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Racismo Estrutural
e
Práticas Antirracistas
SUMÁRIO

MÓDULO I – FUNDAMENTOS PARA ENTENDER O RACISMO


ESTRUTURAL NO BRASIL ............................................. 4

Unidade 1 - O Uso do Termo Raça e Racismo ...................................... 7

Unidade 2 - Presença Negra no Brasil: Escravidão, Desigualdade e


Preconceito ................................................................... 10

Unidade 3 - Já Podemos Falar em Racismo Estrutural? ........................ 13

Unidade 4 - Um Pilar a Mais: as Ideias de Branqueamento da População


Brasileira ...................................................................... 15

MÓDULO II – AÇÕES POLÍTICAS E A RESISTÊNCIA NEGRA ............ 18

Unidade 1 - As Ações de Resistência Negra no Início do Século XIX ....... 22

Unidade 2 - A Resistência Quilombola ................................................ 28

Unidade 3 - As Revoluções Negras na América Latina e os


Desdobramentos no Brasil .............................................. 36

Unidade 4 - Os Aspectos Jurídicos e a Luta Negra por Liberdade ........... 39

MÓDULO III – AS DIFERENTES FORMAS DE RACISMO E A LUTA


ANTIRRACISTA NO BRASIL ..................................... 43

Unidade 1 - As Diferentes Formas de Racismo na Sociedade Brasileira .. 47

Unidade 2 - Feminização Negra: O Racismo Estrutural Inerente à Mulher


Negra Brasileira ............................................................. 52

Unidade 3 - A Uberização do Trabalho ............................................... 61

Unidade 4 - A Construção da Luta Antirracista no Brasil ....................... 67

MÓDULO IV – MECANISMOS E MANIFESTAÇÕES COTIDIANAS ....... 80

Unidade 1 - Microagressões: O que são e como Identificá-las ............... 83

Unidade 2 - Piadas e Preconceito ...................................................... 87

Unidade 3 - Estereótipos Raciais e seus Impactos ............................... 91

Unidade 4 - Efeitos do Racismo na Saúde Física e Mental ..................... 96

Unidade 5 - A Desigualdade Racial sem Acesso a Oportunidades e


Recursos: O Racismo Ambiental .................................... 101
REFERÊNCIAS .............................................................................. 104
SENADO FEDERAL
INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO
UNIVERSIDADE ZUMBI DOS PALMARES

CURSO DE FORMAÇÃO

RACISMO ESTRUTURAL E PRÁTICAS ANTIRRACISTAS

2023
MÓDULO I – FUNDAMENTOS PARA ENTENDER O RACISMO
ESTRUTURAL NO BRASIL

OBJETIVOS

Ao final do módulo você será capaz de:

 Contextualizar o racismo do ponto de vista conceitual,


histórico, social e político;
 Identificar o processo histórico escravista brasileiro;
 Distinguir as noções de raça e racismo.
APRESENTAÇÃO

Você sabe o que é racismo? Quantas vezes já ouviu falar que uma pessoa
foi destratada ou humilhada por conta da cor da pele? Ao iniciar a reflexão
sobre este tema é importante olhar o mundo que está à sua volta: sua
casa, sua escola, sua universidade, o ambiente de trabalho, a rua, enfim, os
espaços em que há relações sociais.

Em todos eles o que se vê é diversidade. São homens e mulheres com


características sociais e físicas diferentes. O racismo assume alcance grupos
sociais das mais diferentes origens. Indígenas, negros, asiáticos, muçulmanos
apenas para citar alguns exemplos, são tocados por olhares de desaprovação.

Também a sociedade brasileira foi fundada a partir de múltiplos povos. De


um lado estavam as tribos indígenas que habitavam o território. Após 1500,
houve a chegada dos portugueses e outros europeus que colonizaram o
Brasil. Em determinado momento houve também a vinda compulsória dos
negros africanos oriundos de tribos e culturas distintas. Já no fechar dos
olhos do século XIX uma gama de novos imigrantes europeus aportou no
Brasil para ocupar a força braçal da indústria nascente.

É dessa junção de culturas e elementos físicos que se formou a sociedade


brasileira miscigenada e repleta de distinções. No entanto, o olhar do
europeu que conduziu a construção do Brasil sobre a presença negra no
desenvolvimento do país inseriu uma marca que deixa registros até os dias
atuais. O cidadão negro, mulato, cafuzo, mestiço e tantos outros resultantes
do processo miscigenação, foi sendo estigmatizado e rebaixado na estrutura
social, econômica e política nacional. Num termo teórico, esta ação se
refere ao racismo.

E por que falar em racismo estrutural? Essa caracterização só é possível


porque falas, hábitos e ações práticas estão impregnadas na vida cotidiana
reafirmando o preconceito racial todos os dias. O que é visto como
“brincadeira” é, na verdade, a reprodução da estrutura na qual a
desigualdade prevalece. Negros e negras são estigmatizados por sua pele,
seu cabelo ou sua origem de classe e gênero. O racismo estrutural atinge
diretamente esta população que foi por séculos escravizada e sofre até hoje
as consequências múltiplas desta construção histórica e social.

Neste curso são apresentados elementos que permitirão ampliar a leitura e


interpretação sobre o significado do racismo negro no Brasil, bem como a
forma que ele assumiu e assume na vida cotidiana. Na medida que as
relações de poder foram se constituindo o racismo delegou um lugar para a
população negra e mestiça. Não apenas de maneira velada como
analisaram alguns pensadores nacionais, mas também explicitamente no
olhar, na fala, nas piadas, na não aceitação do negro em espaços variados.

INTRODUÇÃO

Falar sobre o racismo estrutural requer um olhar de observação e


questionamento sobre os acontecimentos cotidianos. Quem diria que em
pleno século XXI estaríamos vendo trabalhadores sendo resgatados de
situações análogas à escravidão. O que isto significa? É que assim como os
negros africanos trazidos para o Brasil durante o período colonial, sofriam
castigos, ficavam aprisionados e tinham sua liberdade confiscada.

O caso revelado em Bento Gonçalves, conhecida como a capital brasileira do


vinho, demonstra que não nos desprendemos completamente da escravidão
no Brasil. É com postura crítica e problematizadora sobre o alcance do
racismo que podemos ver o enraizamento dele na vida comum das pessoas.
Veja a matéria do jornal Extra Classe sobre o caso.

Os maus tratos, choques e péssimas condições de higiene e alimentação a


que foram submetidos os mais de 200 homens nordestinos, negros e
mulatos, revelam a profundidade do racismo estrutural. É ele uma constante
nas relações pessoais, na forma como se olha para a mulher negra, no
padrão do cabelo liso, dentre tantos outros pontos que podem ser citados.

Na sequência, você é nosso convidado para conhecer alguns conceitos e um


pouco da história brasileira que caminhou até o momento presente e
mantém intenso o debate sobre o racismo, mas sobretudo, a luta de
resistência cotidiana.
Unidade 1 - O Uso do Termo Raça e Racismo

Para início das discussões sobre o racismo, o primeiro passo é analisar o


termo raça. Isto porque o termo racismo é uma variante daquela palavra
para designar um conjunto de ações de subalternidade da população negra
e superioridade dos brancos. Mesmo sendo a sociedade brasileira
miscigenada e fortemente marcada pela presença africana.

De acordo com Kabengele Munanga, a palavra raça vem do italiano


razza, derivado do latim arcaico que significa sorte, categoria ou espécie”
(2003. p.1). De acordo com ele, o termo tem seus primeiros usos na
zoologia e na botânica como conceito classificatório utilizado para animais
e vegetais. Ou seja, é uma categoria longe de definir as sociedades por
meio de suas culturas.

Esse termo, no entanto, passou a ser utilizado a partir do século XVI,


momento da expansão europeia e conquista territorial, para dar maior
espaço para os colonizadores e legitimar a dominação sobre as sociedades
dominadas (MUNANGA, 2003). Isso porque se classificavam como
superiores em relação às raças africanas, asiáticas e de demais povos
originários encontrados na América Latina.

Mesmo não sendo adequado, o termo raça tornou-se usual e ganhou campo
dentro da sociedade que foi se desenvolvendo a partir dos parâmetros
definidos pelos cientistas europeus. Foi o caso do alemão Johan Friedrich
Blumenbach (1865) que em 1795, que classificou a humanidade em cinco
raças: branca, negra, amarela, marrom e vermelha.

Felizmente, uma outra gama de antropólogos e demais cientistas refutaram


esta construção fantasiosa e reafirmaram que “raças humanas não existem
(...) e as categorias 'raciais' humanas não são entidades biológicas, mas
construções sociais” (PENA, 2005, p. 1). Logo, essa ação é política e
ideologicamente construída para defender a ideia de superioridade de uma
parte dos homens, no caso brancos, para com as demais culturas mundiais.
Caracterizar as pessoas por tipo de cabelo ou cor da pele acaba sendo o
padrão a partir da sociedade eurocêntrica. Ou seja, o europeu,
naturalmente branco se entende diante daquilo que é diferente dele.

Figura: Raça Superior?

Fonte: Wikipédia

Exemplo maior dessa posição política foi a tentativa dos cientistas alemães
nazistas em criar a raça alemã superior, nobres. Homens brancos, loiros,
com biotipo forte e “perfeitos”. Em nome dessa perfeição, deficientes
físicos, negros e judeus foram exterminados aos milhões durante a Segunda
Guerra Mundial.

A tentativa de perfeição e superioridade tornou a população negra


escravizada e seus descendentes estigmatizados como inferior. No Brasil, o
quadro ficou ainda mais grave em virtude dos mais de trezentos anos de
escravidão dos africanos e afrodescendentes (RIBEIRO, 2022).

Até aqui, o conceito desenvolvido de raça não se apresenta como racismo.


O sufixo “ismo” confere um outro significado à palavra raça. Passa a
significar doutrina, sistema, teoria, tendência, ideologia. Mas esses
conceitos não surgem do nada. Há um conjunto de fatores que sustentam
essa construção. Dentre eles está o processo histórico.
Para nos guiar, é importante pensar quando é então que raça, um conceito
das ciências biológicas, se constituiu como base ideológica para sustentar e
orientar as relações sociais por critérios biotípicos, originando as
desigualdades entre a sociedade? É o que você vai ver nas páginas a seguir.
Unidade 2 - Presença Negra no Brasil: Escravidão, Desigualdade e
Preconceito

Para este momento do curso o objetivo é que você se questione sobre a


seguinte problematização: Como a raça se torna racismo no Brasil? Quais
foram os trajetos percorridos para que no Brasil o preconceito racial tenha
que ser combatido por meio de legislação e políticas públicas? Afinal, onde o
Brasil errou?

A resposta é encontrada quando olhamos para o desenvolvimento histórico


e social brasileiro. O que se encontra é a fundação da nação alicerçada na
exploração de determinados setores, como o indígena que foi aprisionado
ou exterminado literalmente em grande parte do território nacional
(GOULART, 1975). Soma-se, após 1532, a chegada do negro no Brasil
trazido compulsoriamente pelos portugueses. Assim, de acordo com Goulart
(1975) a nação brasileira tem seus alicerces num dos mais cruéis regimes
de exploração humana, a escravidão de africanos, africanas e seus
descendentes. Chegaram gradativamente e estiveram sempre vinculados às
atividades econômicas.

Entre 1576 e 1600, foram trazidos para o Brasil aproximadamente 40.000


africanos escravizados. Posteriormente, entre 1601 e 1725, esse número foi
para cerca de 150.000, sendo que a maior parte foi escravizada para o
trabalho em grandes lavouras (SCHWARTZ, 1988). A grande maioria ficou
localizada no Nordeste brasileiro e foram responsáveis pela produção e
exportação da cana-de-açúcar. Fosse na lavoura ou na casa grande, os
escravos eram a mão-de-obra de trabalho exclusiva.
Figura: Estrutura do Navio Negreiro

Fonte: Behance

Você pode ver na imagem como era a estrutura do navio negreiro. O


recorte mostra o interior daquele que foi o instrumento fundamental de
tráfego legal e ilegal de tribos e famílias inteiras.

No final do século XVII e ao longo do século XVIII, houve um acelerado


processo importação de escravos fazendo funcionar a todo o vapor o tráfico
de escravos (FLORENTINO, 2015).

A violência sofrida pelos negros começava já no momento do transporte.


Homens, mulheres e crianças eram separados já no embarque. Muitos
preferiam se jogar no mar a viver sem liberdade. Outros morriam diante
das péssimas condições de higiene, doenças e fome.

Muitas famílias permaneceram para sempre separadas mesmo depois de


chegarem ao Brasil. Nos navios negreiros eram transportados entre 300 e
500 africanos em amontoados de gente sem alimentação, ar e condições de
higiene (PINSKY, 2010). Isto justifica o termo navios tumbeiros já que a
quantidade de perdas de vida era bastante alta no trajeto até o Brasil.

Já na segunda metade do século XVII foram trazidos cerca de 360.000


africanos como escravizados. A crescente participação dos negros africanos
na economia se ampliou com a descoberta do ouro em Minas Gerais. Assim,
um robusto contingente populacional de africanos se formou no Brasil,
chegando a ser a maioria da população (PINSKY, 2010).

Os dados dão conta de que em torno de sessenta anos um milhão de negros


aprisionados foram trazidos para o Brasil. Importante ressaltar que o número
é muito maior uma vez que boa parte morria nos porões dos navios negreiros
e sob o tráfego ilegal não existia controle algum (MARCÍLIO, 1999).

Já no século XIX, com a chegada da família real em 1808 e mais tarde até o
ano de 1850, com a abolição definitiva do tráfico transatlântico de
escravizados, foram trazidos aproximadamente 1,5 milhão de africanos
(PINSKY, 2010). Há historiadores que afirmam que o Brasil foi o país que
mais recebeu africanos durante o período de expansão colonial europeia.
Unidade 3 - Já Podemos Falar em Racismo Estrutural?

O racismo estrutural se construiu a partir dessa fundamentação histórica e


das relações culturais, sociais, políticas e econômicas decorrentes desse
jogo de forças. Em cada uma dessas fases, a população negra e seus
descendentes ficaram sob o domínio do senhor de escravo, eram tratados
como objetos e, portanto, sem cobertura jurídica que amparasse as
demandas negras pelas violências sofridas em seu cotidiano dentro e fora
dos limites da casa grande.

Os escravos compunham a riqueza material de cada proprietário português ou


inglês. Aqueles que conseguiam alforria tentavam o comércio como mascate
ou tornavam-se escravos de ganho nas ruas das cidades (PINSKY, 2010). A
desigualdade social e racial era sentida nas ruas, na pele e na jurisdição.

As alforrias eram compradas e as leis foram gradativamente libertando os


escravos das amarras da escravidão. No entanto, não houve por parte do
Estado brasileiro mecanismos de ruptura com essa base que alicerçava o
preconceito e o racismo. Não houve na mesma medida a inserção dessa
população nas políticas públicas da sociedade em construção, fosse no
século XIX ou no desenvolvimento do século XX.

São nesses pontos que você vai perceber que a definição de racismo é “uma
forma de discriminação que leva em conta a raça como fundamento de
práticas que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a
depender do grupo racial ao qual pertenciam” (ALMEIDA, 2017). Os negros,
mulatos, pardos, cafuzos, mestiços e todas as outras denominações
possíveis, viveram em condições constantes de desvantagens ao longo da
história brasileira.

No Brasil, segundo Silvio Almeida (2017, s/p), o que temos é “a concepção


estrutural do racismo como uma decorrência da própria estrutura social, ou
seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas,
econômicas, jurídicas e até familiares”. O racismo tornou-se a regra da
sociedade e passou a ser naturalizado.

A estrutura do Direito e do Estado não apresentava saídas ao racismo


estrutural, pelo contrário. A exemplo, quando a Lei Áurea extinguiu
definitivamente a escravidão, os negros não foram colocados como
trabalhadores para a sociedade capitalista nascente. Pelo contrário, se
dirigiram para as áreas periféricas ou para os morros do Rio de Janeiro.

Enquanto isso, uma leva de europeus era importada para trabalhar na


lavoura e nas indústrias nascentes nas regiões entre São Paulo, Minas Gerais
e Paraná. Para esses houve a promessa de terras e salário (FERNANDES,
1978). Assim, a herança de desigualdade institucionalizada tanto quanto a
cor da pele passou a ser o elemento de partida para o racismo.
Unidade 4 - Um Pilar a Mais: as Ideias de Branqueamento da
População Brasileira

Você viu até aqui que a questão negra no Brasil foi determinante para a
formação da sociedade brasileira nos aspectos sociais, políticos e culturais.
Não se pode negar que os diversos momentos em que o país assumiu a
dianteira da produção de cana-de-açúcar ou a exportação do ouro, apenas
foi possível devido ao extenuante trabalho de negras e negros africanos e
afro-brasileiros. A miscigenação já era um fato dado (FERNANDES, 1978).
Além disto, o sincretismo religioso demonstrava a inserção cultural criada
em âmbito nacional.

As designações sociais para os negros encontraram no Brasil escravista


terreno fértil para a construção de uma arquitetura social racializada que
criou empecilhos ao exercício de uma cidadania plena mesmo enquanto
liberto. As categorias sociais para o negro, o pardo e o mulato eram
claramente definidas e, como tal, estabeleciam um lugar hierarquizado a
cada um deles.

