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RELAÇÕES

RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS

ÉTNICO-RACIAIS
RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
Claudia Amorim
Marcos Dias de Araújo
Mariana Paladino

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A543r
Amorim, Cláudia
Relações étnico-raciais / Claudia Amorim, Marcos Dias de Araújo, Mariana Paladino.
- 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE BRASIL S/A, 2016.
160 p. : il. ; 21 cm.

ISBN 978-85-387-6212-6

1. Negros - Brasil. 2. Índios do Brasil - Trato. 3. Conscientização. 4. Preconceitos. 5.


Racismo. I. Araújo, Marcos Dias de. II. Paladino, Mariana. III. Título.

16-34686 CDD: 370.981


CDU: 37(81)
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Claudia Amorim

Doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Ja-


neiro (UERJ). Mestre em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Especialista em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Graduada em
Letras Português – Literaturas de Língua Portuguesa pela UFRJ.

Marcos Dias de Araújo

Mestre em História do Brasil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Gradua-


do em História pela UFPR. Professor de História do Brasil, Relações Internacionais
e História da Arte em cursos de Graduação e Pós-Graduação. Em 2009 coorgani-
zou o livro Relações internacionais: uma abordagem multidisciplinar.

Mariana Paladino

Doutora em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia


Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS/UFRJ).
Mestre em Antropologia Social pelo PPGAS/UFRJ. Graduada em Antropologia
pela Universidad Nacional de La Plata, Argentina.
Sumário
Conceitos de raça, etnia e
identidade cultural e nacional.................................................9
Raça....................................................................................................................................................9
Etnia................................................................................................................................................ 14
Identidade nacional e múltiplas identidades................................................................... 17
A identidade nacional brasileira........................................................................................... 23

A África lusófona: um pouco de história........................... 33


Breve panorama

histórico da África lusófona.................................................................................................... 34


A colonização das ilhas
do Atlântico e da Costa Africana........................................................................................... 36
O Império Colonial Português
nas ilhas e nas terras africanas............................................................................................... 36
A independência dos
cinco países africanos lusófonos.......................................................................................... 38

África lusófona e Brasil: laços e letras................................. 51


Os africanos no Brasil:
um pouco de história................................................................................................................ 51
Estudos afro-brasileiros na contemporaneidade........................................................... 64

História e historiografia indígena........................................ 75


O sistema colonial e missionário (1549-1755)................................................................. 76
O Diretório dos Índios e o retorno
da ação missionária (1755-1910) ......................................................................................... 82
O Regime tutelar (1910-1988) .............................................................................................. 84
As imagens sobre os índios
nos séculos XVIII, XIX e XX....................................................................................................... 88
Visões indígenas do contato.................................................................................................. 89

Situação contemporânea dos povos indígenas............. 97


Quem são e quantos são os
povos indígenas hoje no Brasil ............................................................................................. 97
Diversidade linguística e cultural.......................................................................................102
Formas de organização social e parentesco...................................................................106
Economias indígenas..............................................................................................................107
Religiões indígenas..................................................................................................................108

Políticas de ações afirmativas,


políticas curriculares e currículo........................................117
As questões demográficas e raciais do Brasil.................................................................117
Ações afirmativas no mundo...............................................................................................124
Ações afirmativas no Brasil...................................................................................................126
Políticas curriculares................................................................................................................129
Currículo......................................................................................................................................134

Gabarito......................................................................................145

Referências.................................................................................151
Apresentação

Você vai ler agora um material sobre as relações étnico-raciais. Esse tema deve
ser abordado de maneira direita e ampla, pois se trata de um assunto de suma im-
portância na formação dos profissionais e estudiosos brasileiros. Enseja questões
sobre nossa formação e população, passando por seus problemas e suas heranças
positivas e negativas de relações marcadas pelo equívoco, pela violência, pela sub-
missão e pela revolta, mas também visando à construção de um país mais equilibra-
do, justo e igualitário.
A problematização desse tema envolve questões de educação, oportunidades,
mercado de trabalho e identidade social. Seu conceito e sua evolução são os temas
centrais deste material.
Conceitos de raça, etnia e
identidade cultural e nacional
Marcos Araújo
Neste capítulo inicial, vamos refletir sobre os conceitos de raça, etnia e
identidade nacional. O objetivo é discutir o surgimento e a evolução das
ideias sobre o tema até o momento atual. Daremos atenção especial à apli-
cação dos conceitos no Brasil e sua variedade de sentidos contemporâneos.

Raça
A pura observação da diversidade entre seres humanos sempre intri-
gou o homem que, ao mesmo tempo em que via traços comuns de huma-
nidade, apontava diferenças consideradas insuperáveis para o pertenci-
mento social: cor da pele, índole, práticas sociais, textura e cor de cabelos,
concepção de mundo, inteligência e força. Muitas vezes, a classificação
dos homens se dava, no mundo antigo, por obediência política, religião,
local de nascimento, tribo, raça ou nação.

Havia em quase todas as culturas um senso de superioridade em re-


lação às outras. Os diversos hábitos sociais eram considerados bizarros,
inumanos, e a cultura daqueles que não eram do grupo era considera-
da subalterna. Os gregos, por exemplo, achavam que todos os povos não
gregos eram bárbaros e inferiores; se não o fossem em poderio militar, o
seriam em índole e cultura.

Nos séculos seguintes à derrocada do mundo antigo, a emergência das


religiões universalistas como o cristianismo e o islamismo adicionou um
elemento de identidade e separação pela religião que guiou as disputas
pela Península Ibérica, pela África e pelas áreas dos otomanos, no Leste
do Mediterrâneo. Porém, com o crescimento da sociedade europeia para
regiões da África e da Ásia, bem como seu domínio sobre a América, a con-
cepção de uma humanidade mais diversa começou a intrigar os homens.

Os europeus se achavam mais inteligentes e justos por terem sua reli-


gião católica e se viam como superiores aos demais. O contato com povos
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

diversos colocou as verdades europeias em cheque. Com a dominação gradual


sobre portos africanos e a colonização da América, a Europa criou as bases de
uma sociedade econômica em crescimento constante. Ao mesmo tempo, a es-
cravidão africana e indígena precisava de uma justificativa moral que advinha
da religião (os negros e índios seriam descendentes de Cam, filho amaldiçoado
de Noé) e a própria condição de escravo colocava esse homem europeu como
superior aos cativos.
Entre alguns homens sensatos, algumas dúvidas foram plantadas. Montaigne
(1533-1592), que estudou o canibalismo de nossos índios tupinambás, esclare-
ceu que mais chocante do que pensar que humanos devoram humanos, seria
pensar que cristãos matam cristãos em lutas entre católicos e protestantes, que
atearam fogo na Europa da época. Montaigne observou que “cada qual consi-
dera bárbaro o que não se pratica em sua terra” (BRASÃO, 2013). No entanto, de
forma geral a sociedade aristocrática do Antigo Regime manteve um discurso de
superioridade de sua cultura. Algo que a sociedade burguesa só ressaltaria mais.
No século XVII, o filósofo François Bernier tentou pela primeira vez classi-
ficar as pessoas por ratio, termo latino que designa descendência, espécie ou
categoria. O avanço da ciência e a busca por classificações foram vitais para a
disseminação da noção de raça moderna. Carl Linneauhs (Carlos Lineu), um bo-
tânico sueco, desenvolveu o sistema binominal de classificação dos espécimes
(por exemplo, o gato é Felis catus). Lineu também classificou os humanos, em
1775, segundo raças e mantendo uma visão fortemente preconcebida dos tipos
humanos unindo características físicas de cor de pele com marcas de índole:
 americano (Homo sapiens americanus: vermelho, mau temperamento,
subjugável);
 europeu (Homo sapiens europaeus: branco, sério, forte);

 asiático (Homo sapiens asiaticus: amarelo, melancólico, ganancioso);

 africano (Homo sapiens afer: preto, impassível, preguiçoso). (NORMANDO;


PALOMARES; QUINTÃO; SANTOS, 2010)
Essa classificação serviu de base àqueles que vieram depois, no século XIX, e
seguiam a linha de Lineu. Depois dele, J. F. Blumenbach, em 1795, estipulou que a
humanidade estaria dividida em tipos físicos mais ou menos gerais como cauca-
siano, mongol, etíope, americano e malaio. Durante o século XIX, essa teoria justi-
ficou uma visão racialista da humanidade, ou seja, de que existiam grandes dife-
renças entre os tipos humanos e que havia uma relação entre tipo físico e cultura.

Dessa forma, o pensamento científico do século XIX reforçou a doutrina da


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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

superioridade europeia, adotando práticas matemáticas – medição de crânios,


narizes, altura etc. – com discursos eurocêntricos, segundo os quais a inteligên-
cia e a índole dos europeus seriam superiores às dos asiáticos, africanos, oceâ-
nicos e ameríndios. Histórias como a de Tarzan, a qual conta como um menino
branco perdido era superior aos animais da África e se tornava rei deles (o
homem branco controla tudo, inclusive a natureza), foram repetidas de diversas
formas e com variantes.

Esse conceito da superioridade da raça branca não deixou de ser visto como
uma resposta à questão da igualdade iluminista, proposta ao mesmo tempo.
Enquanto o conceito iluminista de cidadão engloba, em tese, todos os nascidos
na pátria, independente de classe e posição social, o conceito de raça aposta
numa desigualdade intrínseca ao homem, que separa os seres humanos de uma
mesma nação. Tanto é assim que a teoria racialista ganhou terreno não só na
ciência europeia, mas também na norte americana e na jovem ciência brasileira.
Nomes de cientistas brasileiros como Mena Rodrigues e Euclides da Cunha estão
ligados aos estudos de raça.

Na medida em que é um conceito derivado da Biologia e que as raças cru-


zadas geram mestiços e seres misturados, apagando traços originais, logo, sur-
giram ideias de que é possível, por meio de cruzamentos humanos, melhorar o
plantel humano do país ou, ao contrário, torná-lo decadente e fraco. Esse pa-
radigma deu suporte a várias políticas de eugenia, criadas em quase todos os
Estados contemporâneos, europeus e americanos.

Eugenia é uma política de limpeza da raça por meio de proibição de ge-


ração de determinados grupos, ou de miscigenação. Muitas vezes serve para
argumento da detenção do avanço de doenças hereditárias e doenças men-
tais. No Brasil, a política de imigração do Segundo Império foi implantada
por D. Pedro II, sob consulta do Conde Gobineau, um dos pais do racismo
moderno. Gobineau escreveu um o “Ensaio sobre a desigualdade das raças
humanas”. Para ele, a única saída possível para o Brasil, formado por negros e
índios, (que, segundo sua concepção, são inferiores) era a de importar bran-
cos europeus e, aos poucos, eliminar os negros, miscigenando-os até que
os traços das raças inferiores desaparecessem da sociedade. A política de
importação de europeus e a segregação de negros alforriados e livres em
guetos empobrecidos eram as táticas nessa política.

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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

Nas décadas seguintes a ciência continuaria a aprofundar os estudos das


raças erguendo regimes sociais baseados nas desigualdades entre elas. Mesmo
na África, colonizada por europeus, o sistema racial entrou em vigor, classifican-
do os habitantes do país. Em Ruanda, por exemplo, país colonizado pelos belgas,
estabeleceu-se um sistema em que tutsis mais altos e com narizes mais finos,
considerados “mais europeus”, eram colocados acima dos hutus, que eram os
negros mais baixos e com nariz largo. (GOUREVITCH, 2006)

A ciência do final do século XIX ligava os elementos darwinistas e os racistas


ao unir as tradições cristãs e outras paternalistas em relação aos demais povos.
Mesmo com eventos que apontavam sua insustentabilidade, essas teses esta-
vam tão arraigadas que mais se pareciam com crenças. Dentre tantos exemplos,
a derrota dos russos para os “amarelos” japoneses encheu de vergonha não só
os próprios russos, mas como também os brancos europeus, ao mostrar que as
táticas modernas e as armas poderiam ser utilizadas com maestria por oficiais in-
teligentes e capazes. Nenhum outro argumento racional era capaz de demons-
trar o contrário. A ciência e o senso comum continuaram repetindo o discurso de
raças. Nos censos dos países, os homens eram classificados de acordo com sua
raça, muitas vezes associada à cor de pele, de forma que o racialismo se tornou
vital no estabelecimento de políticas públicas.

No campo da ciência surgiram pessoas, especialmente antropólogos, que co-


meçaram a questionar a cientificidade da teoria racialista, especialmente as de-
rivações sociais do racialismo, isto é, a ideia de limitações mentais ou físicas para
negros ou índios nas sociedades dominantemente brancas. O auge da divisão
racista do mundo ocorreu com a doutrina nazista, que serviu de pavimento para
regimes e grupos supremacistas pelo resto do século XX.

Hitler, que fora um artista frustrado e que fora cabo do exército na Primeira
Guerra Mundial, não entendia de ciência, mas, imbuído dos conceitos de senso
comum do racialismo, colocou o sistema alemão sob essa visão quando assumiu
o poder, em 1933. Ele aprovou leis que negavam o direito de judeus, negros,
ciganos e poloneses de casar com mulheres arianas (brancas alemãs). Em se-
guida, a segregação ocorreu no trabalho, nas escolas e nas cidades por meio
da criação de guetos nas áreas ocupadas. Por fim, Hitler e seus subordinados
criaram campos de concentração, onde 12 milhões de pessoas perderam a vida
(6 milhões de judeus).

Em oposição ao racialismo hitlerista, o socialismo e o liberalismo adotaram


posições cada vez mais opostas ao racismo. Do lado socialista, um discurso de

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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

igualdade entre povos oprimidos pelo imperialismo e colonialismo e a abertura


de universidades e postos de trabalho, bem como a cooperação entre a União
Soviética e movimentos e países africanos e asiáticos, fizeram com que diversos
estudos universitários começassem a ser feitos nas universidades africanas, in-
cluindo estudos da história dos povos africanos anteriores à colonização. Nos
países africanos e asiáticos, a igualdade racial foi tentada, ainda que muitas
vezes os governos não conseguissem acabar com fortes tradições.

Nos países liberais, o sistema de igualdade racial começou nas áreas mais
sensíveis à presença negra, como Estados Unidos e Brasil, países onde a pre-
sença negra era muito grande e a escravidão criou uma ciência fortemente
racialista. Se pelo lado dos racistas havia um forte apelo tradicional, por outro,
a forte presença negra e sua cultura cada vez mais importante no cenário
urbano moderno, criando comportamentos, formas de luta, músicas e discur-
sos. Além disso, cada vez mais celebridades e figuras importantes da socieda-
de encontraram eco de sua luta por igualdade racial entre liberais brancos que
aproximaram o Partido Democrata da plataforma de integração e direitos civis
durante as décadas de 1940 a 1960.

Com os estudos antropológicos em alta (ver conceito de etnia a seguir), a


ideia de raça perdeu força no meio científico, mas continuou vigorando nos
meios sociais, ganhando inclusive significados mais positivos atribuídos por
suas primeiras vítimas, isto é, os negros. “Raça” passou a ser utilizada de maneira
positiva. Expressões como “esse é um sujeito de raça”, “esse jogador joga com
raça”, “minha raça é negra”, entre outras, mostravam como o termo foi incorpora-
do no dia a dia das pessoas.

Diversos regimes mantiveram os estatutos de raça para dividir socialmente


as pessoas, sendo o caso mais conhecido e debatido no estatuto da África do
Sul, onde, depois da Segunda Guerra, construiu-se um regime de segregação
baseado em leis fortes e repressivas. Por meio dessas leis, os negros, indianos e
mestiços eram foram considerados inferiores e não podiam frequentar determi-
nados lugares, nem podiam votar. O regime do apartheid, como ficou conheci-
do, mantinha a desigualdade e a violência aberta contra os negros, perseguindo
e matando abertamente os opositores. O maior deles, Nelson Mandela, ficou
preso de 1964 até 1990 e só obteve de volta sua liberdade quando o regime
desmoronou interna e externamente, depois que o mundo fez um boicote aos
produtos africanos. A legislação segregacionista foi suprimida, e a África do Sul
se tornou uma democracia com igualdade racial.

13
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

Por outro lado, no mesmo período pós-guerra, o conceito de raça sofreu um


forte revés após o avanço científico da época, mas continuou existente na bu-
rocracia e na vida social, o que resultou numa volta de estudos de raça. Antes
de negar o conceito, um grupo de antropólogos o retomou sob um prisma
mais moderno, que não levava em conta medições cranianas ou apenas achava
que a construção da raça era política e não tinha implicações sociológicas. Para
esse grupo de cientistas sociais, a raça é uma construção social que representa
uma forma de identidade moderna em uma série de conjunções de identida-
des possíveis, que misturam gênero, classe, raça, religião e outras formas con-
temporâneas de identidades que formam indivíduos plurais e multifacetados.

Johann Moritz Rugendas/W.Commons


(Representações de escravos de diversas nacionalizadades encontradas no Basil, por Johann Mo-
ritz Rugendas. Disponível em: <http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/51/imagens/
i347320.jpg>.)

Etnia
Quando a sociologia surgiu entre as ciências, duas tradições foram critica-
das pelos pensamentos de Marx, Durkheim e Boas: a imanência da religião e a
subordinação do humano à natureza. Foi assim que a influência do clima ou da
formação racial foi minorada diante da questão da formação social. Seus graus
de evolução não tinham a ver com a natureza, mas sim com sua posição no
tecido histórico social. Em dadas condições objetivas, os grupos humanos se
equivaliam em moral, inteligência e trabalho (PINHO, 2008, p. 64-65). Sendo
assim, a sociologia se afastou do conceito de raça e, até mesmo entre biólo-
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

gos, passou-se a usar o conceito de população para designar um grupo mais ou


menos homogêneo geneticamente.

Na antropologia e na sociologia, o termo etnia passou a ser usado para clas-


sificar grupos humanos coesos cultural e biologicamente. Trata-se de um termo
grego que designava exatamente isso: grupos de mesma espécie no mundo
animal ou pessoas de uma mesma tribo ou nação. Em 1950, a ONU, por intermé-
dio da UNESCO, passou a adotar o termo “grupo étnico”, que designava grupos
humanos com características sociais, culturais e históricas comuns.

O termo grupo étnico tinha diversas implicações interessantes. Os grupos ét-


nicos poderiam ser usados de maneira indistinta pelos diversos grupos huma-
nos, não só no presente como no passado e davam conta de uma situação cada
vez mais comum que era a existência de grupos étnicos com culturas e aparên-
cias diferentes dentro de um mesmo espaço nacional ou mesmo urbano. As
grandes cidades cosmopolitas sempre foram um cadinho de misturas, desde a
Lisboa moderna, de 1500, que já contava com um número expressivo de negros
vivendo na cidade, bem como Amsterdã e Londres, um pouco mais tarde. No
século XX, as grandes cidades mundiais se tornaram, até o final do século, de-
positárias e geradoras de diferentes culturas formadas a partir de experiências
individuais no intercurso dessas diferentes culturas. Sob esse ponto de vista, o
avanço do estudo que usava o conceito de etnia foi notável.

Se no início havia, na escola de Chicago de antropologia, uma confusão


entre os termos étnicos, comunidade, tribo e nação, mais tarde, houve uma am-
pliação do significado e uma precisão maior na metodologia em vez de uma
discussão teórica.

Do ponto de vista antropológico, as conquistas foram a compreensão dos


mecanismos de sobrevivência da cultura, sua adaptação às tensões do contato
com as outras culturas circundantes e as formas como a aculturação acontecia,
ou seja, como novas manifestações – músicas, comportamentos, costumes –
eram incorporadas e adaptadas pelos grupos sociais.

Já na sociologia, as pesquisas de grupos étnicos valorizaram as maneiras


como esses grupos se formaram e resistiram aos conflitos e problemas decor-
rentes de sua situação de fragilidade social, sejam imigrantes ou sujeitos a códi-
gos racistas, sejam grupos que sofrem com alguma tensão social, os japoneses,
italianos e alemães nos Estados Unidos e Brasil durante a Segunda Guerra Mun-
dial, ou as minorias e as perseguições e ações do Estado contra elas.

15
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

De qualquer forma, os estudos mostravam que:


A cidade, e mais em geral o processo de urbanização, além de integrar e/ou estigmatizar o
outro étnico, também é heterogenética – cria diferença, diversidade e novas oportunidades
para o processo identitário, e torna mais amplo e variado o banco de símbolos ao qual um
grupo étnico pode atingir no processo de redefinição da sua identidade coletiva. (PINHO;
SANSONE, p. 165)

A diversidade de estudos sobre a questão étnica esbarrou em dois obstácu-


los: idealização do passado e da comunidade e certa nostalgia do passado da
comunidade, que selecionava exemplos, relativizava situações e negava contra-
dições. Mobilidades, aculturações e multiformações étnicas eram muitas vezes
negadas pelos pesquisadores dos anos 60 aos 80.

Um dos problemas decorrentes dos estudos étnicos foi o etnocentrismo


branco. Dessa forma, os estudos étnicos se debruçavam sobre minorias – índios,
negros, ciganos –, mas não sobre a etnia branca. Assim, o trato sobre a questão
era ainda muito parecido com a questão antiga, ou seja, a questão das mino-
rias era considerada um problema para a sociedade “normal” e branca. Somente
nos anos de 1990 os antropólogos e sociólogos passaram a ver a relação maio-
ria-minoria como um debate e um conflito entre etnias de diferentes culturas.

Também nos anos 1990, a questão étnica ganhou contornos globais e os


pesquisadores conseguiram se distanciar do elogio da cultura estática de
grupos étnicos idealizados. Dessa maneira, foi possível ver mais nuances nas
relações culturais entre diferentes grupos étnicos e as suas diferenças internas,
com membros mais atentos à cultura global.

Nos anos 2000, a crítica ao conceito de etnicidade ganhou contornos mais


nítidos. Primeiro, porque foi feita pelos ativistas e pesquisadores de fora dos
Estados Unidos, por verem a teoria baseada somente em casos norte-america-
nos ou canadenses, que teve uma forte escola. Dessa forma, sem conhecimen-
to sobre a realidade do mundo, os pesquisadores americanos lançaram bases
igualmente centradas em seus casos e exemplos.

Outro ponto de vista crítico foi o de que a visão estática da cultura sofria com
a realidade da globalização, em que modelos globais são mais fortes que heran-
ças locais. Além disso, havia o entendimento de que muitos dos casos de cultura
tradicional eram o que Eric Hobsbawm chamou de “tradição inventada”. Dessa
maneira, uma tradição de grupos sociais era recente, inventada há pouco, mas
sua fixação na sociedade se fazia pelo discurso da tradição, dizendo que essa
tradição era mais antiga do que, de fato, era. Nos estudos de grupos étnicos,

16
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

muitas vezes os pesquisado-

IESDE BRASIL S/A


res acreditaram que estas tra-
dições inventadas eram reais
e antigas. A crítica consistia no
fato de que era muito comum
o pesquisador enxergar so-
mente aspectos tradicionais
das sociedades, sem entender
o avanço e a mudança das co-
munidades. Estas, por vezes,
faziam um “jogo” para reforçar
estereótipos a fim de mostrar a turistas e pesquisadores a “real” comunidade,
como mostra satiricamente a charge1.

Identidade nacional e múltiplas identidades


Um dos pontos centrais da antropologia e da sociologia é a identidade dos
sujeitos. Quem são, como se identificam e como se classificam os seres humanos
no planeta? Um sujeito forma sua identidade a partir de diversas instituições so-
ciais que se conjugam na vida: a família, a rua e seu bairro, sua cidade, seu país,
sua religião, seu time de futebol, suas afinidades culinárias ou sexuais, políticas
ou musicais, seu ofício e sua função social.

Somos também de algum jeito moldados pela nossa sociedade e pelas expe-
riências sociais que vieram antes de nós, mas que nos forma na medida em que
o sujeito se estrutura a partir de sua experiência circundante, dos exemplos aos
quais os jovens são apresentados ao mundo de acordo com a cultura de seus
pais. Muitas vezes os jovens revolucionam o mundo, mas nunca totalmente e
não sem arrependimento das transformações ensejadas.

As formas identitárias variaram de acordo com a história. Geralmente, tinham


a ver com a cidade e o bairro de origem do sujeito, tal como com sua classe social
e ofício. Um sujeito nascido na colina do Aventino, em Roma, plebeu e soldado,
classificava-se às vezes como romano, aventino, plebeu e soldado de alguma
formação específica do exército romano. Por vezes, a identidade era religiosa,
como entre os sacerdotes e seguidores das religiões. Dessa maneira, existe uma
congregação de interesses e peso da religião que, em determinados momentos,
pesa mais na vida dos sujeitos de algum lugar. Por exemplo, quando se diz que
1
HOBSBAWM, E; RANGER, T. A invenção das tradições.

17
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

o cristianismo faz parte da formação tradicional e da identidade da Espanha,


isso se justifica porque em determinado momento, no Norte do país, o avanço
mouro foi detido, de forma que aquela zona foi considerada de confronto. Fran-
ceses, alemães, italianos, ingleses, aragoneses e castelhanos saíam de suas casas
para lutar pela cristandade, sendo essa a forma identitária que unia homens tão
diferentes; sua força foi tão grande que os séculos seguintes foram de Inquisição,
rigidez religiosa e apego à ortodoxia.

As transformações identitárias tradicionais tomaram um rumo diferente na


Europa no Período Moderno (1453). Aos poucos, formaram-se estados na Itália e
depois pela Europa, criando-se, ao longo dos séculos seguintes, condições para
a ascensão de uma entidade territorial em que os interesses econômicos dos
estados e/ou do rei com empresários de comércio e do monopólio dos portos
abertos para o mundo coincidiram. A economia de todo o Período Moderno
europeu foi predominantemente agrícola – mais de 80% da riqueza dos países
era gerada pela agricultura –, mas a parte dinâmica da economia, a que gerava
grandes lucros e grandes perdas, era o capitalismo comercial. O Estado moderno
apresentava todas as características do Estados contemporâneos: forças de re-
pressão, burocratas fiscais e de fronteiras, cobrança de impostos, censura sobre
o que circulava entre os habitantes das cidades, interferência no comércio, defi-
nição da política externa e um judiciário que legitimava, sobre o primado da lei,
a ação dos burocratas e do rei.

A presença do rei era ambígua no sistema. Por um lado, a política da nobre-


za da época acabou criando figuras de grande poder – militares que, por dom
administrativo, criavam dinastias que duravam gerações e que só eram retiradas
do poder por meio do uso da força. Se bons reis faziam bons governos, reis ruins
podiam despedaçar e enfraquecer reinos para sempre. Porém, mais que isso, os
reis não permitiam a criação de uma identidade nacional verdadeira. A fidelida-
de era a ele, monarca e príncipe. Pouco importava a origem de classe, língua ou
local de nascimento do sujeito para que ele fosse súdito de um rei que, muitas
vezes, tinha domínios não contíguos.

É possível analisar o caso da Dinastia dos Habsburgos, que foram arquiduques


da Áustria (1363-1780), reis da Croácia, da Boêmia e da Hungria (1526 -1780),
reis dos espanhóis (1516-1700), reis de Nápoles e da Sicília (1516-1700), reis dos
portugueses (1580-1640) e grandes príncipes da Transilvânia (1690-1780), além
de terem sido duques da Borgonha e condes da Holanda. Um rei com tantos sú-
ditos diferentes não podia esperar unidade linguística, econômica e identitária

18
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

entre eles; só a fidelidade de seus súditos a seus interesses era necessária. Do


ponto de vista simbólico, o estado girava em torno do monarca, dos seus feitos e
dos seus símbolos e caprichos pessoais. (BALAKRISHNAN, 2000)

O estado absoluto entrou em colapso depois que o Iluminismo começou a


questionar o poder absoluto dos reis e da religião, de forma que as autoridades
foram abertamente questionadas. O surgimento de uma doutrina de direitos
humanos e de cidadania se implantou em grupos burgueses e até mesmo aris-
tocráticos, enquanto ganhava o povo da Europa. Quando a Revolução America-
na e a Revolução Francesa eclodiram, em 1776 e 1789, respectivamente, um dos
termos revolucionários era nação.

A nação era uma entidade nova – se não a palavra, o seu novo sentido, que
proporcionava um tom político. Surgia como uma novidade revolucionária, o
estado, a língua, o povo, os costumes e a visão de mundo, o território, as regi-
ões federadas e as histórias comuns. Todas as diferenças sociais se obliteravam
diante da nação, que carregava um sentido simbólico e político, já que engloba-
va, também, seus representantes e sua autodeterminação.

O conceito de nação era revolucionário, pois, diante do Antigo Regime, que


proporcionava acesso a poucos, a nação incluía a todos – se não no voto, na con-
cepção de que mesmo esse sujeito tinha direitos que o Estado respeitaria e faria
os outros respeitarem. Esses direitos são os chamados direitos humanos e univer-
sais, base das leis norte-americana e francesa. O Estado nacional passou a não ter
mais o rei como referência, mas sim uma entidade abstrata, que era a nação, os
seus símbolos e a sua sobrevivência, sustentados e mantidos pelo Povo.

Depois da Revolução e do Império Napoleônico, a nação se tornou um con-


ceito manipulado pelos conservadores do mundo todo. Nas regiões onde o ab-
solutismo vigorava mais forte, nação era ainda uma palavra carregada de senti-
do aguerrido, mas nas regiões onde o conservadorismo venceu, enfraquecendo
o garrote sobre o povo, passou a ter seu sentido atrelado ao discurso da elite que
mantinha a máquina estatal em suas mãos.

A nação, apesar de ente social e histórico, era apresentada como um todo


orgânico e transcendental que sempre esteve presente, pronto para se formar.
Dessa maneira, quando se buscava a história das nações, apelava-se para a geo-
grafia. “Qual é o mapa atual da nação? Essa será a geografia da história nacional.
Qual é a língua da nação? Então, busca-se sua origem e a valorização da língua
‘nacional’ em detrimento das outras”.

19
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

A língua nacional era a língua do rei ou da região central. Na França – em Ile


de France e Paris – o bretão, o alsaciano e o occitano foram mantidos como curio-
sidades da formação nacional. Na Grã-Bretanha, predominou o inglês do rei,
enquanto nos Estados Unidos houve debate intenso sobre qual língua adotar
após a independência, já que existiam numerosos falantes de espanhol, alemão
e holandês no país. Na Espanha, o castelhano pouco se impôs sobre o catalão e
o basco, as mais fortes línguas regionais da Península Ibérica, sempre almejando
a independência da Espanha. Na Alemanha, o alto alemão da Prússia também
demorou a impor sobre as falas regionais, ainda bem usuais.

Os agentes de propagação da língua são o Estado, a Justiça, a escola, o exér-


cito e a imprensa. Tudo isso valoriza a língua nacional. Primeiro, elege-se uma
língua, e os gramáticos a tornam mais ampla com contribuições regionais (uma
interiorização de idiomas regionais). Depois, fazem-na se fechar para o mundo e
para influências estrangeiras. Do mesmo jeito que a raça deveria se manter pura,
a língua nacional deveria se eximir de contato com outras, evitando estrangeiris-
mos. (ANDERSON, 2008)

A nação também precisa de símbolos fortes. A bandeira, o hino, o brasão e


o território eram vistos como entes que deveriam ser protegidos. As cores na-
cionais passaram a ser usadas nas festividades promovidas pelo Estado, sendo,
nos momentos de luta, símbolo pelo qual morriam homens aos milhões. O hino
passou a ser cantado nas escolas, pelo exército e nas festividades teatrais e depois
desportivas, somando-se ao universo emocional dos homens. No momento de
dor nacional e de vitória, o hino tem o papel de enaltecer as glórias. Associado às
bandeiras e às cores nacionais, provoca os sentimentos dos sujeitos. Os símbolos
nacionais geralmente não podem ser degradados. São vistos como parte do ter-
ritório nacional, cuja usurpação é grave e merece resposta militar.

Aos poucos, ao longo do século XIX, foi-se dando mais importância para a
nação, a partir de diversas teorias que tentavam explicá-la, inclusive a naturali-
zando ou a colocando como a única forma possível de organização social con-
temporânea. O sentimento nacional demorou um século para se tornar a pedra
angular da política internacional. O nacionalismo é o surgimento da concepção
de excelência da nação; de que a “nossa” nação é melhor que as outras e de
que o amor pela nação deve vir antes de tudo, inclusive da justiça e da razão. A
frase “minha pátria, certa ou errada”, atribuída ao político americano Carl Schurz,
mostra como a nação tomou conta da política e da noção de moral, subordinan-
do tudo à sua vontade.

20
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

A partir desse entendimento, o nacionalismo logo se tornou um sentimento


manipulado pelos homens do poder para mobilizar as massas na luta pela ma-
nutenção do Estado ou seu alargamento. Os interesses de capitalistas, militares,
donos de terras e até de donos de jornais se sobrepunha às vidas de milhões de
mortos em conflitos cada vez mais sangrentos. A era das nações matou, entre
os séculos XIX e XX, mais de 100 milhões de pessoas em conflitos abertos, sem
contabilizar perseguições aos não nacionais, expropriações e deslocamentos
forçados de minorias que eram vistos como ameaça à nação. Tanto os movimen-
tos de independência africanos e asiáticos como a luta contra o imperialismo,
o fascismo e o antifascismo se utilizaram do sentimento nacional para inspirar
homens e mulheres na luta social durante os séculos XX e XXI.

As identidades nacionais são consideradas naturais no senso comum e no


discurso de políticos, mas os teóricos perceberam o caráter discursivo e simbó-
lico da nação. Foi Benedict Anderson quem marcou essa abordagem, quando
tratou das nações como entidades imaginadas. Para ele, a forma como o estado
capitalista se estruturou precisava de uma identidade nova para reinos antigos,
então, a nação foi a forma escolhida, pois abrangia elementos essenciais para a
propagação dos interesses econômicos e sociais das elites dos países.

Mesmo os novos povos e as novas nações que surgiram dos conflitos dos
séculos XIX e XX, conjugando língua, território e história novos, construíram um
discurso em que a existência da nação se naturalizava. Tentavam, assim, nivelar
a sociedade do ponto de vista cultural e simbólico, fazendo com que todas as
diferenças sociais fossem minoradas pela igualdade teórica sob a nação e sua
história muitas vezes fantasiosa. Se a nação foi a forma contemporânea de agru-
par grandes grupos de homens sob o mesmo interesse, seus limites começaram
a ser enxergados na segunda metade do século XX. O nacionalismo foi visto de
forma negativa depois de o fanatismo alemão, italiano e japonês ter levado o
mundo ao desastre da Segunda Guerra Mundial. Como consequência, o nacio-
nalismo foi colocado como uma doutrina extremista e violenta, que desprezava
a realidade do mundo e da própria nação.

O nacionalismo obscurantista esquecia ou suprimia violentamente o dissen-


so e a diversidade. Em lugares em que a participação do Estado era a de manter
privilégios sociais arraigados, sistemas de distribuição de renda desiguais e uma
legislação preconceituosa contra uma minoria, o Estado nacional foi combati-
do internamente por forças igualitárias. Aqueles que o mantinham acabaram
confundindo na imprensa e em suas peças de propaganda esses sistemas de
privilégios com a própria nação, levando a um rompimento entre esta e deter-
21
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

minados grupos discriminados. Esse fator levou a força do Estado contra essas
pessoas, que passaram a ser vistas não mais como uma força da sociedade bus-
cando igualdade, mas sim como uma força contra a sociedade e a nação.

