ESCRAVIZADO A CIDADÃO Professora doutora Carolina Rocha Silva DA ONDE SURGE O PRECONCEITO?
DIFICULDADE DE LIDAR COM AS DIFERENÇAS/ALTERIDADE:
• *Classe *Religião *Nacionalidade *Gênero *Orientação sexual *Etnia *Cultura *Idade *Cor da pele, características morfológicas DIFERENTES FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO: • *Evitação *Rejeição verbal *Agressão Física *Segregação espacial A DISCRIMINAÇÃO PELA COR DA PELE TEM PONTOS DE INTERSESSÃO COM VÁRIAS OUTRAS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO (OPRESSÕES QUE SE SOMAM) CONCEITO HISTÓRICO DE RAÇA/RACISMO Biologicamente as diferenças de cor da pele estão ligadas a quantidade de melanina da pele e de insolação em certos lugares do globo terrestre. Do ponto de vista social a história nos ajuda a entender como foi criada e desenvolvida a ideia de raça e racismo. As Grandes Navegações do século XV O contato com outros povos Como lidar com a alteridade? Existe humanidade no Novo Mundo? Foi preciso que esses outros povos, indígenas e negros africanos, se convertessem ao cristianismo para que pudessem ter a sua humanidade plena. A necessidade de conversão foi uma das justificativas da escravidão (regime do padroado). O Cristianismo como verdadeira religião BRASIL> Terra de natureza paradisíaca e humanidade infernal TEORIAS SOCIAIS: USOS E ABUSOS
Século XVIII: a Razão explica a história da humanidade e não a bíblia (explicações
teológicas) Os outros são RAÇAS com cor de pele diferente, demonstradas cientificamente Século XIX: Cor da pele somada a características morfológicas como tamanho do crânio, formato dos lábios, do queixo, do nariz, altura, etc... Século XX: Marcas genéticas, pesquisas comparativas dos patrimônios genéticos de cada raça. Chegaram a conclusão que esse critério de classificação da humanidade em raças não é operante, porque verificaram que certos indivíduos negros se aproximavam, geneticamente, mais de indivíduos brancos do que de outros negros. Então, CIENTIFICAMENTE A RAÇA NÃO EXISTE. As teorias sociais são manipuladas politicamente por indivíduos, governos, países e, hoje, essas teorias que negam a existência de raças biológicas tem sido, convenientemente, usadas para defender a tese de que o racismo não existe. A HIERARQUIZAÇÃO DAS RAÇAS
Além de classificar as raças em tipologias, os cientistas as hierarquizaram em
superiores e inferiores, o que tem consequências muitos graves até hoje na história da humanidade: O DETERMINISMO BIOLÓGICO. Assim, os seres com peles mais branca foram considerados mais bonitos, mais inteligentes, com características morais, psicológicas e culturas superiores comparativamente aos outros. Assim, o RACISMO saiu dos livros e foi amplamente aceito e difundido no tecido social. Os negros e indígenas tinham uma humanidade considerada inferior aos europeus. Essas teorias racistas, justificaram e legitimaram, dessa forma, a colonização dos países africanos e asiáticos, e a escravidão. CIDADANIA E ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA
A importância da Constituição de 1824, por ser o contexto em que “pela primeira
vez se definiu uma cidadania brasileira e os direitos a ela vinculados, quando da emancipação do país em 1822” (MATTOS, 2000, p. 7), mas mantendo inalterada a escravidão, “garantida que era pelo direito de propriedade” (MATTOS, 2000, p. 7). Em relação às leis que levam ao fim da escravidão, são: a Lei do Ventre Livre (nº 2.040/1971), a Lei dos Sexagenários (nº 3.270/1885) e a Lei Áurea (nº 3.353/1888). “[...] na implementação das políticas emancipacionistas, o Estado acabou sendo obrigado a se defrontar com o poderio privado dos senhores. A intervenção desse nas relações antes privadas entre senhores e seus escravos é uma das principais características da política emancipacionista do século XIX, tendo sido uma das vias de consolidação de poder do Estado monárquico. Dentre a panaceia de leis e decretos por meio dos quais o império buscava restringir o poder senhorial, tomando a dianteira do processo gradualista de restrição e potencial extinção da escravidão [...]” (MACHADO, 2009, p. 371). IDEOLOGIAS DE BRANQUEAMENTO
