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CENTRO UNIVERSITÁRIO AUGUSTO MOTTA

GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

FELLIPE DA SILVA ELLER DE ALMEIDA


MÁRCIO DE OLIVEIRA SANTOS

Resenha crítica: Última Parada 174

RIO DE JANEIRO
2021
Trazendo diversos recortes sobre as temáticas vivenciadas por minorias da
sociedade brasileira, o filme “Última parada 174” é um retrato dramático, baseado
em fatos reais, do enredo da vida de Sandro, desde de sua infância até o fatídico dia
no qual o mesmo torna-se o protagonista de um dos sequestros mais famosos do
Rio de Janeiro. Levando em conta sua origem e os grupos sociais aos quais se
inseriu, o âmbito familiar, seu desenvolvimento quanto à fase final da infância e por
toda a adolescência, como as lutas pela sobrevivência quanto a uma pessoa em
situação de rua, e demais adversidades que atravessaram sua trajetória como
indivíduo. Com episódios marcantes, tais como a chacina da Candelária, a vivência
em instituições de atendimento a jovens, entre outros, demonstrando a situação de
vulnerabilidade encontrada entre os grupos de pessoas negras e em situação de
rua.
Sandro foi um uma criança negra, criada em uma favela e testemunha ocular
da morte da mãe, tópicos que não podem ser descartados para compreender a
narrativa do personagem e fomentar reflexões sócio-políticas. Iniciando pelas duas
primeiras citadas, há a criança moradora da favela que torna-se um homem negro,
duas pautas historicamente impossíveis de serem analisadas separadamente, já que
o que hoje é conhecido como as favelas foram os locais onde a população negra, no
Brasil, puderam construír suas primeiras habitações e após a assinatura da Lei
Áurea em 13 de maio de 1988. Aos ex-escravizados, não foi dada reparação
histórica que colocasse todos em iguais direitos na sociedade. Esse fato permitiu
que os estigmas permanecessem e fossem adicionadas novas barreiras de
preconceito, transformando o negro no rosto da população periférica, que anos
depois tornaria-se a imagem dos marginalizados e incriminados pelo sistema
opressor construído pela história brasileira, perpetuando-se até os dias atuais,
afetando diretamente na identidade social dos indivíduos negros dentro de seus
diversos grupos sociais.
“[...] o racismo, como processo histórico e político, cria as condições sociais
para que, direta ou indiretamente, grupos racialmente identificados sejam
discriminados de forma sistemática.” (DE ALMEIDA, 2018, p. 35).
Sendo negro, favelado e uma criança perdida no centro do Rio, a Sandro e
quase que totalidade dos personagens que pertenceram aos seus grupos sociais, foi
dada a única opção víavel: sobreviver como indivíduos em situação de rua,
sujeitando-se às pequenas oportunidades, ao desprezo e ao apagamento.
Embora grande parte dos estudos sobre a população de rua tenha sido
realizada no século XX, há registros de sua existência desde o século XIV. Portanto,
eles não tiveram a devida atenção nos séculos anteriores, e sua abordagem pode
ter sido impulsionada pelo aumento de seu contingente, visto que a cada ano mais
indivíduos utilizam as ruas como moradia. Entre os principais fatores que podem
levar as pessoas a irem viver nas ruas estão: ausência de vínculos familiares,
perdas de entes queridos, desemprego, violência, perda da autoestima, alcoolismo,
uso de drogas, doença mental, entre outros. O fato da ocupação do solo urbano
estar baseada na lógica capitalista de apropriação privada do espaço mediante o
pagamento do valor da terra, faz com que o indivíduo que não dispõe de renda
suficiente para conseguir espaços adequados para a habitação e, sem alternativas,
utilize as ruas da cidade como moradia. Como ilustrado na película, eram um grupo
de crianças que não tinha como manter-se e, muito menos, ter uma expectativa de
possuir outro lugar para morar ou pessoas com quem pudessem contar.
Esses indivíduos foram, e são, ignorados socialmente e negligenciados pelas
autoridades responsáveis pelas políticas públicas assistenciais. A própria sociedade,
historicamente, articula sistemas que extraem dessa minoria qualquer dignidade, a
exemplo do sistema carcerário e policial, como cita a fala do antropólogo e ex-
coordenador da segurança pública do Rio, Luiz Eduardo Soares:

[...] à polícia cabe o trabalho sujo que a sociedade não quer ver, mas que,
em algum lugar obscuro, deseja que se realize, que se anulem os Sandros,
que os Sandros desapareçam das nossas vistas. Nós não queremos ver
essa realidade, não podemos suportar essa realidade, então a invisibilidade
é então conquistada pela produção policial da invisibilidade através da
anulação que a morte gera. (ÔNIBUS..., 2002)

Sandro sobreviveu a chacina da Candelária, que foi apenas um dos diversos


episódios de extinção da população de rua no Brasil. Ganhou holofotes pelo triste
episódio do sequestro do ônibus 174, colocando em pauta reflexões sobre essa
parcela da população que existe não só no Rio de Janeiro, mas em todas as
grandes cidades do mundo, porém parecem ser invisíveis aos olhos de boa parte da
sociedade, e como é a relação dos diversos grupos minoritários perante aos grupos
opressores que ditam as regras. Portanto, os Sandros trazem à tona a complexidade
do poderio da sociedade em influenciar a percepção social do ser humano limitando
suas oportunidades, seus lugares e seus tempos de vida.
REFERÊNCIAS

BATISTA, Waleska Miguel. A inferiorização dos negros a partir do racismo


estrutural. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, p. 2581-1589,
ago./out., 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rdp/v9n4/2179-8966-
rdp-9-4-2581.pdf. Acesso em: 16 mar. 2021.

DE ALMEIDA, Silvio Luiz. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte:


Letramento, 2018.

LANE, Silvia T. Maurer. O que é psicologia social? 22ª ed. São Paulo :
Brasiliense, 2006.

ÔNIBUS 174. Direção: PADILHA, José. Rio de Janeiro: Zazen Produções,


2002. Disponível em: https://vimeo.com/240313562. Acesso em: 21 mar.
2021.

RIBEIRO, D. Pequeno manual antirracista. 1ª ed. São Paulo. Companhia


das Letras, 2019.

SAWAIA, Bader. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da


desigualdade social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

ÚLTIMA parada 174. Direção: Bruno Barreto. Rio de Janeiro: Globo Filmes;
Moonshot Pictures; Movie&art; Mact Productions e Paramount Pictures, 2009.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jiUh4cL0MGU&t=2s.
Acesso em: 21 mar. 2021.

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