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Pedro Luís Cruz Rodrigues - 3ºano A do Ensino Médio

Estaria o Estado obsoleto?


Ferida colonial e o apartheid brasileiro

“Desde seu nascimento [o colonizado]


percebe claramente que este mundo estreito,
semeado de interdições, não pode ser
reformulado senão pela violência absoluta”
Frantz Fanon

No Brasil as grandes metrópoles têm apresentado um mesmo dado de


divisão racial, esse é que as pessoas pretas e pardas estão, em sua maioria,
concentrada em bairros periféricos. Porém esses são os bairros que também sofrem
com a maioria dos problemas de habitação. As favelas e ocupações que se
localizam em grande parte nessas regiões sofrem diariamente com deslizamento,
desabamento, inundação, alagamento, despejo, reintegração de posse, incêndios e
outras questões. Também são os lugares com menores índices de saúde pública.
Todo o conjunto de fatores levam esses locais a serem os piores em expectativa de
vida, e os maiores em violência policial. A história do trágico sequestro do ônibus
174 feito por Sandro Barbosa do Nascimento no ano 2000 não pode se encontrar
enclausurado no meio de outras notícias diárias, ela perpassa não só o passado de
Sandro mas também de todo povo periférico, essa é uma história de violência e
racialização.

Para adquirir uma perspectiva maior do cenário brasileiro perguntas devem


ser feitas. Por exemplo: porque a base social brasileira, ou seja, a maioria da classe
trabalhadora, é composta de mulheres negras?; porque os piores empregos estão
relegados a esses corpos?; qual bairro ficou apartado a qual grupo? Nessa última
pergunta uma palavra deve ser destacada “apartado”, aqui vale usar essa palavra
pois diferente da África do Sul e dos Estados Unidos onde houve uma política legal
de apartamento de raças, aqui no Brasil essa política nunca precisou ser legal, a
construção da nossa “democracia”, do direito legal já fazia esse apartamento na sua
construção, essa é a nossa ferida colonial. Foram 350 anos sob um regime
escravocrata de celeiro, que após seu termino não apresentou qualquer politica de
reinserção do povo negro escravizado e rechaçou sua presença para as periferias.
Então a ocupação de Portugal no Brasil, expõe uma política de escravização e
extermínio dos de cima contra os de baixo. Atualmente nós ainda temos uma das
polícias que mais mata no mundo, e mata principalmente pessoas negras, isso não
é mera coincidência, é projeto.

O Estado é produto e a manifestação do caráter inconciliável das


contradições de classe, é um órgão de dominação de classe e da opressão de uma
sobre a outra(LÊNIN, 1918). Ao mesmo tempo que percebemos essa violência do
Estado contra a sociedade civil, também percebe-se uma grande violência entre a
própria classe trabalhadora, além da física mas também com o consumo de drogas
que funciona como uma espécie de anestesia contra os problemas reais estruturais,
como diz a música “Órfão” de Eduardo Tedde: “Pra muitos o cachimbo é anestésico,
válvula de escape/Pras derrotas cotidianas na luta de classes”. A negligência e
violência estrutural e da própria população acaba por acarretar desdobramentos
onde essas afetadas, buscam por outros meios de sobrevivência, e daí decorre a
violência criminal. O ser, se encontrando de forma abnegada, acaba então se
permitindo realizar atos ilícitos como roubo e furto.

Sandro vem dessa estruturação sua vida foi mergulhada pela violência,
nunca conheceu seu pai e presenciou o assasinato de sua mãe com apenas 8 anos.
Após isso juntou-se a um grupo de crianças em situação de rua que sofriam na mão
da população e das autoridades, além de estar presente na Chacina da Igreja
Candelária onde oito jovens, pobres e negros em sua maioria, foram assassinados
covardemente por policiais que à noite apareceram onde os garotos ficavam e
começaram a alvejá-los. Durante sua vida Sandro passou por um sistema prisional
falho que impossibilitou sua ressocialização. Com certeza gritos de ajuda, velados
ou não, foram insuficientes. Sandro era invisível para a sociedade, essa que o
formou. Seu último grito para ser visto seria no ônibus 174.

O Estado na atualidade surge a partir de condições sociais e econômicas


únicas, então ao se constituir um sistema Capitalista as formas de dominação e
sujeição estarão distintas a sua perspectiva(perspectivas, claro, de sua classe
dominante), de fazer viver quem interessa e deixar morrer também.
Tendo em vista os aspectos observados poderia ser fácil pensar que o Estado é
extremamente ineficiente, incompetente ou mal gerido. Porém é justamente o
contrário, ele é extremamente eficiente. Entretanto apenas para a classe dominante,
cujo seus interesses são as ações do Estado. Então Sandro não era e nunca foi
invisível para essa instituição, talvez para a classe média, mas os reguladores do
Poder sabem exatamente dos “Sandros” que existem por toda parte. Não é
coincidência, é projeto.

“(Sou utópico) por todos os lados, em cima e embaixo.


Porque quem tem um país para fazer, deste tamanho, que tem uma potencialidade imensa
de ser uma das maiores civilizações do mundo, se não prefigurar na cabeça o que vai ser,
se não inventar o país que há de ser, o país nunca vai dar certo. Nós já temos séculos de
erros, de absurdos, porque outros pensaram o país para nós, organizaram contra o povo
brasileiro. Então nós temos que tomar, um dia, o poder na mão e ao tomar, nós temos que
ter um plano.”(Darcy Ribeiro, 1995)

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