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Revisitando a Guerra dos Emboabas:


práticas políticas e imaginário nas
Minas setecentistas
A driana &meiro

Este texto apresenta algumas das conclusões de um a pesqu isa ma is alentada I '
sobre a Guerra dos E mboabas,' cu ja abordagem privilegia o universo da s práticas
políticas que nasceram nos albores do século XVIII, por ocasião do conflito entre
pau Li stas, portugueses e baianos. O propósito aqui é expor os direcionamentos des se
inquérito ainda parcial e indicar, ao mesmo tempo, algumas hipó teses de trabalho
que têm orientado a análise. A tese central pode ser assim resumida: foram os pauustas,
os grande derrotados desse conflito, que, paradoxalmente, legaram a contribuição
mais decisiva ao imaginário político que viria a fl orescer nas Minas, duran te as pri-
meiras décadas do século XVIII. Afinal, é praticamente imposs ível analisar os mo-
tins e revoltas que estouraram por todo o século XVIII mineiro sem levar em conta
o peso da tradição política construída primeiramente pelos paulistas e, depois, assi-
milada pelos rein óis. D esse modo, é possível afirmar qu e foram os paulistas que
introdu7.iram naquele conflito o fator mais original e subversivo, isto é, a incorpora-
ção de um teor contratuausta às relações com a Coroa, que viria mais tarde a carac-
terizar o imaginário político setecen tista.
N ão há, no entanto, como problematizar a ação dos pau ustas no âm bito da
G uerra dos E mboabas sem colocá-la na perspectiva das suas negociações com a

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/1 pesqui sa em curso é fin anciada pelo CN Pq, po r meio de uma bokt de prod utividade cm pesc1uisa. Rc ·n-
tcmente, a Fapem.i g concedeu auxíUo para uma viagem a Portugal, ocasião em que pude co nsultar os :irqu ivos
po rtugues1..:s ele interesse para esta investigação.
REVISIT AN D O A CU EIIR ,\ nos l'.M llllAl \/1> ... · H<J
388 MoDos DE G o vERN,111

as perpetradas pelos paulistas permanecia intocada, a exemplo da ob ra do bencdiLino


Coroa ao longo de todo o século XVII, quando finalmente se consolida um c ri I
Charlevoix, autor de uma História do Paraguai, publicada em 1718 na frança, qu '
acervo de representações sob re a gente do Planalto. Assim, um dos principais d so
fios da pesqu isa cm curso é articular a tradição de contestação política mineira 0 11 1 assim os descrevia:
a herança peq ctrada pela Guerra dos E mboabas.
O mal veio primeiramente de outra colônia vizinha [vila de Santo André), em a
A o nt im ·nto fundador das Minas, a guerra que dividiu reinóis e paulistas a , i
qual sangue português se tinha misturado muito com o dos índios. O contágio
nala p I to de chegada de tradições políticas específicas e, no caso dos paulistn• O
d'este mau exemplo chegou bem depressa a S. Paulo, e desta mistura saiu uma gera-
stad as form ul adas por uma práxis que vinha, desde os primórdios do séculu
ção perversa, da qual as desordens em todo o sentido chegarão tão longe, que se deu
Vll, o nfe rindo aos homens do Planalto uma certa especificidade aos olhos {1 1,
a estes Mestiços O
nome ele Mamalucos por causa da sua semelhança com os antigos
: roa. I nteressa aqui então jogar luzes sobre a natureza dessas relações, a fim I
Escravos dos Soldões do Egito. Por mais que trabalhassem os Governadores, os
·nt n ler mel hor o sentido do conflito que se instalou nas Minas e os seus desdobrr1
Magistrados, e os Jesuítas ajudados pelos Superiores E clesiásticos, por deter o curso
mentos no imaginário político setecentista.
desta inundação, a dissolução se fez geral, e os Mamalucos sacudirão em fim o jugo
Cumpre, primeiramente, des tacar a especificidade do universo cultural paulis1n
ela autoridade Divina, e humana. Um grande número ele Banidos de diversas N ações,
analisada freqüentemente do ponto de vista depreciativo com que a Coroa portu
Portugueses, Espanhóis, Italianos e H olandeses, que fugiam perseguidos ela justiça
guesa via esses vassalos, profundamente influenciada, é verdade, pelas invectivas d
dos homens, e não temiam a de D eus, se estabelecerão com eles: muitos índios con-
jesuítas espanhóis, os quais se apressaram em associá-los ao mito do homem selv.
correrão, e ocupando-os O gosto ela devastação, eles se entregarão a ele sem limite, e
gem, transformando-os em Calihans terríveis, pertencentes à es fera antitética da
encherão de horror imensa extensão do país ... Nada é tão miserável como a vida, que
dem e da civilização. É na pena desses jesuítas que se firmará o imaginário do pauli 111
eles passavam nos sertões, em que andavam ordinariamente mui tos anos seguidos.
como vassalo indômito e rebelde, cioso de sua autonomia e avesso às normas I I
Um grande número deles pereciam, e alguns achavam na sua volta suas mulheres
vida política do Antigo Regime. Por ocasião da destruição das reduções jesuíticas n(
casadas com outros: em fim O seu próprio país estaria sem habitantes, se aqueles, qu e
G uairá pela coluna paulista comandada pelo velho Manuel Preto e Antônio Rap o
a ele não voltavam, não substi tuíssem os cativos, que faziam nos sertões, ou os Índi-
Tavares, no ano de 1629, os jes uítas espanhóis MansiJla e Mazetta cri stalizaram, d • ,
uma vez por todas, o acervo de representações do bandeirante paulista como genl , os, com que tinham feito amizade.

desalmada, selvagem, herética e insubmissa: na carta de 2 de outubro de 1629, Mansil ln


