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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Bacharelado em Serviço Social

Isaiane Crispiniana Reis

Cidade de Deus- Análise Sociológica

Salvador-Bahia
2022
Isaiane Crispiniana Reis

Cidade de Deus- Análise Sociológica

Trabalho do componente curricular Sociologia


da Desigualdade Social, apresentado à
professora Luciana Duccini, do curso de
graduação em Serviço Social da Universidade
Federal da Bahia.

Salvador-Bahia
2022
Cidade de Deus- Análise Sociológica

A obra cinematográfica Cidade de Deus (2002) é uma adaptação do livro de mesmo nome escrito
por Paulo Lins, e roteirizada por Bráulio Mantovani. O filme apresenta uma favela que começou
a ser construída na década de 60, onde o crime organizado foi se alastrando e transformou aquela
localidade numa das regiões mais perigosas do Rio de Janeiro.

O personagem principal, Dadinho (SILVA, Douglas), desde criança foi exposto à maldade das
ruas. Vendo os atos violentos do Trio Ternura como heróicos, Dadinho sonha em fazer parte do
grupo. Ainda criança, Dadinho sugere um assalto a um motel da cidade. O Trio aceita sua
sugestão e decide realizar o crime, mas impede o menino de participar ativamente. Inconformado
por ter que ficar de vigia, o mesmo emite um alarme falso para os seus companheiros que fogem
do local. Após a fuga dos comparsas, Dadinho dá continuidade ao assalto, e insatisfeito com o
saque ainda realiza uma chacina no local.

Com o intuito de refletir fidedignamente a realidade das favelas brasileiras, o longa-metragem


conta com um elenco majoritariamente negro. Os personagens dessa trama expõem de maneira
clara e objetiva como os jovens negros e periféricos estão mais suscetíveis as mais diversas
violências. Deste modo, de forma até indireta, fazendo alusão para o que Weber concluiu como
objeto de estudos da sociologia, a ação social. Que em resumo se diz respeito a qualquer ação que
o indivíduo faz orientando-se pela ação de outros (Weber,1997, p.139).

Um exemplo do filme que sintetiza a frase de Weber é quando Zé Pequeno(“dono” da favela)


chama o Filé com Fritas (uma criança) para dar um passeio na favela e a criança fica
extremamente entusiasmada porque está andando com as pessoas mais respeitadas da favela.
Porém, o passeio era para matar umas crianças que estavam furtando moradores da favela onde
ele fez o Filé executar um dos meninos fazendo-o perder toda a sua inocência de criança e se
juntar à quadrilha de Zé pequeno.
O filme revela de forma explícita como é o processo de inserção de crianças e adolescentes na
vida do crime. Demonstra como esse cenário é totalmente deturpado, pois o que é ilegal e imoral
acaba se tornando objetivo de vida e de conquista. Claramente sendo reflexo da desigualdade
enraizada na sociedade brasileira.

Jessé Souza aborda essa questão em sua obra "A ralé brasileira: quem é e como vive", onde o
mesmo afirma que a competição social não começa na escola ou no mercado de trabalho. A
competição social começa desde o ventre da mãe do indivíduo, onde será reproduzido a visão de
mundo do meio em que ele será inserido. E ele conclui que nada disso é de ordem natural, e sim
um privilégio de classes, uma vez que esse privilégio vem sendo perpassado ao longo dos anos
para uma mesma classe.

Partindo para uma análise sociológica, a obra retrata como se dá a construção social do indivíduo
em uma favela brasileira. Várias questões sociais contribuem na formação do indivíduo brasileiro
favelado, dentre elas estão o racismo estrutural, a desigualdade social e o pauperismo. Neste
ponto podemos fazer um paralelo a afirmação do sociólogo Durkheim, onde ele concluiu que:

Um fato social se reconhece pelo poder de coerção externa que exerce ou é


capaz de exercer sobre os indivíduos; e a presença desse poder se
reconhece, por sua vez, seja pela existência de alguma sanção determinada,
seja pela resistência que o fato opõe a toda tentativa individual de fazer-lhe
violência.(DURKHEIM, 1999, p.10)

Muito antes do término da escravidão, ao serem arrancados de seu continente, os negros sofreram
muito mais do que violência físicas, eles foram desumanizados, tradados como animais. Sem
liberdade, sem direitos,sem alma. Tudo oriundo deste povo foi desprezado. Sua cultura, seus
costumes, sua cor, seus traços. Absolutamente tudo.

