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RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
ÉTNICO-RACIAIS
RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
Claudia Amorim
Marcos Dias de Araújo
Mariana Paladino
www.iesde.com.br
48955
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IESDE BRASIL S/A
2017
© 2010 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização
por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
ISBN 978-85-387-6212-6
Mariana Paladino
Gabarito......................................................................................145
Referências.................................................................................151
Apresentação
Você vai ler agora um material sobre as relações étnico-raciais. Esse tema deve
ser abordado de maneira direita e ampla, pois se trata de um assunto de suma im-
portância na formação dos profissionais e estudiosos brasileiros. Enseja questões
sobre nossa formação e população, passando por seus problemas e suas heranças
positivas e negativas de relações marcadas pelo equívoco, pela violência, pela sub-
missão e pela revolta, mas também visando à construção de um país mais equilibra-
do, justo e igualitário.
A problematização desse tema envolve questões de educação, oportunidades,
mercado de trabalho e identidade social. Seu conceito e sua evolução são os temas
centrais deste material.
Conceitos de raça, etnia e
identidade cultural e nacional
Marcos Araújo
Neste capítulo inicial, vamos refletir sobre os conceitos de raça, etnia e
identidade nacional. O objetivo é discutir o surgimento e a evolução das
ideias sobre o tema até o momento atual. Daremos atenção especial à apli-
cação dos conceitos no Brasil e sua variedade de sentidos contemporâneos.
Raça
A pura observação da diversidade entre seres humanos sempre intri-
gou o homem que, ao mesmo tempo em que via traços comuns de huma-
nidade, apontava diferenças consideradas insuperáveis para o pertenci-
mento social: cor da pele, índole, práticas sociais, textura e cor de cabelos,
concepção de mundo, inteligência e força. Muitas vezes, a classificação
dos homens se dava, no mundo antigo, por obediência política, religião,
local de nascimento, tribo, raça ou nação.
Esse conceito da superioridade da raça branca não deixou de ser visto como
uma resposta à questão da igualdade iluminista, proposta ao mesmo tempo.
Enquanto o conceito iluminista de cidadão engloba, em tese, todos os nascidos
na pátria, independente de classe e posição social, o conceito de raça aposta
numa desigualdade intrínseca ao homem, que separa os seres humanos de uma
mesma nação. Tanto é assim que a teoria racialista ganhou terreno não só na
ciência europeia, mas também na norte americana e na jovem ciência brasileira.
Nomes de cientistas brasileiros como Mena Rodrigues e Euclides da Cunha estão
ligados aos estudos de raça.
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
Hitler, que fora um artista frustrado e que fora cabo do exército na Primeira
Guerra Mundial, não entendia de ciência, mas, imbuído dos conceitos de senso
comum do racialismo, colocou o sistema alemão sob essa visão quando assumiu
o poder, em 1933. Ele aprovou leis que negavam o direito de judeus, negros,
ciganos e poloneses de casar com mulheres arianas (brancas alemãs). Em se-
guida, a segregação ocorreu no trabalho, nas escolas e nas cidades por meio
da criação de guetos nas áreas ocupadas. Por fim, Hitler e seus subordinados
criaram campos de concentração, onde 12 milhões de pessoas perderam a vida
(6 milhões de judeus).
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
Nos países liberais, o sistema de igualdade racial começou nas áreas mais
sensíveis à presença negra, como Estados Unidos e Brasil, países onde a pre-
sença negra era muito grande e a escravidão criou uma ciência fortemente
racialista. Se pelo lado dos racistas havia um forte apelo tradicional, por outro,
a forte presença negra e sua cultura cada vez mais importante no cenário
urbano moderno, criando comportamentos, formas de luta, músicas e discur-
sos. Além disso, cada vez mais celebridades e figuras importantes da socieda-
de encontraram eco de sua luta por igualdade racial entre liberais brancos que
aproximaram o Partido Democrata da plataforma de integração e direitos civis
durante as décadas de 1940 a 1960.
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
Etnia
Quando a sociologia surgiu entre as ciências, duas tradições foram critica-
das pelos pensamentos de Marx, Durkheim e Boas: a imanência da religião e a
subordinação do humano à natureza. Foi assim que a influência do clima ou da
formação racial foi minorada diante da questão da formação social. Seus graus
de evolução não tinham a ver com a natureza, mas sim com sua posição no
tecido histórico social. Em dadas condições objetivas, os grupos humanos se
equivaliam em moral, inteligência e trabalho (PINHO, 2008, p. 64-65). Sendo
assim, a sociologia se afastou do conceito de raça e, até mesmo entre biólo-
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
Outro ponto de vista crítico foi o de que a visão estática da cultura sofria com
a realidade da globalização, em que modelos globais são mais fortes que heran-
ças locais. Além disso, havia o entendimento de que muitos dos casos de cultura
tradicional eram o que Eric Hobsbawm chamou de “tradição inventada”. Dessa
maneira, uma tradição de grupos sociais era recente, inventada há pouco, mas
sua fixação na sociedade se fazia pelo discurso da tradição, dizendo que essa
tradição era mais antiga do que, de fato, era. Nos estudos de grupos étnicos,
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
Somos também de algum jeito moldados pela nossa sociedade e pelas expe-
riências sociais que vieram antes de nós, mas que nos forma na medida em que
o sujeito se estrutura a partir de sua experiência circundante, dos exemplos aos
quais os jovens são apresentados ao mundo de acordo com a cultura de seus
pais. Muitas vezes os jovens revolucionam o mundo, mas nunca totalmente e
não sem arrependimento das transformações ensejadas.
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
A nação era uma entidade nova – se não a palavra, o seu novo sentido, que
proporcionava um tom político. Surgia como uma novidade revolucionária, o
estado, a língua, o povo, os costumes e a visão de mundo, o território, as regi-
ões federadas e as histórias comuns. Todas as diferenças sociais se obliteravam
diante da nação, que carregava um sentido simbólico e político, já que engloba-
va, também, seus representantes e sua autodeterminação.
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
Aos poucos, ao longo do século XIX, foi-se dando mais importância para a
nação, a partir de diversas teorias que tentavam explicá-la, inclusive a naturali-
zando ou a colocando como a única forma possível de organização social con-
temporânea. O sentimento nacional demorou um século para se tornar a pedra
angular da política internacional. O nacionalismo é o surgimento da concepção
de excelência da nação; de que a “nossa” nação é melhor que as outras e de
que o amor pela nação deve vir antes de tudo, inclusive da justiça e da razão. A
frase “minha pátria, certa ou errada”, atribuída ao político americano Carl Schurz,
mostra como a nação tomou conta da política e da noção de moral, subordinan-
do tudo à sua vontade.
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
Mesmo os novos povos e as novas nações que surgiram dos conflitos dos
séculos XIX e XX, conjugando língua, território e história novos, construíram um
discurso em que a existência da nação se naturalizava. Tentavam, assim, nivelar
a sociedade do ponto de vista cultural e simbólico, fazendo com que todas as
diferenças sociais fossem minoradas pela igualdade teórica sob a nação e sua
história muitas vezes fantasiosa. Se a nação foi a forma contemporânea de agru-
par grandes grupos de homens sob o mesmo interesse, seus limites começaram
a ser enxergados na segunda metade do século XX. O nacionalismo foi visto de
forma negativa depois de o fanatismo alemão, italiano e japonês ter levado o
mundo ao desastre da Segunda Guerra Mundial. Como consequência, o nacio-
nalismo foi colocado como uma doutrina extremista e violenta, que desprezava
a realidade do mundo e da própria nação.
minados grupos discriminados. Esse fator levou a força do Estado contra essas
pessoas, que passaram a ser vistas não mais como uma força da sociedade bus-
cando igualdade, mas sim como uma força contra a sociedade e a nação.
No final dos anos 90, já se falava no fim das nações, mas isso não aconteceu.
Mesmo na União Europeia, que permitiu que tanto o capital como o trabalha-
dor atravessassem as fronteiras nacionais, o sentimento nacional se manteve e,
em alguns casos, recrudesceu, especialmente entre setores conservadores que
enxergam na abertura das fronteiras o fim do Estado nacional e da nação como
identidade cultural.
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
As nações que mantiverem privilégio para alguns e poucos direitos para muitos
continuarão enfrentando uma oposição que, no limite, quer se afastar da nação
privadora de direitos. As nações que proporcionam direitos amplos tendem a ser
acalentadas como nações modernas e a levar os homens ao retorno a elas mesmas
– não mais como um Estado imposto sobre a sociedade por uma minoria, mas
como a construção de um território pleno de direitos e de felicidade individuais.
Em 1750, o formato da colônia não era muito diferente do atual Brasil, mas
suas relações estavam longe de serem simples. A nação brasileira só nasceu em
1822, mas já de forma superlativa, com um território imenso conquistado ainda
como colônia e que tinha diversas populações indígenas às centenas, negros de
dezenas de lugares distintos da África, espanhóis, portugueses, mestiços, holan-
deses e até indianos que falavam uma série de línguas próprias ou intermediárias.
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
tos e a coesão política não se fez em torno do poder político da nação, mas de
seus privilégios econômicos e sociais.
No Brasil, a nação surgiu forçada por uma elite que se apropriou da palavra
nação para criar um Estado desigual sustentado pelo latifúndio monocultor e na
escravidão. Dessa forma, a nação não surgiu como uma alternativa para englo-
bar, mas sim como uma nova maneira de excluir e apartar. O governo monárqui-
co mantinha seu poder absoluto nomeando senadores e presidentes da provín-
cia e mantendo os ministros atrelados à sua vontade. Já a elite dos fazendeiros,
além de tomar de assalto os cargos e privilégios do Estado em seus níveis regio-
nais, mantinha a escravidão e o poder local. Com essa aliança, o poder político se
manteve nas mãos de uma minoria por todo o império.