N ote-se que O
topos da insubmissão política é sempre recorrente, apresentado
escrevia ao Geral da Companhia de Jesus, referindo-se aos moradores da vila de • o
como derivado da origem mameluca desses ho mens acostumados à vida áspera dos
Paulo como "gente desalmada y alevantada que no haze caso ni de las leys del Rey n
sertões. Um outro historiador da Congregação Beneditina de São Mauro, na França,
de Dios [que] toda su vida dellos desde que salen de la escuela hasta su vejez, no
D. José Vaissette, explica a origem da vila de São Paulo da seguinte forma:
sino yr y venir y traer y vender índios. Y en toda la vila no habrá mas de uno o d
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que no vayan a captivar indios" .
ela deve a sua origem a uma tropa de Espanhóis, Portugueses, Índios, Mestiços, Mu-
É curioso no tar como a legenda negm dos paulistas ultrapassou as fronteiras dn
latos, e outros fugitivos, que por se esconderem, e fugirem dos Governadores gerais
/\mc;rica portuguesa e se difundiu por todo o Império português, superando mes1 (
cio Brasil, se ajuntarão neste lugar, e aí se estabelecerão. Os seus habita ntes, que se
as fro nteiras da Península Ibérica, favorecida pela intensa circulação dos escrit<,
jesuíticos I cio território europeu. E m fin s do século XVIII, a memória das violên

111 1 11
' Françoi~-Xavier de Charlcvoix. 1-.listória cio Parnguoü. ln: Frei Gaspar ela Madre ele Deus. Mc111Óli(l.f ~ /Jlilrltt,I
da capitania de S,io V ia,n/c. Prefácio de Mário G. Fcrri. Belo Ho rizonte: Itatiaia, São Paulo: USP, 197 · hvll l 1.
Affonso ele E. Taunay. 1-listó,ia rim hr111deira.rj)(111/irta.r. São Paulo: Melhoramentos, Brasília: JNL, 1975. t.l , p.46.
390 !vfoDos D1·: Govr·'. RNA R

