Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Esta geração surgiu na década de 1850, quando o nacionalismo e o Em Soneto, um de seus textos melhor elaborados, Álvares de
indianismo deixavam de fascinar a juventude e iniciava-se o longo Azevedo descreve o sono da amada e cria sutil atmosfera que passa
processo de estabilidade do II Império. Por outro lado, o da idealização à sensualidade:
desenvolvimento urbano, o nascimento de uma vida acadêmica em
São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife e, até mesmo, uma Pálida à luz da lâmpada sombria,
relativa sofisticação dos estratos médios e superiores da estrutura Sobre o leito de flores reclinada,
social brasileira possibilitaram a criação de uma lírica voltada quase Como a lua por noite embalsamada,
que exclusivamente para a confissão e o extravasamento íntimo. Entre nuvens de amor ela dormia!
A nova geração foi influenciada pelos poetas inglês Lord Byron e
francês Alfred Musset, autores ultra-românticos que haviam se Era a virgem do mar! na escuma fria
tornado os modelos universais de rebeldia moral, de recusa à Pela maré das águas embalada...
insipidez da vida cotidiana e de busca de novas formas de -- Era um anjo entre nuvens d' alvorada
sensualidade e de afeto. De sua imitação, resultou, quase sempre, o Que em sonhos se banhava e se esquecia!
pastiche. Até sociedades satânicas, a exemplo das existentes na
Europa, foram fundadas. Os adolescentes que as compunham Era mais bela! o seio palpitando...
viviam pretensas orgias e dissipações Negros olhos, as pálpebras abrindo...
fantasiosas, que resultavam da leitura e das Formas nuas no leito resvalando...
imaginações pervertidas. Na verdade, a
pobreza do meio e a rigidez patriarcal
Aliás, em vários momentos, quando o amor parece a ponto de se 2. CASIMIRO DE ABREU (1839-1860)
concretizar, o escritor prefere dormir, desmaiar ou morrer: "Na tua
cheirosa trança / Quero sonhar e dormir!"; "Ah! volta inda uma vez! VIDA: Filho de um rico comerciante português
foi só contigo / Que à noite, de ventura eu desmaiava"; "E no teu seio e de mãe brasileira, Casimiro de Abreu
ser feliz morrendo!"; "E morra no teu seio o meu viver!" No poema nasceu em Barra de São João, no estado do
Tereza, chega a confessar explicitamente o seu medo: Rio de Janeiro, tendo passado a infância
numa fazenda, de onde sairia apenas para
Não acordes tão cedo! enquanto dormes realizar seus estudos primários em Nova
Eu posso dar-te beijos em segredo... Friburgo. Enviado à capital do Império pelo
Mas, quando nos teus olhos raia a vida, pai, a fim de praticar o comércio, mostrou-se pouco apto à profissão.
Não ouso te fitar...eu tenho medo! O pai não desistiu e com o mesmo objetivo o enviou para Lisboa.
Casimiro tinha então quatorze anos. Após quatro anos em Portugal,
De acordo com Mário de Andrade, algumas das dificuldades de retornou ao Brasil, entregando-se a uma vida boêmia, sem contudo
Álvares de Azevedo com o amor nascem da velha dicotomia entre o largar do comércio. A publicação de Primaveras o consagrou
sexo e o sentimento. A impossibilidade de unir alma e carne - nacionalmente, um ano antes de sua morte. Já idolatrado pelo
segundo a tradição cultural então vigente - exaspera-o. Não existe público da época, descobriu que estava tuberculoso, vindo a falecer
mulher que possa corresponder às duas exigências. Há aquelas para quase que imediatamente, antes de completar o seu vigésimo-
o amor e há outras para os instintos. As primeiras, donzelas virginais, segundo aniversário.
são - no dizer do crítico - "inatingíveis". As segundas, anjos caídos OBRA: Primaveras (1850).