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
que olharam para o Brasil com olhos mais complacentes, instigados pela curiosi-
dade sociológica brasileira. O resgate do folclore brasileiro, por Mário de Andrade
e pelos modernistas, e a valorização do índio e do negro começaram fortemente
nas artes. Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral trouxeram esses temas para suas pin-
turas, e os mitos indígenas e os negros apareceram como o verdadeiro Brasil.
Nos anos 1930, o passo decisivo da nova identidade nacional brasileira foi a
aceitação das heranças raciais e sua ideia de assimilação a um todo brasileiro.
Esse passo se tornou política de estado com a ditadura de Vargas, instaurada em
fins de 1937 e que durou até 1945. Durante esse período, a brasilidade ganhou
contornos nítidos: o samba, a despeito de ser uma música carioca, tornou-se a
música brasileira e, depurado de seu elogio à malandragem, o Estado Novo o
incentivou também a feijoada, que ganhou status de comida nacional. O feijão
preto, o arroz branco, a laranja amarela e a couve verde, somada à farinha de
mandioca indígena, formava a própria imagem que reunia harmoniosamente as
raças formadoras do Brasil (negro, índio e branco) e as cores nacionais. A bandei-
ra brasileira e o hino ganharam escolas e ruas em um amor patriótico, enaltecido
pelo governo e seu líder. A Segunda Guerra Mundial reforçou a ideia nacionalista.
Nos anos 50 e 60, o Brasil cresceu e se tornou mais global, de modo que en-
traram em debate as influências estrangeiras sobre a cultura brasileira, como o
jazz e o rock, o cinema americano e os padrões de consumo contemporâneos.
Com o regime militar, o nacionalismo brasileiro foi agigantado por meio de uma
propaganda massiva nos cinemas e na televisão, sempre girando em torno da
herança das três raças e na acolhida respeitosa aos estrangeiros. Por trás dessa
imagem produzida havia uma forte desigualdade, social e legal, que afastava os
pobres e os periféricos de governo e Estado brasileiros e mesmo da sociedade
que era veiculada na televisão, muito diferente do Brasil real.
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
Nas décadas de 80 e 90, o movimento negro, das mulheres e dos índios res-
surgiu fortemente. A luta pela redemocratização terminou, de forma que todos
podiam, então, lutar pelas suas próprias agendas. O mito do Brasil sem racismo,
da cordialidade do brasileiro, caiu por terra com a emergência da violência urbana
e das manifestações de racismo sendo combatidas pelos grupos organizados.
Textos complementares
Um texto racista do século XIX
“Nenhum antropologista poderá jamais admitir uma igualdade de capa-
cidade evolutiva entre o branco e o negro. O mais humanitário dos anties-
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
o africano seja empregado por ele, quer não. Devido a esse tipo de atitude,
os brancos tendem a enxergar os africanos como uma raça diferente.
Não os enxergam como pessoas que têm suas próprias famílias; não per-
cebem que nós temos emoções; que nos apaixonamos, como se apaixonam
os brancos; que queremos estar com nossas mulheres e nossos filhos, como
os brancos querem estar com os deles; que queremos ganhar dinheiro, di-
nheiro suficiente para sustentar nossas famílias adequadamente, alimentá-
-las, vesti-las e fazê-las frequentar a escola. E que empregado doméstico,
jardineiro ou lavrador braçal pode algum dia ter a esperança de fazer isso?
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
e não ser impedidos de viver numa área porque não nascemos ali.
[...]
Dicas de estudo
Filmes:
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
Exercícios
1. Descreva o surgimento do conceito de raça e sua utilização política.
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A África lusófona: um pouco de história
Claudia Amorim
O objetivo deste capítulo é apresentar um breve panorama da ocupa-
ção portuguesa, na África, que se iniciou na segunda década do século XV
(1415), com a conquista da cidade de Ceuta, no Marrocos, e se finalizou
na segunda metade do século XX, com a independência dos cinco países
africanos colonizados pelos portugueses.
Breve panorama
histórico da África lusófona
No ano de 1415, os portugueses tomaram dos mouros, em apenas um dia de
combate, a cidade de Ceuta, no Marrocos. Essa importante vitória da cristanda-
de sobre os “infiéis”, já nos primórdios do Renascimento, guarda um significado
simbólico também por ter sido exatamente de Ceuta que Tarik e o seu exército
de 7 mil berberes partiram no ano de 711 para invadir a Península Ibérica, per-
manecendo na Península durante sete séculos.
Para além do espírito cruzadístico dessa empreitada, a conquista de Ceuta
foi o primeiro passo do caminho que levou os navegadores portugueses da Pe-
nínsula Ibérica ao Extremo Oriente e ao Brasil no final do século XV e início do
século XVI.
A cidade de Ceuta era o ponto de chegada das rotas comerciais oriundas
do sul da Berbéria (nome com que os europeus designaram, até o século XIX, a
região que hoje compreende o Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia – o atual
Magreb com exceção do Egito), e das caravanas com o ouro proveniente da
Guiné. Essas riquezas encontradas em Ceuta fizeram com que os portugueses
adivinhassem que havia outras maiores espalhadas em alguns pontos do con-
tinente africano. Na intenção de dominar esse comércio, ao mesmo tempo em
que buscava contato com um suposto soberano cristão na África – Preste João
das Índias1 –, a política de expansão portuguesa adotou a exploração da África
em detrimento da ocupação de territórios ao longo do Mediterrâneo.
Assim, a expansão portuguesa teve início no norte da África, seguiu para o sul
ao longo da costa ocidental africana, alcançando as ilhas do Atlântico e depois
avançou pela costa oriental do continente africano ao longo do Oceano Índico,
em direção ao Oriente e ao Extremo-Oriente, chegando finalmente à região do
Atlântico Sul com a colonização do Brasil.
O desejo de lutar contra os mouros e de alargar o império de Cristo entre os
povos não cristãos vai se misturando, pouco a pouco, a perspectivas economica-
mente mais enriquecedoras. A exploração da Costa Africana onde os navegantes
encontraram pimenta malagueta, canela e outras especiarias, além do marfim e
do ouro, se mostrava bastante lucrativa. Assim, novas expedições se organiza-
ram pelos mares já navegáveis da Costa ocidental e oriental da África, marcando
um período da história conhecido como Descobrimentos Portugueses.
O mapa a seguir indica os territórios ocupados pelos portugueses e a rota das
navegações portuguesas a partir de 1415 até meados do século XVI.
1
Nos séculos XV e XVI corria uma lenda na Europa de que havia um rei cristão no Oriente, cujo nome era Preste João das Índias, e acreditava-se
que seu reino, que não se sabia precisar exatamente onde ficava, mas que se pensava ser na África, poderia ser aliado europeu para a exploração do
caminho marítimo para as Índias. A Coroa Portuguesa, a partir dos relatos de viajantes e peregrinos, tentou encontrar o reino de Preste João com
o desejo de fazer possíveis alianças.
34
IESDE BRASIL S/A. Adaptado.
Territórios ocupados pelos portugueses e rota das navegações lusas nos séculos XV e XVI. Observe que o território português na América é delimita-
do pelo Tratado de Tordesilhas12, assinado em 1494 entre Portugal e Espanha.
2
O tratado de Tordesilhas, assinado pelas Coroas de Portugal e da Espanha, em 1494 para dividir as terras descobertas, ou a descobrir, por amabas as Coroas, delimitava uma linha imaginária a 370 léguas a oeste das linhas
de Cabo Verde. As terras a oeste desse meridiano pertenciam à Espanha e as terras a lesta dessa linha seriam portuguesas.
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A África lusófona: um pouco de história
A África lusófona: um pouco de história
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A África lusófona: um pouco de história
3
Golfo da Guiné é uma reentrância próxima às Ilhas de São Tomé e Príncipe e compreende o litoral da Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Nigéria,
Camarões, Guiné Equatorial e a parte norte do Gabão.
4
A feitoria de São Jorge da Mina, em Gana, é a construção europeia mais antiga ao sul do deserto do Saara.
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A África lusófona: um pouco de história
A independência dos
cinco países africanos lusófonos
A Guerra Colonial durou treze anos – de 1961 a 1974 – e pôs fim à ocupação
portuguesa no território africano. Essa guerra ficou conhecida, ainda, entre os
portugueses, como Guerra do Ultramar ou Guerra da África. Entre os povos dos
territórios ocupados duas denominações foram adotadas: Guerra de Libertação
Nacional e Guerra pela Independência.
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A África lusófona: um pouco de história
A República Portuguesa
e o golpe militar de 1926
No início do século XX, a situação das colônias africanas lusófonas não se al-
terou muito em relação ao século anterior. Segundo Enders (1997, p. 69), para
“Portugal, como para as outras potências europeias, a colonização supõe a con-
quista, o desenvolvimento de uma economia de exportação e a submissão da
mão de obra indígena para o trabalho e para o imposto”. Com isso, o trabalho
de exploração das terras africanas, sem nenhum investimento econômico, conti-
nuou e se agravou com o início das duas grandes guerras mundiais.
Como observa José Paulo Netto (1986, p. 18), durante a ditadura salazarista
“um projeto econômico-social se integra organicamente à repressão antipopular
e antidemocrática. Trata-se, explícita e nitidamente, do projeto fascista do grande
capital, de que Salazar se fez um funcionário coerente, lúcido e pertinaz”.
