Você está na página 1de 15

15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais

Tema: “80 anos do Serviço Social no Brasil: a certeza na


frente, a história na mão”
Olinda (PE, Brasil), 5 e 9 de setembro de 2016

Mulher negra na história e no serviço social contemporâneo:


coadjuvantes para a temática racial

Maria Luisa da Costa Fogari1

Resumo: Este artigo se propõe a estudar, através de revisão de literatura, a mulher negra na
história e no Serviço Social. É certo que é na contemporaneidade que visualizamos as condições
daquelas que hoje lutam, empunhando a bandeira do projeto ético-político dos profissionais
assistentes sociais, encabeçando linhas de pesquisa, como docentes nas principais
universidades brasileiras.
Palavras-Chave: mulheres negras; questão racial; assistente social; história;
contemporaneidade.

Abstract:
This article proposes to study, through a review of the literature, the black woman in history and
in Social Service. Admittedly, is in contemporaneity that we visualize the conditions of those who
are struggling today, swaying the flag of ethical and political project of the professional social
workers, spearheading research lines, as teachers in major Brazilian universities.
Keywords: black women; racial question; social worker; history; contemporaneity.

Introdução

A proposta dessa revisão de literatura é estudar especificamente a mulher


negra na história, sua importância e condicionalidade aos acontecimentos
futuros, enfim seu papel no Serviço Social contemporâneo, através das
pesquisas acadêmicas.

Nos quilombos, na linha de frente das trincheiras das principais revoltas


e/ou fazendo política através de textos argumentativos e romances que
apontavam a opressão a que estavam expostos, lá estavam elas. Assim se
sucedeu a vida de muitas mulheres negras que, nesta terra, ensejaram, lutaram,
esbravejaram e co-participaram dos principais levantes; levantes que tinham
propósito de libertação de uma massa humana das “garras” do governo
português, que solapou a vida dos colonizados.

Séculos, décadas e anos após, é no Serviço Social que algumas delas se


firmaram tornando-se eixo fundamental para o desenvolvimento de estudos e

1
Universidade Estadual Julio de Mesquita Filho. E-mail: <trabalhos@alvoeventos.com.br>.
2

pesquisas acadêmicas, que demonstram cientificamente que o negro ainda


precisa fazer-se presente nessa área de formação. Todavia, a partir desse
apontamento, indaga-se: O quê essas mulheres fizeram e fazem? E as
pesquisadoras assistentes sociais negras?

1 Mulher negra na história brasileira

[...] A saga de Tereza de Benguela


Uma rainha africana
Escravizada em Vila Bela
O ciclo do ouro iniciava
No cativeiro, sofrimento e agonia
A rebeldia, acendeu a chama da liberdade
No Quilombo, o sonho de felicidade [...]

(G.R.E.S. UNIDOS DE VIRADOURO)2

É notório explicar que as mulheres em si, fizeram, participaram e


escreveram a história brasileira, enquanto protagonistas de cenas e enredos
plausíveis de serem contados, cantados e estudados. Ora, neste referencial
teórico nos propomos a explicitar a condição da mulher negra em tempos
precedentes até as que se dedicam as causas humanitárias, através de ações
interventivas, como assistentes sociais pesquisadoras.

Assim, a mulher negra teve papel crucial na história brasileira, pois


enquanto escravizada tornou-se elementar na vida social, familiar, cultural e
econômica de nossa terra. Outrossim, o clássico “Casa Grande e Senzala” de
Gilberto Freyre procurou mostrar em seu enredo uma negra sensual, submissa
ao sistema agrário brasileiro, desempenhando várias funções nos engenhos, nas
roças, nas casas-grandes e/ou nas zonas urbanas, como negras de ganho e
principalmente na vida sexual de seus senhores. Sobre isso, Freyre (2005, p.
367) escreveu: “[...] Da que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger
da cama-de-vento, a primeira sensação completa de homem [...]”. Para o autor:

[...] Minas e as Fulas – africanas não só de pele mais clara, como mais
próximas em cultura e ‘domesticação’ dos brancos – as mulheres preferidas
em Minas Gerais, de colonização escoteira, para ‘amigas’, ‘mancebas’ e
‘caseiras’ dos bancos. [...] Outras terão permanecido escravas, ao mesmo
tempo em que amantes dos senhores brancos ‘preferidas como mucamas e
cozinheiras’ (FREYRE, 2005, p. 389).

