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SUPERANDO OBSTÁCULOS AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA

João Rocha Sobrinho1


INTRODUÇÃO

Este artigo é o resultado de uma construção coletiva do conhecimento sobre a história da


cidadania no Brasil, realizada em várias cidades baianas e outros estados, com diferentes tipos de
movimentos sociais. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa em uma perspectiva histórico-social.
O fruto desse processo, assim como a metodologia utilizada pretende contribuir para desconstruir os
pressupostos ideológicos burgueses introjetados no imaginário popular. Instituições como a Família,
Igreja, Trabalho, Escola e a Mídia foram e são usadas para manter a “ordem instituída, ou o status quo”
dominante, estimulando o individualismo, a concorrência e a maximização do lucro e/ou dos interesses
individuais. Contrário a essa lógica foram priorizadas a ação coletiva, a solidariedade e a maximização
dos interesses sociais visando construir uma sociedade mais justa e mais igualitária. Bem como
conscientizar de que não será possível o usufruto de direitos sem o cumprimento de deveres, assim
como ninguém será totalmente livre, enquanto alguém não puder usufruir de todos os direitos humanos.
O Brasil, mesmo ocupando o 11º PIB mundial, impõe o 74º lugar em qualidade de vida para a
maioria da população. Segundo o Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (IPEA) do Ministério do
Planejamento existiam em 1998 57 milhões de brasileiros (as) abaixo da linha da pobreza, ou seja, que
ganhavam até um dólar por dia. Estima-se que: 1/3 dos (as) trabalhadores (as) nunca tiveram um
emprego de carteira assinada, logo completamente excluídos do mercado formal de trabalho e de
consumo; que apenas 1/3 esteja incluído e que o outro 1/3 que já esteve incluído até o final dos anos
80, mas com o processo de globalização da economia, reestruturação produtiva e as políticas
neoliberais que provocaram um desmonte do Estado cumprindo o programa do FMI, contribuiu para
ampliar a exclusão social. Esta situação vem aumentando o estado de insegurança até mesmo da
população incluída, devido a pobreza e a miséria de milhões de famílias excluídas de quase tudo.
Platão, no século V aC alertara em A República, que por trás de um mendigo sujo, faminto e
esfarrapado, poderia estar escondido um perigoso larápio e assassino. Contudo, a culpa da
mendicância é muito mais da sociedade, que consciente ou inconscientemente, permite que seus
governantes imponham políticas que contribuem para desumanizar os seres humanos. Como alguém
que se diz cristão, e ou fiel a qualquer outra Religião que em geral, todas são humanistas, pode ver um
ser faminto, sujo, sem um lar e tratá-lo como um animal perigoso e conseguir dormir com sua
consciência tranqüila e/ou pior ainda, querer ser tratado humanamente por ele?
Um país potencialmente rico como o Brasil, pode desenvolver econômica e socialmente para
mudar esta realidade. Porque ainda não mudou? Rocha Sobrinho (2006) analisou os instrumentos que a
classe dominante usou para obstaculizar o exercício pleno da cidadania em 506 anos de História da
formação da sociedade brasileira, estabelecendo cinco marcos históricos denominados de cidadania:
negada; cerceada; tutelada; reprimida e a exercitada.
Em 1988, José Sarney, líder da classe dominante afirmou que seria impossível cumprir o padrão
de seguridade social aprovado na Carta Magna, devido o tamanho do Brasil e de sua população. Porém,
podemos afirmar que é plenamente possível implementar outro padrão com melhor qualidade de vida e
com mais justiça social, neste País,desde que desconcentre a renda e a riqueza de poucas mãos.

1
Historiador pela UFBA, Especialização em Economia do Trabalho e Sindicalismo/UNICAMP-SP, Mestre em Saúde
Coletiva pela UEFS, Monitor de Oficinas sobre Cidadania e educador da UNIPOP.
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Para isto urge desenvolver um processo de conscientização, organização e mobilização da
sociedade brasileira, fazendo com que os governantes tomem decisões que atendam os interesses da
maioria e não como nestes últimos 506 anos, priorizando os interesses das elites e dos especuladores
internos e externos. O Brasil ostenta a pior distribuição de renda do mundo, segundo a ONU entre os
países industrializados. Sem realizar uma Reforma Tributária e Fiscal Progressiva, eliminando o
sistema atual, que é a mais regressiva do mundo, onde aqueles que menos ganham, são os que mais
pagam impostos tanto indiretos quanto diretos, não conseguiremos eliminar a grande exclusão social.
Pretendemos analisar como a herança colonial e escravista, o processo de globalização,
reestruturação produtiva e as políticas neoliberais impactaram sobre o exercício pleno da cidadania
após a promulgação da “Constituição Cidadã” de 1988. Para a elite brasileira cidadania se resume ao
direito de votar e/ou nos “direitos formais, mas não reais”. Para ser um cidadão pleno tem que ter
acesso aos direitos civis, políticos e sociais. O cidadão e a cidadã que não se beneficiam dos direitos
sociais como: moradia; alimentação; educação, saúde; lazer; trabalho; previdência social e transporte
de qualidade estão impedidos de usufruir os tão propagados direitos humanos, e a cidadania plena.
Entre fins da década de 1970 e durante a de 1980, os trabalhadores brasileiros contribuíram
muito para o processo de democratização da sociedade brasileira. Lutaram pelo restabelecimento das
liberdades democráticas no País e por uma sociedade mais justa. Emergiram o chamado “Novo
Sindicalismo”, o movimento sanitarista e diversos movimentos sociais lutando em prol do exercício
pleno da cidadania. Como fruto deste processo, conquistou-se espaços políticos em vários segmentos
da sociedade, confiança, representatividade com muitos dos seus líderes se elegendo para o parlamento,
para o executivo, e inclusive um metalúrgico como Presidente da República.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Existem diferentes elucubrações teóricas analisando porque os EUA desenvolveram tanto e o


