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3'>QUADRIIVIESTREDE2009 I ADN
MILÍCIAS NEGRAS NA AMÉRICA PORTUGUESA
fUim&raeâ•FL Onrge
□ linda
pela conjugação de tropas pernambucanas e a
Se/inhAom
esquadra luso-espanhola de Fradique de Toledo Rfic íe - Maurisstad
stovao
rica ocorre de 1580 a Ft. Uaurlla
1640).Nesse primeiro
Salvador - Bohia íPortuQuoses!
contato,os holandeses
teriam sido recepcio Localização dosJbr/es instalados pelos
nados por muitos es holandeses durante a oaipação
cravos fugitivos, que deses, a historiografia destacou o relevante papel
lhes ofereciam serviço dos Terços de Hmms I^elos <! Mulatos, comandados
militar com arcos e fle pelo negro Henrique Dias. Sua paienic de capi-
chas, antigas espadas lão-irior fora exjjefíifjil, fin ](Í (le ílluil fie 1639,
espanholas, escudos jldu (.!í)nrle da Tnrrr. a i|iin1 lliv Unv-.» ci rliit-iU) fie
rt-flonfJns r iimiíii) de 1... i bci iiiensaimeiHc o soklo de 40 cnizados.
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B^QUADRIMESTREOEzooç I ADN 79
MILÍCIAS NEGRAS NA AMÉRICA PORTUGUESA
dos 700, eram vistas, quanto à sua funcionali libertos era exercido por um capitão-mor, ho
dade, de maneiras distíntas pelas autoridades mem branco,poderoso e de considerável cabe
portuguesas. No decorrer do século XVIII,em dal econômico. Em cada companhia haveria
virtude de demandas bélicas específicas, elas um capitão e um alferes, responsáveis pela dis
sofreram diversas reestruturações. ciplina e organização do corpo militar. Se a
Um dos grandes marcos das milícias ne milícia fosse composta por soldados e cabos
gras na América portuguesa foi a reestrutura negros, os seus oficiais (capitão e alferes) tam
ção militar ocorrida em 1766.® Ela seria resul bém seriam negros. As ordenanças atuariam
tado das reformas militares do Conde de Lippe localmente para preservar a tranqüilidade e o
em Portugal e da necessidade de se reforçar os sossego. Semelhante às companhias auxiliares
efetivos militares em função dos conflitos com de infantaria de homens pretos, suas principais
os espanhóis no sul das possessões portugue missões estariam relacionadas aos confrontos
sas na América. com os quilombolas e índios bravos. Todavia,
A reunião das companhias auxiliares de não recebiam soldos, armamentos ou equipa
infantaria de homens pardos e pretos libertos re mentos para o desempenho de suas atividades.
cebia a designação de terço.^ A comandar o ter O terceiro tipo de miUáa negra era o corpo
ço, estaria o mestre de campo, que poderia ser de pedestres. Ele era formado por negros, par
um homem branco ou pardo. Quando uma dos libertos e mesmo por escravos. Eram eles
companhia de homens pretos libertos, por que "entravam nos matos, descendo córregos
especificidade da missão a desempenhar ou por despenhadeiros impraticáveis".^ Pela vasta
pela distância em que se encontrava, não pu experiência prática eram requisitados como
desse ser reunida ao terço, receberia a denomi guias nas expedições militares. Em Minas Ge
nação: companhiafranca.A partir do século XIX, rais, os pedestres estariam distribuídos pela Re
a estrutura tática do conjunto de companhias partição Diamantina (local onde se extraía os
auxiliares de infantaria de homens pardos e diamantes),destacamentos,registros e guardas.
pretos libertos passaria do terço para re^mento Tinham seus soldos ejornais pagos pela Fazenda
e a designação mestre de campo seria substituí Real e eram comandados por capitães pardos.
da por coronel. Por fim, os homens negros libertos e es
As companhias auxiliares de infantaria de cravos também se inseriam nos corpos de homens
pretos libertos poderiam atuar tanto na destrui do mato. Eles não recebiam soldos, fardamen
ção de quilombos e repressão aos índios, quan tos, equipamentos, armamentos ou alimenta
to na defesa das fronteiras marítimas e terres ção da Real Fazenda.Eram recompensados por
tres em auxílio às tropas regulares da capita meio das tomadías pagas pelos proprietários dos
nia das Minas Gerais ou de outras capitanias. escravos fugidos.