Entre 1929 e 1933, Salazar acumulou os Ministérios das Finanças e das Colô-
nias, e com mão de ferro tomou medidas duras contra a enfraquecida oposição.
Em 1932, instaurou o Ato Colonial, que instituiu o trabalho forçado para os na-
tivos das colônias, obrigando a população negra a servir por um determinado
período de sua vida ao Estado ou a um patrão europeu. Esse Ato Colonial era, na
verdade, uma reedição do trabalho forçado instituído no século XIX pela Coroa
Portuguesa aos nativos dos territórios africanos ocupados. Além disso, a dita-
dura salazarista criou a polícia política portuguesa – PVDE (Polícia de Vigilância
e Defesa do Estado), mais tarde conhecida como PIDE (Polícia Internacional de
Defesa do Estado), que também teve sua área de atuação nas colônias do ultra-
mar, especialmente nos anos 1960 quando se inicia um movimento de grande
revolta nas colônias contra a política da Metrópole.
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A África lusófona: um pouco de história
Além do trabalho forçado nas colônias africanas, instituído pelo Ato Colonial,
o regime português continuou a explorar vorazmente suas riquezas, especial-
mente algodão, cana-de-açúcar, café, petróleo, entre outros produtos. Os lucros
obtidos com essa exploração eram revertidos para a Metrópole, ao passo que as
colônias amargavam uma situação de penúria e ausência de perspectiva.
40
A África lusófona: um pouco de história
Todos esses movimentos africanos pela independência têm entre seus líde-
res escritores, poetas, jornalistas e outros intelectuais, muitos dos quais antigos
estudantes da Casa do Estudante do Império (CEI), em Lisboa – (havia uma em
Coimbra também). Essas casas funcionavam como um ponto de reunião de
jovens estudantes oriundos de vários territórios do ultramar, especialmente dos
países africanos, e especificamente a CEI de Lisboa acabou se tornando um local
estratégico e decisivo para a tomada de consciência e organização dos jovens
estudantes africanos, em sua maioria angolanos, que se aliaram aos estudantes
e intelectuais portugueses contrários ao regime fascista. Centro de articulação
política e resistência, a CEI de Lisboa também funcionou como um espaço para
o surgimento de uma literatura de valorização das raízes africanas.
5
Catana é um tipo de facão usado para cortar mato.
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A África lusófona: um pouco de história
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A África lusófona: um pouco de história
Texto complementar
O poema que você vai ler, do santomense Francisco José Tenreiro (1921-
-1963), trata da saga africana, que se inicia com a chegada dos europeus
à África. É interessante notar que, ao contrário da epopeia camoniana, Os
Lusíadas (1572), de Luís Vaz de Camões, a façanha heroica aqui abordada
não é a façanha lusa, mas a façanha heroica dos negros que buscaram re-
sistir à dominação branca, porém acabaram sendo levados como escravos
para outras terras. O poema mostra, ainda, a saga do negro nessas terras,
lutando para fazer existir a sua cultura e termina evocando-o à luta pela
dignidade com novas armas, novas azagaias 1.
Epopeia
(TENREIRO, Francisco José in ANDRADE, 1975, p. 137-139)
Não mais a África
da vida livre
e dos gritos agudos de azagaia!
Não mais a África
de rios tumultuosos
– veias entumecidas dum corpo em sangue!
Fogos!
Milhões de fogos
num terreno em brasa!
1
Azagaia é uma espécie de lança curta usada pelos africanos, especialmente na África do Sul.
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A África lusófona: um pouco de história
No Brasil
ganhaste calo nas costas
nas vastas plantações do café!
No norte
foste o homem enrodilhado
nas vastas plantações do fumo!
Os homens do norte
ficaram rasgando
ventres e cavalos
aos homens do sul!
Os homens do norte
estavam cheios
dos ideais maiores
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A África lusófona: um pouco de história
tão grandes
que tudo foi um despropósito!...
Os homens do norte
os mais lúcidos e cheios de ideais
deram-te do que era teu
um pedaço para viveres...
Libéria! Libéria
Ah!
Os homens nas ruas da Libéria
são dollars americanos
ritmicamente deslizando...
Segue em frente
irmão!
Que a tua música
seja o ritmo de uma conquista!
E que o teu ritmo
seja a cadência de uma vida nova!
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A África lusófona: um pouco de história
Dicas de estudo
História da África Lusófona, de Armelle Enders, Editorial Inquérito.
Exercícios
1. Em 1415, a conquista da cidade de Ceuta, no Marrocos, foi estratégica para a
empreitada portuguesa pelos mares do ocidente. Por que motivos partiram
os portugueses até Ceuta? E por que quando lá chegaram abandonaram a
ideia da ocupação dos territórios ao longo do Mar Mediterrâneo?
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A África lusófona: um pouco de história
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A África lusófona: um pouco de história
4. Quais foram os fatores que desencadearam a luta dos povos africanos das
colônias contra o regime fascista de Salazar?
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A África lusófona: um pouco de história
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África lusófona e Brasil: laços e letras
Claudia Amorim
O objetivo deste capítulo é apresentar as diferentes culturas da África
lusófona e do Brasil, destacando o que a cultura de Angola, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Moçambique – os cinco países dos
Palop1 – têm em comum com a cultura brasileira, para além da língua de
expressão.
Os africanos no Brasil:
um pouco de história
A história do negro no Brasil remete, antes de tudo, à história da diás-
pora dos povos africanos que, antes da chegada dos europeus à África, ha-
bitavam esse continente. Além dos portugueses – os primeiros europeus
a ocuparem o continente africano – outros povos da Europa ali chegaram,
como ingleses, franceses e alemães, por exemplo. Com a chegada do euro-
peu à África, começa a diáspora negra com o tráfico de negros que viriam
a formar a mão de obra do trabalho agrícola do continente americano.
1
Palop é a sigla de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.
África lusófona e Brasil: laços e letras
É certo que no início do século XV esses objetivos ainda não estavam comple-
tamente delineados para a Coroa Portuguesa, ou para os nobres e comerciantes
interessados no empreendimento atlântico. No entanto, a conquista de Ceuta
e depois a de Tânger, no Marrocos, foram os atos fundadores do avanço para o
mar que modificaria definitivamente a história da humanidade. Podemos dizer
que, com as viagens marítimas do século XV e XVI, iniciou-se verdadeiramente
o conhecimento e o domínio das terras e mares do nosso planeta. Iniciou-se a
globalização.
52
África lusófona e Brasil: laços e letras
2
Conforme sustenta Silva (2002), a escravidão doméstica na África consistia em se aprisionar os vencidos nas guerras étnicas para aproveitar sua
mão de obra no trabalho agrícola. A terra era abundante, mas muitas vezes faltava mão de obra e nesse tipo de cativeiro aproveitavam-se também
mulheres e crianças. A fertilidade das mulheres garantia a ampliação do grupo e elas se tornavam concubinas de seus senhores e geravam filhos
que iam gradativamente perdendo a condição servil e sendo incorporados à linhagem do senhor.
3
A Feitoria de Arguim, na Ilha de Arguim, serviu de modelo para a construção de outros entrepostos comerciais como a Feitoria de São Jorge da
Mina, na cidade de Elmina (República do Gana).
4
Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006) há uma estimativa de que 75% das pessoas vendidas nas Américas como escravos foram vítimas de
guerras entre os diversos povos africanos.
53
África lusófona e Brasil: laços e letras
O tráfico de escravos foi uma atividade permanente entre os séculos XVI e XIX.
Durante esse período, estima-se que mais de 11 milhões de homens, mulheres e
crianças foram transportados da África para as Américas em grandes navios ne-
greiros (também conhecidos como tumbeiros)7. Desse total, cerca de 4 milhões
desembarcaram em portos brasileiros e eles pertenciam, principalmente, a dois
grandes grupos étnicos: os sudaneses (oriundos da Nigéria, Daomé8 e Costa do
Marfim) e os bantos (oriundos do Congo, Angola e Moçambique). Os bantos foram
destinados especialmente a Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro9, enquan-
to que os sudaneses foram levados, em sua maioria, para a Bahia10. Também da
5
De acordo com alguns estudiosos, alguns povos vizinhos que habitavam o sudoeste da Nigéria e o sudeste da República do Benin, por falarem
variações do mesmo idioma e compartilharem as mesmas crenças sobre a origem, foram identificados pelos missionários europeus como perten-
centes ao reino Iorubá.
6
O pano da costa era uma indumentária usada no Brasil por mulheres africanas ou descendentes, especialmente na Bahia e no Rio de Janeiro. O
nome provavelmente se deve ao fato de esse tipo de pano ser encontrado na região da Costa do Marfim, de onde foram trazidos muitos escravos
para o Brasil, ou ainda ao fato de esse pano retangular ser usado jogado por sobre os ombros e as costas. Ainda hoje é usado na composição da
roupa das baianas.
7
Conforme observam Albuquerque e Fraga Filho (2006) essa cifra não inclui aqueles que não resistiam à travessia atlântica feita em péssimas
condições nos navios negreiros e acabavam morrendo no caminho. Assim, se explica também o porquê de os navios negreiros serem também
conhecidos pelo nome de tumbeiros, uma vez que o número de mortos nas travessias era bastante grande.
8
Daomé situava-se na época onde agora é a República do Benin.
9
No Rio de Janeiro, os escravos que chegavam nos navios negreiros desembarcavam na região portuária denominada Valongo e eram levados para
os postos comerciais que se situavam no alto do Morro da Conceição, localizado na Praça Mauá.