Brasil não, mesmo sendo invadidos a partir do século XVI pelos europeus. Enquanto os EUA foram
ocupados por famílias inteiras oriundas da “Alemanha”, Inglaterra, França, “Holanda”, Irlanda etc,
fugindo da perseguição política e religiosa, trazendo toda a sua riqueza, conhecimento tecnológico e
objetivando implantar uma nova Pátria. No Brasil foi um processo muito diferente: predominou uma
Colônia de exploração, e os fidalgos portugueses vieram não para povoar, mas apenas espoliar as
riquezas, retornar logo e viver o resto da vida sem trabalhar à custa da corte portuguesa e dos lucros
auferidos nas terras brasílicas.
Diante das constantes invasões das terras brasílicas pelos franceses, holandeses e outros, e com
a perda do comércio asiático, Portugal foi forçado a construir fortes, distribuir as Capitanias
Hereditárias e implementar um processo de colonização, a fim de defender a “América portuguesa”.
Para, além disso, precisava gerar renda para compensar as perdas econômicas do comércio com o
mundo oriental, assim como, para manter o luxo do estamento real, financiar e manter o Estado.
Ao contrário daqueles europeus que habitaram as terras da América do Norte, havia uma
mentalidade da fidalguia portuguesa que o trabalho envilecia o homem, que era coisa de escravos, e
não para “gente de sangue azul”. Escravizaram os indígenas inicialmente, porém, como eles
conheciam bem o local, resistiram enquanto puderam, mas foram derrotados principalmente em função
da guerra bacteriológica. Em 1549, Tomé de Sousa o Primeiro Governador geral fundou a cidade do
Salvador como capital do Brasil Colônia e iniciou o lucrativo comércio do tráfico negreiro controlado
pela Coroa portuguesa. Foram seqüestrados cerca de 9,6 milhões de negros (as) na África, trazidos em
condições subumanas para cá e impostas às relações escravistas de produção por 349 anos.
Entre 1500/1888 prevaleceram relações escravistas de produção, onde o “negro não era gente”,
mas apenas mercadoria e instrumento de trabalho, sem acesso à educação e nenhum tipo de
seguridade social, muito menos direito à liberdade individual. A Lei do sexagenário que supostamente
libertaria o escravo após 60 anos de idade foi uma farsa, pois, o legislador “esqueceu-se de obrigar que
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o ex-dono o bancasse”. Com isto, sobrou a sarjeta e a mendicância como meio de sobrevivência.
Concordamos com Carvalho (2001)2 que a escravidão foi o fator mais negativo para dificultar o
exercício pleno da cidadania no Brasil, ao restringir o acesso à educação, pois, em 1872, meio século
após a independência, apenas 16% da população era alfabetizada. Os escravos e afrodescendentes eram
em torno de 75% da população até a segunda metade do século XIX e mesmo assim eram excluídos do
convívio social, sofriam maus tratos, desqualificação e repressão da sua cultura. Denominamos este
período de cidadania negada, já que brancos pobres, negros, índios e seus descendentes não tinham
nenhum acesso aos direitos civis, políticos e mito menos aos sociais.
Mesmo sendo tratados como mercadoria os escravos mantiveram a sua cultura e a capoeira, que
ora se discute neste evento sobre “Capoeira e Cidadania”, como uma forma de resistência contra a
desumanização que sofriam dos colonizados. Com a Proclamação da República em 1889, vigorou até
1930 a República Velha o quadro não mudou muito. A Constituição Republicana de 1891 tornou o
ensino elementar obrigatório para todos. Porém, só havia escolas nos grandes centros urbanos,
inacessíveis aos filhos dos pobres, que tinham que trabalhar para ajudar a família, e não existiu um
processo especial de alfabetização de adultos, a fim de integrar os afrodescendentes na sociedade. Não
houve uma legislação de transição de quase quatro séculos de relações escravistas de produção para
uma sociedade assalariada. As empresas recém implantadas contrataram os imigrantes europeus, com
formação profissional e política oriunda da Europa e o ex-escravo analfabeto e sem profissão não foi
preparado para enfrentar o mercado de trabalho.
Segundo o jornalista republicano Aristides Lobo “o povo assistiu bestializado”3 a Proclamação
da República, pensando que fosse mais uma parada militar e/ou uma “caça aos negros fujões”. As
camadas populares continuaram impedidas de participar da vida política do País. Apenas cerca de 1%
da população votava para eleger o presidente durante a República Velha. As mulheres somente
puderam votar a partir de 1934. Por isto denominamos este período de cidadania cerceada. O voto
universal, um dos principais direitos políticos reivindicados nas Revoluções Democráticas Burguesas
Americana (1776) e Francesa (1789) só foi conquistado no Brasil em 1934 para os alfabetizados.
Entre os imigrantes existiam os anarco-sindicalistas que os governantes europeus se livraram
deles, que com uma formação política e filosófica libertária, contribuíram muito para o processo de
formação da classe trabalhadora brasileira. Porém, neste período, todas as reivindicações sociais foram
tratadas como “caso de polícia” pelos governantes da Republica Velha.
O pacto oligárquico amparado na “Política do Café com Leite” ou a Política dos
Governadores predominou entre 1889 e 1930, impondo um regime conservador, com pleno controle
da máquina estatal. Seus governantes enfrentaram vários problemas econômicos, sociais e políticos
durante toda a década de 1920, principalmente com as camadas médias em ascensão e com o
“Movimento Tenentista” desmoronando-se de vez, com o desfecho da crise de 1929. Com uma
economia basicamente mono exportadora, com a queda em torno de 50% na cotação do preço do café
nas bolsas de Londres e Nova York, a oligarquia cafeeira entrou em bancarrota econômica, e,
politicamente tornou-se insustentável permanecer no poder, encerrando o período da República Velha.
Getulio Vargas inaugurou o “Regime Populista” que vigorou entre 1930 e 1964, construindo
um pacto entre a oligarquia agro-exportadora, a burguesia industrial em formação e parte da classe
trabalhadora. Ele visava um processo de industrialização com alguma independência dos países
imperialistas. O governo Vargas envolveu os três principais segmentos de classes mais importantes
daquele momento. Para garantir os recursos financeiros necessários à industrialização oriundos da
agro-exportação, beneficiou as oligarquias rurais comprando e queimando os grandes estoques de café