que cedem a pureza de seus corpos, são "desprezíveis". E assim o
poeta permanece dilacerado: à sua timidez soma-se a ausência de Subjetivista como Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu substitui
uma mulher capaz de satisfazê-lo física e espiritualmente. as conotações dolorosas que aquele confere à adolescência por uma
visão graciosa e deslumbrada dos tempos juvenis. Se, para o autor
A MORTE de Lira dos vinte anos, a mocidade é um processo noturno de vigílias
Quando trata da morte - o aspecto mais conhecido de sua obra - e tensões, se, para ele, "tristes são os destinos deste século", para
pode-se perceber com clareza as qualidades expressivas do artista. Casimiro de Abreu a mesma mocidade é "a primavera da vida",
Ela é um tema constante. O poeta a antevê, a profetiza para si processo diurno, sempre associado a namoricos, jardins com
próprio, não pode esquecê-la. De certa maneira, fez uma opção por bananeiras, borboletas e salões de baile onde se flerta ao som de
ela - diferentemente de outros companheiros de geração que se valsas langorosas. De certa forma, sua lírica corresponde ao
desesperam ao perceber o fim - quis morrer aos vinte anos, entregar- romance de Joaquim Manuel de Macedo, seja na temática, seja na
se à "leviana prostituta", como se vê neste fragmento de Hinos do simplicidade da linguagem. É uma poesia espontânea. E não raro
Profeta: esta espontaneidade - reforçada pelo estilo singelo e pela atmosfera
musical - cria o encantamento no leitor, independentemente da
A morte, leviana prostituta, visível superficialidade dos versos. A rigor, o livro Primaveras
Não distingue os amantes!.... articula-se em torno de três temas básicos:
Eu, pobre sonhador! eu, terra inculta
Onde não fecundou-se uma semente, * o lirismo amoroso ; a saudade da pátria e da infância; * A
Convosco dormirei... tristeza da vida
"Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Vivendo três anos em Portugal, onde elaborou boa parte de
Que o espírito enlaça à dor vivente, Primaveras, Casimiro de Abreu desenvolveu o sentimento de exílio,
Não derramem por mim nem uma lágrima que tanto perseguia os românticos. Inspirado em Gonçalves Dias,
Em pálpebra demente. escreveu uma série de poemas impregnados de nostalgia da terra
natal, denominados Canções do exílio. Neles, contudo, não chega a
E nem desfolhem na matéria impura alcançar o nível de seu modelo.
A flor do vale que adormece ao vento: No entanto, não é apenas a saudade do Brasil e a correspondente
Não quero que uma nota de alegria sensação de estar exilado que anima a sua lírica. O que o consagrou
Se cale por meu triste passamento. (...) foi a nostalgia (tipicamente romântica) daquelas realidades pessoais
que ficam para trás: a mãe, a irmã, o lar, a infância. Tornou-se, por
Descansem o meu leito solitário excelência, o poeta da "aurora da vida", do tempo perdido, das
Na floresta dos homens esquecida, emoções da meninice. Mesmo sabendo que a infância não significa o
À sombra de uma cruz, e escrevam nela paraíso, sucumbiu à doçura dessas lembranças. À parte isso, o
- Foi poeta, sonhou e amou na vida." poeta atrai o leitor com o ritmo fácil, a singeleza do pensamento, a
ausência de abstrações, o caráter recitativo e o tratamento
O TÉDIO sentimental que empresta ao tema, garantindo a eternidade de pelo
Na segunda parte de Lira dos vinte anos, as fantasias eróticas, a menos um poema, Meus oito anos:
avidez pelo amor, os artifícios byronianos e mesmo a obsessão pela
morte, cedem lugar a uma espécie de cansaço existencial, o tédio. Oh! que saudades que tenho
O tédio, ou "mal du siècle", para os românticos europeus, era uma Da aurora da minha vida,
espécie de cinismo e enfado de quem tudo viveu, tudo experimentou: Da minha infância querida
sexo, bebidas, ópio, transgressões. Mais tarde, Baudelaire diria que Que os anos não trazem mais!
lera todos os livros, amara todas as mulheres mas que sua carne Que amor, que sonhos, que flores,
permanecia triste. Esta é a definição mais perfeita do mal do século. Naquelas tardes fagueiras
Já no caso de Álvares de Azevedo, o tédio resultava da falta de À sombra das bananeiras,
vivências a que a cidade de São Paulo o condenava. Era uma Debaixo dos laranjais!
cidadezinha provinciana, medíocre, de insípida vida noturna, sem
horizontes para um rapaz sonhador. A TRISTEZA DA VIDA
No final de uma vida breve, pressentindo a morte, o poeta aprofunda
o sentimento de tristeza - já presente em seus textos saudosistas,
Quando as almas dos sinos, de uma em uma, OBRAS PRINCIPAIS: Sinfonias (1883); Aleluias (1891).
No soluçoso adeus da ave-maria
Expiram longamente pela bruma. A exemplo dos demais componentes da tríade parnasiana,
Raimundo Correia foi um consumado artesão do verso, dominando
O NACIONALISMO UFANISTA com perfeição as técnicas de montagem e construção do poema.
