Você está na página 1de 24

História

A “democracia racial” e a negação do


racismo no Brasil

1o bimestre – Aula 1
Ensino Médio
● “Democracia racial”; ● Analisar as relações entre o
conceito de “democracia
● Racismo no Brasil;
racial” e a construção de uma
● A “mestiçagem como atributo” identidade mestiça no Brasil;
da identidade brasileira.
● Desnaturalizar a ideia de
“tolerância racial” que
fortaleceu a crença de que no
Brasil não haveria racismo ou
preconceito racial.
TODOS FALAM!

● Como você definiria racismo? Você concorda


que “o brasileiro só vê o racista no outro”?
● O que a fotografia ao lado revela sobre o
racismo no Brasil, justamente, no ano do
centenário da Abolição, em 1988? Atualmente,
essa discriminação no elevador (“social” e de
“serviço”) ainda é parte da realidade de nosso
país? Pense bem!

Fotografia: Custódio Coimbra. Jornal do Brasil, 4 de


dezembro de 1988. (SCHWARCZ, 2012). 3 MINUTOS
Racismo ontem e hoje!
Atualmente, ainda existem pessoas que afirmam não haver racismo no
Brasil ou, melhor dizendo, que os atos de preconceito, discriminação e
segregação ocorridos diariamente são atitudes individuais que não
correspondem ao comportamento geral da população brasileira.
Será mesmo?

Racismo: previsto na Lei Federal no 7.716/1989, a conduta discriminatória a determinados


grupos e coletividade em virtude de sua origem étnica ou “racial” é um crime inafiançável e
imprescritível. Parte da ideia de superioridade de uma “raça” em relação a outra.
DE SURPRESA!

Leia os trechos de entrevistas nos slides a seguir e, em dupla, discuta!

● Quais são os argumentos trazidos pelos antropólogos Lilia


Schwarcz e Kabengele Munanga acerca das “particularidades do
racismo” no Brasil? Reflita!
Lilia Schwarcz: quase pretos, quase brancos
ENTREVISTA Por Carlos Haag

“[...] Aqui [no Brasil], ‘ninguém é racista’, como determinou, em 1988, no


centenário da Abolição, uma pesquisa cujos resultados eram sintomáticos: 97%
dos entrevistados afirmaram não ter preconceito. Mas, ao serem perguntados
se conheciam pessoas e situações que revelavam a discriminação racial no país,
98% responderam com um sonoro ‘sim’. ‘A conclusão informal era que todo
brasileiro parece se sentir como uma ilha de ‘democracia racial’, cercado de
racistas por todos os lados’ - avalia a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, do
Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo”. (Pesquisa
Fapesp, 2007, no 134).
Kabengele Munanga: mito da democracia
ENTREVISTA
racial faz parte da educação do brasileiro
Por Thiago de Araújo
“[...] Cada país que pratica o racismo tem suas características. As características do racismo
brasileiro são diferentes. Por que o brasileiro não se considera racista ou preconceituoso em
termos de raça? Porque o brasileiro não se olha no seu espelho, nas características do seu
preconceito racial. Ele se olha no espelho do sul-africano, do americano, e se vê: ‘olha, eles
são racistas, eles criaram leis segregacionistas. Nós não criamos leis, não somos racistas.
Tem mais: tem o mito da democracia racial, que diz que não somos racistas. Esse mito (da
democracia racial) já faz parte da educação do brasileiro. [...] Se você pegar um brasileiro
até em flagrante em um comportamento racista e preconceituoso, ele nega. Isso tem a ver
com as características históricas que o nosso racismo assumiu, um racismo que se constrói
pela negação do próprio racismo.” (Portal Geledés, 2016).
Correção
Os antropólogos Lilia Schwarcz e Kabengele Munanga, nos trechos de suas
entrevistas, destacam como a ideia da democracia racial sugere a negação e a
desconexão entre a autopercepção e a realidade racial no Brasil, contribuindo
para a dificuldade de reconhecimento e enfrentamento do problema.
Negando o racismo, imputando ao “outro”, criou-se uma imagem de um país
no qual as relações raciais seriam “harmoniosas e igualitárias”. Ao se
compararem com nações que tiveram leis segregacionistas e manifestações
explícitas de racismo, como casos dos EUA e da África do Sul, essas sim
nações racistas, os brasileiros negam o próprio racismo ao não reconhecerem
seus próprios preconceitos – o preconceito de ter preconceito.
Continua...
A “democracia racial” e a mestiçagem como
atributo da identidade brasileira
● No contexto da década de 1930, a identidade nacional foi associada e forjada, a
partir da valorização da integração, do “amálgama” dos diferentes grupos
“raciais” formadores da população brasileira. Tendo como referência uma visão
culturalista de Gilberto Freyre, estabeleceu-se a noção de que o Brasil seria uma
sociedade na qual, em vez da discriminação e da segregação raciais absolutas, a
miscigenação tornou-se um aspecto positivo de nossa cultura e possibilitaria o
“convívio harmonioso” entre as diferentes “raças”.
Gilberto Freyre (1900-1987) foi um sociólogo, historiador e ensaísta brasileiro. É
considerado um dos mais importantes sociólogos do século XX. Cursou o mestrado e o
doutorado em ciências políticas, jurídicas e sociais na Universidade de Columbia, nos
Estados Unidos, recebendo grande influência do antropólogo Franz Boas. Fotografia de
1945. O Diário de Pernambuco, autor desconhecido.
● A ideia de democracia racial inverteu a percepção acerca da mestiçagem,
tida como prejudicial na concepção teórica do século XIX, oferecendo uma
visão otimista da realidade brasileira, positivando a mistura racial, como
resultado da convivência harmoniosa no Brasil entre as matrizes europeia,
ameríndia e africana. Notadamente, Freyre não desconsiderava os conflitos
nas relações raciais; no entanto, enfatizou suas contribuições para a
constituição da identidade nacional brasileira.
● A difusão dessa perspectiva, de “tolerância racial”, fortaleceu a crença de
que no país não haveria discriminação e preconceito e, nesse sentido, o
Brasil foi tomado como “modelo a ser seguido”, quando comparado com
países em que a segregação era visível tanto social, quanto legalmente
(casos como EUA ou África do Sul).
Virem e conversem!

