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O CORTIÇO que prescreve um rigor científico na representação da

realidade. A intenção do método naturalista era fazer uma


Aluísio de Azevedo
crítica contundente e coerente de uma realidade
corrompida. Zola e, neste caso, Aluísio combatem, como
AUTOR: Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo nasceu princípio teórico, a degradação causada pela mistura de
em São Luís Maranhão, a 14 de abril de 1857, cidade raças. Por isso, os romances naturalistas são constituídos
onde seu pai exercia as funções de vice-cônsul do de espaços nos quais convivem desvalidos de várias
governo português. Os pais de Aluísio sofreram com a etnias. Esses espaços se tornam personagens do
sociedade conservadora e provinciana da cidade, pois os romance. É o caso do cortiço, que se projeta na obra mais
dois moravam juntos sem serem casados. David era do que os próprios personagens que ali vivem. Um
viúvo jovem e Emília Amália fugira da prepotência e dos
exemplo pode ser visto no seguinte trecho:
“E durante dois anos o cortiço prosperou de dia para
maus tratos que lhe dispensava seu marido legal. Desde
dia, ganhando forças, socando-se de gente. E ao lado
cedo, Aluísio já demonstrava interesse pela pintura e
o Miranda assustava-se, inquieto com aquela
pelo desenho, porém o pai lhe negara a vontade de exuberância brutal de vida, aterrado defronte daquela
estudar pintura em Roma. Em 1876, embarca para o Rio floresta implacável que lhe crescia junto da casa, por
com recursos próprios para morar com o irmão, mais debaixo das janelas, e cujas raízes, piores e mais
velho, Arthur, e para estudar na Imperial Academia de grossas do que serpentes, minavam por toda a parte,
Belas Artes. Colabora, então, na imprensa local como ameaçando rebentar o chão em torno dela, rachando o
chargista. Em 1878, porém, com a morte do pai; Aluísio solo e abalando tudo.”
retorna ao Maranhão. Sua primeira obra Uma Lágrima de O narrador compara o cortiço a uma estrutura biológica
Mulher aparece em 1879. Um ano depois lança um jornal (floresta), um organismo vivo que cresce e se desenvolve,
anticlerical, O Pensador, que abala a sociedade de São
aumentando as forças daninhas e determinando o caráter
moral de quem habita seu interior.
Luís. Em 1881, surge a obra O Mulato, que provoca
escândalo na sociedade local. Retorna, então ao Rio de
O ESTILO DE ÉPOCA: A obra de Aluísio de Azevedo que
Janeiro. E lá se integrou ao grupo boêmio da época:
ficou na literatura brasileira é o seu romance
Coelho Neto, Olavo Bilac, Guimarães Passos e outros. naturalista. O realismo tende para uma visão
Sua ficção revela influências de Émile Zola e Eça de psicológica do homem; o naturalismo, para uma visão
Queirós. Seus romances-tese buscam retratar e patológica: um homem dominado pelo animalesco,
interpretar a realidade brasileira à luz das teorias marcado por taras e degenerações, produto fatal da
científico-filosóficas da época. O melhor de sua obra está hereditariedade, uma apenas máquina sujeita às leis
físico-químicas. A ciência pseudo-ciência do século XIX
na tríade naturalista: O Mulato, Casa de Pensão e O
ensinou ao naturalistas a crença na hereditariedade.
Cortiço. Aluísio Azevedo é escritor apaixonado e O personagem de tragédia que era escravo da fatalidade
talentoso. Artista combativo, pôs a nu os problemas se torna escravo da hereditariedade para os naturalistas.
sociais e morais da sociedade brasileira de seu tempo. Uma das confusões mais comuns entre eles era a da
Entre 1882 e 1895, concentra sua produção literária e ciência com a literatura. Se o realismo nos deu um
sua intensa atividade na imprensa carioca. Conhece romance-documental, o naturalismo - verdadeiro
muito bem a sociedade que retrata e sua literatura é laboratório – nos deu um romance-experimental. Os
personagens se movem dentro do romance como
reconhecida por importantes intelectuais, mas Aluísio
verdadeiros robôs, teleguiados por forças mecânicas,
sente necessidade de uma vida mais estável. Em dentro do seu meio, obedientes às forças atávicas, sem
dezembro de 1895, é nomeado vice-cônsul em Vigo na nenhuma liberdade de ser e de agir.
Espanha, depois de ter prestado concurso. Começa,
então, vida nova e mora em diversos países. Porém, sua FOCO NARRATIVO: A obra é narrada em terceira
vida literária se extinguira e ele nunca mais escreveu. pessoa, com narrador onisciente (que tem conhecimento
Aluísio morre em Bueno Aires em 21 de janeiro de 1913. de tudo), como propunha o movimento naturalista. O
narrador tem poder total na estrutura do romance: entra no
A OBRA: Tendo como cenário uma habitação coletiva, o
pensamento dos personagens, faz julgamentos e tenta
romance difunde as teses naturalistas, que explicam o comprovar, como se fosse um cientista, as influências do
comportamento dos personagens com base na influência meio, da raça e do momento histórico. O foco da narração,
do meio, da raça e do momento histórico. Ao ser lançado, a princípio, mantém uma aparência de imparcialidade,
em 1890, O Cortiço teve boa recepção da crítica, isso se como se o narrador se apartasse, à semelhança de um
deve ao fato de Aluísio de Azevedo estar mais em sintonia deus, do mundo por ele criado. No entanto, isso é ilusório,
com a doutrina naturalista, que gozava de grande prestígio porque o procedimento de representar a realidade de
na Europa. O livro é composto de 23 capítulos, que forma objetiva já configura uma posição ideologicamente
relatam a vida em uma habitação coletiva de pessoas tendenciosa.
pobres (cortiço) na cidade do Rio de Janeiro. O romance
tornou-se peça-chave para o melhor entendimento do TEMPO: Em O Cortiço, o tempo é trabalhado de maneira
Brasil do século XIX. Evidentemente, como obra literária, linear, com princípio, meio e desfecho da narrativa. A
ele não pode ser entendido como um documento histórico história se desenrola no Brasil do século XIX, sem
da época. Mas não há como ignorar que a ideologia e as precisão de datas. Há, no entanto, que ressaltar a relação
relações sociais representadas de modo fictício em O do tempo com o desenvolvimento do cortiço e com o
Cortiço estavam muito presentes no país. enriquecimento de João Romão.