Por outro lado, o comando de diversas Na primeira metade do século XVIII, os
companhias de ordenanças de pé de homens pretos administradores portugueses, ao observarem
as altas patentes "mais pelo título e pela lioiua do Xavier da Silva Ferrão. Em agosto do mesmo
que pela execução dos deveres que implicara".'^ ano, Francisco recebeu patente de capitão da
Ao tratar das estratégias de mobilidade companhia de ordenanças de pé dos homens
social por intermédio das patentes militares pardos de Vila Rica. Com a reesirutioraçâo mlli-
adotadas por comerciantes, mulatos e negros lar ocorrida cm ftinção da carta-régia de 1766,
em Minas, o omidor de Vila Rica, Tomás Antô Francisco foi novamente indicado pela câmara
nio Gonzaga, em suas satíricas Carlos Chilenas, de Vila Rica e confirmado no posto. O capitão
denunciava: "Os tendeiros/ mal se veem capi
tães,sãojá Bdalgos;/Seus néscios descendentes
já não querera/Conserxar as tavemas,que llies
deram/Os primeiros sapatos, e os primeiros/
Capotes com capuz de grosso pano".'^ fiiíí
Na busca pelo galão que afidalgava, não
poucos foram aqueles que compraram suas
Itl
patentes. Ao se referir às ações do governador e
capitão-general das Minas, Luís da Cimha Me
neses (1783-88), Gonzaga afirmou: "o Chefe, Nosérula X\^ll, o ouro ilr Vi/ri Rira mti/jueceu
home»s e hisligou disimtas
Doroteu, só quer dÍnheiro,/e dando aos mili
tares regalias,/podem os grandes postos que lhes pardo realizara "contínuas expedições de entrar
vende, subir à proporção também de preço"/'' nos matos coittra os negros fugidos" e auxiliou
A situação denunciada pelo ouridor Gon nos mandatos da justiça,"nas distâncias e aspere-
zaga não seria um fenômeno da administra zas dos caminhos". Para os camaristas de Vila
ção de Cunha Meneses,o seu governo fazia parte Rica, o desempenho de.ssas missões não "resolve
de um processo em gestação. A inserção dos outra qualidade de homens". O capitão Fran
pardos e negros libertos nas milícias era per cisco era vi.sto como "homem dc morigerados
meada por aspectos estratégicos. Entre outras, costumes, louvável conduta, capacidade e ou
a trajetória de Francisco Alexandrino possibi tras circimslâncias que o fazem merecedor desta
lita lançar luz sobre esse aspecto. atenção". Uma vez confirmado no posto,sc su
Em juUto de 1763, Francisco Alexandrino, bordinaria ao capitáo-mor de Vila Rica, ofici
homem pardo c residente em Vila Rica,fora sub ais superiores das ordenanças e governadores.
metido e aprovado nos exames de arimiética e Não venceria soldo, mas gozaria de "todas as
evoluções militares, aplicados pelo ajudante das honras,graças e isenções do posto". Novamente
ordens do governador das Minas,Jerônimo de realizou o juramento dos Santos Evangelhos
Matos, e pelo alferes dos Dragões João Carlos e assumiu o compromisso de residir em Vila
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Rica."^ Ao a-ssuiiur o comando das Minas, o Con
de de Valadares (1768-1773),em flmçào da caria-
régia de 1766, jjrocedeu nova oi-gaiab-ação dos
corpos anxiliares de paidos e pretos libertos. En
tre ás %'árias c:iruis-piitcntc.s que pas.sou, estava a
do capitão da companhia de ordenança de pé dos
honiensjjretos Ulmios de Vila Rica Antônio dos San
tos Corrêa. Antônio dos Santos não receberia sol
do, mas gozaiia de "todas as honras, privilégios,
isenções e franquias". Realizaria ojuramento dos
Santos Evangelhos na presença do capitão-nior
José Alvares Maciel, seria "conhecido por capi
tão, e como tal o trate com honra e estima ofici
ais e soldados de que lhe compete".