2) O EFEITO DE SUGESTÃO Outra vez estamos diante do velho sonho colonizado: reproduzir aqui
Para os simbolistas, a verdadeira poesia consiste em não-dizer, não- os modelos recentes da arte européia. A grande exceção neste
declarar, não designar as coisas pelos seus nomes triviais. A contexto parece ser a obra de Cruz e Sousa, embora outros poetas
verdadeira poesia está em insinuar, dizer figuradamente, sugerir. do período tenham deixado criações isoladas de relativo interesse e
Cruz e Souza foi especialista na utilização de imagens ousadas com qualidade.
efeito de sugestão. Angústia sexual e erotismo misturam-se na As primeiras experiências de acordo com os novos preceitos são
exaltação de uma mulher que parece devorar os homens: realizadas por Medeiros e Albuquerque, a partir de 1890. Porém, os
textos que verdadeiramente inauguram o Simbolismo pertencem a
3) MUSICALIDADE Cruz e Souza que, em 1893, lança duas obras renovadoras:
Na tentativa de sugerir infinitas sensações aos leitores, os Broquéis e Missal.
simbolistas aproximam a poesia da música. Entendamos: não se
trata de poesia com fundo musical, mas poesia com musicalidade em A primeira compõe-se de poemas em versos e a segunda de
si mesma, através do manejo especial de ritmos da linguagem, poemas em prosa.
esquisitas combinações de rimas, repetição intencional de certos
fonemas, sujeição do sentido de um vocábulo a sua sonoridade, etc. AUTORES SIMBOLISTAS
Realiza-se assim a exigência de Verlaine:
"A música antes de qualquer coisa." CRUZ E SOUSA (1861 - 1898)
A música é obrigatória, como nesta espécie de receita poética de
Cruz e Sousa: VIDA: João da Cruz e Souza nasceu em
Desterro (hoje Florianópolis), filho de escravos
Derrama luz e cânticos e poemas libertos pelo marechal Guilherme de Souza,
No verso e torna-o musical e doce que adotou o menino negro e ofereceu-lhe a
Como se o coração, nessas supremas chance de estudar com os melhores
Estrofes, puro e diluído fosse. professores de Santa Catarina. Foi seu mestre, inclusive, o sábio
alemão Fritz Müller, correspondente de Darwin. Apesar da morte de
Mesmo a morte, na obra do simbolista brasileiro, possui uma terrível seu protetor, conseguiu terminar o nível intermediário e, com pouco
musicalidade: mais de dezesseis anos, tornou-se professor particular e militante da
A música da Morte, a nebulosa, imprensa local. Aos vinte anos, seguiu com uma companhia teatral
Estranha, imensa música sombria, por todo o Brasil, na condição de "ponto". Durante estas viagens
Passa a tremer pela minh'alma e fria entregou-se a conferências abolicionistas. Em 1883, foi nomeado
Gela, fica a tremer, maravilhosa... promotor público em Laguna, no sul da província, mas uma rebelião
racista na pequena cidade, impediu-o de assumir o cargo, embora
4) IRRACIONALISMO E MISTÉRIO esta história seja contestada por algumas fontes. Voltou a viajar e a
No princípio, os simbolistas têm como projeto "revestir as idéias de cada regresso sentia a ampliação do preconceito de cor. Mudou-se
uma forma sensível", isto é, traduzi-las para uma linguagem então, definitivamente para o Rio de Janeiro. Lá se casaria com uma
simbólica e musical. Pouco a pouco, este intelectualismo se converte moça negra (Gavita) e conseguiria modesto emprego de arquivista
numa aventura anti-intelectual, numa negativa à possibilidade de na Central do Brasil, já no ano de 1893. Às inúmeras dificuldades
comunicação lógica entre os homens. financeiras somavam-se o desprezo dos intelectuais da época, que
Cruz e Sousa chega a implorar pelo mistério: viam nele apenas um "negro pernóstico", o período de loucura
mansa vivido pela esposa, durante seis meses, e a tuberculose que
Infinitos, espíritos dispersos, atacou toda a sua família: ele, a mulher e os quatro filhos. Numa
Inefável, edênicos*, aéreos, carta ao amigo e protetor, Nestor Vítor, deixou registrado seu
Fecundai o Mistério destes versos infortúnio:
Com a chama ideal de todos os mistérios.
"Há quinze dias tenho uma febre doida... Mas o pior, meu velho, é
*Inefável - indescritível, o que não pode ser expresso. que estou numa indigência horrível, sem vintém para remédios, para
*Edênicos: que procedem do Éden, do paraíso. leite, para nada! Minha mulher diz que sou um fantasma que anda
pela casa!"
