento da realidade local no que essa tinha
elegantes. de pobre, feia e suja. Na adoção de valores europeus, os poetas
fecham suas obras para um mundo grosseiro, feito de horrores,
3) CULTO DA FORMA pestes e exploração, trocando o país concreto pela Antigüidade, pelo
O resultado da visão descompromissada é a celebração dos sonho com a cidade-luz, Paris, e pelo nacionalismo ufanista. Nem
processos formais do poema. A verdade de uma obra de arte passa todos os parnasianos são conservadores do ponto de vista político,
a residir apenas em sua beleza. E a beleza é evidenciada pela mas sua arte o é.
elaboração formal. Logo:
* Assinala o triunfo de uma estética rígida que corresponde a uma
VERDADE = BELEZA = FORMA = POESIA sociedade imobilizada. Os princípios da escola tornam-se cânones e
quem os desobedece , não ingressa no reino da poesia. Surgem
A mitologia da perfeição formal constitui o alvo e a angústia básica vários tratados, ensinando os leitores os preceitos e os truques da
dos parnasianos. A beleza deve ser alcançada a qualquer custo e o nova poética que acaba caindo no gosto do público. Um público
artista sente-se, muitas vezes, impotente para a realização desta pequeno: a elite leitora de fins do século XIX chega no máximo a
tarefa. Olavo Bilac versa sobre o dilaceramento entre o ideal poético cinco por cento da população.
e a construção do poema em Perfeição, mostrando-a como uma * Apresenta uma arte centrada em obviedades escritas com ênfase
cidadela inconquistável: retórica. Além das fórmulas fixas de agrado popular, como o soneto,
do refinamento verbal - que distinguia o letrado do semi-analfabeto -
Nunca entrarei jamais no teu recinto; e das regras autoritárias de poesia, os parnasianos produzem
na sedução e no fulgor que exalas, mensagens convencionais, insípidas e, até mesmo, certas reflexões
ficas vedada, num radiante cinto filosóficas muito próximas da banalidade. Esta tendência ao
de riquezas, de gozos e de galas*. convencional e ao lugar-comum consolida-se socialmente porque
não ameaça, não questiona, não põe em xeque as concepções que
* Torre de marfim - * Galas - pompas, enfeites luxuosos. as classes dirigentes tinham de si mesmas e do Brasil.
* Domina intelectualmente o país por quarenta anos. De maneira
O sentido da forma inesperada, os poetas do período acabam ganhando adeptos não
Mas, afinal, o que é forma para os parnasianos? Eles consideram somente nas elites, mas também nos círculos intelectuais das
como forma a maneira do poema ser apresentado, seus aspectos nascentes classes médias urbanas. Assim, o Parnasianismo
exteriores. Forma seria assim a técnica de construção do poema. espalha-se por todo o país, alcançando um número monumental de
Isso representava uma simplificação primária do fazer poético e do seguidores. Seu domínio foi de tal ordem que os organizadores da
próprio conceito de forma que passava a ser apenas uma fórmula. Semana de Arte Moderna tiveram como um dos objetivos básicos a
Uma fórmula resumida em alguns itens básicos: destruição desses modelos parnasianos de poesia e de cultura.
* Coloca a criação literária como resultante do esforço e não da
a) Metrificação rigorosa: os versos devem ter o mesmo número de inspiração. Os românticos haviam expresso uma crença tão
sílabas poéticas, preferencialmente doze sílabas (versos apaixonada na espontaneidade, no "borbulhar do gênio", no instinto
alexandrinos), os preferidos na época. criativo, que todo o trabalho de pesquisa e cuidado formal do artista
parecia supérfluo. Já os parnasianos consideram a poesia como um
b) Rimas ricas: os poetas devem evitar as rimas pobres, isto é, processo artesanal de luta com as palavras, de busca do rigor, de
aquelas estabelecidas por palavras da mesma classe gramatical, suor e dedicação. Rompem com o amadorismo e a facilidade.
como substantivo com substantivo, adjetivo com adjetivo, etc. No Mostram que a arte, normalmente, não aceita os preguiçosos e
período há uma ênfase no tipo de rima ABAB para as estrofes de aproximam-se da visão contemporânea sobre a construção do texto
quatro versos, isto é o primeiro verso rima com o terceiro, o segundo literário e o papel profissional do escritor.
com o quarto. Não é incomum, contudo, o uso de rimas ABBA, isto é
o primeiro verso rima com o quarto e o segundo com o terceiro. O SURGIMENTO NO BRASIL
A primeira manifestação parnasiana no Brasil data de 1882, ano em
c) Preferência pelo soneto: os parnasianos reivindicam a tradição que se publica o medíocre Fanfarras, de Teófilo Dias. Mas o
clássica do soneto, composição poética de quatorze versos - movimento estrutura-se e ganha prestígio popular com a constituição
articulada obrigatoriamente em dois quartetos e dois tercetos - e que da famosa tríade parnasiana: Olavo Bilac, Raimundo Correia e
se encerra com uma "chave de ouro", espécie de síntese do poema, Alberto de Oliveira.
manifesta tão somente no último verso.
OS POETAS DO PARNASIANISMO
d) Descritivismo: eliminando o Eu, a participação pessoal e social, só
resta ao parnasiano uma poética baseada no mundo dos objetos, 1) OLAVO BILAC (1865-1918)
objetos mortos: vasos, colares, muros, etc. São pequenos quadros,
fortemente plásticos (visuais), fechados em si mesmos, com grande VIDA: Nasceu no Rio de Janeiro, numa família
precisão vocabular e freqüente superficialidade. O trecho abaixo de classe média. Estudou Medicina e depois
pertence ao conhecido Vaso chinês, de Alberto de Oliveira: Direito, sem se formar em nenhum dos cursos.
Jornalista, funcionário público, inspetor escolar,
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o secretário do prefeito do Distrito Federal, exerceu
constante atividade republicana e nacionalista,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
realizando pregações cívicas em todo o país, inclusive pelo serviço
Contador sobre o mármore luzidio,
militar obrigatório. Era um exímio conferencista e representou o país
Entre um leque e o começo de um bordado.
em vários encontros diplomáticos internacionais. Foi coroado como
"príncipe dos poetas brasileiros", encarnando a liderança do grupo
4) TEMÁTICA GRECO-ROMANA
parnasiano. Por isso, ingressou na Academia de Letras, na condição
Apesar de todo o esforço, os parnasianos não conseguem articular
de fundador. Paralelamente, teve certas veleidades boêmias e estas
poemas sem conteúdo e são obrigados a encontrar um assunto
inclinações noturnas não deixaram de escandalizar e, ao mesmo
desvinculado no mundo concreto para motivo de suas criações.
tempo, fascinar a época.
Escolhem a Antigüidade Clássica, aspectos de sua história e de sua
OBRAS: Poesias (Reunião dos livros Panóplias, Via-láctea e Sarças
mitologia.
de fogo -1888); Tarde (1918)
Esta matéria poderia render excepcionais reflexões filosóficas e
Podemos indicar os seguintes assuntos como dominantes em sua
existenciais, pois integramos o Ocidente, e o nosso jeito de ser, agir
poética:
e pensar é profundamente marcado pela civilização grega, e mesmo
pela romana. Mas os poetas do período optam por quadros estáticos.
* a Antigüidade greco-romana * o lirismo amoroso * a reflexão
Nos deparamos então com centenas de textos que falam de deuses,
existencial. * o nacionalismo ufanista
heróis, personagens históricos, cortesãs, fatos lendários e até
mesmo objetos.
O LIRISMO AMOROSO
Bilac trata do amor a partir de dois ângulos distintos: um mais
O PARNASIANISMO NO BRASIL
filosófico e sentencioso; o outro, mais descritivo e sensual. O
ORIGENS
No Brasil, a adoção do Parnasianismo tem um múltiplo significado:

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 13
primeiro caso ocorre nos trinta Olavo Bilac também quebra a impassibilidade parnasiana com o
e cinco sonetos que compõem o livro Via láctea e que lhe patriotismo retumbante de seus versos. Transforma-se numa espécie
granjearam imensa popularidade. de poeta oficial da República Velha, fugindo do Brasil problemático e
inventando um Brasil de heróis intrépidos, grandezas infinitas e
Escritos em decassílabos*, apresentam reflexões, lembranças, símbolos a serem amados.
paixões concretas ou irrealizadas, cogitações sobre o caráter do Bandeirantes ferozes, como Fernão Dias Pais Leme, são
afeto, etc., num conjunto de qualidade desigual, oscilando entre o transformados em agentes da civilização ("Violador dos sertões,
gosto romântico e o gosto clássico. O soneto XIII tornou-se plantador de cidades / Dentro do coração da pátria viverás!") A
antológico: natureza, a exemplo do Romantismo, vira expressão da
nacionalidade. Crianças são convocadas a amar a pátria com "fé e
Ora (direis) ouvir estrelas! Certo orgulho". E a poesia parece diluir-se num manual de civismo.
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto Um dos seus poemas patrióticos mais conhecidos é Língua
E abro as janelas, pálido de espanto... Portuguesa:

E conversamos toda a noite, enquanto Última flor do Lácio*, inculta e bela,


A via láctea , como um pálio aberto, És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Ouro nativo, que na ganga* impura
Inda as procuro pelo céu deserto. A bruta mina entre os cascalhos vela...