embranquecer, negando sua identidade e o seu corpo. Vídeo “Primeiras lembranças” (Geni Guimarães). Protagonismo e privilégio branco (Lei áurea, mídia, livros) Silenciamento das lutas negras pela abolição e da história da cultura africana e afro-brasileira. A partir de década de 1870 a estrutura econômica brasileira passou por grandes mudanças, que refletiram nas relações sociais e políticas existentes. Progressivamente a mão-de-obra escrava negra foi perdendo espaço para o trabalho assalariado imigrante nas lavouras agrícolas brasileiras. O Branco como fator positivo de trabalho e consumo. Era preciso ARIANIZAR o Brasil (Oliveira Viana). RAÇA COMO CATEGORIA POLÍTICA E IDEOLÓGICA O significado social de RAÇA muda de acordo com o indivíduo/povo/contexto que se apropria dele. É um conceito que deixa de ser biológico, mas passa a ser determinado pelas relações de poder que existem na sociedade e nas culturas que o elaboram (função social). Os indivíduos negros reivindicam sua NEGRITUDE, o que faz parte de recuperar essa identidade de forma positiva. Nasce da consciência de ser protagonista da sua própria história após ter por séculos sua humanidade negada. O racismo advém apenas da negação de lidar com a diferença? Sem dúvida a diferença amedronta o racista (uma questão de educação). Mas muitas vezes o que amedronta mais é a semelhante encoberta pela diferença (Kabengele Munanga). A realidade da raça hoje não é mais biológica, ela é histórica, político e social, por isso continuamos a usar o conceito de raça como uma categoria de análise para explicar o passado e o presente. Quando não existem as diferenças de forma biológica, elas são inventadas e reinventadas pelos homens. A geografia do corpo negro (Sartre) não nos permite esconder a diferença. Um negro mais retinto, por exemplo, pode ser barrado em um ambiente e outro, mais claro, não. Apesar de sermos todos da ESPÉCIE HUMANA (que surgiu no continente africano), apresentamos diferenças físicas e morfológicas que podem ser explicadas pelos mitos bíblicos e pela ciência (variáveis climáticas). A diversidade coletiva garante nossa sobrevivência. O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL
Racismo? No Brasil? Quem foi que disse? Isso é
coisa de americano. Aqui não tem diferença porque todo mundo é brasileiro acima de tudo, graças a Deus. Preto aqui é bem tratado, tem o mesmo direito que a gente tem. Tanto é que, quando se esforça, ele sobe na vida como qualquer um. Conheço um que é médico; educadíssimo, culto, elegante e com umas feições tão finas... Nem parece preto. RACISMO ESTRUTURAL “Pensar o racismo como parte da estrutura não retira a responsabilidade individual sobre a prática de condutas racistas e não é um álibi para racistas. Pelo contrário: entender que o racismo e estrutural, e não um ato isolado de um indivíduo ou de um grupo, nos torna ainda mais responsáveis pelo combate ao racismo e aos racistas. Consciente de que o racismo e parte da estrutura social e, por isso, não necessita de intenção para se manifestar, por mais que calar-se diante do racismo não faça do indivíduo moral e/ou juridicamente culpado ou responsável, certamente o silencio o torna etica e politicamente responsável pela manutenção do racismo. A mudança da sociedade não se faz apenas com denúncias ou com o repudio moral do racismo: depende, antes de tudo, da tomada de posturas e da adoção de práticas antirracistas.” (Racismo Estrutural, Silvio Almeida, pg. 34) “Pois cá comigo – disse Emília – só aturo estas histórias como estudos de ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçados. Não têm humanismo. Parecem-me muito grosseiros e até bárbaros. Coisa mesmo de negra beiçuda, como Tia Nastácia. Não gosto, não gosto, não gosto.” (Trecho de Reinações de Narizinho de Monteiro Lobato 1956) – “Não podemos ignorar a raça na construção de uma democracia inclusiva no Brasil, posto que ela é critério da exclusão” (Edward Telles) RACISMO INSTITUCIONAL