2
O livro de José Murilo de Carvalho. Cidadania no Brasil. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2001.
3
Conforme Carvalho (1987).
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e desobrigando os fazendeiros incluir os trabalhadores rurais nos direitos contidos na legislação
trabalhista, previdenciária e da Justiça do Trabalho recém criada por decreto pelo Governo.
O governo providenciou os recursos necessários à burguesia industrial, concedendo polpudos
incentivos e subsídios fiscais para garantir o processo de industrialização do Brasil. Beneficiou aos
empresários decretando uma legislação trabalhista, que regulava as relações capital/trabalho,
impedindo a plena autonomia e liberdade de organização sindical. Para isto, Getúlio Vargas adaptou a
“Carta Del lavoro” (legislação trabalhista fascista de Benito Mussolini na Itália) à realidade local,
elaborando a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Por um lado, para conquistar o apoio da classe
trabalhadora, juntou algumas leis esparsas que protegiam o trabalho feminino, do menor e do adulto,
decretou algumas leis de cunho social, por outro, impôs um Sindicato Oficial, em detrimento da
liberdade e autonomia do patronato, do governo e da Igreja, defendido pelo “Anarco-sindicalismo”.
As categorias de trabalhadores somente seriam beneficiadas pela Legislação Trabalhista,
Previdenciária e pela Justiça do Trabalho recém criada se o seu respectivo sindicato fosse reconhecido,
ou melhor, atrelado ao Ministério do Trabalho. Para impor esta legislação trabalhista fascista, o
Governo perseguiu, prendeu, torturou, expulsou e até assassinou vários lideres sindicais de origem
anarco-sindicalista, socialista e comunista durante a década de 1930, piorando com o golpe de Estado,
denominado de Estado Novo em 1937, com o discurso de combater o comunismo e as oligarquias.
O governo Vargas em 1943 concluiu a CLT. Esta garantia algumas conquistas sociais e
trabalhistas para cerca de 20% e 25% da classe trabalhadora incluída no mercado formal de trabalho
com carteira assinada, mas, excluiu todos os (as) trabalhadores (as) rurais, autônomos (as) e
desempregados (as) das legislações recém-criadas. Denominamos este período de Cidadania
Tutelada, nos inspirando no conceito de cidadania regulada conforme Santos 4 (1977), pois, somente
quem tinha carteira de trabalho assinada usufruía de forma particularista e meritocrática como cidadão
da legislação recém criada, ficando cerca de 75% a 80% da classe trabalhadora considerada como pré
ou sub-cidadã, com cidadania restrita, sem nenhuma seguridade social garantida legalmente.
Se não bastasse a herança atávica das relações escravistas de produção, imposta pela Metrópole
portuguesa por 349 anos, ainda herdou-se o peso do sindicato oficial e da “cidadania regulada”
implementada por Getúlio Vargas a partir de 1930 que vigiu até 1964, impedindo o exercício pleno da
cidadania e reforçando a antiparticipação social. Além disso, a grande migração da área rural formando
um exército industrial de reserva com trabalhadores analfabetos facilitou a burguesia industrial impor
baixos salários e dificultar a organização e a capacidade reivindicatória da classe trabalhadora.
Entre 1945 e 1964 houve um pequeno lapso de democracia no Brasil. Findada a Segunda
Guerra Mundial e iniciado o processo de redemocratização em todo o mundo, tornou-se insustentável
manter o ditador Getúlio Vargas no poder, o qual foi deposto da presidência e o General Eurico Gaspar
Dutra eleito presidente democraticamente. Luís Carlos Prestes foi eleito senador da República, Jorge
Amado eleito deputado federal pelo Partido Comunista, assim como várias outras lideranças.
Com o início da Guerra Fria (estabelecimento do conflito entre os Países do bloco comunista
liderados pela URSS e do bloco capitalista liderados pelos EUA) em 1947, o governo Dutra a s erviço