10
A Coroa Portuguesa procurou sempre que possível misturar escravos de diferentes regiões e etnias para dificultar-lhes a concentração e a co-
municação, uma vez que os grupos étnicos falavam línguas diferentes. Contudo, nem sempre foi possível, pois os traficantes de escravos por vezes
tinha de transportar uma mesma região os escravos capturados.
54
África lusófona e Brasil: laços e letras
Para melhor situarmos esses espaços de onde foram levados milhões de afri-
canos incluímos a seguir um mapa político da África com sua respectiva divisão
territorial.
0 420 Km
55
África lusófona e Brasil: laços e letras
56
África lusófona e Brasil: laços e letras
chamado de ‘negro da terra’, distinguindo-o assim do ‘negro da guiné’, como era identificado o
escravo africano nos séculos XVI e XVII. Com o aumento da demanda por trabalho no corte do
pau-brasil e depois nos engenhos, os colonizadores passaram a organizar expedições com o
objetivo de capturar índios que habitavam em locais distantes da Costa. Através das chamadas
‘guerras justas’, comunidades indígenas que resistiram à conversão do catolicismo foram
submetidas à escravidão. Por volta da segunda metade do século XVI, a oferta de escravos
indígenas começou a declinar e os africanos começaram a chegar em maior quantidade para
substituí-los. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 40)
Domínio público.
57
África lusófona e Brasil: laços e letras
mente rejeitada por parte da opinião pública mundial, o tráfico de escravos era
o esteio da riqueza da elite e só por pressão inglesa é que foi abolido, em 1850,
continuando com entradas ilegais até pelo menos 1856.
60
África lusófona e Brasil: laços e letras
Como observa Silva (2003, p. 158), nesses “[...] pontos de encontros, e nos
pátios que prolongavam as cozinhas, e nas senzalas, e nos esconderijos das
matas, os escravos tentavam refazer como podiam os liames sociais violen-
tamente partidos”.
61
África lusófona e Brasil: laços e letras
Xangô de Oió, Oxum de Oxogbô e assim por diante. Por isso que se diz que a
religiosidade africana foi reinventada no Brasil”.
Mas não foram só os ritos próprios da África que vieram com os escravos.
Africanos islamizados, devido à presença árabe no continente, também chega-
ram ao Brasil em grandes navios negreiros. Os muçulmanos eram reduzidos no
Rio de Janeiro, mas em Salvador e no Recôncavo Baiano eram numerosos. De
acordo com Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 106) por serem “[...] adeptos de
uma religião militante, os muçulmanos organizaram na Bahia algumas rebeliões
escravas, sendo a de 1835 a mais conhecida. Por isso, ao longo do século XIX, foi
o grupo religioso mais perseguido pelas forças policiais”.
Iniciado no catolicismo na África ou no Brasil, o escravo africano ou crioulo dotou a religião dos
portugueses de ingredientes de tradições religiosas africanas, especialmente música e dança.
Era um catolicismo cheio de festas, de muita comida e bebida, de intimidades com santos,
tal qual a relação dos africanos com seus orixás, voduns e outras divindades. As promessas
de santos, pagas com missas, tinham função semelhante às oferendas que acompanhavam
pedidos feitos aos deuses e outras entidades espirituais africanas. Para homenagear santos de
sua devoção, os negros organizavam grandes festas nas suas irmandades. Daí porque muitos
escravos africanos se aproximaram do catolicismo sem que fossem forçados pelos senhores.
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 106)
No Rio de Janeiro, o carnaval ganharia outra dimensão com a criação das es-
colas de samba no início do século XX. Com músicos e sambistas, quase sempre
negros e oriundos das localidades mais pobres da cidade, o samba ganhava as
ruas e logo seria alçado ao patamar de grande festa popular da cultura brasi-
leira. As primeiras organizações de sambistas surgiram no Estácio, nos morros
do centro da cidade e na Mangueira. As escolas de samba eram inicialmente
agremiações de caráter assistencial e festivo. No entanto, elas foram aos poucos
conquistando espaço na cultura nacional e na indústria de entretenimento. Pau-
latinamente, começaram também a modificar sua estrutura: os ranchos carnava-
lescos – como eram chamados os desfiles dos passistas – ganharam uma nova
62
África lusófona e Brasil: laços e letras
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África lusófona e Brasil: laços e letras
berto da Costa e Silva, Kwame A. Appiah, Luiz Felipe de Alencastro, Pierre Verger,
Jaime Rodrigues, entre outros.
Texto complementar
O poema “Navio negreiro” do poeta baiano Castro Alves (1847-1871), repre-
sentante do Romantismo brasileiro, foi escrito quando o poeta tinha apenas
22 anos de idade, ou seja, em 1869, quando já não havia mais o tráfico ne-
greiro no Brasil. No entanto, a condição do negro escravizado e arrancado da
sua terra natal sensibilizou o poeta e as imagens fortes de seu poema nos dão
conta do horror e crueldade a que os africanos acorrentados eram submeti-
dos nessas viagens que duravam cerca de três meses. Alguns desses navios
podiam suportar um carregamento de cerca de 500 escravos, muitos dos quais
morriam antes de chegar em terra firme por conta especialmente da fome e
da sede, das doenças que se disseminavam nos porões com péssimas condi-
ções de higiene, por conta dos maus-tratos ou ainda por todos esses fatores.
Navio negreiro
(ALVES, 1980, p. 74-83)
‘Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar – doirada borboleta –
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
‘Stamos em pleno mar. Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias
– Constelações do líquido tesouro...
‘Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
65
África lusófona e Brasil: laços e letras
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África lusófona e Brasil: laços e letras
IV
Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!...”
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
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África lusófona e Brasil: laços e letras
Dicas de estudo
Uma História do Negro no Brasil, de Wlamyra R. de Albuquerque e Walter
Fraga Filho, Editora Centro de Estudos Afro-Orientais e Fundação Cultural
Palmares.
Esse livro, editado pela Fundação Cultural Palmares, traz uma ampla pes-
quisa sobre a história do negro no Brasil desde a chegada dos primeiros
africanos escravizados, passando pelas lutas e resistências negras até as
organizações que hoje resgatam a africanidade na cultura brasileira. O li-
vro traz imagens e fotos que ilustram o texto bastante didático e cuidado-
so de seus autores.
Essa obra já clássica nos estudos sobre a luta anticolonial e sobre os negros
em geral, de autoria do martinicano Fanon Frantz, resultou de seu testemu-
nho como médico psiquiatra do exército francês na Argélia. Publicada em
1961, a obra valoriza as lutas revolucionárias por uma sociedade melhor.
71
África lusófona e Brasil: laços e letras
Exercícios
1. Quando os portugueses aportaram na África, havia dois tipos de escravidão
no continente: uma existente entre os povos nativos e outra introduzida pe-
los árabes. Explique a diferença entre cada uma dessas práticas.
72
África lusófona e Brasil: laços e letras
3. Por que podemos dizer que os cultos religiosos africanos foram reinventados
no Brasil? De que maneira podemos falar de um sincretismo entre as religi-
ões no Brasil?
73
História e historiografia indígena
Mariana Paladino
Este capítulo tem como objetivo fornecer informações básicas e instru-
mentos de análise para a compreensão da presença indígena ao longo da
história do Brasil.
vigentes nos séculos XVIII até XX, que explicam em grande parte as políticas e
legislações existentes. Por fim, abordaremos as formas com que os povos indí-
genas percebem e explicam o contato com os brancos, chamando a atenção
para o fato de que – contra a ideia de que se tratariam de sociedades estáticas
– eles foram e são sujeitos ativos da história.
76
História e historiografia indígena
PORTINARI, Candido. Descobrimento do Brasil, 1956. São Paulo. Óleo sobre cartão: Domínio público.
34,2 x 26 cm. Coleção particular.
1
Este termo refere-se ao declínio populacional dos nativos americanos. Os acadêmicos acreditam que, entre vários fatores, as doenças epidêmicas
foram de longe a maior causa do declínio populacional dos nativos americanos.
77
História e historiografia indígena
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História e historiografia indígena
79
História e historiografia indígena
Por outro lado, a escravidão foi o destino dos “índios inimigos”. Existiu uma
legislação que falava das “justas razões de direito” para a escravização dos in-
dígenas. Essas razões eram a “guerra justa” e o “resgate”. As causas legítimas
para estabelecer uma guerra contra os índios eram a recusa à conversão da Fé,
a prática de hostilidades contra vassalos e aliados dos portugueses e a quebra
dos pactos celebrados. Outros dois motivos que aparecem nas discussões
dos jesuítas sobre a guerra justa são a salvação das almas e a antropofagia
(PERRONE-MOISÉS, 1992, p.123-124). A escravização que resultava da captura
dos índios inimigos após o término da guerra justa era vista como lícita (Leis
de 20/3/1570 e de 11/11/1595).
É importante destacar que embora muitas das guerras contra os índios es-
tivessem motivadas por interesses econômicos e para as quais eram encontra-
das justificativas a posteriori, elas suscitavam discussões e controvérsias entre
missionários, reis e autoridades militares. Discutia-se acaloradamente acerca dos
fundamentos teológicos e jurídicos da justiça desta prática contra os indígenas,
e a questão preocupava bastante a Coroa, permanecendo um ponto controver-
5
A Lei de 1611 manteve a jurisdição espiritual de jesuítas, mas estabeleceu a criação de um capitão de aldeia para que se encarregasse da admi-
nistração. Porém, a Lei de 9 de abril de 1655 para o Estado do Maranhão e também a Lei de 12 de setembro de 1663 proibiram que se pusessem
capitães nas aldeias, estabelecendo que o governo estivesse em mãos dos missionários e dos chefes indígenas (“principais de sua nação”).