Em dupla, leia os excertos de textos nos slides a seguir,


discuta e registre suas análises!

1. O que seria a denominada “democracia racial” no Brasil? Explique com


suas palavras.
2. Por que a democracia racial, segundo o autor do Texto I, seria um
recurso de negação do racismo em nosso país? Qual seria a origem
desse discurso? Explique.
3. Qual é a crítica contida no Texto II sobre o racismo ser um atributo do
“outro”? O que isso quer dizer? Em que espaços se manifesta e por quê?
Continua...
TEXTO I – Nossa “democracia racial”
“No Brasil, a alegada e aparente convivência pacífica entre negros e brancos, em
harmonia e sem conflitos, assentava-se no estabelecimento, para o indivíduo
negro, de um território social específico, de lugares hierárquicos, de ‘bantustões’
invisíveis, dos quais ele só sairia se portador de um ‘passaporte’ muito especial;
ou se disposto a abandonar sua identidade negra. E dentro dos seus ‘lugares de
negro’ (morros, favelas, cortiços, subúrbios, periferias), ele sempre deveria se
comportar segundo os papéis a ele determinados pela escritura dominante,
dentro de estereótipos, enfim.” (LOPES, 2007, p. 151-152).

Vocabulário:
Um bantustão era um território separado para os habitantes negros da África do Sul e do
Sudoeste Africano, como parte da política de apartheid adotada no final da década de 1940.
“[...] Assim, dentro da imaginária democracia racial brasileira, um bom negro era
o empregado doméstico, o motorista da família, a babá, o sambista, a ‘mulata
assanhada’, o jogador de futebol etc. Então, a mentirosa e demagógica
‘democracia racial brasileira’ é um recurso que muitos ainda continuam usando
para negar a existência do racismo entre nós. Essas pessoas, mesmo
reconhecendo a baixa condição social e econômica dos afro-brasileiros, alegam
que ela não se deve a racismo e sim a fatores puramente econômicos. Por
desconhecimento ou má-fé, essas pessoas negam o fato de a origem africana
constituir uma barreira invisível e intransponível à mobilidade social, econômica
e política do povo negro no Brasil. Temos casos de ascensão individual. Mas isso
é sempre exceção.” (LOPES, 2007, p. 151-152).
TEXTO II “Raça como outro”
“[...] ninguém nega que exista racismo no Brasil, mas ele é sempre um
atributo do ‘outro’. Seja da parte de quem preconceitua, seja da parte de
quem é preconceituado, difícil é reconhecer a discriminação, e não o ato de
discriminar. Além disso, o problema parece se resumir a afirmar
oficialmente o preconceito, e não a reconhecê-lo na intimidade. Esse
conjunto de argumentos demonstra como estamos diante de um tipo
particular de racismo; um racismo sem cara, que se esconde por trás de uma
suposta garantia da universalidade das leis que lança para o terreno do
privado o jogo da discriminação.
Continua...
Numa sociedade marcada historicamente pela desigualdade, pelo
clientelismo e pelo paternalismo das relações, o racismo se afirma
basicamente de forma privada. No entanto, depende da esfera pública para
sua explicitação, numa complicada demonstração de etiqueta que mistura
raça com educação, posição social e econômica. ‘Preto rico no Brasil é branco,
assim como branco pobre é preto’, diz o dito popular.” (SCHWARCZ, 2001, p.
77-78).
Correção
O termo “democracia racial” pressupõe a plena igualdade entre as pessoas,
independentemente de raça, cor ou etnia. Igualdade já garantida por lei em
nosso país. O texto de Nei Lopes desconstrói o conceito de democracia
racial ao explicitar que o discurso da “harmonia entre as raças” no Brasil
seria uma forma de negação do racismo, supondo que o problema das
desigualdades estaria relacionado à ordem econômica, desconsiderando o
quanto a experiência da escravidão e seus desdobramentos no mundo
contemporâneo estão relacionados ao racismo e às estruturas sociais e
institucionais. Um dos enfoques do texto está na crítica concernente ao
“lugar do negro” na sociedade contemporânea.
Continua...
Correção
Casos de ascensão social são exceções, e essa especificidade está relacionada ao
discurso construído de que nossa escravidão foi “branda”, pois pautada nos
afetos, na família, ou seja, na “proximidade entre o senhor e o escravizado”. Esse
discurso serviu como máscara para os conflitos sociais e raciais, relegando o
afro-brasileiro a um “território” específico.
Na mesma linha de análise, Lilia Schwarcz explicita as características do racismo
à brasileira. “Eu não sou racista”, mas “o outro o é”. Se possuímos leis que
garantam a igualdade entre os indivíduos, as atitudes discriminatórias são
lançadas e observadas na vida privada – “difícil é reconhecer a discriminação, e
não o ato de discriminar” –, ou seja, o ato do preconceito, apesar da
universalidade das leis, é silenciado, já que passível de punição apenas quando
público.
Continua...
Correção
Cabe sempre ao outro o fato de ser racista, a discriminação torna-se
invisibilizada na falta de acesso à plena cidadania, na desvalorização do
trabalho manual em nosso país, questões abordadas por ambos os textos
quando afirmam que o “bom negro” seria o empregado doméstico, o
motorista da família, a babá etc., ou quando torna-se exceção – “Preto rico
no Brasil é branco”, ou seja, quando possui “posição social e econômica”.
Essa ideia, notadamente, está relacionada à construção da sociedade
brasileira, que traz consigo a desigualdade, a supervalorização da esfera
privada em detrimento da pública.
Para aprender mais