Por fim, no final do século XX, um movimento de globalização acelerou-se


com as tecnologias da comunicação e a venda de artigos globais em um merca-
do global. Os Estados passaram a incentivar o capitalismo global, abrindo fron-
teiras e baixando tarifas para importar produtos de tecnologia. De forma cada
vez mais frequente a aldeia global começou a seguir modelos de comportamen-
to e consumo progressivamente mais parecidos, a ter modelos globais e a se
interessar sobre os assuntos do mundo.

As formas de identidade começaram se dissolver diante do mundo novo. Pes-


soas passaram a se identificar globalmente umas com as outras não mais devido
à sua origem, mas em razão de uma série de novos elementos, como interesses
culturais e comportamentais. Dessa forma, não se lutava mais por uma políti-
ca nacional, mas sim por um mundo de direitos para todos. As causas comuns
dos homens a despeito de sua origem nacional passaram a alimentar uma onda
global de protestos, solidariedade e pressão sobre governos em favor de diversas
causas que, agora, eram tidas como globais. Homossexuais, mulheres, negros e
indígenas de todo o mundo passaram a ver seus direitos, temores e desejos como
uma causa global que deve ser pleiteada no mundo todo. O que une um homos-
sexual nepalês a um americano é a luta comum de ambos por direitos e a solida-
riedade existente entre eles. Parte importante da identidade desse homem não é
mais a nação, mas seu comportamento e sua orientação sexual – e essa pode ser
mais importante que o sentimento de nação, da mesma maneira que é possível
pensar em outros diversos comportamentos e identidades transnacionais que
existem no mundo e que parecem orientar as pessoas nas suas vidas cotidianas.

No final dos anos 90, já se falava no fim das nações, mas isso não aconteceu.
Mesmo na União Europeia, que permitiu que tanto o capital como o trabalha-
dor atravessassem as fronteiras nacionais, o sentimento nacional se manteve e,
em alguns casos, recrudesceu, especialmente entre setores conservadores que
enxergam na abertura das fronteiras o fim do Estado nacional e da nação como
identidade cultural.

Franceses, alemães, ingleses, italianos e norte-americanos fazem um discur-


so pessimista sobre a globalização e o fim da nação. Muitos ainda enxergam a
nação como tendo uma base racial e condenam a mistura de raças. O precon-
ceito é maior com negros africanos, árabes e asiáticos, mas não é raro existir pre-

22
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

conceito contra brancos empobrecidos na própria Europa. Poloneses ou molda-


vos sofrem com o preconceito na França, por exemplo. A manutenção da Nação,
racial e culturalmente, passou a ser vista como uma das principais bandeiras dos
conservadores europeus e norte-americanos e é condenada por grupos huma-
nitários e de esquerda que não vêm a mistura cultural como um problema.

Como o século XXI enfrentará o problema das identidades nacionais e tran-


sacionais permanece um mistério, mas o fato é que a própria identidade nacio-
nal tende a mudar, e os grupos de pressão das minorias contarão com um apoio
global. Talvez a abertura de direitos mais igualitários entre todos na nação seja a
saída para uma nova busca de identidade do sujeito com a nação, mais uma vez
vista como o local da realização dos direitos amplos de cidadania e liberdade dos
homens e das mulheres.

As nações que mantiverem privilégio para alguns e poucos direitos para muitos
continuarão enfrentando uma oposição que, no limite, quer se afastar da nação
privadora de direitos. As nações que proporcionam direitos amplos tendem a ser
acalentadas como nações modernas e a levar os homens ao retorno a elas mesmas
– não mais como um Estado imposto sobre a sociedade por uma minoria, mas
como a construção de um território pleno de direitos e de felicidade individuais.

A identidade nacional brasileira


O Brasil, ainda como território português, foi uma praia na Bahia; depois, uma
faixa de solo Massapê no litoral nordestino; e, durante dois séculos, foi o litoral e
uma parte de interior ainda muito próxima do mar. No século XVIII, Minas Gerais,
Goiás, Mato Grosso e a Amazônia foram conquistados.

Em 1750, o formato da colônia não era muito diferente do atual Brasil, mas
suas relações estavam longe de serem simples. A nação brasileira só nasceu em
1822, mas já de forma superlativa, com um território imenso conquistado ainda
como colônia e que tinha diversas populações indígenas às centenas, negros de
dezenas de lugares distintos da África, espanhóis, portugueses, mestiços, holan-
deses e até indianos que falavam uma série de línguas próprias ou intermediárias.

Do ponto de vista das relações econômicas, por exemplo, a província do Pará


mantinha uma comunicação mais constante e intensa com Lisboa do que com o
Rio de Janeiro, verdadeiros estranhos à época. Tal fato mostra que o Brasil tinha
dificuldade em criar um projeto de nação, pois os interesses eram muito distin-

23
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

tos e a coesão política não se fez em torno do poder político da nação, mas de
seus privilégios econômicos e sociais.

No Brasil, a nação surgiu forçada por uma elite que se apropriou da palavra
nação para criar um Estado desigual sustentado pelo latifúndio monocultor e na
escravidão. Dessa forma, a nação não surgiu como uma alternativa para englo-
bar, mas sim como uma nova maneira de excluir e apartar. O governo monárqui-
co mantinha seu poder absoluto nomeando senadores e presidentes da provín-
cia e mantendo os ministros atrelados à sua vontade. Já a elite dos fazendeiros,
além de tomar de assalto os cargos e privilégios do Estado em seus níveis regio-
nais, mantinha a escravidão e o poder local. Com essa aliança, o poder político se
manteve nas mãos de uma minoria por todo o império.

Para os brasileiros brancos de então, a verdadeira identidade brasileira era a


herança dos portugueses brancos e católicos da elite. Todos os demais grupos
indígenas, negros e mesmo imigrantes europeus eram desprezados. O Brasil
tinha fidelidade com o seu monarca e com uma história que começou a ser res-
gatada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, mas não teve um senti-
mento nacional até a Guerra do Paraguai.

Durante a guerra, recrutamentos, leituras de notícias e leis e paradas militares


eram feitas com a bandeira e o hino. A máquina de guerra precisava de heróis: a
mãe de Deodoro, ao receber a notícia da morte dos filhos na guerra, enfeitou sua
casa com as cores nacionais e não pranteou, alegre pelo fato de os filhos terem
dado a vida de maneira heroica pela pátria. Essa postura mostra que a nação
não desperta sentimentos banais nas pessoas – e como a guerra matou 50 000
brasileiros, havia muitos heróis.

No regime republicano instaurado em 1889, mantiveram-se os mesmos


grupos poderosos com uma identidade excludente. O pensamento racialista e
racista da elite brasileira marcou a obra literária e jurídica brasileira e foi respon-
sável pela perpetuação de tratamentos oriundos do trato da escravidão. A pro-
posta federalista dos gaúchos foi rejeitada em nome de um poder centralizado,
mas este permitiu às elites regionais o controle completo da política estadual
– o que levou a uma acirrada disputa regional pelo poder entre famílias pode-
rosas. Os imigrantes brancos eram bem-vindos para trabalhar, mas seus costu-
mes eram considerados estranhos e muitos viviam em colônias fechadas, onde a
“brasilidade” demorou a chegar.

Os negros e os índios formadores do Brasil eram desprezados pela elite, e só


foram resgatados por um novo conceito e ideia de Brasil. Foram os modernistas

24
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

que olharam para o Brasil com olhos mais complacentes, instigados pela curiosi-
dade sociológica brasileira. O resgate do folclore brasileiro, por Mário de Andrade
e pelos modernistas, e a valorização do índio e do negro começaram fortemente
nas artes. Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral trouxeram esses temas para suas pin-
turas, e os mitos indígenas e os negros apareceram como o verdadeiro Brasil.

Também na década de 1930, a sociologia brasileira foi impulsionada. De


obras racistas como as de Euclides da Cunha e Raymundo Nina Rodrigues, sur-
giram obras que redescobriam o Brasil e sua identidade. Gilberto Freyre, por
meio de Casa-grande & senzala, mostrou a herança dos negros e índios sobre um
prisma positivo, apontando o quanto o brasileiro devia sua alegria, melancolia,
sociabilidade, desconfiança e jeito de ver de mundo ao contato entre raças e à
sua miscigenação em larga proporção. Já Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes
do Brasil, procurou entender como os brasileiros lidavam com a relação entre pú-
blico e privado e como essa relação era marcada por um prisma afetivo e pessoal
(“o homem cordial”).

Nos anos 1930, o passo decisivo da nova identidade nacional brasileira foi a
aceitação das heranças raciais e sua ideia de assimilação a um todo brasileiro.
Esse passo se tornou política de estado com a ditadura de Vargas, instaurada em
fins de 1937 e que durou até 1945. Durante esse período, a brasilidade ganhou
contornos nítidos: o samba, a despeito de ser uma música carioca, tornou-se a
música brasileira e, depurado de seu elogio à malandragem, o Estado Novo o
incentivou também a feijoada, que ganhou status de comida nacional. O feijão
preto, o arroz branco, a laranja amarela e a couve verde, somada à farinha de
mandioca indígena, formava a própria imagem que reunia harmoniosamente as
raças formadoras do Brasil (negro, índio e branco) e as cores nacionais. A bandei-
ra brasileira e o hino ganharam escolas e ruas em um amor patriótico, enaltecido
pelo governo e seu líder. A Segunda Guerra Mundial reforçou a ideia nacionalista.

Nos anos 50 e 60, o Brasil cresceu e se tornou mais global, de modo que en-
traram em debate as influências estrangeiras sobre a cultura brasileira, como o
jazz e o rock, o cinema americano e os padrões de consumo contemporâneos.
Com o regime militar, o nacionalismo brasileiro foi agigantado por meio de uma
propaganda massiva nos cinemas e na televisão, sempre girando em torno da
herança das três raças e na acolhida respeitosa aos estrangeiros. Por trás dessa
imagem produzida havia uma forte desigualdade, social e legal, que afastava os
pobres e os periféricos de governo e Estado brasileiros e mesmo da sociedade
que era veiculada na televisão, muito diferente do Brasil real.

25
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

Depois da redemocratização, o Brasil repensou si mesmo. Diversos movimentos


sociais e grupos minoritários mostraram um Brasil diverso, repleto de contradições:
grupos arcaicos e modernos que conviviam em um mesmo espaço de trabalho, de
diversão e até mesmo familiar. Tratava-se de um Brasil que mostrava diversas regi-
ões com suas heranças locais e sua relação ambígua, de orgulho e diferenciação, e
que se relacionava com o mundo globalizado de maneira muito peculiar, com uma
sociabilidade cada vez mais tecnológica, mas ainda com diversos traços culturais
antigos, revalorizados pelos grupos sociais urbanos que buscavam na junção da
história do país e de suas vidas, dando significação a si mesmo no mundo.

Nas décadas de 80 e 90, o movimento negro, das mulheres e dos índios res-
surgiu fortemente. A luta pela redemocratização terminou, de forma que todos
podiam, então, lutar pelas suas próprias agendas. O mito do Brasil sem racismo,
da cordialidade do brasileiro, caiu por terra com a emergência da violência urbana
e das manifestações de racismo sendo combatidas pelos grupos organizados.

Com a Constituinte e os anos 90, os negros e pardos tiveram mais visibilidade


e suas lutas surgiram nas favelas. O movimento Black, que era forte nos anos
70 e 80 nas favelas cariocas e que ressaltava a alegria da descoberta do black
is beautiful (o negro é lindo), por exemplo, transformou-se no rap paulista dos
anos 90, que denunciava as drogas e a violência policial.

A luta dos negros e pardos conscientizou os brasileiros do papel ainda maior


desses agentes na sociedade, cultura e história brasileiras, transformando o co-
nhecimento sobre o tema e criando condições políticas e culturais para a inser-
ção de disciplinas sobre o tema nas universidades e escolas de todos o Brasil.

Graças à Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, o ensino da disciplina História


e da cultura afro-brasileira se tornou obrigatória nas escolas e universidades de
todo o Brasil, diante do reconhecimento oficial da necessidade de todo brasilei-
ro saber identificar as matrizes africanas de nossa cultura nacional.

Textos complementares
Um texto racista do século XIX
“Nenhum antropologista poderá jamais admitir uma igualdade de capa-
cidade evolutiva entre o branco e o negro. O mais humanitário dos anties-

26
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

cravistas jamais poderá cancelar as diferenças biológicas entre os homens.


Acaso não são elas tais e de tal intensidade que induzam alguns dos mais
competentes naturalistas, qual um Linneu, um Fred. Muller, e um Maeckel,
a admitir que as chamadas raças humanas são outras tantas espécies biolo-
gicamente distintas do gênero Homo?... O Negro, principalmente, é inferior
ao Branco, a começar da massa encefálica, que pesa menos, e do aparelho
mastigatório que possui caracteres animalescos, até às faculdades de abs-
tração, que nele é tão pobre e tão fraca. Quaisquer que sejam as condições
sociais em que se coloque o Negro, está ele condenado pela sua própria
morfologia e fisiologia a jamais poder igualar o Branco. Para que se pudesse
verificar tal acontecimento histórico-antropológico, fora mister uma circuns-
tância bem improvável, senão impossível: a perda, por parte do Branco, da
sua capacidade de adaptação progressiva. Só uma parada da civilização eu-
ropeia e Anglo-Americana daria tempo aos Negros para, na sua lentíssima e
não espontânea evolução, atingir-nos e igualar-nos. Mas enquanto a civiliza-
ção americana for progressiva, as aquisições que aquele grande povo realiza
cada ano aumentarão, fecundarão sucessivamente o mundo, e, enquanto
o Negro tiver dado um curto passo, os Anglo-saxões terão tomado tal im-
pulso que excederão sempre aos seus concidadãos de cor. Por outro lado é
estranho que espere alguém possam os Afro-Americanos civilizar-se tanto
quanto os Brancos. Estes otimistas não refletem que a civilização nasceu na
Europa de causas particulares da raça, clima e ambiente e que bem diversa
teria sido se nascesse espontaneamente em o meio de populações cafres ou
sudanesas.”

Discurso de Nelson Mandela à corte


em sua defesa em 1964
[...]

A falta de dignidade humana vivida pelos africanos é resultado direto da


política de supremacia branca. A supremacia branca supõe a inferioridade
negra. A legislação que visa preservar a supremacia branca institucionaliza
essa noção. As tarefas subalternas na África do Sul são invariavelmente reali-
zadas por africanos. Quando qualquer coisa precisa ser carregada ou limpa-
da, o branco olha em volta, à procura de um africano que o faça por ele, quer

27
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

o africano seja empregado por ele, quer não. Devido a esse tipo de atitude,
os brancos tendem a enxergar os africanos como uma raça diferente.

Não os enxergam como pessoas que têm suas próprias famílias; não per-
cebem que nós temos emoções; que nos apaixonamos, como se apaixonam
os brancos; que queremos estar com nossas mulheres e nossos filhos, como
os brancos querem estar com os deles; que queremos ganhar dinheiro, di-
nheiro suficiente para sustentar nossas famílias adequadamente, alimentá-
-las, vesti-las e fazê-las frequentar a escola. E que empregado doméstico,
jardineiro ou lavrador braçal pode algum dia ter a esperança de fazer isso?

As leis do passe, que para os africanos estão entre as mais odiadas da


África do Sul, tornam qualquer africano passível de ser barrado pela polícia a
qualquer momento. Duvido que exista um único africano do sexo masculino
na África do Sul que não tenha em algum momento tido um desentendi-
mento com a polícia em torno de seu passe. Centenas e milhares de africa-
nos são colocados na cadeia todos os anos devido às leis do passe. Ainda
pior que isso é o fato que as leis do passe separam maridos e mulheres e
levam à desintegração da vida familiar.

A pobreza e a desintegração da vida familiar têm efeitos secundários.


Crianças perambulam pelas ruas das "townships" porque não têm escolas a
frequentar, ou não têm dinheiro que lhes possibilite frequentar a escola, ou
não têm pais em casa para verificar se vão à escola, porque pai e mãe, quando
os dois estão presentes, precisam trabalhar para manter a família viva. Isso
leva a uma ruptura nos padrões morais, ao aumento alarmante da ilegitimi-
dade e à violência crescente que explode não apenas politicamente, mas em
toda parte. A vida nas "townships" é perigosa. Não se passa um dia sem que
alguém seja apunhalado ou agredido. E a violência é levada para fora das "to-
wnships", para as áreas residenciais brancas. As pessoas têm medo de andar
sozinhas na rua à noite. Os assaltos e arrombamentos de casas vêm aumen-
tando, apesar do fato de que tais crimes podem agora ser punidos com a
sentença de morte. Sentenças de morte não podem curar a ferida aberta.

A única cura consiste em mudar as condições nas quais os africanos são


forçados a viver, atendendo às suas reivindicações legítimas. Os africanos
querem receber salários que possibilitem a sobrevivência. Os africanos
querem fazer o trabalho do qual são capazes, e não o trabalho do qual o
governo os declara capazes. Queremos poder viver onde obtemos trabalho,

28
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

e não ser impedidos de viver numa área porque não nascemos ali.

Queremos ser autorizados e não obrigados a viver em casas alugadas que


jamais poderão ser nossas. Queremos fazer parte da população geral, e não
ser confinados em nossos guetos. Os homens africanos querem ter suas mu-
lheres e seus filhos vivendo com eles onde eles trabalham; não querem ser
forçados a viver de modo antinatural em albergues de homens. Nossas mu-
lheres querem estar com seus companheiros, e não viver nas reservas como
viúvas permanentes. Queremos o direito de estar fora de casa às 23h, e não
sermos confinados em nossos quartos, como criancinhas. Queremos o direito
de viajar em nosso próprio país e buscar trabalho onde quisermos, e não onde
o Burô do Trabalho nos manda. Queremos uma participação justa na África
do Sul como um todo; queremos segurança e uma participação na sociedade.

Sobretudo, Meritíssimo, queremos direitos políticos iguais, porque sem


esses direitos nossas deficiências serão permanentes. Sei que isso soa revo-
lucionário aos brancos deste país, porque a maioria dos eleitores será forma-
da por africanos. Esse fato faz o homem branco temer a democracia.

[...]

Dicas de estudo
Filmes:

 Sobre escravidão: Amistad, de Steven Spielberg, 1997.


Conta a história real de um navio negreiro espanhol, apreendido pelos
americanos que resultou num processo que antecipa o conflito da Guerra
Civil.

 Sobre eugenia: Homo sapiens 1900, de Peter Cohen, 1998.


Documentário. Traça os princípios da eugenia, ou a busca de uma raça
pura e melhorada. Morte, castração, leis que proibiam casamentos e outras
formas de segregação eugênica foram implantados em diversos países nos
século XIX e XX.

 Sobre a formação brasileira: O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro, 2000.


Documentário. Entrevistas com o antropólogo Darcy Ribeiro sobre a for-
mação do Brasil e do povo brasileiro e suas várias matizes.

29
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional

Exercícios
1. Descreva o surgimento do conceito de raça e sua utilização política.

2. Qual é o conceito de etnia e como ele se contrapõe ao conceito de raça?

3. Como se deu a formação da identidade nacional brasileira?

30
A África lusófona: um pouco de história
Claudia Amorim
O objetivo deste capítulo é apresentar um breve panorama da ocupa-
ção portuguesa, na África, que se iniciou na segunda década do século XV
(1415), com a conquista da cidade de Ceuta, no Marrocos, e se finalizou
na segunda metade do século XX, com a independência dos cinco países
africanos colonizados pelos portugueses.

Durante esses cinco séculos de ocupação portuguesa na África, a cul-


tura do colonizador se misturou, ainda que timidamente, com a do coloni-
zado, malgrado os esforços dos europeus em impor a cultura dominante.
Antes da chegada do europeu na África, quase nada se sabia sobre o modo
de vida ou sobre a organização dos grupos étnicos que lá viviam, porém
é inegável que a cultura secular e ágrafa desses povos permaneceu e se
difundiu por outros territórios ocupados pela nação lusa, como o Brasil,
por exemplo, que recebeu um grande número de escravos provenientes
da África, especialmente do Congo, da Guiné e de Angola (grupo étnico
banto) e da Nigéria, Daomé e Costa do Marfim (grupo étnico sudanês).

No Brasil colonial, a cultura portuguesa do colonizador, a cultura africana e


a cultura indígena foram os pilares da constituição do caráter brasileiro, ainda
que o colonizador europeu, branco, tenha subjugado o negro e o índio e suas
culturas não cristãs e, por isso, naquela época, consideradas “inferiores”.

Contemporaneamente, os laços culturais que aproximam a cultura bra-


sileira da África lusófona são inúmeros e passam, entre outras coisas, pela
música, pelas crenças religiosas, pela culinária e pela literatura que se ex-
pressa em português.

Assim, para falarmos da cultura e da literatura africana, e de seus inegáveis


laços com o Brasil, precisamos voltar no tempo e observar que, sem os empre-
endimentos marítimos dos portugueses que os levaram a algumas regiões da
África, e também ao nosso território, essa história seria bem diferente.

Comecemos, então, por estudar a África lusófona, ou seja, a África dos


cinco países que falam hoje o português (Cabo Verde, São Tomé e Prín-
cipe, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique), focalizando primeiramente a
chegada do português a essas regiões.
A África lusófona: um pouco de história

Breve panorama
histórico da África lusófona
No ano de 1415, os portugueses tomaram dos mouros, em apenas um dia de
combate, a cidade de Ceuta, no Marrocos. Essa importante vitória da cristanda-
de sobre os “infiéis”, já nos primórdios do Renascimento, guarda um significado
simbólico também por ter sido exatamente de Ceuta que Tarik e o seu exército
de 7 mil berberes partiram no ano de 711 para invadir a Península Ibérica, per-
manecendo na Península durante sete séculos.
Para além do espírito cruzadístico dessa empreitada, a conquista de Ceuta
foi o primeiro passo do caminho que levou os navegadores portugueses da Pe-
nínsula Ibérica ao Extremo Oriente e ao Brasil no final do século XV e início do
século XVI.
A cidade de Ceuta era o ponto de chegada das rotas comerciais oriundas
do sul da Berbéria (nome com que os europeus designaram, até o século XIX, a
região que hoje compreende o Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia – o atual
Magreb com exceção do Egito), e das caravanas com o ouro proveniente da
Guiné. Essas riquezas encontradas em Ceuta fizeram com que os portugueses
adivinhassem que havia outras maiores espalhadas em alguns pontos do con-
tinente africano. Na intenção de dominar esse comércio, ao mesmo tempo em
que buscava contato com um suposto soberano cristão na África – Preste João
das Índias1 –, a política de expansão portuguesa adotou a exploração da África
em detrimento da ocupação de territórios ao longo do Mediterrâneo.
Assim, a expansão portuguesa teve início no norte da África, seguiu para o sul
ao longo da costa ocidental africana, alcançando as ilhas do Atlântico e depois
avançou pela costa oriental do continente africano ao longo do Oceano Índico,
em direção ao Oriente e ao Extremo-Oriente, chegando finalmente à região do
Atlântico Sul com a colonização do Brasil.
O desejo de lutar contra os mouros e de alargar o império de Cristo entre os
povos não cristãos vai se misturando, pouco a pouco, a perspectivas economica-
mente mais enriquecedoras. A exploração da Costa Africana onde os navegantes
encontraram pimenta malagueta, canela e outras especiarias, além do marfim e
do ouro, se mostrava bastante lucrativa. Assim, novas expedições se organiza-
ram pelos mares já navegáveis da Costa ocidental e oriental da África, marcando
um período da história conhecido como Descobrimentos Portugueses.
O mapa a seguir indica os territórios ocupados pelos portugueses e a rota das
navegações portuguesas a partir de 1415 até meados do século XVI.
1
Nos séculos XV e XVI corria uma lenda na Europa de que havia um rei cristão no Oriente, cujo nome era Preste João das Índias, e acreditava-se
que seu reino, que não se sabia precisar exatamente onde ficava, mas que se pensava ser na África, poderia ser aliado europeu para a exploração do
caminho marítimo para as Índias. A Coroa Portuguesa, a partir dos relatos de viajantes e peregrinos, tentou encontrar o reino de Preste João com
o desejo de fazer possíveis alianças.

34
IESDE BRASIL S/A. Adaptado.

Fonte disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wikiImp%C3%A9rioPortugu%C3%AAs>.

Territórios ocupados pelos portugueses e rota das navegações lusas nos séculos XV e XVI. Observe que o território português na América é delimita-
do pelo Tratado de Tordesilhas12, assinado em 1494 entre Portugal e Espanha.
2
O tratado de Tordesilhas, assinado pelas Coroas de Portugal e da Espanha, em 1494 para dividir as terras descobertas, ou a descobrir, por amabas as Coroas, delimitava uma linha imaginária a 370 léguas a oeste das linhas
de Cabo Verde. As terras a oeste desse meridiano pertenciam à Espanha e as terras a lesta dessa linha seriam portuguesas.

35
A África lusófona: um pouco de história
A África lusófona: um pouco de história

A colonização das ilhas


do Atlântico e da Costa Africana
Nos anos seguintes à tomada de Ceuta, os navegadores portugueses empre-
enderam seu movimento para o sul, chegando em 1418 à ilha de Porto Santo,
em 1419 à Ilha da Madeira, em 1427 aos Açores, em 1460 às ilhas de Cabo Verde
e em 1470 às ilhas de São Tomé e Príncipe, todas desabitadas. Nos primeiros
arquipélagos – Porto Santo, Madeira e Açores – o clima favorecia a ocupação e
o trabalho na terra, e ali se estabeleceram, então, as primeiras colônias de po-
voamento. Nos demais arquipélagos – Cabo Verde e São Tomé e Príncipe –, os
portugueses fundaram colônias de plantação, não se preocupando com o povo-
amento da região.

Nas terras continentais, no ano de 1446, os portugueses alcançaram a Guiné-


-Bissau (a que colonizaram com o nome de Guiné Portuguesa), em 1483 che-
garam à região que hoje se conhece como Angola e, após a viagem de Barto-
lomeu Dias, que venceu o Cabo das Tormentas (renomeado para Cabo da Boa
Esperança, devido ao sucesso da empreitada), Vasco da Gama pôde preparar sua
armada para uma viagem até a Índia. Em 1488, Gama partiu da Praia do Restelo
em Lisboa, onde está atualmente a Torre de Belém, avançando para o sul até
alcançar o Oceano Índico. Antes que o propósito de sua viagem se concluísse, as
caravelas portuguesas aportaram em Moçambique no ano de 1489.

Em cada lugar em que as caravelas portuguesas aportavam, um padrão de


pedra com as armas e o brasão português era fincado. O padrão simbolizava a
posse oficial do território. Essa medida da Coroa Portuguesa visava a desencora-
jar intrusos e reforçar o senhorio sobre as terras ocupadas.

O Império Colonial Português


nas ilhas e nas terras africanas
A extensão do Império Português no Oriente e no Extremo Oriente obrigou
a Coroa Portuguesa à fragmentação das possessões portuguesas na África. O
alto custo da manutenção em algumas cidades do Marrocos fez com que a
Coroa abandonasse essa região. Os gastos numerosos com a defesa da Costa
da África, especialmente com os ataques de corsários e comerciantes de outros
países europeus, enfraqueceram a Coroa Portuguesa. Porém, mesmo com esses

36
A África lusófona: um pouco de história

revezes, nos séculos seguintes, o Império Colonial Português se sustentou e as


colônias portuguesas na África continuaram a ser sistematicamente exploradas.
Para garantir as terras na África, a Coroa Portuguesa concedia as terras, por um
período de tempo limitado (cerca de três gerações), aos colonos que desejassem
explorá-las. Ao fim desse período, a concessão deveria ser renovada. Os colonos
tinham como tarefa defender os interesses portugueses nas terras do além-mar
e pagar por essa concessão com o produto dos territórios que lhes eram confia-
dos. No entanto, gradativamente, o mundo dos senhores ia se misturando com
o dos africanos e indianos locais, alterando as relações de poder.

Nesse período, outro “negócio” começou a ganhar força – o tráfico negreiro.


Por volta de 1648, os portugueses ocuparam os locais estratégicos no comércio
de escravos, que se tornou indispensável a todas as colônias da América. A eco-
nomia de plantação – especialmente na América – demandava uma maior ex-
portação de escravos africanos que se tornou sistemática. Entre os anos de 1502
e 1860, 9,5 milhões de africanos foram deportados para o continente americano,
e no século XVIII, com a descoberta do ouro em Minas Gerais e a necessidade de
extraí-lo, muitos negros da região de Angola foram enviados ao Brasil.

A Guiné Portuguesa foi inicialmente a principal fornecedora de mão de obra


escrava para o continente americano, sendo depois substituída por Angola, país
que manteve essa posição até o século XVIII. Nos fins desse mesmo século e du-
rante o século XIX a região do Golfo da Guiné3 ocupou a supremacia do tráfico
negreiro, que havia sido de Angola no século anterior, e a feitoria de São Jorge da
Mina4, em Gana, foi o principal porto de escoamento de escravos para a América.

O início do século XIX trouxe mudanças significativas para a situação da África


portuguesa. Com a independência do Brasil, em 1822, Portugal se viu pressio-
nado a enfrentar as demais potências europeias para assegurar seus “direitos”
sobre os territórios africanos ocupados.

Pressionado pela política europeia, Portugal extingue o tráfico negreiro no


Império em 1842, e em 1869 declara o fim da escravidão, embora esse tráfico
continuasse a ser feito durante os anos seguintes. Nas colônias, a política de ex-
ploração das riquezas tinha seguimento e, para tanto, Portugal precisou instituir
uma legislação trabalhista que obrigava o nativo ao trabalho forçado nas planta-
ções de algodão ou nas obras públicas.

3
Golfo da Guiné é uma reentrância próxima às Ilhas de São Tomé e Príncipe e compreende o litoral da Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Nigéria,
Camarões, Guiné Equatorial e a parte norte do Gabão.
4
A feitoria de São Jorge da Mina, em Gana, é a construção europeia mais antiga ao sul do deserto do Saara.

37
A África lusófona: um pouco de história

Paralelamente às pressões externas, ao longo do século XIX, a vida nos ter-


ritórios africanos mudava lentamente. A essa altura, uma população mestiça e
burguesa, ainda que em número reduzido, vai se formando nas colônias do ultra-
mar, reivindicando melhores condições para essas terras. Aparecem os primeiros
assimilados, nome pelo qual eram identificados os descendentes de portugue-
ses, geralmente mestiços, nascidos na África, que recebiam uma educação mais
formal. Nessa época, alguns poucos jornais circulavam pelas mais importantes
cidades da África portuguesa, instaurando a necessidade de uma educação nas
regiões mais importantes do ultramar.

As demais nações europeias, interessadas em repartir a África, pressionaram


Portugal a abrir mão de alguns de seus territórios. Na Conferência de Berlim,
de 1885, Portugal perdeu o Congo e teve que se contentar com o enclave de
Cabinda, região próxima a Angola. No entanto, apesar desse recuo, Portugal é,
no fim do século XIX, senhor de dois milhões de quilômetros quadradros no
território africano.

A independência dos
cinco países africanos lusófonos
A Guerra Colonial durou treze anos – de 1961 a 1974 – e pôs fim à ocupação
portuguesa no território africano. Essa guerra ficou conhecida, ainda, entre os
portugueses, como Guerra do Ultramar ou Guerra da África. Entre os povos dos
territórios ocupados duas denominações foram adotadas: Guerra de Libertação
Nacional e Guerra pela Independência.

Ao longo desses cinco séculos de domínio português nas colônias da África,


houve muitas tentativas de resistência dos povos locais, mas a supremacia bélica
dos portugueses, aliada às disputas políticas entre as diversas etnias das regi-
ões ocupadas, favoreceram o domínio lusitano, dando lugar ao Império Colonial
Português que abrangia não só territórios na África, mas também na América do
Sul, com o Brasil, e, ainda, na Índia e na Ásia.

Como afirma Kabengele Munanga (1986), quando os primeiros europeus


desembarcaram nas terras africanas, encontraram estados organizados politica-
mente, mas essa organização não foi capaz de reverter a ocupação europeia,
pois o desenvolvimento técnico dos estados africanos, incluída a tecnologia de
guerra, era inferior ao dos portugueses.

38
A África lusófona: um pouco de história

A República Portuguesa
e o golpe militar de 1926
No início do século XX, a situação das colônias africanas lusófonas não se al-
terou muito em relação ao século anterior. Segundo Enders (1997, p. 69), para
“Portugal, como para as outras potências europeias, a colonização supõe a con-
quista, o desenvolvimento de uma economia de exportação e a submissão da
mão de obra indígena para o trabalho e para o imposto”. Com isso, o trabalho
de exploração das terras africanas, sem nenhum investimento econômico, conti-
nuou e se agravou com o início das duas grandes guerras mundiais.

A curta vida da República Portuguesa, que surgiu em 1910 e foi derrubada


pelo golpe militar de 1926, põe fim às pretensões dos republicanos, inauguran-
do um longo período ditatorial marcado por perseguições de toda ordem, re-
trocesso político e econômico, com reflexos graves nas colônias do ultramar. Em
1928, Antônio de Oliveira Salazar – um professor de Coimbra – foi convidado a
assumir a Pasta das Finanças do país e a partir dessa data inaugurou-se um pe-
ríodo difícil da história de Portugal. É o início da ditadura salazarista, nome pelo
qual ficou conhecido o regime ditatorial em Portugal, que teve início em 1926 e
só terminou em 1974, com a Revolução dos Cravos.

Como observa José Paulo Netto (1986, p. 18), durante a ditadura salazarista
“um projeto econômico-social se integra organicamente à repressão antipopular
e antidemocrática. Trata-se, explícita e nitidamente, do projeto fascista do grande
capital, de que Salazar se fez um funcionário coerente, lúcido e pertinaz”.

Entre 1929 e 1933, Salazar acumulou os Ministérios das Finanças e das Colô-
nias, e com mão de ferro tomou medidas duras contra a enfraquecida oposição.
Em 1932, instaurou o Ato Colonial, que instituiu o trabalho forçado para os na-
tivos das colônias, obrigando a população negra a servir por um determinado
período de sua vida ao Estado ou a um patrão europeu. Esse Ato Colonial era, na
verdade, uma reedição do trabalho forçado instituído no século XIX pela Coroa
Portuguesa aos nativos dos territórios africanos ocupados. Além disso, a dita-
dura salazarista criou a polícia política portuguesa – PVDE (Polícia de Vigilância
e Defesa do Estado), mais tarde conhecida como PIDE (Polícia Internacional de
Defesa do Estado), que também teve sua área de atuação nas colônias do ultra-
mar, especialmente nos anos 1960 quando se inicia um movimento de grande
revolta nas colônias contra a política da Metrópole.

39
A África lusófona: um pouco de história

Além do trabalho forçado nas colônias africanas, instituído pelo Ato Colonial,
o regime português continuou a explorar vorazmente suas riquezas, especial-
mente algodão, cana-de-açúcar, café, petróleo, entre outros produtos. Os lucros
obtidos com essa exploração eram revertidos para a Metrópole, ao passo que as
colônias amargavam uma situação de penúria e ausência de perspectiva.