RIGOR CIENTÍFICO Essa criação de Aluísio de Azevedo ESPAÇO: São dois os espaços explorados na obra. O
tem como influência maior o escritor francês Émile Zola, primeiro é o cortiço, amontoado de casebres mal-
arranjados, onde os pobres vivem. Esse espaço Miranda, de projeção social mais elevada que João
representa a mistura de raças e a promiscuidade das Romão, vive em seu palacete com ares aristocráticos e
classes baixas. Funciona como um organismo vivo. Junto teme o crescimento do cortiço. Por isso pode-se dizer que
ao cortiço estão a pedreira e a taverna do português João O Cortiço não é somente um romance naturalista, mas
Romão. O segundo espaço, que fica ao lado do cortiço, é uma alegoria do Brasil. O autor naturalista tinha uma tese
o sobrado aristocratizante do comerciante Miranda e de a sustentar sua história. A intenção era provar, por meio
sua família. O sobrado representa a burguesia ascendente da obra literária, como o meio, a raça e a história
do século XIX. Esses espaços fictícios são enquadrados determinam o homem e o levam à degenerescência.
no cenário do bairro de Botafogo, explorando a exuberante A obra está a serviço de um argumento. Aluísio se propõe
natureza local como meio determinante. Dessa maneira, o a mostrar que a mistura de raças em um mesmo meio
sol abrasador do litoral americano funciona como desemboca na promiscuidade sexual, moral e na completa
elemento corruptor do homem local. degradação humana. Mas, para além disso, o livro
apresenta outras questões pertinentes para pensar o
ENREDO: O livro narra inicialmente a saga de João Brasil, que ainda são atuais, como a imensa desigualdade
Romão rumo ao enriquecimento. Para acumular capital, social.
ele explora os empregados e se utiliza até do furto para
conseguir atingir seus objetivos. João Romão é o dono do PERSONAGENS: Os personagens da obra são
cortiço, da taverna e da pedreira. Sua amante, Bertoleza, psicologicamente superficiais, ou seja, há a primazia de
o ajuda de domingo a domingo, trabalhando sem tipos sociais. Os principais são:
descanso. Em oposição a João Romão, surge a figura de
João Romão – taverneiro português, dono da pedreira e
Miranda, o comerciante bem estabelecido que cria uma
disputa acirrada com o taverneiro por uma braça de terra do cortiço. Representa o capitalista explorador.
que deseja comprar para aumentar seu quintal. Não Bertoleza – quitandeira, escrava cafuza que mora com
havendo consenso, há o rompimento provisório de João Romão, para quem ela trabalha como uma máquina.
relações entre os dois. Com inveja de Miranda, que possui MIranda – comerciante português. Principal opositor de
condição social mais elevada, João Romão trabalha João Romão. Mora num sobrado aburguesado, ao lado do
ardorosamente e passa por privações para enriquecer cortiço.
mais que seu oponente. Um fato, no entanto, muda a
Jerônimo – português “cavouqueiro”, trabalhador da
perspectiva do dono do cortiço. Quando Miranda recebe o
título de barão, João Romão entende que não basta pedreira de João Romão, representa a disciplina do
ganhar dinheiro, é necessário também ostentar uma trabalho.
posição social reconhecida, frequentar ambientes Rita Baiana – mulata sensual e provocante que promove
requintados, adquirir roupas finas, ir ao teatro, ler os pagodes no cortiço. Representa a mulher brasileira.
romances, ou seja, participar ativamente da vida Piedade – portuguesa que é casada com Jerônimo.
burguesa. No cortiço, paralelamente, estão os moradores Representa a mulher europeia.
de menor ambição financeira. Destacam-se Rita Baiana e
Capoeira Firmo, Jerônimo e Piedade. Um exemplo de Capoeira Firmo – mulato e companheiro que se envolve
como o romance procura demonstrar a má influência do com Rita Baiana.
meio sobre o homem é o caso do português Jerônimo, que Arraia Miúda – representada por lavadeiras, caixeiros,
tem uma vida exemplar até cair nas graças da mulata Rita trabalhadores da pedreira e pelo policial Alexandre.
Baiana. Opera-se uma transformação no português TESTES:
trabalhador, que muda todos os seus hábitos.
1 - Machado de Assis e Aluísio Azevedo, no mesmo ano,
A relação entre Miranda e João Romão melhora quando o 1881, deram início, respectivamente, ao Realismo e
comerciante recebe o título de barão e passa a ter Naturalismo no Brasil. O primeiro, com Memórias
superioridade garantida sobre o oponente. Para imitar as Póstumas de Brás Cubas e o segundo, com O Mulato,
conquistas do rival, João Romão promove várias embora o Cortiço é que tenha celebrizado o autor