4
Santos (1977, p. 73 e 74) “por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes encontram-se, não em
código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificação
ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras, são cidadãos todos aqueles membros de comunidade que se
encontram localizadas em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei. A extensão da cidadania se faz,
pois, via regulamentação de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante ampliação do escopo dos
direitos associados a estas profissões, antes que por expansão dos valores inerentes ao conceito membro da comunidade. A
cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo
produtivo, tal qual reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos os trabalhadores urbanos em igual condição, isto é, cujas
ocupações não tenham sido regulada por lei”.
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da política do “Tio Sam” cassou todos os parlamentares comunistas e pôs o Partido Comunista na
ilegalidade5 e reprimiu os movimentos sociais que lutavam por questões coletivas.
Getúlio Vargas se candidatou à sucessão de Dutra e foi votado massivamente. Com suas
propostas de construção de um capitalismo nacional, independente dos países imperialistas, atraiu os
comunistas para apoiar seu governo. Contudo, já não conseguiu montar um pacto que lhe desse a
governabilidade anterior e enfrentou grandes dificuldades, acusações diversas de corrupção no
governo, fortes pressões externas quanto ao seu modelo econômico, dizendo não ter podido resistir às
“poderosas forças ocultas”, acabou suicidando-se em 24.08.54 conforme sua carta testamento.
O Plano de Metas 50 anos em 5 do governo Juscelino Kubitscheck construiu Brasília como a
nova capital federal, a indústria automotiva e a infra-estrutura necessária, ampliou o parque
siderúrgico e as rodovias, tornando o País, um canteiro de obras. Investiu em educação apenas para
formar a técnico-burocracia para tocar este empreendimento. O crescimento econômico minimizou um
pouco os problemas imediatos dos trabalhadores, apesar do modelo econômico concentrador de renda
que dificultou a ampliação do mercado de consumo e quando da maturação das indústrias implantadas
gerou a crise que serviu como parte do álibi para o golpe de 1964. O Plano de Metas foi comparado
como um abacaxi em que: “o Estado brasileiro descascou-o; os representantes do capital nacional e internacional
tomaram o suco e os trabalhadores ficaram com o bagaço67”, por terem que pagar sozinhos as suas contas.
O Padrão Fordista ou norte-americano de desenvolvimento implantado nos Países Centrais
garantindo bons salários, empregos estáveis, sistema de crédito para viabilizar o consumo, fazendo
com que os (as) trabalhadores (as) ficassem preocupados em não perder o emprego, a fim de honrar as
suas dívidas e trabalhassem cada vez mais, nunca foi implantado no Brasil. Findada a etapa do Plano
de Metas, manteve-se um mercado interno inelástico, sem condições de demandar o potencial
produtivo da economia, devido à concentração de renda. Com isto, houve forte queda nos índices de
investimentos comparados aos anos anteriores, o que dificultou o pagamento da dívida externa e
deixou os governos Jânio Quadros/João Goulart entre 1961-64 com grandes problemas, com uma
dívida externa que não fizeram e ainda com uma forte resistência política dos EUA em renegociá-la.
Esta crise produziu desemprego, fome e ampliou os problemas dos excluídos da era Vargas.
Quando esses acumularam forças para reivindicar um sistema de Seguridade Social que beneficiasse
toda a população brasileira, lutando pelas “Reformas de Base”, os representantes da burguesia
industrial e dos latifundiários em vez de investir em um projeto de nação, se uniram aos militares
conservadores optando pelo Golpe de Estado. Deram um golpe de Estado impondo uma ditadura e
suspendendo todas as liberdades democráticas entre 1964 e 1985 com todo o apoio logístico dos EUA.
Iniciando o período em denominamos de Cidadania Reprimida.
Com uma recessão econômica intensa, dívidas altas de curto prazo vencidas sem ter como
pagar, inflação disparando, pressão social crescente e indisposição dos credores externos de renegociar
a dívida liderados pelos EUA, o governo João Goulart foi derrubado sem maior resistência interna. As
elites brasileiras para não dividir o bolo construído pelo povo, com o povo, com a desculpa de
combater uma “República Sindicalista” influenciada pelos comunistas, apoiaram o golpe, com ajuda
logística dos EUA, supostamente para evitar que o Brasil se transformasse em uma Cuba de tamanho
continental. Já que isto era inaceitável para a geopolítica de Washington.

5
Basbaum, 1976: 186
66
Mantega, 1985: 73 e 74
7 Skidmore (1982:391), “No inicio de 1964, o governo dos Estados Unidos mostrava-se preocupado com a possibilidade
de uma brusca guinada esquerdista no Brasil. [...] Goulart em princípios de 1964 estava prestes a tentar uma solução
7
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O brasilianista Thomas Skimore8 negou a participação direta dos EUA na preparação do Golpe
de 31 de março de 1964, contudo analisou alguns aspectos, que no bojo da Guerra Fria, não deixou
nenhuma dúvida, que os EUA não ficariam alheios a tais acontecimentos. Todavia, a autora Phyllis
Parker9 confirmou a participação direta dos EUA pesquisando documentos oficiais do próprio governo
norte-americano. Parker10 trouxe novos dados denunciando como dos EUA providenciou todo o apoio
logístico e bélico para contrapor qualquer tipo de resistência popular liderada pela esquerda no Brasil.
O governo ditatorial reprimiu drasticamente o exercício da cidadania no Brasil de diversas
formas. Interveio em todas as instituições democráticas contrárias ao golpe militar, prendeu, torturou e
até assassinou as principais lideranças estudantis, sindicais, políticas e populares, retirando-os dos
grandes centros urbanos a fim de evitar o processo de conscientização política. Censurou a liberdade
de imprensa e de expressão. Implementou uma educação tecnicista, eliminando dos cursos médios
todas as disciplinas que estimulavam o pensamento sócio-político-filosófico. Em 1968, decretou o Ato
Institucional nº 5 (AI-5), um regime de exceção que suspendeu as prerrogativas do Congresso e deu
plenos poderes ao Governo Militar de plantão de cassar o mandato dos parlamentares de esquerda, de
prender quem discordasse publicamente, protestasse e que lutasse de qualquer forma contra o regime.
Negro11 pesquisou e revelou como os governantes militares interviram nos sindicatos no
sentido de impedir o trabalho de conscientização da classe trabalhadora, tornando as entidades em um
instrumento assistencialista, assim como colocou interventores para denunciar quem fazia o trabalho
sindical ao “Serviço Nacional de Informações” (SNI), para que fosse preso.