Na década de 1770, nova reestniniraçào
militar teve lugar em Minas Gerais, e os corpos
de pardos e pretos libertos foi-am alvo de reor
ganização. O então capitão pardo Franci.sco
Rita em Timdmtes, nnliga SãoJosé dei Rei
Alexandrino Ibi promovido a mestre de campo
do terço de pardos de Vila Rica c seu termo.Jo c 7 de pretos libertos, o que representaria cerca
aquim Pereira da Silva, homem paido, antigo de 1.800 homens sob seu comando.Já o mesD'e
capitão da ordenança de pé dos homens pai dos de campo Joaquim Pereira da Silva liderava 14
libertos do distrito de Corgos c capela de padre companhias de pai dos libertos e 6 companhias
Gaspar, termo da Vila de São Jo.sé, assumiu o de pretos libertos, perfiizeiido cerca de 1.320
terço dc Silo José c seu temio (Quadro 1). militares. O poder adquirido por esses homens
O mestre de campo Fiancisco Alexandrino era considerável. Os próprios governadores, ao
tinha sob suas ordens 23 companhias de pardos emitirem suas canascircularc.s, en\ia\ram-nas aos
Mestre de campo Localidade Terço de pardos libertos Efetivo Terço de p/sAu libertos EfeUvo
Francisco Alexandrino Vila Rica 13 cias de 60 praças 780
780 4 cias de 60 praças 240 1020
Marlana 10 cias de 60 praças 600 3 cias de 60 praças 180 780
TOTAL I I 37
37 2340 |
2340 13 companhias
13 companhias 780
780 3120
3120
Fonte: elatiotado pelo autor a partir dos dadK do Arquivo Público Mineiro. SG. Fi. 7Sv; SC.249.fi. 241; Rol de Conressados de Sâo Josá de! Rei.
** REQUERIMENTO de Francisco Ale.xandrino, Vila Rica, 20/5/1767. Arquivo Histórico Ultramarino. Cx. 90. Doe. 46.
"CAIIXA-PATENTE passada pelo Conde deVaJadaresaAmôniodosSantosCovii-a no posiodecapit.iodeutna companhia de
ordenança de pé dc homen.i pretoslibertos deVila.Rica.Vila Rica, 11/9/1768,Arquivo Histórico Uluainaiino. Cx.9.8. Di>c.26.
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MILÍCIAS NEGRAS NA AMÉRICA PORTUGUESA
capitães-mores, coronéis e mestres de campo. Mortes, referente a 1795, seria possível identifi
Abaixo dos mestres de campo encontravam-se os car algunsfiagmentos do universo desses vassalos
sargentos-mores e seus ^udantes. Eles seriam os militares.Pelos nomes dosconfessadose do cruza
responsáveis pela disciplina e treinamento dos mento com outros fundos arquivísdcos, procu
corpos auxiliares e das ordenanças.Seguiam-lhes rou-se conhecer algumas das estratégias ado
os capitães, tenentes e alferes. Por meio da aná tadas pelos homens pardos e negros libertos.
lise do Rol de Confessados (censo eclesiástico) Dos 103 militares confessados,28 eram libertos,
da Vila de SãoJosé dei Rei, comarca do Rio das dos quais 20 eram pardos e 8crioulos(Quadro 2).
Fonte; Rol de Confessados de Sâo José dei Rei. 1795.Instituto Histérica e Geográfico de Tiradentes.
Quadro 3- Relação dos figurinos militares dos terços de infantaria auxiliar de homens
pardose pretos libertos das Minas Gerais elaborados entre 1784 e 1786
Cidade de Mariana
Vila do Sabará
Vila Nova da Rainha 1784
Vila de São João dei Rei
Vila de São José
Alagoa
Homens pardos Capela Nova
1785
Vila da Rainha
Vila Rica
Vila do Príncipe
Arraial doTejuco
1786
Termo de Infiixlonado
Guarapiranga
Lavras do funil
1787
iuroca
Fonte: Arquivo HIstúrico Militar de Lisboa. 3* Div/26'/18684/13; Arquivo HIsUírico Ultramarino. C6d. 1515,1516; Museu do Ouro de Sabará
Na década de 1780,os vassstlos militares par 1786, foram detectados figurinos representati
dos e negros libertos reafirmaram sua importân vos de 18 corpos auxiliares de homens pardos
cia para o sistema militar da América portu e pretos libertos das Minas (Quadro 3).
guesa, tomando-se mais visíveis aos olhos do Dos 18 figurinos militares localizados nos
rei por meio de figurinos militares.^'' A iniciati diversos fundos arquivísticos elegeu-se, para aná
va partira do então governador das Minas,Luís lise no presente estudo, os figurinos do terço de
da Cunha Meneses. Em 1784, Cunha Meneses homens pardos e pretos libertos da Vila de
enviou carta-circular a todos os coronéis, mes Sabará, comarca do Rio das Velhas. Em Sabará
tres de campo e capitães-mores determinando as companhias de pardos foram reguladas em
a elaboração de estampas,nas quais "se demons 1784 e as de pretos libertos em 1786.
tre o uniforme tanto de um oficial como de um Eduardo Paiva(2002) destaca que "aimagem
soldado armado com todo o seu armamento".® não é a realidade histórica em si, mas traz porções
Para o período compreendido entre 1784 e dela, traços, aspectos, símbolos, representações.