O descontentamento com essa política de exploração aumentou visivelmen-


te na década de 1950 e, durante essa mesma época, disseminaram-se na África
as ideias do Movimento da Negritude, criado em 1934, em Paris, por um grupo de
poetas e intelectuais negros. O Movimento da Negritude defendia uma revolu-
ção na linguagem e na literatura, a fim de reverter o sentido pejorativo da pala-
vra negro e dela extrair um sentido positivo. Em 1939, o poeta negro martinica-
no Aimé Césaire o utilizou pela primeira vez em um trecho do ”Cahier d’un Retour
au Pays Natal” (Caderno de um Regresso ao País Natal), poema que se tornou a
obra fundadora da Negritude. Inspirados pela luta dos negros norte-americanos,
que combatia a discriminação racial e a intolerância, os adeptos do Movimento
da Negritude defendiam o respeito à diferença e a valorização das características
próprias da cultura negra.

Nesse ínterim, a situação de alguns dos territórios africanos colonizados


por franceses ou ingleses, por exemplo, ganhava outro estatuto. Alguns novos
países independentes surgiam na África acelerando o processo de descoloniza-
ção. Todas essas lutas eram estimuladas pela ação do Movimento da Negritude
que defendia a valorização dos negros e da sua cultura e pelas lutas dos negros
norte-americanos contra o racismo.

Desse modo, a grande insatisfação com a política salazarista para as colô-


nias, a disseminação das ideias do Movimento da Negritude, a luta dos negros
norte-americanos contra o racismo e a independência de países africanos co-
lonizados pela França e pela Inglaterra foram os propulsores dos movimentos
independentistas nas “províncias ultramarinas” portuguesas.

A criação dos movimentos pela


independência das colônias na África Portuguesa
Na esteira desses acontecimentos, em meados da década de 1950, surgia,
na Guiné Portuguesa, o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné
e Cabo Verde), cujo líder era Amílcar Cabral, e em Angola o MPLA (Movimento

40
A África lusófona: um pouco de história

Popular de Libertação de Angola), sob a liderança do poeta Agostinho Neto. Na


década seguinte, em 1962, um ano após o início da guerra pela independência
em Angola, surgia em Moçambique a FRELIMO (Frente Nacional de Libertação
de Moçambique), sob o comando de Eduardo Mondlane.

Todos esses movimentos africanos pela independência têm entre seus líde-
res escritores, poetas, jornalistas e outros intelectuais, muitos dos quais antigos
estudantes da Casa do Estudante do Império (CEI), em Lisboa – (havia uma em
Coimbra também). Essas casas funcionavam como um ponto de reunião de
jovens estudantes oriundos de vários territórios do ultramar, especialmente dos
países africanos, e especificamente a CEI de Lisboa acabou se tornando um local
estratégico e decisivo para a tomada de consciência e organização dos jovens
estudantes africanos, em sua maioria angolanos, que se aliaram aos estudantes
e intelectuais portugueses contrários ao regime fascista. Centro de articulação
política e resistência, a CEI de Lisboa também funcionou como um espaço para
o surgimento de uma literatura de valorização das raízes africanas.

Como observa Manuel Ferreira (1977, p. 34):


A partir do início da década de 1960 a vida literária (e cultural, de certo modo) de Angola
só poderá ser apreendida na totalidade se estivermos atentos ao que se desenrola na Casa
dos Estudantes do Império, em Lisboa. Aliás também em Coimbra onde tiveram lugar várias
iniciativas, a partir da década de 1950. A Casa dos Estudantes do Império transforma-se no
centro aglutinador dos estudantes e intelectuais africanos. Mas a predominância da sua
composição é angolana, como predominantemente angolana é a sua atividade editorial.

Na entrada dos anos 1960, a situação nas colônias portuguesas do ultramar


se torna mais difícil, forçando-as à luta armada pela conquista da independência.
Nesse momento, à exceção de São Tomé e Príncipe e de Cabo Verde, cuja contri-
buição para os movimentos de independência consistiu em enviar guerrilheiros
para engrossarem a luta armada das outras colônias, Angola, Guiné Portuguesa
e Moçambique iniciam sua guerra pela independência.

O movimento armado é deflagrado em Angola quando no norte do país um


grupo de agricultores protesta violentamente contra a política de plantação com-
pulsiva de algodão, queimando armazéns de algodão e escorraçando os compra-
dores. O regime salazarista responde à revolta com violência e como reação a isso,
em fevereiro de 1961, em Luanda, capital de Angola, um grupo organizado do
MPLA toma de assalto a prisão da cidade para libertar os líderes do movimento.
Munidos de catanas5 e algumas poucas armas automáticas, o movimento não
logra bons resultados e a repressão que a ele se segue é extremamente dura.

5
Catana é um tipo de facão usado para cortar mato.

41
A África lusófona: um pouco de história

Em razão desses acontecimentos, alguns antigos colonos e brancos que


haviam chegado recentemente a Angola conseguem permissão do regime para
invadir os bairros nos quais moravam os negros (os musseques) e ali atacar qual-
quer um que considerassem suspeito. Desse episódio resultaram muitas mortes,
em sua maioria de jovens assimilados – que são justamente aqueles que se
aculturaram, deixando suas raízes negras para frequentar as escolas de brancos.
Reagindo a essa matança, os movimentos organizados em Angola respondem
com a luta armada que irá se disseminar também por outras regiões da chamada
África lusófona como a Guiné Portuguesa (1963) e Moçambique (1964). É o início
da Guerra Colonial.

A Guerra Colonial durou 13 anos em Angola (1961–1974), 11 anos na


Guiné (1963–1974) e 10 anos em Moçambique (1964–1974). Durante essa
época, cerca de 800 mil jovens portugueses foram mobilizados para a guerra
na África, onde permaneceriam em média 29 meses, ou seja, quase 10% da
população portuguesa e 90% da juventude masculina da época estiveram
diretamente envolvidas com os conflitos na África. Do lado africano, a mo-
bilização do contingente masculino foi massiva. Muitos se envolveram na
guerra por motivações político-ideológicas, outros se aliaram às guerrilhas
aliciados pelas necessidades que se criaram em razão especialmente da falta
de mantimentos. Essa guerra também propiciou que, em Portugal, as forças
contrárias ao regime Salazar/Caetano6 se unissem aos oficiais – especialmen-
te tenentes e capitães – do Movimento das Forças Armadas (MFA), que inicia-
ram na madrugada do dia 25 de abril de 1974 uma revolução para derrubar o
regime ditatorial e por fim à guerra na África. Esse movimento ficou conheci-
do como Revolução dos Cravos.

A guerra na África marcou o início do fim do Império Colonial Português e


foi um dos fatores que propiciou a queda da ditadura salazarista. No entanto,
um legado cultural, para além da língua portuguesa – oficialmente adota-
da pelos países africanos já independentes, consolidou-se nos cinco países
do PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). Certos traços da
cultura portuguesa e a adoção e o uso da língua portuguesa nesses países,
ainda que modificada e enriquecida pelas diversas línguas locais, são exem-
plos de como a cultura portuguesa enraizou-se nos territórios africanos an-
teriormente ocupados.
6
Marcello Caetano (1906–1980) substituiu, em 1968, Antônio de Oliveira Salazar (1889–1970) que ocupava o cargo de Presidente do Conselho
de Ministros em Portugal. Caetano, embora menos rigoroso que Salazar, levou adiante a política salazarista até o fim da ditadura em 25 de abril
de 1974, quando o Movimento das Forças Armadas Portuguesas, apoiado pelas forças progressistas da sociedade portuguesa, pôs fim à longa
ditadura que vigorava desde 1926 em Portugal.

42
A África lusófona: um pouco de história

Texto complementar
O poema que você vai ler, do santomense Francisco José Tenreiro (1921-
-1963), trata da saga africana, que se inicia com a chegada dos europeus
à África. É interessante notar que, ao contrário da epopeia camoniana, Os
Lusíadas (1572), de Luís Vaz de Camões, a façanha heroica aqui abordada
não é a façanha lusa, mas a façanha heroica dos negros que buscaram re-
sistir à dominação branca, porém acabaram sendo levados como escravos
para outras terras. O poema mostra, ainda, a saga do negro nessas terras,
lutando para fazer existir a sua cultura e termina evocando-o à luta pela
dignidade com novas armas, novas azagaias 1.

Epopeia
(TENREIRO, Francisco José in ANDRADE, 1975, p. 137-139)
Não mais a África
da vida livre
e dos gritos agudos de azagaia!
Não mais a África
de rios tumultuosos
– veias entumecidas dum corpo em sangue!

Os brancos abriram clareiras


a tiros de carabina.
Nas clareiras fogos
arroxeando a noite tropical.

Fogos!
Milhões de fogos
num terreno em brasa!

1
Azagaia é uma espécie de lança curta usada pelos africanos, especialmente na África do Sul.

43
A África lusófona: um pouco de história

Noite de grande lua


e um cântico subindo
do porão do navio.
O som das grilhetas
marcando o compasso!

Noite de grande lua


e destino ignorado!...
Foste o homem perdido
em terras estranhas!...

No Brasil
ganhaste calo nas costas
nas vastas plantações do café!
No norte
foste o homem enrodilhado
nas vastas plantações do fumo!

Na calma do descanso nocturno


só a saudade da terra
que ficou do outro lado...
– só as canções bem soluçadas –
dum ritmo estranho!...

Os homens do norte
ficaram rasgando
ventres e cavalos
aos homens do sul!

Os homens do norte
estavam cheios
dos ideais maiores

44
A África lusófona: um pouco de história

tão grandes
que tudo foi um despropósito!...

Os homens do norte
os mais lúcidos e cheios de ideais
deram-te do que era teu
um pedaço para viveres...
Libéria! Libéria

Ah!
Os homens nas ruas da Libéria
são dollars americanos
ritmicamente deslizando...

Quando cantas nos cabarés


fazendo brilhar o marfim da tua boca
é a África que está chegando!

Quando nas Olimpíadas


corres veloz
é a África que está chegando!

Segue em frente
irmão!
Que a tua música
seja o ritmo de uma conquista!
E que o teu ritmo
seja a cadência de uma vida nova!

... para que a tua gargalhada


de novo venha estraçalhar os ares
como gritos de azagaia!

45
A África lusófona: um pouco de história

Dicas de estudo
 História da África Lusófona, de Armelle Enders, Editorial Inquérito.

Essa obra da historiadora francesa Armelle Enders, da Universidade Paris-


IV- Sorbonne, aborda a história da África de língua portuguesa, focalizando
desde a chegada dos portugueses a Ceuta até o fim do Império Colonial
Português com a saída dos portugueses da África, após o fim da Guerra
Colonial.

 Negritude: usos e sentidos, de Kabengele Munanga, Editora Ática.

Essa obra do antropólogo Kabengele Munanga, professor titular da Facul-


dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, nascido no Zaire, é
bastante interessante para quem quer iniciar seus estudos sobre cultura
negra e negritude.

 Capitães de Abril. Direção: Maria de Medeiros. Elenco: Stefano Accorsi, Ma-


ria de Medeiros, Joaquim de Almeida, Frédéric Pierrot. Lusomundo Audio-
visuais S.A., 2000.

Esse filme, dirigido pela portuguesa Maria de Medeiros, ilustra bem o


momento em que, ao som de “Grândola, Vila Morena”, é deflagrado em
Portugal o movimento de revolta dos capitães das forças armadas contra
os rumos da política de Marcello Caetano na África. Esse movimento, que
depois ficou conhecido como Revolução dos Cravos, devolveu a liberdade
política ao país que viveu sob a ditadura desde 1926 até o dia 25 de abril
de 1974.

Exercícios
1. Em 1415, a conquista da cidade de Ceuta, no Marrocos, foi estratégica para a
empreitada portuguesa pelos mares do ocidente. Por que motivos partiram
os portugueses até Ceuta? E por que quando lá chegaram abandonaram a
ideia da ocupação dos territórios ao longo do Mar Mediterrâneo?

46
A África lusófona: um pouco de história

2. Como se desenvolveu a política de exploração das colônias na África?

47
A África lusófona: um pouco de história

3. Qual a importância dos encontros de jovens estudantes na Casa do Estudan-


te do Império?

4. Quais foram os fatores que desencadearam a luta dos povos africanos das
colônias contra o regime fascista de Salazar?

48
A África lusófona: um pouco de história

49
África lusófona e Brasil: laços e letras

Claudia Amorim
O objetivo deste capítulo é apresentar as diferentes culturas da África
lusófona e do Brasil, destacando o que a cultura de Angola, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Moçambique – os cinco países dos
Palop1 – têm em comum com a cultura brasileira, para além da língua de
expressão.

A identidade entre essas diferentes culturas e povos começa com a his-


tória da colonização de seus territórios pelos portugueses que, desde o
início do século XV, tornaram-se os pioneiros na exploração do continente
africano, no qual se acreditava haver muitas riquezas, especialmente ouro
e especiarias. Para operar essa exploração do continente, e a conversão
dos “infiéis” ao cristianismo, a Coroa Portuguesa, apoiada pela Igreja Ca-
tólica local e pela de Roma, deu início a uma das maiores aventuras do
homem em sua história, que foi o domínio dos mares e a consequente
descoberta de terras cuja existência apenas se supunha ou daquelas cuja
existência era totalmente ignorada.

Os africanos no Brasil:
um pouco de história
A história do negro no Brasil remete, antes de tudo, à história da diás-
pora dos povos africanos que, antes da chegada dos europeus à África, ha-
bitavam esse continente. Além dos portugueses – os primeiros europeus
a ocuparem o continente africano – outros povos da Europa ali chegaram,
como ingleses, franceses e alemães, por exemplo. Com a chegada do euro-
peu à África, começa a diáspora negra com o tráfico de negros que viriam
a formar a mão de obra do trabalho agrícola do continente americano.
1
Palop é a sigla de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.
África lusófona e Brasil: laços e letras

Assim, a diáspora negra para o território brasileiro se liga ao momento em


que os portugueses, em 1415, tomaram dos mouros a cidade de Ceuta, no norte
da África, e perceberam que estavam diante de uma localidade na qual desem-
bocavam ricas mercadorias oriundas de outras regiões do continente africano. A
tomada de Ceuta foi um ponto estratégico para que os portugueses apontassem
as naus em direção ao Atlântico Sul para ladear o continente africano seguindo
sempre em direção ao extremo sul do continente, cuja ultrapassagem abriria ca-
minho para a Índia, onde se encontravam as especiarias que os europeus tanto
cobiçavam.

É certo que no início do século XV esses objetivos ainda não estavam comple-
tamente delineados para a Coroa Portuguesa, ou para os nobres e comerciantes
interessados no empreendimento atlântico. No entanto, a conquista de Ceuta
e depois a de Tânger, no Marrocos, foram os atos fundadores do avanço para o
mar que modificaria definitivamente a história da humanidade. Podemos dizer
que, com as viagens marítimas do século XV e XVI, iniciou-se verdadeiramente
o conhecimento e o domínio das terras e mares do nosso planeta. Iniciou-se a
globalização.

Porém, a história da África, antes da chegada do europeu, ainda se mostra


obscura, pelo fato de os povos africanos serem, nessa época, diversos e quase
todos ágrafos. Os primeiros relatos acerca do continente foram feitos por árabes
e posteriormente por europeus.

Sabe-se que o continente africano, no século XV, contava com diferentes


grupos étnicos mais ou menos isolados que ocupavam relativamente uma pe-
quena parte do imenso território continental. Os povos que ali viviam possuíam
uma organização social e econômica similar, baseada em graus de parentes-
co. Havia sociedades patriarcais e algumas matriarcais. Os laços parentais que
uniam os membros de um grupo proporcionavam a valorização da memória do
grupo, a sua ancestralidade e, consequentemente, a reverência aos mais velhos
do grupo.

Porém, nem todas as sociedades africanas gozavam da mesma estrutura.


Havia na África grandes reinos, como o Reino de Mali e o do Congo, e uma série
de aldeias e vilas menores nas quais seus habitantes, unidos por laços de paren-
tesco, partilhavam naturalmente das mesmas crenças. Diferentemente desses,
que habitavam um território comum, havia ainda grupos nômades que transi-
tavam pelo continente, por oportunidades de negócios ou obrigados pelas cir-
cunstâncias climáticas, por exemplo.

52
África lusófona e Brasil: laços e letras

A expansão de alguns desses reinos, a migração de alguns povos e a tentativa


de controle de certas regiões próximas a rios ou postos comerciais geravam con-
flitos entre os diferentes povos e ainda a dominação de um povo sobre outro.

Aproveitando-se de uma escravidão doméstica2 que existia na África antes


da chegada do europeu, uma vez que após alguns conflitos os povos vencidos
eram feitos prisioneiros e escravos domésticos, os portugueses viram nesse sis-
tema a possibilidade de operar um diferente negócio: o comércio de escravos.

Porém, antes dos europeus, os árabes, que haviam se estabelecido em algu-


mas regiões da África por volta do século VIII, já haviam adotado o sistema escra-
vista utilizando o escravo como moeda de troca. Segundo Albuquerque e Fraga
Filho (2006, p. 15),
[...] desde que os árabes ocuparam o Egito e o norte da África, entre o fim do século VII e
metade do século VIII, a escravidão doméstica, de pequena escala, passou a conviver com o
comércio mais intenso de escravos. A escravidão africana foi transformada significativamente
com a ofensiva dos muçulmanos. Os árabes organizaram e desenvolveram o tráfico de escravos
como empreendimento comercial de grande escala na África. Não se tratava mais de alguns
poucos nativos, mas de centena deles a serem trocados e vendidos, tanto dentro da própria
África quanto no mundo árabe e, posteriormente, no tráfico transatlântico para as Américas,
inclusive para o Brasil.

Com a chegada dos primeiros europeus ao continente africano, operou-se


a forma de escravismo estabelecida pelos árabes. Quanto mais os portugueses
avançavam pela Costa Ocidental da África, e o ouro cobiçado não era encon-
trado, mais essa falta era compensada com os produtos comerciáveis da África,
especialmente o marfim e a pimenta.

Logo, os portugueses construíram, em 1445, uma feitoria na ilha de Arguim3,


que serviria de entreposto comercial para o comércio das especiarias com os
africanos, e posteriormente ao comércio de escravos. À medida que o comér-
cio escravista começava a ser lucrativo para os portugueses, o infortúnio crescia
para o continente africano. A presença dos portugueses no litoral da costa da
Guiné reforçou o poder dos chefes africanos dispostos a guerrear contra povos
inimigos com o objetivo de fazê-los cativos e adquirir lucros com isso4. A guerra
entre os povos na África produzia o cativo e o comércio com os portugueses
distribuía o escravo.

2
Conforme sustenta Silva (2002), a escravidão doméstica na África consistia em se aprisionar os vencidos nas guerras étnicas para aproveitar sua
mão de obra no trabalho agrícola. A terra era abundante, mas muitas vezes faltava mão de obra e nesse tipo de cativeiro aproveitavam-se também
mulheres e crianças. A fertilidade das mulheres garantia a ampliação do grupo e elas se tornavam concubinas de seus senhores e geravam filhos
que iam gradativamente perdendo a condição servil e sendo incorporados à linhagem do senhor.
3
A Feitoria de Arguim, na Ilha de Arguim, serviu de modelo para a construção de outros entrepostos comerciais como a Feitoria de São Jorge da
Mina, na cidade de Elmina (República do Gana).
4
Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006) há uma estimativa de que 75% das pessoas vendidas nas Américas como escravos foram vítimas de
guerras entre os diversos povos africanos.

53
África lusófona e Brasil: laços e letras

Para criar uma certa estrutura para o comércio de escravos e desencorajar a


abordagem de outros europeus, os portugueses construíram fortalezas ao longo
dos territórios ocupados no litoral da África. Uma das mais importantes fortale-
zas foi o castelo de São Jorge da Mina, construído em 1482, onde atualmente é
a República do Gana, de onde partiram para a América, entre 1500 e 1535, cerca
de 10 a 12 mil escravos.

O tráfico de escravos para as Américas modificou completamente o mapa da


África. Os reinos que forneciam prisioneiros escravos para os portugueses co-
nheceram o apogeu nos séculos XVII e XVIII. Muitos desses reinos, como o Reino
Iorubá5, que se dedicava à agricultura e tecelagem como os famosos panos da
Costa6, acabaram praticamente abandonando essas atividades para enfatizar
o tráfico negreiro. Como havia várias cidades iorubanas na região do golfo de
Benin envolvidas nesse negócio, a região ficou conhecida como a Costa dos Es-
cravos. Os iorubás da região faziam prisioneiros de guerra de escravos e os tro-
cavam por mercadorias como, por exemplo, o fumo de rolo, produzido na Bahia.
A procura pelo fumo de rolo, muito apreciado na região, fez dos brasileiros os
principais compradores de escravos.

O tráfico de escravos foi uma atividade permanente entre os séculos XVI e XIX.
Durante esse período, estima-se que mais de 11 milhões de homens, mulheres e
crianças foram transportados da África para as Américas em grandes navios ne-
greiros (também conhecidos como tumbeiros)7. Desse total, cerca de 4 milhões
desembarcaram em portos brasileiros e eles pertenciam, principalmente, a dois
grandes grupos étnicos: os sudaneses (oriundos da Nigéria, Daomé8 e Costa do
Marfim) e os bantos (oriundos do Congo, Angola e Moçambique). Os bantos foram
destinados especialmente a Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro9, enquan-
to que os sudaneses foram levados, em sua maioria, para a Bahia10. Também da
5
De acordo com alguns estudiosos, alguns povos vizinhos que habitavam o sudoeste da Nigéria e o sudeste da República do Benin, por falarem
variações do mesmo idioma e compartilharem as mesmas crenças sobre a origem, foram identificados pelos missionários europeus como perten-
centes ao reino Iorubá.
6
O pano da costa era uma indumentária usada no Brasil por mulheres africanas ou descendentes, especialmente na Bahia e no Rio de Janeiro. O
nome provavelmente se deve ao fato de esse tipo de pano ser encontrado na região da Costa do Marfim, de onde foram trazidos muitos escravos
para o Brasil, ou ainda ao fato de esse pano retangular ser usado jogado por sobre os ombros e as costas. Ainda hoje é usado na composição da
roupa das baianas.
7
Conforme observam Albuquerque e Fraga Filho (2006) essa cifra não inclui aqueles que não resistiam à travessia atlântica feita em péssimas
condições nos navios negreiros e acabavam morrendo no caminho. Assim, se explica também o porquê de os navios negreiros serem também
conhecidos pelo nome de tumbeiros, uma vez que o número de mortos nas travessias era bastante grande.
8
Daomé situava-se na época onde agora é a República do Benin.
9
No Rio de Janeiro, os escravos que chegavam nos navios negreiros desembarcavam na região portuária denominada Valongo e eram levados para
os postos comerciais que se situavam no alto do Morro da Conceição, localizado na Praça Mauá.
10
A Coroa Portuguesa procurou sempre que possível misturar escravos de diferentes regiões e etnias para dificultar-lhes a concentração e a co-
municação, uma vez que os grupos étnicos falavam línguas diferentes. Contudo, nem sempre foi possível, pois os traficantes de escravos por vezes
tinha de transportar uma mesma região os escravos capturados.

54
África lusófona e Brasil: laços e letras

região da Guiné – cuja vila de Bissau se tornaria um importante entreposto de


escravos – foram trazidos muitos negros para o território brasileiro.

Para melhor situarmos esses espaços de onde foram levados milhões de afri-
canos incluímos a seguir um mapa político da África com sua respectiva divisão
territorial.

Mapa Político da África

IESDE BRASIL S/A. Adaptado.

Escala gráfica aproximada

0 420 Km

Fonte: Temática Cartografia.

Esse violento deslocamento do nativo da África para outras terras consti-


tuiu a maior diáspora da história da humanidade. Esse triste episódio uniu para
sempre a história do Brasil, território da América onde os portugueses também
haviam chegado, à história da África. A extensa colônia portuguesa na Améri-
ca, devido à exploração agrícola, necessitava de mão de obra permanente. A
escravidão de indígenas não prosseguia como se esperava. Muitos índios cati-

55
África lusófona e Brasil: laços e letras

vos e escravizados acabavam morrendo dizimados por doenças trazidas pelo


colonizador, além disso, muitos índios, resistindo à escravidão, fugiam para
áreas de difícil acesso aos portugueses, o que tornava a sua captura um investi-
mento muito alto. Assim, a migração transatlântica forçada tornou-se a princi-
pal garantia de trabalho escravo nas terras brasileiras. No entanto, também os
africanos que sobreviviam à travessia dos mares, já em terra brasileira, devido
aos maus-tratos e às péssimas condições de vida, morriam cedo ou fugiam
para os quilombos11.

Os quilombos foram locais de resistência dos escravos refugiados e eles abri-


gavam uma comunidade com leis e costumes próprios. O mais famoso desses
quilombos foi o dos Palmares, assim chamado por se situar em um local com
muitas palmeiras. O Quilombo dos Palmares, cuja extensa localização abran-
gia parte do atual estado de Alagoas e parte do atual estado de Pernambuco,
chegou a abrigar, por volta de 1670, cerca de 50 mil escravos refugiados.

Em Palmares, os refugiados sobreviviam da cultura do milho, da mandioca,


do feijão e das bananeiras. A terra era fértil e cada uma das três entradas da
longa extensão do Quilombo dos Palmares era vigiada por cerca de 200 guer-
reiros. No Quilombo, também eram guardadas armas e munições para garantir
a luta pela liberdade. Ganga-Zumba era o rei dos quilombolas e, após sua morte,
Zumbi, seu sobrinho e sucessor, foi consagrado rei dos Palmares.

O comércio negreiro sempre alimentava as mortes ou as fugas de africanos


trazendo outros escravos que lhes substituíam no trabalho. Especialmente du-
rante o século XVIII e princípio do XIX, a região de Angola foi a principal exporta-
dora de escravos para o Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do
Sul. Na segunda década do século XIX, com a investida inglesa contra o tráfico
negreiro, os comerciantes de escravos foram buscar cativos na Costa Oriental da
África (sul da Tanzânia, norte de Moçambique, Malauí e nordeste da Zâmbia)12.
Os escravos oriundos desses territórios eram denominados “moçambiques”.

Durante um bom tempo, a escravidão indígena e a escravidão do africano


alimentaram a economia da colônia portuguesa na América. Logo, porém a es-
cravidão africana ultrapassa em cifras a escravidão indígena.
Mas antes de investir maciçamente no tráfico africano, os colonos portugueses recorreram à
exploração do trabalho dos povos indígenas que habitavam a Costa Brasileira. A escravidão foi
um tipo de trabalho forçado também imposto às populações nativas. O índio escravizado era
11
Quilombo, palavra que se origina do quimbundo kilombo e que significa, em primeiro lugar, acampamento, arraial, e em segundo, feira, mercado,
era o nome que se dava ao local que servia de refúgio ao escravo que fugia do senhor. Entre os séculos XVII e XVIII, centenas de quilombos surgiram
no Brasil e os negros que ali se refugiavam recebiam o nome de quilombolas.
12
Confira essas localidades no mapa do continente africano.

56
África lusófona e Brasil: laços e letras

chamado de ‘negro da terra’, distinguindo-o assim do ‘negro da guiné’, como era identificado o
escravo africano nos séculos XVI e XVII. Com o aumento da demanda por trabalho no corte do
pau-brasil e depois nos engenhos, os colonizadores passaram a organizar expedições com o
objetivo de capturar índios que habitavam em locais distantes da Costa. Através das chamadas
‘guerras justas’, comunidades indígenas que resistiram à conversão do catolicismo foram
submetidas à escravidão. Por volta da segunda metade do século XVI, a oferta de escravos
indígenas começou a declinar e os africanos começaram a chegar em maior quantidade para
substituí-los. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 40)

À medida que a escravização do negro ultrapassou a do índio, o tráfico ne-


greiro deixou de ser apenas um entre os negócios do ultramar pelos portugue-
ses para se tornar a atividade mais rentável do Atlântico Sul, já que esse negócio
gerava impostos para a Coroa Portuguesa e dízimos para a Igreja Católica.

Domínio público.

Desembarque de Escravos Negros Vindos da África. Rugendas. Biblioteca Municipal.

Os traficantes de escravos que forneciam mão de obra para a região Nordes-


te do Brasil foram buscar, entre meados do século XVIII até o fim do tráfico em
1850, nativos escravizados na região do golfo de Benin (sudoeste da atual Nigé-
ria). Dessa região vieram os jejes, bornus, tapas, nagôs, entre outros, e aqui foram
designados minas.

Durante os séculos da escravidão, comerciantes africanos, portugueses e bra-


sileiros fizeram fortuna e a elite comercial e financeira brasileira do primeiro rei-
nado e até 1850 era composta de traficantes de escravos. Apesar de crescente-

57
África lusófona e Brasil: laços e letras

mente rejeitada por parte da opinião pública mundial, o tráfico de escravos era
o esteio da riqueza da elite e só por pressão inglesa é que foi abolido, em 1850,
continuando com entradas ilegais até pelo menos 1856.

O tráfico de escravos também se justificava perante a Igreja que via nessa


atividade uma possibilidade de evangelizar os “infiéis” africanos. Para a Igreja
Católica, a salvação das almas dos africanos pagãos se faria no Brasil católico.
Assim, o discurso religioso justificava essa atividade como uma cruzada contra a
“barbárie” africana.

Durante o século XIX, importantes acontecimentos no Brasil e em Portugal


propiciaram mudanças profundas no sistema escravista até a sua extinção no
fim do mesmo século. No contexto brasileiro, antes que esses acontecimentos
viessem à tona, a população escrava era, em algumas localidades, maior que a
população livre. Segundo observam Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 66):
No início do século XIX, o Brasil tinha uma população de 3 818 000 pessoas, das quais 1 930
000 eram escravas [...]. Até meados daquele século, quando foi abolido o tráfico, a maior parte
dos escravos era nascida na África. Para se ter uma ideia, os africanos representavam 63% da
população de Salvador. No Rio de Janeiro, os nascidos na África constituíam cerca de 70%.

Com a independência do Brasil, em 1822, o grande desafio da elite econômi-


ca da época era promover o desenvolvimento, mas garantindo a manutenção
da escravidão, sem a qual não haveria produção agrícola. Nessa época, o perfil
da sociedade brasileira era claramente escravista e racista, uma vez que, mesmo
os negros que conseguiam alforria ou eram libertos, ou ainda os mestiços, eram
considerados inferiores aos brancos nascidos em Portugal ou no Brasil.

No entanto, a condição do negro escravo começa a ganhar amplitude. Por


pressão da Inglaterra, o Brasil também se vê obrigado a atenuar as leis da escra-
vidão. Em 1823, em um pronunciamento à Assembleia Nacional Constituinte,
José Bonifácio de Andrada e Silva declara que a escravidão é um “cancro mortal
que ameaçava os fundamentos da nação”. Em 1850, proibiu-se o tráfico negreiro
e os últimos desembarques de escravos ocorreram por volta de 1856. Em 1871,
promulgou-se a Lei do Ventre Livre que concedia a liberdade a todos os filhos
de escravos nascidos a partir daquela data, em 1885, com a Lei dos Sexagená-
rios, ficavam libertos os escravos com mais de 60 anos e, finalmente, em 1888,
assinou-se a Lei Áurea, que libertava todos os escravos do Brasil.

Concomitante à pressão externa e ao interesse dos abolicionistas (homens


letrados, intelectuais, escritores, políticos etc.) em abolir a escravidão, os escra-
vos desde muito lutavam, como podiam, pela liberdade. Obviamente, algu-
mas dessas lutas tiveram grande alcance e exerceram pressão também sobre
58
África lusófona e Brasil: laços e letras

os acontecimentos que desembocaram na Lei Áurea. Entre os mais conhecidos


movimentos de escravos em prol da liberdade dos cativos está a Revolta dos
Malês, ocorrida na Bahia em 1835, a Revolta da Cabanagem, no Norte do Brasil,
entre 1835–1840, as reivindicações dos negros farroupilhas no Rio Grande do Sul
que, entre 1835–1845, lutaram ao lado de Bento Gonçalves e conquistaram sua
liberdade na República do Piratini, entre outras.

Também a literatura do jovem país independente expressou as condições da


escravidão. Bernardo Guimarães (1825-1884), romancista brasileiro, publicou em
1875, o romance A Escrava Isaura. Nesse famoso romance, a mestiça Isaura, filha
de pai branco e mãe negra, ainda que quase branca, é uma escrava criada na casa
grande com educação e cuidados. Assediada pelo filho do Comendador, não con-
segue a liberdade desejada em razão da morte dos antigos donos da fazenda. O
pai quer comprar-lhe a alforria, mas o filho do Comendador, herdeiro dos bens,
não permite. Isaura foge com o pai e em Recife conhece um jovem rico que por
ela se apaixona. A condição de escrava, porém, vem à tona e Leôncio, o seu dono,
vai resgatá-la em Recife. Álvaro, apaixonado, tenta comprar a liberdade de Isaura e
só o consegue quando, investigando a situação de Leôncio, descobre que ele está
falido. Comprando seus bens, resgata Isaura de um casamento forçado com um
camponês por ordem de Leôncio. Em desespero, Leôncio se mata.

Através desse enredo romântico, descortina-se a situação do escravo, ainda


que Isaura, como heroína do romance, fugisse completamente ao padrão da es-
crava da casa grande do Brasil Colônia. Outros escritores do século XIX também
foram importantes para a divulgação e questionamento da condição do escravo.
Entre esses, destacam-se o poeta baiano Castro Alves (1847-1871), o romancis-
ta carioca Lima Barreto (1881-1922), o poeta catarinense João da Cruz e Sousa
(1861-1898), o maior poeta simbolista brasileiro. Embora tenham produzido
suas obras no fim do século XIX, quando a escravidão já estava extinta por lei,
esses escritores ainda demonstraram através da literatura o quanto havia por
fazer para se atenuar a condição do homem escravo ou do negro livre, mas so-
cialmente discriminado em razão de sua cor e de sua pobreza.

Outro nome de grande importância na literatura brasileira do século XIX foi


Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), um dos maiores romancistas em
língua portuguesa. Nascido no Rio de Janeiro, filho de um mulato e de uma aço-
riana, e neto de escravos alforriados, Machado de Assis foi um escritor atento
à condição do homem no cotidiano dos meios urbanos do fim do século XIX.
Usando da ironia, o escritor tecia uma crítica fina e lúcida à hipocrisia da socie-
dade brasileira finissecular.
59
África lusófona e Brasil: laços e letras

Apesar de suas péssimas condições de vida antes da abolição da escravidão


(os escravos viviam em senzalas, recebiam castigos corporais no pelourinho,
eram acorrentados, passavam fome etc.) ou mesmo depois dela, uma vez al-
forriados, os negros não tinham onde ficar, nem do que viver, o que gerou um
grande número de indigentes que começou a ocupar as zonas mais afastadas
da cidade ou os morros nos quais construíram míseros casebres. O fato é que os
africanos e seus descendentes foram também construtores da cultura brasileira,
conforme atestam Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 43):
Foi na condição de escravos que africanos e seus descendentes chegaram aos locais mais
remotos da colônia. Mas apesar da escravidão, os africanos foram atores culturais importantes
e influenciaram profundamente as formas de viver e de sentir das populações com que
passaram a interagir no Novo Mundo. Os europeus os trouxeram para trabalhar e servir nas
grandes plantações e nas cidades, mas eles e seus descendentes fizeram muito mais do
que plantar, explorar as minas e produzir riquezas materiais. Os africanos para aqui trazidos
como escravos tiveram um papel civilizador, foram um elemento ativo, criador, visto que
transmitiram à sociedade em formação elementos valiosos da sua cultura. Muitas das práticas
da criação de gado eram de origem africana. A mineração do ferro no Brasil foi aprendida dos
africanos. Com eles a língua portuguesa não apenas incorporou novas palavras, como ganhou
maior espontaneidade e leveza. Enfim, podemos afirmar que o tráfico fora feito para escravizar
africanos, mas terminou também africanizando o Brasil.