O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA.

Os movimentos sociais lutaram por Anistia Ampla Geral e Irrestrita que garantisse a libertação
de todos (as) os (as) prisioneiros (as) políticos (as) para defender o pleno restabelecimento das
liberdades democráticas que deveria ser imediata. A luta pela plena liberdade de expressão, de
manifestação, de reunião, de ir e vir sem ser perseguido, preso, torturado, exilado e/ou ser assassinado
e a luta por uma Assembléia Nacional Constituinte, Livre e Soberana, por eleições Diretas Já, em
todos os níveis (municipal, estadual, federal). Houve grandes mobilizações e passeatas gigantes.
Grande parcela dos trabalhadores rurais foi expulsa do campo com a mecanização da
agricultura e ausência de Políticas Agrícolas que respaldassem este processo. Isto contribuiu para
formar um grande “exército Industrial de Reserva” a fim de baratear o custo da mão-de-obra no meio

8
peronista ao beco-sem-saída político do Brasil. [...] logo após o golpe de 1964 que o governo norte-americano se
preocupara com a infiltração esquerdista no regime de Goulart”.
98
Parker (1977, p. 96), “[...] o embaixador [Gordon] concluía que Goulart estava decididamente empenhado numa
campanha para obter poderes ditatoriais e que, se Goulart conseguisse êxito nesse esforço, o Brasil provavelmente cairia
sobre o completo domínio comunista. Gordon rejeitou totalmente a possibilidade de que o objetivo de Goulart fosse
assegurar uma construtiva reforma social e econômica, sugerindo ao contrário, que ele queria na verdade “desacreditar a
Constituição em vigor e o Congresso, lançar a base para um golpe de cima para baixo”.
10
9Parker (1977, p.103), “Na tarde de 31 de março, os Estados Unidos começaram a transformar os planos preventivos em
ação. O primeiro plano executado enviou um porta-aviões de ataque pesado, o Forrestal, e destróieres de apoio (inclusive
um destróier equipado com mísseis teleguiados) em direção das águas brasileiras”.
11
11 Negro apud Rodrigues (1999:17), “Inúmeras entidades sindicais sofreram intervenção federal, ou foram reprimidas
por forças policiais ou do exercito. Por meio de suas delegacias regionais, Ministério do Trabalho (MT) passou, em
seguida, a vigiar de perto os dirigentes e os interventores que haviam substituído as lideranças anteriores. [...]. Além disto
os sindicalistas de confiança do novo regime teriam de desempenhar três papeis básicos. [...], dar continuidade à vigilância,
fazendo do sindicato um lugar de identificação dos ativistas que permanecessem atuantes. [...] deslocar a atuação dos
sindicatos do campo da reivindicação por melhores condições de trabalho para o assistencialismo. A [...] orientação
política dos interventores desligariam os sindicatos das questões especificas dos locais de trabalho e da situação geral da
ditadura militar e a autoridade empresarial, neutralizando ou desencorajando ações a partir do local de trabalho”.
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urbano industrial. As “Ligas Camponesas” no Nordeste e os (as) trabalhadores (as) rurais no Sul do
Brasil expulsos de suas terras fizeram o maior enfrentamento, formando mais tarde o MST. Já os
trabalhadores urbanos puseram na ordem do dia as “Reformas de Base”.
Em 31-07-1977 O Jornal Folha de São Paulo publicou a matéria com o título “para o BIRD não
é válido o índice de inflação de 1973”, afirmando que o “governo brasileiro divulgou índices de
inflação em 1973 e 1974 que não foram verdadeiros segundo o Banco Mundial”. O governo divulgou
11,9% quando na realidade foi de 22,6%12. O índice calculado pelo DIEESE (órgão criado e bancado
pelos sindicatos dos trabalhadores fundado em 1955) foi 22.68% enquanto a Fundação Instituto de
Pesquisas (FIPE) da Universidade de São Paulo ficou em 13,96% acompanhado de perto o índice da
Fundação Getúlio Vargas 13,7%. O DIEESE ganhou notoriedade na imprensa brasileira e
internacional, ao comprovar que o reajuste necessário teria que ser de 33,5% e não os 18,7% como
anunciara o governo para repor as perdas salariais de 1973. Denunciou a proibição dos sindicatos de
negociarem os reajustes salariais e a correção salarial anualmente imposta pelo governo, e defendia a
livre-negociação e o fim da intervenção estatal nas relações capital/trabalho 13,
Segundo Chaia (1992), o documento do BIRD confirmou que os dados pesquisados pelo
DIEESE estavam corretos, em detrimento dos índices decretados pelo governo para repor as perdas
salariais dos trabalhadores entre 1973 e 1974. O governo falsificara os índices a fim de cumprir as
metas definidas pelo FMI e pelo Banco Mundial. Com a repressão da liberdade de expressão e a
imprensa censurada, a sociedade brasileira só pode tomar conhecimento dos cálculos do DIEESE e a
confirmação de que seus dados eram corretos quando foram comprovados pelo Banco Mundial.
A classe trabalhadora lutou contra a fraude, a intervenção federal nos sindicatos que beneficiava
o patronato em detrimento dos trabalhadores ampliando a concentração de renda, fazendo as grandes
greves no ABCD paulista inicialmente, e em todo o País durante a década de 1980. Mesmo com a
repressão e uma Lei anti-greve vigorando, o judiciário não podia considerar uma greve ilegal por
motivo de salários atrasados. Esta brecha legal facilitou a luta pela recuperação das perdas salariais, por
melhores condições de trabalho, pela democratização da sociedade brasileira contribuindo para um
maior exercício da cidadania e superando parcialmente o sindicalismo corporativista da era Vargas.
Este movimento foi chamado pelos cientistas sociais de Novo Sindicalismo14, pois a sua força se
caracterizava pela forte organização por local de trabalho, em contraponto ao “velho sindicalismo
corporativista”, cupulista e conciliador de classe implantado na era Vargas, cujos dirigentes sindicais
tinham maior trânsito e força nos gabinetes palacianos do que nos locais de trabalho.
Os economistas defensores da classe dominante continuam considerando a década de 1980
como “perdida”, todavia, no País, em nenhuma outra década, em 506 anos de formação da Sociedade
brasileira houve outra politicamente tão vitoriosa. Conquistou as Centrais Sindicais legalmente
proibidas desde a “era Vargas” até hoje, os Partidos Políticos de Esquerda, derrubou-se a Ditadura
Militar, conquistou a Carta Magna de 1988 e MST, como um grande movimento social de massa,
garantindo um arcabouço institucional que abriu portas legalmente para a Cidadania Exercitada.
Enquanto o movimento sindical mundial estava em descenso, com exceção dos Países nórdicos
e escandinavos, o brasileiro cresceu, sendo recordista em grandes mobilizações e greves. Contudo, a
classe trabalhadora brasileira adentrou os anos 90, com poder aquisitivo menor do que era na década
anterior. Isto ocorreu por um lado, porque os ditadores de plantão impuseram os Pacotes Econômicos
(decretos-lei que arrochava os salários, com reajustes abaixo da inflação real) e por outro, pela “espiral