Direis agora: "Tresloucado amigo! Amo-te assim, desconhecida e obscura.


Que conversas com elas? Que sentido Tuba* de alto clangor*, lira singela,
Tem o que dizem, quando estão contigo?" Que tens o trom* e o silvo da procela* ,
E o arrolo* da saudade e da ternura!
E eu vos direi: "Amai para entendê-las! -
Pois só quem ama pode ter ouvido Amo o teu viço agreste e teu aroma
Capaz de ouvir e entender estrelas." De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
*Decassílabos: versos de dez sílabas poéticas
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
A estes comentários sobre o significado dos sentimentos, o autor vai E em que Camões chorou, no exílio amargo,
preferir, em Sarças de fogo, a celebração dos prazeres corpóreos. O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
Uma profusão de beijos infinitos, abraços escaldantes, sangue
fervente e atritos libidinosos ajudam a enriquecer aquele erotismo do * Lácio: região que circunda Roma e onde se origina o latim. *
fim do século XIX e cuja expressão em nossa pintura é Visconti. Ganga: resíduo inútil de minério. * Tuba: instrumento de sopro,
Olavo Bilac tem o olho fremente do voyeur (sujeito que se excita similar à trombeta * Clangor: som forte * Trom: som de trovão *
apenas com a contemplação dos corpos ou do ato sexual) e se Procela: tempestade * Arrolo: arrulho, acalanto
compraz na descrição nem sempre sutil da anatomia feminina. Se
levarmos em conta que a nudez das mulheres era um tabu na 2) ALBERTO DE OLIVEIRA (1857-1937)
sociedade brasileira, podemos imaginar o frêmito que os seus VIDA: Nasceu no interior do Rio de Janeiro e formou-se em
poemas causavam então. Em Satânia, a luz do meio-dia cobre de Farmácia. Exerceu várias funções públicas, entre as quais o
carícias o seu esplêndido corpo. magistério e tornou-se um dos fundadores da Academia Brasileira de
Letras. Sua lírica descritivista e convencional lhe garantiu um lugar
Nua, de pé, solto o cabelo às costas, no gosto médio da época, substituindo Olavo Bilac na condição de
Sorri. Na alcova perfumada e quente, "príncipe dos poetas brasileiros", em 1924, quando o Parnasianismo
Pela janela, como um rio enorme, já fora destruído pelas novas elites artísticas do país. Morreu em
Profusamente a luz do meio-dia Niterói, aos oitenta anos.
Entra e se espalha, palpitante e viva. (...) OBRAS PRINCIPAIS: Meridionais (1884); Versos e rimas (1895); O
Como uma vaga preguiçosa e lenta, livro de Ema (1900)
Vem lhe beijar a pequenina ponta
Do pequenino pé macio e branco. Entre todos os parnasianos é o que mais permanece atado aos
rigorosos padrões do movimento. Manipula os procedimentos
Sobe...Cinge-lhe a perna longamente; técnicos de sua escola com precisão, mas essa técnica ressalta
Sobe... - e que volta sensual descreve ainda mais a pobreza temática, a frieza e a insipidez de uma poesia
Para abranger todo o quadril! - prossegue, hoje ilegível. Alfredo Bosi acentua que o criador de Vaso grego
Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura, sonha em desfazer-se de todos os compromissos com a realidade.
Morde-lhe os bicos túmidos dos seios, Na década de 1920, Mário de Andrade já havia escrito que o único
Corre-lhe a espádua, espia-lhe o recôncavo problema de Alberto de Oliveira era o não ter nada para dizer, e que
Da axila, acende-lhe o coral da boca.(...) uma lágrima de qualquer poema de Goethe possuía mais lirismo que
a obra completa desse parnasiano menor.
E aos mornos beijos, às carícias ternas Confirmando a justiça desses julgamentos, pouco encontramos em
Da luz, cerrando levemente os cílios, Alberto de Oliveira além de poemas que reproduzem mecanicamente
Satânia os lábios úmidos encurva a natureza e objetos decorativos. Enfim, uma poesia de rimas exatas
E da boca na púrpura sangrenta e métrica correta. Uma poesia sobre coisas inanimadas. Uma poesia
Abre um curto sorriso de volúpia... tão morta como os objetos descritos.

A REFLEXÃO EXISTENCIAL 3) RAIMUNDO CORREIA (1859-1911)


Em alguns poemas, contudo, o autor de Tarde consegue mesclar
uma visão sensual da vida com meditações carregadas de VIDA: Nasceu no Maranhão e formou-se advogado, em São Paulo.
melancolia e desassossego sobre a proximidade da velhice e da Trabalha no interior do Rio de Janeiro como magistrado e, em Ouro
morte. Possivelmente são as suas melhores criações. Não há como Preto, como secretário de Finanças. Passa em seguida para a
fugir da beleza da primeira estrofe de O Vale, por exemplo: diplomacia, trabalhando em Lisboa. Volta mais tarde à antiga capital
federal , onde mais uma vez exerce a magistratura. Morre, com
Sou como um vale, numa tarde fria cinqüenta e dois anos, em Paris, onde fazia um tratamento de saúde.