2 Cf. música Tereza de Benguela - Uma Rainha Negra No Pantanal. Disponível em:
<https://www.letras.mus.br/unidos-do-viradouro-rj/474145/>. Acesso em: 22 fev. 2016.

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais


3

Eram selecionadas, inclusive, para serem abusadas sexualmente no


âmbito das casas-grandes. Essa foi a verídica situação vivenciada por muitas
delas no Brasil. A partir dessa leitura crítica do sistema colonial, que se arrastou
por séculos afora, seguiremos com nossa pesquisa. Onde elas estiveram? O que
foram? Que legados nos deixaram?

Longe das abnegações, buscando representações, viajando na história


brasileira, que além de contemplações está repleta de ações e fatos inéditos
demandados pelas negras, seguiremos com esse assunto.

Assim, Andreta e Alós (2013) pontuaram em seu estudo que “Úrsula” foi
o primeiro romance de autoria de uma afro-brasileira, a maranhense Maria
Firmina dos Reis. Para os estudiosos, essa obra foi composta, a partir da visão
dos escravizados. Para publicá-la, na primeira edição, ela omitiu sua autoria. O
livro levanta questões relacionadas ao preconceito racial e de gênero, sendo que
seus personagens interpretam os sofrimentos em que os africanos eram
acometidos durante o trajeto até as terras do Continente Americano.

Essa mulher se mostrou adepta ao uso da escrita para fazer política, por
isso abolicionista convicta, foi autora do hino de libertação dos escravizados no
Maranhão e, também, do conto “A escrava” (SILVA, 2009). Constância Lima
Duarte (2005, p. 1), expõe em seu artigo “Gênero e etnia no nascente romance
brasileiro”, que Maria Firmina, expressou, para um personagem do livro “Ursula”
(2009, p.25), a seguinte frase: "A mente! Isso sim ninguém pode escravizar!
[...]”.Percebe-se assim, a leitura crítica, política e social do período que a
escritora se propunha a discutir, num momento em que a mulher encontrava os
mais vis obstáculos, inclusive de discutir e propor, enfatizando que ela era
apenas uma negra. Nada mais... Porém, de mente liberta e coragem nas
palavras...

Entre papéis/convenções sociais e morais, podemos citar duas mulheres


também guerreiras, que enquanto líderes deixaram seus nomes impressos na
história desse país, em um momento regido pela cultura patrimonial ibérica. A
primeira trata-se de Luísa Mahim. Essa mulher negra participou de duas
rebeliões brasileiras, em Salvador-BA: a Revolta dos Malês (1835) e a Sabinada

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais


4

(1837). Além disso, ela é nada mais que genitora do abolicionista Luiz Gonzaga
Pinto da Gama. Porém não existem informações concretas se veio do Continente
Africano, ou se nasceu nas terras baianas (MUNANGA; GOMES, 2006). O filho
a procurou por décadas e descreveu-a sublimemente numa carta a um amigo,
em 1880 (GONÇALVES, 2011).

Assim, a pesquisadora (GONÇALVES, 2011, p. 13) alerta para a fusão e


complementaridade entre mãe e filho, descrevendo que:

[...] Desse modo, parece que em determinados momentos as vidas de ambos


encontram-se entrelaçadas pelas dificuldades enfrentadas e,
consequentemente, pela superação dos obstáculos, o que caracteriza o perfil
destemido atribuído à personalidade dos dois. Ele, dono de um senso de justiça
invejável. Ela, uma revolucionária atuante na década de 1830, impaciente,
irrequieta e incapaz de conformar-se com situações de injustiça.

A outra é Dandara dos Palmares que lutou ao lado de Zumbi contra a


opressão imposta aos negros que resistiam à condição de escravização por meio
dos quilombos. Ela empunhou armas, liderando ações contra a dominação a que
estavam submetidos; fatos omitidos devido ao machismo ainda estar
impregnado na realidade social brasileira (ARRAES, 2014).

Além de homenageada pela escola de samba Unidos de Viradouro, nossa


Teresa de Benguela tornou-se símbolo da mulher negra, através da Lei nº
12.987, que tem como objetivo comemorar, em 25 de julho, o Dia Nacional de
Tereza de Benguela e da Mulher Negra (NETO, 2014). Relatou ainda o autor,
que a Rainha Tereza como era conhecida, viveu no Quilombode Queritê,
passando a liderá-lo após a morte de seu companheiro José Piolho.