1212
Chaia, 1992: 156
1313
Idem : 158
14
Santana (1999, 135) O “novo sindicalismo agregava sob sua rubrica uma série de forças distintas entre si, mas que tinham
em comum posicionamento contrário àqueles outros setores os quais ficavam com reformistas e/ou pelegos, e que, segundo
sua visão, via um sindicalismo de colaboração de classes, entravavam o desenvolvimento da luta dos trabalhadores em
busca de reivindicações. O momento da emergência do “novo sindicalismo” pode ser caracterizado por uma situação de
concorrência entre projetos políticos e sindicais no interior dos setores de esquerda no Brasil.
8
inflacionária”(que corroia o poder de compra dos salários transferindo renda dos mais pobres para os
mais ricos) e a submissão às políticas do FMI para pagar juros da dívida externa.
A vitória do projeto neoliberal em 1989 elegendo Presidente F. Collor de Mello facilitou uma
abertura abrupta da economia brasileira, possibilitando que as empresas fizessem uma reestruturação
produtiva sem negociar nada com a classe trabalhadora, afirmando que era a única forma de sobreviver
numa economia internacionalizada e ultra competitiva. Os Presidentes F. Collor e F. Henrique agiram
de forma submissa diante das decisões dos Países Centrais para resolverem a crise, do “Sistema
capitalista” implementando o receituário neoliberal do Consenso de Washington.
Este projeto impôs uma modernização conservadora15 priorizando atender as exigências do
mercado em detrimento do social, que conforme Mattoso (1995) fundamentou o processo de
reestruturação produtiva das empresas assim como a mecanização da agricultura. Ao avançar com
novas tecnologias, enxugou o quadro, reduziu custo através do processo de terceirização e da
precarização das relações de trabalho priorizando a competitividade e a maximização do lucro. Este
fato nos anos de 1990 pôs a classe trabalhadora urbana na defensiva para não perder o que conquistara
anteriormente, enquanto a rural avançou com MST, lutou e vem lutando bravamente a cada dia
ampliando os acampamentos e assentamentos em prol da Reforma Agrária.
O discurso neoliberal de que o Estado-nação perdeu toda a sua força para realizar política
macroeconômica com o processo de globalização da economia, no mundo no Brasil é falacioso. Pois, a
classe dominante continua usando o Estado para organizar e regular a vida social, tendo-o como
instrumento para garantir a institucionalidade necessária para garantir as reformas neoliberais. A
modernização conservadora não seria imposta na década de 1990, se o governo e o empresariado não
controlassem o aparelho de Estado para quebrar a espinha dorsal dos movimentos sociais brasileiros e
de outros países. Trata-se de uma crise do sistema capitalista, e não do Estado, como acusam os
neoliberais, com “visão única” de solução que deve ser contestada conforme analisou Hobsbawm16.
Milton Santos (2001), Hobsbawm (1995) e outros pensadores mostram que outra globalização
é possível. Porque não é nenhum “ente marciano” que a administra internacionalmente, eliminando
bons empregos e outrora estáveis, desregulamentando e flexibilizando o mercado de trabalho,
comercial e financeiro, impondo trabalho precarizado em todos os cantos do globo, priorizando onde
inexiste uma organização e liberdade sindical a fim de não comprometer a maximização do lucro.
Os efeitos deste processo de globalização, reestruturação produtiva e das políticas neoliberais
vem ampliando a exclusão social no Brasil e no mundo principalmente fragmentando a representação
sindical dos talhadores, e causando grandes prejuízos para o exercício da cidadania. Os movimentos
sociais ficaram ideológica e politicamente na defensiva com o desmoronamento da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), com a derrota de uma candidatura progressista nas eleições
de 1989, diante do neoliberal Fernando Collor de Mello eleito Presidente da República.
Por Medida Provisória foi confiscado os ativos financeiros e inclusive os depósitos da
Caderneta de Poupança, praticando uma recessão induzida para quebrar o poder de barganha do
movimento sindical da CUT. Com as lojas e as fábricas com seus estoques abarrotados, a população
sem nenhum poder de compra, facilitou a imposição do Plano Collor, com recessão econômica para
estabilizar. Esta situação dificultou o uso da greve pelos trabalhadores, já que seria por “a faca e o
15
Tema trabalhado por Mattoso (1995: 64-68).
16
Hobsbawm (1995:19) “[...] buscaram soluções radicais, muitas vezes ouvindo teólogos seculares do livre mercado
irrestrito, que rejeitavam as políticas que tão bem haviam servido à economia mundial durante a Era de Ouro e que agora
pareciam estar falhando. [...]. Na década de 1980 e [...] de 1990, o mundo capitalista viu-se novamente às voltas com
problemas da época do entreguerras que a Era de Ouro parecia ter eliminado: desemprego em massa, depressões cíclicas
severas, contraposição cada vez mais espetacular de mendigos sem teto a luxo abundante, em meio a rendas limitadas de
Estado e despesa ilimitadas de Estado. Os países socialistas, agora com suas economias desabando, [...], foram impelidos a
realizar rupturas igualmente- ou até mais- radicais com seu passado e, como sabemos, rumaram para o colapso. Esse
colapso pode assinalar o fim do Breve Século XX, como a Primeira Grande Guerra Mundial pode assinalar o seu inicio”.
9
queijo” nas mãos do patronato fazer greve com a sociedade sem poder de compra, desobrigando-o de
pagar os salários. Entre 1990/92 com o processo de reestruturação produtiva nas empresas eliminou-se
2.149.684 postos de trabalho. O desemprego em massa desarmou mais ainda a classe trabalhadora.