Identidades e diferenças entre as culturas


do Brasil e dos países africanos lusófonos
O Brasil africanizado naturalmente guarda uma grande identidade com os
países africanos que foram colonizados por Portugal. Os africanos que duran-
te três séculos e meio foram trazidos como escravos para o Brasil, embora de
regiões distintas da África, acabaram fortalecendo sua cultura como forma
de resistência. Segundo Silva (2003, p. 158), a “[...] importação continuada de
escravos fazia com que a África reinjetasse permanentemente a sua gente e,
com ela, os seus valores no Brasil”.

Se isso se observava com maior evidência nos meios urbanos, também se


fazia notar no Brasil rural. Nas grandes cidades como Rio de Janeiro, Salvador,
Recife e São Luís encontramos escravos agrupados em esquinas à espera de
quem contratasse os seus serviços. E os agrupamentos se faziam por alguns
serem aparentados, pela proximidade linguística ou porque tinham chegado
no mesmo navio. Assim, encontramos os grupos nagôs, jejes, cabindas, an-
golas e moçambiques, identidades criadas pelos africanos no Brasil.

60
África lusófona e Brasil: laços e letras

Como observa Silva (2003, p. 158), nesses “[...] pontos de encontros, e nos
pátios que prolongavam as cozinhas, e nas senzalas, e nos esconderijos das
matas, os escravos tentavam refazer como podiam os liames sociais violen-
tamente partidos”.

Assim, preservar as tradições e a cultura era uma condição de sobrevivên-


cia e, graças a isso, a cultura africana se propagou pelo Brasil na música, na
culinária, na religião ritualística, na língua, no vestuário etc.

Em alguns casos, o africano justapôs ou superpôs as suas manifestações


culturais às que provinham da Europa. Mas podemos dizer que, em alguns
casos, ele também se apropriou sem quase nada alterar das formas europeias.
No entanto, de modo geral, houve uma miscigenação dos costumes e valores
dos africanos, com os dos europeus e dos ameríndios na organização da vida
cotidiana de homens e mulheres descendentes dos primeiros africanos.

De acordo com Silva (2003, p. 163):


Dessas justaposições, recriações, somas e misturas, há evidências por todo lado. Nas urbes
brasileiras, a cidade africana se incrusta na europeia. Na música popular, embaralham-se
instrumentos africanos e europeus. Alguém lembraria igualmente a confluência de ritos
religiosos do candomblé com os da Igreja Católica – por exemplo, na festa do Senhor do
Bonfim, a lavagem da igreja, na qual se repete uma cerimônia, com mulheres a levar à
cabeça jarras de água com flores, para a purificação de um sítio ritual, que se processa no
sul da República do Benin.

Um dos mais marcantes traços da cultura africana no Brasil diz respeito às


práticas religiosas trazidas pelos africanos. Até o século XVIII, a palavra calun-
du, originária da palavra kilundu em umbundo (uma das línguas de Angola),
significava divindade e era bastante usada pelos africanos e seus descenden-
tes. A primeira referência escrita à palavra candomblé (também originária de
Angola) é do início do século XIX e o termo designa oração.

As manifestações religiosas do Sudeste do Brasil – mais precisamente do


Rio de Janeiro e de São Paulo – originam-se da região do centro-sul da África,
onde se situa atualmente o território de Angola. No Nordeste do Brasil, os
povos diversos originários do reino de Daomé (atual República do Benin),
conhecidos como jejes na Bahia e minas no Maranhão, cultuavam deuses di-
versos que eles chamavam voduns. Já os povos do reino Iorubá, na Bahia – os
nagôs – cultuavam os orixás.

Nos terreiros de candomblé nagô, os deuses de partes distintas da África


eram igualmente cultuados. Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006,
p. 104), entre os vários deuses cultuados, temos “Oxossi, do reino de Ketu,

61
África lusófona e Brasil: laços e letras

Xangô de Oió, Oxum de Oxogbô e assim por diante. Por isso que se diz que a
religiosidade africana foi reinventada no Brasil”.

Mas não foram só os ritos próprios da África que vieram com os escravos.
Africanos islamizados, devido à presença árabe no continente, também chega-
ram ao Brasil em grandes navios negreiros. Os muçulmanos eram reduzidos no
Rio de Janeiro, mas em Salvador e no Recôncavo Baiano eram numerosos. De
acordo com Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 106) por serem “[...] adeptos de
uma religião militante, os muçulmanos organizaram na Bahia algumas rebeliões
escravas, sendo a de 1835 a mais conhecida. Por isso, ao longo do século XIX, foi
o grupo religioso mais perseguido pelas forças policiais”.
Iniciado no catolicismo na África ou no Brasil, o escravo africano ou crioulo dotou a religião dos
portugueses de ingredientes de tradições religiosas africanas, especialmente música e dança.
Era um catolicismo cheio de festas, de muita comida e bebida, de intimidades com santos,
tal qual a relação dos africanos com seus orixás, voduns e outras divindades. As promessas
de santos, pagas com missas, tinham função semelhante às oferendas que acompanhavam
pedidos feitos aos deuses e outras entidades espirituais africanas. Para homenagear santos de
sua devoção, os negros organizavam grandes festas nas suas irmandades. Daí porque muitos
escravos africanos se aproximaram do catolicismo sem que fossem forçados pelos senhores.
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 106)

Nas irmandades, os africanos tinham oportunidade de conviver com outros


africanos, preservando sua cultura e nesses lugares o sagrado e o profano se
mesclavam, de modo que nessas festas traços da cultura africana se juntavam
ao catolicismo.

Outra forte contribuição da cultura africana no Brasil liga-se às festas car-


navalescas. Com a colonização portuguesa, o carnaval que havia no Brasil era
o entrudo (um desfile de foliões), porém, com a presença da cultura africana,
essas festas se modificaram paulatinamente com a incorporação, por exemplo,
de tambores, chocalhos e ganzás, instrumentos muito usados por negros em
suas festas.

No Rio de Janeiro, o carnaval ganharia outra dimensão com a criação das es-
colas de samba no início do século XX. Com músicos e sambistas, quase sempre
negros e oriundos das localidades mais pobres da cidade, o samba ganhava as
ruas e logo seria alçado ao patamar de grande festa popular da cultura brasi-
leira. As primeiras organizações de sambistas surgiram no Estácio, nos morros
do centro da cidade e na Mangueira. As escolas de samba eram inicialmente
agremiações de caráter assistencial e festivo. No entanto, elas foram aos poucos
conquistando espaço na cultura nacional e na indústria de entretenimento. Pau-
latinamente, começaram também a modificar sua estrutura: os ranchos carnava-
lescos – como eram chamados os desfiles dos passistas – ganharam uma nova

62
África lusófona e Brasil: laços e letras

roupagem com a cadência rítmica do samba e das coreografias e com a incorpo-


ração de enredos com temas nacionais.

O samba13, expressão musical própria da cultura brasileira, também exibe


suas raízes africanas pela apresentação de uma batida sincopada de origem cla-
ramente africana. Na Bahia, o samba de roda existente desde o século XIX mostra
a influência africana com a inclusão de palmas e cantos que marcam o ritmo de
quem dança no interior da roda. No Rio de Janeiro, o samba surgia na casa das
tias baianas da Praça Onze e nos morros cariocas e falava do cotidiano difícil
das pessoas mais pobres em meio à vida urbana. O samba com seus diferentes
acentos regionais (samba baiano, carioca, paulista etc.) acabou se tornando a
expressão musical de maior relevo da cultura do Brasil, sempre acompanhado
de uma expressão corporal rítmica.

Também em outras manifestações populares festivas e religiosas encontra-se


a presença africana. Em Pernambuco, por exemplo, havia surgido o maracatu,
uma dança de batuque africana com influências também indígenas e portugue-
sas. Conhecida como nação maracatu, essa manifestação cultural relaciona-se
claramente à coroação do rei do Congo, uma cerimônia já existente no século
XVIII em Minas, Pernambuco, Bahia e outros estados do Brasil, e naturalmente
trazida pelos escravos oriundos dessa região da África.

Outra contribuição da cultura africana para a formação da cultura no Brasil foi


a incorporação da capoeira como elemento da cultura brasileira. Inicialmente,
a capoeira era praticada na metade do século XIX pelos escravos libertos que
usavam essa luta, em que entra em cena a agilidade corporal, para se defender
dos adversários. Além disso, os capoeiristas usavam muitas vezes uma navalha
manejada com destreza em meio aos golpes com o corpo. Aos olhos da polícia e
das classes dominantes, os capoeiristas eram gente vadia e perigosa que deveria
ser vigiada de perto.

Na década de 1930, a capoeira praticada em Salvador, em rodas orientadas


pelo mestre Bimba, deu um novo estatuto para essa luta que deixava paulati-
namente de ser vista como uma luta de desordeiros para se impor como uma
prática desportiva.

A palavra capoeira significa mata rasteira e faz referência às áreas do interior


do Brasil onde há esse tipo de mata, ou seja, a palavra se liga naturalmente aos
locais vizinhos às grandes propriedades rurais de base escravocrata, na qual os
escravos exercitavam essa luta.
13
Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a palavra samba é de origem quimbunda (uma das línguas de Angola) e originalmente
significa umbigada – uma espécie de dança ritmada em que os dançarinos batem-se com as barrigas.

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África lusófona e Brasil: laços e letras

A música, os cultos afro-brasileiros, o Carnaval, a capoeira são alguns dos


exemplos em que podemos perceber a contribuição da cultura africana, trazi-
da pelos escravos, para a formação de uma cultura nacional brasileira. Assim, é
inegável que incontáveis laços (históricos, culturais, religiosos etc.) unem o Brasil
à África e, especialmente, à África de língua oficial portuguesa, de onde foram
trazidos muitos escravos para o Brasil. Certamente, ainda há muito que se falar
sobre essas culturas tão próximas, porém, não seria possível abordar aqui todos
os traços que nos unem enquanto brasileiros aos nossos irmãos africanos.

Estudos afro-brasileiros na contemporaneidade


A história da África e dos africanos é ainda hoje pouco presente nos currícu-
los universitários e secundários. Além disso, os primeiros estudos sobre a África
subsaariana enfocavam a história dos povos e suas respectivas culturas a partir
da chegada do europeu ao continente e tal prática perdurou por longo tempo.

Somente no início dos anos 1960, na Universidade de Cambridge, foi publi-


cada a revista The Journal of African History cujos artigos mostravam que a África
podia ser investigada com técnicas e procedimentos semelhantes aos aplica-
dos aos povos da Antiguidade mediterrânica e da Idade Média europeia. Essa
obra, juntamente com a de Basil Davidson, Old Africa Rediscovered (1959) aca-
baram proporcionando outro rumo aos estudos sobre a África ao enfatizarem
que nesse continente, “[...] muito antes da chegada dos europeus, não haviam
faltado nem evolução nem mudanças sociais, nem invenções nem movimento”
(SILVA, 2003, p. 230).

Porém, antes dessas importantes publicações, mais precisamente em 1954,


J. C. de Graft-Johnson, um intelectual nascido na Costa do Ouro, o país que foi o
primeiro a se tornar independente com o nome de República do Gana, escreveu
African Glory: the story of vanished negro civilizations, obra na qual a história da
África subsaariana também é investigada antes da chegada dos europeus.

Entre os intelectuais brasileiros, observa-se que já no século XIX alguns intér-


pretes do Brasil como Raimundo Nina Rodrigues, Sílvio Romero, Arthur Ramos,
passando por alguns do século XX como Gilberto Freyre, Florestan Fernandes
etc. buscaram entender e divulgar ideias sobre a África brasileira e o negro.

Contemporaneamente, algumas obras atribuem a devida importância à his-


tória dos africanos e de seu continente, assim como buscam mostrar as ligações
entre o Brasil e a África. Falamos das obras de autores como João José Reis, Al-
64
África lusófona e Brasil: laços e letras

berto da Costa e Silva, Kwame A. Appiah, Luiz Felipe de Alencastro, Pierre Verger,
Jaime Rodrigues, entre outros.

Além desses estudiosos, várias entidades, organizações não governamentais,


centros de cultura etc., foram criados nos últimos anos objetivando resgatar a
cultura negra, a história da África, dos africanos no Brasil e sua importante contri-
buição na formação da cultura brasileira, como a Fundação Palmares, o Instituto
Casa da Cultura Afro-Brasileira, agremiações festivas como o Olodum etc.

Texto complementar
O poema “Navio negreiro” do poeta baiano Castro Alves (1847-1871), repre-
sentante do Romantismo brasileiro, foi escrito quando o poeta tinha apenas
22 anos de idade, ou seja, em 1869, quando já não havia mais o tráfico ne-
greiro no Brasil. No entanto, a condição do negro escravizado e arrancado da
sua terra natal sensibilizou o poeta e as imagens fortes de seu poema nos dão
conta do horror e crueldade a que os africanos acorrentados eram submeti-
dos nessas viagens que duravam cerca de três meses. Alguns desses navios
podiam suportar um carregamento de cerca de 500 escravos, muitos dos quais
morriam antes de chegar em terra firme por conta especialmente da fome e
da sede, das doenças que se disseminavam nos porões com péssimas condi-
ções de higiene, por conta dos maus-tratos ou ainda por todos esses fatores.

Navio negreiro
(ALVES, 1980, p. 74-83)
‘Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar – doirada borboleta –
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
‘Stamos em pleno mar. Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias
– Constelações do líquido tesouro...
‘Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,

65
África lusófona e Brasil: laços e letras

Azuis, dourados, plácidos, sublimes...


Qual dos dois é o céu? Qual o oceano?...
‘Stamos em pleno mar... Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem?... Onde vai?... Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste Saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest’hora
Sentir deste painel a majestade!...
Embaixo — o mar... em cima — o firmamento
E no mar e no céu – a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! Como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! Ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! Esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia...
Orquestra – é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
[...]
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais, inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu ali... que quadro de amarguras!
Que canto funeral!... Que tétricas figuras!...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

66
África lusófona e Brasil: laços e letras

IV
Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!...”
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...

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África lusófona e Brasil: laços e letras

Qual um sonho dantesco as sombras voam!...


Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são?... Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa!
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão...

68
África lusófona e Brasil: laços e letras

São mulheres desgraçadas,


Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N’alma – lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram – crianças lindas,
Viveram – moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus...
...Adeus, ó choça do monte,
...Adeus, palmeiras da fonte!...
...Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó...
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p’ra não mais s’erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão...

69
África lusófona e Brasil: laços e letras

Hoje... o porão negro, fundo,


Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm’lo de maldade,
Nem são livres p’ra... morrer...
Prende-os a mesma corrente
– Férrea, lúgubre serpente –
Nas roscas da escravidão.
E assim roubados à morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoite... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...
VI
[...]
Fatalidade atroz que a mente esmaga!...
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga,
Como um íris no pélago profundo!...
Mas é infâmia demais!... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...

70
África lusófona e Brasil: laços e letras

Andrada! arranca esse pendão dos ares!


Colombo! fecha a porta dos teus mares!

Dicas de estudo
 Uma História do Negro no Brasil, de Wlamyra R. de Albuquerque e Walter
Fraga Filho, Editora Centro de Estudos Afro-Orientais e Fundação Cultural
Palmares.

Esse livro, editado pela Fundação Cultural Palmares, traz uma ampla pes-
quisa sobre a história do negro no Brasil desde a chegada dos primeiros
africanos escravizados, passando pelas lutas e resistências negras até as
organizações que hoje resgatam a africanidade na cultura brasileira. O li-
vro traz imagens e fotos que ilustram o texto bastante didático e cuidado-
so de seus autores.

 Os Condenados da Terra, de Fanon Frantz, Editora Civilização Brasileira.

Essa obra já clássica nos estudos sobre a luta anticolonial e sobre os negros
em geral, de autoria do martinicano Fanon Frantz, resultou de seu testemu-
nho como médico psiquiatra do exército francês na Argélia. Publicada em
1961, a obra valoriza as lutas revolucionárias por uma sociedade melhor.

 Site: Fundação Cultural Palmares <www.palmares.gov.br>.

A Fundação Cultural Palmares, fundada em 1992, é uma entidade pública


vinculada ao Ministério da Cultura e tem como objetivo resgatar a história
dos negros no Brasil. O site contém ações governamentais em prol desse
resgate, contém vários artigos sobre o negro, a negritude, a consciência
negra, entre outros dados históricos e culturais sobre os negros no Brasil,
além de um dicionário de expressões afro-brasileiras.

 Quilombo (1984). Direção Cacá Diegues. 119 minutos. Elenco: Antônio


Pompeo, Zezé Motta, Vera Fischer, Maurício do Valle, Grande Otelo, Daniel
Filho, Jofre Soares.

O filme de Cacá Diegues narra a história do Quilombo dos Palmares, uma


república de escravos fugidos no século XVII, mostrando o cotidiano dos
quilombolas refugiados e sua luta por manter sua república livre até sua
destruição final.

71
África lusófona e Brasil: laços e letras

Exercícios
1. Quando os portugueses aportaram na África, havia dois tipos de escravidão
no continente: uma existente entre os povos nativos e outra introduzida pe-
los árabes. Explique a diferença entre cada uma dessas práticas.

2. Em que consistiam os quilombos? Qual a sua importância para a preserva-


ção dos valores africanos?

72
África lusófona e Brasil: laços e letras

3. Por que podemos dizer que os cultos religiosos africanos foram reinventados
no Brasil? De que maneira podemos falar de um sincretismo entre as religi-
ões no Brasil?

73
História e historiografia indígena

Mariana Paladino
Este capítulo tem como objetivo fornecer informações básicas e instru-
mentos de análise para a compreensão da presença indígena ao longo da
história do Brasil.

A reconstrução dessa presença não é fácil, já que as sociedades que


habitaram o território que veio a se tornar o Brasil eram fundamental-
mente orais e não deixaram fontes escritas. Têm sido os relatos dos co-
lonizadores e dos missionários dos séculos XVI, XVII e XVIII, dos viajantes
e naturalistas do século XIX e dos etnólogos do século XX e XXI que nos
proporcionam fontes para a compreensão da história indígena. Contu-
do esses escritos – principalmente dos primeiros séculos da coloniza-
ção – devem ser lidos com cuidado e devemos considerar os contextos
em que foram produzidos e as imagens vigentes neles sobre os índios.
Assim, por exemplo, algumas crônicas oferecem imagens fantasiosas
dos povos indígenas, ora idealizando-os como inocentes e puros, ora
desumanizando-os ao apresentá-los como bárbaros e antropófagos. As
evidências arqueológicas são um bom complemento para contrastar
aquelas fontes. Outra abordagem riquíssima é a da própria perspectiva
dos povos indígenas contemporâneos que nos apresentam, a partir de
sua memória, transmitida por tradição oral – através de mitos e diversas
formas de narrativas –, sua interpretação da história.

Nesta aula nos centraremos na história indígena pós-contato, iniciada


com a chegada dos portugueses no ano 1500. Cabe aclarar que se trata de
um panorama geral, que deveria ser complementado por histórias locais,
que deem conta da complexidade e diversidade dos acontecimentos e
das especificidades históricas e culturais dos povos em contato.

Vamos começar estudando como foram considerados e tratados os in-


dígenas no sistema colonial e missionário, depois analisaremos o período
do Diretório dos Índios e o retorno da ação missionária (1755-1910), para
terminar estudaremos o regime tutelar estabelecido com a criação da Re-
pública. Ainda abordaremos as representações e imagens sobre os índios
História e historiografia indígena

vigentes nos séculos XVIII até XX, que explicam em grande parte as políticas e
legislações existentes. Por fim, abordaremos as formas com que os povos indí-
genas percebem e explicam o contato com os brancos, chamando a atenção
para o fato de que – contra a ideia de que se tratariam de sociedades estáticas
– eles foram e são sujeitos ativos da história.

O sistema colonial e missionário (1549-1755)


A presença humana nas terras baixas da América do Sul remonta há 12 mil
anos. As evidências arqueológicas mais recentes dão conta que não apenas
existiram neste território formas de organização social simples, mas também
se desenvolveram sociedades belicosas, expansionistas e com uma organiza-
ção social complexa (FAUSTO, 2000).

O etnólogo Curt Nimuendaju (1981) estimou, em seu Mapa Etno-Histórico,


a existência de cerca de 1 400 povos indígenas no território que correspondia
ao Brasil do descobrimento. As cifras dessa população, no entanto, não são
seguras. Existem estimativas parciais, que ainda não terminam de compor um
quadro global. As cifras variam entre 1 a 8,5 milhões de habitantes segundo
diferentes estudos. Por exemplo, Rosenblat (1954) estimou um milhão de ha-
bitantes para o Brasil como um todo e Denevan (1976) avaliou em 6,8 milhões
a população aborígine da Amazônia, Brasil Central e Costa Nordeste (apud
CUNHA, 1992, p.14). Apesar das diferenças, essas quantidades esvaziam a
imagem tradicional, consolidada no século XIX, de ser este um território pouco
habitado.

“Descobrimento”, “encontro” ou “conquista”?


Esses três termos mostram formas bem diferenciadas de entender o proces-
so de contato entre população autóctone da América e população europeia.
O “descobrimento” supõe a ideia de que os europeus desembarcaram em uma
terra virgem, deserta e despovoada e que inauguraram com a sua chegada a
história do Brasil. O “encontro” supõe uma relação idílica de paz e intercâmbio
equilibrado. Já a “conquista” chama a atenção para o fato da relação colonial,
de dominação e violência.

76
História e historiografia indígena

PORTINARI, Candido. Descobrimento do Brasil, 1956. São Paulo. Óleo sobre cartão: Domínio público.
34,2 x 26 cm. Coleção particular.

Existem diferenças entre os autores na forma de avaliar a magnitude da de-


população1. Alguns, como Rosenblat, avaliam que, de 1492 a 1650, a América
perdeu um quarto de sua população; outros, como Dobyns, acham que a depo-
pulação foi da ordem de 95% a 96% (apud CUNHA, 1992).

O primeiro contato das populações indígenas com portugueses remonta ao


ano 1500, quando Cabral encontrou na Costa da Bahia o povo que era chamado
Tupiniquim, pertencente à grande família Tupi e que ocupava quase todo o lito-
ral. Segundo Cunha (1992), durante o primeiro meio século de contato, os índios
foram, sobretudo, parceiros comerciais dos europeus. Estabelecia-se a troca de
mercadorias ou permuta de objetos dos europeus por trabalho indígena (sobre-

1
Este termo refere-se ao declínio populacional dos nativos americanos. Os acadêmicos acreditam que, entre vários fatores, as doenças epidêmicas
foram de longe a maior causa do declínio populacional dos nativos americanos.

77
História e historiografia indígena

tudo para a extração do pau-brasil). Quando a colônia se instalou, as relações


alteraram-se, tensionadas pelos interesses em jogo que, do lado europeu, envol-
viam colonos, governo e missionários. A partir de então, os europeus precisaram
de mão de obra para as empresas coloniais (CUNHA, 1992, p. 14).

A taxa de depopulação durante os dois primeiros séculos da colonização foi


brutal. As guerras, as expedições para captura de escravos, as epidemias e a fome
dizimaram os povos indígenas (CUNHA, 1992; FAUSTO, 2000)2.

Os aldeamentos3 e a escravização indígena


Os aldeamentos foram fundamentais para o projeto colonial, pois garanti-
ram a conversão religiosa dos índios, a ocupação e a defesa do território além
de uma constante reserva de mão de obra para o desenvolvimento econômico
da colônia.

Os comportamentos dos povos indígenas foram diversos entre si e até inter-


namente ao próprio grupo: alguns povos – segundo dão conta documentos e
crônicas da época – se aldearam pacificamente. Outros, sem abandonarem seus
territórios ou se aldearem, uniram-se aos portugueses ou a seus inimigos euro-
peus em suas guerras, firmaram tratados de paz e tornaram-se nações aliadas.
O incentivo à obtenção e manutenção de alianças se revelou nos vários títulos
honoríficos e recompensas dados a esses índios aliados4.

Outros ainda resistiram a todo e qualquer tipo de relação com os colonizado-


res, alguns deles foram massacrados e escravizados (PERRONE-MOISÉS, 1992, p.
129). Em alguns casos, os índios recorreram a todo seu aparato bélico para repe-
lir os invasores: flotilhas com centenas de canoas equipadas; guerreiros portan-
do escudos de couro de peixe-boi e propulsores de dardos; setas envenenadas
lançadas das barrancas do rio (FAUSTO, 2000, p. 45).

É importante destacar o caráter estratégico que adquiriu o contato com as po-


pulações autóctones para a ocupação portuguesa poder avançar e se expandir
territorialmente pela América do Sul. Nos primeiros séculos de colonização, várias
2
A política de concentração da população em aldeias praticada por missionários e pelos órgãos oficiais favoreceu as epidemias, como varíola,
sarampo, coqueluche, catapora, difteria, gripe, e peste bubônica. Fausto destaca que em 1562 uma epidemia consumiu em três meses cerca de 30
mil índios na Baía de Todos os Santos. Em 1564, veio a “fome geral”, pois nada se plantara nos anos anteriores (FAUSTO, 2000, p. 70-71).
3
Os aldeamentos são os povoados que os missionários criaram para segregar os índios convertidos. Foram o centro da ação catequética, inicial-
mente dos jesuítas e depois das outras ordens também. Neles eram reduzidos os índios que haviam sobrevivido às guerras ou às epidemias. Nos al-
deamentos jesuíticos os índios eram educados para viver como cristãos. Essa educação significava uma imposição forçada de outra cultura, a cristã.
Os jesuítas valiam-se de aspectos da cultura nativa, especialmente da língua, para se fazerem compreender e se aproximarem dos indígenas.
4
Certos grupos indígenas aliaram-se estrategicamente aos europeus para se contrapor a outros grupos indígenas tradicionalmente inimigos. Por
exemplo, no século XVI, os franceses e os portugueses em guerra aliaram-se, respectivamente, aos Tamoios e aos Tupiniquins, que por sua vez
tinham relações de inimizade antes da chegada dos europeus.

78
História e historiografia indígena

Coroas disputavam a ocupação de algumas partes do atual Brasil. Só a partir do


Tratado de Madrid, em 1750, a Espanha reconheceu a ocupação territorial alcan-
çada por Portugal. Veremos a seguir um mapa que retrata a representação que
existia sobre a América Meridional em meados do século XVII. Nele se evidencia
que o território denominado Brasil era muito menor do que o atual.

Divulgação Biblioteca Nacional Portuguesa.


L’Amerique Meridionale dressée sur lês observations de Mrs. Del’Academie Royal dês Sciencies
Amsterdam: Chez Pierre Morties. Nicolas Sanson. (1600-1667) 1 carta: com traçados color:
58 x 48 cm.

A distinção “índios aliados” e “índios inimigos” redundou numa política e tra-


tamento diferenciados por parte da Coroa Portuguesa. Aos primeiros lhes foi
garantida a liberdade ao longo de toda a colonização. Deles dependeram o sus-
tento (produziam gêneros de primeira necessidade e trabalhavam nas planta-
ções dos colonizadores) e a defesa da colônia (constituindo o grosso dos contin-
gentes de tropas de guerra contra inimigos, tanto indígenas quanto europeus).
A política para esses “índios de pazes”, “índios das aldeias” ou “índios amigos”
sustentou-se nos descimentos, ou seja, nos deslocamentos de povos inteiros que
foram trazidos do interior para junto das povoações portuguesas.

A legislação colonial estabelecia que os descimentos deviam resultar da per-


suasão exercida por tropas lideradas ou acompanhadas por um missionário,

79
História e historiografia indígena

sem qualquer tipo de violência. A “persuasão” consistia em convencer os “índios


amigos” de que, nas aldeias, teriam posse de suas terras, receberiam bons tratos
e trabalho assalariado. Essa política, que estabelecia a ilegalidade do descimento
baseado na coação, continuou sendo afirmada até o século XVIII. A recomenda-
ção de tratamento bondoso e pacífico para os índios aldeados baseou-se em
razões de ordem religiosa: a conversão só podia ser conseguida com brandura e
se os cristãos dessem aos índios o bom exemplo. Contudo, há vários indícios de
que os índios das aldeias acabaram ficando em situação pior do que os escravos:
sobrecarregados, explorados, mandados de um lado para outro sem que sua
vontade, exigida pelas leis, fosse considerada (PERRONE-MOISÉS, 1992, p. 121).

Os jesuítas foram responsáveis não apenas pelo “governo espiritual” dos


povos indígenas (catequese), mas também pelo “governo temporal” (a adminis-
tração das aldeias e do trabalho indígena)5. De modo geral, nas aldeias viveram
apenas os índios e os missionários. Só mais tarde, durante a política pombalina6,
que analisaremos mais adiante, incentivou-se a presença de brancos nos aldea-
mentos, com o objetivo de procurar a assimilação dos índios.

Por outro lado, a escravidão foi o destino dos “índios inimigos”. Existiu uma
legislação que falava das “justas razões de direito” para a escravização dos in-
dígenas. Essas razões eram a “guerra justa” e o “resgate”. As causas legítimas
para estabelecer uma guerra contra os índios eram a recusa à conversão da Fé,
a prática de hostilidades contra vassalos e aliados dos portugueses e a quebra
dos pactos celebrados. Outros dois motivos que aparecem nas discussões
dos jesuítas sobre a guerra justa são a salvação das almas e a antropofagia
(PERRONE-MOISÉS, 1992, p.123-124). A escravização que resultava da captura
dos índios inimigos após o término da guerra justa era vista como lícita (Leis
de 20/3/1570 e de 11/11/1595).

É importante destacar que embora muitas das guerras contra os índios es-
tivessem motivadas por interesses econômicos e para as quais eram encontra-
das justificativas a posteriori, elas suscitavam discussões e controvérsias entre
missionários, reis e autoridades militares. Discutia-se acaloradamente acerca dos
fundamentos teológicos e jurídicos da justiça desta prática contra os indígenas,
e a questão preocupava bastante a Coroa, permanecendo um ponto controver-
5
A Lei de 1611 manteve a jurisdição espiritual de jesuítas, mas estabeleceu a criação de um capitão de aldeia para que se encarregasse da admi-
nistração. Porém, a Lei de 9 de abril de 1655 para o Estado do Maranhão e também a Lei de 12 de setembro de 1663 proibiram que se pusessem
capitães nas aldeias, estabelecendo que o governo estivesse em mãos dos missionários e dos chefes indígenas (“principais de sua nação”).
6
O Marquês de Pombal comandou durante 27 anos a política e a economia portuguesa. Ele reorganizou o Estado, protegeu os grandes empresá-
rios, criando as companhias monopolistas de comércio. Combateu tanto os nobres quanto o clero. Em conformidade com uma política de conso-
lidação do domínio português no Brasil, Pombal aplicou o Tratado de Madrid, que ampliava as fronteiras, tanto no Norte quanto no Sul, entrando
em confronto direto com as missões jesuíticas.

80
História e historiografia indígena

so (CUNHA, 1986, p. 152). A Lei de 30 de agosto de 1609 declarou a liberdade de


todos os índios do Brasil, para coibir as escravizações ilícitas. No entanto, a Lei de
10 de setembro de 1611 restaurou a escravidão dos índios capturados em guerra
justa, mas determinou que esta deveria ser julgada pelo rei. Assim, houve ao
longo de todo o período colonial avanços e recuos na legislação que prescrevia
o cativeiro indígena. Sua extinção formal – mas não real – foi decretada pela Lei
de 6 de junho de 1755.

De meados do século XVII a meados do século XVIII, os jesuítas construíram


um enorme território missionário. Pela sua ligação direta com Roma e pela inde-
pendência financeira que adquiriram, lograram ter uma política independente,
mas entraram em choque ocasionalmente com o governo e regularmente com
os moradores. A causa dos conflitos era principalmente pelo controle do trabalho
indígena nos aldeamentos. Os missionários reuniram povos com culturas e lín-
guas diversas, promovendo sua catequização, o que envolveu o estabelecimento
de novas formas de trabalho, organização social e familiar, padrões de moradia,
práticas de sociabilidade e rituais. Impôs-se o uso da língua geral ou “nheengatu”
como língua franca7 e veículo de homogeneização e se criou um sistema de “au-
toridades nativas”, como mediadores entre os índios e os missionários.

Como vimos, a legislação e a política da Coroa Portuguesa em relação aos


povos indígenas do Brasil colonial diferenciaram os índios aldeados e aliados
dos índios bárbaros e inimigos (PERRONE-MOISÉS, 1992, p. 129). A questão
da liberdade dos índios ocupou um lugar central num debate que envolveu
as principais forças políticas da colônia: os jesuítas e os colonizadores (cha-
mados, na época, “moradores”). Foram de tal dimensão as dúvidas relativas
à escravidão indígena que Varnhagen (1981, p. 336) atribui o início do incre-
mento da importação de escravos africanos à dificuldade que encontravam
os moradores em legitimar a posse dos índios. Como Perrone-Moisés (1992,
p. 116) destaca,
[...] os jesuítas defendiam princípios religiosos e morais e mantinham os índios aldeados e
sob controle, garantindo a paz na colônia. Os colonos garantiam o rendimento econômico
da colônia, absolutamente vital para Portugal [...] Dividida e pressionada de ambos os lados, a
Coroa teria produzido uma legislação indigenista contraditória, oscilante e hipócrita.

7
Língua franca é uma expressão latina para língua de contato ou língua de relação resultante do contato e comunicação entre grupos ou membros
de grupos linguisticamente distintos. Os jesuítas impuseram o uso do nheengatu como língua franca a partir do vocabulário e pronúncia tupinam-
bás, que foram enquadrados em uma gramática modelada na portuguesa. Em seu auge, chegou a ser a língua dominante no território brasileiro,
utilizada não apenas por índios e jesuítas, mas também como língua corrente de muitos colonos de sangue português. Entretanto, entrou em
declínio a partir do século XVIII, com o aumento da imigração portuguesa, e sofreu duro golpe em 1758 ao ser banida pelo Marquês de Pombal, por
ser associada aos jesuítas, os quais foram expulsos dos territórios dominados por Portugal.