Quando as almas dos sinos, de uma em uma, OBRAS PRINCIPAIS: Sinfonias (1883); Aleluias (1891).
No soluçoso adeus da ave-maria
Expiram longamente pela bruma. A exemplo dos demais componentes da tríade parnasiana,
Raimundo Correia foi um consumado artesão do verso, dominando
O NACIONALISMO UFANISTA com perfeição as técnicas de montagem e construção do poema.

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 14
O PESSIMISMO CONTEXTO CULTURAL
FILOSOFANTE
Essa melancolia transforma-se, em outros poemas, numa visão O Simbolismo no Brasil é um movimento que ocorre à margem do
dolorida da existência. O acento pessimista, a busca de uma sistema cultural dominante. Seu próprio desdobramento aponta para
dimensão quase filosófica para o fracasso dos sonhos e certas províncias de escassa ressonância: Paraná, Santa Catarina e Rio
emanações sensíveis garantiriam a Raimundo Correia um lugar Grande do Sul. É como se o gosto dos poetas da escola por neve e
especial dentro do Parnasianismo, não fosse a falta de originalidade névoas, outonos e longos crepúsculos exigisse regiões frias e
de sua inspiração. Poemas que, na rigidez da fórmula de quatorze nebulosas.
versos, apresentam pequenas sínteses morais sobre a condição
humana, numa filosofia bastante próxima da banalidade. Tais Há quase um fatalismo geográfico: Alphonsus de Guimaraens produz
lugares-comuns do pensamento, como já vimos, agradavam ao seus textos nas cidades montanhosas e fantasmagóricas de Minas
público, mas estão longe de constituir fonte profunda de indagação e Gerais. No Rio de Janeiro, de grandes sóis e clima tropical, o
questionamento do sentido da vida. agrupamento simbolista, mesmo com o reforço de Cruz e Sousa -
que emigrara da antiga cidade do Desterro (hoje Florianópolis) -
CARACTERÍSTICAS acaba sufocado pela luz, pelo calor e pela onda parnasiana.
Os adeptos da nova estética tornam-se alvo de zombarias, quando
1) SUBJETIVISMO não de desprezo. A maioria dos críticos não os compreende e o
Os simbolistas retomam a subjetividade da arte romântica com outro público leitor mostra-se indiferente ou hostil frente aquela poética
sentido. Os românticos desvendavam apenas a primeira camada da aristocrática, complicada, pretensiosa. Somente depois do triunfo
vida interior, onde se localizavam vivências quase sempre de ordem modernista, alguns desses poetas seriam revalorizados.
sentimental. Os simbolistas vão mais longe, descendo até os limites
do subconsciente e mesmo do inconsciente. Este fato explica o Não se pense, contudo que a marginalidade simbolista implica numa
caráter ilógico ou o clima de delírio de grande parte de sues poemas, mudança das relações de dependência entre os letrados brasileiros e
como no fragmento de Cruz e Sousa: os valores europeus. A exemplo dos parnasianos - e às vezes é
difícil identificar diferenças poéticas entre ambos - os simbolistas
Cristais diluídos de clarões álacres, transplantam uma cultura que pouco tem a ver com a realidade local.
Desejos, vibrações, ânsias, alentos, Daí resulta uma poesia freqüentemente distanciada tanto do espaço
Fulvas vitórias, triunfamentos acres, social quanto do jeito íntimo de ser brasileiro. Um pastiche dos
Os mais estranhos estremecimentos. "padrões sublimes da civilização".

