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Julia Barreto

VIDAS E CERCAS
“Eu perguntei a Deus do céu, ai, porque tamanha judiação”. A música “Asa branca”,
composta por Luiz Gonzaga, explicita as dificuldades encontradas por indivíduos
marginalizados do Sertão nordestino na busca por uma vida digna. Malgrado sua inserção no
âmbito artístico, a obra não se restringe somente a esse, haja vista a elucidação do contexto
depreciativo responsável por incentivar o sentimento de inferioridade por diversos cidadãos
brasileiros, seja por razões socioeconômicas, seja por obstáculos linguísticos.
É fulcral pontuar que o grande abismo entre as classes sociais ratifica a sensação de
subordinação. Na obra modernista “Vidas secas”, no capítulo denominado “festa”, o grande
incômodo sentido por Fabiano ao utilizar calçados explicita sua posição alheia a “essa gente da
cidade”. Analogamente ao livro, um contexto de profundas desigualdades entre a qualidade de
vida dos sujeitos à margem da sociedade e as benesses acessadas pelos grupos de maior
prestígio, limita-se a capacidade de identificação e, por conseguinte, desabilita-se a instauração
de uma relação de igualdade entre sujeitos desses estratos. Nessa perspectiva, vários cidadãos,
assim como Fabiano, sentem-se apartados e ínfimos diante das assimetrias sociais.
Deve-se destacar, ademais, a influência do desconhecimento do processo argumentativo à
manutenção da inferioridade sentida por certos grupos. Consoante ao filósofo Habermas, a
linguagem apresenta-se como a principal ferramenta na reinvindicação de direitos. Desse modo, a
desigualdade no acesso à educação viabiliza que coletividades possuam a dignidade agredida, visto a
incapacidade de aclamar suas condições básicas pela ausência de recursoslinguísticos que atendam a
essa necessidade. Assim, os cidadãos são subjugados a um sistema que ameaça sonegar-lhes
seus próprios direitos, fomentando a perpetuação de uma péssima qualidade de vida e do
sentimento de subordinação.
Torna-se claro, portanto, que as discrepâncias entre classes sociais e a falta de
conhecimento sobre retórica viabilizam severos impactos na autoestima e inclusão de
certos indivíduos, danificando seu bem-estar e fomentando a convivência com a sensação de
subalternidade. Resta saber se, tornar-se-ia possível destruir o muro invisível que segrega as
realidades cívicas e garantir que o cenário cantado em “ Asa branca” transforme-se,
finalmente, em ficcional.
Natália Vieira

VIDAS INFERIORIZADAS
Glauber Rocha, cineasta brasileiro, produziu o filme “Deus e o diabo na terra do sol”,
longa metragem conhecida por criticar socialmente a opressão vivenciada pelos sertanejos
e a pobreza preponderante na região da Caatinga. Nesse sentido, mimetiza-se a realidade
enfrentada por milhares de brasileiros, devido a questões sociais, políticas e econômicas.
Diante disso, pode-se inferir a relevância da falta de altruísmo na modernidade, bem como da
manutenção do “status quo” opressor perantea inferiorização da vida humana.
Inicialmente, surgem, na contemporaneidade, filosofias objetivas contrárias à noção de
altruísmo. Ayn Rand, filósofa russa, tornou-se uma figura representativa do egoísmo crítico e
racional, o qual, segundo a autora, prega que a finalidade de uma ação deva sempre beneficiar
o próprio ser executante, independentemente dos efeitos gerados ao próximo. Destarte, tal
máxima é incorporada por diversas sociedades e sistemas políticos, de forma que, muitas
vezes, as desigualdades sociais e monetárias não são consideradas opressões à vida humana.
Sendo assim, milhares de indivíduos são expostos, cotidianamente, à falta de condições básicas
de vida, fomentando-se uma autoinferiorização por não serem enxergados sequer por outros
cidadãos, realidade enfrentada por inúmeros moradores de rua nas cidades brasileiras e
estimulada pela disseminação e banalização do egoísmo.
Somado a isso, há, ainda, inegáveis sequelas provocadas pela manutenção do “status quo”
opressor. Graciliano Ramos, em sua obra “Vidas Secas”, personifica superestruturas dominantes, a
fim de expor aos leitores os impactos de ações excludentes às vítimas. Tal mímeses é explicitada
no capítulo “Soldado Amarelo”, no qual o protagonista Fabiano se depara com o agente que o
prendeu injustamente, porém, mesmo furioso, esquiva-se novamente, afinal, “Governo é
Governo”. Por conseguinte, a falta de aplicação universal dos Direitos Constitucionais formula
uma sociedade submissa, subjugada pelos mais poderosos e com indivíduos não socializados,
de forma a sentirem-se inferiores, uma vez vistos, majoritariamente, apenas como mão de
obra, circunstância semelhante a deFabiano e a de sua família.
Portanto, entende-se os impactos das condições sociais, políticas e econômicas sobre a
inferiorização da vida humana. Além de novas correntes filosóficas surgirem a fim de resgatar
valor ao egoísmo, há a manutenção de conjunturas opressoras, fomentando- se submissões
físicas, intelectuais e emocionais de muitos indivíduos marginalizados. Assim, “Deus e o diabo
na terra do sol” é uma alegoria da realidade brasileira, a qual precisa ser repensada e
combatida.

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