NÃO HÁ DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA SEM OS DIREITOS SOCIAIS.

O processo de modernização conservadora produziu enormes ganhos para os capitalistas em


detrimento dos trabalhadores. As políticas neoliberais, o desmonte do patrimônio público, a
desindustrialização nos setores menos competitivos e a reestruturação produtiva implementada nos
setores mais dinâmicos da economia, cuja maioria dos trabalhadores tinha empregos relativamente
estáveis, com um bom nível de proteção social e salários acima da média do mercado, impuseram uma
concorrência predatória e precarizou muito as relações de trabalho. Isto desempregou milhões de pais e
mães de famílias e aumentou a pobreza, a miséria, o desespero e a violência. Tal como ocorreu no
Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) incluindo os EUA, Canadá e México,
aqueles trabalhadores que perderam o típico emprego fordista, quando arranjaram outros, foram em
condições precárias, com salários até 70% menores que percebiam antes e sem direitos sociais. E não
diferente com os demitidos do Pólo Petroquímico da Bahia, do setor bancário ou das ex-empresas
estatais, que quando encontraram trabalho, a remuneração foi muito inferior.
Globalizou-se plenamente o capital, a especulação financeira e parcialmente o processo
produtivo desde que as empresas multinacionais dominaram o controle tecnológico, mas
nacionalizaram a cidadania. Pois, os capitalistas criaram enormes barreiras para impedir a globalização
do mercado de trabalho. A mídia neoliberal que elogiou tanto a queda do “muro de Berlim”, nunca
criticou a cercas eletrificadas dos EUA para barrar a entrada dos trabalhadores mexicanos, assim como,
as restrições para entrar na Europa Unificada. Em contrapartida, Bush queimou trilhões de dólares nas
guerras do Afeganistão e do Iraque assassinando milhares de crianças, idosos e adultos inocentes para
garantir reservas de petróleo, enquanto 1/3 da população mundial está subnutrida e/ou passa fome.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que o Brasil foi o
País que mais cresceu no mundo entre 1930 e 1980, porém, houve desenvolvimento econômico sem
desenvolvimento social, por não ter implementado um processo de melhor distribuição da renda
nacional. Paradoxalmente entre 1980 e 2002 concentrou-se mais ainda a renda fazendo com que o País
ocupasse a 6º pior distribuição de renda, ganhando apenas da Naníbia, Botsuana, Serra Leoa, República
Centro-Africana, Suazilândia. Ou seja, o pior escore, já que estes países têm economias inexpressivas.
Por que o rico brasileiro paga em torno da metade do imposto de renda que o seu congênere dos
EUA e cerca de um terço dos escandinavos? É necessário conscientizar a população para enfrentar as
elites e realizar uma Reforma Tributária e Fiscal Progressiva fazendo os ricos brasileiros pagarem
impostos como pagam os dos Primeiro Mundo, a fim de dividir melhor a renda nacional. Também é
imprescindível lutar por uma drástica redução da jornada de trabalho, no sentido de que todos
trabalhem menos, para que todos trabalhem com mais qualidade de vida e mais solidariamente. As
elites brasileiras introjetaram no imaginário popular que “Manda quem pode e obedece quem tem
juízo” e que “Religião, Futebol e política não se discute”, desconstruir isto é uma tarefa
imprescindível dos movimentos sociais e dos partidos progressistas. É possível superar a exclusão
social de milhões de brasileiros se o País deixar de pagar cerca de R$ 200 milhões ao ano de juros e
amortização de parte da dívida pública e externa que satisfaz o apetite do capital especulativo interno e
externo nas últimas décadas. Só com um processo de organização, mobilização e luta da Sociedade
Civil diminuirá a brutal concentração de renda e de riqueza neste País ampliando a inclusão social.
Com a Reforma Tributária proposta, quem tiver maior riqueza e/ou renda pagará um percentual
maior de imposto, quem ganha menos, um menor, e, quem não ganha o suficiente receberá uma Renda
Social do Estado, para garantir uma vida digna, naturalmente tendo que prestar alguma contrapartida
para sociedade. Sem essa Reforma o Estado não poderá cumprir o Capítulo da Seguridade Social
10
contido na Carta Magna no tocante à Saúde, Alimentação, Moradia, Educação, Previdência Social,
Transporte de qualidade e Lazer para todos os brasileiros. Com redução da jornada de trabalho, mais
emprego, mais qualidade de vida contribuirá para reduzir os atuais índices de violência (em 1998, o
custo total das conseqüências desta foi de R$ 80 bilhões, ou seja, 10,5% do PIB brasileiro daquele ano),
assim como as perdas humanas, materiais e financeiras.
Parafraseando Rui Barbosa, quem não conhece os direitos que tem, não tem direito de
reivindicar direito nenhum. Porém, de quem é a responsabilidade das pessoas menos esclarecidas não
conhecerem seus direitos contidos na Lei Orgânica do município, na Constituição estadual e federal?
Os representantes da classe dominante brasileira desde o período colonial vêm administrando os bens
públicos como se fossem privados, para beneficiar os mais ricos. Entretanto, não podemos e nem
devemos culpar apenas os dirigentes governamentais, pois, todos nós, como cidadãos, somos co-
responsáveis por esta situação e pelo descaso dos governos com quem se encontra excluído.
Os governantes em geral, vêm considerando os “investimentos sociais” como gastos e
priorizando atender os interesses de mercado, particularmente a partir dos anos de 1990. A terrível
insegurança social tomou conta do País de ponta a ponta, vis-à-vis os casos de São Paulo, Rio de
Janeiro, Salvador, Feira de Santana e outras cidades. Por isso, alertamos que não basta se preocupar
com os interesses dos excluídos, mas também sensibilizar a parcela dos incluídos que o “horror
econômico”17 está muito mais caótico e próximo dela, do que sofreram os franceses no segundo
semestre de 2005, profetizados por Forrester cerca de uma década atrás.