Mas a profundidades das estruturas com caráter racista foram se


aprofundando cada vez mais. No Brasil do final do século XIX e início do
século XX, as interpretações darwinistas tiveram importante alcance entre
os cientistas e intérpretes brasileiros. Charles Darwin entendia que as
espécies passavam por um processo evolutivo e de aperfeiçoamento. O
mesmo padrão foi adotado para as sociedades. Elas caminhariam um
processo evolucionista. Homens como Nina Rodrigues e Oliveira Vianna
defendiam a ideia de que o branqueamento era a solução para os
problemas sociais brasileiros.
Figura: “A Redenção de Cam” e o Branqueamento no Brasil

Fonte: Wikipédia

O quadro “A Redenção de Cam” (1895), do pintor espanhol Modesto Brocos,


retrata a sociedade esperada pelos defensores dessa linha de pensamento.
Na interpretação desses seguidores deveria ser incentivada a miscigenação
entre negros e brancos para que a população fosse gradativamente se
tornando mais branca do que mestiça e negra.

A cena apresentada registra justamente esta “evolução”. A avó negra, a


mãe parda, que tem um filho de homem branco, e seu descendente segue o
fenótipo do pai, sendo também branco. Esse, por sua vez, na leitura dos
defensores da branquitude, daria sequência a essa linhagem garantindo a
mudança necessária para uma sociedade de melhor qualidade (MATTOS,
2009). Essa interpretação tinha em si um posicionamento preconceituoso
que acentuava o racismo no Brasil.

Tal interpretação foi felizmente contraposta por outros estudiosos e


pensadores, que entendiam que a característica maior da população
brasileira era a troca cultural entre os três pilares da formação social e
cultural: os indígenas, os negros e o português. O necessário não era tornar
a sociedade branca, mas sim, inserir os negros e descendentes nas políticas
públicas nacionais (MATTOS, 2009).

Outros pensadores também contribuíram para que a ideia de branqueamento


fosse amplificada na sociedade brasileira entre o final do século XIX e início
do século XX. É caso de Silvio Romero que defendia a ideia de que a
mestiçagem brasileira era a solução regeneradora e não degenerativa como
defendia seus pares europeus. Mas essa mestiçagem caminharia para “o tipo
branco irá tomando a preponderância até mostrar-se puro e belo como no
velho mundo” (ROMERO apud SKIDMORE, 1976, p. 53).

Dessa forma, o Brasil do fim do século XIX era um país imerso em suas
contradições, com o fim da mão de obra escravizada e uma tão grande
desigualdade social e econômica e ainda em busca de não somente pensar,
mas forjar uma identidade nacional que legitimasse a república nascente.
Infelizmente o olhar dado à população negra não apontava para a afirmação
de sua cultura e a construção da identidade.

Tal ação visava assegurar que a desigualdade causada pelos mais de trezentos
anos de escravidão pudesse começar a ser enfrentada. A questão racial era
essencial e delimitava as fronteiras da cidadania e poder, já que esta camada
da população ficava à margem do desenvolvimento social e político.
MÓDULO II – AÇÕES POLÍTICAS E A RESISTÊNCIA NEGRA

OBJETIVOS

Ao final do módulo você será capaz de:

 Apresentar as formas de resistência do negro durante a


escravidão;
 Contrapor a ideia de inferioridade histórica e política do negro
demonstrando a luta de resistência dos escravizados nos
movimentos sociais e políticos, em especial no século XIX;
 Demonstrar os movimentos sociais do século XIX a partir do
olhar da negritude.
APRESENTAÇÃO

Você viu até aqui que o desenvolvimento histórico e social do Brasil, contou
com a presença negra em momentos decisivos e colocou o país entre os
principais exportadores de monocultura entre os séculos XVII e XIX. Foi a
mão de obra dos trabalhadores e trabalhadoras africanos e descendentes
que ergueram a sociedade brasileira.

Já sabe também que sofreram horrendo castigos, prisões, mortes. A


desigualdade social sempre existiu, já que a elite branca, açucareira,
cafeeira ou exportadora de ouro nunca propôs uma outra organização social
e jurídica que não fosse a escravidão entre o período colonial e o império. A
dependência da força de trabalho do negro foi peça chave para o
enriquecimento de uma parcela privilegiada da população.

Agora, como sequência, você verá que, mesmo diante da tentativa de calar
a voz do escravizado, a resistência pela vida, cultura e identidade sempre
existiu. Essa defesa foi acompanhada de exemplos de outras nações negras
que realizaram seus processos de independência e serviram de inspiração
para diversos movimentos de luta.

As ações a seguir servem para demonstrar que o movimento negro esteve


sempre antenado com às demandas de defesa e luta, mesmo em meio às
perseguições e castigos em que viviam.

INTRODUÇÃO

O Brasil foi o país que mais recebeu contingente populacional africano de


escravizados. De acordo com Luiz Felipe de Alencastro (2000) quase cinco
milhões de africanos chegaram ao Brasil nos trezentos anos de escravidão.
Esse número confere um papel especial ao território. Foi aqui que os negros
tiveram que reconstruir seus laços culturais e, mesmo, sua identidade.

Ao mesmo tempo que estava à frente da vida econômica, sendo


responsáveis por todas as forças de trabalho que produziram a riqueza
nacional, os negros estavam também decididos a organizar suas lutas de
resistência. O tratamento conferido à população negra saltava aos olhos
uma vez que eram usurpados enquanto serem humanos.

Teoricamente o branco colonizador, latifundiário e proprietário de escravos


consideravam os africanos como objetos. Por tal diretriz era simplesmente
substituível. As tentativas de contenção das reivindicações e críticas das
extenuantes jornadas de trabalho sempre foram uma preocupação por parte
da classe dominante.

Por parte da multidão de escravos, a coisificação do escravo foi


constantemente posta à prova uma vez que, como resposta aos castigos e
maus tratos, muitos fugiam e se estabeleciam longe de seus antigos donos.
Quilombos foram formados em todos os cantos do país e recebiam
constantemente negros fugidos.

Mas estas e outras formas de resistência não foram devidamente


registradas e trabalhadas como pontos constitutivos da história brasileira.
No decorrer do desenvolvimento histórico, por exemplo, essas lutas foram
nada ou quase nada abordadas nos livros didáticos (MAIA, 2012).

Em grande medida, as abordagens nos livros didáticos conferem às


reivindicações do negro na história como rebeldia ou ações isoladas que se
contrapunham ao poder legal. A ótica usualmente construída é a
eurocêntrica que coloca a sua visão de mundo correta. E nela a ordenação
das coisas se dão a partir do desejo e da realização da classe
economicamente dominante.

O Brasil é um país que sistematicamente busca negar a história e memória


da escravidão. Não somente porque é incômoda, mas admiti-la é reconhecer
que a sociedade tal como está, com sua elite política e econômica branca, é
herdeira das riquezas e privilégios criados pela escravidão.

Nessa interpretação, outro debate necessário se vincularia a ele, a


reparação história (MUNANGA, 2003). Esta nova ordem das coisas pode se
configurar como um momento de conceder o lugar necessário para todos os
conjuntos de forças sociais e políticas que realmente sustentaram o
desenvolvimento do Estado brasileiro.
Por muito tempo, a partir da ideologia de uma democracia racial brasileira
das décadas de 1930 e 1940, abordou-se a escravidão como se tivesse sido
branda, leve e paternalista. A idealização da democracia racial, defendida
por Gilberto Freyre, autor do livro Casa-Grande & Senzala publicado em
1933, fez esconder a verdadeira essência da formação nacional brasileira,
que é preconceituosa e racista.

O livro Casa-Grande & Senzala compõe a obra de Gilberto Freyre que em


muito contribuiu para entender o Brasil a partir da ordem paternalista. No
livro são abordadas as características culturais e sociais da relação entre a
casa grande, lugar de pertencimento do branco e em que o negro assume
diferentes relações sociais. Por outro lado, está a senzala, reservada aos
negros onde os hábitos culinários, os cantos, a vida pessoal, o descanso e a
violência estavam postos. O livro é um clássico e como tal merece ser lido
para melhor conhecer o pensamento social brasileiro.

Ainda que tenha feito uma importante contribuição, não só Gilberto Freyre,
mas também outros pensadores, negaram que a ação histórica e social
contra os negros foi violenta e cruel. A formulação de um pensamento social
brasileiro assentado na convivência pacífica, é desmentida pelos
documentos históricos e pela prática cotidiana para com a população negra
e seus descendentes.

Exemplo desta vida nada pacífica foram as respostas aos castigos sofridos
por parte dos senhorios com fuga, formação de quilombos e as insurreições
(PINSKY, 2010). Muitas delas não estão nos livros didáticos. Outras são
descritas com ênfase ao papel da repressão legal. Somente um
aprofundamento na investigação sobre o Brasil é que vai apresentar a
verdadeira raiz da resistência negra.
Unidade 1 - As Ações de Resistência Negra no Início do Século XIX

Findado o século XVIII o auge da extração do ouro e a chegada da família


real no início do século XIX foram momentos decisivos para que uma
estrutura interna nacional fosse gradativamente construída. Isto se revela
diante das diferentes forças sociais e políticas em constante movimento
pensando e agindo de acordo com seus interesses.

A história do Brasil no século XIX, em especial, se edificou em sustentada


com debate político acerca da melhor condução para a ordem nacional. Este
ponto deve ser entendido como atenção aos interesses das classes
dominantes. O plural é usado por não haver um único poder dominante. As
características locais do país definiram também as forças políticas e as
demandas de cada uma delas (CARVALHO, 2015).

O recorte histórico aqui delimitado é justificado por ser neste século o


momento em que um conjunto de ações locais foram sendo desenvolvidas
em cada uma das áreas do território nacional. No Nordeste, no Norte e na
região Centro-sul, movimentos importantes foram iniciados concedendo
maior espaço para as demandas locais.

O que há de comum, em todas estas frentes é que a defesa dos interesses


se organizou, principalmente, pelas armas e pela repressão aos movimentos
de contestação que fossem contra a manutenção da Coroa, da Regência ou
do Império. Soma-se a este aspecto, a subjugação das classes populares,
em especial da população negra.

A realidade da maioria1 dos trabalhadores escravizados era o trabalho


extenuante por horas a fio, sem alimentação e sujeitos a castigos. A

1
Alguns escravos que conseguiam atividades como negros de ganho, ou seja,
vendiam quitutes nas ruas ou mesmo aqueles que trabalhavam na casa grande,
conseguiam ter uma vida com menor volume de castigos e ter contato com outras
pessoas. Isto em grande medida permitia uma inserção social nas coisas do dia-a-
dia. Já os negros escravos da senzala estavam diretamente vinculados aos castigos
do senhor ou dos seus capatazes.
expectativa de vida de um homem negro por volta de 1870 era de 20 anos
(RIBEI RO, 2014). Ainda assim, em meio a um contexto de violência, esta
população conseguiu encontrar meios de resistência, sendo os quilombos
espalhados por toda parte do Brasil exemplos disso.

A independência do Brasil em relação a Portugal em 1822 incentivou ainda


mais os movimentos locais a olhar para suas localidades. De acordo com
José Murilo de Carvalho, os portugueses “deixaram uma população
analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e
latifundiária, um Estado absolutista” (CARVALHO, 2015).

Por ser uma fase de transição para a formação do Estado Nacional, não
houve, nos anos iniciais preocupação com a questão escrava. Este debate foi
iniciado apenas na segunda metade do século liderado pelos abolicionistas.
Até então a manutenção da escravidão foi o pilar de manutenção da ordem.

Dessa forma uma série de movimentos políticos são deflagrados e revelam


personagens importantes para história nacional. Muitos destes
acontecimentos estão retratados nos livros de história e receberam o olhar
histórico da classe dominante. Por consequência receberam uma leitura a
partir deste lugar de dominação.
Como forma de exemplificar um pouco da dinâmica deste período brasileiro,
será apresentado na sequência alguns dos movimentos mais emblemáticos
deste período. A intenção é que você consiga ter uma visão das
reivindicações, dos personagens e de como deixaram suas marcas locais e
nacionais. Mas principalmente evidenciar o papel do negro nestes fatos que
ajudaram na formação do Estado brasileiro.

Alguns desses movimentos foram compilados no livro Rebeliões da Senzala


escrito por Clóvis Moura em 1952. O autor apresenta a luta do movimento
negro espalhada pelo território, indo de norte a sul. Usavam diferentes tipos
de estratégias de força frente o poder dominante.

Revolução dos Alfaiates ou Revolução Baiana

Iniciamos este percurso ainda com um pé no século XVIII. Isto porque não
se pode deixar de falar sobre o importante movimento construído por
negros escravos, libertos, trabalhadores de baixa renda e mulatos na
província da Bahia em 1798.

A capitania da Bahia era a maior cidade brasileira no século XVIII. A


população girava em torno de 60 mil pessoas. Deste total, 48% era
composta por negros escravos africanos e seus descendentes
(SCHNEERBERGER, 2010). As condições básicas para a vida eram
inexistentes. Ser branco ou negro era condição determinante para acesso a
melhores condições de vida.

Aos negros, mulatos e mestiços as condições eram ainda mais acentuadas


uma vez que o trabalho pesado e a vida nas senzalas agravavam ainda
mais a condição de pobreza e violência. Entre eles reinava a miséria, a fome
e más condições de vida. Entre a população livre as altas cobranças de
impostos eram pontos centrais no debate cotidiano.
Todos estes pontos levaram à organização da Revolta2 dos Alfaiates.
Interpretada por muitos historiadores como uma ação radical, defendiam a
abolição da escravatura, o fim do preconceito, melhoria salarial entre
outros pontos.

A soma de tais conjuntos de fatores levou a uma organização que se iniciou


em 1798 e marca a participação das camadas pobres dentro das lutas
sociais brasileiras. Clóvis Moura afirma que a participação do negro neste
momento histórico “tinha um grau de coerência que advinha da coincidência
de interesses das camadas artesãs que o estruturavam e a classe escrava.”
(MOURA, 2020, p. 67).

A reação ao movimento foi bastante enérgica. Havia o medo de ocorrer aqui


um movimento semelhante ao haitiano em que a abolição foi conquistada
com violência e derrocada das classes dominantes. Foram reprimidos pelo
exército legal, sendo as lideranças negras e mulatas mortas em praça
pública. (PIMENTA, 2022). Já os brancos participantes do foram poupados e
sofreram punições leves.

A Cabanagem no Pará

A Cabanagem, foi um movimento político e social que aconteceu entre 1835


e 1840, teve como protagonistas os cabanos. Estes eram formados pelas
classes pobres, mestiças, negras, mulatas e libertas que diante das
péssimas condições de vida expressaram suas insatisfações com um
movimento organizado em torno de ideias progressistas (SANTOS, 2004).

Iniciada com a participação de setores de classe média e proprietária a


Cabanagem inovou dentre os demais movimentos daquele período histórico
por ter entre seus membros decisórios a população pobre. Foi ela

2
É importante considerar que as ações de resistência fossem por parte dos negros
ou pelos indígenas escravizados foram traduzidas por longo período histórico como
rebeldes, descontentes, revoltosos. Tais adjetivos marcaram a interpretação na
História conferindo a eles um lugar de desordem frente à construção nacional.
responsável pela tomada do poder na província em uma fase em que as
condições políticas e objetivas lhes eram favoráveis.

Como objetivos tinham a liberdade nos mais diferentes sentidos: econômica,


social e jurídica. Defendiam ainda a luta pela distribuição de terras como
caminho para o fim da desigualdade social (SANTOS, 2004). A luta cabana
significou a possibilidade de liberdade em diversos sentidos: jurídica, saindo
da condição de escravos, liberdade econômica podendo ter a perspectiva de
produzir mesmo que em pequena escala, liberdade cultural.

A marca dos cabanos ficou viva entre a população local. Seja na população
interiorana ou urbana a presença dos cabanos é relembrada por meio de
poemas, monumentos e mesmo na educação. Neste último, durante
meados da década de 1990, foi organizada a Escola Cabana, movimento
pedagógico que colocava como principal pilar o aluno enquanto sujeito
histórico. Da mesma forma, a formação continuada e um currículo renovado
eram pilares deste projeto educacional.

Figura: Memorial da Cabanagem, Oscar Niemeyer, 1985.


A Revolução Farroupilha no Sul do País

De acordo com Clóvis Moura (2020) os estados do Sul do país receberam


um grande contingente de negros africanos apesar destes não
representarem a maioria da população como em outras regiões. Ainda
assim, foram a não de obra preferida para a lida com a pecuária e as
demais atividades locais.

O principal acontecimento político ocorrido na região foi a Revolução


Farroupilha. Os líderes deste movimento eram saídos de classes abastadas
que se contrapunham aos aumentos de taxas sobre seus produtos,
principalmente o charque. Em razão disso organizaram investidas contra as
forças legais a fim de pedir a baixa dos impostos e a liberdade de
comercializar com os países fronteiriços.

Na região, mais do que em qualquer outra, segundo Moura (2020), a os


escravos recebiam alforria para compor as frentes de combate ao lado das
lideranças brancas como Bento Gonçalves e Garibaldi. Além disto, a
abolição dos escravos foi um ponto central durante a existência do
movimento. Mesmo após a rendição forçada pelas tropas legais, os farrapos
defendiam a abolição dos escravos.

É sabido que a ocorrência de diferentes movimentos com a participação


negra existiu em todas as fases do desenvolvimento de nossa história. No
entanto, estas listadas anteriormente, dentre tantas outras, foram atos
concretos da participação negra na contestação da escravização e das
péssimas condições de vida em que viviam (MOURA, 2020). Mas se situam
dentro de iniciativas de lideranças brancas.

Na sequência são apresentados movimentos que são de organização


exclusivas dos negros escravizados refletindo a luta cotidiana e a
reivindicação por melhores condições de vida.
Unidade 2 - A Resistência Quilombola

Ao falarmos de ações políticas e de resistência, o principal ponto a ser


evidenciado quando falamos na presença negra é a organização dos
quilombos. De acordo com Clóvis Moura (2021), importante historiador da
presença negra no Brasil, os primeiros registros de quilombos datam de
1559. Estas localidades eram caracterizadas por serem refúgios para os
negros e negras que escapavam dos maus tratos de seus senhores.