2) O EFEITO DE SUGESTÃO Outra vez estamos diante do velho sonho colonizado: reproduzir aqui
Para os simbolistas, a verdadeira poesia consiste em não-dizer, não- os modelos recentes da arte européia. A grande exceção neste
declarar, não designar as coisas pelos seus nomes triviais. A contexto parece ser a obra de Cruz e Sousa, embora outros poetas
verdadeira poesia está em insinuar, dizer figuradamente, sugerir. do período tenham deixado criações isoladas de relativo interesse e
Cruz e Souza foi especialista na utilização de imagens ousadas com qualidade.
efeito de sugestão. Angústia sexual e erotismo misturam-se na As primeiras experiências de acordo com os novos preceitos são
exaltação de uma mulher que parece devorar os homens: realizadas por Medeiros e Albuquerque, a partir de 1890. Porém, os
textos que verdadeiramente inauguram o Simbolismo pertencem a
3) MUSICALIDADE Cruz e Souza que, em 1893, lança duas obras renovadoras:
Na tentativa de sugerir infinitas sensações aos leitores, os Broquéis e Missal.
simbolistas aproximam a poesia da música. Entendamos: não se
trata de poesia com fundo musical, mas poesia com musicalidade em A primeira compõe-se de poemas em versos e a segunda de
si mesma, através do manejo especial de ritmos da linguagem, poemas em prosa.
esquisitas combinações de rimas, repetição intencional de certos
fonemas, sujeição do sentido de um vocábulo a sua sonoridade, etc. AUTORES SIMBOLISTAS
Realiza-se assim a exigência de Verlaine:
"A música antes de qualquer coisa." CRUZ E SOUSA (1861 - 1898)
A música é obrigatória, como nesta espécie de receita poética de
Cruz e Sousa: VIDA: João da Cruz e Souza nasceu em
Desterro (hoje Florianópolis), filho de escravos
Derrama luz e cânticos e poemas libertos pelo marechal Guilherme de Souza,
No verso e torna-o musical e doce que adotou o menino negro e ofereceu-lhe a
Como se o coração, nessas supremas chance de estudar com os melhores
Estrofes, puro e diluído fosse. professores de Santa Catarina. Foi seu mestre, inclusive, o sábio
alemão Fritz Müller, correspondente de Darwin. Apesar da morte de
Mesmo a morte, na obra do simbolista brasileiro, possui uma terrível seu protetor, conseguiu terminar o nível intermediário e, com pouco
musicalidade: mais de dezesseis anos, tornou-se professor particular e militante da
A música da Morte, a nebulosa, imprensa local. Aos vinte anos, seguiu com uma companhia teatral
Estranha, imensa música sombria, por todo o Brasil, na condição de "ponto". Durante estas viagens
Passa a tremer pela minh'alma e fria entregou-se a conferências abolicionistas. Em 1883, foi nomeado
Gela, fica a tremer, maravilhosa... promotor público em Laguna, no sul da província, mas uma rebelião
racista na pequena cidade, impediu-o de assumir o cargo, embora
4) IRRACIONALISMO E MISTÉRIO esta história seja contestada por algumas fontes. Voltou a viajar e a
No princípio, os simbolistas têm como projeto "revestir as idéias de cada regresso sentia a ampliação do preconceito de cor. Mudou-se
uma forma sensível", isto é, traduzi-las para uma linguagem então, definitivamente para o Rio de Janeiro. Lá se casaria com uma
simbólica e musical. Pouco a pouco, este intelectualismo se converte moça negra (Gavita) e conseguiria modesto emprego de arquivista
numa aventura anti-intelectual, numa negativa à possibilidade de na Central do Brasil, já no ano de 1893. Às inúmeras dificuldades
comunicação lógica entre os homens. financeiras somavam-se o desprezo dos intelectuais da época, que
Cruz e Sousa chega a implorar pelo mistério: viam nele apenas um "negro pernóstico", o período de loucura
mansa vivido pela esposa, durante seis meses, e a tuberculose que
Infinitos, espíritos dispersos, atacou toda a sua família: ele, a mulher e os quatro filhos. Numa
Inefável, edênicos*, aéreos, carta ao amigo e protetor, Nestor Vítor, deixou registrado seu
Fecundai o Mistério destes versos infortúnio:
Com a chama ideal de todos os mistérios.
"Há quinze dias tenho uma febre doida... Mas o pior, meu velho, é
*Inefável - indescritível, o que não pode ser expresso. que estou numa indigência horrível, sem vintém para remédios, para
*Edênicos: que procedem do Éden, do paraíso. leite, para nada! Minha mulher diz que sou um fantasma que anda
pela casa!"

O SIMBOLISMO NO BRASIL Este mesmo amigo providenciou uma viagem do poeta à região
serrana de Minas Gerais, em busca de paliativo para a doença. Mal