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MILÍCIAS NEGRAS NA AMÉRICA PORTUGUESA
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passada pelo governador das Minas,"não obstan 14 soldados pretos cativos a 100$000 cada um
te serem homens pardos de pé descalço, e de l:4O0S000
conduta igual aos seus mesmos soldados, com Mais para resgatar e por em liberdade os 14
exceção de serem forros".^- pretos cativos 1:000$000.^
Os corpos de pedestres não eram uma ex Nota-se que todosos24 pedestresreceberam
clusividade do Serro do Frio. A Fazenda Real gratificações em dinheiro. Os 14 soldados cati
mantinha 53 homens, divididos em 8 diferen vos foram libertados, além de receberem indivi
tes distritos. Os pedestres eram repartidos pe dualmente a quantia de 100 mil réis. Pela natu
los destacamentos de registros, guardas e pa reza das fimções,suas estratégias de mobilidade
trulhas em número irregular, de acordo com eram diferentes dos homens pardos e negros li
as necessidades locais(QUADRO 5). bertos dos terços e das ordenanças.
Eduardo França de Paiva (1995), ao tratar Em 1779, o governador e capitão-general
dos caminhos para a libertação dos escravos nas das Minas,D.Antônio de Noronha,deslocou-se
Minas, relatou que,em 1797, quando "soldados da capital das Minas,Vila Rica, para a conquista
da extração" exerciam suas atividades nas cabe do Cuieté, nas margens do Rio Doce. Em sua
ceiras do Rio Abaeté encontraram "um diaman comitivaiam 12soldados pedestres,os quais,para
te grande do peso de oitavas e três quartos". Em D. Antônio, eram "os soldados próprios para as
decorrência do achado, os militares foram re expedições dos matos,que vadeiam quase como
compensados da seguinte maneira: as feras nacionais deles".^ Estrategicamente os
6soldados pardos a 200$000 cada um 1:200$000 pedestres foram divididos em dois grupios: seis
4soldadospretosforrosa2(X)S(KX)cadaum 8(X)$(X)0 abriam o caminho e seis cobriam a ret^;uarda
® CARTA de Luís da Cunha e Meneses,governador das Minas Gerais. Vila Rica,9/10/1785. Biblioteca Nacional de Lisboa.
Coleção Pombalina.643,fl. 132.
"DOCUMENTAÇÃO não encadernada da Capitania das Minas Gerais. Arquivo Público Mineiro. Cx. 159. Doe. 15. Apud
PAIVA,Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVHI, p.96. Grifos nossos.
"RELAÇÃOdamancliaqueíizparaoCuieté.D.AntôniodeNorDnhaVilaRica,20/10/1779.ArquKoHistDricoUltramarino.O{.115.Doc55.
da comitiva. Segundo D. Antônio de Noronha, tra os assaltos dos índios. Aqueles soldados que
o uniforme dos pedeslres era composto de ca estivessem ociosos trabalhariam nas roçzis per
misas e calças de algodão, possuíam ainda um tencentes ao rei e os ínuos seriam utilizados
para alimeniá-los.'"'