Como demonstrado no anúncio de jornal a seguir, a fuga era muito comum


entre a população negra escravizada. Uma vez longe da casa-grande se
agrupavam em espaços isolados e lá se reorganizavam social e politicamente,
imprimindo um novo significado para sua existência.

Nestes locais, de preferência ocultos e de difícil acesso, os escravos fugidos


realizavam o sonho de viverem livres e independentes. Para além disso, era
o espaço de rever pessoas e resgatar os laços ancestrais trazidos pela
diáspora africana. Desta maneira, o quilombo se tornou um lugar
efervescente e rico culturalmente.
No Brasil os quilombos se espalharam rapidamente pelos quatro cantos do
território, uma vez que a escravidão do negro africano foi a tônica do
desenvolvimento econômico local, inserindo o país dentro do mercado
internacional fosse do extrativismo mineral ou vegetal. Foi uma constante
de resistência e organização sociocultural.

Quilombo dos Palmares

Como apontado anteriormente, uma das principais formas de resistência foi


a formação de quilombos. Espalhado em todo o território nacional foram
lugares de reprodução de cultura, de produtividade econômica e
principalmente de garantia de liberdade. O principal deles foi o Quilombo
dos Palmares localizado na Serra da Barriga, na região Nordeste, como
apresentado na Figura.

Figura: O Quilombo dos Palmares

Fonte: Go Brazil

Localizado entre o que hoje é o território de Alagoas e Pernambuco, reunia


uma multiplicidade étnica. De acordo com Clóvis Moura (2020), os quilombos
criavam sua seus próprios valores e hierarquia sem se prender ao modelo
estabelecido na vida anterior presos aos senhores de escravos. Pela figura, é
possível ver que a estrutura era composta por vários outros quilombos de
dimensões menores que se agrupava sobre a proteção coletiva.

O autor afirma que cerca de 6 mil pessoas viviam na localidade. Mas outros
historiadores chegam a falar de uma população entre 25 e 35 mil pessoas.
A produção agrícola diversa assegurava a subsistência. Com o passar dos
anos a necessidade de uma organização política surgiu já que a amplitude
da força quilombola ia crescendo.

Foi nele que o principal expoente da luta negra foi constituído. Zumbi dos
Palmares foi um guerreiro escolhido entre seus pares e reconhecido pela
sua liderança e méritos. O Quilombo se constituiu como uma república e, ao
lado do líder máximo, estava um Conselho deliberativo que assessorava as
decisões políticas (MOURA, 2020).

Ao lado de Zumbi estava sua companheira Dandara, importante liderança


representativa das mulheres palmarinas e que esteve ao lado de Zumbi
mesmo nos momentos de luta armada para o enfrentamento das forças
militares. Era ativa na vida social e política e se posicionava claramente
diante dos demais líderes. Mesmo importante para o movimento negro a
representatividade de Dandara foi sendo apagada diante da visão de
mundo patriarcal.

Seu principal líder foi Zumbi dos Palmares, homem escolhido entre seus
pares devido os méritos por ser um forte guerreiro. Zumbi tinha ao seu lado
um conselho de líderes que representavam os demais mocambos da área.
Juntamente com Dandara, esteve à frente da organização social e política
do Quilombo de Palmares. Ambos, defenderam a sociedade negra criada
pelos escravos e lideraram homens e mulheres na resistência contra a
violência branca (RIBEIRO, 2014).

O Quilombo dos Palmares teve a maior extensão territorial e durabilidade.


Assim também foi o enfrentamento diante as forças legalistas. Várias foram
as investidas sem sucesso para a destruição daquele que entraria para a
história brasileira como o principal exemplo de organização social e política
dos negros dentro do modelo colonizador escravista.
Palmares resistiu por 100 anos. Sua derrocada veio somente após lutas
intensas e traições. Zumbi morreu em novembro de 1695 depois de
permanecer escondido resistindo por cerca de um ano e meio aos ataques
colonizadores. Deixou um importante legado para a história
afrodescendente. Hoje, o dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, se
fundamenta na luta do quilombo e em todos os demais momentos de
resistência ao longo da existência negra.

A Presença Viva dos Quilombos na Sociedade Atual

Ainda hoje há comunidades que são originárias a partir dos quilombos.


Tanto que no último censo do IBGE de 2022 publicado recentemente, mais
de um milhão de pessoas se autodeclararam quilombolas, ou seja,
remanescentes de quilombos e que vivem em áreas históricas onde a marca
da sua cultura é a ancestralidade. O Censo 2022 revelou que os estados da
Bahia e Maranhão, concentram 50% da população quilombola. Além disso,
30% das cidades brasileiras foram identificadas como tendo moradores que
se caracterizam como quilombolas.

O Vale do Ribeira na região sul do estado de São Paulo é um bom exemplo


desta distribuição populacional. Na localidade vivem espalhados em várias
cidades e asseguram a defesa da terra, do cultivo agroecológico e da cultura
de seus antepassados. Para melhor organização social e principalmente
econômica, os quilombolas se organizaram em torno de uma cooperativa
agrícola, a Cooperquivale.

A cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira


(Cooperquivale) nasceu em 2012 a partir da demanda das comunidades
Quilombolas de se organizarem para comercializar seus produtos agrícolas,
florestais e turísticos. Foi fundada depois de um extenso processo de
discussão entre as lideranças comunitárias e os parceiros regionais sobre o
melhor formato, princípios e objetivos que norteariam a instituição.

Composta por, aproximadamente, 256 cooperados exclusivamente


quilombolas que residem nos munícipios de Eldorado/SP, Iporanga/SP,
Itaóca/SP e Jacupiranga/SP. Contempla agricultores 16 comunidades
Quilombolas e na sua composição possui 60% de mulheres agricultoras
quilombolas. O cultivo de banana prata e nanica e de palmito pupunha, por
exemplo, tem certa expressividade da participação dos homens. No
entanto, os demais alimentos englobam maior diversidade tem o manejo
preponderantemente das mulheres.

A cooperativa trabalha principalmente com produtos oriundos da agricultura


tradicional quilombola, que é da composição do uso da coivara ou roça de
toco adaptada a região do Vale do Ribeira por mais de 300 anos de
ocupação, gerando uma diversidade de itens alimentares que servem tanto
para segurança alimentar quanto para geração de renda dos cooperados.

Alguns dos produtos produzidos são: arroz, feijão, banana (nanica, ouro,
zinca, prata, maça, vinagre, terra), palmito, batata doce, mandioca, cará,
inhame, limão, laranja, abacate, abóbora, berinjela, chuchu, maná,
verduras em geral e também produtos processados como banana chips,
rapadura, taiada, mel e farinha.

Para exemplificar a produção de cada área, o quilombo Poça apresenta


menor diversidade de alimentos com foco em banana prata e banana
nanica. Já os quilombos Nhunguara, Pilões, Galvão e São Pedro apresentam
maior multiplicidade de alimentos para comercialização. Por meio da tabela
a seguir é possível encontrar toda a listagem de produtos que compõem o
Sistema Agrícola Tradicional Quilombola.

O objetivo da cooperativa é promover a produção quilombola e sua


comercialização nos mercados comuns e institucionais, contribuindo para
geração de trabalho e renda nas comunidades e região. Possibilitar que a
sociedade acesse alimentos de qualidade e saudáveis e valorize o Sistema
Agrícola Tradicional Quilombola, com sua cultura e modos de vida. Os
remanescentes de quilombos que ali estão são resultado da introdução do
negro escravizado pelos bandeirantes que estavam à procura de minérios
na atual região sul do estado de São Paulo.

A Cooperquivale cumpre um importante papel de valorização da


ancestralidade africana, no cultivo sustentável e na defesa da diversidade
étnico-racial. Usam técnicas agrícolas que remontam a mais de trezentos
anos de tradição. Usam o sistema de coivara que consiste em usar uma
parte da terra por um ou dois anos e deixar que este espaço se recupere
naturalmente. A continuidade da plantação é feita em outros lugares para
que o próprio ecossistema nativo se desenvolva novamente.

Durante a pandemia da Covid-19 os cooperados distribuíram mais de 220


toneladas de alimentos para favelas e moradores carentes de diversos
municípios paulistas. Já no início alcançaram cerca de 35 mil pessoas com
seus produtos agroecológicos e ancestrais. Isto foi possível porque cultivam
uma variada gama de produtos.

Tais aspectos fazem da Cooperquivale também um importante articulador


do turismo histórico no estado de São Paulo e da promoção da cultura afro-
brasileira. Soma-se a estes pontos a necessidade corrente de valorização
da alimentação saudável que vai além do orgânica e tem origem na
produção ancestral.

A partir de 1988, a Constituição Federal definiu que o Estado deveria


conceder o título definitivo da posse da terra a estas comunidades. No
entanto, de lá para cá, foram poucos os quilombos reconhecidos e que hoje
possuem esta garantia. Tal foi sua importância que os remanescentes de
quilombos estão vivos defendendo a memória dos seus ancestrais.

Atualmente, o país se encontra com um quadro crescente de terras


quilombolas titulados e outras em processo de regulamentação. A imagem a
seguir apresenta esse cenário que expressa o quanto os remanescentes de
quilombos conseguiram se organizar, resistir e encontrar os canais de
articulação para que o poder público assegurasse a existência do território e
da memória dos ancestrais africanos e demais descendentes.

A regulamentação fundiária dessas comunidades é, portanto, uma vitória


que pode ser inserida dentro do campo de políticas de reparação e ações
afirmativas. Mesmo que o processo seja lento, é um ganho ter 179 terras
tituladas e aproximadamente 1700 no trâmite para o reconhecimento de
área remanescente de quilombo.

Figura: Terras Quilombolas no Brasil (2019)

Fonte: Portal Humanista


Para o momento atual, o que o levantamento do IBGE demonstra é que as
políticas públicas para a população quilombola se revelam necessárias para
assegurar a posse de seus territórios bem como o desenvolvimento de
infraestrutura básica necessária nestas áreas.

Guerra de Guerrilhas

Além da fuga para os quilombos, os negros, durante o período de


dominação, realizaram ações de combate contra as forças legais. Entra em
questão as guerrilhas. É o caso do movimento que ocorreu em Belém do
Pará, durante a Cabanagem, quando os negros que participaram do
movimento de contestação à dominação portuguesa se refugiaram ao longo
dos rios. No interior, juntamente com os indígenas, estabeleceram a guerra
de guerrilha e resistiram às investidas das tropas legais por longo período
(SANTOS, 2017).
Unidade 3 - As Revoluções Negras na América Latina e os
Desdobramentos no Brasil

Os estudos sobre as lutas de resistência negra no território brasileiro não


são completos se olhadas apenas dentro do país. Isso se justifica porque os
movimentos externos na América Latina, colonizada por europeus, foram
fundamentais para que os processos de contestação se ampliassem a partir
do final do século XVIII.

É o caso da Revolução do Haiti desencadeada a partir de 1790 e que teve


alcance além de suas fronteiras. Naquele pequeno país, escravos
conseguiram que o colonizador francês lhes concedesse a alforria (SANTOS,
2017). A libertação ocorreu em meio a uma guerra declarada, primeiramente
com a Inglaterra e posteriormente com a própria força francesa.

Liderados por Toussaint de Louverture (1743-1803) e Jean-Jacques


Dessalines (1759-1806) os negros haitianos inauguraram um momento
único no continente e na história da escravidão negra latino-americana.
Ambos deixaram suas marcas e impediram a recolonização do país. Mas o
principal feito foi a proclamação da independência colocando fim ao período
de dominação francesa em 1804 (SANTOS, 2017).

Saiba Mais:

O vídeo a seguir apresenta informações sobre esse importante movimento


negro que marcou a história do desenvolvimento dos negros revolucionários
na América Latina.
Para que você perceba a importância da Revolução Haitiana, os ecos do
movimento chegaram ao Brasil e contribuíram para que negros escravizados,
libertos e indígenas se apropriassem do precedente dos ex-colonizados
franceses. As elites ficaram alertas para a possibilidade de levantes negros e
de camadas populares.

Além disto, após a chegada ao poder das camadas revolucionárias, Santos


(2017) aponta que a economia local decresceu, causando um
empobrecimento da elite branca e da população recém-liberta. Tal fato
serviu de parâmetro para os demais países que agiam com intensa
repressão diante de revoltas escravas ou populares.

Influenciados pelos acontecimentos externos e diante de um aumento


expressivo de africanos escravizados, as insurgências estouraram em todas
as regiões do país. Para além do discurso oriundo da ideologia da
democracia racial, os escravizados se insurgiram de várias formas possíveis
contra o regime de escravidão.

Houve diversas e ainda incontáveis insurreições e revoltas de escravizados


por todo território brasileiro. A seguir são apresentadas algumas delas:
 1832 - Insurreição em Campinas.
Na ocasião, negros de 15 engenhos arquitetaram um plano para
sufocar os brancos e conseguirem sua liberdade. Entre as lideranças
estavam o liberto João Barbeiro e Diego Rebolo (PIROLA, 2011).
 1835 - Quilombo de Catucá ou Malunguinho em Recife/PE.
Liderados pelo líder conhecido por Malunguinho viviam nas matas. De
acordo com o historiador Marcus Carvalho (1996), a região já era um
local conhecido para onde escravizados fugiam quando conseguiam
escapar dos navios negreiros que atracavam em Recife. A posição
estratégica, próxima a estradas importantes, favoreceu a resistência e
interferência na política local, desestabilizando a repressão e
facilitando a fuga de escravizados.
 1835 - Revolta dos Malês em Salvador/BA.
Na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835, os líderes negros
conduziram os escravizados da religião muçulmana, em número
aproximado de 600 homens, contra as forças legais (REIS, 2003). Seu
objetivo era a liberdade jurídica e religiosa.
 1838 - Insurreição de Manoel Congo em Vassouras/Paty do
Alferes no Rio de Janeiro.
Nesse movimento, cerca de 80 escravizados fugiram nas terras do
Capitão-mor Manuel Francisco Xavier. Assim como os demais
acontecimentos, os participantes foram capturados, torturados e
mortos.
 1842 - Revolta do Negro Cosme no Maranhão.
É considerada a maior insurreição de escravizados e negros da história
do Brasil Imperial e ficou conhecida como Balaiada. Contou com cerca
de três mil homens que se juntaram a Cosme Bento das Chagas,
conhecido como “Negro Cosme”, na luta por liberdade, direitos dos
campesinos e vaqueiros pobres.

Essas poucas movimentações são apenas alguns olhares sobre a


potencialidade de crítica e organização política da negritude escravizada e
liberta no Brasil escravista. O século XIX ainda permitiu que outros tantos
lugares tivessem sido alcançados pelos feitos daqueles que diariamente
lutavam por liberdade e direitos.
Unidade 4 - Os Aspectos Jurídicos e a Luta Negra por Liberdade

É sabido que o Direito brasileiro fosse no período colonial ou durante o


império que o negro compunha os bens dos senhores brancos, fazendo
parte da lista de propriedades que estes possuíam. Assim, os negros
escravizados foram tratados como objetos vivendo boa parte da sua
existência durante a escravidão.

A Constituição de 1824 apresentou alguns contornos, ainda tímidos, em


relação aos direitos para os negros. A carta abordava limites para dados
pelos senhores aos seus escravos. Como exemplo estava a questão dos
castigos (RIBEIRO, 1999). A partir daquela data, ficava proibido o uso de
açoites, marcar a pele com ferro quente, a tortura ou qualquer outro meio
cruel de violência contra o escravo.

A mesma Constituição de 1824 limitava a participação de negros na vida


econômica, social e política, fossem eles escravizados e libertos. Isto porque
no artigo 94 estava expressamente escrito ou ainda pela necessidade de
uma renda mínima. Por exemplo, para candidatar-se a deputado a renda
mínima necessária era quatrocentos mil réis líquidos (RIBEIRO, 1999).

A urbanidade era também medida a partir da divisão social do trabalho.


Enquanto os embates políticos aconteciam, a massa de trabalhadores
escravos ou assalariados transitava em maior volume pelas cidades. A
questão social no segundo império foi, portanto, caracterizada pela
continuidade da presença negra escravizada. Estas “mulheres e escravos
estavam sob a jurisdição privada dos senhores, não tinham acesso à justiça
para se defenderem” (CARVALHO, 2015, p. 22).

Já a Consolidação das Leis Civis, de 1858, não incluiu a questão negra em


nenhum espaço do texto. Somente na revisão feia em 1875, após a Lei do
Ventre Livre, de 1871, é que alguns aspectos foram sendo abordados
(GOMES, 2006). De acordo com Gomes “parece que a elite da época,
embora pretendesse parecer progressista, não queria expor a sua face
verdadeira, mascarando-a, no caso do direito, por meio da ignorância à
escravidão negra” (2006, p. 38).

O caminhar para o final do século XIX, as alterações possíveis demandavam


atenção e interesse do poder público para assegurar que a legislação
proporcionasse garantias mínimas para a população negra, escravizada ou
liberta. No entanto, o que foi sendo feito foram alterações lentas sem
mudanças profundas no enfrentamento da inserção dessa população nas
políticas públicas daquele momento.

A legislação do império foi sendo pressionada pelos movimentos internos e


externos a encontrar soluções para a escravidão. Os ingleses, principalmente,
cobravam o cumprimento dos acordos para o fim do tráfego negreiro, que
ocorria de forma clandestina, e que a alforria fosse feita. O interesse em
obter mercado de consumo para seus produtos requeria maior número de
homens livres que pudessem adquirir novos bens.