R EV ISIT ANDO A GUER RA l)OS l~~IHO ,\ I\AS ... 39 \

cLiziam Livres cor·a n d


· ·, 1' , 1 governa os em ReJJLI bl' . .
ica por espaço de d1latado d b ,
da autoridade ele E / Re)' ele p . l tempo e mxo traçamento de Palmares, o governador de Pernambuco Souto Maior assim se refere
01 tuga ao qual eles P .
' . ' , agavam um tr·1buto ele q . 800
a eles: "E , por estes homens serem os verdadeiros sertanejos, e se acharem com 400
_Mm~rcosd·de prata todos os anos pelo quinto do usufruto do seu D o mínio onde:::: t i I
mas e o uro e prat - ' i homens ele armas, os requeri para esta conquista dos Palmares, mandando-lhes pa-
-' ' a, que sao cercadas em roda ele altas mo ntanhas e fechada
urn es p ' SSo bosque. E les adrniti . . ' ' , s pi r tentes de conquistadores dele ... chegou o tempo de verem estes [negros] levantados
. , - am consigo avennlt'e1ros de todas as Nações da E w· , ,, <,
pa, porem nao per mitiam entrada aos estr· . o a sua ruma .
·- e · ' . ' ' ' ange1ros na. s ua -,
p epu' bLi ca. Professavam 'I
R,,,·
~ 1 r 1ao . . " • E m artigo recente, John Monteiro retomou o tema da Rochela cio Brasil para
g a tolica, arnda que exe rcitassem O f · 1 p· .
p . f . . o ic10 e e u atas; mas fin almente E l Rei d('
descrever o imaginário negativo que se constituiu em torno dos paulistas, ao longo
o 1Lug a sui e1to u esta RepúbLica a seu do111ínio imediato cio qual ela h , d 1 " 7
' ' OJe epenc e... dos séculos XVII e XVIII. Definitivamente, parece haver um consenso historiográfico
Fantas iosa a narrativa do b d. . . quanto à existência e à influência desse imaginário. É preciso, contudo, avançar a
. ' ' , ene Jtlno repisa alguns dos t d. . .
imagin ário sobre a gente d s- p l emas tra 1ciona1s d< análise e colocar o problema sob outra perspectiva: em que medida é possível afir-
e ao au o, a exemplo do ímpet0 . ,
gcm mestiça 111 . autonol111sta e ela o n mar que esse imaginário estava ele fato ancorado num grupo específico, que, sem
, as acrescenta dois dados novos -
legenda negra: a idéia de Rep ' bli , que serao recorrentes na fortuna ln necessariamente recobri-lo por completo, partilhava, ao menos, da id éia ele uma iden-
u ca e O pagamento de tributo a . ·
da ter-ra. Este último tópos define d l . , , o rei em troca do domínio tidade própria, sobre a qual se desenvolveu, de forma mais ou menos autônoma?
pau-li t C . ' esc e Ja, o carater das relações políticas entre
. s as e a oroa, concebidas como mediadas Jelos int . .· .' Recentemente, Russel-Woocl enfrentou a questão e propôs a hipótese ele que os
me1ros, retirando-os da condição de l I eresses pnvados dos prr paulistas constituíam um grupo étnico, à medida que atribuíam a si mesmos uma
' vassa os para transfor · l
das terras de el-Rei. ma- os em arrendatári identidade comum, baseada na ascendênci a, nas características culturais, nos traços
Um rápido exame ela documenta ão d . somáticos, nas atitudes, nos valores e nos comportamentos. Segundo ele, "de grande
culo XVII com ç o Conselho Ultramanno ao longo do s '·
. prova que tal legenda negra logrou tamb , . importância é o fato de que os membros de tal grupo percebem e identificam a si
- d ' em contamrnar as repr
çoes as autoridades locais e metropolit e - esenta mesmos como pertencentes ao grupo, e por isso distintos dos outros e que os outros
anas, wrnecendo-lhes a Língua - .
quada para descrever a ação auli , . gem mais acl identificam este grupo como distinto".' Ou seja, os paulistas viam a si como diferen-
século XVII . ~' . sta na Amenca ponuguesa. Por volta do final d
, o recurso es trategico a -li tes dos demais, e eram, ao mesmo tempo, vistos pelos outros como integrantes ele
. . , os pau stas para combater , di d -
da cap1ta111a da Paraíba pareceu às autoridacles , . aJ . os Jn os o serta um grupo específico.
' ' a unrca , terna tiva vi' 1 ,
onar o problema uma ,. . ._ ' ave para so 1u I Não há como discordar elas teses de Russel-Wood; é necessário apenas observar
, vez que, na op1111ao de D. Frei Manu l d R . -
govern ador-geral era "gente d . ' e a ess urreiçao, então que a id éia de uma identidade pau.lista encontra-se disseminada nos estudos mais tra-
, ' acostuma a a pen t -
e inclemências dos climas d e rar sertoes e tolerar as fomes, seel dicionais sobre os bandeirantes, tanto naqueles que tinham por objetivo denunciar
' e os tempos, de que não têm uso aJ .
os milicianos a que falta aquela di , . li , . s gum os mfantes, n i os seus vícios e excessos quanto naqueles que visavam reabilitá-los, postul ando a
sc1p na e constancia" D .
urso à infa t · · escarrava-se assim o r ·
, ' - <11 ana paga - ou tropa ele li 11 h d
a - e a e ordenança
l /llÍn a de guerra do Plan lt l .d . , , e optava-se pela má-
, a o, ma gra o os nscos e amea as . .
I r -~ · 11~·;1 desses indivíduo . ·- . . ç que poclenam adv1r dri
s na regiao, como 111d1ca a doeu -
orr 'N i o n lência sobre a . , . mentaçao coeva. Aliás, cn
s c1tcunstancias do engai· amento dos b d .
an e1rantes no el '' Luiz Fdipe A.lencastro. O /mio dos vi11c11/cs: formação cio Brasil no /\tlântico sul, séculos XVI e XVII. São Pau lo:
Comp:mhia das Letras, 2000. p.239.
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John M. Monteiro. Os caminhos da memória: paulistas no Códice Costa Matoso. Vr11ia Hirto,ia, n.21, p.8 1 1 11,
Vaisscttc, // i.r111in·,w·rw,ip, l'rrk.r1~1.rlclciv1J Tomo 12 1 215 · I
julho 1999.
~le Deus. M c111ó1ifl! /1""'" bistóni, rir, c11/Hir1111á... ' >.. 'e<. Pasiens, ·1755 ap ucl apucl Frei Gaspa r da Madr •
" A. J. R. Russel-Wood. ldenúdadc, etnia e autoridade 11'ts Mj11as Gera.is do século XVTl 1: lci1 urn s (111 '1'11 111
Affonso de F 'Jil u , // ' , ·
..... r1 .1y. tJlona das hrmrleiras... , p.1 57. Costa Matoso. Vi11ia Histo,ia, n. 21, p. 11 3, julho 1999. Pedro Punton.i. A guerra dos b:írbams: pov IH 1111 ! W 111 1
a colonjzação do sertão nordcs1·e do Brasil, '1650-1720. São Paulo : Hucitec, Edusp, F:1pcs1 • 2002, Jl,1 Ili
REVI SIT t\N DO t\ GU ERRA DOS F.MI\Ot\ l\1\ ~... \t \
392 Mooos DI'. Gov EnNAn

sequioso que devia então reger as relações entre súditos e E l-Rei. Basta l mbrn_r
imagem heróica dos verdadeiros descobridores do Brasil. Propor o conceito de gru-
fato de que, bem cedo, os paulistas Manuel Camargo e Matias Cardoso escandal w1-
po étnico parece-me extremamente profícuo para escoimar o debate dos velhos ap ·
ram arcebispo com a exorbitância de suas exigências e o descaso com o serviço 1'
los ideológicos que moveram os primeiros historiadores cio bandeirismo paulista. O
Sua Majestade. o segundo chegara mesmo a enviar um papel ao secretário do Esrn -
Dessa identidade complexa, que não se confunde com a legenda negra perpetrada p •
· · d "multidão de postos maiores capitães e soldados brancos, mas
los jesuítas espanhóis, interessa aqui iluminar um único aspecto: as representações , d o exigtn o u1na , 10

ainda para os índios, que como infantes deveriam ser pagos e fardados". Segundo o
práti as políticas. E para fazê-lo, é necessário refletir sobre a ação paulista ao lon
julgamento do arcebispo, ambos não haviam tratado do serviço cio rei, "senão qu ~
do século XVII, especialmente a natureza e o sentido da participação desses homen ~
considerando-se uns e outros O único e total remédio ela defesa daqueles povos, so
na lu tas encetadas no Nordeste contra índios e quilombolas. Pois é precisament<· li