com um saco pendente de embiras que pren Partindo de sua experiência como gover
dem debaixo dos braços, no qual levam por nador da capitania de Goiá-s (1778-1783) e de
mantimento dos destinados dias tun pouco sua formação militar, Luís da Cunha Meneses,
de feyão cozido com toucinho misturado já então governador das Minas (1783-1788), con
com farinha de milho e no correspondente siderava que um bom corpo de pedestres seria
apartamento a pólvora e chumbo necessário constituído por "homens do mato forros com
para a espingtirda que os deve prover de al caráter de soldados, bem regulados e discipli
guma caça e defender de qualquer insulto nados, formando uma só companhia, e com
do gentío botocudo.^ oficiais brancos, à imitação da companhia da
capitania de GoiásV
Na época da intensificação das ações no Em 1779, o corpo de pedestres de Goiás
Descoberto do Cuieté, os pedeslres teriam fun era composto por 87 militares. Ajiies da chega
ções de controle e vigilância dos caminhos e da de Cunha Meneses, os pedestres não possuí
picadas que davam acesso à região. Ao coman am uniformes regulares e, por ordem desse go
dante da "Guarda dos Pedesues caberia revis vernador,foram obrigados a fardarem-se à pró
tar os viandantes" para evitar o extravio e con pria custa "para se diferenciarem da gente do
trabando. A "Esquadra de Pedestres" defende raalo".^ Mary Kaiasch (1996) destaca que os
ria os presídios, as plantações e as lavras con- corpos de pedestres de Goiás eram compostos
por índios (caiapós, bororós e acroás), pardos
e mestiços, todos hábeis serlanistas.^'
Na região diamantina das Minas Gerais,
os pedestres pa]'üdpavam das diligências relati
vas à prisão de escravos fugidos, garimpeiros
clandestinos, contrabandistas e vendilhões "que
contra as leis andam pelas lavras".'"Ivana Farreia
(2002),ao estudar as tropas que ocuparam aSerra
de Santo Antônio de Iiacambiraçu na década
GoiásVelho, atiliga VilnBoa, capital da Capilania de Goiás de 1780, ideulificou o perfil dos integrantes do
■" Enire ouu-os cstavain Fi-ancisco Crioulo, Francisco Mina, Domingos Bcngiicla. Nicolaii Cabra, Antônio Crioulo,Jerônimo
Crioulo o Asccnio Cabo Verde. Arquivo Público Ultramarino. Seção Colonial. 236, IL 36\'-39 a/juííPARRELA, Ivana. O Iracro
díLi dtíonUms, p. 96-97.
GUIMARÃES, Carlos Magno. A negação da oídem escravista.
Confira; LARA. Sílvia Hunokl. Do singidar ao Plural Patmares, capitães do inalo e o govenlo de escravos; RAMOS. Donald. O
quilombo e o sisleiiia escravista em Aííiíai Cernis do século XVIII', VOLPATO, Liiiza Rios lUccí. Quilombos em lílato Gtvsso;
KARASCH, M;u"y. Os quilombos do ouro na capitania de Goiás, GOMES, Flãvio dos Santos. Quilombos do Rio deJaneiro no século
XIX; MAESTRl, Mário. Pampa Nigro: quilombos no Rio Grande do Sut. REIS, João José. Escravos e coiteiros no quilombo do
Oitizeim. Bahia, 18U6\ CARVALHO. MarcusJoaquim M. de. O quilombo dc Malung^únho, oròdns malas de Pernambuco.
" REGIMENTO dos capitães do maio. Lourenço dc Almeida. Vila do Carmo, 17/12/1722. APM. SC. 6. tis. 133-134v.
LARA, Sílvia Hunold. Do singular ao Plural Palmarts, capitães do nuito e o governo de escravos, p. 94.
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homens do mato sob seu comando deveria se tudo lhe obedeçam e cumpram suas ordens
movimentar "o tempo todo, sendo multado em tudo o que for do meu real serviço como
caso permanecesse mais de oito dias em um devem e são obrigados.^®
mesmo lugar". Suas ações ocorreriam fora dos
centros urbanos e atuariam de forma integra José Inácio, assim como muitos outros de
da com as ordenanças.''® seu tempo, era um homem negro a perseguir,
Os locais de atuação do corpo de homens prender, mutilar,degolar e matar negros quilom
do mato,de pedestres, bem como o das compa bolas ou simples íujões em troca de recompen
nhias de auxiliares e ordenanças de homens sas. Caçar negros fugidos abria acesso à posse
pardos e pretos libertos eram os matos, rios, pica de terras, além de estar relacionado ao aumento
das e sertões. Além da tomadia*^, o que levaria os da população da fronteira e defesa territorial.®"
homens negros a enjfrentarem os quilombolas? Os homens do mato escravos, pardos e ne
Os enunciados da carta-patente, passada gros, por meio das patentes e demais cargos,
pelo Rei D.José ao capitão do matoJosé Inácio buscavam suas liberdades e certa mobilidade no
Marçal Coutínho, trazem aspectos que lançam sistema militar.®' Para esses homens as tomadias
luz sobre o porquê da inserção dos negros nos eram muito mais do que o pagamento pelos ser
corpos de homens do mato. Pela carta-paten- viços prestados aos proprietários dos escravos
te, José Inácio gozaria de "todas as honras, fujões; eram parcelas a serem entregues aos pró
privilégios,liberdades,isenções e franquezas".® prios senhores, um dos caminhos para a liberda
O rei determinava ao governador e capitão- de. Para os homens do mato negros e pardos
general das Minas que forros,as tomadias e outras fontes ilícitas®'^ possi
bilitariam a aquisição de patentes em uma época
conheça o ditoJosé Inácio porcapitão do mato de venalidade de ofícios.