mudanças na estalagem, que agora ostenta ares maranhense. Sobre esses movimentos literários, aos
aristocráticos. O cortiço todo também muda, perdendo o quais pertencem os textos, leia o que se segue:
caráter desorganizado e miserável para se transformar na Texto 1
Vila João Romão. O dono do cortiço aproxima-se da ´Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu
família de Miranda e pede a mão da filha do comerciante cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias
em casamento. Há, no entanto, o empecilho representado Póstumas.”
por Bertoleza, que, percebendo as manobras de Romão Texto 2
para se livrar dela, exige usufruir os bens acumulados a Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo,
seu lado. não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas
Para se ver livre da amante, que atrapalha seus planos de alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de
ascensão social, Romão a denuncia a seus donos como uma assentada sete horas de chumbo. Como
escrava fugida. Em um gesto de desespero, prestes a ser que se sentiam ainda na indolência de neblina as
capturada, Bertoleza comete o suicídio, deixando o derradeiras notas da última guitarra da noite
caminho livre para o casamento de Romão. antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora,
que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.
ALEGORIA DO BRASIL: Mais do que empregar os Roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros,
preceitos do naturalismo, a obra mostra práticas umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão
recorrentes no Brasil do século XIX. Na situação de ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da
capitalismo incipiente, o explorador vivia muito próximo ao lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil,
explorado, daí a estalagem de João Romão estar junto mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de
aos pobres moradores do cortiço. Ao lado, o burguês
acumulações de espumas secas. Entretanto, das portas b) IV e V.
surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se c) I, II e III.
amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; d) II e III. e) I, II e IV.
pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as
xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, 2 – Texto 1
suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para ´Tinha dezessete anos; pungia-me um buçozinho que eu
janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se forcejava por trazer a bigode. Os olhos, vivos e resolutos,
conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora eram a minha feição verdadeiramente máscula. Como
traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros ostentasse certa arrogância, não se distinguia bem se era
abafados de crianças que ainda não andam. No confuso uma criança, com fumos de homem, se um homem com
rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de ares de menino. Ao cabo, era um lindo garção, lindo e
vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de audaz, que entrava na vida de botas e esporas, chicote na
marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De mão e sangue nas veias, cavalgando um corcel nervoso,
alguns quartos saíam mulheres que vinham pendurar cá rijo, veloz, como o corcel das antigas baladas, que o
fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à romantismo foi buscar ao castelo medieval, para dar com
semelhança dos donos, cumprimentavam-se ele nas ruas do nosso século. O pior é que o estafaram a
ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia. Daí a tal ponto, que foi preciso deitá-lo à margem, onde o
pouco, em volta das bicas, era um zunzum crescente; uma realismo o veio achar, comido de lazeira e vermes, e, por
aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após compaixão, o transportou para os seus livros.
outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de Sim, eu era esse garção bonito, airoso, abastado; e
água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão facilmente se imagina que mais de uma dama inclinou
inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias diante de mim a fronte pensativa, ou levantou para mim os
entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada olhos cobiçosos. De todas porém a que me cativou logo foi
nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, uma... uma... não sei se diga; este livro é casto, ao menos
suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os na intenção; na intenção é castíssimo. Mas vá lá; ou se há