81
História e historiografia indígena

O Diretório dos Índios e o retorno


da ação missionária (1755-1910)
Em 1755, o Marques de Pombal inicia a reformulação da política colonial por-
tuguesa, promovendo a retirada das missões jesuíticas e subordinando as demais
ordens religiosas ao poder secular8. A partir desse processo, as sedes das missões
foram transformadas em povoados ou vilas, os índios considerados “emancipa-
dos” dos religiosos e subordinados apenas a autoridades laicas. Com uma direti-
va assimilacionista9, a política do Marques de Pombal estimulou os casamentos
interétnicos10, o estabelecimento de colonos entre os índios – quebrando o iso-
lamento que os jesuítas tinham estabelecido nas missões – e também impôs o
uso da língua portuguesa. Com isso, a Coroa pretendeu promover a emergência
de um povo brasileiro “livre”, substrato de um Estado consistente: índios e bran-
cos formariam este povo enquanto os negros continuariam escravos.

O Marquês de Pombal concedeu aos índios uma autonomia total durante


apenas dois anos – de 7 de junho de 1755 a 3 de maio de 1757. Em 1757, Men-
donça Furtado, irmão de Pombal, criou o Diretório dos Índios, argumentando
que os “principais” (chefes nativos) teriam sido mal instruídos pelos padres e que
se mostraram inaptos para o governo de suas povoações. Em consequência, jus-
tificou sua substituição por diretores “[...] enquanto os índios não tiverem capa-
cidade para se governarem” (CUNHA, 1992, p. 147).

Nesse período, começou a vigorar uma retórica mais secular de “civilização”


que se agregou à de catequização. “Civilizar” era, principalmente naquela época,
submeter às leis e obrigar ao trabalho. Mas os índios rejeitavam as formas de
trabalho impostas pelos colonos e fugiam com frequência das aldeias, refugian-
do-se nas matas. Portanto, para impedir essas fugas, o governo favoreceu o es-
tabelecimento de colonos, sobretudo de milicianos e fazendeiros concedendo
sesmarias11 nos territórios indígenas.

8
O “poder secular” se refere ao poder de governo independente de religiões, crenças ou cultos. Utiliza-se como sinônimo de “poder temporal”, que
remete à ideia de duração finita, limitada, em contraposição ao poder “eterno” ou “infinito” da Igreja. Na Idade Média, os bispos detinham poder
religioso e também secular, enquanto reis, príncipes e nobres detinham apenas o poder secular. O surgimento da Idade Moderna se associa à
separação desses dois poderes.
9
O “assimilacionismo” é uma ideologia e uma política voltada a absorver os grupos ou minorias de modo a impor uma hegemonia político-cultural,
fazendo com que aqueles percam suas características distintivas. Para um Estado – como o brasileiro – que começava a ser construído, o assimilacio-
nismo foi percebido como condição para criar valores e sentimentos nacionais, solidez política, paz social e desenvolvimento econômico.
10
O conceito remete ao contato entre etnias diferentes. Os casamentos interétnicos podem se referir à união entre pessoas de povos indígenas
diferentes ou entre um índio e um branco. Ver Pacheco de Oliveira (1988) para uma análise das teorias de contato interétnico.
11
Sesmaria foi um instituto jurídico português que normatizava a distribuição de terras destinadas à produção. O Estado, recém-formado e sem
capacidade para organizar a produção de alimentos, legou a particulares essa função. Esse sistema surgiu em Portugal durante o século XIV, com a
Lei das Sesmarias de 1375, criada para combater a crise agrícola e econômica que atingia o país e a Europa, e que a peste negra agravara. Quando
a conquista do território brasileiro se efetivou a partir de 1530, o Estado português decidiu utilizar o sistema sesmarial no além-mar, com algumas
adaptações. Esse sistema iria garantir a instalação da plantation açucareira na colônia.

82
História e historiografia indígena

O aldeamento de índios obedeceu a várias conveniências: não só os tirou


de regiões disputadas por frentes pastoris ou agrícolas, mas os levou também
para onde se precisava de mão de obra, não apenas para os interesses regionais
ou nacionais, mas também os interesses locais de moradores. Para obrigar os
índios ao trabalho, as análises da época afirmavam que se deviam ampliar suas
necessidades e restringir simultaneamente suas possibilidades de satisfazê-las,
diminuir seu território e confiná-los de tal maneira que não pudessem mais sub-
sistir com suas atividades tradicionais. Foi promovida a dependência dos indíge-
nas de mercadorias, como instrumentos de ferro, roupas e outros artigos, para
estimulá-los ao trabalho e ao comércio. Assim, durante este período, o trabalho
indígena continuou sendo disputado, como vinha acontecendo nos séculos an-
teriores, pelos particulares e pelo Estado.

Em 1798, a partir das irregularidades e abusos dos diretores, revogou-se o


Diretório Pombalino pela Carta Régia de 25 de julho e com isso os índios alde-
ados foram emancipados. Ao mesmo tempo, aos índios que seguiam sendo in-
dependentes, não aldeados, foi imposta a tutela por parte de particulares que
conseguissem contratá-los para servi-los, com obrigação de educá-los. Ao juiz
de órfãos coube a tarefa, a partir de 1789, de zelar para que os contratos fossem
honrados, os índios pagos, batizados e educados.

Em 1808, D. João VI, recém chegado ao Brasil, desencadeou uma guerra ofen-
siva contra os Botocudos, para liberar para a colonização o vale do Rio Doce no
Espírito Santo e os campos de Guarapuava, no Paraná. A declaração de guerra
justa legalizou, uma vez mais, a escravização dos índios. Como afirma Cunha
(1992, p. 146):
Numa retórica característica do início do século XIX, vem expressa em termos pedagógicos: a
escravidão temporária dos índios, dobrando-os à agricultura e aos ofícios mecânicos, deveria
fazer-lhes perder sua “atrocidade” e, sujeitando-os ao trabalho como os sujeitava às leis, elevá-
-los a uma condição propriamente social, isto é, humana.

Com a independência do Brasil, em 1822, debateu-se a necessidade de uma


política indigenista. No período que antecedeu a primeira Constituição brasilei-
ra, se apresentaram nada menos que cinco projetos de deputados, sendo apro-
vado o de José Bonifácio: “Apontamentos para a civilização dos índios bravos
do Império do Brasil”, em 18 de junho de 1823. No entanto, não foi incorporado
ao projeto constitucional. A Assembleia Constituinte se limitou a declarar de
competência das províncias a promoção de missões e catequese dos índios. Dis-
solvida a Constituinte por D. Pedro I, nossa primeira Constituição nem sequer
menciona a existência dos índios (CUNHA, 1992, p. 138).

83
História e historiografia indígena

A partir de então, se estabeleceu um vazio legal para a questão indígena até


1845, quando se decreta o “Regulamento acerca das Missões de catequese e ci-
vilização dos índios” (Decreto 426, de 24 de julho de 1845), e se impõe novamen-
te o aldeamento e o governo das missões, mas entendida como uma transição
para a assimilação completa dos índios.

Desde meados do século XIX, a questão indígena deixou de ser essencialmen-


te uma questão de mão de obra para se tornar uma questão de terras (CUNHA,
1992, p. 16). O Império tratou de alargar os espaços transitáveis e apropriáveis.
Apesar de reconhecer o direito legítimo dos índios à posse das terras, utilizou
toda sorte de subterfúgios para ocupá-las. Dizia-se, por exemplo, que os índios
eram errantes, que não se apegavam ao território, que não tinham a noção de
propriedade. A Lei de Terras de 1850 estabeleceu uma política agressiva em rela-
ção às terras das aldeias. Extinguiram-se aldeias sob o pretexto de que os índios
se achavam “confundidos com a massa da população” e reverteram-se suas terras
ao Império e depois às províncias, que as repassaram aos municípios que por sua
vez as venderam a particulares. Assim, fechou-se um processo de expropriação e
redução da terra indígena iniciada no século XVI.

A mão de obra indígena tornou-se – para o governo e os poderes locais – uma


alternativa transitória diante da possibilidade de contar com outras populações tra-
balhadoras, como a dos escravos africanos ou a dos colonos mestiços. Foi o caso do
que aconteceu, por exemplo, com a extração da borracha na Amazônia ocidental,
que passou a ser explorada por trabalhadores nordestinos (CUNHA, 1992, p. 134).

Os missionários foram reintroduzidos no Brasil na década de 1840, mas fica-


ram estritamente a serviço do Estado, para que se desenvolvessem como assis-
tentes religiosos e educacionais dos administradores. Porém, pela carência de
diretores de índios minimamente preparados, foi frequente a situação de missio-
nários exercerem cumulativamente os cargos de diretores de índios12.

O Regime tutelar (1910-1988)


No início do século XX, houve um movimento de opinião, sobretudo levado
a cabo no Rio de Janeiro e em São Paulo, a respeito do futuro dos índios e da
colonização do país. Os positivistas ortodoxos participaram ativamente do
debate. Cândido Rondon, um militar imbuído do ideário positivista, que tinha
sido designado como chefe da comissão que construiu a linha telegráfica de
12
Em 1843 o Império iniciou uma política de importação de capuchinhos italianos, que iriam preencher boa parte dos postos de direção das
aldeias. Eles foram distribuídos segundo os projetos do Governo, sem contar com a autonomia que tiveram os missionários jesuítas no século XVII.

84
História e historiografia indígena

Cuiabá a Rondônia, propôs que fosse criada uma agência indigenista que teria
por finalidades13:

 estabelecer a convivência pacífica com os índios;

 agir para garantir sua sobrevivência física;

 fazer com que adotassem gradualmente hábitos “civilizados”;

 fixá-los à terra;

 contribuir para o povoamento do interior do Brasil;

 poder acessar ou produzir bens econômicos nas terras dos índios;

 usar a força de trabalho indígena para aumentar a produtividade agrícola;

 fortalecer o sentimento indígena de pertencer a uma nação (SOUZA LIMA,


1987, opud PACHECO DE OVILEIRA; FREIRE, 2006, p. 113).

Em 20 de julho de 1910, criou-se – a partir do Decreto 8.072 – a primeira


agência leiga do Estado brasileiro responsável das políticas indigenistas: o Ser-
viço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), que
funcionou, no início, dentro do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Esse serviço ficou com a responsabilidade de prestar assistência tanto aos índios
nômades quanto aos aldeados, passando os indígenas, então, a serem tutelados
pelo Estado. O projeto deste órgão procurou afastar a Igreja Católica da cateque-
se indígena e sustentou-se na finalidade de transformar o índio em um trabalha-
dor nacional (PACHECO DE OLIVEIRA; FREIRE, 2006).

Rondon foi convidado a dirigir o SPILTN devido à competência que tinha


demonstrado no trato com povos indígenas nos trabalhos das Comissões de
Linhas Telegráficas e de suas ideias positivistas convergentes com os projetos de
colonização e povoamentos do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Dirigiu o órgão indigenista até 193014.

Com o objetivo de integrar populações e territórios indígenas, o SPILTN (a


partir de 1918, passou a se chamar apenas SPI) adotou uma organização admi-
nistrativa diferenciada conforme o grau de contato que considerava que os
13
Na época, a República, que estava em processo de constituição, deparou-se com uma série de dificuldades quanto à inclusão de populações
que se viam autossuficientes, e que provocavam, assim, uma descontinuidade política, econômica, e, principalmente, simbólica em relação à ideia
de nação. As alterações na relação Igreja-Estado e o predomínio do positivismo como ideologia que era forte na época, sobretudo nos militares,
influenciou em que a questão indígena se afastara da ideia de catequese e se laicizara a administração dessa população. As ideias positivistas exal-
tavam o papel da ciência e do progresso como forma racional de governo. Para os positivistas ortodoxos devia-se começar pelos povos indígenas
(suposta matéria-prima da pátria) um trabalho “pedagógico” de (re)formação do Brasil (SOUZA LIMA, 1995).
14
Para se aprofundar na história da relação entre o Estado Nacional e os povos indígenas no período republicano e na atuação do Serviço de
Proteção aos Índios ver, Souza Lima (1995).

85
História e historiografia indígena

índios tinham com a sociedade nacional. Eles eram classificados como: “iso-
lados”, “em contato intermitente”, “em contato permanente” e “integrados”.
Assim, por exemplo, se estabeleceram “postos indígenas de atração” para os
povos que não tinham quase contato com a população branca ou que manti-
nham com ela relações de conflito. Havia também “postos de criação”, onde se
introduziam atividades educacionais voltadas para incentivar a produção eco-
nômica dos índios que já tinham certo contato com a sociedade não indígena.
Planejava-se, de acordo com o grau de sedentarismo que manifestasse cada
grupo indígena, a demarcação de terras maiores ou menores para o desen-
volvimento da produção agrícola15. O objetivo era tornar os índios pequenos
produtores agrícolas, ou seja, “trabalhadores nacionais”. A educação foi vista
como uma ferramenta fundamental de mudança de hábitos e, por isso, foram
criadas escolas dentro dos postos. Nelas se ensinava português e se pratica-
vam rituais cívicos. Também se privilegiou o ensino prático através de oficinas
para o aprendizado de ofícios manuais.

A tutela que exerceu o SPI se caracterizou pela sua ambiguidade: propunha-


-se respeitar as terras e a cultura indígena, mas ao mesmo tempo agia transfe-
rindo índios e liberando territórios indígenas para colonização e impunha uma
pedagogia que alterava o sistema produtivo indígena. Assim, as ações que essa
agência exerceu não devem ser lidas apenas numa dimensão humanitária, nem
entendidas como simples dominação (PACHECO DE OLIVEIRA; FREIRE, 2006).

O SPI foi extinto em 1967 por acusações de genocídio de índios, corrupção e


ineficácia administrativa. Isso coincidiu com a reformulação do aparato estatal
após o golpe de 1964. Foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai), a
partir da Lei 5.371, de 5 de dezembro de 1967. Criada para continuar com o exer-
cício da tutela do Estado sobre os índios, a Funai tem seus princípios baseados
no mesmo paradoxo do SPI: o “ [...] respeito à pessoa do índio e às instituições
e comunidades tribais” e a promoção de “[...] educação de base apropriada do
índio visando sua progressiva integração na sociedade nacional” (PACHECO DE
OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 131).

Em 1973, foi sancionada a Lei 6.001, o Estatuto do Índio, que passou a regular
a situação jurídica dos índios e das comunidades indígenas, tanto no que diz
respeito às terras, quanto à educação, à cultura e à saúde. O artigo 65 das Dispo-
sições Gerais estabelecia o prazo de cinco anos para a demarcação de todas as

15
O respeito ao modo de vida dos índios implicou a garantia de posse do território desses povos. Daí a criação do Parque Indígena do Xingu
(1952), que se pensou como um espaço para que os índios não sofressem pressões das frentes de expansão econômica. Contudo, nem todas as
pacificações e a atração de povos indígenas para os postos se levaram a cabo com garantia de terras adequadas, o que causou em alguns casos
intensa depopulação provocada por fome e doenças.

86
História e historiografia indígena

terras indígenas, prazo não cumprido até hoje. O Estatuto manteve a ideologia
civilizatória, integracionista e protecionista do SPI.
Na década de 1970, no contexto de uma política desenvolvimentista, cria-
ram-se investimentos em infraestrutura e prospecção mineral na Amazônia, e
os índios foram vistos como empecilhos ao progresso. Forçou-se o contato dos
índios isolados para liberar suas terras para diversas empresas, como estradas e
barragens, e realocaram-se os índios segundo os interesses em jogo. As frontei-
ras se militarizaram e os índios passaram a ser considerados riscos à segurança
nacional, por ocuparem territórios próximos a essas regiões e por considerá-los
alvos suscetíveis de invasão ou influência por parte de nações vizinhas.
Neste período, em oposição à política governamental, multiplicaram-se as
organizações não governamentais de apoio aos índios e, no início da década de
1980, pela primeira vez, se organiza um movimento indígena de âmbito nacio-
nal: a União das Nações Indígenas. O conselho Indigenista Missionário (CTMI),
organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com
uma proposta de evangelização libertadora, teve um papel fundamental nisso.
A mobilização das organizações de apoio aos índios e o próprio movimento
de reivindicação que eles gestaram redundou na conquista de um reconheci-
mento dos direitos indígenas na Constituição de 1988, que abandona por fim a
perspectiva assimilacionista das Constituições anteriores.
A Constituição garante o reconhecimento da organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições indígenas, e os direitos originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam. O artigo 231 detalha o que são essas terras, a
que se destinam e como será o usufruto de suas riquezas. Também rompe com a
herança tutelar originada no Código Civil de 1916, mudando o status dos índios
e permitindo que individualmente ou através de suas organizações ingressem
em juízo para defender direitos e interesses.
Segundo destacam Pacheco de Oliveira e Freire (2006, p. 135-136), a proximi-
dade da reunião internacional sobre meio ambiente, a ECO-92, que foi realizada
no Rio de Janeiro, impulsionou a política de identificação e demarcação de terras
no início dos anos 1990. Como consequência da reunião, iniciou-se o financia-
mento internacional de programas para a proteção da floresta tropical e para a
demarcação das terras indígenas que foram realizadas a partir dos anos 1990.
Com o reconhecimento do direito territorial, o direito à saúde e à educação
bilíngue, intercultural e diferenciada, garantidos pela Constituição de 1988,
abre-se um novo panorama para os povos indígenas do Brasil. Contudo, ainda
falta muito caminho a percorrer para garantir esses direitos na prática.
87
História e historiografia indígena

As imagens sobre os índios


nos séculos XVIII, XIX e XX
Nos séculos XVIII e XIX, os índios do Brasil foram caracterizados como gente
sem religião sem justiça e sem estado – uma ideia que, elaborada pela filosofia
política, serviu de base ao imaginário sobre o homem natural e o estado de na-
tureza (CUNHA, 1992).

No século XIX, com a influência do romantismo, como movimento artístico,


político e filosófico que se caracterizou como uma visão de mundo contrária ao
racionalismo, exaltou-se o índio como símbolo cultural do Brasil. Construiu-se
o estereótipo do “bom selvagem”, que já circulara entre filósofos e pensadores
iluministas no século anterior. A expressão literária que consagrou a imagem do
índio como expressão de liberdade e independência e como símbolo de nacio-
nalidade se chamou, no Brasil, “indianismo”. A obra mais significativa em prosa
foi a do romancista José de Alencar, com os romances Iracema e O Guarani, en-
quanto Antonio Gonçalves Dias se destacou na poesia.

Aspectos positivos e negativos dos povos indígenas estiveram em confronto


no século XIX, coexistindo visões tutelares e científicas com visões assimilacio-
nistas e românticas (PACHECO DE OLIVEIRA; FREIRE, 2006).

Na segunda metade do século XIX, em pleno auge do evolucionismo, pros-


perou a ideia de que certas sociedades teriam ficado na estaca zero da evolução
e, portanto, seriam como testemunhas vivas do passado das sociedades ociden-
tais. Os índios foram colocados nessa condição.

O fato de que fossem sociedades orais e que permanecessem aparentemen-


te mantendo uma forma de vida “primitiva” fez com que os estudiosos, princi-
palmente os etnólogos das primeiras décadas do século XX, afirmassem que se
tratavam de povos “sem história” ou “sociedades frias”. Pressupunham a ideia de
que estudar o presente dessas sociedades era equivalente a estudar seu passa-
do, já que não haveria diferenças ou mudanças significativas na sua forma de
vida e tradições.

Muitas foram as explicações para compreender e justificar o porquê das so-


ciedades indígenas da Amazônia não teriam desenvolvido formas complexas de
organização social. Alguns estudiosos (principalmente norte-americanos) de-
fenderam a posição de que aquilo se deveu a limitações ambientais. Ou seja, as
sociedades amazônicas seriam simples devido à pobreza dos solos e ao escasso

88
História e historiografia indígena

potencial agrícola e de proteína animal (MEGGERS, 1977). Outros consideraram


que as sociedades indígenas das Terras Baixas teriam uma rejeição natural pelo
poder, o que determinou a não emergência do Estado (CLASTRES, 1978). Pesqui-
sas arqueológicas recentes (ROOSEVELT, 1992) vieram corroborar o que alguns
cronistas contaram (PORRO, 1992): a Amazônia foi povoada durante longo
tempo por algumas populosas sociedades, que desenvolveram formas comple-
xas de organização, sedentárias e possivelmente estratificadas.

Nos últimos anos vem sendo desenvolvida uma linha de pesquisas de an-
tropologia histórica que privilegia a abordagem dos indígenas como agen-
tes ativos e sujeitos políticos, capazes de serem protagonistas do seu próprio
destino.

Visões indígenas do contato


Se a história e os estudos antropológicos diferenciam e colocam coloniza-
dores de um lado e nativos do outro, para os povos indígenas existem diversas
interpretações dessa alteridade e das formas de se relacionar com os brancos.
Como chama a atenção Cunha (1992, p. 18), a percepção de uma política e de
uma consciência histórica em que os índios são sujeitos e não apenas vítimas
só é nova eventualmente para nós. Para os índios ela parece ser costumeira.
“É significativo que dois eventos fundamentais – a gênese do homem branco
e a iniciativa do contato – sejam frequentemente apreendidos nas sociedades
indígenas como o produto de sua própria ação ou vontade” (CUNHA, 1992,
p. 18). A gênese do homem branco nas mitologias introduz além da alterida-
de, o tema da desigualdade no poder e na tecnologia. O homem branco surge
nos mitos de alguns povos indígenas no mesmo ato de criação dos índios, mas
depois seguem caminhos distintos. Frequentemente também, a desigualdade
tecnológica, o monopólio de ferramentas de ferro e armas de fogo por parte
dos brancos é explicada nos mitos como uma escolha que foi dada aos índios.
Eles poderiam ter escolhido ou se apropriado desses recursos, mas fizeram uma
escolha por outros objetos, próprios de sua atual cultura. Por exemplo, os Krahô
e os Canela, povos falantes de língua Jê, família timbira, habitantes de Tocantins
e Maranhão, contam em seus mitos que quando lhes foi dada a opção pelo seu
herói cultural, criador de todas as coisas, entre pegar a espingarda e o prato – os
quais tinha colocado um bem perto do outro – e o arco e a cuia – que estavam
mais afastados – preferiram esses últimos.

89
História e historiografia indígena

As sociedades indígenas constroem uma história do mundo em que seus atos


e escolhas tiveram importantes efeitos nas suas formas de vida atual. Os movi-
mentos messiânicos em alguns povos indígenas podem ser entendidos como
uma forma de reatualizar os mitos e reverter escolhas ou fatos anteriormente
vivenciados neles16.

Texto complementar
O discurso a seguir foi registrado pelo missionário Claude d’Abbeville, em
sua História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão. Profe-
rido diante de um grupo de franceses que, em missão diplomática, tratava
de estabelecer aliança com os povos indígenas da região, teve um grande
impacto sobre os presentes.

Registro do discurso de um chefe


Tupinambá no século XVII
“Digo apenas simplesmente o que vi com meus olhos”
Chefe Momboré-uaçu - Aldeia de Essauap,
Maranhão – 1612
(D’ABBEVILLE, 1945, p. 115-116)

Vi a chegada dos peró [portugueses] em Pernambuco e Potiú; e come-


çaram eles como vós, franceses, fazeis agora. De início, os peró não faziam
senão traficar sem pretenderem fixar residência. Nessa época, dormiam li-
vremente com as raparigas, o que nossos companheiros de Pernambuco
reputavam grandemente honroso. Mais tarde, disseram que nós devíamos
acostumar a eles e que precisavam construir fortalezas, para se defenderem,
e edificarem cidades para morarem conosco.

E assim parecia que desejavam que constituíssemos uma só nação. Depois,


começaram a dizer que não podiam tomar as raparigas sem mais aquela, que
Deus somente lhes permitia possuí-las por meio do casamento e que eles não
podiam casar sem que elas fossem batizadas. E para isso eram necessários paí

16
Ver a coletânea organizada por Albert e Ramos (2002), para um aprofundamento sobre as formas em que alguns povos indígenas vivenciam a
história e entendem os processos de contato interétnico atravessados.

90
História e historiografia indígena

[padres]. Mandaram vir os paí; e estes ergueram cruzes e principiaram a ins-


truir os nossos e a batizá-los. Mais tarde afirmaram que nem eles nem os paí
podiam viver sem escravos para os servirem e por eles trabalharem. E, assim,
se viram os nossos constrangidos a fornecer-lhos. Mas não satisfeitos com
os escravos capturados na guerra, quiseram também os filhos dos nossos e
acabaram escravizando toda a nação; e com tal tirania e crueldade a trataram,
que os que ficaram livres foram, como nós, forçados a deixar a região.

Assim aconteceu com os franceses. Da primeira vez que viestes aqui, vós
o fizestes somente para traficar. Como os peró, não recusáveis tomar nossas
filhas e nós nos julgávamos felizes quando elas tinham filhos. Nesta época,
não faláveis em aqui vos fixar. Apenas vos contentáveis com visitar-nos uma
vez por ano, permanecendo entre nós somente quatro ou cinco luas. Re-
gressáveis então a vosso país, levando os nossos gêneros para trocá-los com
aquilo de que carecíamos.

Agora já nos falais de vos estabelecerdes aqui, de construirdes fortalezas


para defender-vos contra os vossos inimigos. Para isso, trouxestes um Moru-
bixaba e vários paí. Em verdade, estamos satisfeitos, mas os peró fizeram o
mesmo.

Depois da chegada dos paí, plantastes cruzes como os peró. Começais


agora a instruir e batizar tal qual eles fizeram; dizeis que não podeis tomar
nossas filhas senão por esposas e após terem sido batizadas. O mesmo diziam
os peró. Como estes, vós não queríeis escravos, a princípio; agora os pedis e
quereis como eles no fim. Não creio, entretanto, que tenhais o mesmo fito
que os peró; aliás, isso não me atemoriza, pois velho como estou nada mais
temo. Digo apenas simplesmente o que vi com meus olhos.

Dicas de estudo
 Os Índios antes do Brasil, de Carlos Fausto, Editora Jorge Zahar.

Escrito por um professor de Antropologia da Universidade Federal do Rio de


Janeiro, especialista em povos indígenas, em linguagem acessível a todos,
convida o leitor a descobrir os índios que habitaram o Brasil antes de Cabral.

 História dos Índios no Brasil, organizado por Manuela Carneiro Cunha, Edi-
tora Companhia das Letras.

Uma importante compilação de artigos produzidos por antropólogos e


historiadores focaliza diversos períodos da história indígena, desde a si-

91
História e historiografia indígena

tuação dos povos indígenas antes da chegada dos portugueses, as polí-


ticas e legislações do período colonial e do Império até chegar à política
tutelar da República. Os artigos que compõem o livro possuem uma rica
documentação de fontes e imagens e são produto de longas trajetórias de
pesquisa dos autores nessas temáticas.

 Brava Gente Brasileira (Brasil, 2000). Direção de Lúcia Murat.

A ficção se passa no atual Mato Grosso do Sul, quando no final do século


XVIII um grupo de portugueses designados para fazer um levantamento
topográfico na região do Pantanal envolve-se no estupro de índias da tri-
bo Kadiwéu. O filme focaliza o conflito cultural entre brancos (colonizado-
res) e nativos, tendo como tema principal a dificuldade de compreensão
cultural.

 Site do Museu do Índio: <www.museudoindio.org.br>.

Criado por Darcy Ribeiro em 1953, o Museu hoje se descreve como “órgão
científico-cultural da Funai”. O site traz informações sobre o acervo da Bi-
blioteca Marechal Rondon, que é muito rico em documentos textuais e
visuais produzidos pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI).

Exercícios
1. Que fontes disponíveis existem para o estudo da história indígena? Que ca-
racterísticas elas têm e qual é a importância de considerar as narrativas his-
tóricas produzidas pelos próprios indígenas?

92
História e historiografia indígena

2. Como se constituíram os aldeamentos? Que importância estratégica eles ti-


veram para os colonos?

3. Qual era a política para os “índios aliados” e qual era a política para os “índios
inimigos” durante a colônia?

93
História e historiografia indígena

4. Quais foram os objetivos e princípios que orientaram a primeira agência in-


digenista laica estatal: o Serviço de Proteção aos Índios?

94
História e historiografia indígena

95
Situação contemporânea dos povos indígenas

Mariana Paladino
Neste capítulo abordaremos a situação contemporânea dos povos in-
dígenas no Brasil. O objetivo é apresentar a heterogeneidade das formas
e condições de vida desses povos, a riqueza de suas práticas culturais e
de suas vinculações com o território e o meio ambiente, compreendendo
o valor que elas têm e sua contribuição à diversidade sociocultural de
nosso país.

É importante destacar que desenvolveremos um panorama geral das


condições atuais de vida dos povos indígenas brasileiros. Mas deve-se
ter claro que cada grupo indígena ou etnia apresenta diferenças signi-
ficativas em relação aos outros grupos indígenas. O índio genérico que
os livros didáticos de antigamente apresentavam não existe. Portanto,
compor um quadro geral se apresenta como um desafio diante da diver-
sidade de culturas, línguas, formas de organização social, sistemas eco-
nômicos, cosmologias e rituais que os grupos indígenas expressam.

Também cabe chamar a atenção para o fato de que os povos indíge-


nas contemporâneos são muito diferentes dos que os portugueses co-
nheceram na sua chegada. Não apenas no tamanho populacional, mas
nas formas de organização social e visões de mundo houve importan-
tes mudanças, muitas delas decorrentes da violência que impuseram os
colonizadores. Os povos indígenas, como qualquer grupo humano, são
sociedades dinâmicas. Porém, mantêm e atualizam importantes vínculos
ancestrais com suas tradições e território.

Quem são e quantos são os


povos indígenas hoje no Brasil
A denominação indígena significa, segundo os dicionários de língua
portuguesa, nativo, pessoa natural do lugar ou do país em que habita.
Situação contemporânea dos povos indígenas

Segundo definição das Nações Unidas, de 1986,


[...] as comunidades, os povos e as nações indígenas são aqueles que, contando com
uma continuidade histórica das sociedades anteriores à invasão e à colonização que foi
desenvolvida em seus territórios, consideram a si mesmos distintos de outros setores da
sociedade, e estão decididos a conservar, a desenvolver e a transmitir às gerações futuras
seus territórios ancestrais e sua identidade étnica, com base de sua existência continuada
como povos, em conformidade com seus próprios padrões culturais, as instituições sociais e
os sistemas jurídicos. (apud LUCIANO, 2006a, p. 27)

Apesar de o emprego do termo índio ou indígena ter adquirido, ao longo da his-


tória do Brasil, um sentido pejorativo, sendo associado a um modo de vida pouco
“civilizado” e indolente, o movimento indígena, surgido a partir da década de 1970,
decidiu que era importante manter, aceitar e promover aquela denominação ge-
nérica como uma forma de fortalecer a identidade conjunta e valorizar o fato de
ser originário destas terras, assim como de se unir para lutar por direitos comuns.

No entanto, cada povo ou grupo indígena tem sua própria denominação. Em


geral, tem duas denominações: a autodenominação, ou seja, como o grupo se
chama ou refere a si mesmo, e um nome que lhe foi dado por outros povos,
geralmente vizinhos, a partir de certas características ou imagens que tinham
deles. Por exemplo, os Tikuna se autodenominam Magüta, mas povos do tronco
tupi que conviviam com eles os chamaram de Tikuna1 e assim foi registrado e
divulgado por missionários, nos séculos XVII e XVIII.

Os povos indígenas contemporâneos – ao contrário da imagem de senso


comum que os representa como pequenas e frágeis microssociedades que vivem
isoladas no interior da Floresta Amazônica, sofrendo um inevitável processo de
aculturação – estão vivendo um processo de fortalecimento cultural e de conquis-
ta de direitos significativos. A partir da década de 1970, com o apoio de organiza-
ções da sociedade civil e de entidades religiosas católicas vinculadas à vertente da
“teologia da libertação”, vêm se organizando e mobilizando em prol de demandas
fundamentais para garantir sua sobrevivência. O Estado reconheceu várias dessas
demandas na Constituição de 1988 e, hoje, muitos grupos indígenas têm seus ter-
ritórios demarcados2, têm escolas onde o ensino é bilíngue e intercultural, postos
de saúde com profissionais indígenas e levam a cabo projetos de desenvolvimen-
to sustentável e de proteção do território. Nas aldeias, os indígenas convivem
crescentemente com tecnologia ocidental (rádio, telefone, televisão, internet),
1
O nome próprio dessa etnia é Magüta, que na sua língua significa “povo pescado por Yoi”, o que remete ao seu mito de criação, no qual um dos
seus heróis culturais (Yoi) pesca de um igarapé, utilizando uma isca de macaxeira, os Magüta. Deles descenderam os atuais. O nome Tikuna significa
em língua tupi “nariz preto” e alude ao fato de que esse povo pintava o rosto com jenipapo para expressar sua filiação a determinados clãs.
2
O artigo 25 da Lei 6.001 e o artigo 231 da Constituição estabelecem o reconhecimento do direito dos indígenas às terras por eles habitadas e fa-
culta ao órgão indigenista (FUNAI) o poder e agilidade necessários para regularizar a situação das terras indígenas. A demarcação constitui a última
etapa do processo de regularização das terras indígenas. O Decreto n⁰ 76.999, de 8 de janeiro de 1976, fixou as normas para a demarcação dessas
terras. O Presidente da Funai designa um antropólogo, um engenheiro e um agrimensor, que inicialmente devem realizar um levantamento de
campo e descrever os limites da área. Ver Pacheco de Oliveira (2006) para maiores explicações sobre o processo de demarcação de terras indígenas.

98
Situação contemporânea dos povos indígenas

mas simultaneamente opera-se uma valorização e resgate de rituais, de registro e


conservação da memória oral e dos conhecimentos que ela veicula (contos, mitos,
conhecimentos medicinais, conhecimentos artísticos, entre outros).

O crescimento populacional indígena vem sendo significativo nas três últi-


mas décadas. Ele deve ser entendido principalmente por dois fatores. Por um
lado, como decorrência do crescimento demográfico, que está em torno de
4% ao ano contra 1,6% da população brasileira. Por outro lado, como resultado
dos processos de fortalecimento e reconhecimento da identidade étnica que
os povos indígenas vêm atravessando nas últimas décadas, o que motivou que
muitos começassem a se visibilizar e identificar como tais (LUCIANO, 2006a, p.
20). É importante entender que, em muitas regiões do país, os índios se viram
obrigados – para sobreviver e para evitar a exploração e a carga de preconceitos
vinculados à sua condição – a ocultar e negar sua identidade, deixando para
isso de utilizar sua língua e de praticar seus costumes. Alguns grupos passaram
a se mimetizar com a população camponesa ou cabocla e foram considerados
assimilados ou aculturados. No contexto atual de reconhecimento dos direitos
indígenas, muitos conseguiram reassumir sua identidade. Esse fenômeno se de-
nomina “etnogênese” ou “reetnização” e vem ocorrendo nos últimos anos, prin-
cipalmente na região Nordeste do país.

O antropólogo Darcy Ribeiro, com base em relatórios da antiga agência indi-


genista – o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) – calculou em 1957 a existência
de 143 etnias, com uma população estimada entre 68 100 e 99 700 indivíduos.
Hoje, estimam-se, segundo dados da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do
Instituto Socioambiental (ISA), 220 etnias, com uma população de 325 mil indí-
genas (PACHECO DE OLIVEIRA, 2006, p. 127-128).

As 220 etnias estão distribuídas ao longo de todo o país, somente nos esta-
dos do Piauí e do Rio Grande do Norte a Funai não reconhece presença indígena;
sendo que 162 dessas 220 etnias estão localizadas na Amazônia Legal3. Segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no censo
de 2000, a quantidade de indígenas ainda é maior. Estima-se um total de 740 mil
e compõem 0,4% da população brasileira.