O SIMBOLISMO NO BRASIL Este mesmo amigo providenciou uma viagem do poeta à região
serrana de Minas Gerais, em busca de paliativo para a doença. Mal
"O demônio sangrento da luxúria..." MUNDO PLATÔNICO > MUNDO DAS IDÉIAS E FORMAS PURAS > MUNDO
"Punhais de frígidos sarcasmos..." ALVO E NEVOENTO
"Ó negra Monja triste, ó grande soberana." (A lua)
"As luas virgens dos teus seios brancos..." Este é o mundo ao que o poeta aspira: uma libertação, uma
"O chicote elétrico do vento..." comunhão. Para tentar atingi-lo, destruirá a concepção parnasiana
onde se formara: as coisas materiais se enevoarão, se diluirão. Os
A musicalidade se dá através de aliterações. Sejam em v: corpos femininos, no entanto, procurarão puxá-lo para a luxúria da
Vozes veladas, veludosas vozes, vida terrena, atrapalhando a sua trajetória rumo às Essências.
volúpias dos violões, vozes veladas
vagam nos velhos vórtices* velozes *Hermetismo: fechamento, sentido obscuro. *Platonismo: vem da
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas*... filosofia de Platão, que afirma ser o nosso mundo uma cópia inferior
de um mundo ideal.
*Sinestesias: correspondência entre as diversas sensações, sons,
olhares e cheiros. *Aliterações: repetição de fonemas no início, meio Erotismo e sublimação
ou fim das palavras. *Vórtices: redemoinho, turbilhão. *Vulcanizadas: As mulheres surgem na obra de Cruz e Sousa como um símbolo de
ardentes, exaltadas. sensualidade. Mas ao contrário das figuras femininas de Olavo Bilac
- descritas minuciosamente em sua graça corpórea, como esculturas
Sejam em m: belas e frias - as mulheres do catarinense aparecem, com
Mudas epilepsias, mudas, mudas,mudas epilepsias freqüência, sob a forma de "cruéis e demoníacas serpentes"
arrastando o poeta para convulsões, espasmos, anseios e desejos
Os exemplos são infinitos. Em s: "Surdos, soturnos, subterrâneos obscuros. Estamos longe daqueles retratos parnasianos,
desesperos..." Em f: "Finos frascos facetados" E assim por diante, emoldurados por um erotismo convencional. Cruz e Sousa prefere
sempre a "música antes de qualquer coisa." Vale a pena lembrar mergulhar nas sensações despertadas pelas "carnes tépidas":
também que o escritor não ignorava a sinestesia, utilizando-a com
freqüência: "vozes luminosas" - "aromas mornos e amargos" - Carnais, sejam carnais tantos anseios,
"claridade viscosa" - "vermelhos clarinantes", etc. Da mesma forma, Palpitações e frêmitos* e enleios*,
quando necessitado de novas palavras com sonoridade originais, ele Das harpas da emoção tantos arpejos*...
não tinha vergonha de inventá-las: "purpurejamento - suinice -
tentaculizar - maternizado, etc. Estes "sentimentos carnais" exasperam o poeta em "febres intensas,
ânsias mortais, angústias palpitantes" impelindo-o a necessidade de
Temas básicos sublimar as "flamejantes atrações do gozo". É necessário transportar
No entanto, a poética de Cruz e Sousa vai além destes estes espasmos e desejos para o reino sideral e assim
procedimentos estilísticos inovadores. A junção da linguagem desmaterializá-los:
estranha com três ou quatro temas recorrentes e profundos é que lhe
garantiu o lugar privilegiado em nossa literatura. A rigor, os seus Para as Estrelas de cristais gelados
assuntos são limitados: as ânsias e os desejos vão subindo,
galgando azuis e siderais noivados
* A obsessão pela cor branca de nuvens brancas a amplidão vestindo.
* O erotismo e sua sublimação
* O sofrimento da condição negra *Sublimação: Processo inconsciente de desviar a energia da libido
* A espiritualização para outras esferas ou atividades.*Frêmitos: vibrações, arrepios.
*Enleios: laços, atrações. *Arpejos: execução rápida e sucessiva de
A obsessão pela cor branca notas musicais.
Roger Bastide desvela nos primeiros livros de Cruz e Sousa uma
imensa nostalgia de se tornar ariano. O poeta parece ocultar as suas O sofrimento da condição negra
origens numa louvação contínua da cor branca. O branco em seus Em Faróis e Evocações (poemas confessionais em prosa), Cruz e
diversos tons, o branco da neve, do luar, da neblina, da bruma, do Sousa produzirá textos dolorosos e noturnos. A escuridão da noite -
sempre associada à idéia de morte - substituirá o culto do branco e