A título de esclarecimento, de acordo com o legado histórico, os quilombos


foram locais em que os negros fugidos viviam a conquista da “liberdade”, por
isso foi importante trazer para este texto Dandara e Tereza de Benguela, que
também compartilharam de ações/planos para contrapor a manutenção do
status quo que mantinha a aristocracia agrária no poder.

Já, Chica da Silva, filha de uma negra com um português, nasceu


escravizada, porém foi alforriada pelo desembargador João Fernandes de
Oliveira com quem teve treze filhos; dotada de onipotência, era conhecida como

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais


5

“Chica que manda”, parda viveu como as outras mulheres da elite do Arraial do
Tejuco (MUNANGA; GOMES, 2006).

Agora, abre-se passagem para Luciana Lealdina de Araújo, conhecida


como “Mãe Preta”, que teve bastante expressividade em relação às causas
sociais entre os negros sulinos, pois, “[...] iniciou sua vida de dedicação às
crianças negras e em 1901, fundou o Asilo São Benedito, onde voluntárias
negras alfabetizavam e ensinavam habilidades domésticas para meninas
carentes [...]” (BRASIL, 2015). Além desse, conta o autor, que mais tarde Luciana
fundou o Orfanato São Benedito, que acolhia inicialmente os filhos de ex-
escravos e depois passa a atender crianças carentes.

De acordo com Caldeira e Amaral (2010, p. 6):

Todo este processo de exclusão mobilizou um segmento social extremamente


excluído na cidade: os negros. Parte da etnia negra achava necessário criar
uma instituição com o objetivo de amparar e instruir crianças sem distinção de
cor, cuja situação de abandono e/ou pobreza da família fosse comprovada. A
partir desse ideário foi criado o Asilo de Órfãs São Benedito.

Ao término desta nota introdutória, sobre algumas, dentre muitas,


mulheres negras que fizeram história e nela fincaram raízes; raízes profundas,
fixas e perenes, impregnadas de significados, é importante citar Le Goff (1990,
p. 38) ao refletir:

[...] que o historiador deve respeitar o tempo que, de diversas formas, é a


condição da história e que deve fazer corresponder os seus quadros de
explicação cronológica à duração do vivido. Datar é e será sempre uma das
tarefas fundamentais do historiador, mas deve fazer-se acompanhar de outra
manipulação necessária da duração – a periodização – para que a datação se
torne historicamente pensável.

Enfim, na tarefa de atentar para as mudanças temporais, de “Casa Grande


e Senzala” prossigamos para as condições vividas e “atravessadas” pela mulher
negra na contemporaneidade, ou seja, para as que adentraram os espaços
educacionais, os pleitos políticos, as magistraturas e a academia. Mulheres...
magnificas mulheres!

2 Mulher negra na contemporaneidade


[...] Mulher! Mulher!
Do barro de que você foi gerada
Me veio inspiração
Pra decantar você nessa canção

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais


6

Mulher! Mulher!
Na escola em que você foi ensinada
Jamais tirei um 10
Sou forte, mas não chego aos seus pés [...]
(ERASMO CARLOS)3.

Não poderíamos começar de outra forma este subitem, pois a estrofe


desta música de Erasmo Carlos, lançada em 2004, descreve muito bem um
pouco do que é ser mulher. Sim, aqui emendamos o que é ser uma mulher negra
no Brasil, na era contemporânea.

Costuma-se dizer que o tempo e os registros históricos são as melhores


formas de tomarmos consciência e nos atermos à memória, ao passado, aos
acontecimentos que não podem ser esquecidos, “perdidos”/represados na
imensidão, que servem de clamor popular. Assim, que renda conhecimento,
aprendizagem, destaques/vertentes e/ou quebra e rompimento de paradigmas.
É segundo essa convicção e certeza que nos apropriaremos de exemplos de
mulheres que nasceram no século passado e deixaram relíquias, contadas neste
tópico do estudo.