homens, esses não se preocupavam em não molhar o de dizer tudo ou nada. A que me cativou foi uma dama
pelo, ao contrário, metiam a cabeça bem debaixo da água espanhola, Marcela, a ―linda Marcela‖, como lhe
e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando chamavam os rapazes do tempo. E tinham razão os
e fungando contra as palmas da mão. As portas das rapazes. Era filha de um hortelão das Astúrias; disse-mo
latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada ela mesma, num dia de sinceridade, porque a opinião
instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam aceita é que nascera de um letrado de Madri, vítima da
lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; invasão francesa, ferido, encarcerado, espingardeado,
as crianças não se davam ao trabalho de lá ir, quando ela tinha apenas doze anos” .
despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por (Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis)
detrás da estalagem ou no recanto das hortas. O rumor
crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias Texto 2
acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas “Durante dois anos, o cortiço prosperou de dia para dia,
um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. [...] ganhando forças, socando-se de gente. E ao lado o
Analise as afirmativas a seguir: Miranda assustava-se, inquieto com aquela exuberância
I. O texto 1 é a dedicatória de Brás Cubas, que inicia suas brutal de vida, aterrado defronte daquela floresta
memórias póstumas. Nessa obra, o autor textual e implacável que lhe crescia junto da casa, por debaixo das
narrador ironicamente dedica suas memórias aos vermes. janelas, e cujas raízes, piores e mais grossas do que
Trata-se de um aspecto inerente à estética romântica, uma serpentes, minavam por toda a parte, ameaçando rebentar
vez que nela encontra-se subjacente a ideia de o chão em torno dela, rachando o solo e abalando tudo.
morte. Posto que lá na Rua do Hospício os seus negócios não
II. No texto 2, o narrador descreve o comportamento da corressem mal, custava-lhe a sofrer a escandalosa fortuna
coletividade que forma o Cortiço. Note se que nele há o do vendeiro ―aquele tipo! um miserável, um sujo, que não
privilégio do coletivo sobre o individual, elemento peculiar pusera nunca um paletó, e que vivia de cama e mesa com
ao Romantismo, o que não surpreende o leitor, dado que o uma negra!‖ À noite e aos domingos, ainda mais
autor abraçou tanto a estética romântica quanto a recrudescia o seu azedume, quando ele, recolhendo-se
realista. fatigado do serviço, deixava-se ficar estendido numa
III. Os dois textos, embora escritos por autores diferentes, preguiçosa, junto à mesa da sala de jantar, e ouvia, a
apresentam as mesmas tendências estéticas. Ambos são contragosto, o grosseiro rumor que vinha da estalagem
realistas e criticam o comportamento da burguesia que numa exalação forte de animais cansados. Não podia
vivia na ociosidade explorando os menos favorecidos. chegar à janela sem receber no rosto aquele bafo, quente
IV. O texto 1 tem por narrador a personagem principal que e sensual, que o embebedava com o seu fartum de bestas
conta a sua própria história e o faz com a “tinta da galhofa no coito. E depois, fechado no quarto de dormir,
e a pena da melancolia”, utilizando-se de um gracejo de indiferente e habituado às torpezas carnais da
tom cômico, próximo do humor negro de origem inglesa. mulher, isento já dos primitivos sobressaltos que lhe
V. No texto 2, o relato é de um narrador observador que faziam, a ele, ferver o sangue e perder a tramontana, era
apresenta os acontecimentos de um ponto de vista neutro, ainda a prosperidade do vizinho o que lhe obsedava o
porque não se envolve nem faz parte da história narrada. espírito, enegrecendo-lhe a alma com um feio
Seu discurso volta-se para a análise dos elementos ressentimento de despeito. Tinha inveja do outro, daquele
deterministas e das patologias sociais, o que faz de O outro português que fizera fortuna, sem precisar roer
nenhum chifre; daquele outro que, para ser mais rico três
Cortiço um texto naturalista.
vezes do que ele, não teve de casar com a filha do patrão
Está CORRETO apenas o que se afirma em:
ou com a bastarda de algum fazendeiro freguês da casa!
a) I e II.
Mas então, ele Miranda, que se supunha a última
expressão da ladinagem e da esperteza; ele, que, logo A) ...o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos
depois do seu casamento, respondendo para Portugal a às sardas e espinhas ...