Publicação do governador Sergio Cabral em 2007,
em que ele defende o aborto para reduzir a violência no Rio de Janeiro: “Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal", declarou. Zâmbia e Gabão são dois países africanos. Então a fábrica de produzir marginais do ex-Governador são as mulheres negras. RACISMO INSTITUCIONAL: SEGURANÇA PÚBLICA Cláudia Silva Ferreira, mulher negra, casada, mãe de quatro crianças e tia de quatro sobrinhos, dos quais tomava conta. Na manhã do dia 16 de março de 2014, Cláudia segurava um copo de café e seis reais nas mãos quando foi alvejada por tiros da Polícia Militar do Rio de Janeiro. O caso, provavelmente, não teria repercussão se não fosse pelo fato do seu corpo ter sido jogado no porta-malas de uma viatura policial que, durante o percurso, teve a mala aberta acidentalmente. Presa por um pedaço de roupa, Cláudia foi arrastada por 350 metros enquanto um cinegrafista amador registrava as imagens divulgadas nos dias seguintes pela imprensa nacional e internacional. MÃE GILDA (1936-2000) RACISMO CULTURAL RELIGIOSO
Moradora e fundadora do Ilê Axé Abassá de Ogum,
Terreiro de Candomblé localizado nas imediações da Lagoa do Abaeté, bairro de Itapuã, Salvador (BA), Mãe Gilda tinha uma vida discreta desde o ano de 1996 quando fundou o terreiro, iniciando sua prática religiosa naquele local. A revista Veja publicou matéria em 1992, em que aparecia uma foto de Mãe Gilda, trajada com roupas de sacerdotisa, tendo aos seus pés uma oferenda como forma de solicitar aos orixás que atendessem às súplicas daquele momento. A Iurd publicou essa fotografia no jornal Folha Universal, em outubro de 1999, associada a uma agressiva e comprometedora reportagem sobre charlatanismo, sob o título: “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. A matéria afirmava estar crescendo no País um “mercado de enganação”. Nesta reportagem, a foto da Mãe Gilda, aparece com uma tarja preta nos olhos. A publicação dessa foto marca o início de um doloroso, porém definidor processo de luta por justiça da família e de todos os religiosos do Candomblé. CIDADANIA COMO DIREITO, MAS NÃO COMO FATO Cidadania: “A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais”. (Marshall, 1967) Segundo o IBGE, os negros (pretos e pardos) eram a maioria da população brasileira em 2014, representando 53,6% da população. Na parcela do 1% mais ricos, 79% eram brancos, em 2014. Por outro lado, na população que forma o grupo 10% mais pobre, com renda média de R$ 130 por pessoa na família, os negros continuam majoritária. Entre a população negra, a taxa de desemprego é maior que entre os brancos. A taxa de analfabetismo é duas vezes maior entre os negros. Os índices de violência são muito maiores para homens e mulheres negras. O Mapa da Violência 2015, por exemplo, foi dedicado ao feminicídio. De 2003 a 2013, enquanto a taxa de homicídios de mulheres brancas no país caiu 11,9% (de 3,6 para 3,2 mortes por cem mil habitantes), a das negras subiu 19,5% (de 4,5 para 5,4. Da mesma forma, na epidemia de assassinatos de jovens de 15 a 29 anos, pretos e pardos são quase 80% das vítimas. Na saúde negras sofrem mais com a violência obstétrica e têm índices superiores de morte no parto. Indicadores sociais do IBGE mostram hiatos também na educação. Cerca de 94% das crianças de 6 a 14 anos, brancas e negras, estavam matriculadas no ensino fundamental. Contudo, entre o sexto e o nono anos, 83,4% dos brancos continuavam na escola; entre os negros, 75,1%. A proporção dos que concluíram o ciclo básico também é desigual: 87,4%, contra 76,5%. No ensino médio, sete em cada dez adolescentes de 15 a 17 anos autodeclarados brancos estavam na escola; entre os negros, metade. Uma das características da sociedade brasileira é a desigualdade social, ao pensarmos essa situação relacionada entre a população branca e a população negra esse fato se agudiza, resultando numa trajetória de exclusão social e econômica da população negra brasileira. Esse cenário atual e seus rebatimentos tem origem no passado escravocrata brasileiro. A