A primeira delas está cantada em versos, na voz de Gonzaga Medeiros,


que do Vale do Jequitinhonha nos levou a conhecer, através de sua música, a
vida de mais uma notória mulher: “[...] Lá vai Mestra Diôla; Porta-bandeira da
crença, Vai na frente, vai rezando,O pendão da fé empunhando,Vai puxando a
reverência [...]”(MEDEIROS apud ATAÍDE, 2008, p.103)4. Essa canção é:

Uma homenagem a Deolinda Maria de Jesus, Mestra Diôla (1909-1996),


natural de Jequitinhonha, primeira professora de Águas Formosas. Venceu
preconceitos raciais e outros obstáculos. Cantora, rezadeira e foliã, viajou por
toda região em atividades educacionais e religiosas. Sua história assegura que
sua condição de negra a impregnou de uma força incomum na realização de
seus ideais de gente do povo (ATAÍDE, 2008, p.103).

À semelhança da primeira professora de Águas Formosas,


carinhosamente chamada Mestra Diôla, tem-se outra notória imortal chamada
Antonieta de Barros. Quem foi essa mulher? Ela, que nasceu em 11 de julho de
1901, era filha de uma negra forra, que foi doméstica na residência de Vidal

3
Cf. música Mulher (sexo frágil). Disponível em: <https://www.letras.mus.br/erasmo-carlos/67612/>. Acesso
em: 19 Jan. 2016.

4A música “Mestra Diôla”, segundo a autora Ataide (2008), está gravada no cd “Aqua”: A Música
das lavadeiras do Jequitinhonha.

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais


7

Ramos, pai de Nereu Ramos. Esse fato pode ter influenciado a entrada da
catarinense Antonieta na política, sendo eleita em 1934, ou seja, a primeira
deputada negra do Brasil (ESCÓSSIA, 2016).

Antonieta apresentava um cotidiano permeado por muitas lutas, que


tinham como pano de fundo a educação dos seus ascendentes e descendentes.
Foi: “Educadora, jornalista e política, Antonieta junta em sua trajetória, na
primeira metade do século 20, três bandeiras caras ao Brasil do século 21:
educação para todos, valorização da cultura negra e emancipação feminina”
(ESCÓSSIA, 2016).

O ano de 1945 ficará também na lembrança, como fator de orgulho para


os negros que dela fizeram parte, pois nos meados dessa década, graduou-se
na Universidade Federal do Paraná a primeira Engenheira Civil afro-brasileira,
Enedina Alves Marques (FERNANDES, 2015).

Num outro momento, a neta de escravos Dra. Luislinda Valois ingressa na


magistratura, sendo a primeira juíza negra do Brasil. Ela, que se formou somente
aos trinta e nove anos, sempre teve em mente que mais afro-brasileiros
conseguissem cargos de governança. Recordando-se sobre as afrontas
enfrentadas, descreveu que, frente à impossibilidade de se comprar os materiais
exigidos, um professor lhe disse: “[...] Menina, se seus pais não podem comprar
material para você estudar, saia daqui. Vá aprender a fazer feijoada na casa de
uma branca que você vai ser mais feliz” (LAURINDO, 2011).

E, em outras carreiras, outras venceram o preconceito étnico: Ruth de


Souza, Léa Garcia, Zezé Mota, Carolina M. de Jesus, Petronilha B. Gonçalves e
Silva e tantas outras.

A começar pela atriz Ruth de Souza. Nasceu em 1928 no Rio de Janeiro,


porém desde a infância ensejava subir aos palcos do teatro, e, assim o fez,
sendo a primeira artista negra a se apresentar do teatro municipal. Fez sucesso
ao lado de vários artistas, dentre eles: Grande Otelo e Abdias do Nascimento
(SOUZA, 2001).

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais


8

Léa Garcia, filha única de um bombeiro e da modista Dona Stella Lucas


Garcia que morreu precocemente (MUNANGA; GOMES, 2006, p.210). Léa foi
educada pela avó materna que a mantinha sob os mesmos costumes da mãe,
que era muito elegante. Adolescente conheceu o Teatro Experimental do Negro,
quando passou a cabular as aulas para apreciar as peças e poesias (ibidem,
2006, p.211). Repreendida pelo pai passou a viver com Abdias do Nascimento,
o mentor de todo movimento cultural negro, contrapondo-se à sociedade
preconceituosa da década de 1950 (MUNANGA; GOMES, 2006, p.211).