Essa diferença na quantidade de população indígena ocorre em função dos


diferentes métodos utilizados para a obtenção de dados. A Funai e o ISA levan-
3
A Amazônia Legal é uma área que engloba nove estados brasileiros pertencentes à Bacia Amazônica e, consequentemente, possuem em seu
território trechos da Floresta Amazônica. Com base em análises estruturais e conjunturais, o governo brasileiro, reunindo regiões de idênticos
problemas econômicos, políticos e sociais e com o intuito de planejar o desenvolvimento social e econômico da região amazônica, instituiu o
conceito de Amazônia Legal. A atual área de abrangência da Amazônia Legal corresponde à totalidade dos estados do Acre, Amapá, Amazonas,
Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do estado do Maranhão, perfazendo uma superfície de aproximadamente 5 217 423km²
correspondente a cerca de 61% do território brasileiro.

99
Situação contemporânea dos povos indígenas

taram dados dos habitantes localizados em aldeias de terras indígenas reconhe-


cidas oficialmente. O IBGE não apenas levantou dados naquelas regiões, mas
também dos índios que residem nas cidades ou em terras indígenas ainda não
reconhecidas, além de utilizar o método de autoidentificação.

Luciano (2006a) também destaca os dados da Fundação Nacional da Saúde


(Funasa) como relevantes fontes de informação sobre a população indígena que
vive em terras indígenas. Segundo dados desse órgão, o contingente popula-
cional reconhecido pelo governo brasileiro e cadastrado pelo sistema de saúde
é de 374 123 índios, distribuídos em 3 225 aldeias, pertencentes a 291 etnias e
falantes de 180 línguas divididas por 35 grupos linguísticos (FUNASA, Relatório
Desai, 2003, p. 3, apud LUCIANO, 2006a, p. 28). Dos 374 123 indígenas atendidos
pela Funasa, 192 773 são homens e 181 350 são mulheres.

Ainda segundo os dados da Funasa, a população indígena está dispersa por


todo o território brasileiro, sendo que na região Norte concentra-se o maior con-
tingente populacional indígena, com 49%, e na região Sudeste está o menor
contingente populacional indígena, com apenas 2% (LUCIANO, 2006a, p. 26).

A dificuldade de chegar a uma contagem exata da população indígena se


deve ao fato não apenas dela estar espalhada numa grande extensão do territó-
rio, às vezes de difícil acesso, mas também ao fato de existirem “grupos isolados”
sobre os quais se têm pouca informação, assim como índios urbanos, sobre os
quais também existem escassos dados. Estima-se que existam atualmente 46
evidências de “índios isolados” (ou seja, que não têm contato com a sociedade
nacional) no território brasileiro, das quais apenas 12 foram confirmadas até hoje
pela Funai (LUCIANO, 2006a, p. 51)4.

Por outro lado, devido a processos complexos de territorialização que as po-


pulações indígenas atravessaram, de deslocamento forçado ou expulsão de seus
territórios, alguns segmentos terminaram se instalando em meio urbano ou em
fazendas para morar próximo aos espaços de trabalho. Há alguns povos que têm
migrado para as grandes metrópoles (como Manaus e São Paulo) e outros para
cidades de menor tamanho. O IBGE estima que a parcela da população indíge-
na que residia em área urbana passou de 23,9% em 1991 para 52,2% em 2000
(IBGE, 2005). Ou seja, nem todos os povos continuam ligados ao seu território
ancestral, embora ele esteja geralmente presente em narrativas, lembranças e
na continuidade de relações que estabelecem com grupos de parentesco que
ainda moram naqueles territórios.
4
O fato de serem denominados “isolados” não deve nos levar a pensar que nunca tiveram contato com a sociedade não indígena ou com outros
grupos indígenas. Alguns estudiosos consideram que provavelmente já tiveram algum contato no passado, mas, fugindo da violência ou de pres-
sões decorrentes dessa relação, se refugiaram em lugares mais distantes e inóspitos. As gerações seguintes foram as que não tiveram contato
(LUCIANO, 2006a).

100
Situação contemporânea dos povos indígenas

Considerando os dados de 2005, que contemplavam os índios urbanos – o


número de índios chegou a 740 mil indivíduos. E este número continuou cres-
cendo para 817 892 índios em 2010 (IBGE).

Este crescimento significativo da presença dos índios se deu em áreas rurais


indicando uma retomada da cultura indígena agrícola e rural, sinal de reforço
nas políticas de proteção do índio. Nos números de assentamento e áreas le-
galizadas o Brasil teve uma queda substancial no governo Lula e Dilma depois
dos governos Collor e FHC terem legitimado largas faixas de terra para os índios.
Apesar disso, a proteção ao índio cresceu nestes governos com políticas afirma-
tivas para estes índios e melhoria do atendimento médico e sanitário.

As terras que até hoje o Estado reconheceu como de posse indígena repre-
sentam atualmente cerca de 12% do território brasileiro. A Constituição de 1988
garante o direito originário dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocu-
padas por eles. Cabe aclarar que isto não significa que tenham a propriedade
dessas terras, que são bens e patrimônio da União, apenas lhe são garantidos a
posse e o uso delas.

Segundo dados do Departamento Fundiário da Funai, em agosto de 2006,


existem no Brasil 612 terras indígenas com algum grau de reconhecimento por
parte desse órgão, totalizando uma extensão de 106 373 144ha, ou seja, 12,49%
do território brasileiro. A Amazônia Legal é a região brasileira que concentra a
maior parte das terras indígenas: 20,67% da região (LUCIANO, 2006a, p. 105).

Apesar do avanço que houve na garantia por parte do Estado de terras aos
povos indígenas, ainda faltam várias áreas a serem demarcadas e existem vários
grupos que estão sem terra, ou com terra insuficiente para garantir a sua so-
brevivência. É igualmente grave a situação de muitas terras que sofrem invasão
por parte de regionais não indígenas: madeireiros, caçadores, pescadores, entre
outros, sendo seus recursos naturais violentados.

Vejamos a seguir um quadro sistematizando as informações anteriormente


comentadas sobre a distribuição das terras indígenas no Brasil:
(Departamento Fundiário da Funai,
apud LUCIANO, 2006a)

Descrição Extensão (ha) %


Território Nacional 851 487 659 100
612 terras indígenas 106 373 144 12,49
405 terras indígenas 103 483 167
na Amazônia Legal
207 terras indígenas 2 889 992
no Centro-Oeste,
Nordeste, Sul e
Sudeste
101
Situação contemporânea dos povos indígenas

Diversidade linguística e cultural


Existe uma enorme diversidade cultural entre os povos indígenas do Brasil,
expressada, entre outras formas, nas artes, na música, na tecnologia, na medi-
cina, nos conhecimentos, nas tradições orais e nos rituais5. Essa diversidade é
produto das formas particulares em que cada povo foi se relacionando com o
território, o meio ambiente e com os demais grupos, conforme suas crenças e
visões de mundo. Também são significativos os processos de contato com agen-
tes e agências do Estado e da sociedade nacional, que influenciaram nas formas
em que hoje os indígenas assumem e mostram suas diferenças culturais.

As línguas expressam também essa rica diversidade, porque elas representam


modos distintos de classificar e compreender o mundo. São transmitidas de gera-
ção em geração por meio da tradição oral. Apesar de muitas terem sido extintas,
ao longo dos anos da colonização, ainda se falam mais de 180 línguas nativas.

Algumas delas são consideradas em risco de extinção pelo número reduzido


de falantes (cerca de 40 línguas). Certos povos já perderam suas línguas e falam
as línguas de outros povos ou falam o português como língua materna. É o caso
de 37 povos que só falam o português (LUCIANO, 2006a). Alguns deles estão
levando a cabo um processo de resgate de suas línguas, com o apoio de organi-
zações não governamentais e de especialistas vinculados à Academia. São reali-
zadas, para isso, pesquisas e estudos com os falantes mais idosos ou recorrem a
estudos linguísticos e antropológicos do passado.

Outras línguas indígenas permanecem vitais e ativas e são amplamente uti-


lizadas não apenas no âmbito doméstico, mas crescentemente no espaço esco-
lar, público e até nas cidades. Em alguns municípios, como em São Gabriel da
Cachoeira, no estado do Amazonas, têm sido reconhecidas, junto com o portu-
guês, como línguas oficiais.

Os linguistas classificam as línguas indígenas em troncos, famílias, línguas


e dialetos: há dois grandes troncos, o Tupi e o Macro-Jê, e 20 famílias linguís-
ticas que não apresentam graus de semelhanças suficientes para poderem ser
agrupadas nesses troncos. Há, também, famílias de apenas uma língua, às vezes
denominadas “línguas isoladas”, por não se revelarem parecidas com nenhu-
ma outra língua conhecida (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2009) Os quadros, a
seguir, sintetizam de forma simplificada as classificações hoje vigentes e reco-
nhecidas pela maioria dos linguistas brasileiros.
5
A diversidade cultural é reconhecida pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como patrimônio
comum da humanidade. No caso particular da diversidade cultural indígena, ela é considerada patrimônio da humanidade pela Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), que o Brasil ratificou e reconheceu como Lei em 2003.

102
Situação contemporânea dos povos indígenas

Tronco Tupi

IESDE BRASIL S/A. Adaptado.


Famílias Tupi-Guaraní Arikém Aweti Juruna Mawé Mondé Puroborá Mundurukú Ramarama Tuparí

Akwawa Karitiana Juruna **


Amanayé Aweti (Yuruna), Kuruáya Karo
Anambé Xipaia Mundurukú (Arara)
Apiaká
Línguas Arawete Mawé Arujú (Mayoro)
Asurini do Tocantins Sateré-Mawé
Asurini do Xingu Makurap
(Asurini do Irocará) e Mekém
(Asurini do Koatinemo)
Avá-Canoeiro Parakanã Aruá Sakirabiár
Guajá Cinta-Larga Tupari
Dialetos Gavião (Ikôro)
Guarani Kaiowã, Mbyá e Mondé
Kaapór
Nhandéva Surui (Paitér)
(Urubu Kaapór)
Zoró
kamayurá
Kayabi Parintintin, Diahói, Juma,
Kawahib Karipúna, Tenharin e Uru-Eu-
Kokáma -Wav-Wav
Língua Geral
Amazônica *
Suruí do Tocantins Kokãma e Omágua
Tapirapé (Kambe-ba)
Tenetehára
Wayampi
(Waiãpi, Guajajara e Tembé
Oiampi) Xetá
Zoè (Puturú)

Língua Geral Amazônica (Nheengatú). É Amazônica para distinguir da outra Língua Geral, a Paulista,
* agora já extinta; Nheengatú é um nome tanto artificial, que lhe deu foi Gen. Couto de Magalhães em
seu livro de 1876 – O Selvagem.

** Puroborá é um povo cuja língua há documentos dos anos 20 (Th. Koch-Grünberg) e dos anos 50
(W. Hanke) e de que há ainda alguns remanescentes dispersos de Porto Velho até o Guaporé e o pes-
soal do Setor Linguístico do Museu Goeldi tem contactado alguns e gravado dados linguísticos).

Fonte: Instituto Socioambiental.

IESDE Brasil S.A. Adaptado.


Tronco Macro-Jê

Famílias Boróro Krenák Guató Jê Karajá Maxakali Ofayé Rikbaktsá Yaté

Boróro Krenák Guató Javaé


Línguas Umutina Karajá Ofayé Rikbaktsá Yaté
Xambioá
Dialetos
Maxakali
Pataxó
e
Pataxó
Hã-Hã-Hãe
Xakriabá, Xavánte e Xerente
Akwén
Apinayé
Kaigáng Tapayúna
Kaingánd do Paraná
Kayapó
Kaingáng Central
Kaingáng do Sudoeste e Panará
Canela Apaniekra
Kaingáng do Sudeste Suyá Canela Ramkokamekra
Timbira Gavião do Pará (Parkateyé)
Xokléng Gavião do Maranhão (Pulkobiyé)
Gorotire, Kararaô, Kakraimoro, Krahõ Krenjé (Kren-yé) e
Kubenkrankegn, Menkrangnoti, Krikatí (Krinkati)
Mentuktire (Txukahamãe) e Xikrin

Fonte: Instituto Socioambiental.


103
Situação contemporânea dos povos indígenas

Outras famílias linguísticas

Aikaná
Aikaná (Masaká e Kasupá)

Arawá Banawá-Yari Dení Jarawára Kanamanti

Kulína Paumarí Jamamadi Suruahá


(Zuruahá)

Apurinã Baiwa do Içana Baré Kampa


(Ipurinã) (cf. Sasha) (Axininka)

Arúak
(Arawak, Maipune) Mandawáka Mehináku Palikúr Paresí (Arití, Haiti)

Piro Manitenéri Salumã (Enawené-Nawê)


Maxinéri

Tariana Yurupari-Tapúya Terena (Tereno)


(Iyemi)

Wapixana Warekena (cf. sasha) Waurá Yawalapití

Guaikuru Kadiwéu

Iranxe Iránxe (Mynky)

Jabuti Arikapú Jabutí (Jeoromitxi)

Kanoé Kanoé (Kapixaná)

Karib Aparaí (Apalaí) Arara do Pará Bakairí

Galibí do Oiapoque Hixkaryána Ingarikó (Kapóng)

Kalapálo Kaxuyána Kuikúru Makuxí Matipú

Mayongong Nahukwá (Nafukwá)


(Makiritáre, Yekuána)

Taulipáng (Pemóng) Tiriyó (Tirió, Trio) Txikão (Ikpeng)

Waimirí (Waimirí-Atroarí) Warikyána Wayána Wai-wai

Katukina Kanamarí Katawixí

Katukina do rio Biá Txunhuá - Djapá


(Pedá Djapá) (Tsohom-djapá)

104
Situação contemporânea dos povos indígenas

Koazá
(Kwaza) Koazá (Koaiá)

Máku Máku

Makú Bará (Makú-Bará) Dow (Kamá) Guariba (Wariía-tapúya)

Húpda Nadab Yuhúp

Mura Mura Pirahã

Nanambikwára Nambikwara do Norte Tawandê


Lacondê
Latundê
Mamaindê
Negarotê

Nambikwara do Sul Galera


Kabixi
Mundúka
Nambikwára do Campo

sabané

Pano Amawáka (estes índios vivem no Peru, Katukina do Acre


não é certeza se alguns vivem no Brasil) (Xanenawá) (c.f. Aguiar)

Kaxararí Kaxinawá Korúbo Marúbo Matís

Matsé (Mayoruna) Nukini Poyanáwa Yamináwa

Yawanáwa

Trumái Trumái

Tikúna Tikúna

Tukano Arapaço Bará Desána Karapanã Kubewa (Kubeo)

Makúna Pirá-Tapuya (Waikana) Siriáno Tukano

Tuyúka Wanano

Txapakúra Orowari Torá

Urupá Warí (Pakaanova)

Yanomani Ninam Sanumá

Yanomám Yanomami

Fonte: Instituto Socioambiental.

105
Situação contemporânea dos povos indígenas

Formas de organização social e parentesco


Cada povo possui uma forma própria de organizar suas relações sociais, po-
líticas e de parentesco. As relações de parentesco são a base da estrutura social
dos povos indígenas. Em geral, se constituem com base na família extensa, que
é uma unidade social articulada em torno de um patriarca ou de uma matriar-
ca por meio de relações de parentesco consanguíneas e de afinidade política
ou econômica com outros grupos aliados. Uma família indígena extensa geral-
mente reúne a família do patriarca, as famílias dos filhos, os genros, as noras, os
cunhados e outras famílias afins que se filiam à grande família por interesses
específicos (LUCIANO, 2006a, p. 43).

Também são significativas as relações de aliança econômica e política que


cada povo ou grupo familiar estabelece com outros. As alianças se estabelecem
a partir de interesses comuns que, em geral, vinculam-se ao compartilhamento
de espaços territoriais, à troca comercial e à troca de mulheres, através do casa-
mento. Os grupos de parentesco e de aliados costumam se reunir tanto para a
produção de certos bens e empreendimentos, quanto para a distribuição desses
bens, para rituais e festas.

Alguns povos indígenas vivem em grandes malocas comunitárias, outros em


casas separadas e dispersas ao longo dos rios e das florestas. Ainda outros têm
se organizado em grandes aldeias, com casas contíguas e nas que vêm se ope-
rando um processo de urbanização. Também estão os que vivem na cidade, mas
isso não significa que tenham perdido vínculos com as suas comunidades de
origem.

Existem papéis de liderança que são chamados “tradicionais” porque seguem


as condições e regras herdadas dos seus pais ou ancestrais e que são aceitas
pelo grupo. Sua função é aconselhar, organizar e articular os membros de sua
aldeia ou grupo e também de representá-los diante de outros povos. Também
estão as “novas lideranças”, que são novos papéis surgidos a partir do contato
com o Estado, principalmente com o órgão indigenista: capitães, professores in-
dígenas, agentes indígenas de saúde, dirigentes de organizações indígenas. Eles
funcionam como intermediários e interlocutores com a sociedade não indígena
e adquiriram seus cargos por formas e critérios de escolha diferentes das lide-
ranças tradicionais, como o de ter educação escolar e falar bem o português. As
lideranças tradicionais e as “novas lideranças” coexistem no espaço das aldeias
e tentam coordenar suas ações e representações de forma conjunta (LUCIANO,
2006a).

106
Situação contemporânea dos povos indígenas

Em geral, os caciques – de forma diferente ao uso do poder nas chamadas


sociedades ocidentais – carecem de um poder autoritário e de uma estrutura
repressiva. O chefe indígena adquire seu poder por prestígio, por capacidade de
aconselhamento, pela posse de determinadas virtudes valorizadas pelo grupo.
Mas seu poder vai se circunscrever a determinadas esferas ou circunstâncias.
Não têm poder soberano sobre o grupo e as decisões que ele tome terão que ser
consensuadas pela coletividade.

De acordo com a posição que se tenha no grupo (em relação à idade,


gênero, geração) serão outorgadas as tarefas, as funções e as responsabilida-
des aos indivíduos.

Existem papéis especializados como os pajés ou xamãs, responsáveis pela


segurança espiritual e pela cura dos membros de seu grupo. Alguns povos indí-
genas tinham papéis especializados de guerreiros, outros de caçadores e pesca-
dores, outros de contadores de histórias e cantores.

Economias indígenas
Os índios que residem dentro das terras indígenas vivem dos recursos ofere-
cidos pela natureza, da pesca, da caça, da agricultura, da coleta de frutos silves-
tres. Nelas encontra-se uma diversidade de ecossistemas – entre outros, matas
das várzeas, matas de igapós, savanas de terra firme, florestas de terra firme, ser-
rado, mata atlântica etc. Cada um desses ecossistemas enseja aos índios uma
forma particular de manejo, de forma a otimizar a obtenção dos recursos que
são necessários ao seu bem-estar.

O território é a base da vida dos povos indígenas, não apenas por ser o meio
onde se encontram os recursos naturais que lhes garantirão sua subsistência
econômica, mas também por ele estar vinculado a seres, espíritos, valores e co-
nhecimentos de fundamental relevância para sua reprodução cultural. O terri-
tório representa o vínculo com a ancestralidade, com os antepassados, com os
mitos de origem e tem uma significação que transcende o sentido capitalista de
entender e de se apropriar desse espaço.

É recorrente entre os povos indígenas brasileiros considerar que todos os


seres vivos e não vivos, reais ou imateriais possuem suas dimensões espirituais.
Nos mitos, fala-se que existem espíritos protetores, aos que chamam de “mães”.
Assim, por exemplo, quando um animal é caçado sem respeito a regras ou tabus
vinculados à captura de certos seres, a “mãe” ou espírito desse animal reagirá

107
Situação contemporânea dos povos indígenas

vingando tal violação, provocando doença ou morte da pessoa. Em geral, se ex-


plica a origem das doenças a partir de relações que as pessoas mantêm de dese-
quilíbrio com a natureza (LUCIANO, 2006a, p. 190).

As condições territoriais serão determinantes para as economias e formas de


vida praticadas. Assim, por exemplo, os que vivem em terras mais extensas e
abundantes em recursos naturais têm a possibilidade de continuar praticando
valores importantes para a organização social de muitos povos indígenas, como
a reciprocidade e a generosidade na distribuição de alimentos. Já os que vivem
em terras reduzidas e com escassos recursos naturais estão expostos a conflitos
maiores e a não poder praticar rituais ou festas que requerem abundância de
alimentos. Contudo, isso não significa necessariamente que abandonem essas
práticas. Há muita diversidade nas respostas e estratégias que os povos vêm
construindo para lidar com a problemática de escassos recursos e terras.

A economia dos índios urbanos é diferente das dos índios aldeados. Não de-
pendem das condições do território para sobreviver e sim do mercado de traba-
lho e da assistência social.

Contudo, em muitos casos não existe uma fronteira rígida entre essas formas
de economia e, crescentemente, os que vivem em terras indígenas dependem
do mercado e comerciam os produtos de sua roça por objetos manufaturados e,
ao contrário, alguns indígenas que vivem na cidade conservam roças na aldeia e
se deslocam para cuidar delas nos períodos necessários do ano.

Religiões indígenas
Os modos de vida indígenas seguem princípios e orientações cosmológicas
e ancestrais fortemente marcados pelos mitos6. Existem princípios culturais cru-
ciais para a existência étnica que não podem ser rompidos, uma vez que possi-
bilitam equilíbrio e bem-estar. Romper com esses princípios e valores poderá
significar a desestruturação da ordem social indígena (LUCIANO, 2006a).

Como Lopes da Silva (1995) chama a atenção, os mitos se articulam à vida


social, aos rituais, à história, à filosofia própria do grupo, e expressam modos
peculiares de conceber a pessoa humana, o tempo, o espaço, o cosmos. Na vida
cotidiana, as concepções cosmológicas orientam, dão sentido, permitem inter-

6
Os especialistas definem os mitos como narrativas orais, que contêm verdades consideradas fundamentais para um povo e que formam um
conjunto de histórias dedicado a contar peripécias de heróis que viveram no início dos tempos (no tempo mítico ou das origens). O que se enfatiza,
dessa perspectiva, é o caráter de narrativas que os mitos têm. O mito pode também ser definido com um nível específico de linguagem, uma ma-
neira especial de pensar e de expressar categorias, conceitos, imagens. Ambas definições sugerem uma relação particular entre o mito (ou os mitos),
o modo de viver e pensar e a história daqueles povos responsáveis por sua existência (LOPES DA SILVA, 1995).

108
Situação contemporânea dos povos indígenas

pretar acontecimentos e ponderar decisões. Elas se expressam através da lingua-


gem simbólica dos rituais: música, ornamentos corporais, entre outros recursos,
permitem o contato com outras dimensões cósmicas, com momentos outros do
mundo e do processo da vida e da morte.
Os mitos são parte da tradição de um povo, no entanto a tradição é continua-
mente recriada e as experiências passadas são tornadas referências vivas para o
presente e para o futuro. Os mitos mantêm com a história uma relação de inter-
câmbio (SAHLINS, 1989).
Para Sztutman (2008), os mitos contam como as coisas chegaram a ser o que
são. Contam como as divindades, os homens, os animais e as plantas se diferen-
ciaram. Os rituais, por sua vez, fazem o caminho inverso dos mitos. Eles contam
e recriam o mito, promovendo uma espécie de retorno a um tempo de indife-
renciação geral em que divindades, homens, animais e plantas se comunicavam
entre si. 
Sabe-se hoje (e isto é tema atual de inúmeras pesquisas) que as culturas hu-
manas desenvolvem variadas lógicas históricas, maneiras de pensar, relacionar-
-se e viver os processos históricos. Também existem diversas interpretações da
alteridade e das formas de se relacionar com os “brancos” e de entender o pro-
cesso de contato com eles. Assim, alguns povos indígenas têm aderido a religi-
ões cristãs de base ocidental, sobretudo católicas e evangélicas, seja porque têm
valorizado os agentes que os contataram com fins de catequese, seja porque a
“conversão” lhes permitiu a aquisição de uma identidade e acesso a bens mate-
riais e simbólicos valorizados.
Apesar de que entre os indigenistas a presença de missões tem suscitado
muita controvérsia e oposição, tendo em conta os processos de mudança e
perda cultural que algumas tentam promover, outros estudiosos relativizam o
poder que têm as religiões de origem ocidental na transformação dos modos de
vida dos povos indígenas e assinalam que, ao contrário, opera-se uma acomoda-
ção ou apropriação de ideias, símbolos e valores que elas veiculam segundo as
lógicas indígenas. Também é importante considerar a existência de um segmen-
to de indígenas que se identifica como cristãos e que defende a possibilidade de
ter simultaneamente essa identidade e valorizar sua cultura. De fato, lideranças
importantíssimas do movimento indígena receberam durante sua infância e ju-
ventude uma educação missionária, mas se apropriaram criticamente de algu-
mas ferramentas úteis que esta formação lhes proporcionou, como o domínio
do português e da escrita, utilizando-as mais tarde em prol de suas demandas e
processos de luta.

109
Situação contemporânea dos povos indígenas

Texto complementar
O texto a seguir é de um líder e escritor indígena da etnia Pareci do estado
do Mato Grosso. Trata-se de um depoimento feito em um encontro sobre
Educação Escolar Indígena, em Cuiabá (MT) em agosto de 1993.

Depoimento de Daniel Matenho Cabixi, do povo


Pareci, aldeia de Rio Verde no Mato Grosso
Vi muitas pessoas postarem-se diante de mim, um índio, e ficarem horas
e horas a olhar-me. Além de lançarem uma série de perguntas, entre elas, se
não existe mais índio brabo. Penso comigo: que estarão elas pensando?

Esforço-me para penetrar em seus pensamentos. Afinal, um descendente


de índios selvagens, descendentes de seres mitológicos índios, está posta-
do diante deles, de calça, camisa e sapatos. Neste momento, a imaginação
desse povo simples voa pelo mundo da fantasia. Como será que vivem? O
que comem? Será que ele pensa igual a nós? Será que descende de comedo-
res de gente? Terá ele provado alguma carne humana? Tem ele algum senti-
mento humano de amor e compaixão?

Enfim, percebo que as interpretações e comparações que nos fazem não


passam da categoria de animais exóticos que habitam a natureza. Tenho
vontade de fazê-los compreender o meu mundo, assim como cheguei a
compreender o mundo deles.

Gostaria de dizer-lhes que faço parte de uma sociedade que possui normas
de vivência harmônica entre homens e natureza. Gostaria de dizer-lhes que
possuímos nossos valores sociais, políticos, econômicos, culturais e religiosos,
que adquirimos através dos tempos, de geração em geração.

Gostaria de dizer-lhes que formamos um mundo equilibrado e justo de


relações humanas. Dizer que como humanos somos sujeitos a falhas e erros.
Dizer que nossos sentimentos mais íntimos são exteriorizados através da arte,
da língua, da nossa religião, das festas acompanhadas de ritos e cerimônias.
Dizer que conseguimos nossas experiências diante da vida e do universo.

110
Situação contemporânea dos povos indígenas

Dizer que conseguimos chegar num equilibrado mundo prenhe de valo-


res que transmitimos a nossos filhos, o que em outras palavras mais compre-
ensíveis é sinônimo de educação.

Gostaria de dizer-lhes também que tudo, tudo isso vem sendo deturpado,
desrespeitado e destruído. Dizer que estamos despertando para uma nova
realidade. Estamos percebendo que todas as tentativas estão sendo feitas
para acabar com nossos princípios já constituídos. Dizer que um de nossos
objetivos fundamentais é levar à nossa comunidade o conhecimento desta
realidade nova que nos rodeia. Do interesse em perpetuar nossos valores
morais e culturais.

Dizer que estamos prontos para receber o que de útil a sociedade deles
nos oferecer e rechaçar o que de ruim ela nos apresentar. Mas a cegueira
etnocêntrica não permite este diálogo franco e sincero.

(Disponível em: <www.iande.art.br/textos/danielcabixi.htm>.


Acesso em: 25 ago. 2009.)

Dicas de estudo
 O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil
de hoje, de Gersem dos Santos Luciano.

Escrito pelo professor Gersem dos Santos Luciano – da etnia Baniwa –


primeiro indígena Mestre em Antropologia Social no Brasil e ator impor-
tantíssimo do movimento indígena, é uma leitura imprescindível para
conhecer a situação contemporânea dos povos indígenas de nosso país.
Proporciona tanto informações muito valiosas, para compreender as for-
mas e condições de vida atual desses povos, quanto provoca uma reflexão
acerca da problemática que eles enfrentam e as formas com que vêm se
organizando e lutando pela conquista de seus direitos.

 Site do Instituto Socioambiental: <www.socioambiental.org>.

O Instituto Socioambiental é uma das organizações não governamentais


de apoio aos povos indígenas mais antigas e reconhecidas pela relevância
de sua trajetória e atuação. O site, além de conter boletins informativos
atualizados sobre a situação dos povos indígenas e os principais aconte-
cimentos e notícias relativos a eles, apresenta uma seção que se chama
111
Situação contemporânea dos povos indígenas

“Povos Indígenas no Brasil”, na qual pode-se obter informações de cada


grupo indígena, com dados de sua localização, história, organização so-
cial, cosmologia, rituais, além de apresentar fontes de informação para o
aprofundamento da pesquisa sobre esses grupos.

 Site da Funai <www.funai.gov.br/mapas/fr_mapa_fundiario.htm>.

O link acima dá acesso a um mapa do Brasil em que é possível situar a lo-


calização dos diversos grupos indígenas do nosso país.

 Terra Vermelha (Birdwatchers) (2008). Direção de Marco Bechis. Coprodu-


ção ítalo-brasileira. 108 minutos.

O filme, escrito pelo diretor e roteirista brasileiro Luiz Bolognesi (Bicho de


Sete Cabeças), foi inspirado na história do cacique Ambrósio Vilhalva, da
etnia Guarani-Kaiowa, que liderou um acampamento para a retomada das
terras de seus ancestrais, em um local hoje ocupado por uma fazenda pro-
dutora de soja.

Com índios nos papéis principais, o filme conta ainda com atores como
Leonardo Medeiros, Matheus Nachtergaele, Claudio Santamaria, Fabiane
Pereira da Silva e a italiana Chiara Caselli. A ficção mostra de uma forma
sensível e complexa as relações entre índios e brancos num dos estados
do país onde mais conflitos existem entre esses segmentos pela posse de
terras.

Exercícios
1. Que fontes de informação existem para uma abordagem demográfica dos po-
vos indígenas no Brasil? Quais são suas diferenças e quais são as estimativas da
quantidade de população indígena que elas apresentam?

112
Situação contemporânea dos povos indígenas

2. Quantas línguas indígenas são, aproximadamente, faladas hoje no Brasil?


Quais são os troncos linguísticos reconhecidos pelos estudiosos e que outras
famílias linguísticas existem?

113
Situação contemporânea dos povos indígenas

3. O que o território representa para os povos indígenas? De que forma garante


sua sobrevivência econômica e cultural?

114
Situação contemporânea dos povos indígenas

115
Políticas de ações afirmativas,
políticas curriculares e currículo

Marcos Araújo
A questão racial e a pobreza no Brasil sempre foram fortemente vin-
culadas, tendo o Estado buscado, junto à sociedade, alternativas para
compensar esses grupos prejudicados e alçar alguns de seus membros
a melhores condições educacionais e sociais. As assim chamadas ações
afirmativas tiveram um papel já demonstrado no sucesso de inserção de
pessoas de diferentes grupos minoritários ou perseguidos em condições
bem melhores, causando uma ação em cadeia na melhoria da vida educa-
cional do grupo social.

As questões demográficas e raciais do Brasil


O senso comum informa que o Brasil foi formado por três raças: o
negro, o índio e o branco português. Essa tese foi formulada pelo botâ-
nico e viajante Carl Friedrich Phillip von Martius, em 1845. Segundo ele,
os portugueses nos deram a língua, a religião e a organização econômica
e política; os índios nos deram hábitos cotidianos e alimentares e nomes
geográficos dos lugares do Brasil; os negros, sendo escravos, contribuíram
geneticamente, mas pouco, ainda segundo o autor, culturalmente, em
razão de sua inferioridade.

Quase cem anos depois, em 1936, o sociólogo Gilberto Freyre utilizou a


mesma fórmula, mas de maneira totalmente inversa. Em sua obra, o autor
apontou a repressão portuguesa e a força dos padres na desconstrução da
cultura indígena e negra. Esse último fator foi visto por Freyre como uma
força motriz da cultura brasileira. Ou seja, a estrutura social proposta por
Freyre para compreender o Brasil é a mesma de Martius, mas matizada
pela experiência crítica da antropologia de Boas e do próprio antropólo-
go pernambucano. Os estudos posteriores mostraram uma formação bra-
sileira mais complexa, com uma plêiade de povos de diferentes etnias e
raças, de diferentes credos e substratos sociais.
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

A fim de compreender as políticas curriculares que contemplam ações afir-


mativas, apresenta-se a seguir um breve quadro da representação de indígenas
e negros na constituição sociodemográfica brasileira.

Entre os índios havia homens e mulheres de distintos povos e línguas, por


vezes inimigos ou parentes entre si, que interagiram com a sociedade brasileira
em maior ou menor intensidade, em momentos distintos da história brasileira.
Assim como os índios, brancos e negros dessa tese sobre a constituição do Brasil
são também diferentes não somente naquele período longo de colonização, mas
também historicamente, pois há diferenças entre as etnias de 1550 e as de 2016.

A escravidão indígena foi forte em todo o Brasil do Nordeste, do Norte e o


sustentáculo da província de São Paulo, durante os séculos XVI, XVII e XVIII. Os
exércitos de defesa da colônia e ataque a quilombos e índios rebeldes eram
constituídos pelos índios mobilizados por bandeirantes e homens a soldo do
rei. O grau de miscigenação com o índio foi intenso no Brasil. A respeito dessa
forte presença indígena, em 1500 o número de índios era superior a 5 000 000 de
habitantes, enquanto em 1990 era de apenas 280 000. As populações indígenas
pareciam estar fadadas a desaparecer. Aos índios não eram dados terra, direitos,
proteção, tecnologia, estrutura ou paz. Desprezados pelos não índios e isolados,
a tendência sempre foi escapar da pobreza rural indo para cidade. Nela, sem os
costumes e a língua, o índio deixava de ser índio – desaparecia ou aparecia como
um desenraizado. A proporção da população indígena era de 0,4% do total nos
anos de 1990 e 2000. (IBGE, 2012)1

Atualmente, o último censo de 2010 observou um crescimento significativo da


população indígena, especialmente nas áreas rurais do Nordeste. Mais que o au-
mento dessa população em números, esse crescimento se deu por etnogênese,
ou seja, um processo que ocorre quando um grupo que outrora não se declarava
indígena, por temer o preconceito, passa, por alguma razão social ou política, a fa-
zê-lo, redescobrindo um fator étnico. No caso brasileiro, a valorização do indígena
pela sociedade e pelo Estado, por meio de políticas públicas, fez com que a auto-
estima das populações aumentasse e elas passassem a se definir como indígenas.