n sse o ntexto que tais práticas políticas atingem a sua mais bem acabada formu la puseram os olhos na sua conveniência". . .
Pedro Puntoni, em seu livro A guerra dos bárbaros, faz um minucioso estudo das
ção, resultado de um longo processo de embates constantes entre suas demandas ,
difíceis e conturbadas negociações entre os paulistas e as autoridades locais e portu-
as exigências da Coroa.
guesas em torno da questão da recompensa pelos serviços prestados pelos primei-
Ao apagar das luzes do século XVII, quando eclodem os primeiros conilit ,
ros, na luta contra os bárbaros e contra os negros de Palmares. Na verdade, eles
entre paulistas e reinóis na região aurífera, esse acervo de formulações e práticas po
revelaram uma extraordinária habilidade em encaminhar seus pleitos, que, ainda qu ,
líticas já estava suficientemente amadurecido e enraizado na tradição paulista, a p n
não fossem bem-sucedidos, foram defendidos de forma veemente em longos e cui-
to mesmo de obrigar as autoridades metropolitanas a adotarem medidas específi ri ,
dadosos memoriais, apresentados pessoalmente ou por seus procuradores junto à
para convencê-los da condição de vassalos. Noutras palavras, a Coroa conhecia ·
corte em Lisboa. A máquina de guerra paulista articulou-se em torno de estratégias
paulistas de longa data e sabia que a fidelidad e deles a E l-Rei estava condicionada I
bem ~efinidas para vender caro seus feitos nas guerras do Nordeste e Palmares. U_m
obtenção de privilégios e mercês. Afinal, na guerra contra os bárbaros no sertão d(1
exemplo disso é Manuel Álvares de Morais Navarro, sargento-mor do terço de Matias
Rio Grande do Norte e do Ceará, eles foram atraídos principalmente pela prom , 11
Cardoso, que, antes de partir para O Rio Grande, dirigiu-se a Portugal para reclamar
de se cumprir o Regimento de 1611, que lhes garantia a posse dos índios captura I
as mercês reais, tendo sido feito então fidalgo com hábito de Cristo, recebendo tença
em combate, além elas patentes militares, como a de mes tre-de-campo, sargenl
de 150$000 réis; seu filho mais velho recebeu outro hábito e a tença de 12$000 réis.
mor, capitães e ajudantes, para serem distribLúdas entre os combatentes paulistas. V •1
A concessão dessas mercês tinha por objetivo, segundo o Conselho Ultramarino,
dadeira elite guerreira da América portuguesa, adestrada nas táticas militares da gu •1 12

rilha, os paulistas foram prontamente mobilizados para atuar, segundo as palavras I servir de "exemplo para que os mais paulistas se animem". .
Não foram poucas as vezes em que os paulistas ameaçaram abandonar a empr · 1-
frei Manuel da Ressurreição, "em serviço do seu rei como leais vassalos seus"."
tada e voltar para casa, por não receberem soldos ou patentes. Conta Pedro Ta \li ·s
Malgrado o apelo à fidelidade cios paulistas, as autoridades tenderam a en am
1695 paulista Matias Cardoso e seus homens abandonaram a l 1t:i
nhar as negociações visando expli citar as vantagens advindas da colaboração d ,1• , que, no ano d e ,0 . .
acenando com índios, soldos e patentes militares. Este foi aliás o nó górdio 11 11
no Rio Grande, porque não haviam recebido nem os soldos nem as peças I rom 't
das, partindo então para O Rio São Francisco, dedicando-se ali à criação de gado.
a abou por gerar conflitos e disputas entre autoridades e paulistas, cliviclinclo-o, d1
modo irreconciliável e fortalecendo a legenda negra ele vassalos rebeldes e indô n ito
A li nguage m nua e crua com que os paulistas expunham as suas peti l

conclicionan lo os seus serviços à justa remuneração, destoava do tom formal · J '° C,,rta do arcebispo frei Manuel da Ressurreição, de agosto de 1689 (apud Pedro Puntoni. / 1 .~11111,1 ,/111

p.148).
/,(ÍJ1J(l/"0S . .• ,
11
1bidem, p. '149. .
12 J\HU, cód.86, fl.246 -8 (apud Pedro Puntoni . .ri g11crm dos b"rharos ..., p.178).
' Pedro Pumoni. A .~11,,,m rios hri,haro.r. povos indígenas e a colonização do senão nordeste do 13rasil 1650 17 '11
São Pau lo: Hucitcc, l~du sp. h1pesp, 2002. p.148. ' " Pedro Taques apud Pedro Punroni. /1 g11crm dos bárbaros..., p.163.
394 M oDos Dr·: Gov r·:RN,IR
RE VISITAN DO ,\ (i U l~IUlA DOS E~ II I( lt\ 111\ :-.... \9.