No âmbito interno, a pressão ocorria por parte dos abolicionistas e


republicanos que estavam desenhando a entrada da nação no século XX e
requeriam novos campos de organização social e política para o Brasil
capitalista nascente. A escravidão não mais atendia aos interesses das
classes economicamente dominantes e, portanto, acabaram ficando de fora
do processo de transformação social.

Em termos legais a escravidão contou com as seguintes leis sobre o tema:

 1850 - Lei Eusébio de Queirós: extinguia o tráfego de escravos.


 1871 – Lei do Ventre Livre: por meio dela ficava decretado que todos
os filhos de escravos, nascidos a partir daquele ano, estariam livres.
 1885 – Lei do Sexagenário: os escravos acima de 60 anos estariam
livres, desde que cumprissem um período de trabalho para seu senhor,
a título de indenização.
 1888 – Lei Áurea: fim definitivo da escravidão e liberdade imediata a
todos os escravos.

Entre esse espaço de tempo transcorrido, a pressão do movimento


abolicionista e da própria organização dos negros escravizados e libertos
pressionavam o sistema para que medidas fossem tomadas. No campo
cível, as ações mais comuns eram as ações de liberdade. Essas ações, uma
vez iniciadas na esfera jurídica, eram capazes de, ainda que não fossem
atendidas, desafiar os poderes senhoriais e ser um campo para a luta por
melhores condições de trabalho e vida (MATTOS, 2009).

Com uma logística de resistência, driblavam os caminhos minados de


processos judiciais, questionando os descaminhos para que, por fim,
pudessem conseguir a tão sonhada liberdade. A aproximação com os
abolicionistas e o papel de lideranças negras, como o caso de Luiz Gama,
foram fundamentais neste período histórico.

Saiba Mais:

Luiz Gama foi um homem negro, advogado, filho de quituteira que lutou
pela abolição da escravatura. Conheça um pouco mais sobre a vida desse
herói brasileiro:

Percebe-se que houve tempo para pensar em políticas públicas que


antedessem a esses homens e mulheres que foram aos poucos saindo das
amarras dos seus donos. Ao mesmo tempo, se dirigiram para as áreas
periféricas das cidades e foram substituídos por trabalhadores imigrantes
europeus (CARVALHO, 2015).

Por sua vez, os negros e negras, com uma logística de resistência,


driblavam os caminhos minados de processos judiciais, questionando os
descaminhos para que por fim pudessem conseguir a tão sonhada
liberdade. É com esse espírito que a chegada do século XX abre um
conjunto de desafios para a população liberta da escravidão, mas
aprisionada pelo preconceito e o racismo.
MÓDULO III – AS DIFERENTES FORMAS DE RACISMO E A
LUTA ANTIRRACISTA NO BRASIL

OBJETIVOS

Ao final do módulo você será capaz de:

 Apresentar a organização da comunidade negra ao longo do


século XX;
 Discutir as principais formas pelas quais o racismo estrutural
está presente na vida de homens e mulheres;
 Introduzir elementos para pensar os espaços de defesa política
e cultural da população negra a partir do século XX.
APRESENTAÇÃO

O presente módulo se destina a apresentar como a questão racial se


constituiu ao longo do século XX e como o século XXI trouxe importantes
possibilidades de ações afirmativas. Trata-se de um momento em que as
bases do racismo estrutural se firmaram a partir da construção de um
paradigma da branquitude.

Ainda assim, este percurso histórico demonstrou a capacidade de


organização do movimento negro em diferentes frentes, mas especialmente
no campo cultural e no aspecto político. Diferentes espaços foram ocupados
pela população negra como é o caso do Teatro Experimental do Negro ou o
Movimento Negro Unificado.

No campo político a processo de Assembleia Nacional Constituinte abriu


espaço para que as demandas do povo preto estivessem em discussão:
acesso à saúde, educação, habitação inseridos na Constituição Federal de
forma a assegurar a garantia de direitos para negros e negras, ainda que
numa sociedade marcadamente racista.

Complementa este módulo a discussão de questões do presente.


Primeiramente abordando o papel da mulher negra na sociedade atual.
Suas conquistas e dificuldades demonstram o longo caminho a ser seguido,
mas já há resultados positivos, principalmente no campo da educação tanto
básica como educação superior.

Um ponto relevante que marca a sociedade atual são as diferentes


maneiras de organização de precarização do trabalho que envolve a
população negra. Esteja presente nos bicos, entre os vendedores e
vendedoras ambulantes ou o que ocorre hoje, na uberização do trabalho. A
partir destes pontos iniciais busca-se discutir como o racismo estrutural está
presente nas nossas relações cotidianas.

INTRODUÇÃO

O Brasil tornou-se uma República Federativa há 132 anos, deixando grande


sequelas sociais para a população pobre e, principalmente, para os
descendentes do processo de escravização, segundo a socióloga Ângela
Alonso. Em seu livro Flores, votos e balas, a autora afirma que a monarquia
brasileira deixou o seguinte tripé: uma participação política extremamente
restrita, o escravismo como desigualdade social e o catolicismo como o
defensor das hierarquias sociais.

O moderno passou a servir ao arcaico. Isso porque, segundo Clóvis Moura, o


Brasil entrou na modernidade sem haver mudança. Caminhou do processo de
transição do escravismo para uma sociedade que entraria para uma economia
industrializada. Se antes era apenas uma economia agrária (cafeeira) o século
XX o inseriu no processo embrionário de industrialização brasileira.

O novo país sem a escravização deixou uma lacuna social imensa para
população negra. Entre vários aspectos podemos detalhar os seguintes
episódios:

 O Brasil teve uma população que não foi incluída, que foi esquecida
como cidadã.
 A condição de pobreza não é uma escolha, é uma condição dada para
essa população que não teve, por parte do Estado, nenhuma política
de inclusão desde o fim da escravidão.
 A sociedade brasileira entendia que a pobreza era um fato dado à essa
população, desconsiderando o grande período de escravização, sem a
implantação de mecanismos de inclusão.
 A pobreza ficou enraizada de forma naturalizada no inconsciente
coletivo, da mesma forma que a escravidão foi naturalizada na história
do Brasil, tirando a condição de humanidade da população pobre e
negra brasileira.
 Essa questão estava tão internalizada no pensamento brasileiro que a
pobreza era destinada a uma classe que estava fadada a tal situação.
A pobreza não tinha uma intervenção do poder público ou do Estado.
 As obrigações com a pobreza ficavam ao cunho de grupos privados e
religiosos, de forma clientelista, que mediavam o atendimento à
população vulnerável e pobre.
 A pobreza era entendida e apresentada como uma fatalidade e era
gerenciada pela igreja e pelos “homens bons” ou “damas de caridade”.
 Esse conceito assistencialista e voluntarista se manteve até meados do
século XVIII e aos poucos foi sendo substituído pelo que alguns
especialistas nomearam de assistência disciplinada: as ações
continuavam filantrópicas e a cargo de particulares e religiosos, como
instituições filantrópicas.

A sociedade em que se vive hoje é pautada pela Constituição Federal de


1988 denominada “constituição cidadã”. Essa adjetivação foi atribuída
justamente porque nela está constando elementos importantes para a
dignidade da pessoa humana. O Artigo 5º da Constituição assegura que:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade. (CF/1988)

Com base nessa ideia, sustentada pela lei máxima do país, foram
assegurados direitos a todos aqueles que compõem a sociedade brasileira.
Cor, classe social e religião, entre outros pontos, foram colocados a todos
em pé de igualdade. Assim, brancos, indígenas e negros e toda a população
mestiça tinha garantias constitucionais para proferir sua fé, não ser
discriminado por sua cor, religião ou classe social.

No entanto, para chegar a esse ponto crucial para o ordenamento social,


cultural e jurídico foi percorrido um longo caminho de preconceitos e lutas
antirracistas. Nas páginas a seguir serão apresentados alguns recortes e
pontos que permitem entender esta trajetória de construção do racismo
estrutural no país, mas também de luta e de defesa da identidade africana
e afro-brasileira.
Unidade 1 - As Diferentes Formas de Racismo na Sociedade Brasileira

A Imigração

Após o fim da escravidão a presença negra na sociedade brasileira ainda era


uma coisa indesejada por aqueles que estavam conduzindo as mudanças
sociais e políticas no país. A vinda dos imigrantes europeus, apresentada na
unidade anterior, ocupou os melhores espaços no processo produtivo, bem
como na organização das cidades. A discriminação foi sustentada em
grande parte pela legislação. É ela, portanto, um dos pontos que
corroboram a perspectiva do racismo estrutural presente na vida nacional.

As regras de imigração foram abordadas no Decreto nº 528, de 28 de junho


de 1890 que alterava o Código Penal de 1890. Ao tratar da introdução de
imigrantes, o Decreto revela o racismo que foi institucionalizado pelo Estado
após 1888:

Art. 1º E' inteiramente livre a entrada, nos portos da Republica, dos


indivíduos válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem
sujeitos á acção criminal do seu paiz, exceptuados os indigenas da
Ásia, ou da Africa que sómente mediante autorização do Congresso
Nacional poderão ser admittidos de accordo com as condições que
forem então estipuladas.

(...) Art. 3º A polícia dos portos da Republica impedirá o


desembarque de taes individuos, bem como dos mendigos e
indigentes.

Numa leitura comparativa, a legislação que instituía a entrada o imigrante


no Brasil diferia da abordagem para as populações imigrantes de outras
áreas do mundo, a exemplo do que é citado no trecho acima. Aqueles que
chegavam da África ou da Ásia apenas poderiam ser recebidos se houvesse
a anuência do congresso nacional.
Figura: Programa de Residência Artística
– Rostos Invisíveis da Imigração no Brasil

Fonte: Museu da Imigração/SP

Depois de séculos de entrada de negros escravizados por meio de navios


negreiros, a partir da república, os negros que desejassem a entrada
ficavam impedidos ou passariam por um conjunto de ações burocratizadas.
A imigração invisível era um fato sem acolhimento do poder público.
Felizmente, após a Constituição de 1988, a questão da imigração ganhou
outros contornos.

Como visto no Artigo 5º da Constituição Federal, os estrangeiros que


viverem no país têm assegurado direitos, assim como os brasileiros. Soma-
se a este ponto a elaboração do Estatuto do Estrangeiro de 1980 pela Lei
6.815/80. Após várias discussões e, como meio de garantia de direitos
universais, em 2017 foi promulgada a Lei nº 13.445. Graça a ela, diversas
discriminações, que marcaram o processo migratório na história brasileira,
puderam ser corrigidas.
A Criminalização das Religiões Afro-Brasileiras

A entrada da população africana ao território brasileiro, trouxe não só a


mão-de-obra necessária para o desenvolvimento econômico da colônia
portuguesa, mas, também, um conjunto de elementos culturais, religiosos e
sociais que compuseram a formação histórica brasileira.

A partir da República, consagrou-se a liberdade ao culto no âmbito formal


da Constituição de 1891. Contudo, as práticas religiosas de africanos e
descendentes, que já eram criminalizadas e reprimidas, por meio de
Códigos de Posturas locais, permaneceram discriminadas e perseguidas
antes da promulgação do Código Penal de 1890.

Os ideólogos do início do século XX, como Nina Rodrigues e outros,


consideravam o africano como

Inferior, menos evoluído que o pensamento branco cristão capaz de


abstrair e crer em um sistema monoteísta, por exemplo. O sistema
religioso africano é caracterizado como fetichista e politeísta,
possuidor de inúmeras variantes. (CARNEIRO, 2019, online)

De acordo com o autor, as religiões africanas, mesmo sendo estudadas pela


academia no início do século XX e posteriormente, ficaram sempre à
margem da sociedade e estigmatizada. A leitura ideológica construída foi a
de que os cultos africanos se ligavam ao demônio, ao curandeirismo ou
charlatanismo. Essa construção responde ao anseio da subalternidade a ser
imposta para os negros.

O sincretismo religioso foi uma alternativa para que a expressão religiosa


pudesse existir. Os orixás e deuses negros eram representados nos santos
católicos. As igrejas dos homens pretos, foram antes de tudo lugar de
resistência frente às várias tentativas de calar as religiões de matriz
africana (PRANDI, 2005).

A perseguição às práticas relacionadas à tradição religiosa de matrizes


africanas ocorreu de diversas formas e foram fundamentadas na
higienização, na ciência médica (combate às doenças mentais), no combate
ao charlatanismo, entre outras. Com o Código Penal de 1940, houve a
descriminalização de algumas figuras delituosas como o espiritismo e a
capoeira, mantendo os crimes de charlatanismo (artigo 283) e
curandeirismo (artigo 284).

É importante compreender que a mudança na codificação penal não alterou


por si só a cultura jurídica, o que pode ser verificado na continuidade da
perseguição às religiões no decorrer no século XX, incluindo ações estatais
por via de polícia. Ademais, nos anos recentes houve ataques continuados a
candomblés e terreiros.

Líderes religiosos de outras denominações muitas vezes estimulam e


alimentam o ódio religioso. As agressões físicas e simbólicas demonstram
que as ações pedagógicas são cada vez mais necessárias para fazer valer os
artigos da Constituição Federal de 1988 e assegurar o direito ao livre culto
religioso a qualquer orientação religiosa.

A Violência Cultural

A amplitude da perseguição aos negros, além dos aspectos religiosos e de


imigração alcançaram também as manifestações culturais. É o caso da
perseguição imposta desde sempre contra a capoeira, mas que foi
institucionalizado pelo Código Penal de 1890:

Art. 402. Fazer nas ruas e praças publicas exercicios de agilidade e


destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem; andar
em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma
lesão corporal, provocando tumultos ou desordens, ameaçando
pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal:
Pena - de prisão cellular por dous a seis mezes.
Paragrapho unico. E' considerado circumstancia aggravante pertencer
o capoeira a alguma banda ou malta.
Aos chefes, ou cabeças, se imporá a pena em dobro. (BRASIL,
1890)
O simples fato de circularem livremente pelo espaço urbano fazia com que
fossem vistos como vadios e perigosos. Da mesma forma o rap e o hip-hop,
expressões contemporâneas da cultura negra, também foram alvos do
preconceito enraizado na sociedade brasileira como, por exemplo, os
Racionais MC’s.
Unidade 2 - Feminização Negra: O Racismo Estrutural Inerente à
Mulher Negra Brasileira

Dentre as diversas heranças deixadas pela presença da escravidão no Brasil


propomos alguns questionamentos: Como podemos esquecer de uma
grande parte da população que não estava incluída no mercado de trabalho
formal, principalmente a negra?

Para respondermos a esse questionamento, iremos considerar que o


sociólogo e professor Pedro Demo (1988) afirma:

A exclusão mais comprometedora não é aquela ligada ao acesso


precário a bens materiais, mas aquela incrustada na repressão do
sujeito, tendo como resultado mais deletério a subalternidade. O nível
mais profundo de pobreza política é, assim, a condição de ignorância:
o pobre sequer consegue saber e é coibido de saber que é pobre. Por
conta disso, atribui sua pobreza a fatores externos, eventuais ou
fortuitos, sem perceber que pobreza é processo histórico produzido,
mantido e cultivado […].

É nesse cenário que buscamos pensar como a presença da mulher negra foi
inserida neste contexto social e econômico brasileiro?

É necessário considerar que na mudança do processo escravocrata para o


início da industrialização brasileira, as mulheres negras entraram no
mercado de trabalho como empregadas domésticas. Passaram a prestar
seus serviços de cozinheira, lavadeira, babá, dentre outras atividades
braçais. Tais funções acabaram sendo os únicos, ou quase únicos, meios de
apoio (subtenência) e sobrevivência para manter as suas famílias. Isso
porque, a transição para a industrialização deixou milhares de negros
desempregados depois do dia 14 de maio de 1888 – pós-abolição.

O Brasil deixou e deixa marcas geracionais de desequilíbrio social e


econômico que afetam diretamente a vida dessas mulheres negras. Essas
desigualdades voltadas para o mercado de trabalho estão interligadas
diretamente à estratificação social, à questão racial e de gênero. No
entanto, para uma melhor compreensão da ideia citada acima, é necessário
entender os termos matrizes de opressões e intencionalidade.

São vários os fatos históricos no Brasil que condicionaram a opressão das


mulheres negras. Dentre eles, o principal foi o processo escravocrata, que
construiu uma submissão ideológica e a negação de suas subjetividades.
Dessa forma, cristalizou-se um local social para a mulher negra, a
invisibilidade. Tomamos o conceito de opressão a partir de Patrícia Hill
Collinns (2022), socióloga, professora e pesquisadora da Universidade de
Maryland nos Estados Unidos, que apresenta teorias contemporâneas do
feminismo negro.

Segundo Collins (2022), há estruturas que se interligam. A opressão se


sustenta em estruturas raciais, ou seja, na diferença entre brancos e
negros, na desigualdade de gênero e na diferença de classe entre ricos e
pobres. Tais distinções, segundo a autora, não são somatórias de processos
de poder distintos. São sim a combinação e a articulação que resultam na
definição de um lugar determinado, bem como de uma trajetória específica
para as mulheres negras.

Portanto, não há uma série de opressões, mas um sistema opressor


unificado que sobrecai na mulher negra. Somando-se a essa interpretação,
Kimberle Crenshaw (2002) assegura que essas opressões determinam um
lugar social e econômico para mulher a negra.

Olhando para o Brasil, pensar o racismo estrutural inerente à mulher negra


suscita olhar ao processo histórico, mais especificamente ao escravismo, que
deixou um espólio que tem um reflexo incrustado na sociedade até os dias
atuais. Dessa forma, os conceitos anteriormente apresentados possibilitam
compreender as especificidades do contexto em que a mulher vive.