De outro lado, de acordo com pesquisas acadêmicas recentes na área de


genética,
[...] os estudos de DNA mitocondrial revelam proporções gerais de 33% de linhagens amerín-
dias, 28% de africanas e 39% de europeias, mas com variações consideráveis de região para
região, segundo o padrão esperado pela história de colonização de cada uma [...]. No Sul, são
europeus 66% dos haplótipos, o que reflete a ampla imigração da Europa para a região nos
1
<www.ibge.gov.br/indigenas/indigena_censo.pdf>

118
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

séculos 19 e 20. No Norte, onde a presença indígena é elevada, 54% das matrilinhagens são
ameríndias. No Nordeste, como esperado, predominam matrilinhagens africanas (44%). No
Sudeste, a distribuição das linhagens é muito uniforme.2 (ALVES-SILVA, Juliana; CARVALHO-
-SILVA, Denise R.; PENA, Sérgio D. J.; PRADO, Vânia F., 2000)

Quantos aos negros, é indiscutível que chegaram ao Brasil por meio do co-
mércio escravo vigoroso no período colonial. A escravidão africana sempre exis-
tiu, mas, com o comércio europeu para suas colônias americanas, o negócio se
capitalizou enormemente. Eram trocados rum, cachaça, açúcar, roupas, armas
etc. por homens, mulheres e crianças. Ao todo, 20 000 000 africanos foram ex-
traídos da África. Desse total, 12 000 000 desembarcaram na América, tendo o
resto morrido na captura e no embarque nos navios negreiros, chamados de
tumbeiros. Assim, esses milhões perderam a vida nos 400 anos em que o sistema
escravagista se manteve no sistema Atlântico. Foram dezenas de povos escravi-
zados pelos africanos em longas caravanas que vinham do interior, patrocinadas
pelos reis africanos do litoral, que agrupavam seus inimigos em fortes europeus
para, em seguida, embarcar essa carga humana para a América.

O Brasil foi o país que mais recebeu negros em seus portos, majoritariamente
vindos do Benin e de Angola – foram 5 000 000 daquele total de 12 000 000. Eles
eram concentrados nas áreas dinâmicas da economia colonial e imperial (Bahia,
Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais) e nas áreas, por todo o Brasil, onde
havia portos ou uma economia forte – Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas, Parana-
guá e Cuiabá; depois, Belém do Pará.

Escravizado, o negro ocupou um papel de destaque na sociedade brasileira.


Traços culturais, alimentares, de trabalho e gosto estético, de religiosidade e de
sociabilidade derivam diretamente da experiência negra no Brasil. A negra es-
crava foi mãe de gerações de meninos com os seus senhores brancos e, apesar
da proporção de homens ser muito maior que a de mulheres nas senzalas, estas
eram escolhidas para o serviço doméstico, o que muitas vezes significava estu-
pro e reprodução com seu senhor, expondo também a forte miscigenação entre
negros e brancos, sob extrema desigualdade e violência.

Um rápido balanço estatístico pelo século XIX explica um pouco mais a ques-
tão demográfica. Quando o Brasil se tornou independente, sua população era
de 3 600 000 habitantes (1 147 000 escravos). Em 1850, o tráfico foi finalmente
extinto. Em 1871, a Lei do Ventre Livre foi aprovada, tornando as crianças nasci-
das livres, ainda que vivendo no local de cativeiro de suas mães. Em 1872, eram
10 000 000 brasileiros (1 510 000 escravos). Em 1884, a Lei do Sexagenário liber-

2
<http://revistapesquisa.fapesp.br/2007/04/01/a-africa-nos-genes-do-povo-brasileiro/>.

119
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

tou os escravos com mais de 65 anos. Essas leis paliativas adiaram a Abolição até
13 de maio de 1888.

A libertação da população escrava foi redentora, mas não visava sua inser-
ção social no futuro. Nas áreas rurais, muitos ex-escravos foram mantidos em
situação análoga à escravidão ou passaram à condição de clientes das famílias
dos fazendeiros. Agora assalariados, os negros libertos eram mantidos presos
aos patrões pelo “sistema de barracão”, que escravizava o sujeito por meio da
dívida feita no armazém da fazenda onde o camponês vivia. Nos meios urbanos,
os negros estavam fadados aos trabalhos do dia a dia nos portos, nas praças de
comércio e na construção, ou seja, trabalhos que já eram realizados por essa
população e que não requeriam saberes que lhes permitissem ocupar espaços
sociais de poder. Houve aqueles negros que tiveram, por meio de seus pais bran-
cos, uma chance de estudar ou praticar um ofício com destaque na sociedade
colonial e imperial, como Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), Antô-
nio Francisco Lisboa (1730-1813), Machado de Assis (1839-1908), entre outros.

A sociedade da República Velha (1889-1930) perseguia os negros e sua cul-


tura. Como no império, a cultura negra era reprimida, estivessem elas represen-
tadas pelas manifestações religiosas, como a umbanda e o candomblé, ou pelas
práticas socioculturais, como a capoeira. A Revolta da Chibata, em 1910, foi um
exemplo das práticas escravocratas, pelas elites, para com os negros. A pobreza
dos negros cresceu com a preferência por imigrantes nas fazendas e a descrimi-
nação social. Diminuíam os postos de trabalho que tinham sido relegados aos
ex-escravos. O movimento social operário da República Velha, controlado por
imigrantes anarquistas, tratava a questão racial de modo tangencial. Dessa ma-
neira, o preconceito continuou arraigado e sem combate efetivo.

Com o Modernismo, o lugar do negro foi redefinido. De pária e parasita que


atrasava o Brasil, ele passou a ser visto – assim como o índio – como parte funda-
mental de nossas qualidades enquanto povo. O negro apareceu para a socieda-
de da elite branca: era preciso estudar e conhecer, e inclusive apreciar, os traços
da cultura negra brasileira. Na década de 30, não só os negros apareceram nas
artes plásticas, com Di Cavalcanti, como na música do samba, transformado em
música nacional.

Em 1935, o Estado cedeu dinheiro aos sambistas para que fizessem o desfile
de seus grupos carnavalescos. Era comum os intelectuais brancos buscarem no
morro ou na periferia a “verdadeira” cultura brasileira” – podem ser usados como
exemplo Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, Mário de
Andrade e Antonio Candido.
120
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

Em 1923, os negros começaram a jogar futebol em times grandes, como o


Vasco da Gama. Em 1930, a padroeira do Brasil passou a ser Nossa Senhora Apa-
recida, que, com seu tom canelado, passou a ser vista como uma imagem da
mistura brasileira.

Em 1931, foi fundada em São Paulo a Frente Negra Brasileira, que tinha ca-
ráter fascista e seus membros paramilitares usavam camisas brancas. O movi-
mento unia conservadores de vários matizes, como monarquistas e fascistas que
lutavam contra o preconceito nos clubes e na polícia de São Paulo. O movimento
tentou se tornar um partido político, mas o golpe varguista de 1937 extinguiu
todos os partidos.

O regime varguista permitiu mais liberdade aos cultos africanos e liberou o


jogo de capoeira, transformado-o em esporte em 1937. Também criou o Dia da
Raça, em 1939, que exaltava a tolerância entre os brasileiros (SCHWARCZ, 1998).

Em 1945, o Teatro Experimental do Negro, criado por Abdias do Nascimento,


colocou o negro como protagonista do teatro e da vida. O Movimento Negro co-
meçou a se aglutinar entre os homens das artes. Em 1950, o censo apontou que
61,6% eram brancos, 26,6% eram mulatos e 11% eram negros. Nesse ano, exis-
tiam 5 378 000 crianças na escola fundamental. Dentre essas, só 10% eram mu-
latos e 4,3% eram negros. No ensino médio, de quase 1 000 000 estudantes no
Brasil, só 6 794 eram negros (0,69%), enquanto 41 410 eram mulatos (4,20%). No
ensino superior, eram 157 874 – 96,87% brancos, 2,26% mulatos e 0,28% negros
(exatos 448 indivíduos). (SCHWARCZ, 1998, p. 206-207)

Se o negro passou a ser visto na segunda metade do século XX sob um


ponto de vista positivo, essa positividade também trouxe uma visão estereo-
tipada sobre negros e negras. O negro era visto como alegre e informal. Sua
ginga e conhecimento do submundo eram presumidos, enquanto a sensuali-
dade era a marca das mulheres negras, que logo passaram a decorar shows de
Carnaval e clubes. A mulata, negra ou mestiça sensual que sambava se tornou
fetiche dos brasileiros, de forma que as negras passaram a ser cantadas em
sua beleza.

Em 1951, foi criada a Lei Afonso Arinos, que punia atos de preconceito racial,
prevendo punição para atos públicos de discriminação e vedando proibições de
entrada em recintos, propagandas racistas etc. Apesar de ser uma lei tão antiga,
as punições que poderiam ser proporcionadas por ela são inexistentes na histó-
ria do Brasil.

121
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

Nos anos 1960, os negros assumiram um papel de maior destaque em todo


o mundo, especialmente nos Estados Unidos. As negras e mestiças encantavam
poetas e músicos e geravam uma onda de dançarinas lançadas em programas
de televisão, rádio e clubes noturnos, como os de Osvaldo Sargentelli, que se
denominava “mulatólogo”. Na cena brasileira do black is beautiful, os casamentos
inter-raciais se tornaram mais frequentes.
O regime militar manteve as diferenças sociais agudas nos meios rural e
urbano brasileiros, ainda que os números apresentassem alguma melhora, como,
por exemplo, o crescimento da economia, de maneira geral. O abismo entre
negros pobres e brancos ricos continuava grande. O número de negros univer-
sitários continuava baixo e a descriminação existia, ainda que de maneira velada.
O mito da democracia racial, criado na década de 1930, continuava sendo
manipulado pelo Estado, mas os negros continuavam mais pobres, mais perse-
guidos pela polícia, com menos empregos e com empregos sem qualificação.
A geração dos anos 70 impulsionou a presença negra na política brasileira.
O marco, nessa trajetória, foi a criação do Movimento Negro Unificado Contra a
Discriminação Racial, resultante da articulação das várias tendências que atua-
vam na luta antirracial e pelas liberdades democráticas. Conforme o depoimento
de Abdias do Nascimento (2000, p. 219-20), o Movimento Negro:
[...] enfrentava, no contexto da resistência ao regime de exceção, a oposição
de setores de esquerda que negavam a legitimidade da nossa luta específica. Os
militantes do movimento negro precisavam se manter como verdadeiros heróis
para levantar e sustentar essa bandeira. Em geral, essa fase da luta afrobrasileira
se caracterizava por um certo atrelamento a expectativas da esquerda, e com
isso uma impossibilidade de recorrer, se embasar, ou dar continuidade às histó-
rias e conquistas materializadas nos períodos anteriores. Naquela circunstância,
tutelado pelas esquerdas, o movimento negro se reorganizava como uma subu-
topia, já que a vitória da revolução mais ampla automaticamente resolveria os
problemas de exclusão social.
O Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial nasceu a partir
do Ato Público, realizado em São Paulo, em 7 de julho de 1978, em protesto
contra a discriminação sofrida por quatro jovens negros  nas dependências do
Clube Regatas Tietê e contra a tortura e morte de Robson Silveira Luz, numa
delegacia de São Paulo. Essa data ficaria marcada como o Dia Nacional de Luta
Contra o Racismo. Passaram-se, então, 41 anos desde o fechamento da Frente
Negra Brasileira3
3
SILVA, Antonio Ozaí da. A representação do negro na política brasileira. Revista Espaço Acadêmico, n. 40, set. 2004. Disponível em: <www.espacoa-
cademico.com.br/040/40pol.htm>. Acesso em: 14 jul. 2016.

122
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

Com a reabertura política, o Movimento Negro se mobilizou no processo de


conscientização do lugar dos negros no Brasil, em sua sociedade e em sua his-
tória. Em 1988, a Constituição classificou o crime de racismo como inafiançável
e imprescritível. Políticos que lutavam pela causa dos negros, como Darcy Ribei-
ro, Abdias do Nascimento, Benedita da Silva, Alceu Colares, Paulo Paim, entre
outros, marcaram presença no plenário da Câmara dos Deputados e no Senado
em defesa dos negros. Apesar de alguns eleitos, os negros e pardos estavam
sub-representados. Nesse ano – cem anos depois da Abolição –, os negros e
pardos ainda apresentavam uma taxa de analfabetismo de 30% e 29%, enquan-
to brancos tinham 12% de analfabetos e amarelos, 8%. O brasileiro médio es-
tudava então quatro anos, enquanto os negros estudavam somente dois anos.

Durante os anos 90, a melhoria da economia a partir do fim da inflação não


levou a uma imediata melhora da situação da população negra, visto que as me-
lhoras existentes foram proporcionais aos demais grupos. Sendo assim, a distân-
cia entre brancos e negros e pardos se manteve a mesma.

Os avanços alcançados nos níveis de educação e rendimento não altera-


ram significativamente o quadro de desigualdades raciais. Embora a taxa de
analfabetismo tenha caído para todos os grupos, ainda é mais elevado, em
1999, para pretos e pardos (20%) do que para brancos (8,3%). O aumento do
número de anos de estudo foi generalizado – com a população como um
todo registrando um ano a mais de estudo de 1992 a 1999. Apesar disso, na
comparação por cor ou raça, há uma diferença de dois anos de estudo, em
média, separando pretos (4,5 anos) e pardos (4,6) de brancos (6,7). Uma vez
que esses patamares têm-se mantido historicamente inferiores para pretos e
pardos, o crescimento de um ano de estudo no total, revela-se mais significa-
tivo para esses grupos. No Nordeste, por exemplo, esse ganho correspondeu
a um aumento de quase 50% nos anos médios de estudo de pretos e de mais
de 25% no de pardos.

Entre 1992 e 1999, o aumento de um ano de estudo correspondeu a uma


elevação de 1,2 salários no rendimento de brancos e de meio salário no ren-
dimento de pretos e pardos.

Na década, houve uma queda generalizada no número de famílias vi-


vendo com até meio salário mínimo per capita, mas, em 1999, ainda se en-
contram nessa situação 26,2% das famílias pretas e 30,4% das pardas, para
12,7% das brancas. Também, a posição na ocupação se mantém inalterada
na década, com mais pretos e pardos (14,6% e 8,4%) no emprego doméstico

123
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

que brancos (6,1%) e, ao contrário, mais brancos (5,7%) entre os empregado-


res, que pretos e pardos (1,1% e 2,1%). (Páginas 305, 306, 315, 316, 317,318,
319, 320 e 330).4

É este quadro resumidamente desenhado de mudanças muito lentas que


motiva diferentes grupos sociais a sugerir uma série de ações afirmativas para
melhorar estes números. Nós trataremos delas no Brasil, mas antes vamos ver
como elas surgiram.

Ações afirmativas no mundo


Nos Estados Unidos, desde a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), existe um
movimento, por parte de líderes negros e de políticos, que visa criar condições
de igualdade de emprego. Na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), esse movi-
mento cresceu a partir da participação de negros em todos os setores da produ-
ção e combate. Nos anos 50, o movimento exigiu igualdade plena e registro de
negros para as eleições. O movimento resultou na entrada de negros em escolas
e universidades, que eram apenas para brancos. Na esteira do movimento, o Par-
tido Democrata procurou criar condições para a igualdade.

Em 1961, o presidente John Kennedy assinou a Ordem Executiva 10.925, em


que previa que o governo federal e seus prestadores de serviços não deveriam
discriminar seus empregados se baseando em raça, cor, crença ou origem nacio-
nal. Também estabeleceu um comitê presidencial de igualdade de oportunida-
des no emprego. Sua ação direta foi a mudança no sistema discriminatório dos
sindicatos e das agências federais e a criação de políticas públicas que tinham
como objetivo acabar com a discriminação no trabalho. As empresas de defesa
foram obrigadas a seguir as novas diretrizes governamentais, o que gerou uma
onda de contratações de negros nas indústrias militares e em diversas outras
que tinham algum tipo de contrato com o governo federal. Os senadores e de-
putados do Sul, ainda marcados pela herança racista, opuseram-se fortemente
a essa medida, mas os passos que foram dados iniciaram uma longa reforma na
composição da força de trabalho nos Estados Unidos. (MACLAURY, 2010)

Em 1967, a Ordem de 1961 foi adensada com a proibição de discriminação


por gênero, exigindo igualdade entre homens e mulheres. Em 1965, a ONU ela-
borou a Convenção Internacional pela Eliminação de Todas as Formas de Discri-
4
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais. Disponível em:
<www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/0404sintese.shtm>. Acesso em: 14 abr. 2016.

124
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

minação Racial (The International Convention on the Elimination of All Forms


of Racial Discrimination – ICERD). Esse comitê pressionou os países-membros
a adotar medidas antidiscriminatórias e a combater o discurso do ódio, além
de os países assinantes ficarem obrigados a traçar políticas públicas afirmativas
para melhorar a educação e o trabalho das minorias. O Brasil é signatário dessa
convenção desde 1968.

Porém, nem sempre um sistema que prevê políticas afirmativas resulta em jus-
tiça social. Fazendo-se um uso perverso, por vezes o sistema de cotas serviu para
conter uma população. Um caso conhecido é o de Ruanda, país que fora uma
colônia belga. Como metrópole colonizadora, a Bélgica, por sua vez, respeitara o
sistema monárquico local com aristocracia tutsi e campesinato hutu. Quando o
país buscou sua independência, em 1962, uma revolução popular hutu (85% da
população) tomou o poder e submeteu a outrora elite (14%) a um sistema opres-
sivo. Em 1973, um militar hutu – Juvénal Habyarimana – tomou o poder e criou
um sistema de cotas para a população. Essa medida ajudou a conter a presença
dos tutsis nas escolas e universidades, limitando ao máximo sua presença e co-
locando empecilhos diante dos alunos. O sistema de cotas foi, nesse caso, usado
para discriminar, segregar ou separar os grupos sociais. (GOUREVITCH, 2006)5
Depois do genocídio de 1994, o novo governo aboliu o sistema de classificação
entre tutsis e hutus, mas criou o sistema de cotas para mulheres no parlamento,
medida que fez do país o maior quanto à representação feminina no mundo.

Na Europa, na Alemanha e na Noruega, o mecanismo de cotas que obrigava


os partidos a ter candidatas em distritos, cidades e estados fez os números de
mulheres participantes na política partidária e de ocupantes de cargos públicos
crescerem vertiginosamente desde 1970, quando o sistema foi implantado. A
força do movimento das mulheres gerou leis de cotas que fizeram países como
Argentina, Ruanda, Burundi, Moçambique e África do Sul terem crescimento
muito significativo das representações femininas. No caso das mulheres, diver-
sos países têm legislações de suporte para candidatas: Brasil, Finlândia, Alema-
nha, Índia, Japão, Líbano, Romênia, Ruanda, Espanha, Estados Unidos.6

Basicamente o sistema de cotas ou reserva de vagas para minorias nos siste-


mas educacionais ou em funções estatais visa justamente forçar o ingresso de
alguma minoria com mais expressividade a fim de gerar ascensão generalizada
no grupo. Pensa-se que os integrantes dessas classes terão educação de melhor
qualidade, de forma que suas condições financeiras também sejam melhoradas,
para que seus descendentes ajudem a romper o ciclo da ignorância e da humi-
5
1% da população de Ruanda é formada por caçadores e coletores twas, que são pigmeus.
6
Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Women_in_government#Quotas>. Acesso em: 15 jul. 2016.
125
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

lhação de ver todos do seu grupo em funções subalternas, excluídos das benes-
ses do poder e das tecnologias. Nesse sentido, as ações afirmativas servem sim
para aumentar as chances daqueles que são socialmente discriminados; aqueles
cuja autoestima os faz sofrer. Essas ações visam alargar a base de cidadãos bem
posicionados profissionalmente para servir de modelo e inspiração para aqueles
que são jovens e buscam modelos bem-sucedidos entre os de mesmo grupo.
Com isso, nos casos dos negros norte-americanos e dos brasileiros, rompem-se
os esquemas tradicionais de agentes bem-sucedidos serem só os artistas e des-
portistas. Surgem, nesse conceito, médicos, advogados, empresários, jornalistas,
políticos, generais e professores negros, tal como surgem mulheres ou ciganos
ou quem mais se puder apoiar.

Países como África do Sul, China, Israel, índia, Sri Lanka, Malásia, Finlândia,
França, Noruega, Romênia, Rússia, Eslováquia, Reino Unido, Canadá, Estados
Unidos, Nova Zelândia e Brasil possuem políticas afirmativas. Nos Estados
Unidos, onde essas políticas existem há mais de 50 anos, o resultado é uma
significativa melhora dos níveis de educação dos grupos discriminados, sejam
mulheres, hispânicos ou negros. A chegada de Barack Obama ao cargo mais
alto do país mostrou os sucessos dos processos de inclusão, que foram reafir-
mados pelo presidente.

A situação dos alunos sempre foi difícil – e, ainda que exista um sistema de cotas,
talvez sejam necessárias outras ajudas para que ele se mantenha nas instituições.

Ações afirmativas no Brasil


As primeiras tentativas de implantar ações afirmativas no Brasil partiram de
Abdias do Nascimento. Em 1984, como deputado, apresentou o projeto de uma
lei que determinava a reserva de 40% das vagas do Instituto Rio Branco – que
forma diplomatas – para negros. Mas os tempos de redemocratização coloca-
vam outras pautas antes, e a questão foi esquecida.

Em 1991, quando o governo sancionou uma lei que estabelecia cotas para
deficientes nas empresas (Lei 8.213, de 24 de julho de 1991).

No ano de 1994, durante as eleições, o movimento negro fez um apelo aos


candidatos que colocassem em pauta a questão do racismo. No ano seguinte,
1995, 30 mil pessoas se manifestaram na Marcha Zumbi dos Palmares, em Brasí-
lia, e entregaram um documento que exigia do governo ações afirmativas.

126
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

Foi no governo Fernando Henrique Cardoso que algumas das medidas foram
iniciadas.

Em resposta à mobilização, o governo Fernando Henrique Cardoso institui,


no Ministério da Justiça, o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) de Valoriza-
ção da População Negra, com o objetivo de propor ações integradas de combate
à discriminação racial e de recomendar e promover políticas de “consolidação da
cidadania da população negra”. Outras ações foram tomadas pelo governo FHC
no sentido de implementar políticas de combate à discriminação racial.

Vale a pena destacar, a realização do seminário internacional Multiculturalis-


mo e Racismo: Uma comparação Brasil – Estados Unidos, organizado pelo De-
partamento de Direitos Humanos da Secretaria dos Direitos e Cidadania, pro-
movido pelo governo brasileiro. Pela primeira vez, um Presidente da República
reconhece a existência de discriminação e desigualdade.

Em seu pronunciamento de abertura, Fernando Henrique Cardoso afirma:


[...] Pertencemos a uma nação cheia de contrastes e de desigualdades de todo tipo [...]
Houve época, no Brasil, em que muitos se contentavam em dizer que, por haver essa
diversidade, o país não abrigada preconceitos. Isso, contudo, não é verdade. (FHC, 1997).

Outra importante iniciativa, a assinatura do Decreto 1.904, de 13 de maio de


1996, institui o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) e traz em seu
subitem “População Negra” – integrante do item “Proteção do direito e trabalho
igualitário perante a lei” – com propostas de ações afirmativas em conformidade
com o Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial, entregue
ao presidente FHC ao fim da Marcha Zumbi dos Palmares.” 7

Em 2004, a Universidade de Brasília implantou um sistema de cotas para


negros no seu concurso de admissão.

No governo Lula (2003-2011), as políticas públicas ganharam mais força e o


estatuto da Igualdade racial foi aprovado depois de 7 anos tramitando no con-
gresso. Nele fica estabelecido o incentivo às manifestações culturais, à educação
e ações afirmativas que visem recolocar os negros em situações melhores na so-
ciedade, com emprego, saúde e educação, e estimular esse grupo a mostrar sua
cultura e o resto da sociedade a conhecer essas manifestações (BRASIL, 2010).

Nesse período foram criadas também a Secretaria da Igualdade Racial e o


programa de inclusão de pobres nas Universidades, Programa Universidades
para Todos (ProUni), que, em seu início, atendia 203 mil alunos, sendo 63 mil
7
FERNANDES, Anamélia Lima Rocha. Política de cotas raciais para ingresso em instituições públicas de ensino superior: ausência de política
pública. Brasília: [Câmara dos Deputados], 2010. Disponível em: <www2.camara.leg.br/responsabilidade-social/edulegislativa/educacao-legislati-
va-1/posgraduacao/publicacoes/banco-de-projetos/curso-lpp/lpp-1a-edicao/proj_anamelia_fernandes_lpp>. Acesso em: 15 jul. 2016.
127
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

destes, afrodescendentes, já que o programa previa cota para negros.

Desde então, diversas universidades públicas criaram um sistema de cotas


para pobres, negros e indígenas (POLÍTICA..., [2006]).
Entre 2013 e 2015, a política afirmativa de reserva de cotas garantiu o acesso a aproximadamente
150 mil estudantes negros em instituições de ensino superior em todo o País. Segundo dados
do Ministério da Educação, em 1997 o percentual de jovens negros, entre 18 e 24 anos, que
cursavam ou haviam concluído o Ensino Superior era de 1,8%, e o de pardos, 2,2%. Em 2013,
esses percentuais já haviam subido para 8,8% e 11%, respectivamente. (EM 3 ANOS..., 2016).

O crescimento do número de mulheres representantes e de negros nas uni-


versidades mostrou a força do sistema de cotas, que inclui também estudantes de
escolas públicas. Também quando as cotas são para pobres ou alunos de escolas
públicas os índices são favoráveis. Podemos comprovar essa informação com a
recente reportagem da Revista Exame, que analisou o desempenho dos alunos co-
tistas no último vestibular da UFMG:

Reportagem desta terça-feira do jornal O Estado de Minas mostra que


alunos que entraram pelo sistema de cotas na Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) obtiveram notas melhores do que os não cotistas que
ingressaram no vestibular de 2013, ano final em que o vestibular foi a princi-
pal porta de entrada para os cursos da instituição.

Considerado um dos cursos mais concorridos na UFMG e em qualquer


universidade do país, medicina viu os estudantes cotistas alcançarem a nota
mínima de 750,02 pontos para assegurar uma vaga no curso, enquanto em
2013 os demais alunos tiveram pontuação de 685,3 pontos.

“Os cotistas entram na UFMG mais bem preparados que os não co-
tistas de poucos anos atrás”, disse ao jornal o pró-reitor de Graduação,
Ricardo Takahashi.

Se em 2013 a reserva de cotas era de apenas 12,5% do total de vagas, a


reserva de vagas chegou a 50% das vagas neste ano – das 6 279 vagas, 3 142
foram destinadas às cotas de escola pública.8

Políticas curriculares
A política educacional de um país é fundamental para seu desenvolvimento.
Em vista disso, desde que os países estipularam uma educação pública como
direito dos cidadãos e obrigação dos Estados, tiveram que estabelecer parâme-

128
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

tros para a diversidade de escolas, regiões, vontades, conhecimentos e correntes


educacionais.

No Brasil, nos períodos colonial e imperial, os parâmetros eram ditados pela


educação religiosa, pela ciência da época e, sobretudo, pela autoridade do pro-
fessor e pelo modelo patriarcal, cristão e monarquista. Nessa época, também,
não havia um sistema público de educação, de modo que ela era entregue aos
religiosos, que viam a educação como missão, e não profissão.

No início do período republicano, a educação foi moldada por uma interpre-


tação muito particular do sistema positivista. Para Auguste Comte (1798-1857),
a educação básica deveria ser estética, linguística e filosófica, em vez de cientí-
fica, que se iniciaria depois dos 14 anos. Porém, no Brasil a reforma de Benjamin
Constant seguia a doutrina dos militares e cientistas da época: o aluno era visto
como uma “tábula rasa” a quem deveriam ser oferecidas as maneiras e os modos
de agir e pensar a serem decorados. O conhecimento era muitas vezes factual e
enfatizava as áreas das ciências. Uma importante contribuição dos positivistas
no campo da educação foi a separação entre as escolas públicas e as escolas
particulares confessionais.

Por outro lado, manteve-se um forte academicismo na área do direito – oriun-


do dos tempos do Império, que era fortemente legalista e memorialista –, o que
influenciou todo o ensino na área de humanas.

Importante contribuição dos positivistas foi a separação entre escolas públi-


cas e particulares confessionais. A permissão para instalação de escolas confes-
sionais não católicas a partir de 1871, que exerceram forte influência a partir
de 1900, resultou na introdução de uma pedagogia americana que introduziu o
ensino misto, com rapazes e moças na mesma sala, além de dar mais ênfase às
atividades práticas.

O governo republicano, depois dos primeiros anos, descentralizou o siste-


ma educacional, o que criou grandes disparidades entre os estados. Também
em consequência dessa descentralização, o ensino científico ficou atrasado,
só ganhando algum respaldo graças à crise de epidemia de febre amarela,
que deu visibilidade à Escola de Manguinhos. De resto, a pesquisa científica
ficou abandonada.

Em 1925, foi criado o Conselho Nacional de Ensino, que se dedicava ao ensino


8
COTISTAS superam notas de não cotistas no vestibular da UFMG. Revista Exame, 26 jan. 2016. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/
noticias/cotistas-superam-notas-de-nao-cotistas-no-vestibular-da-ufmg>. Acesso em: 15 jul. 2016.

129
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
superior e ao ensino secundário, ficando as escolas primárias a cargo dos muni-
cípios e estados.

Na década de 1920, reformas aconteceram nos Estados Unidos, na Inglater-


ra, na Itália e na URSS, todas visando aumentar a escolaridade e o alcance dos
escolarizados. Nesse período, no Brasil, houve mais reflexão sobre a pedagogia,
com estudos sobre educação rural e de moças. Em 1927, foi criada a Associação
Brasileira de Educação, que fez com que o debate se aprofundasse ainda mais (cf.
AZEVEDO, 1963, p. 607-605).

Em 1928, a reforma do sistema educacional do Distrito Federal iniciou uma


nova fase dos assuntos pedagógicos, pois lançou as bases de uma educação
mais humanista, com respeito à pessoa humana e que pregava o respeito ao
indivíduo, o que era coerente com a ideologia liberal, ainda estranha no Brasil.
Em 1931, criou-se o Ministério da Educação.

Em 1934, a constituição estipulou uma política educacional nacional, que


seria fixada pela União, ficando os estados responsáveis pela implantação do
sistema. Em 1937, o regime autoritário manteve esse sistema, mas buscou o au-
mento do ensino profissional para os trabalhadores mais pobres. Nasceu, assim,
o ensino profissionalizante no Brasil, numa parceria entre associações empresa-
riais e Estado (cf. AZEVEDO, 1963, 687).

O principal impulso da época concentrou-se no campo das construções, visto


que houve um salto no número de escolas de 27 mil, em 1932, para mais de 40
mil escolas, em 1939, e um salto de 56 mil para 78 mil professores no mesmo
intervalo. Nessa mesma direção, houve uma elevação no número de instituições
de Ensino Superior, de quatro, em 1937, para quinze, em 1953, muitas delas,
porém, surgidas sem a infraestrutura necessária para fazer ciência.

O Brasil tem uma tradição de atendimento educacional de grupos minoritá-


rios desde a legislação de 1961 que atendia os deficientes e sua educação bus-
cando integrar o deficiente, sempre que possível, ao sistema geral de educação.
Em 1971 os deficientes foram colocados em escolas especiais e só voltaram a
serem atendidos em escolas gerais depois da constituição de 1988.

Em 1961, as escolas ganharam nova dimensão com um governo popular, que


buscou, de todas as formas, aumentar o número de alfabetizados e recompor a
educação baseando-se nas propostas de Paulo Freire, para quem o sujeito deve-
ria passar de aluno passivo a agente das transformações na escola, no trabalho e
na sociedade: não bastava ensinar coisas, era preciso tratar da posição do sujeito
no mundo.

130
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

Em 1964 o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) fez um simpósio


sobre a educação e as diretrizes educacionais do período militar. Segundo De-
merval Saviani (2008, p. 295),
Para orientar os debates do simpósio foi elaborado um “documento básico”, organizado em
torno do vetor do desenvolvimento econômico, situando-se na linha dos novos estudos
de economia da educação, que consideram os investimentos no ensino como destinados
a assegurar o aumento da produtividade e da renda. Em torno dessa meta, a própria escola
primária deveria capacitar para a realização de determinada atividade prática; o ensino
médio teria como objetivo a preparação dos profissionais necessários ao desenvolvimento
econômico e social do país; e ao ensino superior eram atribuídas as funções de formar a mão
de obra especializada requerida pelas empresas e preparar os quadros dirigentes do país.

O analfabetismo era ainda um problema, mas o governo optou por substituir


a experiência reconhecida de Paulo Freire por outra, mais técnica e que permi-
tiria criar milhões de analfabetos funcionais (pessoas que só sabiam ler formal-
mente) por meio do Mobral. Outra característica do período foi o crescimento do
sistema privado de ensino. A falta de estrutura e investimento na educação fez
com que a educação privada tivesse mais qualidade que a escola pública, que
atendia os pobres, da década de 1970 até a década de 1990.

Após o fim da ditadura, a Constituição de 1988 deu mais autonomia edu-


cacional para o professor e o MEC passou a ser um ministério mais aberto
ao debate.

Nessa fase, o Estado democrático voltou-se para a educação. Contudo,


apesar do discurso sobre a educação como direito de todos os brasileiros e
a intenção de colocar todas as crianças nas escolas, os números referentes à
pobreza, ao afastamento da escola, à evasão do curso fundamental para traba-
lhar e à falta de professores, bem como o fato de haver pais que não dão im-
portância à educação e administradores mais preocupados com a construção
da escola que com sua operacionalidade, representaram grandes problemas
durante a redemocratização.

Nos anos 1990, políticas educacionais e curriculares dos governos envereda-


ram para um modelo condizente com o neoliberalismo, em que a tecnicidade e
a preparação para o mercado contam mais do que todos os outros elementos.
Dessa forma, os currículos foram abertos para facilitar a inclusão de realidades
econômicas regionais.

Por outro lado, a política educacional liberal não pôde ficar alheia ao esteio
da sociedade tecnológica, que é a tecnologia digital, daí a contínua tentativa
por parte dos agentes da educação de incorporar novas tecnologias educa-
cionais e novas técnicas de ensino do mundo contemporâneo. As formas de

131
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

sociabilidade e comunicação, bem como o novo modelo de gerenciamento do


Estado e das empresas (com uma eficiência mensurável), devem ser ensinadas
na escola, preparando o jovem para o mundo da eficiência globalizada e dos
novos modelos de consumo e trabalho. Aos alunos deverá ser ensinada a ver-
satilidade necessária ao trabalhador da tecnologia.

Do ponto de vista gerencial, a relação entre Estado e escolas se tornou me-


diada por um sistema de administração pública tipicamente estadunidense, de
caráter quantitativo, que pouco, ou nada, levava em conta as realidades regio-
nais e locais, aceitando padrões estandardizados e um discurso de sucesso de
avaliação, resultando em mais investimentos. Esse sistema abria a possibilidade
de ingresso de recursos internacionais, como os oriundos das parcerias do Banco
Mundial, mas somente se o país melhorasse seus números como nas parcelas do
Banco Mundial. Assim, o banco se assegurava da execução de seu sistema em
escolas de toda a América Latina. Tal prática foi implantada no Brasil no governo
FHC (1995-2002).