Zezé Motta5, ativista e artista negra, nascida em 1944 no Rio de Janeiro,


onde cursou a escola de teatro, estreando em plena ditadura na peça Roda Viva,
de Chico Buarque, seguindo para o cinema, televisão e música, é:

Considerada uma das principais atrizes negras do país, Zezé Motta também
atua como militante pela ampliação do espaço dos negros na comunicação e
é uma das fundadoras e Presidente de Honra do CIDAN – Centro Brasileiro de
Informações e Documentação do Artista Negro. Já ocupou o cargo de
Conselheira de Diretos Humanos no governo de Fernando Henrique Cardoso.
E foi Superintendente da Igualdade Racial do governo do Rio de Janeiro no
governo de Luis Inacio Lula da Silva6.

Carolina Maria de Jesus, que nasceu em Minas Gerais, também era neta
de escravizados e semi-alfabetizada como a maioria dos seus ascendentes. Ela
mudou-se para a favela do Canindé em São Paulo, retratando a partir das
observações no cotidiano em que estava exposta num diário, e escreveu “Quarto
de despejo” (MUNANGA; GOMES, 2006, p. 202).

Quarto de despejo alcançou sucesso inesperado e impressionante. Sua


primeira edição, de 10 mil exemplares, esgotou em menos de uma semana. O
livro foi traduzido para cerca de trinta idiomas, merecendo sucessivas
reedições com tiragens superiores a 100 mil unidades. A obra foi adaptada
para teatro, rádio, televisão e cinema, sempre com grande sucesso. O poder
desta obra de caráter social mede-se por impacto na capital paulista: o fim da
favela do Canindé, na época, a maior e mais problemática de São Paulo.

Contrariamente a Carolina Maria de Jesus, que detinha poucos


conhecimentos da educação formal, enfatizando que não a impossibilitaram de
se tornar uma escritora renomada, a professora Dra. Petronilha Beatriz
Gonçalves e Silva teve uma brilhante trajetória pela academia que também

5
Cf. Site oficial de Zezé Morra. Biografia. Disponível em: <http://zezemotta.com/biografia/>.
Acesso em: 6 mar. 2016.
6
Cf. Site oficial de Zezé Morra. Biografia. Disponível em: <http://zezemotta.com/biografia/>.
Acesso em: 6 mar. 2016

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais


9

merece ser descrita. Ela graduou-se em Português e Francês, adquirindo


posteriormente o grau de mestre e doutora que lhe proporcionou o ingresso na
docência da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. E, nesse contexto
educacional público, ela trilhou como mulher negra, numa emergente carreira
como militante social-política, sendo membro do Conselho Nacional de
Educação – CNE, o que lhe proporcionou ser a relatora do parecer sobre a Lei
n. 10.639/03, que preconizou a obrigatoriedade do Ensino da História e Cultura
Africana Afro-Brasileira no ensino fundamental e médio (FRANCO;
NASCIMENTO, 2013).

Assim, constituíram-se os passos na carreira da brilhante pesquisadora


Dra. Petronilha que nasceu nas terras sulinas, em Porto Alegre, onde teve como
referencia educacional a genitora que foi docente da rede pública estadual. Mas,
os passos não foram limitados e sim entremeados pelo desejo em graduar-se
em meio a um âmbito educacional em que os negros estavam aquém, a margem.
Os autores pontuaram que a professora escreve em seu livro que, desde sua
infância até o doutorado, nunca teve a oportunidade de ter um professor negro.
Porém, no início de sua carreira teve contato com uma maioria de alunos e pais
negros que lhe proporcionou o acesso a diversidade (FRANCO; NASCIMENTO,
2013).

É importante destacar que nos anos do magistério na UFSCar, angariou


um montante de pesquisas acadêmicas que coroaram sua carreira, repleta pelo
ineditismo em muitas delas, inclusive por serem desenvolvidas por militantes
negros.

No capítulo ‘Educação das relações étnico-raciais e ações afirmativas’,


Petronilha chama a atenção para a responsabilidade de mulheres e homens
negros e também dos não negros, no combate ao racismo, em todos os
âmbitos da sociedade, inclusive nas escolas. Observa ser seu desejo e
também dos afrodescendentes, ver a história e a cultura do povo negro incluída
nos currículos escolares, e também a implantação de políticas reparatórias e
de ações afirmativas. (FRANCO; NASCIMENTO, 2013, p.439).

Ao término dessas breves linhas que demonstraram sumariamente a


militância e notoriedade das mulheres destacadas, conclui-se, segundo o
ensinamento da professora Dra. Petronilha, que nesse mundo em que os negros
ainda encontram-se marginalizados, os “[...] programas de ações afirmativas

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais


10

podem reverter e consolidar o lugar dos negros na sociedade, além de


reconhecer e certificar seu pertencimento étnico-racial enraizado no Mundo
Africano.” (SILVA, 2011, p. 1707 apud FRANCO; NASCIMENTO, 2013, p. 440).