Para entender como esses atributos inerentes ao cotidiano das mulheres


negras refletem o racismo estrutural, apontaremos alguns dados
estatísticos levantados pelo IBGE.
a) Desigualdade de Renda

Olhar para a sociedade brasileira é encontrar uma série de elementos


que transparecem a desigualdade interna nas camadas populares. Se
a segmentação é feita pelo gênero e pela cor ou “raça”, isso fica
ainda mais evidenciado. Veja os dados a seguir relacionados ao
salário mínimo e o alcance entre homens e mulheres:

Figura: Rendimento que Mulheres Negras, Homens Negros e Mulheres


Brancas Recebem em Relação ao Rendimento do Homem Branco

Fonte: Poder 360 (IBGE, 2021)

Com tais números, percebe-se que a diferença salarial entre brancos


e negros é gritante. As mulheres brancas recebem quase que o dobro
do que é pago para as mulheres negras. O salário das mulheres
negras é 57% menos do que os homens brancos. Outros dados do
IBGE revelam que quanto mais alto é o cargo dentro das empresas,
menor é o número de negras nestas vagas.
Figura: Mulheres Pretas em Cargos Gerenciais

Nas posições gerenciais, por exemplo, o rendimento de mulheres


negras fica quase na metade se comparado ao de homens brancos.
Vale ressaltar que a mulher concentra não só o trabalho corporativo,
mas também o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos. As múltiplas
tarefas sobrecarregam seu dia a dia, levando-as a assumir diferentes
responsabilidades sem o merecido reconhecimento. Esse é um ponto
dentro de um conjunto de possibilidades no olhar para a mulher.

b) Educação

É dentro da sala de aula que a formação intelectual e a visão de


mundo se amplificam. Infelizmente, a ligação das mulheres negras
com a educação no Brasil está longe de ser a ideal. Ainda assim,
houve um crescimento do número de mulheres pretas tanto na
educação básica quanto no ensino superior, como pode ser verificado
no quadro a seguir:
Figura: Conclusão do Ensino Médio por Gênero e Raça

Fonte: PNAD Contínua, IBGE, 2018

Observa-se que a taxa de mulheres pretas ou pardas concluintes do


ensino médio possui um percentual distinto em relação aos homens e
mulheres brancas. Os 67,6% de mulheres que finalizaram o estudo
nessa fase da educação é maior que os homens negros. Entretanto,
se comparado ao total de mulheres brancas que terminam os estudos
no ensino médio, há um registro da marca histórica do atraso deixado
para a população negra, a desigualdade.

Ainda de acordo com o IBGE, o atraso escolar é também um ponto


relevante. Adolescentes com idade entre 15 e 17anos apresentam
atraso escolar de 30,7% entre pretas ou pardas e de 19,9% entre as
mulheres brancas (IBGE, 2017). Estes dados estão interligados com a
colocação da mulher no mercado de trabalho. Aquelas com melhor
qualificação ocupam cargos mais proeminentes e possuem renda
mais elevada.
Figura: Ingresso de Mulheres Negras no Ensino Superior

Importante salientar que as políticas públicas de letramento racial e a


efetivação de políticas públicas de inclusão incentivaram a auto
declaração de negros e pardos elevando os índices de identificação
deste percentual nos espaços públicos. O gráfico acima demonstra
bem esse novo momento para as mulheres pretas ocupando os
espaços públicos.

Houve um grande crescimento da curva saltando de 274 mil mulheres


negras para em torno de 621 mil mulheres nas universidades
públicas entre 2014 e 2020. Tais números são bastante expressivos
por representar o quanto o resultado de políticas afirmativas pode
transformar as oportunidades para negros e negras.

De acordo com publicação do Geledés,

Neste contexto está o avanço na escolarização das meninas e


mulheres negras. Mesmo enfrentando uma série de
adversidades desde a educação básica, mulheres negras
acessaram as universidades e aparecem prioritariamente nos
cursos que envolvem o cuidado e assistência. Uma parcela
dessas mulheres rompeu as barreiras nas áreas chamadas de
ciências duras e outras chegaram à pós-graduação.
(GELEDÉS, 2003)

Há, portanto, um grande caminho a percorrer para que essas diferenças


sejam completamente suplantadas e o racismo estrutural, que está
presente nas instituições e nas mentes de muitos, possa ser rompido.

c) Saúde

A saúde da mulher negra requer um cuidado com atenção. Assim


como os demais recortes apresentados, a saúde requer uma
abordagem transversal recortada pelos elementos de gênero, classe e
raça (VARELLA, 2021). Pensar a questão da saúde exige identificar as
especificidades. Para iniciar a problematização vamos apresentar
algumas questões básicas relacionadas à saúde.

O diabetes tipo 2 e a pressão alta são os principais problemas


relatados. Observando as crianças, o maior alcance de doenças
parasitárias e giardíase são recorrentes chegando mesmo a causar a
morte antes dos 5 anos. A primeira infância das crianças negras é
também atingida pela desnutrição, tornando-se um impeditivo para
seu pleno desenvolvimento cognitivo.

Outro problema recorrente no campo da saúde da mulher negra é a


anemia falciforme. Trazida para o país com os ancestrais africanos, a
doença causa abortos espontâneos e complicações durante o parto.
Em vista disto, o acompanhamento do pré-natal é essencial para a
tranquilidade da mãe e do bebê.
Fonte: Casa da Mulher Trabalhadora - Camtra

Outras violências que acontecem entre esta população são a violência


obstétrica e o elevado número de abortos entre as mulheres negras.
Dados levantado pelo IBGE apontam que o índice de aborto é o dobro
do que entre as mulheres brancas. Essas estão entre 1,7% enquanto
entre as mulheres pretas, 3,5%.

Tais dados reforçam o papel e a necessidade do SUS na ampliação de


políticas públicas em saúde para toda a população, mas em especial à
mulher negra que carrega em si um conjunto de especificidades.

d) Violência

Neste item podemos fazer referência a um conjunto de aspectos que


podem representar a violência contra a mulher negra em nossa
sociedade. No entanto, faremos um recorte para delimitar a
problematização. Nos debruçaremos sobre a violência sobre o corpo
da mulher e o aumento de feminicídios.

Por estarmos inseridos numa sociedade em que a mentalidade branca


se fez padrão para todos os aspectos, a visão sobre a negra e a parda
devem ser pensadas dentro deste contexto. Na leitura de Lobato,
(...) o corpo do negro vai ser atravessado pela violência que
ele sofre cotidianamente. Negar o seu próprio corpo à medida
que se distancia de um padrão estético branco é prejudicial à
saúde mental dos negros. A autoimagem fica distorcida e
autoestima aniquilada (2020, p. 86).

A violência é travestida nesse caso de embranquecimento. A negação


do corpo negro da mulher, com suas singularidades, é um projeto
sistemático de exclusão e negação da negritude que se faz presente
(LOBATO, 2020). A beleza negra por muito tempo não foi valorizada,
pois estava fora do “padrão” esperado da mulher branca.

Por outro lado, os índices de violência em relação à mulher negra são


os dados que mais refletem a condição do racismo estrutural no
Brasil. Está por trás desse dado a objetificação da mulher negra. Em
diversos registros históricos, como em arquivos de jornais, a negra
escrava estava nos classificados. Por outro lado, atributos físicos
eram exaltados em textos e outros documentos históricos.

Dados de 2020 apontam que de cada 10 assassinatos de mulheres, 7


eram de mulheres pretas. Tal é a gravidade da situação que o Brasil
construiu uma avançada legislação para o enfrentamento a esse
problema. A Lei Maria da Penha surgiu, em 2006, num contexto de
combate à violência contra a mulher e instituiu no código penal o
crime de feminicídio.

De acordo com o Instituto Igarapé (2022), “as mulheres negras são


as principais vítimas de feminicídio no Brasil: elas representam 67%
dos casos notificados em 2020, dos quais 61% são de mulheres
pardas e 6% pretas”. Desse total, cerca de 30% dos homicídios
aconteceram em seus próprios domicílios, e foram mortas por seus
próprios companheiros.
Unidade 3 - A Uberização do Trabalho

Para pensarmos sobre o racismo estrutural em nosso cotidiano, vamos


problematizar também a questão do trabalho. Vive-se um momento em que
as bases estruturais do emprego formalizado, nos setores produtivos
clássicos como a indústria, serviços e o comércio, precisaram passar por
uma reestruturação. O modelo clássico de trabalho in locu, com 40 a 44
horas semanais, com o sonhado registro em carteira ou CLT, foi substituído
em grande medida pela mediação da tecnologia.

De acordo com Ricardo Antunes

[...] contra a rigidez taylorista e fordista vigentes nas fábricas da ‘era


do automóvel’ durante o século XX, nas últimas décadas, as
empresas ‘liofilizadas e flexíveis’, impulsionadas pela expansão
informacional-digital e sob comando dos capitais, em particular o
financeiro, vêm impondo sua trípode destrutiva sobre o trabalho.
(2020)

O momento atual se distancia daquele criado no início do século XX na linha


de produção ou nos processos racionalizados da indústria asiática. A
flexibilidade tornou-se a palavra da vez nas relações entre patrões e
empregados. Não mais se organizava a estrutura da produção ou do
comércio a partir de segunda a sexta e em horário comercial.

A flexibilização dos horários em cargas de 6 horas diárias com rodízio de


folgas apareceu como uma grande solução. Com o passar do tempo essa
flexibilidade trouxe à tona a sua verdadeira essência. Ela é o caminho de
empobrecimento do trabalhador, da precarização da saúde e de salários. Os
funcionários de call center e telemarketing representam os primeiros a serem
colocados nesse tipo de relação precária do trabalho (ANTUNES, 2020).

As pressões psicológicas por produção, o controle do tempo de almoço, idas


ao banheiro e a supervisão constante resultaram em profissionais instáveis
e com problemas psicológicos. São comuns os xingamentos por parte dos
clientes, o assédio moral e sexual por parte de seus chefes e, ao final, o
baixo salário (VIEIRA e RUFINO, 2020).

Outros dois pontos interferiram bastante nessa nova organização. De um


lado a crise econômica que elevou o número de desempregados. Um dos
dados que reforçam esse cenário é o aumento do trabalho sem carteira
assinada. Saiu de 11,2 milhões em 2021 para 12, 9 milhões de pessoas em
2022. O número de desalentados, ou seja, aqueles que procuraram emprego
por longo período e desistiram de dar continuidade também é alto no Brasil
e estava em 19,91% da população economicamente ativa em 2022.

Dados recentes apresentados pelo IBGE sobre o ano de 2023, demonstram


que 16 estados tiveram crescimento no índice de desemprego, segundo a
PNAD contínua. Bahia, Pernambuco e Amapá são os estados com os
maiores índices.

Tais números estão ligados ao terceiro ponto que influenciou para a


precarização do trabalho no Brasil. A pandemia de Corona vírus paralisou
produções industriais e fechou comércios. Mas, ao mesmo tempo, a vida
pandêmica abriu espaço para que atendimentos digitalizados ganhassem
campo.

Assim, diante da era digital, muitos desempregados gerados pela crise


econômica ou pela pandemia passaram a realizar atividades para
plataformas de vendas online, principalmente de comida e de transporte de
objetos e pessoas. Se num primeiro momento era apenas uma ação
passageira, tornou-se a fonte principal de renda de milhares de pessoas,
principalmente nas grandes capitais (VIEIRA e RUFINO, 2020).

Esse processo recebeu o nome de uberização do trabalho. Os homens e


mulheres que se inseriram nesse modelo de produção se colocam na
condição de empreendedores. Não possuem carteira assinada ou qualquer
outro tipo de benefício como aqueles presentes na CLT.

Os trabalhadores e trabalhadoras ficam à disposição de plataformas de


vendas. Não há contrato de trabalho e atuam de acordo com a demanda.
São, em sua maioria, motoristas de aplicativos e motoboys. Mas também
compõem esse grupo os eletricistas, empregadas domésticas e cuidadores
de idosos. (ANTUNES, 2020)

A precariedade das condições de trabalho permanece também nas relações


de trabalho surgidas a partir das plataformas digitais. O parâmetro de
verificação do trabalho parte do que se considera trabalho decente. Essa
conceituação foi formalizada em 1999 pela Organização Internacional do
Trabalho – OIT e está diretamente ligada às boas práticas para que os
trabalhadores possam ter renda e qualidade de vida asseguradas:

[...] o conceito de trabalho decente sintetiza a sua missão histórica


de promover oportunidades para que homens e mulheres obtenham
um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade,
equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado
condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das
desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o
desenvolvimento sustentável. (OIT)

Esses e outros pontos aparecem na Agenda 2030 de Desenvolvimento


Sustentável e são norteadores para que o planeta caminhe por trajetos mais
humanizados. Dessa forma, as organizações precisam equalizar as suas
produções, garantindo a seus funcionários e colaboradores a manutenção de
direitos, como a não discriminação por gênero, classe, raça, por exemplo. O
trabalho decente é também pautado pela ampliação da proteção social e a
promoção de relações de trabalho produtiva e de qualidade.

Recentemente, de acordo com Carelli e Santos (2022), foram feitos


levantamentos sobre o trabalho decente em universidades americanas e
europeias. Os dados ligados ao Brasil apontaram que há um grande déficit
quando se fala em qualidade do trabalho decente. De seis empresas
avaliadas, numa escala de 1 a 10, duas receberam nota dois, uma alcançou
a nota um e as demais não pontuaram.

Tais observações são extremamente preocupantes uma vez que a maioria


dos trabalhadores ligados às plataformas digitais, direta ou indiretamente,
são negros.
Em 2021, o IBGE realizou uma pesquisa na qual identificou que a maioria
das pessoas que ficou em trabalho remoto foi formada por pessoas brancas
com ensino superior. Já a maioria da população negra permaneceu nos
postos de trabalho presencial. No que se refere ao trabalho ligado às
plataformas digitais, 60% dos trabalhadores foram identificados como
negros dentre os motoristas de aplicativos. Os entregadores somavam um
total de 59,25 em relação a 40% de brancos. Para os motoristas de
aplicativos o recorte foi de 60,0% de negros e 38,5% de brancos.

Tais números revelam que a discussão sobre o racismo estrutural se mantém


mesmo com a introdução de meios tecnológicos mediando as relações de
trabalho (CARELLI e SANTOS, 2022). No trabalho de pesquisa apresentado
pelas autoras, um dado que chama a atenção é a quantidade de horas
trabalhadas. Os trabalhadores de transporte de pessoas e de mercadorias
trabalhavam, em sua maioria, de trinta a quarenta horas semanais.

Fonte: PINAD-Covid-19

A partir do gráfico, vemos que nos seis estados em primeiro lugar os


motoristas de aplicativos rodam acima de quarenta horas semanais. No Rio
Grande do Sul, Ceará e Tocantins ultrapassam a casa de 45 horas. Se
pensarmos que o trabalho ao volante tem desgaste físico e mental, atuar
por longas horas pode acentuar ainda mais a baixa qualidade de vida
desses trabalhadores.
Assim como no período de escravização dos negros africanos, o momento
presente ainda exige dessa população o sobretrabalho para garantir a renda
mínima. Se durante o período escravocrata a diferença entre a população livre
e escravizada era evidenciada, hoje construiu-se um arcabouço ideológico que
esconde as amarras que geram a desigualdade entre os trabalhadores.

Para tanto, o racismo estrutural nas novas formas de organização do trabalho


traz a ideia de “autonomia” ou de “liberdade” ao exercer suas funções. Se
antes eram empregados com carteira assinada, os trabalhadores ligados às
plataformas digitais de transporte de pessoas e mercadorias trabalham “por
conta” e não possuem direitos assegurados.

Soma-se a isso os ataques aos entregadores que se espalharam pelo Brasil


afora e demonstram o quanto o crime de racismo está colocado na
sociedade brasileira. A foto abaixo foi resultado de um pedido feito por uma
plataforma de pedidos online. O cliente incluiu, além do pedido de comida,
uma solicitação para que não fosse enviado um entregador negro ou pardo.

Fonte: G1

A proprietária do restaurante se posicionou e levou o caso à polícia. A


plataforma de comidas, por sua vez, disse não compactuar com tal postura
e lançou uma nota de repúdio. Ou seja, o processo de preconceito e de
crime de racismo se reproduz e mantém o ciclo estrutural existente na
sociedade brasileira.
Todas essas características forjaram o termo “uberização do trabalho”. As
relações trabalhistas inexistem e os direitos trabalhistas passam longe da
carteira de trabalho. Ademais, em tal ação produtiva não existe qualificação
e reafirma a população negra na manutenção do modelo que foi aberto
quando do final da escravidão: trabalhador livre e mão-de-obra preta
desqualificada.
Unidade 4 - A Construção da Luta Antirracista no Brasil

Diante da reafirmação cotidiana do racismo estrutural, os pretos e pretas do


Brasil viveram anos sem que seus direitos fossem minimamente
assegurados. Fossem aspectos ligados ao trabalho, saúde, cultura,
educação ou moradia, para qualquer um deles, os ganhos foram garantidos
por movimentos sociais e articulação com os poderes que regem a nação,
mesmo que mínimos.

Como visto no módulo anterior, a luta de resistência contra o processo de


escravização estava sendo construída a cada novo minuto em que o negro
se contrapunha isolada ou coletivamente contra seu opressor. Os diversos
movimentos sociais e políticos apresentados, e tantos outros que os
documentos históricos trazem, são prova disto.