Apesar de abolida a escravidão no Brasil em 1888, até os dias atuais conseguimos ver
nitidamente as consequências deste período tenebroso. Desde o princípio, as estruturas
socioeconômicas brasileiras não foram pensadas e muito menos arquitetadas para dar suporte aos
libertos. Embora fossem considerados legalmente livres, os que antes eram escravizados
passaram a não ter nenhum recurso ou suporte para sua sobrevivência.

Levando em conta todo esse cenário histórico, a desigualdade social era inevitável para estas
pessoas, visto que o Estado demorou anos para reconhecer que havia uma disparidade entre
pessoas brancas e negras, para assim poder gerir políticas públicas que efetivamente buscassem
minimizar as desigualdades geradas pelo processo de escravidão.

Não poderíamos ter outro resultado se não a miserabilidade deste povo. Essa foi a herança
deixada, um retrocesso sócio político-econômico que nas últimas décadas vêm sendo recorrente
discutidas. A produção do livro e posteriormente do filme Cidade de Deus é o retrato de que em
diversos âmbitos, como no meio artístico, essas questões devem ser debatidas e ponderadas, visto
que mesmo depois de pouco mais de um século da abolição, as sequelas ainda são visíveis e
nocivas para seus sucessores.

O que nos traz uma percepção sobre o que Karl Marx aponta como uma relação desigual de
forças, visto que essa desigualdade é fruto da expansão do capitalismo, da contradição trabalho X
capital. Onde quem tem menos capital, é quem é mais explorado. E numa falsa esperança de
sucesso, de mudança de vida, e de até mesmo ascender socialmente, cria-se nos jovens favelados
(pobres e periféricos) a sensação de fuga desse ciclo vicioso.

Anos depois o personagem Dadinho, orientado pelos Orixás (um breve resgate à memória da
cultura e religião dos antepassados) troca de apelido e passa a ser chamado de Zé Pequeno
(FIRMINO, Leandro) , tornando-se o maior traficante da Cidade de Deus. Apesar dos “dias de
glória”, Zé Pequeno é assassinado por um traficante rival que também é morto no fim. O que nos
leva a ponderar sobre o pensamento do filósofo Rousseau (1778), que declarou que: "[..] o
homem é corrompido pelo poder e esmagado pela violência.’.

Cidade de Deus embora seja um filme de 2002, segue sendo um filme muito atual. Mesmo depois
de vinte anos de seu lançamento, ainda assim retrata a realidade de inúmeras favelas, não só do
Rio de Janeiro, mas também do Brasil inteiro. No qual pode-se perceber uma denúncia de vários
problemas sociais alarmantes: a pobreza, a falta de recursos, de opções e de oportunidades que
muitos brasileiros enfrentam.

Embora a problemática da pobreza esteja no centro dos pensamentos sociológicos dos autores
apresentados, os conceitos de desigualdade que eles examinam ultrapassam o único critério
material de desigualdade para incluir formas mais amplas de privação e desvantagem. Embora
seja necessário reconhecer que, para grande parte da população, a questão da existência material
sofreu mudanças dramáticas, não há dúvida de que a desigualdade, e a pobreza, são aspectos
evidentes da sociedade brasileira. Também está claro que a desvantagem imaterial perpetua e
aprofunda nossos padrões de desigualdade na distribuição de bens e serviços.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CIDADE de Deus. Direção de Fernando Meirelles. Rio de Janeiro: Globo Filmes, 2002.

DURKHEIM, Émile. “O que é um fato social”. In: As regras do método sociológico.


São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 1-13.

Marx, Karl. 2008. “A mercadoria.” In: ––– Contribuição à crítica da economia


política. São Paulo: Expressão Popular, p. 45-81

PETERS, Gabriel. Explicação e compreensão: Os tipos de ação social na


sociologia compreensiva de Max Weber. Blog do Sociofilo. 2019.

STERNICK, I. P. SOUZA, J. A Ralé Brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte:


Editora UFMG, 2009.

WEBER, Max. “Ação social e relação social”. In: FORACCHI, Marialice & MARTINS,
José de Souza (Orgs.) Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: LTC, 1977, p. 139-144.

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