CONSIDERAÇOES FINAIS

Propomos capacitar as lideranças dos movimentos sociais para conhecerem as origens das
conquistas históricas da classe trabalhadora, incluindo os direitos civis, políticos e sociais no Brasil e
no mundo. Entendemos que sensibilizar e conscientizar os incluídos no mercado formal de trabalho
e/ou de consumo, que o grave problema dos excluídos deste País também é deles. Pois, a paz e
liberdade plena na Sociedade Civil somente serão conquistadas quando os milhões de excluídos
estiverem uma condição de vida digna, e não com maior policiamento e mais cadeias. Sensibilizar
diretores (as) das Instituições escolares para realizar oficinas com o corpo docente e discente da rede
escolar e universitária, para estimular o cumprimento dos direitos e deveres, visando alcançar o
exercício pleno da cidadania, ampliando os laços de solidariedade entre os (as) cidadãos e cidadãs.
A Carta Magna de 1988 e as Leis Orgânicas Municipais de 1991 garantiram vários “Conselhos
Institucionais”. O mais avançado e preparado deles, o Conselho Municipal de Saúde (CMS), em função
da histórica antiparticipação social impostas pelas elites brasileiras, que sempre administraram os bens
públicos como se privados fossem dos mais ricos, dificultaram de todas as formas a participação
popular, que ainda hoje, a maioria dos CMS é controlada pelos executivos municipais. Em vez dos
conselheiros serem democraticamente eleitos e capacitados para conhecerem os seus “direitos e
deveres”, a maioria dos 5564 prefeitos além de indicar os conselheiros, não investe na capacitação
deles, e ainda insiste em manter o Secretário Municipal de Saúde presidindo o CMS, ou seja, “raposa
vigiando galinhas”. Preparar o cidadão e a cidadã para participar de forma politicamente ativa e não
passivamente, além de ser um caminho para o exercício pleno da cidadania, ainda, será de grande valia
para ajudar a elaborar políticas públicas de cunho social, assim como, evitará a corrupção.
A principal inovação contemporânea para desconstruir a tradição patrimonialista, coronelista,
populista, clienteista, paternalista e fisiologista no Brasil foi a implementação do “Orçamento
Participativo” (OP), ou o “modo petista de governar”, que divide o município em regionais. Para cada
17
Alusão à conclamação feita por Viviane Forrester. O Horror Econômico. São Paulo: Unesp, 1997, que se os 2/3 de
incluídos, não fizessem alguma coisa contra o avanço do neoliberalismo que excluiu cerca de 1/3 dos franceses do mercado
formal de trabalho e de consumo, para inseri-los novamente, teriam as suas vidas infernizadas por eles.
11
10 participantes em uma assembléia regional elege-se um delegado, e, esses elegem 2 conselheiros por
cada região, formando o Conselho do Orçamento Participativo (COP), que representa a Sociedade Civil
no processo de co-gestão com o Prefeito. Até 2004 conforme Victoriano 18 apenas cerca de 190 dos
5562 municípios brasileiros praticavam o OP. A nossa pesquisa sobre a implementação do OP em
Alagoinhas-Ba nos convenceu que o OP pode ser um excelente instrumento pedagógico de cidadania.

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Vitoriano (2004)
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