O histórico brasileiro de mais de trezentos anos de escravidão não foi capaz


de criar políticas profícuas de reparação. Sendo assim, tanto o poder público
como as organizações sociais, educacionais e culturais devem assumir o
compromisso na discussão e proposição de políticas afirmativas. Esses
espaços são canais importantes para a reflexão sobre o lugar em que o
negro foi colocado, bem como de apontar as saídas para os problemas
estruturalmente presentes na sociedade ainda hoje.

Ainda assim, a luta contra o racismo estrutural, a partir do século XX,


transita profundamente pelo reconhecimento de que a sociedade brasileira é
preconceituosa e recai no racismo. Esse é o primeiro ponto para propor o
debate. Isto se faz necessário uma vez que a ideia do mito racial ou da
democracia racial, escondeu, por longas décadas, a verdadeira cara do
Brasil: preta, parda, miscigenada.

Ao longo dos anos, a criminalização do povo negro foi a tônica das


instituições. Mas os movimentos civis organizados ganharam corpo e
contribuíram determinantemente para que políticas públicas afirmativas
fossem debatidas, elaboradas e postas em prática. Após a Proclamação da
República o movimento negro começou a se organizar em torno de
associações e clubes.

É o caso do Clube 28 de Setembro, fundado em 1871 em Jundiaí, um dos


mais antigos do estado de São Paulo. Nesses clubes estavam os negros de
várias categorias profissionais que viam estes Lugares como espaços para
debater sua questão trabalhista (DOMINGUES, 2007).

Figura: Clube 28 de Setembro

Fonte: Tribuna de Jundiaí

Em paralelo aos clubes e associações, surgiu também a imprensa negra


com seus folhetins e jornais. Do início da república até 1930, diversos
materiais foram publicados. Como exemplo, podemos citar, em São Paulo,
os jornais A Sentinela, de 1920, e O Baluarte, de 1903. Em Minas, Curitiba
e Porto Alegre, entre outros estados, também registraram a presença de
publicações exclusivamente negras que aglutinavam temas importantes
para esta população: educação, saúde, alimentação, habitação entre outros
aspectos (DOMINGUES, 2007).

A partir de 1931, o movimento negro ganhou uma cara mais politizada com
a criação da Frente Negra Brasileira - FNB. Chegou a ter vinte mil filiados e
filiais em cidades ao longo do país. Além disso, publicou o jornal Voz da
Raça. Diante do avanço do movimento integralista, esse jornal criou o seu
próprio slogan “Deus, Pátria, Raça e Família”. Ou seja, o movimento negro
colocou-se diante do debate corrente na época. Sua aproximação com
Getúlio Vargas rendeu o fim da proibição da participação de negros para a
guarda civil.

Com o golpe do Estado Novo, a FNB, assim como outros movimentos, foi
extinta. Ainda assim, outras entidades foram ganhando corpo e alcance
dentro do cenário nacional. Podemos citar o União Homens de Cor – UHC e
o TEN – Teatro Experimental do Negro. Este último, a partir de meados da
década de 1940, liderado por Abdias do Nascimento, deixou um legado
impactante para a sociedade brasileira.

Figura: Teatro Experimental do Negro

Fonte: Fundação Palmares

Foi um espaço de evidência para a arte e a corporeidade da negritude.


Abdias do Nascimento tornou-se um expoente do movimento negro. Por sua
atividade foi preso e, mesmo dentro do presídio, usou da arte para envolver
os detentos no mundo da arte. Seu alcance ganhou o mundo e viajou
mundo a fora levando as ações e os debates propostos pelo TEN.

Em 1951 o país ganhou a primeira lei antirracista. A Lei Afonso Arinos


tornava contravenção penal a discriminação por raça ou cor, no entanto, ela
só foi elaborada em função de um episódio emblemático. A bailarina afro-
americana Katherine Dunham foi impedida de se hospedar em um hotel em
São Paulo. Frente a repercussão internacional negativa, houve a mobilização
no congresso para desenhar alguma orientação jurídica sobre o racismo.

É importante considerar que após a instalação da ditadura militar o


movimento negro ficou impedido de atuar, assim como outros movimentos
sociais organizados. Entretanto, o final da década de 1970 trouxe novamente
o movimento à cena política e cultural. A principal expressão neste momento
foi o Movimento Negro Unificado – MNU – em 1978 (DOMINGUES, 2007).

Não se pode perder de vista que o cenário internacional da luta antirracista


alimentava ideologicamente o movimento negro brasileiro. Desta forma, o
movimento negro norte-americano, nas suas diferentes organizações, servia
de guia para o desenvolvimento nacional da luta da população negra. As
linhas de ações de Martin Luther King, Os Panteras Negras e Malcon X, por
exemplo, substanciavam o pensar e agir do movimento nacional.

A ampliação do Movimento Negro Unificado conclamou diversas entidades


de luta dialogando com a sociedade. No início dos anos de 1980,

No Programa de Ação, de 1982, o MNU defendia as seguintes


reivindicações "mínimas": desmistificação da democracia racial
brasileira; organização política da população negra; transformação do
Movimento Negro em movimento de massas; formação de um amplo
leque de alianças na luta contra o racismo e a exploração do
trabalhador; organização para enfrentar a violência policial;
organização nos sindicatos e partidos políticos; luta pela introdução
da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares,
bem como a busca pelo apoio internacional contra o racismo no país.
(RODRIGUES, 2007, online)

O MNU - Movimento Negro Unificado, atuou em várias frentes de modo a


contribuir para que elementos que sustentavam as bases do racismo
estrutural fossem ao menos questionados. É o caso, por exemplo, de
conteúdos ligados à educação que apresentaram uma visão errônea de
democracia racial ou a manutenção de material didático que reforçasse o
preconceito racial no país (NERIS, 2018).
Ademais, o movimento contribuiu para o fortalecimento de uma identidade
negra que remetesse às suas origens ancestrais e não a modelos
preestabelecidos pela branquitude. Neste sentido, a defesa da beleza negra
e de valores culturais, a partir de meados dos anos de 1980, deram um
passo a diante no movimento negro.

Inclusive, após o pontapé inicial dado pela Lei Afonso Arinos, o movimento
de resistência e denúncia do preconceito e do racismo foi continuado em
1985 por meio da Lei 1390/85 na qual a contravenção penal passava
englobar discriminação por raça, sexo, cor ou estado civil. Mais adiante, em
1989 a Lei 7.716 definiu a reclusão para quem praticasse atos de preconceito
ou discriminação por raça, etnia, religião ou procedência nacional.

Com os debates em torno da constituinte, o movimento negro pode propor


evidenciar as demandas vindas desta parte da população. No parlamento,
num total de mais de quinhentos congressistas, apenas 11 eram negros.
Ainda assim, ocuparam os espaços para serem propositivos para além da
elaboração de leis que repudiavam a violência contra os negros e pedia a
criminalização do racismo.

Figura: Bancada Negra Constituinte

Fonte: Brasil de Fato


Os reflexos da mobilização e trabalho coletivo das associações ao longo do
território somada à ação dos parlamentares pretos que estavam no
congresso deu margem a que políticas públicas em saúde, educação e
emprego pudessem ser discutidas e viabilizadas. Dentre os ganhos deste
processo estava a inclusão da História da África na grade curricular.

No entanto, apenas com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 é


que a educação na perspectiva étnico-raciais ganhou maior destaque. A
partir deste momento, mesmo que não posta em prática ativamente, a
educação africana e afro-brasileira e a educação indígena passaram a
compor o currículo escolar e abrir campo para que professores e
professoras pudessem abordar temáticas que dialogassem com a história
dos negros no Brasil.

Mas um ponto que deu nova cara à luta contra o racismo foi a formulação
de políticas afirmativas a partir dos anos 2000. Como forma de reparação e
concretização de espaços para negros e negras, as políticas afirmativas
deram novo contorno aos espaços nos quais elas são aplicadas. Seja na
educação ou nos espaços corporativos o que se tem é a abertura de
oportunidades a esta população.

A discussão a respeito das ações afirmativas se dá dentro de um processo


de ruptura com a defesa da mestiçagem.

A mestiçagem tem cumprido um papel histórico importante na manutenção


racializada da elite branca, por um lado ela nega o valor da própria
branquitude na alocação de posições-chave na sociedade, por outro, ela
inibe a manifestação dos setores que sofrem os efeitos da racialização das
elites (SILVÉRIO, 2003, p. 69).

Falar em políticas afirmativas é dar lugar ao reconhecimento dos atores


negros na sociedade como um todo. Não mais escamoteado nos trabalhos
braçais, mas também permitindo que ele se prepare para a educação
superior, pesquisa científica, liderança em todas as áreas do conhecimento.
Assim, a democracia e igualdade de condições estariam em pleno
desenvolvimento.
As políticas afirmativas tratam-se de

Um significante que pode designar um conjunto de iniciativas ou


políticas adotadas, impostas ou incentivadas pelo Estado, a fim de
promover a igualdade material em relação a indivíduos, grupos ou
segmentos sociais marginalizados da sociedade, buscando eliminar
desequilíbrios e realizar o objetivo da República de concretização da
dignidade da pessoa humana. (SOUSA, 2006, p. 85)

Por meio das políticas afirmativas os espaços estruturantes do racismo


estrutural passaram a ter as barreiras removidas, sejam elas formais ou
informais. O Estado enquanto órgão elaborador de políticas de inclusão e
pertencimento se viu diante da tarefa de formular ações para além da teoria
que concretiza o ideal de redução das desigualdades sociais e econômicas,
marcantes na sociedade brasileira.

As primeiras proposições para as políticas afirmativas foram instituídas por


meio da Lei de Cotas, 12.711/12. Esta política instituiu o ingresso em
universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível
médio, a reserva de 50% das vagas, nos turnos e cursos existentes, para
alunos oriundos do ensino médio feito integralmente em escolas públicas,
provenientes de famílias com renda igual ou inferior a um salário mínimo e
meio per capita.

Soma-se a este ponto o preenchimento de vagas por estudantes


autodeclarados negros, pardos ou indígenas, de acordo com a delimitação
feita pelo IBGE. Gradativamente o ensino superior foi adquirindo uma nova
cara. Passados os vinte anos da adoção da política de cotas universidades
públicas ao redor do país passaram a adotar este sistema.

Os últimos dados do censo da educação superior de 2021 demonstram que


houve um crescimento significativo no número de estudantes
autodeclarados negros ou pardos, conforme apresentado no gráfico abaixo:
Figura: Proporção de Formando em Relação à Raça Autodeclarada

Fonte: INSPER, 2021

Observando atentamente os gráficos vemos que há um crescimento


significativo de negros e pardos nos bancos das universidades entre 2010 e
2020. Os autodeclarados pretos e pardos saltaram de um número pouco
maior de 7% em 2010 para 37% em 2020. Em paralelo, o número de não
declarados diminuiu. Tal fato pode estar relacionado ao processo de
construção de identidade possibilitado pelas cotas na educação superior.
Desta forma, um percentual maior de jovens e adultos passou a se ver e
entender-se enquanto preto ou pardo.

Os espaços acadêmicos passaram a também ser lugar de ocupação da


maioria da população que é trabalhadora e moradora da periferia. Estes são
os lugares em que estão o maior número de pretos e pardos. A conclusão,
portanto, é de que a adoção de políticas afirmativas, em especial na
educação superior, transformou um campo bastante elitizado num campo
com a verdadeira versão da sociedade brasileira, multicultural e diversa.

Como apontado anteriormente, a legislação educacional também se abriu


para políticas de reparação. Uma delas é a inserção da cultura afro e afro-
brasileira no currículo nacional. Esta demanda requer ainda hoje uma
maior atenção. Não é apenas colocar na grade curricular. É preciso colocar
o professor numa posição de protagonista. Sua formação deve permitir que
as relações étnico-raciais possam ser debatidas em sala de aula de forma a
contribuir na formação da identidade de crianças e jovens (PICANÇO,
1984). As universidades, por sua vez, têm o papel de discutir os currículos
e inserir maior gama de conteúdos decoloniais, direitos humanos,
igualdade e equidade.

Neste sentido uma ação bastante importante ocorreu em São Paulo.


Podemos compor este conjunto de ações antirracistas com a proposta pela
Associação Afrobras que lutou por uma universidade que desse um espaço
educacional para jovens negros e negras. Assim nasceu a Faculdade Zumbi
dos Palmares em 2003. De lá até hoje tornou-se um espaço propositivo
para abrir portas educacionais e profissionais a seus estudantes.

Em 2014, por meio da Lei 12.990, os concursos públicos da administração


federal colocaram em seu certame a política de reserva de 20% de cotas
para autodeclarados negros e indígenas. Assim, os setores públicos de
outras esferas da federação, passaram a elaborar atos deliberativos que
concediam espaços para inclusão em seus concursos, de notas diferenciadas
para candidatos negros, pardos e indígenas.

Em julgamento sobre a constitucionalidade da Lei 12.990/2014, o STF


deliberou que: em diversos e relevantes eixos da vida e nos correspondentes
indicadores, persiste forte desigualdade na sociedade brasileira, associada ao
gênero e à cor da pele. Esse quadro mostra que o País ainda precisa de
políticas que auxiliem a promoção da igualdade material entre pessoas de
pele negra e branca. Mesmo com o crescimento da economia durante certo
período da última década e meia, muito ainda falta para reduzir essas
importantes disparidades. (STF, 2017)
Os levantamentos demonstram que houve um salto, ainda que tímido, em
número de negros na gestão pública. No setor judiciário, por exemplo, o
número de negros e negras saiu de 13% em 2013 para 21% em 2020.
Neste número estão inseridos magistrados, servidores, técnico
administrativos e estagiários. Portanto, em todos os campos as políticas de
inclusão racial conferem mudanças sociais e culturais.

Vemos também a luta antirracista por meio de ações de instituições do


poder público. É o caso do Conselho Nacional de Justiça e do Tribunal de
Contas do Estado de São Paulo que desenvolvem ações antirracistas.
Ambos iniciaram a partir de 2022 uma série de trabalhos para capacitar
seus funcionários e permitir que mais diversidade e equidade sejam
possibilitadas em espaços tão proeminentes da nossa sociedade.

Mas, a despeito de haver transcorrida dez anos da promulgação da lei de


Cotas, o que se vê é uma crítica à importância social e política na aplicação
do direito de negros e pardos. Esta política de reparação se coloca na
contramão da manutenção dos resquícios escravagistas nos quais a
população negra brasileira é mantida.

Nos anos 2000 uma série de atrocidades contra o povo negro reafirmou a
necessidade de ações conjuntas entre poder público e sociedade civil. Neste
sentido, um exemplo é o Movimento Ar, desencadeado após o episódio
ocorrido nos Estados Unidos com a morte de George Floyd. Em todo o
mundo houveram levantes pela defesa da população preta.

Na figura a seguir percebe-se que os cargos gerenciais são


majoritariamente ocupados por brancos. O total de 69% em relação aos
29,5% de negros em cargos gerenciais denunciam a baixa ocupação em
cargos decisórios dentro das empresas. Por consequência, a distribuição de
renda também é afetada, aprofundando a distância social existente em
nossa sociedade.
Figura: Mercado de Trabalho e Distribuição de Renda

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2021

Pelo racismo ser um elemento estrutural, ou seja, alicerce da sociedade em


que vivemos, esta diferença ocorre também no mercado consumidor. O
negro no mercado consumidor brasileiro de acordo com dados de 2018
movimento cerca de 1,7 trilhão por ano. Um número expressivo para a
camada que representa 54% do total da população. No entanto, estar nos
espaços de consumo nem sempre é uma situação tranquila. O olhar de
desconfiança muitas vezes prevalece.

Muitas empresas não estão preparadas para lidar com a diversidade. Assim
como em outros setores a educação para o letramento antirracista é algo
incipiente ou, muitas vezes, inexistente. Vendedores, lojistas, seguranças e
toda a cadeia de vendas necessita estar preparada a ver em cada negro ou
negra que adentra à sua loja apenas como consumidor.

A política do Environmental Social and Governance – ESG – possibilitou que


a elaboração de ações para o combate à desigualdade racial estivesse cada
vez mais dentro da gestão destes importantes grupos econômicos. Mas as
ações de inclusão tornaram-se uma necessidade e não se limitaram ao setor
privado. Há uma potencialidade na presença negra nos espaços produtivos
e consumidores.
Pesquisa realizada pela Shopper Experience em maio de 2021, 20% dos
entrevistados afirmou ter sofrido preconceito ou discriminação em
supermercados. O número cresce quando se refere às lojas de vestuário
chegando a 30%. São em espaços como estes que a preocupação com a
implantação dos Objetivos para Desenvolvimento do Milênio – ODS –
ganham corpo. Atividades de letramento racial e discussão sobre
diversidade são as bases pelas quais uma nova estrutura organizacional e
cultural pode ser construída em substituição ao conjunto elaborado pelo
racismo estrutural.

No Brasil, o Movimento Ar reúne grandes e pequenas empresas


empenhadas em ações concretas contra a discriminação e o preconceito. É
a resposta da cobrança do movimento negro pela luta antirracista. As
grandes empresas passaram a embutir, em alguma medida, a política de
equidade racial em suas organizações. Empresas como AMBEV, Magazine
Luiza, FENAVIST, Coca-Cola e Vivo incluíram a adoção de vagas afirmativas
para afrodescendentes. Indo além, ampliaram para deficientes físicos e a
comunidade LGBTQIAP+. São, portanto, ações importantes que permitem
uma gama de diversidade em empresas mundiais.

Além disto, outra demonstração de força na luta contra o racismo estrutural


é o Procon Racial, único na América Latina, que presta atendimento
diferenciado para vítimas de racismo nas relações de consumo e prestação
de serviços. Acesse ao Procon Racial.