Para entend er as pretensões dos paulistas, nada mais eloqüente do que i (lt
O 11 geiro, considerando-os pouco confiáveis no caso de uma investida dessa natureza.
mento qu e segue, escrito por D omingos Jorge Velh o e seu procurador Bent ,1 1
0 1 Ademais, é interessante atentar para as representações qu e os paulistas construíram
Camigli o, por ocasião dos conflitos em torno da recompensa aos serviços pre 1,,
11 a respeito de si mesmos ao lo ngo das negociações com a Coroa portuguesa, isto é,
na lu ta o ntra Palmares:
sabendo valer-se com habilidade daquela legenda negra, manipulando-a para estabele-
cer as condições para a prestação ele serviços à Coroa. As entrelinhas da correspon-
Peço Li ce nça para uma breve digressão, nossa milícia senhor é di fe rente da r Wil
II dência trocada entre paulistas e Conselho Ultramarino fazem delinear a imagem ele
qu e se observa em todo o mundo. Primeiramente nossas tropas com que imos ;\ '" ,
1 guerreiros e civilizad ores, compro metidos com a empresa bandeirante, apresentados
lJuista do genti o brabo desse vas ússimo sertão, não é de gente matriculada nos Livn , 1,
1 como herdeiros de uma tradição militar, em que se destacam a coragem e a bravura
V.M. nem o brigada por so ldo, nem por pão de munição; são umas agregaçõ , ,,
11 como as qualidades mais importantes, o capital mais valioso que tinham a oferecer
fa?.emos algu ns de nós, entra nd o cada um com os servos de armas que tem e ju ,
1111 ao Es tado português. N ão é à toa que as reivindicações dos paulistas press upunham,
imos ao sertão deste continente não a cativar (como alguns hipoco ndúacos pret ndt ,
11 invariavelmente, a concessão de patentes militares.
fa zer crer a V.M.) senão adquirir o Tapuia gentio brabo e comedor da carne hu111 ,, ,
11 Mas, desde logo, é preciso notar que essas qu alidades estão a serviço da Coroa,
para o redu zir ao conh ecimento da urbana hum anidade, e humana sociedade à a,
111 1 na exata medida em qu e esta possa assegurar-lhes a devid a reco mpensa. N esses do-
ação racional trato, para po r esse meio chegarem a ter aquela luz de D eus e dei Jll li ,
1 cumentos emerge pouco a po uco a idéia de um direito de conqui sta, que se articula
ri os da fé católi ca qu e lhes bas ta para sua salvação Q)orque em vão trabalha, qu ' il l ,
1 a urna série de topoi, a exemplo do sacrifício pessoal, do ônus financeiro, do compro-
qu er faze r anj os, antes de os fazer ho mens) e desses ass im adquiridos, e redu Yi d,,
metimento dos negócios pessoais e do investimento sob a forma de luta, conquista,
engrossa mos nossas tropas, e com eles guerreamos a obstinados e reni tentes a s . , ·d
1 11 povoamento e agricultura. São estes os fundam entos que sustentam a noção de di-
zirem: e se ao depo is nos servimos deles para as nossas lavouras, nenhum a injusti ~ 11 11
reito de conquista com que os paulistas vão es truturando as suas negociações com a
fazemos, pois ta nto é para os sustentarmos a eles e a se us filh os co mo a nós l' ,
111 Coroa. Veja-se essa passagem escrita por D omingos Jorge Velho:
nossos: e isto bem lo nge de os cativar, antes se lhes faz um irremunerável serviço ·111 ,,
ensinar a sa berem lavrar, plan tar, colher e trabalh ar para seu sustento, coisa qu
r1111 , me fizeram larga r a mim e a elas o do micílio qu e a poder ele uma per fiada e diuturna
qu e os brancos lho ensinem, eles não sa bem fazer: isto entendid o, senh or/
guerra con tra o gentio bra bo e comedor de carne humana de mais dezasse is anos nos
únh amos co nquistado, povoado, lavrado e p lantado, com nossas cri ações e tud o dei-
Para além do tom petu lante e arrogante com que o velh o bandeirante s li , 1 ,
xamos para v irmos ser vir a V.M .. .. "·
ao rei, cobra nd o-lh e acin tosamente a recompensa pelos seus feitos, de resto sul ill
nh ado por Luís Felipe Alencastro, o qu e surpreende nesse memorial é a desfa Il i
O direito de conquista afigurava-se então uma retórica poderosa e irresi stivel,
com que ele expõe a lógica da ação paulista, deixando claro que a fid elidad e e ta
11 1 suplantando alegações de o utra natureza, pois, como di zia o mesmo D omingos Jor-
se rviço daquele qu e melh or pudesse remunerá-la, independentemente da caus 1 1, 1
" ge Velh o: "que se bem esta mos obrigados em razão de leais vassalos a não fa ltar ao
l1ucs tão. Ora, não é por outra razão que os paulistas sempre obrigaram a <r 1
1 1 serviço de nosso rei e senhor, isso não nos priva de solici tarmos nele aquelas conve-
I o n lcrar sobre as pos sibilid ades de uma eventual associação com O
inimigo . 1i·
11
11
' C,1n a autógrafo de Do mingos Jorge Velho escrita cio O uteiro ela Barriga, campanh a do s Palmares, de 15 de
"
.
11
Ca n a "' <>gr"f:i de Domingos .Jo rge Velho escrita cio Outeiro da 13arriga, campanha cios Palmares, 1, 1 ri,
julho de 1694 cm que narra os trabalhos e sac rifícios que passou e acompanha a expos ição ele l3ento Sorrel
1 Ca migLio procurndor cios pauli stas (doe. 28) (Ernesto Ennes. A s g11erm.r nos P,1/11,m~s.. ., p.204).
Julho de 1694 , cm ,,uc " "rrn os traba lhos e sacrifícios que passou e acompanha a exposição ele Bcn, o s111 1
,J
~am'.g.l10, procurndo r dos pa ulistas (cloc.28) (Ernesto E nnes. A .rg11erm.r 110.r Pa/11,are.r. subsídios para a sun hl 111111 17
f,re fa cm clcA ffo nso de !·:. Ta unay. São Pau lo: Companhia Editora Nacional, 1938). Pedro Octáv io Carneiro da Cunha. Po lítica e administração de 1640 a l763. ln: Sérgio Buarque de l lo l,111d11 .
Luiz FcLipe i\ lencastrn. O /mio rios vi1,e11/es... , p. 240. (ü rg.) 1-lirtó,i,, gemi da civilizaçtio lm,Ji/eim. 3.ecl. São Paulo: Difel, 1973. v. 1, p.34. (t. 1: A época colo nial; v. : i\ lrnr
nistrnçào, economia, sociedade) .
RF.V IS\Tt\ N DO 1\ (;U Ellll 1\ l)OS IU>, II\Ot\ U1\ ~... J97
396 MODOS DE GovntNAR

gerações sucessivas de membros do Conselho. Um dos exemplos mais notório.