6
O Marquês de Pombal comandou durante 27 anos a política e a economia portuguesa. Ele reorganizou o Estado, protegeu os grandes empresá-
rios, criando as companhias monopolistas de comércio. Combateu tanto os nobres quanto o clero. Em conformidade com uma política de conso-
lidação do domínio português no Brasil, Pombal aplicou o Tratado de Madrid, que ampliava as fronteiras, tanto no Norte quanto no Sul, entrando
em confronto direto com as missões jesuíticas.
80
História e historiografia indígena
7
Língua franca é uma expressão latina para língua de contato ou língua de relação resultante do contato e comunicação entre grupos ou membros
de grupos linguisticamente distintos. Os jesuítas impuseram o uso do nheengatu como língua franca a partir do vocabulário e pronúncia tupinam-
bás, que foram enquadrados em uma gramática modelada na portuguesa. Em seu auge, chegou a ser a língua dominante no território brasileiro,
utilizada não apenas por índios e jesuítas, mas também como língua corrente de muitos colonos de sangue português. Entretanto, entrou em
declínio a partir do século XVIII, com o aumento da imigração portuguesa, e sofreu duro golpe em 1758 ao ser banida pelo Marquês de Pombal, por
ser associada aos jesuítas, os quais foram expulsos dos territórios dominados por Portugal.
81
História e historiografia indígena
8
O “poder secular” se refere ao poder de governo independente de religiões, crenças ou cultos. Utiliza-se como sinônimo de “poder temporal”, que
remete à ideia de duração finita, limitada, em contraposição ao poder “eterno” ou “infinito” da Igreja. Na Idade Média, os bispos detinham poder
religioso e também secular, enquanto reis, príncipes e nobres detinham apenas o poder secular. O surgimento da Idade Moderna se associa à
separação desses dois poderes.
9
O “assimilacionismo” é uma ideologia e uma política voltada a absorver os grupos ou minorias de modo a impor uma hegemonia político-cultural,
fazendo com que aqueles percam suas características distintivas. Para um Estado – como o brasileiro – que começava a ser construído, o assimilacio-
nismo foi percebido como condição para criar valores e sentimentos nacionais, solidez política, paz social e desenvolvimento econômico.
10
O conceito remete ao contato entre etnias diferentes. Os casamentos interétnicos podem se referir à união entre pessoas de povos indígenas
diferentes ou entre um índio e um branco. Ver Pacheco de Oliveira (1988) para uma análise das teorias de contato interétnico.
11
Sesmaria foi um instituto jurídico português que normatizava a distribuição de terras destinadas à produção. O Estado, recém-formado e sem
capacidade para organizar a produção de alimentos, legou a particulares essa função. Esse sistema surgiu em Portugal durante o século XIV, com a
Lei das Sesmarias de 1375, criada para combater a crise agrícola e econômica que atingia o país e a Europa, e que a peste negra agravara. Quando
a conquista do território brasileiro se efetivou a partir de 1530, o Estado português decidiu utilizar o sistema sesmarial no além-mar, com algumas
adaptações. Esse sistema iria garantir a instalação da plantation açucareira na colônia.
82
História e historiografia indígena
Em 1808, D. João VI, recém chegado ao Brasil, desencadeou uma guerra ofen-
siva contra os Botocudos, para liberar para a colonização o vale do Rio Doce no
Espírito Santo e os campos de Guarapuava, no Paraná. A declaração de guerra
justa legalizou, uma vez mais, a escravização dos índios. Como afirma Cunha
(1992, p. 146):
Numa retórica característica do início do século XIX, vem expressa em termos pedagógicos: a
escravidão temporária dos índios, dobrando-os à agricultura e aos ofícios mecânicos, deveria
fazer-lhes perder sua “atrocidade” e, sujeitando-os ao trabalho como os sujeitava às leis, elevá-
-los a uma condição propriamente social, isto é, humana.
83
História e historiografia indígena
84
História e historiografia indígena
Cuiabá a Rondônia, propôs que fosse criada uma agência indigenista que teria
por finalidades13:
fixá-los à terra;
85
História e historiografia indígena
índios tinham com a sociedade nacional. Eles eram classificados como: “iso-
lados”, “em contato intermitente”, “em contato permanente” e “integrados”.
Assim, por exemplo, se estabeleceram “postos indígenas de atração” para os
povos que não tinham quase contato com a população branca ou que manti-
nham com ela relações de conflito. Havia também “postos de criação”, onde se
introduziam atividades educacionais voltadas para incentivar a produção eco-
nômica dos índios que já tinham certo contato com a sociedade não indígena.
Planejava-se, de acordo com o grau de sedentarismo que manifestasse cada
grupo indígena, a demarcação de terras maiores ou menores para o desen-
volvimento da produção agrícola15. O objetivo era tornar os índios pequenos
produtores agrícolas, ou seja, “trabalhadores nacionais”. A educação foi vista
como uma ferramenta fundamental de mudança de hábitos e, por isso, foram
criadas escolas dentro dos postos. Nelas se ensinava português e se pratica-
vam rituais cívicos. Também se privilegiou o ensino prático através de oficinas
para o aprendizado de ofícios manuais.
Em 1973, foi sancionada a Lei 6.001, o Estatuto do Índio, que passou a regular
a situação jurídica dos índios e das comunidades indígenas, tanto no que diz
respeito às terras, quanto à educação, à cultura e à saúde. O artigo 65 das Dispo-
sições Gerais estabelecia o prazo de cinco anos para a demarcação de todas as
15
O respeito ao modo de vida dos índios implicou a garantia de posse do território desses povos. Daí a criação do Parque Indígena do Xingu
(1952), que se pensou como um espaço para que os índios não sofressem pressões das frentes de expansão econômica. Contudo, nem todas as
pacificações e a atração de povos indígenas para os postos se levaram a cabo com garantia de terras adequadas, o que causou em alguns casos
intensa depopulação provocada por fome e doenças.
86
História e historiografia indígena
terras indígenas, prazo não cumprido até hoje. O Estatuto manteve a ideologia
civilizatória, integracionista e protecionista do SPI.
Na década de 1970, no contexto de uma política desenvolvimentista, cria-
ram-se investimentos em infraestrutura e prospecção mineral na Amazônia, e
os índios foram vistos como empecilhos ao progresso. Forçou-se o contato dos
índios isolados para liberar suas terras para diversas empresas, como estradas e
barragens, e realocaram-se os índios segundo os interesses em jogo. As frontei-
ras se militarizaram e os índios passaram a ser considerados riscos à segurança
nacional, por ocuparem territórios próximos a essas regiões e por considerá-los
alvos suscetíveis de invasão ou influência por parte de nações vizinhas.
Neste período, em oposição à política governamental, multiplicaram-se as
organizações não governamentais de apoio aos índios e, no início da década de
1980, pela primeira vez, se organiza um movimento indígena de âmbito nacio-
nal: a União das Nações Indígenas. O conselho Indigenista Missionário (CTMI),
organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com
uma proposta de evangelização libertadora, teve um papel fundamental nisso.
A mobilização das organizações de apoio aos índios e o próprio movimento
de reivindicação que eles gestaram redundou na conquista de um reconheci-
mento dos direitos indígenas na Constituição de 1988, que abandona por fim a
perspectiva assimilacionista das Constituições anteriores.
A Constituição garante o reconhecimento da organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições indígenas, e os direitos originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam. O artigo 231 detalha o que são essas terras, a
que se destinam e como será o usufruto de suas riquezas. Também rompe com a
herança tutelar originada no Código Civil de 1916, mudando o status dos índios
e permitindo que individualmente ou através de suas organizações ingressem
em juízo para defender direitos e interesses.
Segundo destacam Pacheco de Oliveira e Freire (2006, p. 135-136), a proximi-
dade da reunião internacional sobre meio ambiente, a ECO-92, que foi realizada
no Rio de Janeiro, impulsionou a política de identificação e demarcação de terras
no início dos anos 1990. Como consequência da reunião, iniciou-se o financia-
mento internacional de programas para a proteção da floresta tropical e para a
demarcação das terras indígenas que foram realizadas a partir dos anos 1990.
Com o reconhecimento do direito territorial, o direito à saúde e à educação
bilíngue, intercultural e diferenciada, garantidos pela Constituição de 1988,
abre-se um novo panorama para os povos indígenas do Brasil. Contudo, ainda
falta muito caminho a percorrer para garantir esses direitos na prática.
87
História e historiografia indígena
88
História e historiografia indígena
Nos últimos anos vem sendo desenvolvida uma linha de pesquisas de an-
tropologia histórica que privilegia a abordagem dos indígenas como agen-
tes ativos e sujeitos políticos, capazes de serem protagonistas do seu próprio
destino.
89
História e historiografia indígena
Texto complementar
O discurso a seguir foi registrado pelo missionário Claude d’Abbeville, em
sua História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão. Profe-
rido diante de um grupo de franceses que, em missão diplomática, tratava
de estabelecer aliança com os povos indígenas da região, teve um grande
impacto sobre os presentes.
16
Ver a coletânea organizada por Albert e Ramos (2002), para um aprofundamento sobre as formas em que alguns povos indígenas vivenciam a
história e entendem os processos de contato interétnico atravessados.