ESPERANÇA DE MUDANÇA ESTÁ NA EDUCAÇÃO? Uma nova educação que promova no processo de formação da cidadania brasileira a importância da diversidade. Uma educação multicultural que esteja baseada na diversidade para garantir uma verdadeira democracia. As leis sozinhas não resolvem os problemas, daí a importância das políticas públicas de ação afirmativa que vão completar o conteúdo normativo das leis. Ações reparadoras da escravidão: 134 anos de abolição X três séculos de escravidão. Lei 10.639/11.645 que tornam obrigatório o ensino de história da África e afro-brasileira, tais conteúdos deveriam estar presentes de maneira natural em todas as disciplinas da grade curricular do Ensino Básico. Já que tais temáticas fazem parte de nossa formação enquanto sociedade brasileira, além de estarem presentes em nosso cotidiano, na comunicação, na alimentação, no vestuário e entre outros, não devendo ser tratados enquanto estranhos e alheios a nós. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira., 2006. FANON, Frantz (Trad. Renato da Silveira). Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo e HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara: ensaios sobre racismo no Brasil. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002. GUIMARÃES, Geni. A cor da ternura. São Paulo: FTD, 1998. MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. “Teremos grandes desastres, se não houver providências enérgicas e imediatas”: a rebeldia dos escravos e a abolição da escravidão. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (orgs.). O Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e Status. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora,1967. MATTOS, Hebe. Raça e cidadania no crepúsculo da modernidade escravista no Brasil. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (orgs.). O Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. _____. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. São Paulo: Jorge Zahar, 2000. MUNANGA, Kabengele. O Negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global Editora, 2006. PASTOUREAU, Michel. Preto: história de uma cor. São Paulo: Editora SENAC, 2014. TELLES, Edward. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Ford, 2003. Quem é? Frantz Fanon Como psiquiatra, filósofo, cientista social e revolucionário, Frantz Fanon é um dos pensadores mais instigantes do século XX. Sua obra influenciou diversos movimentos políticos e teóricos na África e diáspora africana e segue reverberando em nossos dias como referência obrigatória nos os estudos culturais e pós-coloniais. Sua trajetória política e teórica impressiona pela grandiosidade no curto espaço de vida. Nasce em Forte de France, Martinica em 1925, em 1950 Frantz Fanon escreve o texto que seria a sua tese de doutorado em psiquiatria: Peau noire, masques blancs (Peles Negras, Máscaras Brancas). Nela, o autor discute os impactos do racismo e do colonialismo na psique (de colonizadores e colonizados) e mostra o quanto as alienações coloniais são incorporadas pelos colonizados, mesmo no contexto de elaboração do protesto negro. Quem é? Kabengele Munanga Kabengele Munanga é um antropólogo e professor brasileiro-congolês. É especialista em antropologia da população afro-brasileira, atentando-se a questão do racismo na sociedade brasileira. Kabengele é graduado pela Université Oficielle du Congo (1969) e doutor em Antropologia pela Universidade de São Paulo (1977). Foi professor de antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, vice- diretor do Museu de Arte Contemporânea, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia e do Centro de Estudos Africanos da USP. Quem é? Geni Guimarães
Geni Mariano Guimarães
nasceu na área rural do município de São Manoel- SP, em 08 de setembro de 1947. Mãe, mulher, negra, poetisa, defensora da mulher e dos direitos de igualdade a todos os gêneros e raças, Geni Guimarês representou o Brasil indo a diversos países falando sobre racismo. Ganhou em 1990 o prêmio Jabuti/Autor revelação pelo livro “A cor da ternura”.