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 15
chegando lá, Cruz e Sousa cristal, do marfim, da espuma, da pérola, das luzes e dos brilhos. O
piorou e faleceu na mais absoluta solidão. Três anos após - já tendo crítico contou em Broquéis cento e sessenta e nove referências a
enterrado dois filhos - Gavina também desapareceria por causa da este universo de brancuras. O primeiro poema do livro, Antífona*, já
tuberculose. O terceiro filho morreria em seguida. O último, vitimado é indicativo do que virá depois:
pela mesma moléstia, desapareceria em 1915. A família estava
extinta numa terrível tragédia humana. Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
OBRAS PRINCIPAIS: Broquéis (1893) - Missal (1893) - Evocações De luares, de neves, de neblinas!
(1899) - Faróis (1900) Últimos sonetos (1905) Ó formas alvas, fluidas, cristalinas,
Incensos dos turíbulos* das aras*
A obra de Cruz e Sousa é a mais brasileira de um movimento que foi,
entre nós, essencialmente europeu. Nela opera-se uma tentativa de Também as mulheres que estimulam sexualmente o poeta, em sua
síntese entre formas de expressão prestigiadas na Europa e o drama maioria, são brancas:
espiritual de um homem atormentado social e filosoficamente. O
resultado passa, às vezes, por poemas obscuros e verborrágicos Braços nervosos, brancas opulências
mas, na maioria dos casos, a densidade lírica e dramática do "Cisne Brumais brancuras, fúlgidas brancuras
Negro" atinge um nível só comparável ao dos grandes simbolistas Alvuras castas, virginais alvuras,
franceses. O primeiro aspecto que percebemos em sua poética é a Lactescências das raras lactescências.
linguagem renovadora.
Se existe uma vingança de Cruz e Souza contra o preconceito de
A linguagem metafórica e musical cor, ela não se dá exatamente através de uma aproximação com seu
Ainda que sua formação tenha sido dentro do Parnasianismo - e mundo étnico. Ele buscou na aristocratização intelectual, no
desta escola ele guarde o cultivo da perfeição e o gosto pela métrica hermetismo*, na imitação do dernier cri parisiense e no desprezo
e pelo soneto - Cruz e Sousa foge da objetividade lingüística e dos pela vulgaridade, sua diferença em relação aos escritores brancos
lugares-comuns verbais de seus antecessores. No seus poemas, vinculados ao Parnasianismo. Como diz Roger Bastide, "criando uma
abundam substantivos comuns com iniciais maiúsculas e palavras arte de reticências e sutilezas", ele quis mostrar que o negro não era
raras. A linguagem denotativa quase desaparece na quantidade de um materialista, preso à terra e ao prazer dos sentidos.
símbolos, aliterações*, sinestesias*, esquisitas harmonias sonoras.
Daí também o platonismo* contínuo de sua poesia, na qual o
Ao contrário do texto parnasiano, o simbolista exige do leitor um universo concreto não passa de um reflexo sombrio de Essências e
esforço de decifração, de "tradução" da realidade sugerida para a Idéias supraterrestres. Assim a poesia fica imaculada, limpa das
realidade concreta. A todo momento, o poeta apela para a linguagem impurezas da vida. E a obsessão pelo branco ganha uma dimensão
metafórica: filosófica, que poderia ser representada da seguinte maneira:

"O demônio sangrento da luxúria..." MUNDO PLATÔNICO > MUNDO DAS IDÉIAS E FORMAS PURAS > MUNDO
"Punhais de frígidos sarcasmos..." ALVO E NEVOENTO
"Ó negra Monja triste, ó grande soberana." (A lua)
"As luas virgens dos teus seios brancos..." Este é o mundo ao que o poeta aspira: uma libertação, uma
"O chicote elétrico do vento..." comunhão. Para tentar atingi-lo, destruirá a concepção parnasiana
onde se formara: as coisas materiais se enevoarão, se diluirão. Os
A musicalidade se dá através de aliterações. Sejam em v: corpos femininos, no entanto, procurarão puxá-lo para a luxúria da
Vozes veladas, veludosas vozes, vida terrena, atrapalhando a sua trajetória rumo às Essências.
volúpias dos violões, vozes veladas
vagam nos velhos vórtices* velozes *Hermetismo: fechamento, sentido obscuro. *Platonismo: vem da
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas*... filosofia de Platão, que afirma ser o nosso mundo uma cópia inferior
de um mundo ideal.
*Sinestesias: correspondência entre as diversas sensações, sons,
olhares e cheiros. *Aliterações: repetição de fonemas no início, meio Erotismo e sublimação
ou fim das palavras. *Vórtices: redemoinho, turbilhão. *Vulcanizadas: As mulheres surgem na obra de Cruz e Sousa como um símbolo de
ardentes, exaltadas. sensualidade. Mas ao contrário das figuras femininas de Olavo Bilac
- descritas minuciosamente em sua graça corpórea, como esculturas
Sejam em m: belas e frias - as mulheres do catarinense aparecem, com
Mudas epilepsias, mudas, mudas,mudas epilepsias freqüência, sob a forma de "cruéis e demoníacas serpentes"
arrastando o poeta para convulsões, espasmos, anseios e desejos
Os exemplos são infinitos. Em s: "Surdos, soturnos, subterrâneos obscuros. Estamos longe daqueles retratos parnasianos,
desesperos..." Em f: "Finos frascos facetados" E assim por diante, emoldurados por um erotismo convencional. Cruz e Sousa prefere
sempre a "música antes de qualquer coisa." Vale a pena lembrar mergulhar nas sensações despertadas pelas "carnes tépidas":
também que o escritor não ignorava a sinestesia, utilizando-a com
freqüência: "vozes luminosas" - "aromas mornos e amargos" - Carnais, sejam carnais tantos anseios,
"claridade viscosa" - "vermelhos clarinantes", etc. Da mesma forma, Palpitações e frêmitos* e enleios*,
quando necessitado de novas palavras com sonoridade originais, ele Das harpas da emoção tantos arpejos*...
não tinha vergonha de inventá-las: "purpurejamento - suinice -
tentaculizar - maternizado, etc. Estes "sentimentos carnais" exasperam o poeta em "febres intensas,
ânsias mortais, angústias palpitantes" impelindo-o a necessidade de
Temas básicos sublimar as "flamejantes atrações do gozo". É necessário transportar
No entanto, a poética de Cruz e Sousa vai além destes estes espasmos e desejos para o reino sideral e assim
procedimentos estilísticos inovadores. A junção da linguagem desmaterializá-los:
estranha com três ou quatro temas recorrentes e profundos é que lhe
garantiu o lugar privilegiado em nossa literatura. A rigor, os seus Para as Estrelas de cristais gelados
assuntos são limitados: as ânsias e os desejos vão subindo,
galgando azuis e siderais noivados
* A obsessão pela cor branca de nuvens brancas a amplidão vestindo.
* O erotismo e sua sublimação
* O sofrimento da condição negra *Sublimação: Processo inconsciente de desviar a energia da libido
* A espiritualização para outras esferas ou atividades.*Frêmitos: vibrações, arrepios.
*Enleios: laços, atrações. *Arpejos: execução rápida e sucessiva de
A obsessão pela cor branca notas musicais.
Roger Bastide desvela nos primeiros livros de Cruz e Sousa uma
imensa nostalgia de se tornar ariano. O poeta parece ocultar as suas O sofrimento da condição negra
origens numa louvação contínua da cor branca. O branco em seus Em Faróis e Evocações (poemas confessionais em prosa), Cruz e
diversos tons, o branco da neve, do luar, da neblina, da bruma, do Sousa produzirá textos dolorosos e noturnos. A escuridão da noite -
sempre associada à idéia de morte - substituirá o culto do branco e

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 16
do erotismo. Estes dois livros maneira diferente, fugindo do patético e alcançando um tom
correspondem à época da loucura de sua mulher, das maiores elegíaco*, onde predominam a melancolia e a musicalidade.
dificuldades financeiras, do preconceito de cor e do descaso dos Nem o casamento, nem o passar do tempo ajudarão o poeta a
intelectuais por sua obra. Como que lhe traduzindo a agonia interior, atenuar esta tristeza. Em vários momentos, a dor parece mais uma
o estilo torna-se mais obscuro e tortuoso do que normalmente. O seu convenção poética do que propriamente um sentimento real. No
sentimento dominante é o de opressão. O sofrimento da condição entanto, um soneto como Hão de chorar por ela os cinamomos
negra não se transforma em protesto racial, e sim em isolamento, guarda forte carga de emoção:
solidão, aristocratização amarga. O Simbolismo é para ele uma
forma de revolta contra a sociedade e contra suas próprias origens Hão de chorar por ela os cinamomos
africanas, pelas quais sente, ao mesmo tempo, orgulho e pesar. O
"emparedado" vinga-se das "paredes" que o asfixiam com a sua Murchando as flores ao tombar do dia
criatividade poética. É uma revolta estética, raramente quebrada pela Dos laranjais hão de cair os pomos
denúncia social, a não ser em textos como Litania dos Pobres: Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão: - "Ai, nada somos,