e como tal o honre e estime e deixe servir e Com o declínio do ouro das Minas, os
exercitar o mesmo posto e as pessoas que lhe camaristas de Mariana solicitavam ao rei a re
forem subordinadas ordeno também que em dução das tomadias. O governador da Capita-
anspessada UemaiTIo t los Reiseseu escravo Domingas;o an-spessada Custódio Pinliciro Faria eseu escraw Ventura;osoldado
Seba.stíâo Craveiroc seus escravos Antônio Congo eGonçaIoAiigoÍa:assolcladosJascAniônio da Roeh.te Felipe Rodrigues;
os pcdesu-cs.Antônio Xavier eJoâoJosé.APM .SC, MS.fl. 196.Em dezembro de 1732,o capitão de DragõesSimâo da Cunha
Pereira recebera ordens para prender"iim grande lote de negros,mulntose capiiâesdo mato que andavam noscórregosda
demarcação diimiaiitinn miticrando clandesiinamemc. APM.SC.69,fl.99,
"CARTA de Luís da Cunha Meneses parna rainh:i. Vila Rica,26/4/1786. Arquivo Histórico Ulu-.iinarino Ca. 124. Doe.32.
Grifos no.sso.s,
CARTA dc Luís da Ciinliu Mene.se.s para a raitiha. Vila Rica.26/4/1786. Arquivo Hisióiico Ultramarino. Oc. 124- Doe.32.
®CARTA-PATENTE de capiiãtvn iordomato passada aJoãoFeiTciraGuiitiarãe.speloCAjnde de Assiitmtr.Vila de Nossa Senliora
doCauano, 19/8/1720. Arquivo Público Mineiro.SC. 12. fl. 85v-
■"CARTAdüCàmdedeValadiUCsaocapiinoJoãoPtmoCaldeira.VilaRica. 18/4/1770./\iqnivo lViblicoMineiro.se. 178. fl. 166.
"Arquivo Público Mineiro. SC. 207. Os. 146v-147,
'"Arquivo Piiblico Mineiro.SC. 203, fl. 12.
Os alimentos consumidos pelas expedições ge e diamantes e índios bravos. Seus locais de atua
ralmente eram fornecidos pelos moradores das ção eram os matos, as picadas, os caminhos e os
regiões afetadas pelos quilombolas e constituí rios que cortavam o território mineiro.
am-se de farinha, feijão, capados e sal.®' Para a Algfuns militares negros se inseriam na
expedição enviada ao quilombo do Campo sociedade escravista, conquistando relativa
Grande, em 1746, os armazéns reais fornece mobilidade social pelas promoções e por ou
ram armas, pólvora, balas e granadas, enquan tras vantagens inerentes aos cargos que exer
to as câmaras de Vila Rica, Mariana e SãoJoão ciam. Por outro lado, não se pode desprezar o
dei Rei,Sabara e Caeté contribuíram com 2.750 fato de que alguns negros, ao se alistarem nos
oitavas de ouro,®® além de 20 canoas." corpos militares, estariam desenvolvendo es-
Nas Minas Gerais os pedestres, auxiUares de tratégias de resistência ao sistema escravista,
infantaria, ordenanças de pé q os homens do mato pois viam neles a possibilidade de adquirirem
possuíam algumas características em comum. a liberdade. Por fim,não se pode negar a expe
Os componentes de todas as milícias negras riência militarjá existente nos africanos escravi
eram africanos ou negros nascidos na América zados e levados para a América. Dessa forma,
portuguesa,sejam eles escravos ou libertos. Suas
estabeleciam-se diálogos bélicos que possibili
atividades estavam ligadas à repressão aos taram o encontro da Europa,África e América
quilombolas,facinorosos,extraviadores de ouro nos domínios de Marte e Ogum. ©
Referências
Fontes Primárias
Bibliografia
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