um ex-colega que o felicitava, dissera que o Brasil era B) ...era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça
uma cavalgadura carregada de dinheiro, cujas rédeas um
C) Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia
homem fino empolgava facilmente; ele, que se tinha na
conta de invencível matreiro, não passava afinal de um daquele feitiço, precário e eterno, ...
pedaço de asno comparado com o seu vizinho! Pensara D) Naquele tempo contava apenas uns quinze ou
fazer-se senhor do Brasil e fizera-se escravo de uma dezesseis anos ...
brasileira mal-educada e sem escrúpulos de virtude! E) ...o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins
Imaginara-se talhado para grandes conquistas, e não secretos da criação.
passava de uma vítima ridícula e sofredora!... Sim! no fim
de contas qual fora a sua África?... Enriquecera um pouco,
4 - Influenciados pelas ideias de Darwin, os representantes
é verdade, mas como? a que preço? hipotecando-se a um
diabo, que lhe trouxera oitenta contos de réis, mas do Naturalismo, movimento literário do século XIX,
incalculáveis milhões de desgostos e vergonhas! Arranjara comparavam os seres humanos a animais. Os trechos
a vida, sim, mas teve de aturar eternamente uma mulher abaixo foram extraídos da obra O Cortiço, cujo autor,
que ele odiava! E do que afinal lhe aproveitar tudo isso? Aluísio Azevedo, foi o maior representante do Naturalismo
Qual era afinal a sua grande existência? Do inferno da no Brasil. Assinale a alternativa em que essa
casa para o purgatório do trabalho e vice-versa! Invejável característica, conhecida como zoomorfização, não esteja
sorte, não havia dúvida!”
(O Cortiço, de Aluízio de Azevedo) presente:
Considerando as características temáticas e estilísticas A) “A filha tinha quinze anos, a pele de um moreno quente,
dos textos 1 e 2, analise as proposições beiços sensuais, bonitos dentes, olhos luxuriosos de
a seguir. macaca.”
I. O Texto 1 é um trecho de um importante romance de B) “... uma negrinha virgem, chamada Leonor, muito
Machado de Assis, o qual destaca episódios da vida do
ligeira e viva, lisa e seca como um moleque,
próprio autor.
II. No Texto 1, é possível perceber costumes do cotidiano conhecendo de orelha, sem lhe faltar um termo, a
burguês numa cidade do século XIX, levando o leitor a vasta tecnologia da obscenidade...”
constatar, pela postura individual do protagonista, um C) “Nenen dezessete. Espigada, franzina e forte, com uma
segmento social dosado de humor nas suas próprias proazinha de orgulho de sua virgindade, escapando como
experiências. enguia por entre os dedos dos rapazes que a queriam sem
III. No Texto 2, é apresentado o comportamento decadente ser para casar.”
da sociedade burguesa da segunda
D) “A primeira que se pôs a lavar foi a Leandra, por
metade do século XIX, em que prevalece o interesse
individual. alcunha a ‘Machona’, portuguesa feroz, berradora, pulsos
IV. As personagens de Aluísio Azevedo, em O Cortiço, são cabeludos e grossos, anca de animal do campo.”
alicerçadas nas ideias de Taine, presas E) “Era um pobre-diabo caminhando para os setenta anos,
ao ambiente e à hereditariedade, limitadas pelas questões antipático, cabelo branco, curto e duro, como escova,
sociais e pelo meio onde vivem suas barba e bigode do mesmo teor; muito macilento, com uns
experiências. óculos redondos que lhe aumentavam o tamanho da
Estão CORRETAS:
pupila e davam-lhe à cara uma expressão de abutre...”
a) I, II, III e IV. b) I, III e IV, apenas. c) II e III, apenas.
d) II, III e IV, apenas.
e) II e IV, apenas.

3 - No trecho abaixo, o narrador, ao descrever a


personagem, critica sutilmente um outro estilo de época: o
romantismo.

“Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis


anos; era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e,
com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já lhe
coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do
tempo, porque isto não é romance, em que o autor
sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e
espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o
rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca,
saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário
e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para os
fins secretos da criação.”
ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de
Janeiro: Jackson,1957.

A frase do texto em que se percebe a crítica do narrador


ao romantismo está transcrita na alternativa:

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