90
História e historiografia indígena
Assim aconteceu com os franceses. Da primeira vez que viestes aqui, vós
o fizestes somente para traficar. Como os peró, não recusáveis tomar nossas
filhas e nós nos julgávamos felizes quando elas tinham filhos. Nesta época,
não faláveis em aqui vos fixar. Apenas vos contentáveis com visitar-nos uma
vez por ano, permanecendo entre nós somente quatro ou cinco luas. Re-
gressáveis então a vosso país, levando os nossos gêneros para trocá-los com
aquilo de que carecíamos.
Dicas de estudo
Os Índios antes do Brasil, de Carlos Fausto, Editora Jorge Zahar.
História dos Índios no Brasil, organizado por Manuela Carneiro Cunha, Edi-
tora Companhia das Letras.
91
História e historiografia indígena
Criado por Darcy Ribeiro em 1953, o Museu hoje se descreve como “órgão
científico-cultural da Funai”. O site traz informações sobre o acervo da Bi-
blioteca Marechal Rondon, que é muito rico em documentos textuais e
visuais produzidos pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
Exercícios
1. Que fontes disponíveis existem para o estudo da história indígena? Que ca-
racterísticas elas têm e qual é a importância de considerar as narrativas his-
tóricas produzidas pelos próprios indígenas?
92
História e historiografia indígena
3. Qual era a política para os “índios aliados” e qual era a política para os “índios
inimigos” durante a colônia?
93
História e historiografia indígena
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História e historiografia indígena
95
Situação contemporânea dos povos indígenas
Mariana Paladino
Neste capítulo abordaremos a situação contemporânea dos povos in-
dígenas no Brasil. O objetivo é apresentar a heterogeneidade das formas
e condições de vida desses povos, a riqueza de suas práticas culturais e
de suas vinculações com o território e o meio ambiente, compreendendo
o valor que elas têm e sua contribuição à diversidade sociocultural de
nosso país.
98
Situação contemporânea dos povos indígenas
As 220 etnias estão distribuídas ao longo de todo o país, somente nos esta-
dos do Piauí e do Rio Grande do Norte a Funai não reconhece presença indígena;
sendo que 162 dessas 220 etnias estão localizadas na Amazônia Legal3. Segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no censo
de 2000, a quantidade de indígenas ainda é maior. Estima-se um total de 740 mil
e compõem 0,4% da população brasileira.
99
Situação contemporânea dos povos indígenas
100
Situação contemporânea dos povos indígenas
As terras que até hoje o Estado reconheceu como de posse indígena repre-
sentam atualmente cerca de 12% do território brasileiro. A Constituição de 1988
garante o direito originário dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocu-
padas por eles. Cabe aclarar que isto não significa que tenham a propriedade
dessas terras, que são bens e patrimônio da União, apenas lhe são garantidos a
posse e o uso delas.
Apesar do avanço que houve na garantia por parte do Estado de terras aos
povos indígenas, ainda faltam várias áreas a serem demarcadas e existem vários
grupos que estão sem terra, ou com terra insuficiente para garantir a sua so-
brevivência. É igualmente grave a situação de muitas terras que sofrem invasão
por parte de regionais não indígenas: madeireiros, caçadores, pescadores, entre
outros, sendo seus recursos naturais violentados.
102
Situação contemporânea dos povos indígenas
Tronco Tupi
Língua Geral Amazônica (Nheengatú). É Amazônica para distinguir da outra Língua Geral, a Paulista,
* agora já extinta; Nheengatú é um nome tanto artificial, que lhe deu foi Gen. Couto de Magalhães em
seu livro de 1876 – O Selvagem.
** Puroborá é um povo cuja língua há documentos dos anos 20 (Th. Koch-Grünberg) e dos anos 50
(W. Hanke) e de que há ainda alguns remanescentes dispersos de Porto Velho até o Guaporé e o pes-
soal do Setor Linguístico do Museu Goeldi tem contactado alguns e gravado dados linguísticos).
Aikaná
Aikaná (Masaká e Kasupá)
Arúak
(Arawak, Maipune) Mandawáka Mehináku Palikúr Paresí (Arití, Haiti)
Guaikuru Kadiwéu
104
Situação contemporânea dos povos indígenas
Koazá
(Kwaza) Koazá (Koaiá)
Máku Máku
sabané
Yawanáwa
Trumái Trumái
Tikúna Tikúna
Tuyúka Wanano
Yanomám Yanomami
105
Situação contemporânea dos povos indígenas
106
Situação contemporânea dos povos indígenas
Economias indígenas
Os índios que residem dentro das terras indígenas vivem dos recursos ofere-
cidos pela natureza, da pesca, da caça, da agricultura, da coleta de frutos silves-
tres. Nelas encontra-se uma diversidade de ecossistemas – entre outros, matas
das várzeas, matas de igapós, savanas de terra firme, florestas de terra firme, ser-
rado, mata atlântica etc. Cada um desses ecossistemas enseja aos índios uma
forma particular de manejo, de forma a otimizar a obtenção dos recursos que
são necessários ao seu bem-estar.
O território é a base da vida dos povos indígenas, não apenas por ser o meio
onde se encontram os recursos naturais que lhes garantirão sua subsistência
econômica, mas também por ele estar vinculado a seres, espíritos, valores e co-
nhecimentos de fundamental relevância para sua reprodução cultural. O terri-
tório representa o vínculo com a ancestralidade, com os antepassados, com os
mitos de origem e tem uma significação que transcende o sentido capitalista de
entender e de se apropriar desse espaço.
107
Situação contemporânea dos povos indígenas
A economia dos índios urbanos é diferente das dos índios aldeados. Não de-
pendem das condições do território para sobreviver e sim do mercado de traba-
lho e da assistência social.
Contudo, em muitos casos não existe uma fronteira rígida entre essas formas
de economia e, crescentemente, os que vivem em terras indígenas dependem
do mercado e comerciam os produtos de sua roça por objetos manufaturados e,
ao contrário, alguns indígenas que vivem na cidade conservam roças na aldeia e
se deslocam para cuidar delas nos períodos necessários do ano.
Religiões indígenas
Os modos de vida indígenas seguem princípios e orientações cosmológicas
e ancestrais fortemente marcados pelos mitos6. Existem princípios culturais cru-
ciais para a existência étnica que não podem ser rompidos, uma vez que possi-
bilitam equilíbrio e bem-estar. Romper com esses princípios e valores poderá
significar a desestruturação da ordem social indígena (LUCIANO, 2006a).
6
Os especialistas definem os mitos como narrativas orais, que contêm verdades consideradas fundamentais para um povo e que formam um
conjunto de histórias dedicado a contar peripécias de heróis que viveram no início dos tempos (no tempo mítico ou das origens). O que se enfatiza,
dessa perspectiva, é o caráter de narrativas que os mitos têm. O mito pode também ser definido com um nível específico de linguagem, uma ma-
neira especial de pensar e de expressar categorias, conceitos, imagens. Ambas definições sugerem uma relação particular entre o mito (ou os mitos),
o modo de viver e pensar e a história daqueles povos responsáveis por sua existência (LOPES DA SILVA, 1995).
108
Situação contemporânea dos povos indígenas
109
Situação contemporânea dos povos indígenas
Texto complementar
O texto a seguir é de um líder e escritor indígena da etnia Pareci do estado
do Mato Grosso. Trata-se de um depoimento feito em um encontro sobre
Educação Escolar Indígena, em Cuiabá (MT) em agosto de 1993.
Gostaria de dizer-lhes que faço parte de uma sociedade que possui normas
de vivência harmônica entre homens e natureza. Gostaria de dizer-lhes que
possuímos nossos valores sociais, políticos, econômicos, culturais e religiosos,
que adquirimos através dos tempos, de geração em geração.
110
Situação contemporânea dos povos indígenas
Gostaria de dizer-lhes também que tudo, tudo isso vem sendo deturpado,
desrespeitado e destruído. Dizer que estamos despertando para uma nova
realidade. Estamos percebendo que todas as tentativas estão sendo feitas
para acabar com nossos princípios já constituídos. Dizer que um de nossos
objetivos fundamentais é levar à nossa comunidade o conhecimento desta
realidade nova que nos rodeia. Do interesse em perpetuar nossos valores
morais e culturais.
Dizer que estamos prontos para receber o que de útil a sociedade deles
nos oferecer e rechaçar o que de ruim ela nos apresentar. Mas a cegueira
etnocêntrica não permite este diálogo franco e sincero.
Dicas de estudo
O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil
de hoje, de Gersem dos Santos Luciano.
Com índios nos papéis principais, o filme conta ainda com atores como
Leonardo Medeiros, Matheus Nachtergaele, Claudio Santamaria, Fabiane
Pereira da Silva e a italiana Chiara Caselli. A ficção mostra de uma forma
sensível e complexa as relações entre índios e brancos num dos estados
do país onde mais conflitos existem entre esses segmentos pela posse de
terras.
Exercícios
1. Que fontes de informação existem para uma abordagem demográfica dos po-
vos indígenas no Brasil? Quais são suas diferenças e quais são as estimativas da
quantidade de população indígena que elas apresentam?
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Situação contemporânea dos povos indígenas
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Situação contemporânea dos povos indígenas
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Situação contemporânea dos povos indígenas
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Políticas de ações afirmativas,
políticas curriculares e currículo
Marcos Araújo
A questão racial e a pobreza no Brasil sempre foram fortemente vin-
culadas, tendo o Estado buscado, junto à sociedade, alternativas para
compensar esses grupos prejudicados e alçar alguns de seus membros
a melhores condições educacionais e sociais. As assim chamadas ações
afirmativas tiveram um papel já demonstrado no sucesso de inserção de
pessoas de diferentes grupos minoritários ou perseguidos em condições
bem melhores, causando uma ação em cadeia na melhoria da vida educa-
cional do grupo social.