Os miseráveis, os rotos Pois ela se morreu silente* e fria..."
São as flores dos esgotos E pondo os olhos nela como pomos,
São espectros implacáveis Hão de chorar a irmã que lhes sorria.
Os rotos, os miseráveis
São prantos negros de furnas A lua que lhe foi mãe carinhosa
Caladas, mudas, soturnas (...) Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Faróis à noite apagados Entre lírios e pétalas de rosa.
Por ventos desesperados(...)
Bandeiras rotas, sem nome, Os meus sonhos de amor serão defuntos...
Das barricadas da fome. E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Bandeiras estraçalhadas Pensando em mim: - "Por que não vieram juntos?"
Das sangrentas barricadas.
* Silente: silencioso, secreto.
A espiritualização
A tuberculose veio culminar o processo trágico de Cruz e Sousa e A lembrança do sofrimento nunca o abandona, como se percebe em
sua família. Os tormentos atingem agora a plenitude, e a morte paira Ismália, espécie de balada, onde a loucura, a solidão e a morte se
sobre tudo com sua túnica negra. Em Últimos sonetos, a linguagem interpenetram:
parece se despir dos excessos anteriores e chega à perfeição. O
poeta está diante do grande abismo e procura decifrar seu formidável Quando Ismália enlouqueceu,
mistério. Já não se trata apenas da angústia de um homem proscrito Pôs-se na torre a sonhar...
por causa de sua raça. O sofrimento, de fato, é inerente à condição Viu uma lua no céu,
humana. E, diante do fim, o artista experimentará sensações Viu outra lua no mar.
diversas, desde o desejo de dissolução na "Noite redentora" até a
expectativa de ressurreição em outra vida . No sonho em que se perdeu
Seu processo de espiritualização é difusamente católico: dá a Banhou-se toda em luar...
impressão de que acredita na sobrevivência dos mortos, que estes Queria subir ao céu,
serão restituídos a sua "verdadeira pátria", isto é, a pátria das almas Queria descer ao mar...
e das essências platônicas.
E, no desvario seu
ALPHONSUS DE GUIMARAENS Na torre pôs-se a cantar...
(1870-1921) Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
VIDA: Nasceu em Ouro Preto, filho de um
comerciante português e de uma sobrinha do E como um anjo pendeu
escritor romântico, Bernardo Guimarães. Fez As asas para voar...
seus estudos preliminares na cidade natal e Queria a lua do céu,
depois cursou Direito em São Paulo. Nutre Queria a lua do mar...
intensa paixão platônica pela filha do autor de A
escrava Isaura, Constança, que morreria de As asas que Deus lhe deu
tuberculose antes dos dezoito anos e, para quem escreveria muitos Ruflaram de par em par...
de seus versos. Retornou para Minas Gerais, exercendo a função de Sua alma subiu ao céu,
juiz em Conceição do Serro e, mais tarde, em Mariana. Casou-se Seu corpo desceu ao mar
com uma jovem de dezessete anos, Zenaide, com quem teve
quatorze filhos e com quem encaramujou-se na vida privada, A religiosidade litúrgica
ao ponto de morrer praticamente na obscuridade, às vésperas da O desaparecimento precoce da noiva associado ao clima místico das
Semana de Arte Moderna. cidades barrocas induzem Alphonsus de Guimaraens à religiosidade.
OBRAS PRINCIPAIS: Setenário das dores de Nossa Senhora Ao inverso de Cruz e Sousa cuja espiritualização é angustiada e
(1899), Dona mística (1889), Câmara ardente (1899), Kyriale (1902) filosófica, a do poeta mineiro não tem "arroubos ou iluminações
fulgurantes", como diz Andrade Muricy.
Mineiro, passado quase toda a sua vida nas cidades barrocas e Trata-se de uma religiosidade emotiva, feita de preces e crenças
decadentes da região aurífera, Alphonsus de Guimarães sofreu as simples. Nada de abstrações metafísicas. Nada de indagações
influências ambientais dessas cidades, povoadas apenas, no dizer exasperadas. Seu catolicismo está mais próximo das fontes
de Roger Bastide, "de sons e sinos, de velhas deslizando pelos tradicionais da liturgia. Houve quem lhe apontasse um misticismo
becos silenciosos, de vultos que se escondem à sombra das exterior e superficial, mas é forçoso reconhecer beleza na série de
muralhas. Cidades de brumas, conhecendo as mesmas existências orações que dirige à Virgem Maria:
cinzentas e os mesmos fantasmas noturnos: donzelas solitárias,
vestidas de luar." Sua poesia gira em torno de poucos assuntos: Doce consolação dos infelizes
Primeiro e último amparo de quem chora,
1) a morte da amada; Oh! Dá-me alívio, dá-me cicatrizes
2) a religiosidade litúrgica Para estas chagas que te mostro agora.

A morte da amada Aliás, a deificação de Nossa Senhora parece corresponder à


É um tema dominante em sua poesia: a morte da noiva amada, a sublimação do amor pela noiva morta. O arrebatamento religioso
doce Constança, desaparecida na flor da mocidade. pela Mãe de Deus indicaria a troca de uma paixão concreta por uma
De certa forma, não conseguirá mais esquecê-la e, assim, os seus devoção católica. O teórico da Literatura, Massaud Moisés, fala em
poemas de amor sempre se vincularão à idéias fúnebres. Amor e "platonismo místico" porque, ao encarnar esta paixão na figura da
morte é uma velha fórmula romântica, mas Alphonsus a tratará de Virgem, "o poeta transcendentaliza e essencializa a mulher amada,

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LITERATURA – WAGNER LEMOS 17
conferindo-lhe o atributo de
plenitude espiritual válido no contexto católico e de acordo com a sua
sensibilidade cristã."

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