Sobre o sistema de avaliação empregado, diz Álvaro Hypólito (2010, p.


1343-1344):
Com relação à avaliação da educação básica, o Estado brasileiro possui vários programas,
que incluem provas e avaliações em larga escala, as quais visam fornecer elementos para
as soluções gerenciais indicadas: Prova Brasil – prova de avaliação de Língua Portuguesa
e Matemática para estudantes de 4.ª e 8.ª séries; Sistema de Avaliação da Educação Básica
(Saeb) – prova de medição semelhante a anterior, mas realizada por amostra; Provinha Brasil
– visa avaliar o progresso de estudantes no processo de alfabetização; Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem) – prova para avaliação do ensino médio, que agora também pode ser
utilizada para ingresso em universidades; Exame Nacional para Certificação de Competências
de Jovens e Adultos (ENCCEJA). Para a educação superior, há um sistema próprio constituído
pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), que envolve a avaliação das
instituições e dos cursos de graduação, e pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
(Enade). Além dessas provas e avaliações, há os programas de estatísticas educacionais:
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – que visa medir cada escola e cada
sistema de ensino, servindo de base para metas educativas; os Censos Educacionais (Educação
Básica e Ensino Superior) e Cadastros (Docentes e Instituições de Educação Superior). O Brasil
participa ainda de várias ações internacionais, colaborativas com outros países, e integra o
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), organizado pela Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no qual o Brasil e o México foram
os primeiros países não membros dessa comunidade a participar do programa. Em muitos
estados da Federação, programas similares estão sendo promovidos como programas e
sistemas próprios de avaliação. O Rio Grande do Sul, por exemplo, criou o Sistema de Avaliação
do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (SAERS) [...].

Se existiu uma vantagem no sistema mencionado foi o de tirar a sociedade


do marasmo em que se encontrava, sacudindo-a e fazendo-a debater, já que
os sindicatos abordaram esses temas sem muitas vezes apresentar alternativas
viáveis para a reforma da educação.

132
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

Uma coisa que, também nesse cenário, perpassou os sistemas curriculares, a


política educacional e a prática das escolas, dos colégios e das universidades foi
a interdisciplinaridade, que forçou que as matérias fossem abordadas de forma
a permitir convergências de conteúdos e problemas; aliada à transdisciplinari-
dade, que procurava traçar problemas que todas as disciplinas resolvessem em
suas aulas, o que por vezes afastava muito da grade tradicional e do tipo de co-
nhecimento que ainda era cobrado nas provas e nos vestibulares.

Com relação à área das políticas curriculares, houve um grande avanço com
a inclusão da questão das minorias. Desde o governo FHC, o tema recebeu aten-
ção. O governo fez uma seleção melhor dos livros didáticos, excluindo de sua
compra anual livros que praticavam racismo e preconceito de cor, raça e gênero.
Diversos projetos foram implementados para dar visibilidade aos negros, como
programas na TV Escola sobre a cultura e a herança africanas no Brasil e a oferta
de cursos pré-vestibulares para pessoas carentes, especialmente negros. Em no-
vembro de 2002, o governo lançou as bases do sistema de cotas no Programa
Diversidade na Universidade, mas a implantação ficou a cargo do governo se-
guinte, que havia se comprometido com essa ideia (PAULA, 2010).

No governo Lula, o sistema de cotas foi implantado e, mais do que isso, se ini-
ciou uma mudança das estruturas curriculares, já que, nesse momento, o gover-
no atendia à reivindicação de historiadores e de ativistas do movimento negro e
indígena que queriam que se falasse, nas escolas, nos colégios e nas universida-
des, da história e cultura indígena e africana. Nesse sentido, é que o MEC tornou
obrigatória a inclusão de cultura africana e indígena no currículo da educação
básica. Não só para que os brancos de todo o país conhecessem essa história,
mas para que negros e índios se vissem mais com integrantes da história e da
sociedade brasileiras.

A inserção dos negros nas universidades por meio do sistema de cotas e a en-
trada de negros e pobres através do PROUNI e do FIES mudou o cenário universi-
tário brasileiro, tanto nas universidades públicas, marcadas pela contradição de
antes serem públicas, mas altamente elitistas e as privadas que se mantinham
fechadas aos pobres pelo alto preço das mensalidades. Com a reserva de cotas
para negros, índios e deficientes a situação mudou e os sistemas de financia-
mento permitiram a entrada de milhares de negros e pobres nas universidades.
A mudança no currículo das universidades atendia a esta reivindicação. No caso
dos negros o número cresceu 230% em dez anos.

Muitas vezes o exagero aconteceu, como na tentativa do MEC de mudar o

133
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

ensino de história, suprimindo o ensino de história antiga e substituindo-o pelo


ensino história da África e dos índios. A recusa dessa tentativa deixou claro que
o aluno brasileiro deverá saber sobre os diversos povos da antiguidade, do perí-
odo medieval, da modernidade, da Idade Contemporânea, da África, da Europa,
da América e da Ásia, ou seja, do mundo como um todo; visto, por exemplo, que
tivemos a revolta dos Malês, negros islamizados, e praticamos comércio com as
Índias Orientais, de onde vinham produtos e pessoas nos períodos colonial e
imperial.

Concluímos dizendo que o Brasil se transformou muito nos últimos vinte anos
e promete mais transformações sociais nos próximos anos. Sua educação sofrerá
uma transformação notável na hora que todos esses ingressos das universidades
entrarem no mercado de trabalho e tiverem seus filhos, pois abemos que a edu-
cação superior ajuda muito os pais no trato da educação dos filhos, ajudando-os
corrigindo-os e dando importância à formação do indivíduo na escola.

Currículo
Todas as reformas educacionais passam pelo currículo. Ele é definido como es-
sencial nas escolas e na relação entre professores e alunos. A importância do cur-
rículo é tão óbvia que muitas vezes ele é tratado como a coisa mais importante.

Para os teóricos da educação, o currículo é fundamental para divulgar na so-


ciedade os conhecimentos e saberes necessários ao cidadão, ao aluno e ao pro-
fissional. O problema sempre será o que colocar no currículo e quando. Determi-
nados conhecimentos são fundamentais para acessar e entender outros. Dessa
maneira, é preciso sempre olhar as séries anteriores e as posteriores para saber
em qual momento o conhecimento se encaixará na vida escolar dos alunos e
como ele deverá ser acessado pelos alunos e professores posteriormente.

O currículo é o mediador da sociedade e sua cultura herdada entre a escola e


o aluno. Sendo assim, selecionar os elementos do currículo mostra a relação da
sociedade com sua cultura e com a ciência.

Existem três formas de currículo, segundo os especialistas. O currículo formal


que é criado pelo sistema de ensino formal, fica estabelecido pelo estado e esti-
pula os conhecimentos necessários a serem ensinados em cada série. Sua referên-
cia são os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Outro currículo é o real, ou o
que acontece em sala de aula. Isso porque existem momentos em que assuntos
prementes ou a realidade dos alunos ou da turma fazem o professor alterar o pro-
134
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

gramado. Por exemplo, em uma turma com problemas de relacionamento entre


os alunos, talvez seja preciso que o professor altere o andamento da disciplina
para resolver o problema. Ou, ainda, talvez a turma não tenha entendido um ele-
mento que precise ser revisto, fazendo com que o professor deixe de abordar os
últimos assuntos do currículo ou reúna-os nas aulas finais do curso. Muitas vezes
a escola e o professor sabem das necessidades dos alunos e executam alterações
no plano de aula para atender uma realidade que o MEC não tem como conhecer.
Já o currículo oculto é o que o aluno aprende a partir de meios diversos, contatos
pessoais e leituras fora da classe e que não estão no plano de ensino do professor.

“Devemos, ainda, considerar que o currículo se refere a uma realidade históri-


ca, cultural e socialmente determinada, e se reflete em procedimentos didáticos,
administrativos que condicionam sua prática e teorização. Enfim, a elaboração
de um currículo é um processo social, no qual convivem lado a lado os fatores
lógicos, epistemológicos, intelectuais e determinantes sociais, como poder, in-
teresses, conflitos simbólicos e culturais, propósitos de dominação dirigidos por
fatores ligados à classe, raça, etnia e gênero.” (JESUS, s/d)

O currículo não pode ser apresentado pela escola e pelo professor como a
verdade absoluta ou a única verdade. Afinal, o currículo não pode ser a única ver-
dade, mas não deve permitir a fuga dos assuntos científicos complicados. Muitas
vezes, no entanto, é preciso impor ideias que estão no currículo já que a socie-
dade ou os pais não o farão. Por exemplo, as ideias evolucionistas de Darwin, já
devidamente comprovadas por milhões de estudos e ossos. Muitas vezes os pais
e a Igreja dos alunos colocam como uma mera teoria e querem que ela tenha
o mesmo peso que a religião. O currículo deve apresentar a ciência como tal e
mostrar a racionalidade dos estudos biológicos, deixando a fé das pessoas para
suas casas e igrejas.

O currículo, portanto, deve ser flexível para dar conta da realidade regional e
escolar e, ao mesmo tempo, tentar cumprir o que os PCNs estipulam. Os PCNs
não devem ser deixados de lado, nem podem engessar a aula e o professor. Os
PCNs balizam o que o aluno deveria saber ao longo da vida escolar, estabelecem
os parâmetros que orientam teoricamente o ensino e a forma de organizar o
encadeamento do conhecimento. Porém, existirão alunos que aprenderão bem
todos os conteúdos de todas as disciplinas no momento que é dado a ele, aque-
les que terão ao longo da vida escolar que consolidar e reafirmar conhecimentos
e aqueles a quem serão dados os conhecimentos, mas ao longo da vida escolar
poucos conceitos serão passados. Isto quer dizer alunos que saberão sempre,
alunos que saberão para a prova e alunos que não saberão aquele conteúdo.

135
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

A falência do sistema de não repetição que os governos brasileiros criaram fez


com que muitas vezes se voltasse ao modo antigo de mera avaliação e reprova-
ção, quando talvez a saída para estas dificuldades criadas sejam as aulas de re-
forço, os projetos de extensão, trabalhos em grupo para cultivar o conhecimento
entre os alunos e a ocupação cultural das escolas pelos alunos, pais e professores.
Reforçando, assim, o espaço da escola na comunidade como propagador de co-
nhecimentos que, independente do aluno passar ou não, ele estará inserido na
escola e na comunidade onde outros conhecimentos poderão ser valorizados na
sua avaliação geral, em todas as atividades escolares anuais e ao longo do ano.

Os currículos passaram por um processo de reavaliação de prioridades. A


conscientização do papel do índio e do negro na sociedade aparece em todos
os cursos visando acabar com a defasagem do conhecimento que os estudantes
brasileiros têm dos problemas referentes à essa população. A obrigatoriedade
dos estudos sobre a História da África nos cursos de história e nas universidades
com estudos humanos visa a suprir a demanda e fazer o aluno e professor cons-
ciente de que existe uma história africana cheia de elementos interessantes e
relevantes. Dessa maneira, a obrigatoriedade do ensino de cultura afro-brasileira
de 2003 já mudou o mercado editorial o qual passou a abordar esse tema em
seus livros didáticos. Diversas publicações especializadas apareceram no merca-
do editorial e diversos grupos culturais de jovens negros mostram uma transfor-
mação cultural significativa.

Texto complementar
História negra, escola branca
Para historiador Amilcar Pereira, escola ensina visão branca e deve
resgatar papel de negros e índios na criação do País
(GREGÓRIO, 2015)

Os programas escolares brasileiros são racistas e o mito da “democracia


racial” embaça os olhos da sociedade diante de conflitos étnico-raciais, afirma
Amilcar Araujo Pereira. Professor da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em História, ele lançou em 2013, em
parceria com a colega Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro, o livro Ensino de
história e culturas afro-brasileiras e indígenas, pela editora Pallas.

136
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

Na obra, organizadores e articulistas debatem a efetiva aplicação das leis


10.639, de 2003, e 11.645, de 2009, que determinam a inclusão de história e
cultura afro-brasileiras e indígenas nos programas pedagógicos das escolas
do País. Pereira, carioca de 35 anos, foi professor da rede municipal flumi-
nense durante dois anos em Mangaratiba e já escreveu ou organizou outros
dois livros sobre temas correlatos. Ele identifica três razões principais para a
disciplina ainda não integrar, de fato, o currículo: falta de materiais didáticos,
poucas verbas governamentais para financiar pesquisa histórica e carência
de docentes capacitados. Leia mais a seguir.

Carta Educação: O que motivou a organização de Ensino de História e Cul-


turas Afro-Brasileiras e Indígenas?

Amilcar Pereira: A necessidade de produzir reflexão e conhecimento


sobre esses assuntos. O livro foi resultado de um seminário nacional organi-
zado na UFRJ, em 2010, por mim, pela professora Ana Maria Monteiro e por
outros professores que formam o LEPEH, o Laboratório de Estudos e Pesqui-
sas em Ensino de História da Faculdade de Educação da UFRJ. O livro é com-
posto principalmente de artigos dos participantes desse evento. Esses temas
têm pouquíssima produção até hoje em comparação com outros assuntos e
historicamente estiveram ausentes da escola. Percebemos uma necessidade
urgente para a sociedade brasileira: que todas as suas matrizes estejam pre-
sentes nos currículos escolares. É uma questão ética.

CE: Além dessa falta de material acadêmico, quais são os maiores obstácu-
los à aplicação das leis que preveem o ensino de cultura e história afro-brasileira
e indígena?

AP: Hoje estou coordenando uma pesquisa sobre a implementação das


leis em um grupo com 12 bolsistas na UFRJ. Entrevistamos professores e di-
retores em várias escolas no Rio de Janeiro, em Duque de Caxias e em Nova
Iguaçu. Há vários entraves. Um obstáculo tradicionalmente mencionado é
o da falta de material didático. Hoje há uma quantidade substancial de fun-
damentos para ajudar o trabalho dos docentes. Não dá pra dizer, como se
falava há dez anos, que não existe material. Porém, ainda não é suficiente. Há
muitas histórias relacionadas às populações negra e indígena que nós não
conhecemos. Estudo essas questões há muitos anos e estou sempre desco-
brindo coisas novas, é impressionante! A liberação de recursos por governos,
tanto o federal quanto os estaduais, para financiar pesquisas históricas sobre

137
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

as culturas afro-brasileira e indígena também é um problema. Outra dificul-


dade é a pouca quantidade de pesquisadores com trajetória nessa área. His-
toricamente a cultura e a história afro-brasileira não foi um tema prestigiado
na academia. Precisamos qualificar quadros.

CE: Há alguma raiz histórica para essa forma de preconceito escolar?

AP: No Brasil, existe uma ideia há décadas, principalmente desde o go-


verno Vargas, de democracia racial. Essa concepção de certa forma tornou
invisíveis os conflitos evidentes. Determinou a celebração de uma formação
que não contemplava, tanto nas escolas quanto no senso comum, as ma-
trizes negras e indígenas que são formadoras da sociedade brasileira. Cele-
brava-se a miscigenação, mas só estudamos a história da Europa, como se
isso fosse dar conta do conceito de formação nacional. Existe igualmente
o preconceito racial e há também um componente religioso, principalmen-
te evangélico e em particular nas grandes cidades. Tenho conversado com
amigos que lecionam em São Paulo e eles dizem que lá é muito parecido com
o que observo aqui no Rio: existe uma demonização do continente africano.
Quando você trata de algo sobre a população negra, especialmente a africa-
na, muitos alunos acham que é coisa do diabo. Nesse sentido, há professores
evangélicos que não aceitam trabalhar a sistemática da lei, ainda que ela
passe ao largo de incluir conteúdos religiosos. São muitos os desafios.

CE: É como se essa ideia de “democracia racial” tivesse anestesiado conflitos


necessários para o debate?

AP: Não acho que o debate precise de conflitos, mas sim da compreen-
são de que eles existem e estão aí. É preciso ver a sociedade brasileira tendo
em mente a desigualdade. Discutir as relações étnico-raciais em nosso país
e compreender que elas são historicamente desiguais e que, sim, se repro-
duzem hoje. Evidentemente existe racismo na escola. E não é algo velado e
sutil, como muita gente diz. Eu observei e observo, tanto enquanto fui pro-
fessor na rede municipal quanto agora, nas falas de meus alunos, futuros
professores de História que fazem estágios em escolas públicas. Qualquer
professor já presenciou casos de racismo onde trabalha, desde xingamentos
entre alunos até a forma como funcionários ou mesmo colegas lidam com as
diferentes crianças e jovens, ainda que sem intenção. É fundamental trans-
formar a escola e enfrentar essa ideia de democracia racial com viés embran-
quecedor. É um desafio muito grande. Não se trata apenas de inserir um ou
outro conteúdo, mas de transformar todo o próprio ensino. Não é simples,

138
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

não. Mas pode contribuir para a construção de uma prática docente pautada
pela pluralidade cultural e pelo respeito às diferenças.

CE: Que exemplos o senhor mencionaria de casos em que a história dita ofi-
cial ignorou ou desvirtuou a participação de negros ou indígenas?

AP: Publiquei este ano minha tese de doutorado, chamada “O mundo


negro”, sobre relações raciais e a constituição do movimento negro no Brasil.
Para isso, passei um ano em pesquisas nos EUA. Minha ideia era pesquisar re-
lações entre o movimento negro brasileiro e o norte-americano. Ao chegar,
tive uma surpresa fantástica. A Frente Negra Brasileira foi uma organização
criada em São Paulo, em 1931. Eu já tinha ouvido falar dela e estudado bas-
tante. Em 1936, ela tornou-se um partido político que aglutinava milhares de
pessoas em todo o Brasil, com ramificações na Bahia e em Minas Gerais, Per-
nambuco, Rio Grande do Sul. Muito grande. Alguns historiadores falam em
30 a 40 mil associados. Chegou a ser recebida por presidente da República
nos anos 1930 e teve algumas demandas atendidas. Em 1937 todos os parti-
dos políticos foram fechados por Getúlio Vargas no golpe do Estado Novo. E
a gente não conhece. Você já tinha ouvido falar?

CE: Confesso que não.

AP: Mas de Martin Luther King e Panteras Negras você já tinha ouvido
falar?

CE: Com certeza. Vimos até no cinema…

AP: Nessas pesquisas, encontrei a Frente Negra Brasileira, em 1935, apre-


sentada ao público americano pelos jornais da imprensa negra como a mais
poderosa organização fundada e criada na sociedade brasileira. Esses veí-
culos tinham grande circulação, alguns em âmbito nacional, e publicavam
reportagens superelogiosas, citando até uma organização em Porto Rico
inspirada no grupo brasileiro. Algumas me deixaram boquiaberto: a organi-
zação sendo exposta como um exemplo a ser seguido pelos negros norte-
-americanos na busca por direitos civis. Isso na década de 1930! Antes das
lutas que conhecemos bem: Martin Luther King, Malcom-X, Panteras Negras
e tal. Elas só deslanchariam na década de 1950.

CE: Há quem atribua ao racismo a demora da academia e do público em re-


conhecer o valor de autores negros, como Cruz e Sousa. Houve uma segregação
pedagógica de cunho racista?

139
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

AP: Isso me parece evidente. É só olhar para o mercado de trabalho.


Recebi há pouco uma pesquisa do instituto Ethos que mostra como o
quadro executivo das 500 maiores empresas do Brasil é composto de 94%
de gerentes, diretores e chefes brancos. Há uma sub-representação dessas
populações na literatura, nas artes em geral e na política. Quando se olha
para o Congresso Nacional, isso fica evidente. Há também uma questão de
gênero, pois (os líderes) são principalmente homens brancos.

CE: E no caso da história indígena os obstáculos são os mesmos?

AP: Acredito que tanto a população negra quanto a indígena sejam tor-


nadas invisíveis nas escolas, tanto no currículo quanto nas práticas dos pro-
fessores. Mas, há uma diferença quantitativa muito grande, principalmente
nas grandes cidades. A população negra é mais da metade do total, enquan-
to a indígena não chega a 1%. O racismo se manifesta mais diretamente com
relação à população negra.

CE: Como políticas públicas influem na ausência de conteúdos afro-brasi-


leiros e indígenas nos programas escolares?

AP: No Brasil, a gente estuda mais história da Europa do que os france-


ses. Estive na França há um ano e meio e um amigo brasileiro que é professor
de História em uma universidade francesa me levou para conversar com seus
alunos. Os franceses estudam menos história da Europa do que nós. É absur-
do. Lá eles estudam muito a história nacional, da França. Aqui, todas as histó-
rias que a gente não conhece são reflexos dessas políticas, de opções feitas
para dar visibilidade a um setor populacional: a população branca de origem
europeia. Se você analisar os personagens históricos negros do século XIX,
por exemplo, terá a impressão de que havia mais do que no século XX. Lima
Barreto, André Rebouças, seu pai, Antônio Rebouças, conselheiro do Impé-
rio. Após os projetos do início da República, a quantidade de negros proe-
minentes parece que diminui. O que é um contrassenso, pois a população
negra vem aumentando a partir daí.

CE: Existe algum estado da federação ou alguma região do País que mereça
particular destaque na aplicação dessas leis?

AP: Não tenho dados para responder objetivamente, mas posso dizer
que há esforços nesse sentido em alguns estados antes mesmo de as leis
federais existirem. A Bahia é um exemplo: já tinha legislação determinando

140
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

o estudo de história e cultura afro-brasileira desde 1996, sete anos antes da


Lei 10.639/03. Um histórico de vanguarda institucional.

CE: E com relação a eventuais diferenças pedagógicas entre as redes priva-


da e pública?

AP: Na rede privada, deve ser ainda mais difícil, porque as redes públicas
recebem material, normativas, estão mais dispostas a ser interpeladas pelo
Ministério Público. Esse controle social é mais difícil na rede privada.

CE: O fato de que precisamos de leis para evitar censuras pedagógicas de


cunho racista evidencia que famílias, academia e sociedade falharam?

AP: Creio que não. Essa lei é fruto de demandas da própria sociedade, não
é uma iniciativa do Estado. Podemos apontar os atores sociais que foram pro-
tagonistas da construção da lei: movimento negro, professores, intelectuais.
Em pesquisas, encontrei a carta de princípios de 1978 do Movimento Negro
Unificado, uma das organizações importantes que tivemos ainda no regime
militar. Lá já havia uma reivindicação pela reavaliação do papel do negro na
história do Brasil. Antes disso, em 1931, a Frente Negra já tinha criado escolas
para ensinar outra história à população negra. O texto da lei foi apresentado
por uma organização a um deputado e se transformou em lei. Antes disso,
havia outras tentativas no Congresso de parlamentares negros como Abdias
do Nascimento, Paulo Paim e Benedita da Silva.

Dicas de estudo
Filmes:

 Casa Grande, de Felipe Barbosa, 2015. Família de classe média alta do Rio
de Janeiro entra em falência criando situações de choque com os empre-
gados da casa e entre o filho jovem e seus pais.

 Que horas ela volta?, de Anna Muylaert, 2015. Mulher pernambucana, em-
pregada, recebe sua filha em São Paulo na casa de seus patrões; o compor-
tamento de sua filha, independente e questionador, coloca-se em rota de
colisão com os donos da casa.

141
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

Exercícios
1. Faça um resumo dos principais pontos textuais, ressaltando o papel das rela-
ções raciais brasileiras e os estudos escolares.

2. Quais as principais formas das políticas afirmativas?

3. Quais as críticas aos sistemas de ações afirmativas?

142
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo

143
Gabarito

Conceitos de raça, etnia e a identidade cultural e nacional


1. O conceito de raça surgiu na biologia que classificava os animais e ho-
mens em tipos físicos. O uso que se fez deste dado mais tinha a ver
com visões estereotipadas dos negros e brancos, e marcou profunda-
mente o mundo com políticas racistas, de segregação social e racial.

2. O conceito de etnia abrange grupos sociais mais ou menos homo-


gêneos racialmente, mas com ênfase na cultura compartilhada pelo
grupo e não pelas suas características físicas.

3. O Brasil foi formado de grupos desiguais de negros, índios e brancos


que eram vistos como base da formação brasileira mas com diferentes
níveis de influencia. Em 1930 com o modernismo os negros passaram
a ser vistos como responsáveis por parte de nossa cultura e sua visão
passou a ser positiva. A partir de 1937 o Estado brasileiro propagan-
deou a identidade mestiça brasileira e sua centralidade no sudeste
com o samba e a feijoada como símbolos nacionais. O Brasil ganhou
contornos ainda mais democráticos com a inserção de minorias e gru-
pos marginalizados na política a partir de 1985 criando uma identida-
de nacional que leva em conta as variações regionais e a diversidade
do povo brasileiro.

A África lusófona: um pouco de história


1. A conquista de Ceuta tem um motivo religioso e econômico. Para os
portugueses, tomar Ceuta era fazer uma cruzada contra os povos in-
fiéis e consolidar o Império do cristianismo em terras não cristãs. No
entanto, a Coroa Portuguesa não desconhecia que havia indícios de ri-
quezas no continente africano. Ao tomarem Ceuta, os portugueses se
dão conta de que ali desembocavam várias riquezas vindas de outras
regiões da África e percebem que seria mais lucrativo avançar para o
sul do continente em busca de tesouros desconhecidos do que ocu-
par os já conhecidos territórios ao longo do Mar Mediterrâneo.
Gabarito

2. Toda a riqueza encontrada em território africano era levada para a Metrópo-


le. Com a necessidade de se colonizar a América, descobre-se outro “negó-
cio” rentável na África: o tráfico negreiro. Esse tipo de comércio terá seu vigor
durante os séculos seguintes até meados do século XIX, quando Portugal
começou a sofrer as imposições de países europeus mais poderosos que exi-
giam mudanças na política portuguesa na África.

3. Durante o século XX, a Casa do Estudante do Império – especialmente a de


Lisboa – abrigava um grupo de estudantes africanos, geralmente de origem
mestiça e burguesa – que começa a tomar contato com intelectuais e escrito-
res não só portugueses contrários ao regime de Salazar, mas também de ou-
tras regiões da África portuguesa. Nessas casas, longe de suas terras, os jovens
reinventavam poética e literariamente a nação de que eram originários e lá
ganhavam força as ideias de liberdade e independência.

4. Os fatores que desencadearam a luta dos povos africanos das colônias con-
tra o regime de Salazar foram o descontentamento com o Ato Colonial insti-
tuído nas colônias, a disseminação das ideias do Movimento da Negritude, o
conhecimento das lutas dos negros norte-americanos contra o racismo e a
independência dos países africanos colonizados por ingleses e franceses.

África lusófona e Brasil: laços e letras


1. Quando os portugueses chegaram ao continente africano encontraram um
tipo de escravidão doméstica comum entre as diversas etnias africanas. Ela
consistia basicamente em se tomar os prisioneiros de guerras como escravos
que passavam a trabalhar na lavoura dos povos vencedores, que, por conta
da escassez de mão de obra, necessitavam de reforço. As mulheres escravas
eram incorporadas ao domínio dos povos vencedores e acabavam gerando
filhos de seus senhores. As novas gerações iam paulatinamente conquistan-
do a liberdade e já gozavam de certos direitos na comunidade em que suas
mães haviam sido escravizadas. O outro tipo de escravismo desenvolvido
pela presença dos árabes no território já apresentava características mercan-
tis. Os escravos eram comercializados entre os povos árabes e valiam como
moeda de troca. Com esse tipo de escravismo, muitos africanos acabavam
sendo levados de seus territórios para outras terras e desse modo ficavam
alienados de sua cultura.

2. Na penosa travessia pelo Atlântico, muitos africanos morriam em razão das


péssimas condições em que eram transportados nos navios negreiros. Ao che-

146
Gabarito

garem ao Brasil, muitos não se adaptavam ao trabalho escravo e fugiam para o


interior. Assim, eram criados os quilombos no interior do Brasil que funciona-
vam como espaços de liberdade para o africano. Entre os séculos XVII e XVIII,
centenas de quilombos existiram no Brasil e o mais famoso deles foi o Quilom-
bo dos Palmares, no qual Zumbi foi consagrado rei. Nesses lugares, a cultura
africana era valorizada e cultuada, embora os africanos que para ali fugiam
fossem de diferentes regiões da África.

3. Podemos dizer que os cultos africanos foram reinventados no Brasil, uma vez
que cada grupo étnico que aqui chegava, estrategicamente disposto pelo co-
lonizador em regiões distintas do Brasil, trazia uma cultura própria de seu gru-
po étnico, em que havia crenças e divindades próprias. Porém, a aproximação
desses diferentes grupos, com suas crenças diversas, fez surgir um sincretismo
das diferentes religiões africanas, já que umas cultuavam orixás e outras vo-
duns, por exemplo. Esse sincretismo também se fundiu ao catolicismo e, em
determinadas regiões do Brasil, ao islamismo, e esse amálgama de crenças ge-
rou os cultos afro-brasileiros.

História e historiografia indígena


1. As fontes disponíveis para o estudo da história indígena são as crônicas de
colonizadores e missionários dos séculos XVI, XVII e XVIII, relatos de viajantes
e naturalistas do século XIX, estudos arqueológicos e antropológicos realiza-
dos nos séculos XX e XXI e as próprias narrativas das sociedades indígenas
contemporâneas. Essas fontes são diversas e devem ser analisadas conforme
os contextos em que foram produzidas, assim como as ideologias e ideias
sobre os índios que as sustentaram. A importância de considerar as narrati-
vas históricas dos povos indígenas contemporâneos é que nos traz à luz suas
visões e compreensão do passado, assim como sua rica memória transmitida
de forma oral. Portanto, nos possibilita entendê-los como sujeitos ativos de
sua história.

2. Os aldeamentos se constituíram a partir dos “descimentos”, ou seja, do des-


locamento – promovido por tropas de soldados, com a presença de missio-
nários – de povos inteiros, dos territórios que tradicionalmente ocupavam
para morarem junto ou próximo das vilas fundadas pelos colonos. Esse novo
padrão de moradia e de organização social tornou-se fundamental para sus-
tentar o sistema colonial, já que os indígenas que moravam nos aldeamen-
tos produziam tanto os alimentos consumidos pelos colonos, como lhes ser-

147
Gabarito

viam de mão de obra para diferentes afazeres. Também foram utilizados para
lutar nas guerras que os portugueses estabeleciam contra colonizadores de
países estrangeiros ou contra os próprios índios.

3. A política que a Coroa estabeleceu para os índios diferenciou “índios aldea-


dos e aliados” e “índios inimigos”, dando um trato bem diferenciado a cada
um deles. Aos primeiros lhes foi garantida a liberdade ao longo de toda a
colonização e o direito de serem pagos pelo seu trabalho. Contudo, isso não
significa que não tenham sofrido exploração, sendo sobrecarregados de tra-
balho e deslocados de um lado a outro segundo interesses de governantes e
particulares. Aos segundos se declarou “guerra justa” e a escravização poste-
rior foi vista como lícita e até legitimada através de várias leis.

4. Os objetivos e princípios que orientaram a primeira agência indigenista es-


tatal – o Serviço de Proteção aos Índios – foram o estabelecimento de uma
convivência pacífica entre índios e brancos, a garantia da sobrevivência física
e cultural dos povos indígenas, a promoção gradual e com métodos bondo-
sos e dissuasórios de sua “civilização” e formação como “trabalhadores na-
cionais”. Esses objetivos eram ambíguos, já que se promoveu uma política
protecionista, mas ao mesmo tempo integracionista, que considerou a con-
dição indígena como transitória, condenada à extinção. Contudo, a diferen-
ça das políticas durante a colônia e o Império, o órgão indigenista defendeu
a aplicação de métodos brandos, de atração, de mudança de hábitos através
do exemplo e o ensino de ofícios e novas formas de trabalho, assim como o
inculcamento de valores e símbolos de nacionalidade.

Situação contemporânea dos povos indígenas


1. As fontes disponíveis para conhecer a situação demográfica dos povos in-
dígenas brasileiros são os dados que a Funai, o ISA, a Funasa e o IBGE nos
proporcionam. As diferenças na quantidade de população indígena que es-
sas agências registram devem-se a abordagens metodológicas distintas na
coleta de dados. Enquanto a Funai e o ISA levantaram dados de habitantes
localizados em aldeias de terras indígenas reconhecidas oficialmente, o IBGE
também incluiu os índios que residem nas cidades ou em terras indígenas
ainda não reconhecidas e que se auto identificaram como tais. Já a Funasa
registrou a quantidade de população inscrita no sistema de saúde e à qual
esse órgão presta assistência. Assim, a Funai e o ISA estimam 325 mil, a Funa-
sa, 374 123 e o IBGE, 740 mil indígenas.

148
Gabarito

2. Hoje se falam 180 línguas indígenas no Brasil. Algumas delas são considera-
das em risco de extinção devido ao número reduzido de falantes (cerca de
40 das 180 línguas). Outras são vitais e ativas e possuem um considerável
número de falantes. Existem também grupos que perderam suas línguas e
falam somente o português como língua materna. Porém alguns deles estão
envolvidos em processos de resgate.

Os linguistas reconhecem dois grandes troncos: o Tupi e o Macro-Jê, e 20 fa-


mílias linguísticas. Também identificam “línguas isoladas”, que não reconhe-
cem parentesco ou semelhança com outras famílias linguísticas.

3. O território representa para os povos indígenas não apenas o meio onde


obter recursos naturais para seu consumo, mas também o espaço habitado
por seres, espíritos e ancestrais com os quais possuem fortes vínculos e
aos quais se associam valores e conhecimentos de fundamental relevância
para a reprodução do grupo.

O território proporciona as condições para o desenvolvimento das econo-


mias indígenas, que variarão conforme a extensão de terras, a abundância
de recursos naturais e os tipos de ecossistemas que nele se desenvolvam.
Também garantirá a reprodução cultural ao permitir a continuidade de
práticas valorizadas pelos povos indígenas, como a reciprocidade e a ge-
nerosidade na distribuição de alimentos e a prática de rituais e festas em
que o consumo de certos alimentos e bebidas é fundamental. Ainda cabe
destacar que os indígenas, devido ao maior consumo de bens manufatu-
rados, crescentemente comercializam os produtos da roça ou da pesca no
mercado.

Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo


1. A diferença entre negros e brancos no Brasil é acentuada, reforçada pela he-
rança de uma colonização e escravização do povo africano na América e sua
subsequente discriminação pelos brancos devido à esta herança e à pobreza
que as associou aos negros marginalizados. Nos estudos escolares a cultura
africana e indígena era desprezada ou esquecida e a partir as necessidades
de políticas afirmativas houve uma transformação nas grandes curriculares
para adequar o ensino da história do Brasil ao estudo da herança africana no
país, especialmente depois da lei que obriga o estudo no ensino fundamen-
tal e médio.

149
Gabarito

2. Sistema de cotas por raça, gênero, condição social ou outra forma de sele-
ção que tente minorar as diferenças de acesso de determinados grupos à
educação ou emprego. Contratação de empresas por parte do governo que
respeitem e pratiquem os instrumentos de inclusão de minoriais como defi-
cientes, negros e igualdade entre sexos.

3. Que o sistema não leva em conta necessariamente o mérito e separa pesso-


as segundo a cor delas e não de acordo com sua posição social, ou seja de
maior pobreza.

150
Referências

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