118
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
séculos 19 e 20. No Norte, onde a presença indígena é elevada, 54% das matrilinhagens são
ameríndias. No Nordeste, como esperado, predominam matrilinhagens africanas (44%). No
Sudeste, a distribuição das linhagens é muito uniforme.2 (ALVES-SILVA, Juliana; CARVALHO-
-SILVA, Denise R.; PENA, Sérgio D. J.; PRADO, Vânia F., 2000)
Quantos aos negros, é indiscutível que chegaram ao Brasil por meio do co-
mércio escravo vigoroso no período colonial. A escravidão africana sempre exis-
tiu, mas, com o comércio europeu para suas colônias americanas, o negócio se
capitalizou enormemente. Eram trocados rum, cachaça, açúcar, roupas, armas
etc. por homens, mulheres e crianças. Ao todo, 20 000 000 africanos foram ex-
traídos da África. Desse total, 12 000 000 desembarcaram na América, tendo o
resto morrido na captura e no embarque nos navios negreiros, chamados de
tumbeiros. Assim, esses milhões perderam a vida nos 400 anos em que o sistema
escravagista se manteve no sistema Atlântico. Foram dezenas de povos escravi-
zados pelos africanos em longas caravanas que vinham do interior, patrocinadas
pelos reis africanos do litoral, que agrupavam seus inimigos em fortes europeus
para, em seguida, embarcar essa carga humana para a América.
O Brasil foi o país que mais recebeu negros em seus portos, majoritariamente
vindos do Benin e de Angola – foram 5 000 000 daquele total de 12 000 000. Eles
eram concentrados nas áreas dinâmicas da economia colonial e imperial (Bahia,
Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais) e nas áreas, por todo o Brasil, onde
havia portos ou uma economia forte – Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas, Parana-
guá e Cuiabá; depois, Belém do Pará.
Um rápido balanço estatístico pelo século XIX explica um pouco mais a ques-
tão demográfica. Quando o Brasil se tornou independente, sua população era
de 3 600 000 habitantes (1 147 000 escravos). Em 1850, o tráfico foi finalmente
extinto. Em 1871, a Lei do Ventre Livre foi aprovada, tornando as crianças nasci-
das livres, ainda que vivendo no local de cativeiro de suas mães. Em 1872, eram
10 000 000 brasileiros (1 510 000 escravos). Em 1884, a Lei do Sexagenário liber-
2
<http://revistapesquisa.fapesp.br/2007/04/01/a-africa-nos-genes-do-povo-brasileiro/>.
119
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
tou os escravos com mais de 65 anos. Essas leis paliativas adiaram a Abolição até
13 de maio de 1888.
A libertação da população escrava foi redentora, mas não visava sua inser-
ção social no futuro. Nas áreas rurais, muitos ex-escravos foram mantidos em
situação análoga à escravidão ou passaram à condição de clientes das famílias
dos fazendeiros. Agora assalariados, os negros libertos eram mantidos presos
aos patrões pelo “sistema de barracão”, que escravizava o sujeito por meio da
dívida feita no armazém da fazenda onde o camponês vivia. Nos meios urbanos,
os negros estavam fadados aos trabalhos do dia a dia nos portos, nas praças de
comércio e na construção, ou seja, trabalhos que já eram realizados por essa
população e que não requeriam saberes que lhes permitissem ocupar espaços
sociais de poder. Houve aqueles negros que tiveram, por meio de seus pais bran-
cos, uma chance de estudar ou praticar um ofício com destaque na sociedade
colonial e imperial, como Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), Antô-
nio Francisco Lisboa (1730-1813), Machado de Assis (1839-1908), entre outros.
Em 1935, o Estado cedeu dinheiro aos sambistas para que fizessem o desfile
de seus grupos carnavalescos. Era comum os intelectuais brancos buscarem no
morro ou na periferia a “verdadeira” cultura brasileira” – podem ser usados como
exemplo Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, Mário de
Andrade e Antonio Candido.
120
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
Em 1931, foi fundada em São Paulo a Frente Negra Brasileira, que tinha ca-
ráter fascista e seus membros paramilitares usavam camisas brancas. O movi-
mento unia conservadores de vários matizes, como monarquistas e fascistas que
lutavam contra o preconceito nos clubes e na polícia de São Paulo. O movimento
tentou se tornar um partido político, mas o golpe varguista de 1937 extinguiu
todos os partidos.
Em 1951, foi criada a Lei Afonso Arinos, que punia atos de preconceito racial,
prevendo punição para atos públicos de discriminação e vedando proibições de
entrada em recintos, propagandas racistas etc. Apesar de ser uma lei tão antiga,
as punições que poderiam ser proporcionadas por ela são inexistentes na histó-
ria do Brasil.
121
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
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Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
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Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
124
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
Porém, nem sempre um sistema que prevê políticas afirmativas resulta em jus-
tiça social. Fazendo-se um uso perverso, por vezes o sistema de cotas serviu para
conter uma população. Um caso conhecido é o de Ruanda, país que fora uma
colônia belga. Como metrópole colonizadora, a Bélgica, por sua vez, respeitara o
sistema monárquico local com aristocracia tutsi e campesinato hutu. Quando o
país buscou sua independência, em 1962, uma revolução popular hutu (85% da
população) tomou o poder e submeteu a outrora elite (14%) a um sistema opres-
sivo. Em 1973, um militar hutu – Juvénal Habyarimana – tomou o poder e criou
um sistema de cotas para a população. Essa medida ajudou a conter a presença
dos tutsis nas escolas e universidades, limitando ao máximo sua presença e co-
locando empecilhos diante dos alunos. O sistema de cotas foi, nesse caso, usado
para discriminar, segregar ou separar os grupos sociais. (GOUREVITCH, 2006)5
Depois do genocídio de 1994, o novo governo aboliu o sistema de classificação
entre tutsis e hutus, mas criou o sistema de cotas para mulheres no parlamento,
medida que fez do país o maior quanto à representação feminina no mundo.
lhação de ver todos do seu grupo em funções subalternas, excluídos das benes-
ses do poder e das tecnologias. Nesse sentido, as ações afirmativas servem sim
para aumentar as chances daqueles que são socialmente discriminados; aqueles
cuja autoestima os faz sofrer. Essas ações visam alargar a base de cidadãos bem
posicionados profissionalmente para servir de modelo e inspiração para aqueles
que são jovens e buscam modelos bem-sucedidos entre os de mesmo grupo.
Com isso, nos casos dos negros norte-americanos e dos brasileiros, rompem-se
os esquemas tradicionais de agentes bem-sucedidos serem só os artistas e des-
portistas. Surgem, nesse conceito, médicos, advogados, empresários, jornalistas,
políticos, generais e professores negros, tal como surgem mulheres ou ciganos
ou quem mais se puder apoiar.
Países como África do Sul, China, Israel, índia, Sri Lanka, Malásia, Finlândia,
França, Noruega, Romênia, Rússia, Eslováquia, Reino Unido, Canadá, Estados
Unidos, Nova Zelândia e Brasil possuem políticas afirmativas. Nos Estados
Unidos, onde essas políticas existem há mais de 50 anos, o resultado é uma
significativa melhora dos níveis de educação dos grupos discriminados, sejam
mulheres, hispânicos ou negros. A chegada de Barack Obama ao cargo mais
alto do país mostrou os sucessos dos processos de inclusão, que foram reafir-
mados pelo presidente.
A situação dos alunos sempre foi difícil – e, ainda que exista um sistema de cotas,
talvez sejam necessárias outras ajudas para que ele se mantenha nas instituições.
Em 1991, quando o governo sancionou uma lei que estabelecia cotas para
deficientes nas empresas (Lei 8.213, de 24 de julho de 1991).
126
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
Foi no governo Fernando Henrique Cardoso que algumas das medidas foram
iniciadas.
“Os cotistas entram na UFMG mais bem preparados que os não co-
tistas de poucos anos atrás”, disse ao jornal o pró-reitor de Graduação,
Ricardo Takahashi.
Políticas curriculares
A política educacional de um país é fundamental para seu desenvolvimento.
Em vista disso, desde que os países estipularam uma educação pública como
direito dos cidadãos e obrigação dos Estados, tiveram que estabelecer parâme-
128
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
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Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
superior e ao ensino secundário, ficando as escolas primárias a cargo dos muni-
cípios e estados.
130
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
Por outro lado, a política educacional liberal não pôde ficar alheia ao esteio
da sociedade tecnológica, que é a tecnologia digital, daí a contínua tentativa
por parte dos agentes da educação de incorporar novas tecnologias educa-
cionais e novas técnicas de ensino do mundo contemporâneo. As formas de
131
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
132
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
Com relação à área das políticas curriculares, houve um grande avanço com
a inclusão da questão das minorias. Desde o governo FHC, o tema recebeu aten-
ção. O governo fez uma seleção melhor dos livros didáticos, excluindo de sua
compra anual livros que praticavam racismo e preconceito de cor, raça e gênero.
Diversos projetos foram implementados para dar visibilidade aos negros, como
programas na TV Escola sobre a cultura e a herança africanas no Brasil e a oferta
de cursos pré-vestibulares para pessoas carentes, especialmente negros. Em no-
vembro de 2002, o governo lançou as bases do sistema de cotas no Programa
Diversidade na Universidade, mas a implantação ficou a cargo do governo se-
guinte, que havia se comprometido com essa ideia (PAULA, 2010).