niências que são justas e inescusáveis... ". O tom, arrogante e firme, não d j . tl1
célebres, que iria repercutir decisivamente na consolidação da legenda negra, e nsi suu
esconder uma ameaça velada. Verdadeira elite guerreira, formada na longa práti 1 1li,

sertão e dos se us h abitantes, os bandeirantes paulistas impunh am um li 111 na pretensão do paulista José de Góis de Morais. Este, em 1709, propôs-se a com-
prar do donatário marquês de Montebelo cinqüenta léguas da costa do litoral da
contratuali sta, desvirtuando a figura do rei como origem de toda justiça e p >d11
capitania de São Paulo, tendo sido preterido pelo rei. " Que falar então da tradição
para tran sformá-lo na figura do mero contratador de serviço, cu jo sentido . i 1 1
fora do horizonte das preocupações desses homens. Ora, quando o contrato fir1111 firmemente estabelecida entre os paulistas de não se pagar o quinto do ouro extraído
na região de Iguape e Paranaguá, ainda na primeira metade do século XVII, alegan-
do enu·' os pauListas e o governador de Pernambuco, João da Cunha de Sout /vl ,11
do, mais uma vez, o direito de conquista?'" Por ocasião da descoberta da região
or, para extinguir Palmares é rescindido pelo novo governador Caetano de M li < 111
aurífera, em finais do século XVII, os paulistas vão exigir o direito à posse das minas
Cas tro, os paulistas alegam que:
de ouro, alegando que, na carta régia de 18 de fevereiro de 1694, o rei D. Pedro II
prometia aos descobridores delas, para além do foro de fidalgo e o hábito de qual-
Porém como as obrigações Jos contratos são mútuas, e recebem sua lei d · u 111
venção elas partes, segue-se que por qualquer delas que falte ao conveniaclo 1(. ,1 1, quer das suas três ordens militares, "as propriedades das minas, obrigadas apenas ao
pagamento do quinto para a real fazenda". Na ata ela sessão de 16 ele abril ele 1700, o
contrato quebrado e nulo para aquela elas partes que faltou, ora esta foi V.M. li )•

servido digo seja dito com toda a reverência e devida submissão) ... " povo ele São Paulo exigia que o governador fizesse presente ao rei

que as terras cio território elas minas ele Cataguases, assim campos como matos
Em fins do século XVII, os paulistas haviam experimentado uma série d l' ' \'1
lavraclios, ele direito pertenciam aos paulistas, para as possuírem por datas ele S.M. ou
ses nas suas pretensões junto à Coroa: tanto em Palmares quanto nas guerra. 11,
cio donatário, porquanto eles foram os que conquistaram e descobriram as minas ele
Açu, suas demandas não foram atendidas, e, via de regra, os contratos e a r 111
ouro que ele presente se lavram, o que é notório e patente, o que tudo fizeram à custa
viram-se desconsiderados de forma acintosa. Não foram poucas as vezes em 111,
ele suas vicias e fazendas, sem dispêndio algum ela fazenda real, e que seria grande
eles fizeram referência às injustiças e vexações de que tinham sido vítimas no pn I
injustiça, concederem as elitas terras aos moradores cio Rio ele Janeiro, que nunca
do, constituindo mesmo uma memória que influenciaria de modo decisivo o d \ t ,1 20

rolar dos acontecimentos no conflito com os emboabas. De qualquer modo, a (ir li11
tiveram parte tanto na conquista, como descobrimento.

experiência teve, indubitavelmente, efeitos menos evidentes, mas nem por isso 111 1
Nos primeiros anos do século XVIII, as Minas tornaram-se o cenário privilegiado
nos insidiosos: habituou a gente do Planalto a negociar os seus serviços, lastr , d11
cio confronto entre as práticas políticas dos paulistas e as elos emboabas. Coube a es-
por urna concepção bastante amadurecida de direito de conquista, ao mesmo t 1111 11,
que desenvolveu neles uma atitude contratualista diante de um rei tido cada ve;,. n, d ses últimos revitalizar a legendct negra, instaurando, a partir dela, o espaço ela altericlade.
Tanto é assim que os paulistas tornaram-se motivo ele riso e escárnio entre os rein óis,
corno distante e insensível às demandas de seus vassalos. Por sua vez, nos prin p 11
que estranhavam os seus modos e comportamento, tidos como bizarros. De acordo
do século XVIII, a Coroa havia acumulado a memória burocrática, diligentem •111 1
I r ·s ·rvada pelos membros do Conselho Ultramarino, das inúmeras dificuJda l
oi s1:í ulos nas tratativas com os homens do Planalto, cuja fidelidade política ·. t I
" Pedro Octávio Carneiro da Cunha. Política e administração de l 640 a 1763. ln: Sérgio Buarque de Holanda
condi ionada ?i demonstração da magnanimidade régia. Afinal, o tom extremai •,1 11 (Org.) J-/istó,ia gemi da âviliZf'ff'º hmsilcim. 3.ed. São Paulo: Difel, 1973. v. l, p.34. (t.1: /\ época colonial; v.2: Admi-
cru e r ·ali s1a orn que os paulistas dirigiam-se ao rei, em defesa de seus direitoH, u11 nistração, econo1n.ia, sociccb,de). . . . .. 1
" Sérgio Buarque Holanda. /\ mineração: antecedentes luso-brasileiros. ln: _. (Org.) /-/istó11r1 gemi da cwil1zr •
em caso d · n ·gligência destes, furtando-se a agir como vassalos leais, havia eh · 11 li,
çrio..., p.255 (t. 1: /\ época colonial; v.2: /\dministrnção, economia, sociedade).
20 Atas da Câmara da Vila de São Paulo, v.Vll, p.536. ln: Aureliano Leite. O c"ho·maiordos pa11listm "" g11crm 0111
17
Ibidem, p. 2 14. os c111hoah(ls. São Paulo: Livraria Martins, l 942. p. 37.
398 Mooos DE G OVERN AR
R EV JSIT 1\ N DO t\ (; U ERR A D O S 1:.~II H)1\l\1\ ~... \I 1)