O atendimento gratuito às vítimas é o pela plataforma online intitulada


Acolhe Black. A proposta é dar o apoio psicológico e jurídico à população
que sofreu racismo e injúria racial nas suas relações de consumo. Os
profissionais mantêm todo o sigilo necessário e dão a confiança para que os
atingidos pelo preconceito sejam acolhidos, ouvidos e tenham seus direitos
assegurados. Muitas vezes as marcas psicológicas são profundas.
Plataforma Acolhe Black.

Vivemos ainda hoje os desdobramentos dos mais de trezentos anos de


escravidão da população negra. Em levantamento recente realizado pelo
IBGE é possível ver em números um pouco deste legado histórico para a
sociedade brasileira. A marca do racismo estrutural é evidenciada na
diferença social, econômica ou educacional entre brancos e negros.

O despertar para uma mudança profunda de posicionamento é a chave para


que situações como a morte de João Alberto Freitas em 2020, numa
varejista, não mais venha a acontecer. A ação violenta dos seguranças
ganhou destaque na mídia e a empresa hoje busca rever sua estruturação
interna com a sensibilização para ações antirracistas.

No entanto, quantos outros estabelecimentos ainda usam de práticas


persecutórias independente de seu tamanho. São ações diárias e que
representam a reafirmação do racismo na vida cotidiana. Pesquisa realizada
pela Consultoria Accenture demonstra que

Cerca de 30% de todos os consumidores das lojas de varejo tem uma


tendência de escolher uma nova loja baseada no seu engajamento
com a questão. E o contrário também acontece: 62% dos
consumidores mudariam de varejista se sentissem que estão
sendo desrespeitados ou tratados de maneira injusta. (RODRIGUES
FILHO, 2021, online)

De tal forma, ter este olhar atento para as relações de consumo é não só
uma estratégica de vendas, mas antes de tudo, um posicionamento de
mercado atendendo a um nicho extremamente representativo das camadas
sociais. Ademais, uma política que direcione ações pedagógicas concretas
de diversidade e inclusão responde às expectativas de empresas com
responsabilidade social.

Um ponto que se soma às ações de perspectiva antirracistas é a atualização


do crime contra o racismo. Vimos que um primeiro passo para a
criminalização do racismo foi a formulação da Lei de Crime Racial, 7.716 em
1989. Neste ano de 2023 foi dado mais um passo importante com a sanção
da Lei 14.532 que tipifica como crime de racismo a injúria racial. Houve o
aumento da pena de um a três anos para dois a cinco anos de reclusão.
Assim, ofender a honra pessoal por razão de raça, cor ou etnia, tornou-se
um crime inafiançável e imprescritível.
MÓDULO IV – MECANISMOS E MANIFESTAÇÕES COTIDIANAS

OBJETIVOS

Ao final do módulo você será capaz de:

 Apresentar as diferentes formas de racismo na vida cotidiana;


 Problematizar a naturalização de atitudes racistas;
 Contribuir para a capacitação de letramento racial.
INTRODUÇÃO

Recentemente no início do ano parlamentar na Assembleia Legislativa do


Estado de São Paulo a deputada Thainara Faria (PT) ao tentar adentrar ao
salão deliberativo daquela casa para uma sessão solene, foi impedida por
uma funcionária do legislativo de assinar o livro de presença. A justificativa
dada era de que o ato era permitido apenas para parlamentares.

A deputada que é negra, sentiu na pele as microagressões vividas


cotidianamente pela população negra nos mais diversos espaços. Sua
presença enquanto representante eleita não impediu que o estereótipo e o
preconceito imperassem naquela situação.

Figura: Deputada Thainara Faria

Fonte: G1

Vivenciar as relações em sociedade sendo negro é um misto de medo,


desconfiança e preocupações contra os olhares e gestos daqueles que
reproduzem estigmas e lugares para os negros. A luta antirracista passa
pela desconstrução deste tipo de atitude. É ela a responsável pela
demonstração de que todos são iguais e podem estar e ser o que bem
quiser. Ocupar os espaços e não aceitar tais atitudes é um importante
caminho para reafirmar a presença negra na sociedade brasileira.
Neste módulo será discutido quais os impactos que ações estereotipadas e
como a presença do racismo estrutural atua sobre a condição psicológica
daqueles que sofrem pela sua cor de pele. Por tal meio entende-se possível
conhecer para não reproduzir o erro que exercem influência na manutenção
dos marcos racistas.
Unidade 1 - Microagressões: O que são e como Identificá-las

Vivemos num contexto em que o racismo estrutural está enraizado em todas


as vertentes da sociedade. Há situações que até bem pouco tempo eram
consideradas naturalizadas. Brincadeiras, piadas, chacotas. No entanto, a
virada de chave em compreender o quanto tais ações são representantes do
racismo fazem com que uma nova postura e crítica a tal comportamento
seja pautado como ponto de desconstrução do racismo estrutural.

As microagressões são comentários, perguntas ou ações dolorosas que


questionam ou colocam em validação uma pessoa de um grupo considerado
discriminado ou sujeito a estereótipos amplamente disseminados. Podem
ser também insultos verbais ou comportamentais, com ofensas hostis e
depreciativas (SANTOS et.all, 2023).

De acordo com reportagem da Revista Você RH, as microagressões são tão


prejudiciais quanto atos ou comentários abertamente preconceituosos,
reforçando desprezo, indignidades, depreciações e insultos diários que
negros, mulheres, populações LGBTQIPA+, pessoas com deficiência ou
pessoas silenciadas e/ou marginalizadas vivenciam em interações cotidianas
em diferentes contextos.

Muitas agressões são consideradas apenas “brincadeiras” na nossa


sociedade — e é aí que mora o perigo de criar muros quase intransponíveis
entre as pessoas. Um perigo chamado microagressões.

Para perceber e evitar as microagressões no cotidiano, é importante estar


atento aos comentários e perguntas que fazemos e recebemos. Algumas
frases aparentemente inofensivas podem ser microagressões. Veja a seguir:
Fonte: Defensoria Pública do Estado da Bahia, 2023

As microagressões racistas são atos ou comentários sutis, muitas vezes não


intencionais, que perpetuam estereótipos raciais e humilham indivíduos de
origens raciais ou étnicas marginalizadas. A frase “a coisa tá preta” está
embutida de um conteúdo preconceituoso e historicamente triste para a
construção da sociedade brasileira.

Fonte: Defensoria Pública do Estado da Bahia, 2023

Nesta mesma linha, a frase acima “feito nas coxas” também carrega
preconceito e racismo estrutural. Dizer que algo está mal feito não pode ser
remetido às rudezas da escravidão ou ao escravizado. O correto é apenas
dizer que tal situação ou coisa tem problemas e não foi feita corretamente.
O letramento racial, portanto, é algo que permeia a reescrita das relações
sociais e da própria história brasileira.
Exemplos de microagressões racistas incluem fazer suposições sobre a
formação cultural de alguém, usar insultos raciais ou linguagem
depreciativa ou rejeitar as experiências de racismo de alguém. Estas ações
podem parecer inofensivas para o agressor, mas contribuem para um
ambiente hostil e discriminatório para os indivíduos afetados.

Outra maneira como a microagressão racial se materializa no cotidiano é


vista em meios de transporte onde alguém muda de lugar quando uma
pessoa preta se senta ao seu lado. Ainda como exemplo, criar estereótipos
imaginando que um preto(a) é menos inteligente mesmo sem saber sua
formação ou origem, levando em consideração apenas o aspecto racial.

É importante reconhecer e abordar as microagressões racistas para promover


uma sociedade mais inclusiva e equitativa. A educação e a conscientização
desempenham um papel crucial no desafio a esses comportamentos. Ao ouvir
ativamente, aprender sobre diferentes culturas e envolver-nos num diálogo
aberto e respeitoso, podemos trabalhar no sentido de desmantelar o racismo
sistémico que perpetua estas microagressões.

Além disso, é essencial que os indivíduos reflitam sobre os seus próprios


preconceitos e privilégios para evitar a perpetuação de microagressões
racistas. Ao examinar as nossas próprias ações e linguagem, podemos
contribuir para a criação de um ambiente mais inclusivo e respeitoso para
todos.

Concluindo, as microagressões racistas são atos nocivos que perpetuam


estereótipos raciais e contribuem para uma atmosfera discriminatória. É
crucial que os indivíduos se eduquem, reflitam sobre os seus próprios
preconceitos e trabalhem ativamente para a criação de uma sociedade mais
inclusiva que valorize e respeite as experiências e identidades de todos os
indivíduos, independentemente da sua raça ou etnia.

Microagressões e as Mulheres Negras

As microagressões raciais de gênero podem ocorrer em diversos contextos,


como na escola, no trabalho, na mídia, na família e nas relações afetivas.
Alguns exemplos são: criticar o cabelo natural ou os traços físicos das
mulheres negras; exibir um ideal de beleza único e eurocêntrico; diminuir
as conquistas e as capacidades das mulheres negras; hipersexualizar ou
desumanizar seus corpos; ignorar ou desvalorizar suas vozes e opiniões;
questionar sua pertença a determinados espaços ou grupos; fazer piadas ou
comentários racistas ou sexistas.

Martins, Lima e Santos (2018) afirmam que há uma diferença significativa


entre o impacto da microagressão no homem negro e a mesma ação na
mulher negra. Além do objeto racismo há também a questão de gênero que
atinge diretamente aspectos fundantes da identidade da vítima.

Estar exposta a uma maior frequência de discriminação racial de gênero


afeta negativamente a autoestima de mulheres negras. Pode-se
compreender essa redução na autoestima em função desse conceito estar
relacionado a forma como os outros nos veem, assim, pessoas que tem
características desvalorizadas socialmente tenderiam a internalizar
parcialmente essas opiniões, de forma que apresentariam uma autoestima
mais baixa do que indivíduos pertencentes grupos mais valorizados
(MARTINS, LIMA e SANTOS, p. 2799, 2018).

Para a mulher, e em particular a mulher negra, a questão da imagem toma


uma dimensão determinante para sua autoestima. A comparação de seu
corpo com corpos brancos, a sexualização da sua imagem, os detalhes do
cabelo e demais aspectos impactam na forma como ela se vê e aceitação de
sua imagem frente à sociedade, conforme visto na passagem acima.
Unidade 2 - Piadas e Preconceito

Piadas são uma forma de humor que envolve fazer graça de situações,
pessoas ou grupos. Elas podem ser divertidas, inteligentes, irônicas ou
absurdas, mas também podem ser ofensivas, preconceituosas,
discriminatórias ou violentas. Quando as piadas se baseiam em estereótipos
negativos ou falsos sobre uma raça, etnia, cultura ou religião, elas são
chamadas de piadas racistas.

Fonseca (2012) faz referência ao riso proveniente da piada, como uma


expressão que tenta dar visibilidade à discriminação, mas com um ar de
descontração. Trata-se de um riso que vem de uma origem euro-ocidental,
como define o autor, e que está impregnada de preconceito e discursos
culturais. Isto porque é comum, para não dizer natural a piada com as
pessoas pretas.

De acordo com Fonseca (2012) a piada longe está se ser inocente. Há nela
um estímulo ao preconceito étnico-racial, homossexual, capacitista, dentre
outras abordagens. As mensagens carregam “contextualizações históricas,
de origem e de fins sociais” (2012, p.27) que delimitam posições sociais e
culturais. O piadista, portanto, tem um alvo e uma intenção.

Fonte: LinkedIn
Piadas racistas podem ter vários efeitos negativos, tanto para quem as
conta quanto para quem as ouve. De acordo com Fonseca (2012), elas
podem:

 Reforçar e legitimar o racismo na sociedade, criando uma falsa


sensação de superioridade ou inferioridade entre os grupos.
 Desumanizar e desrespeitar as pessoas que pertencem a uma
determinada raça, etnia, cultura ou religião, reduzindo-as a caricaturas
ou alvos de zombaria.
 Causar dor, angústia, humilhação, vergonha ou medo nas vítimas das
piadas racistas, afetando sua autoestima, saúde mental e bem-estar.
 Gerar conflitos, tensões, hostilidade ou violência entre os grupos,
prejudicando a convivência pacífica e harmoniosa na sociedade.

A título de exemplificação recentemente no Rio de Janeiro mãe e filha


fizeram um trote com crianças pretas. Elas eram abordadas e um presente
entregue pelas mulheres. A expectativa da criança em receber um
brinquedo ou outro presente era frustrada ao abrir a caixa e encontrar
bananas ou um macaco de pelúcia. A indignação tomou conta das redes
sociais e ambas foram bloqueadas no Instagram, Youtube e TikTok3.

A piada de fundo racista acaba consolidando o preconceito e a exclusão das


pessoas pretas na sociedade, delimita a elas uma posição de inferioridade e,
principalmente, “manipula com extrema habilidade o cenário aparente da
harmonia social” (FONSECA, 2012, p. 33). Trata-se, pois de um dos pontos
que sustentam o racismo estrutural na vida brasileira.

A ruptura com este processo é longa, demorada e vem sendo feita aos
poucos. O olhar mais atento às falas e comportamento em sociedade
começou a ser mais cuidado a partir início do século XXI. Vê-se este
caminhar, por exemplo, na mudança de letras de marchinhas tradicionais
ou na reescrita de determinadas piadas.

3
Veja mais sobre o caso na reportagem do Portal O Tempo.
Na figura a seguir é possível ter um antes e um depois deste processo de
mudança na maneira como as microagressões vão sendo minimizadas.

Fonte: FONSECA, 2012, p. 33

Você pode ver que na coluna “Antes” o principal alvo das piadas era o negro.
O negro minorizado, limitado a voar/crescer/subjugado. Está inserido nos
trabalhos braçais, na construção civil e é tão ruim quanto um câncer. Já na
coluna “Depois” a presença preta foi substituída, mas o olhar de superioridade
se mantém definindo um lugar inferiorizado ao Brasil e ao pobre.

Hoje a categoria de comediantes ganhou novos personagens que imprimem


um “riso antirracista” fazendo piadas com mais responsabilidade. Podem ser
citados Paulo Vieira, Yuri Marçal, Felipe Kot, Nathália Cruz entre outros que
produzem piadas mais bem elaboradas provocando riso e crítica ao mesmo
tempo (UOL, 2023).

Como meio de contribuir para que o processo pedagógico de


comportamento antirracista se amplie, deixamos algumas dicas para se
policiar e não reproduzir microagressões com posturas e falas que apenas
ratificam o histórico do racismo estrutural que precisa ser desconstruído:

 Eduque-se: Procure ler sobre o assunto e tente entender como as


microagressões afetam as pessoas.
 Pense antes de falar: Reflita sobre o que você está prestes a dizer e
como isso pode ser interpretado por outras pessoas.
 Ouça: Preste atenção ao que as outras pessoas estão dizendo e
procure entender como elas se sentem.
 Peça desculpas: Desculpa-se imediatamente ao perceber que fez
uma microagressão.
 Seja empático: Muitas vezes colocar-se no lugar do outro é o melhor
jeito de pensar antes de causar uma microagressão.

Portanto, é importante ter consciência e responsabilidade ao contar ou ouvir


piadas racistas. Elas não são apenas uma forma de humor inocente ou
inofensiva, mas sim uma manifestação de ódio, intolerância e ignorância.
Piadas racistas não devem ser toleradas nem normalizadas, mas sim
combatidas e denunciadas. O respeito à diversidade é um valor fundamental
para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e solidária.
Unidade 3 - Estereótipos Raciais e seus Impactos

O racismo é o preconceito e a discriminação baseados na origem étnica de


uma pessoa. Os estereótipos são ideias simplificadas e generalizadas sobre
um grupo social, que muitas vezes são negativas e falsas. No Brasil, o
racismo e os estereótipos são problemas históricos, culturais e estruturais,
que afetam a vida de milhões de pessoas negras e indígenas.

Como vimos anteriormente, o racismo no Brasil tem suas raízes na


escravidão de povos africanos e na colonização de povos indígenas, que
duraram mais de três séculos. A abolição da escravidão, em 1888, foi feita
sem garantir direitos e oportunidades para os ex-escravizados, que foram
marginalizados e excluídos da sociedade (FERNANDES, 1978). O mito da
democracia racial, que afirma que o Brasil é um país harmonioso e sem
conflitos raciais, também contribuiu para ocultar e negar o racismo,
impedindo a adoção de medidas efetivas para combatê-lo.

As construções sociais estereotipadas possuem em si “aspectos basilares


das emoções, sensações e comportamentos contra membros de grupos ou
categorias distintas” (PEREIRA, 2019 apud. JAIRO e FRANÇA, 2022, p. 3).
Assim, as relações sociais acabam sendo distorcidas e fantasiadas. As
relações intergrupais são condicionadas a um modelo pré-definido e repleto
de atributos nem sempre produtivos.

Os estereótipos sobre as pessoas negras e indígenas, em especial, no Brasil


são fruto de uma visão eurocêntrica e branca, que desvaloriza e inferioriza
as culturas, as religiões, as línguas, as artes, as ciências e as histórias
desses povos. Esses estereótipos são reproduzidos pela mídia, pela
educação, pela literatura, pelo cinema, pela música e por outras formas de
expressão cultural, reforçando o preconceito e a discriminação.

Podemos exemplificar a construção de estereótipos raciais no Brasil a partir


da forma como o povo preto foi representado, por longos anos, nas
telenovelas brasileiras. As novelas são consideradas uma marca cultural do
país. São não apenas formas de entretenimento, mas também um
instrumento de debate de questões cotidianas. Seu alcance é amplo indo de
norte a sul do país o que a faz ser bastante relevante em termos culturais
(ARAÚJO, 2019).