3 Mulheres negras, ou seja, acadêmicas negras e Serviço Social

Esquecendo eles que eu adoro a minha pele negra e o meu


cabelo rustico. Eu até acho o cabelo do negro mais iducado do
que o cabelo de branco. Porque o cabelo de preto onde põe, fica.
É obediente. E o cabelo de branco, é só dar um movimento na
cabeça e ele já sai do lugar. É indisciplinado. Se é que existe
reincarnações, eu quero voltar sempre preta (JESUS, 2006,
p.58).

Na perspectiva de contrapor teorias preconceituosas que foram


construídas, durante os séculos, para que os negros não chegassem ao poder
no Brasil, demonstraremos por meio de pesquisas bibliográficas o nome de
assistentes sociais negras que estão na academia, propondo e estudando este
assunto.

Hoje, no âmago da implantação dos direitos; direitos garantidos na


Constituição Federal de 1988, essas estudiosas, também se atentaram na lógica
do direito para os seus descendentes. Pois, é mister apontar que, após a Lei
Áurea, os negros “libertos” se auxiliavam mutuamente, como destacado no caso
da “Mãe Preta”.

Da mutualidade e das organizações empunhadas pelos próprios negros


e/ou negras advieram as conquistas, inclusive a entrada de muitas delas para a
vida acadêmica e, enquanto pesquisadoras, a maioria delas não procura
declarar guerra, mas mostrar segundo Gramsci, que todos têm saber. Enfim,

A cultura é uma coisa bem diversa. É organização, disciplina do próprio eu


interior, é tomada de posse da própria personalidade, é conquista de
consciência superior pela qual se consegue compreender o próprio valor
histórico, a própria função na vida, os próprios direitos e os próprios deveres
(GRAMSCI, 2010, p. 53.)

Explicamos que não estamos desmerecendo a intelectualidade negra


masculina, somente fizemos um recorte de gênero nesse estudo, por se tratar

7SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves. Entre Brasil e África: construindo conhecimento e


militância. Belo Horizonte: Mazza, 2011.

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais


11

de um artigo que retrata especificamente a mulher negra assistente social na


academia e, enfim, sua contribuição para a temática em voga.

Para tal, escreveremos sobre cinco delas, pois são as mais notórias.
Enfatizamos ainda as láureas para aquelas que aderiram a bandeira do Serviço
Social, e anônimas se fazem presentes nos plantões sociais, nas políticas de
saúde, educação, previdência social, na área jurídica, ONG’s, como
trabalhadoras do SUAS, e outras. Assim, para não nos tornarmos prolixas, nos
deteremos nas doutoras: Elisabete Aparecida Pinto, Matilde Ribeiro, Teresa
Cristina Santos Martins, Ângela Ernestina Cardoso de Brito e doutoranda Márcia
Campos Eurico.

Elisabete Aparecida Pinto8 é assistente social, docente adjunta I da


Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Bahia, formada em
1986 pela PUC-Campinas. É autora da obra: “O serviço Social e a Questão
Étnico-racial: um estudo de sua relação com os usuários negros”, lançado em
2003. Doutora em psicologia, pela PUC/SP, com a tese: “Sexualidade na
Identidade da Mulher Negra a partir da Diáspora Africana: o caso do Brasil”.

Márcia Campos Eurico9, graduada em Serviço Social, no ano de 2005 pela


Universidade Cruzeiro do Sul, UNICSUL, é assistente social lotada no Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS/DF, e docente na FAPSS - Faculdade Paulista
de Serviço Social. Na caminhada acadêmica, concluiu o grau de mestre em 2011
na PUC/SP, com a dissertação: “Questão Racial e Serviço Social: uma reflexão
sobre o racismo institucional e o trabalho do assistente social”. Atualmente é
doutoranda na mesma instituição educacional, desenvolvendo a pesquisa:
“Questão étnico-racial e adoção inter-racial”.

8 Cf. site do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.Disponível em:


<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4721131J7> Acesso em: 29 fev.
2016.
9 Cf. site do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Disponível em:

<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4282151Z6>. Acesso em: 29fev.


2016.