com um contemporâneo, finda a Guerra dos E mboabas, o governador D. Ant • n 11 enfim, como explicar que esses homens fossem vencidos pelos reinóis, cuj a ::ir t •
de Albuquerqu e te ntou proceder à composição igualitária entre reinóis e paulist~ I: bélica derivava de concepções militares consideradas ultrapassadas pelos pad rõ 'S
europeus? Na verdade, não foi no campo de batalha que o conflito foi decidido. r o i,
nas d marns, ordeno u que ser vissem em igual número reinóis e pauli stas, o que a , 111 1 ao contrário, no âmbito ideológico, e a vitória resultou da capacidade e habilidad e do
se obse rvava, porém não duro u muitos anos que, co mo os paulistas era m po u os 11
grupos reinóis em articular suas demandas políticas e encaminhá-las adequadamente
qu e fi aram, e ainda estes estra nhavam a vizinhança daqu eles, em qu e ac havam clil à Coroa, de acordo com os valores e as concepções que presidiam as relações entre
rentes cos tumes e desco nfiavam qu e se rissem dos seus, foram desertand o, de JU, o príncipe e seus vassalos. Refiro-me particu larmente à habilidade com que Manuel
descobriu Pitangui."
Nunes Viana subverteu o sentido da ação emboaba, apresentando-a à Coroa nos
ter mos de uma legítima defesa dos interesses portugueses na América, ameaçados
Nas fo ntes relativas à Guerra dos E mboabas, observa-se qu e os pauli stas pt , pelos ânimos revoltosos dos paulistas. D esde as primeiras contendas o m o Borba
suíam for mas específicas de organização política, freqüentemente baseadas na t 1'\I Gato, Nunes Viana abeberou-se daqu ele imaginário negativo em torno dos p::i uli stas
t ura familiar e alicerçadas em torno de regras definidas, como a forte hierarqui za I! 1,
e instrumentalizou-o a serviço de uma pretensa causa portuguesa. Basta 1·mbrn r ::i
a sociedade com a paren tela e agregados, o recurso à violência, a exibição do carfll l I versão dada por frei Francisco de Meneses, quando este viaja a Lisboa na o, di fo
guerreiro, o costume de tomar decisões em conselh os, a vingança como form a 1( de procurador dos moradores das Minas do nascente e poente e do Rio das V ·li n~.
so lucionar os co nflitos, as albaroadas como expressão da força etc. Fica evid 111 , Nela, os participantes do levante dividem-se entre os paulistas, insubordim los ·
nessa doc um entação, que os reinóis não só reconheciam a especificidade deles 1
11 , defraudadores da justiça, e os portugueses de nascimento, vassalos obedientes e %•
grupo coeso e homogêneo, mas também nutriam sentimentos negativos em rela 1111 losos, e o frei o usa mesmo tecer considerações sobre "algu ns meios para melh or
a essa especifi cidade, expressos invariavelmente pela estranheza e pelo escárni utilidade do serviço de V. Maj estade e do benefício comum, e conservação das mes-
famosas abalroadas o u correrias com que semeavam o pân ico entre os reiná.is n111 mas Minas". Aterrorizado pelo espectro cios paulistas rebeldes, o Conselho Ultra-
cando em con jun to e de surpresa, por exemplo, aparecem sempre id entificad a fl I
marin o revitali zo u aquele imaginário nega tivo que lh es era imputado, observando
ritos de violência tipicamente paulistas, contra os quais aqueles aprenderam a d , •11
que eram homens dad os "à exorbitância, e pouco temor da impunid ade com que
volver estratégias de defesa es pecíficas, como a paliçada e a fortaleza. N ão cabe, 111
cometem cada dia mortes e violências atrocíssimas", em contraste com os " homens
adentrar num a d iscussão mais apro fundad a sobre as prá ticas de lu ta e combat · Jll
do Reino", "costumados a viver debaixo do jugo das Leis e magistrados".
os paulistas desenvolveram ao longo do século XVII, no contato com índios , d A segu nda observação retorna algumas reflexões encetadas por RusselJ-Wood,
pois quilombolas, e qu e foram instrumentali zadas posteriormente, com pouco •. i1, ,, em artigo public;d o na revista Va1ic1 Historia, no qual ele lança lu zes sobre as es traté-
no curso da G uerra dos E mboabas.
gias militares em jogo na Guerra dos E mboabas, chamand o a atenção para a
A esse respeito, é preciso fazer duas observações: em primeiro lugar, não foi ,1 11
especificidade da tática pauli sta. É necessário acrescentar apenas que a grand e expe-
:'\mbito da luta armada que se deu o desfecho desse conflito. Afinal, como ex1 li 11
riência acumulada ao lo ngo do século XVII, nas lu tas contra índios e quilombolas,
1uc.: os pau li stas, a eli te g uerreira da América portuguesa, versada nas artes b 'lic I determinou não apenas tais estratégias bélicas, mas também as formas com qu e os
ins1 ir:1das na guerrilha indígena e experimentada na guerra contra os bárbar s 11, pauli stas encarninh aram suas demandas jun to à Coroa. A qu es tão aqui é indagar até
Nord ·s r · · contra os qu ilombolas de Palmares, apenas para citar dois exc m1 lt , que ponto aquele imaginário negativo e detrator que se proj etou em torno dos paulistas
desempenhou um t apel fundam ental na orientação pró-reino! assumida pela Coroa
21
Relação de urn mo rador de..: JVl"a(iana e de algumas coisas ma.is mc1nodveis sucedidas. Autor :111 1111 111
logo no início do conflito, a desp eito mesmo das simpatias pessoais do governador
i'vfotia na, 1750. Luci:1110 Fig ueiredo, Maria Verô nica Campos. (Org.) Códice Cos/(I Mr1/oso. Belo HorizonL ·: )lund I remando Mascarenhas de Lencastre. Afinal, na primeira década do século XVIII, o
çào João Pinheiro, 1999, p.207.
Conselho Ultramarino já havia consolidado uma certa memória burocrática, na qual
Rr:.v1s1TAN DO i\ c;u rnrn,, no~ i :.fl. 1no ,, 11M,.. . %1
400 M ODOS DE GOV1'1\NAR