Assista!
“A ladainha da democracia racial”
Lilia Moritz Schwarcz

https://cutt.ly/nwYIJale

Lilia Schwarcz, no IEA-USP, 2017.


(Créditos: Leonor Calasans).
TODO MUNDO ESCREVE

Para sintetizar suas ideias, elabore um texto que aborde a questão do


racismo no Brasil após seus estudos da aula de hoje! Pense sobre:

Por que é importante falar sobre racismo e qual é O Brasil é uma democracia
a importância de uma educação antirracista? racial?
Racismo é crime? As leis não deveriam ser O que precisa ser feito para
suficientes para “resolver o problema”? combater o racismo de fato?
● Analisamos as relações entre o conceito
de “democracia racial” e a construção de
uma identidade mestiça no Brasil,
positivando a mistura racial como
resultado da convivência harmoniosa
entre as matrizes europeia, ameríndia e
africana;
● Desnaturalizamos a ideia de “tolerância
racial” que fortaleceu a crença de que no
Brasil não haveria racismo ou preconceito
racial; um racismo que se construiu pela
negação do próprio racismo.
Slide 6 – HAAG, C. Lilia Schwarcz: Quase pretos, quase brancos. Revista Pesquisa FAPESP. Edição 134, abr.
2007. Disponível em: https://cutt.ly/RwQ3H6xe. Acesso em: 13 nov. 2023.
Slide 7 – ARAÚJO, T. de. Mito da democracia racial faz parte da educação do brasileiro, diz antropólogo
congolês Kabengele Munanga. Portal Geledés, 29/01/2016. Disponível em: https://cutt.ly/3wQ3JDb9.
Acesso em: 13 nov. 2023.
Slides 9 e 10 – Adaptado de: BRAICK, P. R. [Et al.]. Moderna Plus: Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
Vol. 6. Conflitos e Desigualdades. São Paulo: Moderna, 2020.
Slides 12 e 13 – LOPES, Nei. O racismo explicado aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2007. p. 151-152.
Slide 14 e 15– SCHWARCZ. Lilia Moritz. Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2001. p. 77-78.
LEMOV, Doug. Aula nota 10 3.0: 63 técnicas para melhorar a gestão da sala de aula. Porto Alegre:
Penso, 2023.
Lista de imagens e vídeos
Slide 3 – Fotografia de Custódio Coimbra/Jornal do Brasil, 4 de dezembro de 1988. Apud: SCHWARCZ. L.
Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. São Paulo: Claro
Enigma, 2012.
Slide 9 – Gilberto Freyre. Fotografia de 1945. O Diário de Pernambuco, autor desconhecido. Disponível
em: https://cutt.ly/ywYA52b4. Acesso em: 14 nov. 2023.
Slide 19 – Lilia Schwarcz, no IEA-USP, 2017. (Créditos: Leonor Calasans). Disponível em:
https://cutt.ly/DwYDUSF6. Acesso em: 14 nov. 2023; Extraído de Canal da Lili. (Lilia Moritz Schwarcz). A
ladainha da democracia racial [https://cutt.ly/nwYIJale].
Gifs e imagens ilustrativas elaboradas especialmente para este material a partir do Canva. Disponível em:
https://www.canva.com/pt_br/. Acesso em: 14 nov. 2023.

Você também pode gostar