No governo Lula, o sistema de cotas foi implantado e, mais do que isso, se ini-
ciou uma mudança das estruturas curriculares, já que, nesse momento, o gover-
no atendia à reivindicação de historiadores e de ativistas do movimento negro e
indígena que queriam que se falasse, nas escolas, nos colégios e nas universida-
des, da história e cultura indígena e africana. Nesse sentido, é que o MEC tornou
obrigatória a inclusão de cultura africana e indígena no currículo da educação
básica. Não só para que os brancos de todo o país conhecessem essa história,
mas para que negros e índios se vissem mais com integrantes da história e da
sociedade brasileiras.
A inserção dos negros nas universidades por meio do sistema de cotas e a en-
trada de negros e pobres através do PROUNI e do FIES mudou o cenário universi-
tário brasileiro, tanto nas universidades públicas, marcadas pela contradição de
antes serem públicas, mas altamente elitistas e as privadas que se mantinham
fechadas aos pobres pelo alto preço das mensalidades. Com a reserva de cotas
para negros, índios e deficientes a situação mudou e os sistemas de financia-
mento permitiram a entrada de milhares de negros e pobres nas universidades.
A mudança no currículo das universidades atendia a esta reivindicação. No caso
dos negros o número cresceu 230% em dez anos.
133
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
Concluímos dizendo que o Brasil se transformou muito nos últimos vinte anos
e promete mais transformações sociais nos próximos anos. Sua educação sofrerá
uma transformação notável na hora que todos esses ingressos das universidades
entrarem no mercado de trabalho e tiverem seus filhos, pois abemos que a edu-
cação superior ajuda muito os pais no trato da educação dos filhos, ajudando-os
corrigindo-os e dando importância à formação do indivíduo na escola.
Currículo
Todas as reformas educacionais passam pelo currículo. Ele é definido como es-
sencial nas escolas e na relação entre professores e alunos. A importância do cur-
rículo é tão óbvia que muitas vezes ele é tratado como a coisa mais importante.
O currículo não pode ser apresentado pela escola e pelo professor como a
verdade absoluta ou a única verdade. Afinal, o currículo não pode ser a única ver-
dade, mas não deve permitir a fuga dos assuntos científicos complicados. Muitas
vezes, no entanto, é preciso impor ideias que estão no currículo já que a socie-
dade ou os pais não o farão. Por exemplo, as ideias evolucionistas de Darwin, já
devidamente comprovadas por milhões de estudos e ossos. Muitas vezes os pais
e a Igreja dos alunos colocam como uma mera teoria e querem que ela tenha
o mesmo peso que a religião. O currículo deve apresentar a ciência como tal e
mostrar a racionalidade dos estudos biológicos, deixando a fé das pessoas para
suas casas e igrejas.
O currículo, portanto, deve ser flexível para dar conta da realidade regional e
escolar e, ao mesmo tempo, tentar cumprir o que os PCNs estipulam. Os PCNs
não devem ser deixados de lado, nem podem engessar a aula e o professor. Os
PCNs balizam o que o aluno deveria saber ao longo da vida escolar, estabelecem
os parâmetros que orientam teoricamente o ensino e a forma de organizar o
encadeamento do conhecimento. Porém, existirão alunos que aprenderão bem
todos os conteúdos de todas as disciplinas no momento que é dado a ele, aque-
les que terão ao longo da vida escolar que consolidar e reafirmar conhecimentos
e aqueles a quem serão dados os conhecimentos, mas ao longo da vida escolar
poucos conceitos serão passados. Isto quer dizer alunos que saberão sempre,
alunos que saberão para a prova e alunos que não saberão aquele conteúdo.
135
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
Texto complementar
História negra, escola branca
Para historiador Amilcar Pereira, escola ensina visão branca e deve
resgatar papel de negros e índios na criação do País
(GREGÓRIO, 2015)
136
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
CE: Além dessa falta de material acadêmico, quais são os maiores obstácu-
los à aplicação das leis que preveem o ensino de cultura e história afro-brasileira
e indígena?
137
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
AP: Não acho que o debate precise de conflitos, mas sim da compreen-
são de que eles existem e estão aí. É preciso ver a sociedade brasileira tendo
em mente a desigualdade. Discutir as relações étnico-raciais em nosso país
e compreender que elas são historicamente desiguais e que, sim, se repro-
duzem hoje. Evidentemente existe racismo na escola. E não é algo velado e
sutil, como muita gente diz. Eu observei e observo, tanto enquanto fui pro-
fessor na rede municipal quanto agora, nas falas de meus alunos, futuros
professores de História que fazem estágios em escolas públicas. Qualquer
professor já presenciou casos de racismo onde trabalha, desde xingamentos
entre alunos até a forma como funcionários ou mesmo colegas lidam com as
diferentes crianças e jovens, ainda que sem intenção. É fundamental trans-
formar a escola e enfrentar essa ideia de democracia racial com viés embran-
quecedor. É um desafio muito grande. Não se trata apenas de inserir um ou
outro conteúdo, mas de transformar todo o próprio ensino. Não é simples,
138
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
não. Mas pode contribuir para a construção de uma prática docente pautada
pela pluralidade cultural e pelo respeito às diferenças.
CE: Que exemplos o senhor mencionaria de casos em que a história dita ofi-
cial ignorou ou desvirtuou a participação de negros ou indígenas?
AP: Mas de Martin Luther King e Panteras Negras você já tinha ouvido
falar?
139
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
CE: Existe algum estado da federação ou alguma região do País que mereça
particular destaque na aplicação dessas leis?
AP: Não tenho dados para responder objetivamente, mas posso dizer
que há esforços nesse sentido em alguns estados antes mesmo de as leis
federais existirem. A Bahia é um exemplo: já tinha legislação determinando
140
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
AP: Na rede privada, deve ser ainda mais difícil, porque as redes públicas
recebem material, normativas, estão mais dispostas a ser interpeladas pelo
Ministério Público. Esse controle social é mais difícil na rede privada.
AP: Creio que não. Essa lei é fruto de demandas da própria sociedade, não
é uma iniciativa do Estado. Podemos apontar os atores sociais que foram pro-
tagonistas da construção da lei: movimento negro, professores, intelectuais.
Em pesquisas, encontrei a carta de princípios de 1978 do Movimento Negro
Unificado, uma das organizações importantes que tivemos ainda no regime
militar. Lá já havia uma reivindicação pela reavaliação do papel do negro na
história do Brasil. Antes disso, em 1931, a Frente Negra já tinha criado escolas
para ensinar outra história à população negra. O texto da lei foi apresentado
por uma organização a um deputado e se transformou em lei. Antes disso,
havia outras tentativas no Congresso de parlamentares negros como Abdias
do Nascimento, Paulo Paim e Benedita da Silva.
Dicas de estudo
Filmes:
Casa Grande, de Felipe Barbosa, 2015. Família de classe média alta do Rio
de Janeiro entra em falência criando situações de choque com os empre-
gados da casa e entre o filho jovem e seus pais.
Que horas ela volta?, de Anna Muylaert, 2015. Mulher pernambucana, em-
pregada, recebe sua filha em São Paulo na casa de seus patrões; o compor-
tamento de sua filha, independente e questionador, coloca-se em rota de
colisão com os donos da casa.
141
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
Exercícios
1. Faça um resumo dos principais pontos textuais, ressaltando o papel das rela-
ções raciais brasileiras e os estudos escolares.
142
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo
143
Gabarito
4. Os fatores que desencadearam a luta dos povos africanos das colônias con-
tra o regime de Salazar foram o descontentamento com o Ato Colonial insti-
tuído nas colônias, a disseminação das ideias do Movimento da Negritude, o
conhecimento das lutas dos negros norte-americanos contra o racismo e a
independência dos países africanos colonizados por ingleses e franceses.
146
Gabarito
3. Podemos dizer que os cultos africanos foram reinventados no Brasil, uma vez
que cada grupo étnico que aqui chegava, estrategicamente disposto pelo co-
lonizador em regiões distintas do Brasil, trazia uma cultura própria de seu gru-
po étnico, em que havia crenças e divindades próprias. Porém, a aproximação
desses diferentes grupos, com suas crenças diversas, fez surgir um sincretismo
das diferentes religiões africanas, já que umas cultuavam orixás e outras vo-
duns, por exemplo. Esse sincretismo também se fundiu ao catolicismo e, em
determinadas regiões do Brasil, ao islamismo, e esse amálgama de crenças ge-
rou os cultos afro-brasileiros.
147
Gabarito
viam de mão de obra para diferentes afazeres. Também foram utilizados para
lutar nas guerras que os portugueses estabeleciam contra colonizadores de
países estrangeiros ou contra os próprios índios.
148
Gabarito
2. Hoje se falam 180 línguas indígenas no Brasil. Algumas delas são considera-
das em risco de extinção devido ao número reduzido de falantes (cerca de
40 das 180 línguas). Outras são vitais e ativas e possuem um considerável
número de falantes. Existem também grupos que perderam suas línguas e
falam somente o português como língua materna. Porém alguns deles estão
envolvidos em processos de resgate.
149
Gabarito
2. Sistema de cotas por raça, gênero, condição social ou outra forma de sele-
ção que tente minorar as diferenças de acesso de determinados grupos à
educação ou emprego. Contratação de empresas por parte do governo que
respeitem e pratiquem os instrumentos de inclusão de minoriais como defi-
cientes, negros e igualdade entre sexos.
150
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ÉTNICO-RACIAIS
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ÉTNICO-RACIAIS
Claudia Amorim
Marcos Dias de Araújo
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