" . er úbLico não tinha vez - , sob a ai ga ilo,


os paulistas apareciam sempre identificados a insubmissão politica e a brios aut - soberania fragmentada - nos quais o pod P - 1, 1· ..
. . d . ta · 11posto sobre as pretensoes e os pau istns.
nomistas, cujas conseqüências haviam sido inclusive avaliadas pelos conselheir s, mais uma vez do direito e conqu1s ' 11 •
' ,. t . gestaclas e amadurecidas sob
especialmente preocupados com uma possível colaboração com nações estrangeiras. Assim, as for mulações e práticas poht1cas 1o ngamen e . d ,
- . , d. . uilombolas atravessariam to o o secuJo
Parece fora ele dúvida que a experiência secular ele negociações políticas difíceis os influxos ela açao paulista contra tn tos e q . . . . fi .
.- . d S ecentos mmetro. S1g1u icauvamente,
e conturbadas não somente fomentou aquele imaginário - criando assim o mito d XVII, desaguando nas rebelioes e motins o et ,. . ., ,
, · de tohot . sobre a .msu bmissão r)oliuca - ' que ate entao
pauLi sta r b Ide e indômito -, como também lastreou a atitude adotada pelos pró- a legenda negra - e o repertono r . d Jvli
. . . t d agora sobre o habitante as nas
prios I a ,üs tas no decurso do conflito com os reinóis. Afinal, os paulistas haviam ficara confinada aos pauListas, sena ptoJe a a
a r ·ndi lo a desenvolver formas de negociação politica que eram, no mínimo, pecu- Gerais. Fechava-se finalmente o círculo.
li ar ·s, ass um indo freqüente mente um caráter excessivamente independente em reJa-
ãc aos modelos tradicionais das relações entre os vassalos e o rei . O estudo de Pe-
dro Puntoni sobre a Guerra cios Bárbaros revela que os rígidos limites impostos pela
' oroa, na organização elas bandeiras destinadas a lutar contra os índios, não impedi-
ram a eclosão de constantes conflitos entre os paulistas e as autoridades em torn
cios Limites ela ação deles e da questão ela recompensa - na verdade, os ho mens cio
Planalto souberam explorar com argúcia o domínio que tinham sobre as coisas d
sertão, dispostos a vender muito caro os serviços prestados.
Nesse sentido, é curioso observar a habilidade com que constittúram e divulga-
ram a imagem de ho mens especialmente adestrados nas coisas cio sertão, utilizando-
ª como moeda ele troca na negociação com a Coroa. Se os emboabas, sob a liderança
arguta de Manuel Nunes Viana, selaram a própria vitória ao manipular a legendCI negrct
dos paulistas, contrapondo-lhe os protestos de fidelidade politica, é certo também
que não tardo u para que abandonassem a tática da submissão incondicional e aguer-
rida, substituindo-a pela explosiva prática politica gestacla pelos pauListas. Afugenta-
dos es tes, os reinóis encontraram na Coroa portuguesa um novo concorrente na
defesa de se us interesses. Dessa vez, já não cabiam m ais os velhos protestos d
fideLiclade incondicional, que haviam feito deles os campeões da causa portuguesa
nas Minas. Doravante, o direito ele conquista, tão ferrenhamente alegado pelos
I au ti stas, adquiriria outro significado: os antigos emboabas incorporaram ao rol d
s ·us serviços a pacificação elas Minas, transformando-a em moeda ele negociaçã
o n :1s autoridades.
Nos mo tin s e rebeliões mineiras do Setecentos, os reinóis - agora mineiros -
manejari am o topos ela contratualidade e da subrnissão política negociada para fazer . _. . ·tv"n·,s na ,rimei.ra metade d o s ·c11\11~V 11 \
l U ,. 1,.., ncia co1cova 11,lS u ' ' 1
-' Carla Maria Junho Anastas1a. Vt,ssruo.r rm ,er. 11 º e
' . . i
valer os seus int r ·sses junto às autoridades metropolitanas. Mais que isso, levando a , . rcgaclo pela autora num:1 r •f1•1 hi 1 111
. be ·a fr,gmenmc1a e emp • '
Belo Horizonte: C/ Arte, 1998. O conceito de so mJ'."'l·. ·' d , . XVlll conconernm com o p1 l •r ll li l111p11\
noção de direito d ' conquista às últimas conseqüências, potentados como Manuel . : ·im e rnde o secu 1
o , . I
focos de poder pnvado que, ao lo ngo e1a prnne . ln . .. . rcendcr·1m un1a r ·s1s1ên 1111 111 d!
. . 1 d .. loc ., contra as quat!'i cmp '
Nunes Viana estabeleceram pólos de poder privado nos chamados contextos d · tano, desafiando as tenrnovas das autonc a c!'i ais,
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defesa de se us interesses. Dessa vez, já não cabiam m ais os velhos protestos d
fideLiclade incondicional, que haviam feito deles os campeões da causa portuguesa
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I au ti stas, adquiriria outro significado: os antigos emboabas incorporaram ao rol d
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Nos mo tin s e rebeliões mineiras do Setecentos, os reinóis - agora mineiros -
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