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais


12

Matilde Ribeiro10, também assistente social, formada em 1983, mestre em


psicologia e doutora em Serviço Social pela PUC/SP. Na trajetória acadêmica
concluiu o mestrado, em 1999, defendendo o estudo: “Gênero e raça no
orçamento participativo, 1997/98 Santo André” e, em 2013, o doutorado com a
pesquisa: “A institucionalização das políticas de igualdade racial no Brasil no
período de 1986-2010”. Ela teve uma expressiva participação no movimento
negro, inclusive foi a primeira ministra da SEPPIR, entre os anos de 2003 a 2008.
No ano de 2014, assumiu como professora adjunta na Universidade de
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - BA, UNILAB-BA, Brasil.

Teresa Cristina Santos Martins11, bacharel em Serviço Social, doutora em


Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco, com o trabalho:
“Racismo no mercado de trabalho: limites à participação dos trabalhadores
negros na constituição da ‘questão social’ no Brasil”, obtendo o título em 2012.
É professora titular da Universidade Federal do Sergipe, desde 2009, onde é
coordenadora do curso de pós-graduação em Serviço Social.

Ângela Ernestina Cardoso de Brito12, graduada em 1999, com trabalho de


conclusão de curso, intitulado: “Nem preto nem branco: a ideologia do
branqueamento e o medo de ser negro numa sociedade de contrastes”. Concluiu
o mestrado em educação, em2003, com a pesquisa: “Educação de filhos em
famílias inter-raciais”, tendo como orientadora a professora Dra. Petronilha
Beatriz Gonçalves e Silva. O título de doutora foi obtido em 2014, com o estudo:
“Catopês: histórias de lutas de formação de identidades em Montes Claros –
MG”. É importante acrescentar, ainda, que é professora da Universidade Federal
da Bahia – UFBA.

Mediante os estudos que estão sendo desenvolvidos por essas


intelectuais negras, buscando romper os muros que separam inclusive as

10 Cf. site do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Disponível em:


<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4768241U2> . Acesso em: 29 fev.
2016.
11 Cf. site do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Disponível em:

<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4777455P6>. Acesso em: 29 fev.


2016.
12
Cf. site do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Disponível em:
<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4768956U6>. Acesso em: 1 mar.
2016.

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais


13

pesquisadoras assistentes sociais da luta dos negros brasileiros, compreende-


se que:

O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloquência,


motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imiscuir-se
ativamente na vida prática, como construtor, organizador, ‘persuasor
permanente, já que não apenas orador puro – e superior, todavia, ao espírito
matemático abstrato; da técnica-trabalho, eleva-se à técnica-ciência e à
concepção humanista, sem a qual se permanece ‘especialista’ e não se chega
a ‘dirigente’ (especialista mais político) – (GRAMSCI, 1988, p.8).

Enfim, mulheres negras pesquisadoras, intelectuais assistentes sociais,


são, segundo Gramsci, construtoras de um saber, não eloquente, mas
envolvente, ponderado e manifestante da crise social que se prolifera também a
partir dos traços fenótipos do usuário do Serviço Social brasileiro.

Considerações Finais

Ora, cremos que é notório, a partir das exposições acima retratadas pelos
estudiosos, que a mulher negra mesmo a margem da sociedade, do sistema
social, político, econômico nunca deixou de ser uma intelectual. Sim, intelectual
e política, pois em seu entorno lutou com esmero e ganância pela transformação
e “libertação” de seu povo.

Ao finalizar consideramos que as assistentes sociais, acadêmicas,


intelectuais orgânicas, não sejam apenas mulheres negras... Todavia, sigam e
prossigam com os ”bastões” perpassados pelas suas antecessoras, na intenção
de, através da política, “impor” para transpor barreiras que ainda limitam a
igualdade racial brasileira. Assim, que não seja uma sociedade nem de brancos,
nem de pretos, mas de TODOS!

Referências

A MÚSICA DAS LAVADEIRAS DO JEQUITINHONHA. Aqua. Belo Horizonte:


maio/nov. 2004.

ANDRETA, Bárbara Loureiro; ALÓS, Anselmo Peres. A Voz e a Memória dos


Escravos: Úrsula, de Maria Firmina dos Reis. 2013. Identidade!,São Leopoldo,
v.18, n. 2, p. 194-200, jul./dez. 2013.