No entanto uma questão se faz presente: Como o negro é retrato nesta


manifestação cultural brasileira? A análise da representação dos negros nas
telenovelas brasileiras revela como o racismo estrutural se consolidou nos
meios de comunicação e fez uso deste instrumento para criar uma falsa
versão do que é a sociedade brasileira.

O resultado disso é que o discurso midiático brasileiro primeiro fortalece a


ideia da branquitude, do privilégio branco. Os protagonistas são brancos,
em sua maioria. E há uma hipervalorização do negro em relação à
criminalidade e à pobreza. Isso cria uma naturalização do que é ser branco
e do que é ser negro no Brasil (SANTOS, 2019).

A chegada das transmissões televisivas no Brasil data de 1950. No entanto,


a primeira produção com um personagem negro ocorreu somente em 1969
na novela Cabana do Pai Tomás. Momento marcante no qual a atriz Ruth
Souza ganhou projeção. Como vimos anteriormente a atriz fez parte do
Teatro Experimental do Negro e já era conhecida no meio artístico.

Mas esta novela inaugurou no Brasil o blackface, ou seja, um ator branco foi
maquiado para escurecer a pele e fazer o papel de um homem negro. Tal
método já era comum nas telas norte-americanas e reforçava o estereótipo
dado ao negro. De forma geral o negro foi representado, até pouco tempo,
como sendo uma pessoa bastante humilde, sem posses, com pouca
instrução. Na maioria das vezes moradores periféricos. Enquanto que os
brancos recebiam papéis de destaque, protagonistas e bem-sucedidos, os
papéis designados aos atores e atrizes negros eram subalternizados:
motoristas, empregadas domésticas, babás dentre outros.

A partir dos anos de 1990, houve uma mudança. Uma maior quantidade de
atores e atrizes bem como papeis de destaque. Hoje há uma preocupação
maior com o papel do negro abrindo caminhos para novelas com alto
percentual de atrizes e atores negros como foi o caso da novela “Vai na fé”
da TV Globo que tinha aproximadamente 70% de pretos em seu elenco. Na
presença preta de Maju Coutinho na apresentação do Fantástico e no papel
relevante que Glória Maria deu ao jornalismo negro brasileiro.

As consequências do racismo e dos estereótipos na sociedade brasileira são


graves e evidentes. As pessoas negras e indígenas sofrem com a violência
policial, a falta de acesso à saúde, à educação, à moradia, ao trabalho, à
cultura e à política. Elas também são vítimas de injúria racial, racismo
institucional, genocídio, feminicídio, intolerância religiosa e outras formas de
violação dos direitos humanos.

Mas os estereótipos não são restritos às telas da televisão. A vida real, em


seu dia-a-dia, expõe uma quantidade de situações nas quais cria-se uma
leitura fantasiosa contra o povo preto. Uma destas posturas é afirmar que o
homem negro é violento, o alto número de negros assassinados pela polícia
ou a fetichização da mulher preta.

Ou ainda que mulheres negras são mais fogosas que as mulheres brancas.
Um terceiro estereótipo é o de que as pessoas pretas são mais sensuais,
mais exóticas e mais fetichizadas do que as pessoas brancas. Esse
estereótipo tem origem na mulher como objeto sexual desde a época da
escravidão. Esse estereótipo se reflete na exploração sexual, no assédio e
no estupro das pessoas pretas, especialmente das mulheres pretas.

Entretanto, nenhum outro estereótipo é tão gritante quanto o que os


números revelam sobre as abordagens policiais.

Fonte: Rede de Observatórios da Violência


Neste caso o estereótipo é o de que as pessoas negras são mais violentas,
mais criminosas e mais perigosas do que as pessoas brancas. Essa
concepção tem origem na criminalização da pobreza e na resistência das
pessoas pretas ao longo da história. Esse estereótipo se reflete na violência
policial, que mata desproporcionalmente mais pessoas pretas do que
pessoas brancas no Brasil.

A Rede de Observatórios da Segurança realizou pesquisa no ano de 2021 e


revelou que a cada dez pessoas mortas em ações policiais seis eram pretas.
Foram analisados dados de sete estados da federação: São Paulo, Rio de
Janeiro, Bahia, Ceará, Maranhão, Piauí e Pernambuco. A Rede afirma que a
polícia militar “é o braço racista do Estado” (REDE DE OBSERVATÓRIOS DA
SEGURANÇA, 2022) e, por consequência, a concretização do racismo
estrutural.

Fonte: Rede de Observatórios da Violência

O Rio de Janeiro, por exemplo, é um território onde os mortos pela polícia


passam da casa dos milhares. Conhecida por sua beleza natural, sua cultura
e sua diversidade são também internacionalmente pela violência, pela
desigualdade e pelo racismo nos morros. Nas favelas do Rio, onde vivem
milhões de pessoas, a maioria negra, a violação dos direitos humanos é
uma realidade cotidiana. As operações policiais nas favelas são frequentes e
muitas vezes resultam em mortes de civis inocentes, que são vistos como
suspeitos apenas por sua cor de pele.

É o caso da morte do adolescente Thiago Menezes Flausino de 13 anos. Ele


foi fuzilado por militares na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. Testemunhas
afirmam que os policiais forjaram uma troca de tiros após a morte do garoto.
O jovem era estudante, frequentava a igreja e tinha o sonho de ser jogador
de futebol.

Para enfrentar o racismo e os estereótipos na sociedade brasileira, é preciso


reconhecer que eles existem e que são estruturais. É preciso também ter
ações antirracistas de fato, que envolvam a educação, a legislação, as
políticas públicas, a mídia, a cultura e a participação social. Efetivar a
democracia racial.

O caminho é a valorização e respeito à diversidade étnica do Brasil,


reconhecendo as contribuições históricas e atuais das pessoas negras e
indígenas para a formação da identidade nacional. É preciso apoiar os
movimentos sociais que lutam pelos direitos das populações negras e
indígenas no Brasil.

E é preciso se solidarizar e apoiar as vítimas do racismo e dos estereótipos,


denunciando as situações de violência e injustiça. O racismo e os
estereótipos na sociedade brasileira são desafios que exigem o
compromisso de todos e todas para serem superados. Somente assim
poderemos construir um país mais justo, democrático e plural.
Unidade 4 - Efeitos do Racismo na Saúde Física e Mental

As microagressões ou ações marcadamente racistas podem ocorrer em


vários ambientes, como locais de trabalho, escolas ou espaços públicos, e
podem ter um impacto significativo no bem-estar e na saúde mental. O
racismo estrutural afeta a vida das pessoas de diversas maneiras. Viver
uma experiência de racismo e preconceito causa um estresse abundante na
vítima. Soma-se a isto, a síndrome de burnout, por exemplo. Estar em
ambientes que são tóxicos nos quais as questões raciais são ignoradas e
por vezes tratada como chacota, pode causar danos irreversíveis
(DELGADO, 2020).

Recentemente uma criança de nove anos que tinha o sonho de ser modelo
sofreu graves ataques racistas por parte na escola em que estudava. Foi
chamado de “projeto de bandido” e “macaco” por uma aluna e pela mãe
dela. O garoto que gostava de tirar fotos agora está revoltado e não que
mais ir à escola.

Fonte: G1

Sua fala expressa toda a inferioridade, tristeza e mágoa que uma criança
que tem sonhos para o futuro não merece ouvir. A escola, diante do fato,
não tomou uma atitude pedagógica de falar sobre o racismo e seus efeitos.
Portanto, percebe-se que os traumas dos anos de colonização e escravatura
são muito profundos ainda hoje.

Esta situação vivida por esta criança não é uma exceção. Os jovens negros
que cometeram atos contra a própria vida cresceram no Brasil. Entre os
anos de 2012 a 2016 os suicídios cometidos por jovens negros cresceram
12% entre a população de 10 a 29 anos de idade, segundo dados do
Ministério da Saúde.

O suicídio é um importante problema de saúde pública e como tal tem por


trás um conjunto de fatores determinantes. Há evidências de que fatores
sociais, culturais, econômicos e históricos influenciam na vulnerabilidade e
na prevenção do suicídio. Um desses fatores é o racismo, que gera
sofrimento, exclusão, violência e desigualdade entre as pessoas negras
(BRASIL, 2018).

Interessante perceber que este número fica ainda maior se for segmentado
por gênero. O sexo masculino negro apresenta, segundo a pesquisa, 50%
mais chances de cometer suicídio do que a população masculina branca da
mesma faixa etária.

Esses dados revelam que o racismo estrutural, que se manifesta nas


instituições, nas políticas públicas, na mídia, na educação, na saúde e em
outras esferas da sociedade, tem um impacto direto na saúde mental e na
qualidade de vida dos jovens negros. Houve um crescimento bastante
significativo de suicídios entre 2012 e 2016.

O racismo produz estereótipos negativos, discriminação, preconceito,


violência física e simbólica, baixa autoestima, falta de oportunidades e de
reconhecimento social (BRASIL, 2018). Esses fatores podem gerar
sentimentos de angústia, solidão, desesperança, culpa e desvalorização
pessoal, que podem levar à ideação e ao comportamento suicida.

A manutenção da saúde mental perpassa uma série de fatores que


transitam entre o biológico, passa por aspectos psicológicos e sociais.
Portanto, estar exposto a episódios constantes de violência racial,
discriminação ou preconceito, interfere de maneira negativa na saúde
mental e, consequentemente a saúde física das pessoas (MARTINS, LIMA E
SANTOS, 2018).

Portanto, é fundamental que se reconheça o racismo como um determinante


social da saúde e que se desenvolvam estratégias de prevenção do suicídio
que considerem as especificidades e as demandas da população negra. São
primordiais a valorização da cultura afro-brasileira, o combate ao racismo
em todas as suas formas, o acesso à educação, ao trabalho, à renda e aos
serviços de saúde de qualidade (MARTINS, LIMA E SANTOS, 2018).

É preciso também fortalecer as redes de apoio social e comunitário, incentivar


o diálogo sobre o tema e oferecer acolhimento e tratamento adequado às
pessoas em sofrimento psíquico. Ser acolhido é um importante gesto que
setores públicos e privados podem propiciar em seus locais de atuação.

Por exemplo, a plataforma Acolhe Black, pensada e cuidada pela Faculdade


Zumbi dos Palmares, concede apoio psicológico com escuta humanizada e
com anonimato, bem como assessoria jurídica para aqueles que quiserem
dar formalizar ações frente a justiça. Desta forma, com atendimento
gratuito há um cuidado das vítimas de racismo.
Os Efeitos Psicológicos do Racismo entre Mulheres

Questão relevante ao olhar para as microagressões e a possibilidade de


recorte feito a partir das mulheres negras. Estudo realizado no
departamento de Psicologia da Universidade de Brasília em 2018 identificou
que há um impacto severo no sistema psicológico das mulheres negras que
vivenciam episódios de racismo. Entre elas a saúde mental fica
primeiramente afetada a partir da autoestima.

As mulheres negras são frequentemente vítimas de microagressões raciais


de gênero, que também envolvem os processos de marginalização,
silenciamento e objetificação vivenciados por elas (SANTOS et.al, 2023).
Essas experiências têm um impacto negativo na saúde mental das mulheres
negras, afetando sua autoestima, sua identidade e seu bem-estar.

De acordo com Santos (SANTOS et.al, 2023). Esses atos aparentemente


sutis, mas constantes e repetitivos, podem gerar um estresse psicológico
crônico nas mulheres negras, que se sentem desrespeitadas, humilhadas,
invisibilizadas e excluídas. O reflexo destes comportamentos são a ansiedade,
a depressão, a baixa autoestima e até mesmo o isolamento social.

Além disso, as microagressões podem afetar a identidade das mulheres


negras, que muitas vezes rejeitam sua negritude ou tentam se adequar aos
padrões impostos pela sociedade. No entanto, as mulheres negras também
podem desenvolver estratégias de resistência e superação diante das
microagressões raciais de gênero.

É o que aponta os autores ao afirmarem que “o processo de tomada de


consciência, reconhecimento e aceitação da negritude, que impulsiona a
autoestima e a construção de uma nova identidade como mulher negra.”
(SANTOS et.al, 2023, p.1). Desta forma, o reconhecimento da negritude
se faz de forma coletiva com fortalecimento e noção de pertencimento.

Portanto, as microagressões raciais de gênero são uma forma de violência


simbólica que afeta a saúde mental das mulheres negras. É preciso
combater esse fenômeno por meio da educação antirracista, da valorização
da diversidade e da cultura afro-brasileira, da promoção da equidade racial
e de gênero, da denúncia e da responsabilização dos agressores (SANTOS
et.al, 2023, p.1).

Também é necessário oferecer apoio psicológico às mulheres negras que


sofrem com as microagressões, respeitando suas singularidades e suas
demandas. Assim, será possível contribuir para o empoderamento e a
emancipação das mulheres negras na sociedade.
Unidade 5 - A Desigualdade Racial sem Acesso a Oportunidades e
Recursos: O Racismo Ambiental

A desigualdade racial é um problema social grave que afeta milhões de


pessoas no Brasil e no mundo. Trata-se da situação em que pessoas de
diferentes grupos étnico-raciais têm oportunidades, acesso a recursos,
poder e trabalho desiguais, em função de preconceitos, discriminação e
racismo. A desigualdade racial tem origem histórica na escravidão, no
colonialismo e no imperialismo, que subjugaram e exploraram povos
negros, indígenas e outros (SANTOS, 2009).

A desigualdade racial persiste até hoje, apesar de algumas conquistas legais


e políticas, porque ainda há resistência e negação em reconhecer o
problema e enfrentá-lo. Desta forma, a desigualdade racial se manifesta em
diversas dimensões da vida social, como a educação, a saúde, o trabalho, a
renda, a cultura, a política e a justiça.

A população preta no Brasil representa 55% da população brasileira, mas


são maioria entre os pobres (75%) e os extremamente pobres (67%). São
estes que têm menor escolaridade, menor acesso à saúde, menor
participação política e maior vulnerabilidade à violência. As mulheres negras
sofrem ainda mais com a dupla discriminação de gênero e raça.

A desigualdade racial compromete o desenvolvimento humano das pessoas


negras, que são privadas de exercer plenamente seus direitos e
potencialidades. Ela prejudica inclusive o crescimento econômico e social do
país, que desperdiça talentos e recursos humanos. É, portanto, uma
violação dos direitos humanos e uma ameaça à democracia, pois gera
conflitos, tensões e injustiças (SANTOS, 2009).

Assim, hoje um novo termo é utilizado para caracterizar o racismo e a


desigualdade: o racismo ambiental. Este conceito se consolida ao
observarmos no contexto das cidades, os problemas socioambientais que
são enfrentados por populações mais vulneráveis. Ou seja, estão em
cotidianamente sendo atingidas pelo racismo e que não é apenas pela cor
da pele ou pelo tipo de cabelo.

O conceito de racismo ambiental surgiu nos Estados Unidos, na década de


1980, com o ativista afro-americano Benjamin Chavis Jr., que denunciou que
a população negra era a mais vitimada pela degradação ambiental. Racismo
ambiental é um termo que se refere à discriminação que populações
vulneráveis, como negros, indígenas, quilombolas e ribeirinhos, sofrem por
causa da degradação ambiental (PORTO; PACHECO; LEROY, 2013).

No Brasil, o racismo ambiental também é uma realidade que atinge as


populações marginalizadas e invisibilizadas pela sociedade. Essas
populações são mais afetadas por problemas como poluição, desmatamento,
enchentes, secas e rompimento de barragens. O racismo ambiental revela
que a crise climática não atinge todas as pessoas da mesma forma, mas sim
de acordo com fatores sociais, econômicos e históricos.

As consequências desse racismo por denegação estruturaram-se,


principalmente, na forma como lidamos com o cotidiano das cidades e as
condições de vida determinadas para as pessoas que fazem parte dessa
ambiência, em especial a população negra (FUENTES, 2021). Dentre as
inúmeras constatações desse processo, encontra-se as injustiças sociais que
podem ser verificadas pelo acesso dessa população aos bens e serviços e,
também, no que concerne à segregação racial perpetrada nos espaços da
comunidade afrodescendente nas áreas de risco e nas ocupações irregulares
das grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro ou Salvador.

Nestas e em outras localidades do país e mundo à fora, os afrodescendentes


são condicionados a viver em locais com pouca infraestrutura. Constroem
suas casas em áreas de riscos e são mais propensas a contraírem doenças
como diarreia, tifo, dengue, febre amarela, hepatite ou leptospirose. Estas
são caracterizadas como problemas diretamente relacionados a falta de
investimento em saneamento básico.
Espaços como este retratado na foto são comuns pelas periferias brasileiras.
Elas ressaltam um dado apresentado pela PNUD Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento do ano de 2017 que os negros do país
tinham dez anos atraso em relação aos brancos no que se referia ao índice
de Desenvolvimento Humano – IDH. Este marcador analisa a renda per
capita, acesso à educação e expectativa de vida. Menor acesso à educação
pode levar a uma renda mais baixa, maiores dificuldades de acesso à saúde
e demais aspectos imprescindíveis para a vida em plenitude.

Para combater a desigualdade racial, é preciso adotar medidas que promovam


a igualdade de oportunidades e o acesso universal aos bens e serviços
públicos. É preciso também implementar políticas afirmativas que corrijam as
distorções históricas e estruturais que favorecem os grupos dominantes.

Ponto complementar é educar para o respeito à diversidade e para o combate


ao racismo em todas as suas formas. É preciso, enfim, construir uma
sociedade inclusiva e solidária, que reconheça e valorize as contribuições de
todos os grupos étnico-raciais para a formação da nação brasileira.
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