ARRAES, Jarid. E Dandara dos Palmares, você sabe quem foi? 2014.
Disponível em:

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais


14

<http://www.revistaforum.com.br/questaodegenero/2014/11/07/e-dandara-dos-
palmares-voce-sabe-quem-foi/> . Acesso em: 4 mar. 2016.

ATAÍDE, Sâmara Rodrigues de. Confluências do Passado e do Presente: o


resgate da memória em o canto das lavadeiras. 2008. 113 f. Dissertação
(Mestrado em Letras) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2008.

BRASIL. Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003.Altera a Lei 9.394, de 20 de


dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática “História e cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Publica
no DOU, Brasília, DF, 10 jan. 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 21
jan. 2015.

BRASIL, Luiza. Negras e ícones: conheça 5 mulheres importantes na


história do Brasil. 2015. Disponível em: <http://modices.com.br/moda/negras-
icones-do-brasil/>. Acesso em: 21 fev. 2016. Não paginado.

CALDEIRA, Jeane dos Santos; AMARAL, Giana Lange do. Instituto São
Benedito: amparando e instruindo meninas carentes. In: CONGRESSO
INTERNACIONAL DE FILOSOFIA E EDUCAÇÃO, 6. Caxias do Sul, maio
2010.Anais do VI Congresso Internacional de Filosofia e Educação.Caxias
do Sul, 2010.

DUARTE, Constância Lima. Gênero e etnia no nascente romance brasileiro.


Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v.13, n.2, p. 443-444, maio/ago. 2005.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
026X2005000200019>. Acesso em: 21 fev. 2016.

ESCÓSSIA, Fernanda da. A filha de ex-escrava que virou deputada e


inspira o movimento negro no Brasil. 2016. Disponivel em:
<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/02/160226_primeira_deputada_
negra_fe_a>. Acesso em: 4 mar. 2016.

FERNANDES, José Carlos. Enedina Alves Marques, a primeira engenheira


negra do Brasil (1913-1981). 2015. Disponível em:
<http://www.negrosgeniais.com.br/2015/05/enedina-alves-marques-
primeira.html>. Acesso em: 21 fev. 2016.

FRANCO, Glaziela Aparecida; NASCIMENTO, Manoel Nelito Matheus.


Resenha. A trajetória de vida da educadora Petronilha Beatriz Gonçalves e
Silva. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 53, p. 437-440, out. 2013.

FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob
o regime da economia patriarcal. 50. ed. São Paulo: Global, 2005.

GONÇALVES, Aline Najara da Silva. Luiza Mahin: uma rainha africana no


Brasil. Rio de Janeiro: CEAP, 2011.

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais


15

GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. 6. ed. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.

GRAMSCI, Antônio. Textos selecionados. In: MONASTA, Attilio. Antonio


Gramsci. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana, 2010. Disponível
em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4660.pdf>. Acesso
em: 7 mar. 2016.

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo: diário de uma favelada. 8.ed.
São Paulo: Ática, 2006.

LAURINDO, Denis Denilto. Desembargadora Luislinda Valois,1ª juíza negra


brasileira. 2011. Disponível em:
<http://unegroparana.blogspot.com.br/2011/01/neta-de-avo-escravo-filha-de-
santo-e.html>. Acesso em: 21 fev. 2016. Não paginado.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão [et al.].


Campinas, SP: EdUNICAMP, 1990.

MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. O negro no Brasil de hoje. São


Paulo: Global, 2006.

NETO, Nicolau. Personalidades Negras que Mudaram o Mundo: Tereza de


Benguela. Informações em foco, 2014. Disponível em:
<http://www.informacoesemfoco.com/2014/11/personalidades-negras-que-
mudaram-o_17.html>. Acesso em: 5 mar. 2016.

SILVA, Régia Agostinho da. “A mente, essa ninguém pode escravizar” : Maria
Firmina dos Reis e a escrita feita por mulheres no Maranhão. 2009. In: ANPUH
SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 25.Anais... Fortaleza: ANPUH, 2009.
Disponível em:
<http://anais.anpuh.org/wpcontent/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.0592.pdf>.
Acesso em: 21 fev. 2016.

SOUZA, Ruth. Depoimento prestado a Memória Globo. Trajetória. 2001.


Disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/perfis/talentos/ruth-de-
souza/trajetoria.htm>. Acesso em: 5 mar. 2016.

Anais do 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais

Você também pode gostar